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“É uma cidade igual a um sonho: tudo o que pode ser imaginado pode ser sonhado, mas mesmo o mais inesperado dos sonhos é um quebra-cabeça que esconde um desejo, ou então o seu oposto, um medo. As cidades, como os sonhos, são construídas por desejos e medos, ainda que o fio condutor de seu discurso seja secreto, que as suas regras sejam absurdas, as suas perspectivas enganosas e que todas as coisas escondam uma outra coisa.” Ítalo Calvino
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FOTOGRAFIA E TEXTO Samantha Wunsch CAPA André Consoli
WUNSCH, Samantha. Memórias do Mercado Municipal: Histórias de vida, de luta e encantamentos. Atibaia; 2018 Orientação: Osni Dias Trabalho de Conclusão do Curso Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo Centro Universitário UNIFAAT
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Este livro ĂŠ dedicado a todos que direta ou indiretamente me ajudaram a nĂŁo desistir.
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SUMÁRIO PREFÁCIO 20 ANDRÉIA CRISTIANE OLIVEIRA AZZI 31 CÁSSIA MARISA ALVES 43 CILENE DE MORAIS OLIVEIRA 55 HEDY APARECIDA IGIOLLI 67 MARIA DAS GRAÇAS LIMA 79 PEDRO CARLOS FERREIRA 91 SEBASTIANA VICCHIATTI 103 12
15 INTRODUÇÃO 25 ANA PAULA BARTOLOMEI PÉDICO 37 CARLOS ALBERTO ALVES SANTOS 49 CELSO LUIS BACCI 61 EDNA MARIA DA SILVA 73 JOSÉ ROBERTO BUOSO 85 MARIA INÊS OLIVATO MORI 97 SANDRA MARA DA SILVA 108 BIBLIOGRAFIA 13
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INTRODUÇÃO A essencialidade da preservação da história é indiscutível, já, que, desta forma, o resultado se torna a conciliação do passado, do presente e do futuro. A cidade de Bragança Paulista é abundante em detalhes e fatos peculiares: a imigração italiana, as tradições da vida interiorana, os rios e represas que a cercam, a gastronomia e, certamente, sua população, é a porta voz disto. A arquitetura dos prédios das ruas principais não são as únicas peças clássicas, já que frases do tipo “De que família você é?”, “De quem você é filho/(a)?” ainda são predominantes no primeiro encontro com um residente antigo. Esse tipo de comportamento, tão típico de cidades do interior, é reflexo de uma cidade construída por famílias que nunca se afastaram do lar. Hoje, a cidade da linguiça, como é carinhosamente conhecida, possui cerca de 164 mil habitantes, mas os costumes e tradições ainda permanecem vivos em alguns lugares da cidade, mesmo que escondidos e esquecidos. Em 1887, se inaugurava o Mercado Municipal de Bragança Paulista, lugar onde moradores de toda região compravam seus alimentos. Localizado perto da rodoviária da cidade, o “Mercadão” disponibilizava lugares para os fregueses encostarem seus cavalos enquanto adquiriam suas mercadorias. Em 1952, uma grande reforma foi realizada, e o local para cavalos se tornou um espaço para mais permissionários. Em 2008, outra modificação significativa foi realizada, agora com um novo estacionamento e novas instalações para as bancas de frutas, flores, cereais e carnes. Presente no desenvolvimento da humanidade, o comércio continuadamente provou ser uma ferramenta de comunicação e interação de pessoas, principalmente quando nos referimos sobre o cenário vivido em 1887, ano de inauguração do Mercado Municipal de Toledo Funck, nome oficializado em 2000 em homenagem ao ex-Presidente da Câmara Municipal e comerciante do mercado. Hoje, em 2018, esses espaços de convivência foram lentamente perdidos e substituídos. No entanto, o Mercado Municipal ainda é atual na vida do bragantino, seja para compra de mercadorias ou apenas como um cenário e ponto de referência.
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“Falar de mercados é também falar de uma outra forma de viver o tempo. O geógrafo Herculano Cachinho, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, com trabalhos publicados sobre geografia do comércio e do consumo, considera que as grandes metrópoles vivem hoje “entre dois mundos”, um de “tempo rápido”, representado, em termos comerciais, pelos “grandes shoppings”, replicáveis “em qualquer lado”, e um segundo mundo de “tempo lento”, assente no comércio tradicional de rua e nos mercados municipais. Nos mercados, “o tempo não existe”, sublinha o docente: “São os lugares que temos na cidade onde podemos respirar, usufruir o espaço pelo espaço. É preciso é ter tempo, daí o público que mais frequenta os mercados ser mais idoso, que gosta da personalização do trato dos comerciantes.” DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Lisboa, [2010]. Disponível em: < https://www.dn.pt/portugal/interior/mercados-extincao-ou-revitalizacao-1553322.html>.Acessoem:28ago.2018. O mercado transcendeu o simples espaço comercial, tornando-se um símbolo de manifestação cultural, palco de diversidade, costumes e comportamentos de uma comunidade que, desde a Antiguidade, se configura com a troca de mercadorias, e no consumo e produção de artigos artesanais. A maneira como o comércio se dava no espaço urbano, nas mais diferentes sociedades, conseguiu expressar os costumes, o modo de vida e arquitetura em diferentes épocas. Dessa forma, o mercado moldava o espaço que estava inserido, de forma a promover suas atividades procurando sempre promover e atender a demanda da melhor forma para os que ali se encontravam. Segundo Moraes (1993, apud Romano, 2004:1) os Mercados nos dias de hoje apresentam resistência, utilidade e perenidade. Essa essência cultural é o que distingue este tipo de edifício dos atuais autosserviços encontrados em uma franquia comercial privada.
