Integração entre favela e cidade

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Presidência da República Secretaria de Assuntos Estratégicos

Integração entre favela e cidade CHAMADA PARA DEBATE TEXTOS PARA DISCUSSÃO

maio, 2012



Integração entre favela e cidade Ricardo Barros, Diana Grosner, Adriana Mascarenhas e Alessandra Ninis (SAE/PR)

(Des)integração Ao longo do século XX, boa parte da migração rural-urbana e nordeste-sudeste no Brasil foi motivada por fatores socioeconômicos. De maneira geral, essa população não tinha os recursos necessários para atender às normas legais que ordenam os assentamentos regulares. Nem tampouco o setor público garantia a todas as moradias a infraestrutura básica adequada (arruamento, calçamento, saneamento, serviços de água, eletricidade e coleta de lixo). Como resultado dessa mútua incapacidade de cumprir os padrões mínimos estabelecidos para o ordenamento urbano sustentável, assentamentos informais e irregulares se multiplicaram. Os primeiros registros estatísticos sobre os assentamentos irregulares brasileiros surgiram em meados do século passado, quando o Serviço Nacional de Recenseamento lançou “As favelas do Distrito Federal”.1 Essas áreas distinguiam-se pela “quase completa ausência de melhoramentos públicos e pela desconfortável condição de suas habitações”. A partir de 1991, passou-se a adotar o conceito generalista aglomerados subnormais, identificando os assentamentos irregulares com base em critérios de i) ocupação ilegal da terra e ii) padrões de urbanização e/ou precariedade de serviços públicos essenciais. Conseguiu-se, dessa forma, incorporar a diversidade dos ordenamentos irregulares em todo o País. Ignorava-se, inicialmente, o surgimento e a proliferação dos assentamentos informais e irregulares. Os assentados descumpriam a legislação vigente e não tinham poder político ou representatividade para exigir a assistência a que tinham direito. Com o passar do tempo, o Estado foi obrigado a reconhecer a sua existência e, progressivamente, lhes oferecer os serviços públicos devidos. A informalidade, a irregularidade e a precariedade, entretanto, sempre dificultaram e limitaram a capacidade do poder público de efetivamente disponibilizar esses serviços que, geralmente, exigem critérios de acessibilidade e de segurança não cumpridos por esses aglomerados. O que inicialmente justificava a falta de atendimento converteu-se, então, numa explicação técnica para o acesso precário aos serviços públicos.

1 O documento As Favelas do Distrito Federal e o Censo Demográfico de 1950 (Rio de Janeiro, 1953) foi organizado sob orientação do Diretor da Divisão Técnica do Serviço Nacional de Recenseamento, Alberto Passos Guimarães. À época, eram 169.305 pessoas moradoras de 58 favelas, representando 7,2% da população do município do Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal. No Censo Demográfico 2010, foram contabilizados 6.329 aglomerados subnormais em todo o País, sendo 1.332 no estado do Rio de Janeiro. Considerando apenas o município carioca, foram contabilizadas aproximadamente 1.400.000 pessoas moradoras de 770 aglomerados subnormais.

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O distanciamento entre o regular — integrado à oferta de serviços públicos — e o irregular — carente de serviços — ficou evidente nas áreas mais modernas e dinâmicas das grandes cidades brasileiras. Com o crescente hiato, os assentamentos formais e as favelas (informais) tornaram-se cada vez mais segregados. Assim, os assentamentos irregulares, que surgiram como uma solução da população mais pobre aos custos proibitivos da regularização, tornam-se áreas com padrões urbanísticos subnormais que dificultam o controle do território pelo poder público, prejudicam a oferta de serviços públicos essenciais, impossibilitam o pleno cumprimento da legislação e, dessa forma, facilitam o aumento de atividades ilegais. Em razão do constante isolamento, os assentamentos irregulares passaram a ter a oferta de alguns serviços públicos privatizada — a segurança em particular — o que resultou em elevados níveis de violência e criminalidade. Em muitas localidades, houve aumento da presença de atividades ilegais e o grau de informalidade atingiu patamares superiores ao do restante da cidade. Deve-se ressaltar, entretanto, que embora a violência, a ilegalidade, a informalidade e a pobreza sejam mais localizadas nessas áreas do que no conjunto da cidade, a concentração da violência2 e de atividades ilegais é bem mais acentuada quando comparada à concentração da pobreza,3 por exemplo. Com efeito, Valladares e Preteceille (1999)4 afirmam que “as situações de pobreza urbana extrema são mais frequentes fora das favelas”. Como muitas vezes a própria informalidade serve como válvula de escape para a pobreza, áreas com alto grau de informalidade podem ter grau de pobreza inferior ao de assentamentos que precisam cumprir a legislação e sair da informalidade e, portanto, precisam pagar impostos e pagar pelo acesso a serviços públicos. Longos períodos de isolamento e de crescente presença de atividades ilegais tiveram importantes impactos sobre outros constructos sociais, em particular, sobre i) as alternativas para a juventude; ii) a forma como resolvem conflitos, percebem e praticam a justiça; e iii) a organização social e a capacidade de ação coletiva da comunidade.

