Presidência da República Secretaria de Assuntos Estratégicos
Portas de saída, inclusão produtiva e erradicação da extrema pobreza no Brasil ChAMADA PARA DEBATE TEXTOS PARA DISCUSSÃO
Agosto, 2011
Portas de saída, inclusão produtiva e erradicação da extrema pobreza no Brasil* Ricardo Barros, Rosane Mendonça e Raquel Tsukada, da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE)
Brasil um país rico na promoção da inclusão produtiva dos mais pobres A Primeira Meta de Desenvolvimento do Milênio consiste em reduzir até 2015 a extrema pobreza1 à metade dos seus índices em 1990. No caso do Brasil, esse objetivo foi alcançado em 2006 e, portanto, com quase uma década de antecedência (ver Gráfico 1). Gráfico 1: Evolução temporal da extrema pobreza: Brasil, 1990 a 2009 25
22,9 PORCENTAGEM DA POPULAÇÃO ABAIXO DA LINHA DE EXTREMA POBREZA
23 21
22,1
22,6
19
17,8
17
17,3
15
17,4
17,5
17,4
17,7 16,8
16,5
13,3
13 11
15,1
OBJETIVO DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO PARA 2015 10,8
9
10,3
8,8 8,4
7 5 1990
1991 1992
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Fonte: Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios (Pnad) de 1990 a 2009.
De importância ainda maior, no entanto, é a elevada velocidade com que a extrema pobreza vem sendo reduzida desde 20032. Com a renda per capita dos 20% mais pobres crescendo a uma taxa superior a 8% ao ano (ver Gráfico 2), o país vem reduzindo a extrema pobreza à metade a cada quinquênio, quando o objetivo com o qual se comprometeu (Primeira Meta de Desenvolvimento do Milênio) seria alcançar este mesmo objetivo em cinco quinquênios (1990-2015). * Os autores agradecem Andrezza Rosalém e Samuel Franco pela produção das estimativas apresentadas neste texto. 1 A insuficiência de renda é certamente uma das múltiplas dimensões da pobreza. Neste texto, assim como na Primeira Meta de Desenvolvimento do Milênio, tratamos apenas desta dimensão. 2 Foi utilizada a linha de extrema pobreza regionalizada do IPEA (IPEAData).
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Gráfico 2: Taxa anual de crescimento da renda domiciliar per capita por quinto da distribuição: Brasil, 2003 a 2009 10 9
20% MAIS POBRES
TAXA DE CRESCIMENTO (%)
8 7 6 5
MÉDIA 20% MAIS RICOS
4 3 2 1 0
Primeiro
Segundo
Terceiro
Quarto
Quinto
Fonte: Estimativas produzidas com base na Pesquisa Nacional por amostra de Domicílios (Pnad) de 2001 a 2009.
Sem dúvida, boa parte desse acentuado crescimento na renda dos mais pobres resultou de maior generosidade e melhor focalização das transferências públicas, em particular do Programa Bolsa Família (PBF), e de transformações demográficas (queda na taxa de fecundidade) que reduziram o tamanho das famílias mais pobres. Permanece bem menos reconhecido, no entanto, o fato de que a inserção produtiva dos mais pobres contribuiu para o crescimento na sua renda per capita tanto quanto esses dois fatores em conjunto (transferências de renda e queda na fecundidade). De fato, conforme ilustra a Tabela 1, entre 2003 e 2009 a renda per capita dos 20% mais pobres cresceu em R$ 39, dos quais R$ 19 (49%) resultaram exclusivamente do crescimento na renda do trabalho. A renda proveniente do trabalho entre os 20% mais pobres cresceu 6% ao ano nesse mesmo período. Como mais de 70% da renda dessas famílias são derivados do trabalho, mesmo que as transferências governamentais não tivessem se tornado mais generosas e que não houvesse ocorrido reduções na taxa de fecundidade das famílias pobres, ainda assim a renda per capita dessas famílias teria crescido 5% ao ano, decorrência exclusiva do crescimento na renda do trabalho.