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O mercado público é forma de intercâmbio de produtos encontrada em cidades da antiguidade e se hoje tem continuidade no espaço, isto certamente se deve ao fato de poderem dialogar com outras formas comerciais mais modernas. Todas as culturas adotaram essa forma de troca de produtos e o fato de se realizar esporadicamente, periodicamente ou de maneira perene e com local apropriado para esse fim, dependia das mercadorias que ali se trocavam e da necessidade de se realizar a troca com certa frequência, do deslocamento possível nos diferentes momentos históricos e da importância que o local representava para o abastecimento da cidade e da sua região de abrangência. (PINTAUDI, 2006, p. 84)
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PREFÁCIO A história do “Memórias do Mercado Municipal – Histórias de vida, de luta e encantamentos” começa com a afirmação de um professor, “o que mais inspira o ser humano, é o ser humano”. É por esse fator que nos emocionamos nas redes socias com vídeos de idosos, mães orgulhosas, crianças ouvindo a voz dos pais pela primeira vez, pessoas inesperadas surpreendendo em competições de canto. Aquela empatia em ver outra pessoa feliz e tendo sua história contada é contagiante, é transformadora. Desde então, procuro por heróis anônimos da cidade de Bragança Paulista, pessoas que estão presentes no nosso cotidiano, que transformam nossas vidas sem causar muito espetáculo. Segundo o dicionário Aurélio, tradição significa o costume transmitido de geração a geração ou aquilo que se faz por hábito; costume: as tradições de uma região. E é exatamente isso que o Mercado Municipal Waldemar de Toledo Funk representa. Esse patrimônio histórico de Bragança Paulista retrata a história da cidade, já que a localização do Mercado determinou todo o centro comercial, e impactou economicamente e socialmente milhares de pessoas que por ali passaram nesses 131 anos de história. E foi então, que o tema de analisar, conhecer e se aprofundar nas pessoas que vivem essa tradição, veio à tona. Neste livro, estão reunidas 15 histórias de vida. Todas elas ligadas pelo Mercado Municipal, algumas delas que se cruzam, e outras que só indo pessoalmente para comprovar. Mas, essas pessoas têm mais em comum do que apenas o local onde elas trabalham, todas elas representam a força do trabalho duro, o respeito por todas as pessoas que elas atendem dia após dia, o amor pelo serviço que elas produzem, e a receptividade, que é uma marca do bragantino. O objetivo deste livro é retratar, por meio fotográfico, a essência dessas pessoas, destacar a importância delas para a nossa sociedade, usar a fotografia como forma de representação de toda a simpatia que cada uma delas exala, criar um laço do leitor com cada um desses personagens, e com Mercado Municipal. As entrevistas aconteceram de maneira tímida, até mesmo um pouco duvidosa por parte dos entrevistados, “ah, é pra faculdade ou você tá querendo me vender algo?”. Mas, todas elas terminaram com uma amizade criada entre repórter e entrevistado, mais uma vez provando a confraternidade que o Mercado Municipal representa.
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ANA PAULA BARTOLOMEI PÉDICO 53 anos de vida. E 53 anos de Mercado Municipal. Assim nos conta Ana Paula Bartolomei Pedico. O fato rendeu uma deferência à sua mãe – Maria José Bartolomei Pedico. Uma senhora que era a personificação de tudo que o Mercado Municipal representa: tradição, amor pelo o trabalho que ela realizava e amor ao Mercado Municipal. Ana conta que sua mãe tinha muito orgulho da loja Casa Caçula, e estava ali todos os dias que podia. Ela cultivou diversos clientes que se tornaram amigos, além de um legado par aa sua família. Em 2017 ela foi homenageada na comemoração de 130 anos do Mercado como permissionária mais antiga, 15 dias antes de falecer. Sua loja é muito conhecida na cidade pois trabalha com artigos religiosos, atendendo a fiéis da igreja católica, da umbanda e do candomblé, sem distinção e com muito respeito e cordialidade. Além dos artigos mencionados, são vendidos também artigos para a casa, o que faz com que muitas pessoas passem por ali diariamente. Com a loja, a mãe criou seis filhos e ainda realizou o que mais queria: pagou a faculdade de todos eles.
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O filho, Marcel Pedico Archangelo, também trabalha na loja, atualmente. Ana Paula se diz muito feliz e relembra com nostalgia os bons tempos de criança. Sua maior lembrança foi o dia em que ganhou uma bicicleta, no Natal, e andava na frente do Mercado, incansavelmente. O nome da loja, Casa Caçula, é em homenagem à Ana, caçula dos seis filhos. O maior diferencial da loja é a relação estabelecida com todos os clientes. Ela aponta que a energia proporcionada pelo mercado é algo indescritível e que não pode ser encontrada em um supermercado comum. Para ela, “todos se sentem bem quando estão aqui. No Mercado Municipal você sempre vai encontrar uma palavra amiga”, revela. Por conta do Mercado Municipal, a família Bartolomei inteira aprendeu a ser respeitosa e aberta a todas as religiões, reafirmando o valor do sincretismo e a reverência a todas as crenças. Dona Maria José apoiava toda as formas de energias positivas e isso somente aconteceu graças à sua loja. Emocionada, ela conta que a mãe dela faleceu orgulhosa em ver a filha e o neto trabalhando em algo que ela tinha construído. Um sonho realizado que uniu ainda mais a família.