2 Em bairros da Zona Sul carioca, como Ipanema, Leblon, Copacabana e Botafogo, as taxas de homicídios são próximas às europeias e à norte-americana, com 2 a 10 homicídios por 100 mil moradores. As taxas de áreas onde estão situadas, por exemplo, as favelas de Vigário Geral e Parada de Lucas, ou áreas como a do Complexo da Maré ou de bairros pobres da Zona Oeste, essas taxas ultrapassam 75 homicídios para cada 100 mil moradores. In: RAMOS, Silvia. Meninos do Rio: violência armada e polícia nas favelas cariocas. Boletim do CESeC, nº 13, ano 08. Rio de Janeiro, CESeC, 2009. 3 De acordo com o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a renda domiciliar per capita nas favelas do Rio de Janeiro com Unidades de Política Pacificadora (UPPs) está entre R$ 406 e R$ 691, com média de R$ 556. Isso representa, na distribuição nacional de renda domiciliar per capita, um intervalo entre o 53º e 75º percentil, com média na 67ª posição. Esses valores estão acima da linha de pobreza e extrema pobreza definida pelo MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (R$ 140 e R$70). 4 VALLADARES, Licia; PRETECEILLE Edmond. A Desigualdade entre os Pobres – Favelas, Favelas. In HENRIQUES, R. (Coord.) Desigualdade e Pobreza no Brasil, Rio de Janeiro, Ipea, 2000, p. 459-485.

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Em relação às alternativas para a juventude, houve uma divergência entre os caminhos destinados aos jovens moradores da área formal e os destinados àqueles moradores de favelas. Na área formal da cidade, a juventude tem sido crescentemente incentivada a valorizar a educação e a inserção no também formal mercado de trabalho como percursos primordiais de ascensão e inserção social. Nas favelas, contudo, o ingresso em atividades ilegais tem sido percebido, muitas vezes, como uma alternativa mais fácil e viável de ascensão social, enquanto que os ganhos decorrentes da educação formal revelam-se limitados e, por vezes, incertos. Essa divergência, portanto, exigirá importantes mudanças nas estratégias de ascensão adotadas pela juventude. Algumas se referem a transições relativamente mais fáceis, como o retorno à escola. Outras mudanças são mais custosas e difíceis, como a troca de atividades ilegais de alto rendimento (e risco) por empregos formais bem menos lucrativos e com remuneração bem inferior. Da mesma forma, a prolongada segregação, somada à ausência de garantia de direitos civis, levou ao surgimento de instituições privadas para a solução de conflitos e a promoção da justiça. O restabelecimento da garantia dos direitos civis e a redefinição dos instrumentos para solução de conflitos irão possivelmente requerer importantes mudanças nas lideranças e nas formas de organização e representação das comunidades nas favelas (muitas das associações e entidades locais precisarão ser reestruturadas). Hoje, a integração dos assentamentos irregulares ao restante da cidade traz ganhos para as duas parcelas da população. Existem, entretanto, custos significativos associados a essa integração e, portanto, há cuidados que precisam ser considerados para que ela ocorra de forma efetiva e sustentável. Dadas as importantes transformações que um processo rápido de transição ao regular, formal e legal pode requerer, são necessários tanto a extinção das atividades ilegais quanto o restabelecimento da garantia dos direitos civis pelo poder público, alcançados de forma pacífica e sem violações dos direitos humanos. A formalização das atividades nessas comunidades deverá elevar, por sua vez, os custos para empreendedores e usuários de serviços públicos. A integração, com o fim de uma ampla variedade de lucrativas atividades ilegais e informais, irá alterar o leque de oportunidades disponíveis a diversos segmentos da comunidade, particularmente aos homens jovens. Uma mudança efetiva irá requerer, portanto, regras de transição, de maneira a garantir a oferta de alternativas atraentes para esse grupo. A capacidade de ação coletiva da comunidade será, também, profundamente alterada. Num desejado ambiente de normalidade legal, novas instituições e lideranças deverão surgir. Para que todas essas transformações se tornem operacionais o mais rápido possível, é importante que encontrem o devido apoio do Estado, no desenho de políticas públicas dirigidas à transição, até que se complete o efetivo processo de integração entre as favelas e o restante da cidade.

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Integração: o ideal e o possível No momento em que a segregação dessas comunidades torna-se intolerável e boa parte da política pública se volta para a promoção da integração favela-cidade, três grandes questões naturalmente se colocam: • O que se desejaria idealmente alcançar? • Desse ideal, o que pode ser efetivamente alcançado? • Como o alcançável pode ser atingido de forma sustentável? Encontrar respostas a essas questões é um dos grandes desafios para a formulação de políticas públicas voltadas para esse setor. Considerando que esta certamente não é a primeira vez em que se busca a integração das comunidades irregulares ao restante da cidade, uma análise das políticas adotadas no passado pode trazer importantes lições. Em primeiro lugar, busca-se identificar, com precisão, o que se deseja alcançar e, com isso, o que entendemos por uma integração das favelas à cidade que seja efetiva e sustentável. Em segundo lugar, determinar qual a melhor forma para promover essa transformação. Qual a sequência a ser adotada? Seria pacificação seguida da reestruturação das lideranças e organizações sociais para, por fim, termos a transição à formalidade? Em terceiro lugar, definido o destino final (noção de integração) e o caminho a ser percorrido (sequência), objetiva-se estabelecer quais os instrumentos (ações, programas e políticas) mais eficazes e adequados para a promoção da tão desejada integração.

