Conferência do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, Wellington Moreira Franco, no VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa e I Encontro Sul-Americano de Estudos de Defesa
São Paulo, 8 de agosto de 2012.
Tema do Evento: Pensamento Brasileiro em Defesa
Senhoras e senhores, 1.
Foi com satisfação que acolhi o convite para proferir esta
conferência no VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa e I Encontro Sul-Americano de Estudos de Defesa. 2.
É um prazer ver alguns dos mais renomados especialistas
brasileiros
e
sul-americanos
em
defesa
aqui
reunidos.
Aproveito a ocasião para cumprimentar o professor Samuel Alves Soares e toda a Comissão Organizadora pela brilhante condução desse Encontro. 3.
Esta sexta edição do ENABED se realiza em momento
oportuno, pois, nas últimas semanas, foram encaminhados ao Congresso Nacional os três importantes documentos para a defesa do País: a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional. Inicia-se, agora, um novo ciclo de revisão e atualização desses 1
documentos. E o primeiro passo na realização dessa tarefa é fazer perguntas claras, que norteiem os debates ao longo desses próximos quatro anos. 4.
Gostaria de trazer à consideração dos senhores cinco
questões para pensar a defesa nacional. A primeira se refere à percepção de ameaças pelo Estado e pela sociedade brasileira. Duas são as formas de se conceber a defesa de um país: uma é olhar para fora, definir claramente quais são as ameaças e, com isso, estruturar a defesa; a outra é olhar para dentro, visualizar as necessidades e vulnerabilidades internas e desenvolver as capacidades dissuasórias que contraponham eventuais riscos à segurança nacional. 5.
A segunda forma foi a escolhida pelo Brasil, ela não
identifica, de modo explícito, ameaças latentes no meio internacional e, por isso, pensa sua defesa a partir do desenvolvimento
de
capacidades.
Os
dois
principais
documentos de defesa, a PND e a END, retratam um cenário marcado por ameaças difusas e elevado grau de incerteza. Porém, com o recente crescimento de seu protagonismo internacional, com a pujança da nossa economia, com uma certa desenvoltura que o país e outros emergentes enfrentam uma crise que se arrasta desde 2008, se agravando de maneira crescente, todo esse quadro de protagonismo internacional, me parece que seria imprudente imaginar que o Brasil não enfrente antagonismos na realização dos interesses nacionais. 2
6.
Em um de seus textos, o professor Héctor Saint Pierre,
presente neste evento, afirmou que “é precisamente a ameaça que permite ao ameaçado tomar as medidas preventivas para se proteger da agressão que ela anuncia”. Esse, no meu ponto de vista, é um bom ponto de partida para se discutir a necessidade de se ter clareza na percepção e avaliação das ameaças que afetam o País. Nesse sentido, cabe-nos perguntar: A opção da PND e da END de estruturar a defesa em torno de capacidades, sem identificar explicitamente ameaças, é a mais eficaz? Ela desperta o interesse da sociedade por assuntos de defesa? Vejo isso como uma questão meramente intelectual. Acredito que temos que estar permanentemente nos perguntando sobre as verdades com as quais estamos trabalhando. Por outro lado, no Brasil é fundamental
que
nós
consigamos,
no
nosso
trabalho,
sensibilizar a sociedade para esse tema. Porque ainda há um afastamento enorme da sociedade por razões das mais diversas. A sociedade brasileira não se vê fruto da possibilidade e da necessidade de investir recursos para garantir a defesa da sociedade brasileira, do país, dos nossos valores, da nossa base industrial e da nossa cultura. O Ipea fez recentemente uma pesquisa sobre esse tema e os resultados elevam muito mais a questão de segurança do que a questão de defesa. As pessoas estão muito mais mobilizadas para que as Forças Armadas estejam nas ruas combatendo o crime organizado e 3
prendendo bandidos, do que as Forças Armadas cumprindo as suas funções básicas e essenciais que dizem respeito à defesa. Me parece indispensável que tenhamos a capacidade de sensibilizar. Temos que fazer esse esforço para que a questão da defesa esteja incorporada na pauta, na percepção da questão política para a sociedade brasileira. É isso que vai garantir o trânsito dessas ideias no Congresso Nacional e vai permitir que os deputados justifiquem suas posições na votação do orçamento. Isso vai permitir que vocês possam desenvolver uma atividade intelectual e com facilidade mostrem que ela não significa nenhuma agressão às questões de natureza social. São atividades do setor público distintas e ambas essenciais. Não se pode, portanto, querer comparar de maneira excludente se temos questões sociais muito graves, essas questões são impeditivas para que o governo aplique recursos do orçamento na defesa. Creio que se não conseguirmos superar essa limitação,
avançaremos
muito
pouco
em
um
ponto
fundamental, que é intervir no Orçamento Geral da União. Não é para aumentar o volume de recursos para a defesa, mas para que haja regularidade na liberação desses recursos. Isso representa um passo que consolidará definitivamente a possibilidade das Forças e do próprio Ministério da Defesa de conseguirem fazer do orçamento uma ferramenta eficaz na aplicação do desenvolvimento de suas políticas.