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Tabela 1: Características da evolução da renda dos 20% mais pobres: Brasil, 2003-2009 Variação Indicador
2003
Renda per capita (R$/mês)
2009
Absoluta (R$/mês)
Relativa (%)
Taxa anual de crescimento (%)
62
100
39
63
8,4
55,0
58,0
3,0
5,5
0,9
Renda não derivada do trabalho por adulto (R$/mês)
25
49
25
100
12,3
Renda derivada do trabalho por adulto (R$/mês)
87
123
35
40
5,8
78,0
71,0
-7,0
-9,0
.....
.....
81*
19
31
4,7
Porcentagem de adultos (%)
Porcentagem da renda familiar que é derivada do trabalho (%) Renda per capita caso apenas a renda do trabalho tivesse crescido (R$/mês)
Fonte: Estimativas obtidas a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2003 e 2009. Nota: * Renda per capita caso a renda do trabalho fosse a de 2009 com tudo mais constante em valores de 2003.
Um país cuja renda dos trabalhadores em famílias pobres vem passando por transformações tão profundas não pode, por nenhum critério, ser classificado como um país onde não existem portas de saída da extrema pobreza ou onde a inclusão produtiva dos mais pobres é limitada. Ao contrário, é indiscutível que, ao menos desde 2003, o Brasil vem demonstrando substancial capacidade de promover a inclusão produtiva dos seus segmentos mais vulneráveis.
Condições para uma inclusão produtiva bem-sucedida: disponibilidade de boas oportunidades, garantia de acesso efetivo e protagonismo Para que a inclusão produtiva ocorra com sucesso, é necessário que oportunidades produtivas de boa qualidade existam e estejam disponíveis (ou seja, que existam portas de saída). Essas oportunidades, no entanto, não precisam necessariamente ser novas. O sucesso da inclusão produtiva não é determinado exclusivamente pelo surgimento ou criação de novas oportunidades, mas pela qualidade das oportunidades disponíveis, sejam elas novas ou já existentes. Não basta, no entanto, ampla disponibilidade de oportunidades de boa qualidade. Para uma inclusão produtiva bem-sucedida também é necessário garantir aos mais pobres o efetivo acesso a essas oportunidades. Tal garantia decorre de quatro condi-
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ções (ver Diagrama 1). Primeiro é preciso que os trabalhadores tenham conhecimento da existência das oportunidades disponíveis (saibam onde estão as portas de saída). Novos postos de trabalho só reduzem o desemprego quando os trabalhadores sabem onde esses novos postos de trabalho se encontram. Segundo, eles devem estar adequadamente preparados (ter as habilidades necessárias) para efetivamente aproveitarem as oportunidades disponíveis. Em muitos casos, o descasamento entre as competências e habilidades da força de trabalho e as requeridas pelos postos de trabalho disponíveis pode ser a principal razão para a alta taxa de desemprego. Terceiro, para que haja efetivo acesso não pode haver barreiras artificiais (tipicamente decorrentes da discriminação e de outras formas de exclusão social) que os impeçam de aproveitar as oportunidades disponíveis (livre acesso às portas de saída). Quarto, para que possam aproveitar integralmente as oportunidades disponíveis, os trabalhadores precisam que lhes sejam garantidas condições mínimas, por exemplo, via garantia de renda mínima e de transporte e alimentação subsidiados. Diagrama 1: Condições para uma inclusão produtiva bem-sucedida
Inclusão produtiva com sucesso
Existência de portas de saída
Acesso às portas de saída
Ter as habilidades necessárias (adequadamente preparados)
Eliminar a existência de barreiras artificiais
Garantia de condições mínimas
Protagonismo, esforço e perseverança
Conhecimento da existência das oportunidades disponíveis
Para que uma inclusão produtiva bem-sucedida ocorra, não basta que existam oportunidades de boa qualidade e que estas estejam efetivamente acessíveis aos mais pobres. É também imprescindível que, com seu esforço e tenacidade, as famílias pobres aproveitem plenamente essas oportunidades (efetiva utilização das portas de saída). De fato, oportunidades não são serviços dos quais podemos passivamente nos beneficiar. Ao contrário, para serem efetivas, as oportunidades requerem protagonismo, esforço e perseverança, sem o que não é possível alcançar sucesso na inclusão produtiva.