“Todos se sentem bem quando estão aqui. No Mercado Municipal você sempre vai encontrar uma palavra amiga” 26
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ANdréia cristiane olivato azzi Quando se pesquisa “Mercado Municipal de Bragança Paulista” na internet, algumas reportagens aparecem, e em uma delas, Andréia Cristiane Olivato Azzi aparece contando como ela é a terceira geração a tomar conta do negócio da família. E foi então, que ela se tornou a primeira fonte desse projeto. Nossa entrevista começou por telefone, e ela mesmo que meia duvidosa, topou participar. Desde nosso primeiro encontro, ela demonstrou total interesse em tornar esse livro uma homenagem digna ao Mercado Municipal. A narrativa dessa história começa sem data específica, já que ela conta das histórias que seu avô vindo trabalhar de carroça. O negócio se tornou uma paixão familiar já no início, seu pai logo já assumiu uma banca, assim como tia, Maria Inês Olivato Mori, também retratada neste livro. Andréia conta que cresceu embaixo da banca, e tudo que ela via era nessa perspectiva. Ela não terminou a escola, mas seus maiores ensinamentos e valores morais foram aprendidos vivendo o dia a dia no Mercado Municipal.
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Foi ali que ela aprendeu a importância do trabalho, o respeito ao próximo, a riqueza que a generosidade possui, e a relevância de se manter grata pelo que tem, mas sempre desejando mais para o seu futuro. As lembranças que ela possui do Mercado Municipal são incontáveis, desde as brincadeiras que ela fazia quando criança, a turma que ia jogar vôlei depois do expediente na adolescência, até as dificuldades de criar seus filhos na rotina de domingo a domingo. Eles cresceram da mesma forma que ela, embaixo da banca de frutas. Felipe Azzi, de 22 anos, hoje trabalha com a mãe, e conta que mesmo com a experiência de morar fora, nunca deixou de lado seu carinho pelo Mercado Municipal. Andréia só tem orgulho de o ver ajudando-a, e se depender dela, a tradição de passagem de gerações vai continuar por muitos anos ainda. O sentimento de realização de Andréia é palpável, já que, quando começamos a conversar sobre a evolução da carreira dela, lágrimas não conseguem ser contidas. Ela revela que o sonho do seu pai era, além de ter a banca de frutas, era também ser dono de um açougue. E, concidentemente, estávamos fazendo essa entrevista diretamente de frente para o açougue de Andréia. Ela não consegue se segurar quando pensa no orgulho que o pai dela iria ter sentido, vendo todas as conquistas que ela conseguiu com o esforço próprio e trabalho suado. “É um trabalho pra quem gosta, não é pra qualquer um”, ela conta. Quando questionada sobre a importância do Mercado Municipal, ela afirma que para ela, frequentar o mercado é um resgate. Resgate as tradições familiares, resgate da cidadania, a convivência com pessoas do mundo real. “Um bom bate papo no mercado é muito melhor que um bate papo na internet.”, ela fala rindo. Ela também conta que percebe a carência por conversa que ela sente em seus clientes, e como muitos encontram uma forma de superar isso fazendo comprar ali. “A gente pergunta como nosso cliente está porque a gente realmente quer saber, e eles sentem essa pureza na conversa”, compartilha. A placa fotografada é o item mais antigo que ela possui, seu avô ganhou, pendurou e nunca mais saiu dali.
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carlos alberto alves santos Carlos Alberto Alves Santos tem 49 anos e está no Mercado Municipal há 11, mas, na rua do Mercado, há exatamente 30 anos, ano da promulgação da nossa Carta Magna. Pode-se dizer que, embora um veterano no Mercado, é um dos mais novos no comércio local. Seu carisma e vivacidade fizeram com que nossa entrevista fluísse sem timidez. A movimentação de clientes não parou nem por cinco minutos, comprovando ainda mais o que Carlos promove, o melhor lanche da cidade, e todos que ali entraram nos nossos vinte minutos de entrevista, já o chamavam pelo nome, “ô baiano!” Santos veio de Ilhéus, cidade com o mais extenso litoral entre os municípios do estado da Bahia. Começou trabalhando pela rua do mercado ainda jovem, com 18 anos. Juntou o dinheiro e abriu o hoje tradicional Baianos Lanches. Ele não esconde seu apreço pelo mercado municipal. “O Mercado mais especial que tem”, diz ele, orgulhoso. Santos lembra da época áurea do mercado, momento que, para ele, trouxe muita gente para sua loja e dessa forma, passou a ter seu estabelecimento conhecido na cidade.
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Quando o Bragantino foi Campeão Paulista, em 1991. O Mercado Municipal era lotado e ele lembra que, além do fato de ter uma grande clientela, as pessoas tinham muito orgulho de ser de Bragança. Segundo ele, isso refletia no Mercado Municipal, que passou a ser mais admirado pela população. “A tradição de Bragança é o Mercado Municipal, e só aqui tem o Baianos Lanches, né?” E lembra, envaidecido: aqui são meus filhos e eu que mantemos, mais tradicional que isso não tem”. Baiano Lanches virou sinônimo de sanduíches saborosos e se tonou um espaço pitoresco no centro da cidade, lugar onde os jovens que apreciam um bom lanche procuram durante todo o dia. “Se o Mercado não existisse não teria o Baianos Lanches, né? E daí eu não sei o que seria de mim”, conclui o bom baiano de Ilhéus.