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Dimensões da integração: Segue-se que todo processo de integração deverá necessariamente ocorrer pelo menos ao longo de seis dimensões, complementares entre si:

INTEGRAÇÃO EFETIVA E SUSTENTÁVEL

PRESENÇA DO ESTADO NAS COMUNIDADES

Pacificação, promoção da segurança pública e da capacida-

1. de de resolução pacífica de conflitos

Reorganização das instituições e lideranças e, por conse-

2. guinte, da capacidade de identificação das necessidades locais e de ação coletiva

Transição para a regularidade/legalidade, definição de regras

3. de convivência e garantia da ordem pública

Restabelecimento da igualdade de oportunidades e de aces-

4. so a serviços públicos para o desenvolvimento pessoal e redução das desigualdades

Integração física, econômica e simbólica para a construção

5. de identidade e de pertencimento 6. Ressignificação da juventude

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ORGANIZAÇÃO E FORTALECIMENTO SOCIAL DAS COMUNIDADES

DIMENSÕES

Pacificação, promoção da segurança pública e da capacidade de resolução de conflitos

A violência, a falta de garantia dos direitos civis e a presença de atividades ilegais nas comunidades irregulares encontram-se não só entre as maiores desigualdades, como também, e particularmente, entre os principais determinantes dos correspondentes hiatos em condições socioeconômicas entre a favela e o restante da cidade. Por esse motivo, parece haver consenso de que a primeira etapa para uma integração efetiva e sustentável é necessariamente um processo de pacificação, com cuidadosa atenção aos direitos humanos.

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O apoio da população carioca foi demonstrado por pesquisa5 realizada no Rio de Janeiro. Desde o início do processo de pacificação, a presença das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) deixou 75% dos moradores do município mais seguros. A pacificação, que envolve num primeiro momento o desarmamento e o efetivo combate a atividades ilegais, requer, para ser sustentável, mais do que isso. Requer a retomada da capacidade interna da comunidade, o fortalecimento de suas lideranças e o seu protagonismo, a ser discutido adiante. Requer a presença continuada de efetivos serviços de segurança (polícia comunitária) e a ampliação da capacidade interna de mediação de conflitos, novos ou pré-existentes, seja entre moradores, seja entre grupos de moradores ou entre comunidades. Exige, portanto, pleno acesso à justiça, o que pode ser facilitado pelo estabelecimento de núcleos de justiça comunitária e restaurativa. O objetivo maior das intervenções do Poder Público e a retomada da sua soberania nas comunidades — corrigindo distorções comparativas quanto à sua presença no conjunto da cidade — deve ser sempre a prevenção e a responsabilização de qualquer tipo de violência, inclusive a doméstica. Garantindo-se, assim, o pleno acesso dos moradores da favela à justiça.

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Reorganização das instituições e lideranças e, por conseguinte, da capacidade de identificação das necessidades locais e de ação coletiva

Quase um século de pouca presença do poder público, elevados graus de informalidade e proliferação de atividades ilegais e desrespeito à legislação: tudo isso teve profundas consequências sobre a natureza das lideranças locais, suas formas de representação e a capacidade de ação coletiva das comunidades. Por esse motivo, concomitante e como parte da legitimação do processo de integração, deverá ocorrer uma profunda reestruturação na organização das comunidades envolvidas. Novas lideranças e associações deverão surgir, e a forma de participação da comunidade deverá ser alterada, assim como a atuação de muitas das instituições já existentes. Cada comunidade tem suas especificidades. A sua organização não é apenas importante para que ela diretamente possa protagonizar seu processo de integração e desenvolvimento, é também essencial para tornar a ação pública, na comunidade, mais efetiva. Assim, é fundamental que a ação pública encontre em cada comunidade lideranças e associações capazes de identificar suas necessidades e prioridades, de organizar e promover ações coletivas, de captar e alocar recursos e esforços. O mesmo ocorre com a existência de instituições representativas. Em um momento, quando se objetiva negociar o passo e as regras a ser adotados para a transição. Em outro, como um veículo de comunicação capaz de melhor e mais rapidamente informar a comunidade tanto sobre os

5 A Pesquisa Imagem & Satisfação do Rio de Janeiro foi realizada pela agência de publicidade NBC e Copernicus Marketing Consulting em agosto de 2011.