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Um país efetivo na erradicação da extrema pobreza é aquele em que tanto o setor privado como o público contribuem o máximo possível para a inclusão produtiva dos mais pobres Um país é rico em inclusão produtiva quando os mais pobres têm acesso efetivo a oportunidades de boa qualidade (portas de saída). A promoção da inclusão produtiva, entretanto, não é, e nem poderia ser, exclusividade do setor público. Idealmente, tanto o setor público como o privado devem contribuir o máximo possível. O fato de que tanto o setor público como o privado devem contribuir não significa que devam fazê-lo da mesma forma. Ao contrário, idealmente deveria haver considerável especialização na intervenção de cada um dos setores. Tipicamente, a principal contribuição do setor privado ocorre na geração de novas oportunidades produtivas e na melhoria da qualidade daquelas já existentes. Quanto mais acelerado e inclusivo for o crescimento econômico, maior deverá ser a melhoria na qualidade e na expansão das oportunidades para os mais pobres. Vale lembrar que, num mundo globalizado, muitas vezes o que importa não é tanto a demanda local, pois em todo momento novas oportunidades produtivas locais são geradas em resposta à expansão da demanda nacional, ou até mesmo internacional, que direta ou indiretamente requerem maior produção local. Embora o setor público também possa contribuir para a geração e a melhoria na qualidade das oportunidades produtivas para os trabalhadores mais pobres, seu papel fundamental é proporcionar a tais trabalhadores acesso efetivo para que aproveitem integralmente as oportunidades disponíveis. Assim, cabe às políticas públicas informar os trabalhadores sobre as oportunidades disponíveis, assegurar-lhes a aquisição da formação e das habilidades requeridas (programas de qualificação e certificação profissional), garantir que não existam barreiras que os impeçam de aproveitá-las (políticas antidiscriminação), e garantir-lhes condições mínimas (transferências de renda, acesso a transporte e alimentação subsidiados) que permitam adquirir e utilizar de forma produtiva essas habilidades. Ao fim, para um trabalhador pobre não importa se sua inclusão produtiva ocorreu prioritariamente graças à ação do setor público ou do privado. O que para ele importa é que existam oportunidades produtivas de boa qualidade em quantidade (que existam portas de saída) e que ele tenha pleno acesso a essas oportunidades. Na construção de um país sem pobreza extrema, todas as contribuições são importantes. Quanto maiores as contribuições dos setores público e privado e da economia mundial, melhor. O que importa é obter a maior contribuição possível de todos os setores e, por conseguinte, a maior redução possível na pobreza. É pouco relevante qual dos setores contribuiu mais.