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Cássia marisa alves Com pouco tempo disponível e uma loja movimentada, Cássia Marisa Alves fez questão de providenciar um cantinho e uma porção do seu tempo para compartilhar a história da Casa Alves. A narrativa começa sem dia ou ano específico, apenas memórias de seu avô Severino Alves, e da loja que ele vendia fumo e feijão, na época que a melhor forma de ir ao Mercado Municipal era de carroça. Cássia passava boa parte de seu tempo ali, brincando e explorando cada centímetro, já que, seu avô materno também era comerciante do Mercadão. As lembranças começam a ficar mais vívidas em 1949, quando seu pai Geraldo Alves, assume a loja e assim se estabelece o que é hoje, um dos pontos de referência do Mercado Municipal Não há dúvidas sobre a importância desse estabelecimento para a família Alves, cada espaço guarda uma lembrança nostálgica para Cássia, que conta detalhadamente sobre todas as mudanças que o Mercado Municipal passou, tempos de insegurança e dúvidas sobre o futuro da loja, o que cada reforma significou e o que foi viver cada uma delas.
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Ser parte desse legado representa uma vida de trabalho duro, dedicação e acima de tudo, amor. Cássia viu as filhas crescerem ali dentro, se divertindo e aproveitando as conchas de azeitona que elas sempre ganhavam do avô.
“O Mercado sempre foi referência e ele está muito bom, temos uma praça de alimentação e quase ninguém da cidade sabe disso.” Cássia Marisa Alves, hoje tem 57 anos, muita história para contar e muito carinho pelo estabelecimento que ela assumiu sozinha em 2013. A Casa Alves até então estava pela supervisão de Carvalho, gerente e amigo da família, e após se aposentar da carreira de professora, ela se viu assumindo o lugar de seu pai, situação que ninguém havia antecipado. “Meu pai achava que não ia ter continuidade”, ela conta emocionada em lembrar de seu pai, que amava seu trabalho no Mercado Municipal, e nunca considerou fechar a loja, até mesmo com a crise que a chegada dos supermercados proporcionou aos comerciantes. É inegável o amor que é colocado naquele lugar, e Cássia segue todos os dias sabendo que seu pai teria muito orgulho do trabalho e paixão que ela coloca na Casa Alves. Hoje, com um time de funcionários que ela tem muito orgulho, Cássia faz um pouco de tudo, além de ter informatizado e modernizado a loja, mas sempre tentando manter a tradição de seu pai.
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celso luis bacci Dos 63 anos de sua vida, 55 deles foi cuidando de um comércio no Mercado Municipal. Celso Luis Bacci, hoje está aposentado e se tornou um visitante do mercado, mas, possui muita história pra compartilhar. A indicação de Celso foi de Dona Sebastiana, que lembra de ter o carregado no colo, e assim que abordado, ele já se interessou pelo projeto. Ele começa contando que tem memória do Mercado Municipal na época em que animais vivos eram comercializados, ele também recorda como esteve presente nas duas grandes reformas que aconteceram, e como aquilo não somente afetou os comerciantes, mas também a forma como o mercado era visto pela população. Ele começou a ajudar do armazém de seu pai com 8 anos, e na época, com coisas pequenas, como pesar mercadoria e atendimento. Com 16 anos, ele se viu obrigado a tomar mais responsabilidade no estabelecimento da família, quando seu pai Ernesto Bacci, faleceu. “O mercado foi a minha vida, eu não tenho muita coisa, tenho o suficiente pra viver bem, e tudo foi conquistado aqui.”, ele relata. Para Bacci, o Mercado Municipal representa uma vida,
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não só dele, a vida da família dele, o legado que eles criaram. “Eu perdi meu pai e minha mãe, trabalhando junto com eles aqui”, ele conta emocionado. A melhor parte de trabalhar aqui era a maneira de que mesmo sendo um trabalho rotineiro, todo dia era uma história diferente que as pessoas contavam. Ele é grato pela oportunidade de ter visto gente de todo lugar entrar em seu armazém, trazendo narrativas diferentes, e sempre trazendo uma nova oportunidade de amizade. Durante os dias de observação para a pesquisa, Celso estava sempre por ali, mesmo não trabalhando mais no Mercado Municipal. “Eu sempre estou por aqui, pois essas pessoas são os meus melhores amigos, são as pessoas que me conhecem desde sempre, né?”.