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recursos públicos colocados à disposição para permitir a transição, como sobre as novas oportunidades e recursos resultantes do próprio processo de integração com o restante da cidade. Para uma integração realmente efetiva, a nova estrutura institucional deve ser representativa dos verdadeiros interesses da comunidade. Com vistas a facilitar essa importante reorganização institucional, é fundamental que a comunidade tenha ampla assistência, técnica e financeira, sobretudo do setor público. Por fim, vale também ressaltar que a integração é, em geral, um momento em que a comunidade pode contar, ainda, com grande solidariedade e apoio externo. Existe oferta de recursos privados e de trabalho voluntário. Instituições locais representativas e eficazes podem ser vitais tanto para captar um volume maior de recursos (inclusive públicos) como para fazer melhor uso desses recursos. Essa é uma razão adicional pela qual o setor público não deveria se responsabilizar completamente pela gestão da transição. Em vez disso, deveria fomentar o desenvolvimento de instituições locais que compartilhassem consigo essa gestão e a instalação das novas regras de convivência.

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Transição para a regularidade/legalidade, definição de regras de convivência e garantia da ordem pública

Uma das razões originais para o surgimento de favelas foi o elevado custo associado ao cumprimento da legislação e a possibilidade de se evitarem os encargos da formalização. Nas favelas, nem todo o consumo de água, energia elétrica, televisão não aberta, internet e outros serviços públicos são integralmente pagos. Tampouco a delimitação entre os espaços público e privado encontra-se bem definida, permitindo, muitas vezes, construções privadas em espaços que deveriam ser considerados públicos. Qualquer forma de integração duradoura deverá necessariamente eliminar os desníveis de informalidade entre favela e o restante da cidade. A integração irá requerer, dessa forma, a definição dos direitos e condições para construção e ocupação do território. Irá demandar a regularização fundiária e a delimitação entre espaços públicos e privados, assim como o atendimento a regulamentações sanitárias, de trânsito, de transporte público e de atividades econômicas. Na medida em que a ordem pública é uma condição para a integração, essa também irá exigir a definição de regras comunitárias de convivência (referentes ao barulho, uso dos espaços públicos etc.). A regularização nas favelas comporta duas fases, segundo Gonçalves (2006):6 a urbanística e a propriamente fundiária. A primeira é o estabelecimento de parâmetros urbanísticos adaptados às condições locais, observando os modelos alternativos de construções e de ocupação do solo. 6 GONÇALVES, Rafael Soares. La politique, le droit et les favelas de Rio de Janeiro: Un bref regard historique. Journal des Anthropologues. n° 104-105, 2006, p.37-63.

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A legislação deve orientar, desse modo, o crescimento das favelas, flexibilizando os modelos adotados no resto da cidade. Já a segunda fase considera a regularização fundiária propriamente dita. Tem o objetivo de assegurar aos moradores a propriedade reconhecida tacitamente pelos poderes públicos, com a instalação de serviços coletivos nas favelas e o abandono progressivo da política de remoção iniciada nos anos 1980. Um dos grandes desafios da integração é a eliminação, ou ao menos a redução, dos desníveis no grau de urbanização entre as favelas e o restante da cidade. Como uma das principais razões para a formação de favelas sempre foi a rigidez das normas urbanísticas, sua incorporação não será tarefa fácil. A incorporação dessas normas já representa um grande desafio para os novos assentamentos populares, que por vezes poderiam se beneficiar muito de padrões mais flexíveis e mais adequados à sua realidade econômica. No caso de favelas e de outros assentamentos irregulares, onde grandes investimentos já foram realizados sem levar em consideração as normas estabelecidas para outras áreas, os custos de uma readequação urbanística às normas vigentes podem se demonstrar inteiramente proibitivos. Certamente os benefícios da atenção à regulamentação não virão sem custos significativos para os seus moradores. Ao contrário, no entanto, de outras dimensões da integração, como a pacificação, que precisa ser implantada de imediato, a formalização pode ser aplicada de forma gradual. Soluções que minimizem o seu alto custo devem ser consideradas. Ao passo que a noção de segurança deve ser única para toda a cidade, a noção de formal e regular pode variar. Favelas e outras comunidades pobres podem ser tratadas como áreas especiais com padrões de construção e de urbanização diferenciados. Assim, embora integração requeira respeito à legislação vigente, ela não demanda necessariamente uma legislação unificada para todas as áreas da cidade. Como afirma Santos (1982),7 “a desordem é só uma ordem que exige uma leitura mais atenta”. Uma questão a ser enfrentada na integração é precisamente a importância e a adequação de legislação que seja específica para as comunidades, assim como a necessidade de um período de transição para a formalização. Há dois argumentos nesse sentido: (1º) A regularização representa uma profunda mudança nas regras de funcionamento da comunidade. Isso significa mudanças de hábitos e com custos de magnitude significativa na maioria das vezes. Uma das formas de mitigar alguns desses custos e tornar a mudança de hábitos viável é a opção por uma transição escalonada e programada. (2º) A natureza unilateral da integração. Normalmente, a comunidade não é consultada sobre seu interesse na integração. Dessa maneira, presume-se que o interesse coletivo encontra-se acima dos interesses locais. Como uma mudança imposta, não necessariamente demandada, é natural que se ofereça um período e incentivos para ajuste à nova ordem.