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O setor público deve complementar as ações do setor privado na geração de oportunidades produtivas nas comunidades com economia pouco dinâmica A geração de novas oportunidades produtivas de qualidade e a melhoria daquelas já existentes não devem ser vistas como ações exclusivas do setor privado. As políticas públicas também podem e devem contribuir. Embora essa contribuição possa ocorrer em todas as comunidades, ela deveria ser preferencialmente direcionada às comunidades em que oportunidades produtivas de qualidade são mais escassas. Nessas comunidades é recomendável que o setor público promova, na medida do possível em parceria com o setor privado, a dinamização da economia local. A participação do setor púbico na geração de novas oportunidades de qualidade e na melhoria das já existentes pode ocorrer de três formas complementares: i) pelo uso do gasto público diretamente na geração de emprego local (por exemplo, utilizando trabalhadores pobres locais nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, ou direcionando a compra de instituições públicas e filantrópicas (escolas, hospitais etc.) para a produção local, como é feito no Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar – PAA); ii) pela utilização da capacidade do setor púbico de fiscalizar e promover acordos entre empresários e trabalhadores que resultem em melhorias na qualidade dos postos de trabalho oferecidos (exemplos bem-sucedidos desta estratégia são a melhoria das condições de trabalho na produção da cana de açúcar e o combate ao trabalho escravo e ao trabalho infantil); e iii) a oferta subsidiada de serviços produtivos que visam à valorização da produção e à efetiva dinamização da economia local (apoio a arranjos produtivos locais, economia solidária etc.). Geração direta de oportunidades produtivas: o uso direto do gasto público na geração de oportunidades locais pode ocorrer de três formas que se distinguem por quão diretamente levam à geração de trabalho para as famílias mais pobres. Em primeiro lugar, e com impactos mais diretos e imediatos, tem-se a opção pela geração pública de empregos, seja via implantação de frentes de trabalho (empregos públicos provisórios), seja pela absorção seletiva de trabalhadores em famílias pobres em cargos públicos permanentes (um exemplo é a proposta do Brasil sem Miséria de utilizar esses trabalhadores em cozinhas comunitárias, restaurantes populares e outros equipamentos que objetivam promover a segurança alimentar da comunidade). A segunda opção, com impactos um pouco mais indiretos, é a compra direta da produção local por instituições públicas e filantrópicas (escolas, hospitais, presídios etc.). O caso mais notável é o Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), no qual a merenda escolar, por exemplo, é comprada de agricultores familiares locais. Neste caso, o impacto é mais indireto, uma vez que o gasto público é direcionado à produção e não à contratação direta de mão de obra, como na primeira opção. A terceira opção é a geração de empregos por meio da vinculação de investimentos públicos em infraestrutura à contratação de trabalhadores de famílias pobres nas
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comunidades em que esses investimentos ocorrem. Esta estratégia tem sido largamente utilizada nos Planos de Aceleração do Crescimento e também no Programa Minha Casa Minha Vida. Em todas essas estratégias, a ampliação das oportunidades de trabalho está intimamente relacionada ao aumento no gasto público na comunidade. Existem, entretanto, grandes limitações à sustentabilidade, uma vez que em todos os casos as oportunidades geradas dependem, em grande medida, da continuidade do gasto público. Em nenhum dos casos existe uma intrínseca dinamização da economia local. Essas formas de intervenção não contribuem muito para que a economia local se torne mais diversificada, produtiva, competitiva e conectada com os mercados regionais, nacionais e internacionais. Legislação, fiscalização e acordos tripartites: em muitos casos, significativo aumento na oferta de oportunidades produtivas de boa qualidade pode ser alcançado apenas melhorando a qualidade das oportunidades já existentes. Neste caso, a participação do setor público como legislador, fiscalizador e promotor do diálogo é fundamental. Na medida em que oportunidades informais de trabalho tendem a ser de pior qualidade e que tal informalidade resulta da rigidez da legislação que a impede de se adequar a situações específicas, uma flexibilização localizada da legislação pode levar a aumentos no grau de formalização e, portanto, à melhoria na qualidade das oportunidades de trabalho. Essa