O mercado foi a minha vida, eu não tenho muita coisa, tenho o suficiente pra viver bem, e tudo foi conquistado aqui.” “
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cilene de morais oliveira Cilene de Morais Oliveira criou um legado no Mercado Municipal. A história começa quando seu marido Celso Morais de Oliveira, comprou uma banca há 47 anos atrás. Originalmente, a ideia era começar um negócio com seu irmão, mas certo dia, Cilene veio ficar um pouco na banca, e após isso, nunca mais saiu. Nas primeiras fases de pesquisa, Cilene era sempre era apontada como personagem que não poderia faltar no livro, já que, sua história com o Mercado Municipal transmite a maior mensagem que ele representa: tradição. Hoje, ela cuida da banca com o seu marido, que realiza as compras necessárias para o bom funcionamento, mas também, é mãe de Cristiano Morais de Oliveira, hoje dono de três bancas diferentes no Mercado Municipal, e é referência por inovação no ramo com sua banca de salada de frutas, empório de produtos artesanais e restaurante italiano no pátio do Mercado Municipal. O sucesso de seus dois filhos, Cristiano e Celso, é algo que Dona Cilene fala com orgulho, e quando questionada sobre a importância do Mercado Municipal em sua vida,
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ela fala com clareza que aquele lugar é tudo na vida dela, foi trabalhando ali que ela e seu marido conquistaram a casa própria e criaram seus dois filhos. Para ela, a convivência que o Mercadão proporciona entre as pessoas é a fator mais relevante para ressaltar a importância de ainda se ter o Mercado Municipal. Ela conta que o laço criado é tão forte, que hoje, sente falta dos clientes que já faleceram, e fica feliz de ter participado da vida de tanta gente. Ela se sente realizada por estar dando continuidade com a tradição que a família criou, de ver seus filhos, que cresceram dentro do mercado, hoje com seus negócios próprios. “O Mercado Municipal é uma tradição para a cidade de Bragança Paulista, e eu me sinto feliz de ver que minha família faz parte disso”. Entre as diversas histórias que ele tem para contar, ela escolheu compartilhar a lembrança de montar o presépio de Natal do Mercado Municipal, e como ela adorava ver as reações das pessoas ao ver tudo montado. A irmandade proporcionada entre os permissionários, é algo que faz com que Dona Cilene não queira ficar longe da rotina de domingo a domingo que ela realiza.
O Mercado Municipal é uma tradição para a cidade de Bragança Paulista, e eu me sinto feliz de ver que minha família faz parte disso” 56
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eDNA MARIA DA SILVA Enquanto andava pelo Mercado Municipal, pude notar uma pessoa que estava continuamente em movimento. Com o receito de falta de disponibilidade de tempo, me apresentei e automaticamente recebi um sorriso e a prontificação para me ajudar como ela pudesse, essa pessoa era a Edna Maria da Silva. Somando 23 anos de Mercado Municipal e sendo a primeira pessoa de sua família trabalhar nesse setor, tudo que não falta para a Edna é amor pelo o seu trabalho. A nossa entrevista começa com ela compartilhando um fato que representa o objetivo de produção deste livro. Edna é apaixonada por Mercados Municipais. Sorrindo, ela relembra que sempre que visitava uma cidade nova com sua mãe, ela pedia para visitar o Mercado Municipal da cidade, já que segundo ela, aquele era o coração e alma da cidade que ela estava visitando. Ela amava ver todas as cores que aquele lugar proporcionava, além de apreciar os sabores frescos que ela só encontrava naquele lugar. “É o melhor lugar para se conhecer uma cidade e o que ela produz”, ela conta “E hoje, eu trabalho em um Mercado Municipal, com muita paixão”, ela revela que é a Banca da Edna é uma grande conquista e a realização de um sonho para ela.
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Assistir Edna descrevendo o Mercado Municipal é o que ele representa para ela, é fascinante. Sua gentil personalidade fica clara com poucos minutos de conversa, e o fator de amizade com seu cliente fica mais evidente. Para ela, as pessoas frequentam aquele local não só pela qualidade dos produtos, mas sim pela amizade criada com cada cliente. “Eles são meus amigos, passam aqui todos os dias, nem que seja para comprar alface, e olha que a minha fica fresquinha por muito tempo, viu”. Quando pedi para ela contar sobre uma lembrança específica do Mercadão, seus olhos logo enchem de lágrimas. “O dia da entrega da reforma, em 2010, foi o dia mais feliz da minha vida, pois veja bem filha, isso aqui é nossa vida. A coisa mais importante que aconteceu pra gente foi a reforma. Entrar e ver ele renovado foi como se eu tivesse ganhado um filho.” A reforma comentada por Edna, durante 2008 a 2010, foi a obra responsável por trazer restaurantes, bancas padronizadas e o espaço para eventos. Com seus 53 anos de vida e muito história para contar, Edna Maria da Silva é uma pessoa realizada. “Trabalho de domingo a domingo, mas eu sou muito feliz”. Ela também fala sobre a importância da existência e manutenção do Mercado Municipal, segundo ela, deveria ser uma obrigação para todas cidades, já que todos deveriam ter a oportunidade de experienciar uma visita a um Mercado Municipal. A troca entre produtor e consumidor é gigantesca e não é somente baseada na venda de produtos. Na hora dos fotos, na frente das famosas alfaces, a timidez apareceu, mas não impediu a captura do sorriso amigável e honesto de Edna. Com a esperança de poder passar sua loja para as próximas geração, Edna tem orgulho de todos os produtos oferecidos, os doces que ela mesma produz, e o doce de leite que ela fez questão de mostrar: “é a receita da minha mamãe!”.
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hedy aparecida IGIOLLI Hedy Aparecida Igiolli tem 50 anos de Mercado Municipal. Sua história se confunde com a de milhares de imigrantes que buscaram no Brasil um lugar de paz e prosperidade. Seu pai fugiu da guerra e veio para Bragança, onde comprou um sítio e se tornou agricultor, ofício que foi sendo transmitido de geração para geração. Hedy passou a gostar da terra, cresceu e se tornou produtora de rosas e arranjos. Ela conta que sempre amou vender flores e as vendia na porta do Mercado Municipal. “O mercado é que flui toda a cidade”, observa. Apesar de todas as transformações pelas quais passou o centro urbano da cidade – assim como o Mercado Municipal passou por um processo de modernização e trouxe consigo formas comerciais que, em princípio, tenderiam a tornar sua existência obsoleta – as relações humanas e sociais permanecem cada vez mais vivas. A fala de Dona Hedy revela, em si, muita sabedoria, pois o Mercado compreende, ainda, formas de sociabilidade, que, para além de suas possíveis funcionalidades comerciais, mantém esse universo repleto de sons, cheiros e sensações e preenchem a vida e o imaginário de quem ali passa e também de quem permanece. E o amor incontestável pela profissão.