7 SANTOS, Carlos Nelson Ferreira. A desordem é só uma ordem que exige uma leitura mais atenta, In: Revista de Administração Municipal, nº 165 (6-17), Rio de Janeiro, lbam, out/dez 1982.

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Caso um período de transição seja adotado, deve-se definir sua duração, quais as regras e como os seus custos podem ser financiados. A primeira opção é uma transição mais lenta, sem o aporte de recursos públicos e, portanto, em que a comunidade cobre todos os custos havidos. Outra opção é uma transição mais rápida, em que recursos públicos são utilizados para cobrir boa parte dos custos envolvidos. Os custos associados à integração a ser considerados são, em um momento inicial, os diretamente associados ao acesso informal e irregular a serviços públicos (água, energia elétrica, televisão e internet, entre outros). Nesse caso, a regularização pode requerer a disponibilização na comunidade de tarifas especiais subsidiadas, seja apenas como um instrumento de transição, seja como uma resolução de longo prazo dirigida a minimizar o grau de pobreza local. O segundo grande custo é o decorrente da interrupção dos recursos provenientes de atividades ilegais de alta lucratividade para eventos comunitários e sociais. Com a pacificação e a eliminação dessas atividades, torna-se necessário equacionar novos mecanismos de financiamento.

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Restabelecimento da igualdade de oportunidades e de acesso a serviços públicos para o desenvolvimento pessoal e a redução das desigualdades

Embora a pacificação, o restabelecimento da ordem pública, a instituição de regras de convivência e o fomento à capacidade de ação coletiva sejam condições necessárias e indispensáveis à integração das favelas à vida da cidade, não são suficientes. Uma efetiva e duradoura integração requer a eliminação de qualquer hiato que possa existir no acesso a serviços públicos. A igualdade, no que se refere à disponibilidade e à qualidade dos serviços públicos, é uma condição imprescindível à integração. Inicialmente, tendo em vista as notórias desigualdades urbanísticas existentes entre as favelas e o restante da cidade, é conveniente se destacar do termo “serviços públicos” aqueles serviços meramente urbanísticos, denominando os demais como “serviços públicos sociais”. As desigualdades urbanísticas estão, sem qualquer dúvida, entre as que mais promovem a desintegração simbólica entre favela e cidade. Além disso, a redução dessas disparidades tem também reconhecido impacto sobre as condições de vida da população nessas comunidades. Como já mencionado, será inevitável uma regulamentação especializada, específica para essas áreas. O dilema maior, entretanto, não é a necessidade de conviver com uma variedade de normas numa mesma cidade, mas a preocupação com as eventuais consequências que essa distinção possa trazer, enquanto consagra e naturaliza diferenças entre favelas e outras áreas. A principal questão é como adequar as normas à realidade de cada comunidade, sem congelar e consolidar desigualdades ao mesmo tempo.

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A busca por normas adequadas, que não reproduzam desigualdades, pode ser facilitada organizando-se os serviços urbanísticos em três grandes grupos, de acordo com a sua complexidade. Em primeiro lugar, temos os serviços diários que não exigem grandes investimentos: limpeza pública (coleta direta do lixo, limpeza das vias públicas); iluminação pública; definição e ordenação dos endereços; estabelecimento do funcionamento dos correios; ordenamento do trânsito; estabelecimento ou regularização do transporte coletivo interno. Esses serviços deveriam ser oferecidos com a mesma qualidade e regularidade em todas as áreas da cidade, sem qualquer diferenciação. Em segundo lugar, temos os investimentos mais básicos em infraestrutura, necessários para a oferta dos serviços do grupo anterior e que não requerem o reordenamento do espaço e remoção de domicílios. Trata-se do estabelecimento de uma rede pública para abastecimento de água e coleta de esgoto, galerias pluviais e calçamento das vias públicas. Embora se deva, nesse caso, também, buscar a eliminação das desigualdades em relação ao restante da cidade, os padrões para esses investimentos podem admitir alguma diferenciação em função da topografia, largura e acessibilidade das vias públicas. Por fim, têm-se os grandes investimentos que devem requerer o reordenamento do espaço e a remoção e realocação de habitações, tais como: arruamento; alargamento e ordenação das vias públicas; construção de praças; áreas de lazer e esportes e outros equipamentos de uso público; obras para prevenção de deslizamentos e outros desastres naturais. É nesse grupo que a adequação das normas à realidade local tem maior importância. O objetivo é evitar a desvalorização dos investimentos privados e limitar as realocações àquelas absolutamente inevitáveis. Entretanto, ainda mais importante que a integração urbanística talvez seja a eliminação das disparidades no acesso e na qualidade dos serviços sociais. Em grande medida, as piores condições econômicas das populações em favelas resultam de desigualdades: i) no acesso a oportunidades para adquirir habilidades adequadas às necessidades da comunidade (graças a um acesso restrito à educação e à formação profissional); ii) nas condições que têm para adquirir habilidades (disponibilidade de uma renda mínima e segurança alimentar, em parte em decorrência de acesso mais limitado à assistência social); iii) no acesso a oportunidades para utilizar de forma produtiva as habilidades adquiridas (decorrente de acesso limitado ao trabalho, em particular aos melhores postos de trabalho); e iv) nas condições que têm para aproveitar essas oportunidades produtivas (documentação, transporte e referências pessoais). Qualquer que seja a forma adotada para integrar as favelas à vida do restante da cidade, ela deve inexoravelmente promover a eliminação ou, ao menos, uma drástica redução na desigualdade de oportunidade e de condições, seja para adquirir habilidades, seja para utilizá-las de forma produtiva. Por conseguinte, nenhuma forma de integração será efetiva e sustentável sem uma redução nas desigualdades de acesso e de qualidade dos serviços de educação, saúde, assistência social, trabalho, documentação e transporte, fundamentais a um maior grau de igualdade de condições e de oportunidades. 12