4
7.
A segunda questão é a política de reorganização da
base industrial de defesa, um dos eixos estruturantes da END. Apesar dos novos mecanismos de favorecimento ao BID, ainda não temos uma política industrial para esse setor produtivo. Somente ela nos permitirá retomar o patamar de relevância internacional alcançado nos anos 80. 8.
Atualmente, a principal medida prevista para incentivar o
BID é o RETID, que prevê a desoneração tributária dessa cadeia produtiva, mas um instrumento que não trate da desoneração da venda final dos produtos de defesa pelas indústrias ao MD é insuficiente. O grande problema das Forças e, consequentemente de seus fornecedores, é que essa é uma atividade que tem um único cliente. Nós não precisamos de tecnologia sofisticada para enfrentar um ataque cibernético. As Forças
precisam.
Consequentemente,
se
nós
não
desonerarmos as vendas para as Forças, estaremos fazendo com que o mesmo dinheiro saia da Defesa e vá para o Ministério da Fazenda. É muito mais razoável que, se quisermos fazer um programa profundo de fortalecimento da nossa base industrial de defesa, o dinheiro colocado no orçamento para a modernização das Forças, em vez de ter uma parte transferida como imposto para o Ministério da Fazenda, fique para aumentar a compra, aumentar o estímulo à pesquisa e à investigação que as Forças têm e necessitam ter.
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9.
O Estado tem o papel de fomentar o interesse da indústria
e o Brasil já teve uma experiência exitosa nesse sentido. No passado, criou-se um grupo executivo com a responsabilidade de implementar a política industrial automotiva. Hoje, somos um dos maiores parques montadores do mundo. Mas com uma fragilidade: não há um carro genuinamente nacional, pois não se teve, na política, a preocupação com a inovação. 10. Vale destacar que a presença ativa do governo federal na promoção do crescimento da indústria de defesa deve ascender não só a capacidade empreendedora do nosso empresário, mas também uma saudável convivência com a inovação. Precisamos nos perguntar, assim, qual o papel que os dois atores, governo e empresa privada, deverão ter na formulação e implementação de uma política industrial. É fundamental que essa pergunta seja feita, sobretudo no mundo no mundo que tem a sua parte mais desenvolvida combatendo vigorosamente
o
protecionismo,
criando,
estimulado
e
fortalecendo organismos internacionais de controle e combate ao protecionismo e que estão, por força da crise de 2008, desenvolvendo
políticas
radicalmente
protecionistas.
Se
fizessem um estudo da proposta que o Congresso Americano debate, apresentada pelo presidente Obama, de esforço de retorno da indústria americana do exterior para os EUA, daria a prova
de
que
os
EUA
caminham
para
uma
política
protecionista. Os estímulos dados para sair, agora vêm com radicalidade imensa, para que essas indústrias que foram 6
estimuladas a sair voltem para preservar a base industrial, garantir empregos e, em última instância, garantir mercado. Sem emprego não há renda e sem renda não há mercado. 11. O terceiro, diz respeito ao Congresso Nacional. O Congresso reflete os anseios da sociedade, e esta não tem a defesa nacional na sua agenda de demandas. Daí por que o parlamento tende a ser mais reativo que propositivo no tema. A criação da Frente Parlamentar da Defesa Nacional, em 2008, e a promulgação da Lei Complementar nº 136/2010 foram importantes. No entanto, não estimularam a formulação e aprovação de novas iniciativas. 12. É importante, nesse sentido, procurarmos responder quais os vínculos de segurança, proteção, harmonia e estabilidade das questões de defesa com o dia a dia do cidadão. Tanto para as questões para defesa, como as questões políticas, é necessário que haja a mobilização da sociedade, que haja participação. Não é mobilização de rua, é mobilização de consciência, de conhecimento, de debate, de reflexão. Precisamos estar produzindo permanentemente para que as pessoas acompanhem, entendam e formem maiorias em torno de determinados objetivos, porque entendem a necessidade desses objetivos para o dia a dia. Talvez essa reflexão suavize a ausência de interesse pelo tema e contribua para que defesa entre, de fato, na pauta da sociedade, do governo e do parlamento.