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“Eu trabalho desde os 10 anos, se não gostasse do Mercado Municipal, eu nem estaria aqui mais”. Hoje, trabalha com seu marido Ermelino Gomes de Moraes, um senhor tímido, mas que não escondeu o sorriso quando viu a foto na máquina, “não queimou o filme, hein filha?”. Eles trabalham em equipe e sempre muito unidos. Hedy conquistou muitos amigos através do seu trabalho e sua dedicação. Quando seu filho faleceu, ela conta que parecia haver “milhares” de pessoas no enterro, grande parte conhecidos do mercado municipal. Aos 75 anos, traz a ternura no olhar e o encanto de suas rosas, o que lhe tem permitido resistir aos desígnios recorrentes desse tempo de mudanças.
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josé roberto buoso Natural de Tuiuti, José Roberto Buoso, tem 64 anos e 34 anos de história de Mercado Municipal. No inicio de sua vida adulta, trabalhava de caminhoneiro e morava em Guarulhos, mas a correria e falta de estabilidade da vida nas estradas, fez com que ele desejasse algo mais familiar para sua vida. Por isso, quando um colega ofereceu a oportunidade de comprar um box no Mercado Municipal de Bragança Paulista, José não resistiu e abriu mão de tudo para investir no negócio. Nossa entrevista foi interrompida, por uma situação corriqueira no mercado, um senhor entrou procurando comprar o famoso queijo de Minas, que é carro chefe de José. O senhor fez questão de dar bom dia para todos, e José o atendeu com toda a simpatia possível. Quando questionado sobre já conhecer o cliente, José negou. Aquela era a primeira vez que aquela pessoa entrava em sua loja. Essas ações de receptividade e fraternidade é algo comum em todos os estabelecimentos do Mercadão.
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Voltando a entrevista, uma pergunta fez com que José, e todos os presentes se emocionassem. “O que o Mercado Municipal significa pra você?”. As lágrimas caíram e a resposta estava engasgada na garganta de Buoso. A reação aconteceu ao lembrar de Aline e Camila Buoso, filhas de José. Ele conta sobre elas com orgulho, já que são formadas e atuam em suas respectivas áreas. “Minha vida foi toda no Mercado Municipal, eu criei e formei minhas filhas trabalhando aqui. Eu só tenho boas lembranças desse lugar, ele foi e é muito bom pra mim, e hoje eu tenho tudo que preciso pra ter uma vida digna.”, ela conta entre o choro. Após as lágrimas, Seu José ficou tímido, e não queria prolongar nossa conversa, mas também deixou registrado que, para ele, se você procura qualidade e bom atendimento, o Mercado Municipal é o único lugar que é capaz de surpreender com ambas coisas, e muito mais.
“Minha vida foi toda no Mercado Municipal, eu criei e formei minhas filhas trabalhando aqui. Eu só tenho boas lembranças desse lugar, ele foi e é muito bom pra mim, e hoje eu tenho tudo que preciso pra ter uma vida digna.” 74
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MARIA DAS GRAÇAS de lima Maria das Graças de Lima, ou Gracinha como é conhecida, faz parte da equipe de limpeza e manutenção do Mercado Municipal há 23 anos. Ela começa sua rotina às 5:45 da manhã, e só termina ela após as 18 horas. Uma rotina pesada, mas que a aposentada de 68 anos não troca, ou abre mão. Natural de São Paulo, ela e seu marido resolveram que não queriam mais a vida corrida da capital. E foi então, há 26 anos atrás, eles escolheram Bragança Paulista como o novo lar para eles e seus dois filhos. Graça prestou um concurso de prefeitura, e ela ri do fato que foi a última a ser selecionada, e acabou sendo posicionada na Secretária de Agronegócios, órgão público responsável pelo Mercadão. Desde o momento que começou a trabalhar ali, Graça se apaixonou. Ela conta como foi acolhida por todos, e como o amor entre eles era real, uma verdadeira família. Ela não conseguiu escolher uma coisa para citar como sua parte favorita, “aqui você conhece todo mundo, e o pessoal daqui é muito gostoso”, ela ri.
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Uma lembrança que exemplifica perfeitamente o clima familiar do Mercado Municipal, é a de aniversário de Maria – o qual ela não lembra especificadamente da data. Ela relembra que Felipe, filho de Andréia, tinha cerca de oito anos, e vivia correndo e aprontando pelo mercado, ele veio correndo falando que tinha colocado fogo em algo na cozinha comunitária deles, ela sem reação, saiu correndo de onde estava, e chegou lá e encontrou todas as pessoas reunidas para um aniversário surpresa. Ela conta essa história emocionada, já que, guarda todos os detalhes daquele dia, em especial, o cartão que eles produziram com o nome de todo mundo. Maria das Graças considera o Mercado Municipal um patrimônio para a cidade, e como ela mesmo disse, “eu não gosto de ficar em casa, eu gosto é de ficar aqui com meus amigos, um ajuda o outro, e no final do dia, tá todo mundo feliz”.