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Integração econômica, física e simbólica para a construção de identidade e de pertencimento

Igualdade nem sempre implica integração. Uma verdadeira integração só é alcançada quando, concomitante à promoção da igualdade, haja o combate à segregação de maneira plena. Em princípio, é possível a convivência segregada de grupos sociais com igual acesso a serviços públicos de mesma qualidade. É o caso de “separados, mas iguais”. No âmbito econômico, não basta garantir igualdade de acesso aos mesmos postos de trabalho. É necessário, também, promover a integração econômica. Nesse contexto, integração significa a utilização dos serviços e produtos das comunidades. Uma verdadeira integração só pode ser alcançada quando o comércio e os serviços da comunidade são efetivamente capazes de competir com aqueles oferecidos no restante da cidade. Só quando moradores da cidade comprarem e utilizarem com frequência serviços oferecidos na comunidade é que se pode argumentar que existe integração econômica de fato. Da mesma forma, a integração econômica pressupõe que os moradores da comunidade tenham acesso indiscriminado aos serviços oferecidos no restante da cidade, em particular, às instituições financeiras. Para que a integração econômica ocorra, é indispensável que exista, também, integração física, aqui entendida como a eliminação de todo e qualquer entrave à circulação de pessoas e mercadorias. Sem a integração física, não pode ocorrer integração social e econômica, uma vez que moradores de fora não têm liberdade para usar os serviços oferecidos dentro da comunidade, fazer suas compras, frequentar clubes e festas, visitar parentes ou amigos e praticar esportes em equipamentos localizados na comunidade. Ao circularem pela favela, não moradores fortalecem a integração social entre a comunidade e o restante da cidade. Além da indispensável eliminação dos entraves, é de extrema importância a integração do transporte coletivo. Os serviços devem deixar de ser segmentados entre “transporte até a comunidade” e “transporte dentro da comunidade”. Ao mesmo tempo em que o transporte conecta partes da comunidade, conecta cada uma às demais áreas da cidade. Deixam de existir “circulares” na comunidade e passam a existir linhas que cruzam a comunidade e, assim, servem a cidade integradamente. Vale ressaltar que o mais perfeito processo de pacificação, a completa integração econômica e física, assim como a eliminação da desigualdade na oferta de serviços públicos podem servir apenas para garantir a integração formal da favela à vida da cidade. Como cada comunidade tem permanecido de alguma forma segregada por décadas — em alguns casos, por mais de um século — aspectos simbólicos podem impedir que uma plena integração ocorra. Tão importante quanto a igualdade, a pacificação e as integrações físicas e econômicas é a integração simbólica.