tem sido a função do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte (Simples), e pode também vir a ser o resultado dos esforços atuais de flexibilização da legislação para a formalização dos microempreendedores individuais. Em outros casos, o caminho para o combate à informalidade e às condições precárias de trabalho é a fiscalização e o cumprimento da legislação vigente. Nesse âmbito, importantes progressos têm sido alcançados no combate ao trabalho escravo, ao trabalho infantil e à prostituição de adolescentes. Porém, de todas as alternativas voltadas à melhoria da qualidade dos postos de trabalho disponíveis, talvez a mais eficaz e certamente menos custosa seja a busca de acordos tripartites. Essa abordagem tem sido utilizada com grande sucesso na melhoria da qualidade das condições de trabalho dos empregados na agricultura comercial e tem grande potencial para continuar a ser um importante canal para a melhoria da qualidade das oportunidades produtivas no meio rural. Dinamização da economia local: as políticas públicas também podem ser utilizadas para promover uma dinamização sustentável da economia local. Nesse caso, existem três estratégias complementares que devem ser utilizadas. A primeira busca dinamizar a produção local via aumentos na produtividade que podem ser alcançados com base i) no acesso e introdução de novas tecnologias que, para isso, requerem assistência técnica personalizada e subsídios para a compra de equipamentos necessários à adoção destas novas tecnologias; ii) na melhoria do acesso e intensificação do uso de insumos estratégicos (água, terra, sementes e mudas de maior produtividade e equipamentos) que, para isso, requerem maior facilidade de acesso a microcrédito e subsídios à compra desses insumos chaves; e iii) em melhorias nas formas de organização da produ-
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ção, em particular por meio da constituição de cooperativas e de outras formas de economia solidária, e na formação de cadeias produtivas e arranjos produtivos locais. A segunda estratégia busca a melhoria da qualidade dos produtos já produzidos localmente e a diversificação da produção local. No caso da melhoria da qualidade, o objetivo final é alcançar a certificação dos produtos locais e, com isso, sua maior valorização. São programas tipicamente voltados para a melhoria das condições de higienização do processo de produção e apresentação do produto final (inclusive melhorias nas embalagens). Complementarmente, deve-se buscar a diversificação da produção local (introdução de novos produtos). A integração dos processos produtivos através da formação de cadeias produtivas e arranjos produtivos locais pode contribuir tanto para a diversificação da produção local como para a melhoria da qualidade e certificação da produção. Por fim, uma terceira estratégia complementar para a dinamização da economia local se dedica à ampliação dos mercados para os produtos locais por meio de diferentes formas de apoio à comercialização, por exemplo, promovendo, no caso de comunidades agrícolas, a venda direta da produção local a supermercados e restaurantes locais ou em grandes centros urbanos regionais. Nesse caso, são de grande importância a formação de cooperativas e outras formas de economia solidária dedicadas ao armazenamento e à comercialização da produção local.
Sobre o papel prioritário das políticas públicas: garantir que os trabalhadores mais pobres tenham efetivo acesso às oportunidades produtivas disponíveis É indiscutível que a contribuição primordial das políticas públicas para a inclusão produtiva deva ser a garantia de pleno acesso dos trabalhadores mais pobres às oportunidades produtivas localmente disponíveis. Embora as políticas públicas também possam ser eficazes na criação de novas oportunidades de boa qualidade (criação de portas de saída), é na garantia do pleno acesso a essas oportunidades (acesso efetivo às portas de saída) que o papel do Estado realmente se destaca. Nesse sentido, existe grande complementaridade entre os papéis dos setores público e privado. Quanto mais a economia e os mercados se mostram capazes de gerar boas oportunidades produtivas dirigidas aos mais pobres, mais os programas públicos podem se concentrar em: i) informar sobre as oportunidades localmente disponíveis; ii) preparar, formar, instrumentalizar e levantar barreiras (discriminação); e iii) garantir condições mínimas aos trabalhadores mais pobres para que eles possam aproveitar plenamente as oportunidades disponíveis. Em cada caso, entretanto, não existem instrumentos únicos, com a política pública buscando garantir cada uma dessas precondições por meio de uma variedade de intervenções.