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13. O quarto, se relaciona à integração entre academia e governo. A SAE, o MD e as Forças Armadas devem compreender que é preciso caminhar ao lado da comunidade acadêmica. Afinal, o saber tem que estar próximo das pessoas que pensam a defesa. Nem sempre o “tempo político” permite a construção de projetos de longo prazo: quatro anos de governo exigem respostas rápidas, enquanto a estruturação de uma defesa forte demora. A capacidade do Executivo para responder às exigências criadas pelas circunstâncias depende de boas ideias e de bons conceitos provenientes dos meios acadêmico, civil e militar, que permitam operacionalizar políticas públicas de qualidade e inovadoras. 14. A academia, com seu talento e brilhantismo, tem muito a ensinar aos tomadores de decisão. Por isso, é um bom objetivo continuar ampliando o já avançado processo de consolidação de cursos dedicados ao estudo de temas estratégicos. E mais: prosseguir com a criação de associações, grupos e núcleos de estudos que promovam o debate acerca da defesa. A ABED é, sem dúvida, um grande exemplo disso. Essa associação, cujos trabalhos tenho acompanhado, exerce papel relevante e é o principal fórum nacional no tema. 15. Outra medida que poderia trazer resultados interessantes para a integração entre esses dois atores é a criação de mecanismos para incentivar a entrada de oficiais das Forças Armadas nos programas de pós-graduação das instituições de ensino superior. Como também me foi sugerido pelo professor 8
Alcides, o caminho de volta. Da mesma maneira que devemos trazer e estimular que os militares frequentem o ambiente civil, temos que criar projetos que levem o civil a participar de programas de estudo e pesquisa nas academias militares, para que o conhecimento produzido por essa troca de experiência seja um conhecimento que esteja cada vez mais enraizado na cultura brasileira. 16. De sua parte, a SAE, o MD e as Forças Armadas estão ampliando o ingresso da formulação acadêmica à política. Daí o Pró-Estratégia, o Pró-Defesa, os debates sobre o Livro Branco de Defesa Nacional e a vontade de criar novos mecanismos para estreitar de maneira profícua essa relação. É fundamental que a academia se perceba parte do processo de formulação de políticas de defesa. Inclusive ocupando cargos na máquina pública. Resta-nos, portanto, a indagação: quais as iniciativas mais adequadas ao cumprimento desse objetivo? 17. O quinto, trata dos nossos vizinhos da América do Sul. O processo de integração tem marcado as últimas décadas: a criação do Mercosul, da Unasul, do Conselho Sul-Americano de Defesa, entre outras, demonstram esse espírito. O protagonismo do Brasil no cenário internacional cada vez mais se vincula ao fortalecimento dos laços econômicos, legais, financeiros, tecnológicos e culturais da região. 18. Temos que avançar. Mas antes é preciso responder que iniciativas contribuirão para a consolidação dessa integração. O que aportaremos para o desenvolvimento sustentável e 9
democrático
no
plano
mundial?
Que
destinos
comuns
haveremos de percorrer? 19. Não há dúvidas de que os avanços nos campos político e econômico têm sido significativos. Precisamos levar as boas práticas dessas esferas para a segurança e defesa. O Conselho Sul-Americano de Defesa foi um passo institucional relevante, que se expressa na criação do Centro de Estudos Estratégicos de Defesa. Devemos ajudar a transformá-lo num centro de formulação do pensamento estratégico regional, capaz de coordenar e harmonizar as políticas de defesa sulamericanas. 20. Posso afirmar que se projeta um pólo no mundo globalizado com o protagonismo crescente da América do Sul. Resta não perder a consciência de que este fato gera ameaças que certamente podem afetar o tipo de vida, os valores e as aspirações de nossa sociedade. Para evitar esse risco, devemos nos debruçar em uma compreensão aprofundada das ameaças e vulnerabilidades que afetam a região para, então, enumerarmos as capacidades para dissuadi-las. Mas, para que essa iniciativa tenha êxito e deixe de ser uma indagação teórica, é fundamental que se cuide, de forma complementar, do fortalecimento da indústria de defesa sul-americana. 21. Bem, meus amigos, se conseguirmos responder a essas e muitas outras perguntas que se colocam, creio que o debate de defesa dará passos importantes e haverá de sensibilizar a sociedade civil e as elites dirigentes desses países. 10
22. Por fim, agradeço, mais uma vez, ao professor Samuel pelo convite. Estou certo de que este evento de renome nacional e regional produzirá trabalhos importantes, que ajudarão na formulação de políticas públicas de qualidade no campo
da
defesa.
Acompanharei
com
expectativa
os
resultados deste VI ENABED e I Encontro Sul-Americano de Estudos de Defesa. 23. Muito obrigado por sua atenção!
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