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De todos os tipos de integração, talvez a simbólica seja aquela cujas formas eficazes de promoção sejam as mais desconhecidas. Existe, no entanto, consenso de que o desenvolvimento da identidade da comunidade e a promoção da sua autoestima são linhas de atuação promissoras. Três grandes linhas têm sido utilizadas para isso. Em primeiro lugar, tem-se a implantação, construção e recuperação de equipamentos e áreas públicas, como praças, centros de esportes, clubes, ambientes para shows, cinema e teatro. Em segundo lugar, tem-se demonstrado eficaz na promoção da autoestima a modernização dos serviços disponíveis localmente, como a inclusão financeira (com a instalação de caixas-eletrônicos e agências bancárias na comunidade) e a inclusão digital (com a instalação de telefones públicos e centros com acesso a computadores e internet com banda-larga). Por fim, a recuperação da memória e história da comunidade tem-se demonstrado de grande eficácia para o desenvolvimento da identidade local e sua autoestima. Ela pode ser alcançada com base na retomada da história, na definição de um calendário de eventos significativos àquela comunidade, na preservação de locais de valor histórico, na construção de um museu local e na restauração ou desenvolvimento de pontos turísticos. Para Barbosa (2009),8 coordenador do Observatório das Favelas, a distribuição espacial de equipamentos e de bens culturais nas grandes cidades do País é um retrato perverso das desigualdades sociais. Há uma forte concentração de teatros, cinemas e espaços culturais nas áreas centrais nos bairros típicos de classes médias. Nas favelas e periferias, porém, os investimentos públicos em arte e cultura são precários ou inexistentes. Em contrapartida, é nesses espaços que emergem diferentes subjetividades com forma, conteúdo e linguagens inovadoras, normalmente desvalorizadas nas concepções, ainda hegemônicas, de arte e cultura. É preciso reconhecer, portanto, que “a metrópole é produto da diversidade da vida social, cultural e pessoal. Isto significa dizer que a cidade deve ser pensada, tratada e vivida como um bem público comum, e não como um espaço de desigualdades”. É preciso reconhecer a favela em sua singularidade, como bem descreve Fernandes (2009),9 mas sem que isso signifique uma visão desintegrada do contexto urbano. Segundo o autor, a favela não é apenas parte indissociável da cidade, mas é, ela própria, a cidade. É reconhecer, portanto, o papel e o lugar da favela no sentido de superar a sua imagem estigmatizada, que reforça a própria imagem de seus moradores — especialmente, dos que estão em situação mais frágil de exposição no imaginário social — como potenciais criminosos.

8 BARBOSA, Jorge Luiz. Os Espaços Populares na Política Pública Cultural. Observatório de Favelas. Maio, 2009. Disponível em: <http://www.observatoriodefavelas.org.br/observatoriodefavelas/acervo/ view_text.php?idtext =13>. Acesso em 17 de maio de 2012. 9 FERNANDES, Fernando; EDMUNDO, Kátia, DACACH Solange. Sistematização de experiências de prevenção à violência contra jovens. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009.

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A integração simbólica não pode ser compreendida como unilateral. Não basta reforçar a identidade e a autoestima da favela. É fundamental desenvolver o sentimento de pertencimento, promovendo nos residentes da favela o sentimento de que fazem parte da cidade, ao mesmo tempo em que se promove o sentimento, nos demais moradores da cidade, de que a favela é parte integrante dela. Por um lado, os residentes das favelas devem valorizar tanto a história específica de sua comunidade como a história comum que compartilham com o restante da cidade em que se inserem. Por outro, para que ocorra essa valorização bilateral, é importante que se promovam eventos culturais na cidade com a participação de favelas e bairros, assim como eventos esportivos na cidade com a participação também das equipes de outras localidades. De igual importância é a escolha do local para a realização desses eventos. Devem ocorrer tanto nas comunidades como na cidade, contribuindo para o fim da segregação. Nesse particular, o estímulo à integração nas escolas públicas localizadas na favela e no seu entorno pode também ser de grande valia.

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Ressignificação da juventude com a promoção de amplas oportunidades para a retomada de percursos sociais, formativos e produtivos mais seguros e sustentáveis

A segregação e a proliferação de atividades ilegais induziram o distanciamento da juventude de oportunidades para o seu desenvolvimento iguais às normas do restante da cidade. Décadas de acesso limitado a oportunidades educacionais e aos melhores postos de trabalho disponíveis na cidade levaram a juventude nas favelas à desvalorização do conhecimento e à descrença na educação e na escola como formas efetivas de aprendizados úteis e como vetores reais de ascensão. Elevada prevalência de atividades ilegais associada a um limitado acesso a trabalhos formais (com as mesmas possibilidades de ascensão) fizeram que esses jovens dessem menor importância (ou ao menos se comportassem como tal) a um trabalho formal estável, na medida em que buscam esses tipos de trabalho com menos intensidade. E mesmo quando o conseguem, não há estímulos para preservá-lo. Em suma, tanto a educação como o trabalho formal acabaram por ter menos valor para a juventude nas favelas do que no restante da cidade. A maior incidência do tráfico de drogas nas favelas tem influenciado de forma diferenciada a juventude das comunidades. Segundo Fernandes (2009),10 para aqueles jovens que vivem nessas áreas, cabe considerar que as condições de vida tendem a ser mais vulneráveis. A situação se agrava, ainda, pelo fato de que “a fraca presença do Estado tem significado a territorialização de grupos criminosos armados que operam o tráfico de drogas e outras atividades ilícitas”. Nesse cenário, muitos jovens sofrem as consequências desse processo, cuja “estigmatização decorrente

10 FERNANDES, Fernando; EDMUNDO, Kátia, DACACH Solange. Sistematização de experiências de prevenção à violência contra jovens. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009.