“eu não gosto de ficar em casa, eu gosto é de ficar aqui com meus amigos, um ajuda o outro, e no final do dia, tá todo mundo feliz”.
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MARIA INÊS OLIVATO MORI Essa história começa há 51 anos atrás, quando Maria Inês Olivato Mori, tinha apenas 7 anos. A banca que era de seu pai, era também a sua casa. Era onde ela brincava, estudava depois da aula, aprendeu tudo que hoje sabe sobre negócios e administração da banca de frutas. Quando ela diz, “o mercado é minha vida”, não é em vão. Ela cresceu junto com o Mercado Municipal, acompanhou os períodos bons e ruins, batalhou todos os dias para criar seus dois filhos, trouxe inovações para manter a Banca da Inês sempre atualizada, manteve a amizade de clientes que seu pai cultivou, e aprendeu semear novas sementes no coração de todas as pessoas que passam por ali, já que, todos fazem questão de voltar. Todo esse tempo de Mercado Municipal é difícil de sintetizar, quando questionada sobre suas lembranças boas, ela não conseguia falar uma, pois para Inês, tudo que ela viveu ali dentro é válido, é uma memória boa.
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Ela conta a história de que quando era pequena, tinha muito medo dos temporais, e vivia escondida nos meios dos sacos de mercadoria de seu pai. Com o sorriso no rosto, ela fala como orgulho sobre todas as coisas que conquistou, graças ao Mercado Municipal. Hoje, sua filha Luana Olivato Mori, já formada, herdou da mãe essa paixão pelo local. As duas trabalham juntas, em uma parceria e sincronia que só mãe e filha possuem, e não abrem mão da rotina árdua. T er sua filha ajudando-a proporcionou inovações que Dona Inês conta com satisfação, hoje atendem por telefone, vendem frutas já cortadinhas para a facilidade dos clientes, produzem combinações prontas para sucos detox, tudo sempre acompanhando as necessidades dos clientes. Para ela, é incrível ver como os frequentadores do Mercado Municipal mudaram de acordo com o passar do tempo. Dona Inês foi a primeira pessoa entrevistada para o projeto, sua receptividade, carisma e vontade de participar do projeto ficaram claras desde o início. Nas fotos, mesmo tímida, ela fez questão de se certificar que estava tudo correndo bem. A imagem de São Jorge, também retratada, é o item mais antigo da banca. Seu pai já o mantinha pendurado desde o começo dos negócios, para sempre buscar proteção e segurança.
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PEDRO CARLOS FERREIRA Pedro Carlos Ferreira tem hoje 72 anos. Nasceu e cresceu em Bragança e, desde 1973, trabalha no Mercado Municipal, quando foi contratado para trabalhar com um açougueiro que ali estava instalado. Desde os 5 anos de idade trabalhava com o pai em um frigorífico e confessa: nunca trabalhou com outra coisa, além de carnes. Hoje, a profissão é muito valorizada, pois há falta de profissionais na área e, com o mercado de carnes em alta e a visibilidade da área de gastronomia, é preciso pessoas que entendam bem do ofício para, assim, poder oferecer às pessoas uma comida diferenciada com qualidade e sabor inigualáveis, como ele sempre o faz. Ele é muito grato seu trabalho e por tudo o que viveu até o momento. “Aqui pra mim sempre foi bom, não posso reclamar de nada, só estou ficando velho, mas passei minha vida inteira aqui”. Por ter aprendido e se especializado desde pequeno e, logo em seguida, ter conseguido emprego na cidade, confessa: “o Mercado Municipal significa minha vida, eu vivo aqui dentro”. Ao longo de toda sua trajetória, ele aprendeu a gostar do ofício e considera um dos prazeres de sua vida, acordando cedo todos os dias para oferecer algo de
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importante para a sociedade local. “Eu amo trabalhar aqui, se não gostasse, não viria”, explica. Vir ao Mercado Municipal auxilia no bom funcionamento do comércio local, aponta o senhor Pedro Carlos. Ele percebe que ali existe uma perspectiva de integração, uma força que une cada pessoa que ali trabalha, formando um espírito de conjunto e unidade. Nesse sentido, ele observa que “nos outros mercados é só um dono, aqui você ajuda várias pessoas”. O sr. Pedro não fala muito. Um homem de poucas palavras, mas de muita dignidade e paixão pelo trabalho. Há tanto tempo atuando na mesma área, fiel ao seu trabalho e evidentemente bastante conhecido pelo padrão de qualidade e o atendimento a seus clientes, afirma que não faz distinção entre aqueles que vêm de fora para comprar seus produtos, ou aos que costumeiramente ele atende ao longo desses 45 anos. Pedro Carlos Ferreira vê as pessoas sem qualquer distinção. Trata os “visitantes” do mesmo jeito que trata os clientes fiéis. Ele sabe o que diz e valoriza aquilo que, para muitos, é um patrimônio vivo do município. Um espaço raro de convivência e a força motriz de uma cidade cuja vocação para o comércio é inegável. “O Mercado Municipal é o Mercado Municipal, né? É o coração da cidade”, fala entusiasmado.