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Informando sobre as oportunidades localmente disponíveis: garantir que os trabalhadores estejam bem informados sobre a disponibilidade local de oportunidades produtivas (ou seja, que saibam onde estão as portas de saída) requer a oferta de serviços de intermediação de mão de obra de boa qualidade. Esses serviços são tipicamente oferecidos pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine). Entretanto, também contribuem para essa intermediação de mão de obra as equipes de assistentes sociais do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), que também levam o conhecimento sobre as oportunidades disponíveis às famílias mais pobres durante as visitas domiciliares, ou quando estas são atendidas nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). Capacitando e superando a discriminação: a formação e a preparação dos trabalhadores para que aproveitem integralmente as oportunidades disponíveis ocorrem por intermédio de diversos serviços produtivos, tipicamente cursos de formação profissional, programas de acesso facilitado ao crédito e assistência técnica e contábil subsidiada. Contudo, de nada adianta informar os trabalhadores pobres sobre as oportunidades disponíveis e prepará-los para aproveitarem essas oportunidades se eles são impedidos pela existência de barreiras artificiais (fatores discriminatórios). Assim, tão importante quanto a preparação dos trabalhadores pobres para aproveitarem plenamente as oportunidades disponíveis é a eliminação de barreiras ao acesso a essas oportunidades. Contribuem para a redução dessas barreiras tanto a fiscalização do cumprimento da legislação antidiscriminação como a instituição de cotas e de outros mecanismos que promovam a igualdade de oportunidades. Garantindo condições mínimas: condições mínimas para o aproveitamento das oportunidades são garantidas prioritariamente pelas transferências de renda, mas também podem ser oferecidas com base em programas de segurança alimentar, transporte subsidiado, entre outros. Algumas vezes, argumenta-se que uma maior generosidade das transferências públicas pode desencorajar os mais pobres a ativamente aproveitarem novas oportunidades produtivas. No entanto, o fato de a taxa de ocupação entre os mais pobres ter aumentado ao longo do último quinquênio, concomitantemente com a crescente generosidade das transferências públicas, é evidência na direção contrária. Talvez, sem essa maior generosidade das transferências públicas, muitas das oportunidades que foram aproveitadas pelos mais pobres e que permitiram o crescimento de 6% ao ano na sua renda do trabalho não teriam sido aproveitadas por falta de condições mínimas. Não se pode esquecer que aproveitar uma oportunidade (como todos que abrem um novo negócio ou iniciam num novo emprego bem sabem) demanda esforço, perseverança e capacidade de lidar com incertezas. Assim, todo apoio que se possa dar aos mais pobres na forma de transferências mais generosas e estáveis deverá facilitar e promover a sua inclusão produtiva, e não desincentivá-los a persegui-la.
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Rumo ao fim da extrema pobreza Entre 2003 e 2009, a renda do trabalho dos 20% mais pobres aumentou 40% no país (ver Tabela 1). Essa e outras evidências revelam que desde 2003 o Brasil vem incluindo produtivamente importantes parcelas das camadas mais pobres de sua população. É verdade que esse processo de inclusão produtiva, a despeito de toda a sua intensidade, ainda não foi capaz de erradicar por completo a extrema pobreza no país. É necessário, portanto, dar continuidade e, na medida do possível, intensificar esse processo. Esse constitui, sem dúvida, um dos objetivos centrais do Plano Brasil Sem Miséria. Para alcançar esses objetivos, o Brasil Sem Miséria busca criar novas oportunidades, melhorar a qualidade daquelas que já existem, eliminar barreiras e melhorar o acesso e as condições para o aproveitamento integral das oportunidades disponíveis pelas camadas mais pobres da população. A estratégia consiste em utilizar todos os caminhos para a promoção da inclusão produtiva descritos neste trabalho. Para isso, o Brasil Sem Miséria propõe: i) reforçar todos os mecanismos que já vinham sendo utilizados com sucesso no passado; ii) redesenhar aqueles que não vinham demonstrando grande efetividade; e iii) introduzir novos programas e ações inovadoras, em particular em áreas estratégicas como a formação profissional e a assistência técnica personalizada aos agricultores familiares. Por fim, vale ressaltar que o Brasil Sem Miséria entende, corretamente, a inclusão produtiva como sendo o resultado de ações coordenadas e complementares dos setores público e privado, em que diferenças entre comunidades, quanto a suas necessidades e potencialidades, são reconhecidas e levadas em consideração por meio da oferta de um amplo leque de programas regionalmente customizados.
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