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afeta sua mobilidade espacial e, em particular, os expõe a situações de violência e violação de direitos que podem culminar em sua morte”. A integração da favela com o restante da cidade, por um lado, reduz drasticamente a incidência de atividades ilegais e, por outro, amplia o acesso à educação de qualidade e ao trabalho formal estável e com possibilidades de ascensão. Por esses dois canais, muda drasticamente o leque de oportunidades e, também dessa forma, os canais que a juventude dispõe para ascensão econômica e social. A integração demanda da juventude, portanto, mudanças abruptas de comportamento, atitudes, aspirações, visões de futuro e escolha de caminhos. Com vistas a permitir que os novos caminhos e oportunidades sejam visíveis à juventude, é necessário que uma série de serviços e atendimentos seja prestada. A prioridade deve ser o acompanhamento e a orientação dos jovens, a começar pela oferta de programas de aconselhamento, tutoria e familiarização com modelos de sucesso. O objetivo é ressignificar escola e trabalho formal-estável na escala de valores de adolescentes e jovens. Reconhecer que escola e trabalho são importantes é apenas o primeiro passo na retomada de um percurso socioeconômico seguro. Em seguida, deve-se ter acesso a oportunidades que permitam concretizar essa retomada. A volta à escola requer a disponibilidade de serviços educacionais adequados à correção da defasagem série-idade e de déficits de aprendizado. Requer uma escola que, além dos temas tradicionais, também trate de temas de importância ou de interesse particular à população das comunidades, como i) saúde reprodutiva, doenças sexualmente transmissíveis, saúde bucal e mental; ii) direitos humanos, cidadania, discriminação e direitos do consumidor; e iii) ordem pública, regras de convivência e resolução de conflitos. Incentivos financeiros podem também ser extremamente importantes, assim como o acesso prioritário para aqueles que frequentam a escola ou já concluíram o ensino médio a opções para entretenimento, inclusão digital (contemplando rádio comunitária) e atividades esportivas, culturais e artísticas. Para a transição ao trabalho formal estável, o acesso à formação profissional é fundamental. É necessário, também, estimular a oferta de vagas para jovens da comunidade e garantir acesso a serviços de intermediação de mão de obra. Além disso, é necessário promover a geração de trabalhos na comunidade e no seu entorno por meio da implantação de arranjos produtivos locais, da promoção de trabalho comunitário e do incentivo ao empreendedorismo. Acesso a oportunidades educacionais e a postos de trabalho estáveis e de boa qualidade, além de condições financeiras para plenamente aproveitar essas oportunidades, pode ser suficiente para a retomada de um percurso sócio-formativo-produtivo para a maioria dos jovens em favelas. Para aqueles que já estão envolvidos em atividades ilegais ou que sejam usuários de drogas, oportunidades e condições para aproveitá-las podem não ser suficientes. Para esses jovens, programas bem mais especializados e complexos precisarão estar disponíveis se o objetivo é alcançar a sua efetiva reintegração.

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Fim da mútua invisibilidade: considerações finais Conforme já ressaltado, a integração das favelas ao restante da cidade traz ganhos substanciais para os moradores das duas áreas. Deve ser um processo democrático e gradual que, para revestir-se da legitimidade necessária, deve envolver os dois lados do que historicamente se construiu mutuamente de maneira desintegrada. Considerando-se a busca pelo que se deseja alcançar e como é possível promover a integração favela-cidade de forma efetiva e sustentável, a construção de uma política voltada à integração não se deve limitar a diagnósticos ou ao delineamento das soluções, mas deve tratar de forma balanceada os vários aspectos de cada uma das seis dimensões da integração apresentadas anteriormente. Os aspectos a considerar são: • Extensões da falta de integração: qual a intensidade e a natureza da desintegração? Qual o desnível existente entre a favela e o restante da cidade com relação às condições de vida dos seus moradores, quanto à prevalência de informalidade, pobreza, acesso a serviços públicos e violência? • Determinantes do hiato favela-cidade: quais os fatores determinantes dos hiatos entre a favela e o restante da cidade? Em que medida a falta de acesso a serviços públicos e à segurança decorre da desigualdade urbanística? Em que medida a informalidade e a violência decorrem da segregação dessas comunidades? A pobreza é causa ou consequência do isolamento, da informalidade e da falta de segurança? • Melhores práticas: quais as ações, projetos e políticas utilizadas no passado para promover a integração favela-cidade? O que nos ensinam essas experiências anteriores? Em que medida foram efetivas e sustentáveis? • Propostas de políticas para a integração: dado o que se deseja alcançar e dada a sequência que se deseja seguir, qual o melhor leque de ações, projetos e políticas? Qual opção irá alcançar uma integração efetiva e duradoura com o menor custo social possível? A fim de se manter um significativo componente analítico sempre presente, é indispensável que, na apresentação das propostas de solução, se esclareça como e por quais canais se avalia que tais intervenções são capazes de promover a integração; • Viabilidade de implantação e dificuldades: nem sempre as soluções potencialmente mais eficazes são viáveis do ponto de vista prático. Barreiras culturais ou políticas podem dificultar, ou mesmo impedir, que determinadas ações sejam implantadas. Dessa forma, avaliações da viabilidade e das barreiras à implantação das ações propostas, assim como dos mecanismos que poderiam ser utilizados para mitigar essas dificuldades, devem ser cuidadosamente analisados, a fim de garantir a efetividade das ações voltadas à integração.

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