“Aqui pra mim sempre foi bom, não posso reclamar de nada, só estou ficando velho, mas passei minha vida inteira aqui”
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sandra mara da silva “Eu nem ia vir hoje, só tô aqui porque tinha combinado”. Era uma manhãzinha de feriado, e Sandra Mara da Silva chegou e já arrumou um chocolate quente, com leite fresquinho, e um pedaço de queijo pra gente conversar. Ela admite que só abriu a loja para finalizar a entrevista dela, mesmo ela achando que não ia ter conteúdo interessante pra compartilhar. O Cantinho da Ditinha é famoso por seu bolinho de bacalhau, mas Sandra também vende pastel, queijo fresco e salgados. Frequentadora do Mercado Municipal desde criança, ela vinha todo o domingo com a sua mãe fazer a compra do almoço. E nisso, aproveitava para passear e assistir sua mãe conversar com todos, tradição que sua mãe carrega há tempos, “minha mãe conta que na época dela, ela passeava no Mercado Municipal de domingo para paquerar”, ela conta entre risadas. Benedita Aparecida de Oliveira Silva, a Ditinha, hoje tem 69 anos e não consegue frequentar o Mercadão, mas sua filha Sandra conta que sempre ela pode, ela vem para discutir futebol com os homens. “Minha mãe entende muito de futebol, então, ela senta aqui na frente e uma roda se forma pra discutir as partidas”. Benedita possui incontáveis anos de Mercado Municipal,
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Sandra não conseguiu compartilhar datas exatas, já que, sua mãe trabalhou em diferentes lugares, até receber a oportunidade de abrir o Cantinho da Ditinha, que hoje possui 13 anos. Para Sandra, o negócio delas e o Mercado Municipal significa conquista e muita luta, além de ser algo que elas amam fazer. O lugar proporcionou muitas lembranças para a família Silva, Sandra lembra de todos os políticos que visitaram o estabelecimento, e de toda a comoção que eles provocaram. Ela também relembra sobre presenciar a festinha de um ano da filha de Andréia, da Banca da Andréia. Com a alma festeira, ela conta sobre como fica feliz quando trazem grupos musicais para se apresentarem no pátio do mercado. Para ela, o Mercado Municipal é um lugar de conversa boa e amizade, lugar que todos entram e logo se tornam amigos.
“minha mãe conta que na época dela, ela passeava no Mercado Municipal de domingo para paquerar”
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sebastiana vicchiatti A história começa em 1952, quando Sebastiana tinha 7 anos, idade que ela começou a frequentar o Mercado Municipal. Nossa conversa levou um tempo de convencimento, já que ela tinha certeza que não teria histórias relevantes para me contar e estava com medo de não saber responder as perguntas. Um breve tempo de bate papo e a nossa entrevista começou, superando as barreiras da timidez de Dona “Bastiana”, como é conhecida no Mercado Municipal. Nascida e criada em Bragança Paulista, filha de Eugênio Gonçalves, Sebastiana Gonçalves Vicchiatti trabalha no Mercado Municipal há aproximadamente 60 anos, seu pai era dono de uma banca de frutas desde 1950, e a partir dos 7 anos de idade, ela começou a informalmente ajudar ele com as vendas de frutas e verduras, situação que era costumeira para a época. Ela conta que lembra que saia da escola e ia direto para o Mercadão, e também das viagens de caminhão que seu pai fazia para comprar uva, melancia e abacaxi. O sentimento de nostalgia continua enquanto ela conta das inúmeras vezes que ficava assistindo a chuva pelo “janelão” do mercado, e sobre como ela gostava do assoalho de madeira que existia na época.
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Foi então que em 2 de fevereiro de 1962, seu pai atingiu o objetivo de comprar um box para a família, e seu negócio foi transferido para o bar que hoje pertence à Sebastiana. Ela mostra com orgulho o recorte de um jornal onde mostra seu pai, e a legenda fala “Sr. Eugênio Gonçalves (Nico Gonçalves), sempre simpático”, e o sentimento continua o mesmo com sua filha, que com honra e paixão continua com o comércio de domingo a domingo. Ela ainda conta como seus filhos não apoiam que ela continue se esforçando tanto, mas em suas próprias palavras “eu ainda venho pois aqui é muito bom, eu gosto demais”. Para Dona Sebastiana, o Mercado Municipal representa uma tradição bragantina, um lugar onde se todos estão dispostos a sentar e conversar, o palco perfeito para troca de convivência e como adicional, as pessoas podem adquirir os produtos da melhor qualidade possível. O Mercadão representa uma família, pessoas de bem e um lugar de paz no meio de tanta correria do dia a dia. Enquanto nossa conversa acontecia, fomos interrompidas por diversas pessoas, e todas elas conheciam a Dona Sebastiana por nome e vice e versa, e tudo se tornava história. “Eu carreguei ele (Celso Luis Bacci) no colo, vivia brincando por aqui, você deveria entrevistar ele!”. O final de nossa entrevista chegou, e nesse ponto, nós já estávamos conversando tomando caldo de cana juntas. O bar da Dona Sebastiana hoje vende pastel, cerveja, refrigerante, salgados, caldo de cana, e é claro, ovos da pata da própria Dona Sebastiana. Ela termina a nossa conversa estimulando as pessoas a virem consumir os produtos do Mercado Municipal, já que tudo ali é feito com muito carinho, e as pessoas que trabalham ali são apaixonadas pelo o que fazem. Na hora das fotos, Dona Sebastiana continuou tímida e desconfortável com câmera, mas seu sorriso simpático foi sincero, do mesmo jeito que ela recepciona todos seus clientes.
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