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J.T.Parreira
CERTO HOMEM TINHA DOIS FILHOS Proposições sobre o Filho Pródigo
2016 Capa: Ausencia Tela de Maria del Pilar Reyes Noriega
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ÍNDICE
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................... 04 CONFISSÕES DE UM FILHO PRÓDIGO ANTES DE PARTIR ...................... 05 O DESAPARECIMENTO DE UM FILHO PRÓDIGO ........................................ 06 O PRÓDIGO .................................................................................................................... 07 FILHO PRÓDIGO .......................................................................................................... 08 UM RAPAZ FUGIDO DE CASA ................................................................................ 09 ALGUÉM CHEGA ....................................................................................................... 10 NUMA TERRA DISTANTE ....................................................................................... 11 AS PERDAS DO PRÓDIGO ………………….………………………………………….. 12 CERTO HOMEM TINHA DOIS FILHOS ............................................................... 13 UMA PALAVRA DO PRÓDIGO ................................................................................ 14 UM PAÍS DISTANTE ................................................................................................... 15 UMA PARÁBOLA DO PRÓDIGO ............................................................................ 16
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APRESENTAÇÃO
Das diversas parábolas relatadas por Jesus, talvez nenhuma outra tenha tido tanta repercussão, e consequentemente sido alvo de mais representações artísticas quanto a Parábola do Filho Pródigo (Lc 15:11-32). E, em apoio à sua singularidade, note-se que, ao contrário de outras parábolas, esta aparece apenas no livro de Lucas. Sua mensagem, por ser perfeitamente evangélica, é de simples, universal compreensão; seu impacto é duradouro. Talvez porque diante de um Deus santo de quem nos afastamos e fomos afastados pelo pecado, sejamos todos pródigos a priori (e tantas e tantas vezes, a rematar nossa rebelião, a posteriori). É essa figura arquetípica do pródigo que é o Homem, inserida nesta parábola também arquetípica sobre o incomensurável e incondicional amor do Deus-Pai, que JTP elege para objeto de sua reflexão poética. Este pequeno e-book colige textos escritos em períodos diversos, mas que em comum trazem a marca da economia e extrema expressividade, tão características da poesia do autor. Sammis Reachers
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CONFISSÕES DE UM FILHO PRÓDIGO ANTES DE PARTIR
Nada mudou É o meu sítio, as mesmas coisas, o ar Certo pela manhã com a mesma rotina dos girassóis O mesmo rebanho de novilhos cevados que sai do redil Para movimentar as colinas, nenhuma sarça Para trazer as novidades, quase as mesmas Palavras, os mesmos olhos presos Às velhas roupas, aqui serei sempre O que nasceu para isto, para viver na sombra Do irmão mais velho, Pai a minha herança Pela minha vida, qualquer coisa Que não possa ser encontrada é o que eu procuro. 03-06-2015
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O DESAPARECIMENTO DE UM FILHO PRÓDIGO
Procura-se um rapaz, juventude indefinida, um nome ligado a um pai com fazenda, 1,75 m, um rosto judaico, olhos iluminados pela aventura que devem já ter perdido o brilho, casaco comprido azul escuro, se for o mesmo está no fio, sapatos leves, notícias dizem que o viram esbanjar dinheiro como meio de preencher a solidão, hoje será um jovem misantropo, pela circunstância de que os amigos e as prostitutas não convivem bem com a insolvência, qualquer informação do paradeiro deve ser dirigida a um certo Lucas, que logrará suavizar o coração do velho pai, que todos os alvoreceres lança os olhos à linha do horizonte onde a estrada se perde.
01-06-2015
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O PRÓDIGO
Quando escondes as mãos no bolso Por um fio das calças e não encontras O sentido da vida, o vazio Que estranhas ainda no calor do corpo E o que pensas é uma forma ténue De um vulto na dobra da estrada Um quarto com uma porta Sempre guardada pelo coração do teu pai Uma gravura oblíqua na parede e nela A secura das águas do Jordão e os salgueiros Que se protegem do vento unindo os ramos E dizes, com o coração seco Estou sozinho sem peito onde esconder o medo Sem os braços amados onde amarrar meu barco Sem os dois olhos que conheciam a minha sombra Na densa noite, ninguém aqui Para me dizer mesmo a mais fugidia das palavras Amor Por isso, vou voltar, interrogo a memória da casa E não é uma ruína Já não suporto mais o esquecimento de mim mesmo. 01-06-2105
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FILHO PRÓDIGO
Volto para casa, basta-me um lugar incógnito ao lado dos olhos do meu pai, transparências que deixam na sua velhice ver a alma cobrir-me com uma sombra e dormir com as estrelas por perto, na porta do celeiro basta até um arrepio de água corrente pelo rosto, basta-me os braços abertos dos trabalhadores da casa de meu pai que me passem com os dedos frescos pela boca o cheiro a pão.
16-06-2014
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UM RAPAZ FUGIDO DE CASA “Vale a pena voltar, mesmo que seja diferente” Cesare Pavese
Bebendo a manhã molhada de braços caídos, a única possessão nas mãos, o vazio feito de coisas que passaram feito de coisas duma vida outrora cheia, este rapaz a quem chamaram pródigo, fugido de casa, vem pela penumbra do regresso ainda não sabe que os olhos do pai não têm vacilado diante das estrelas que os olhos do pai têm bebido cada dia, cada hora, até o último fio de sol anterior à madrugada. 2011
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ALGUÉM CHEGA
Agora alguém sobe da linha do horizonte Chega de mãos vazias Passos a guiarem o corpo lentamente Lá para longe ouvira dizer que a voz do Pai Batia no silêncio No vazio das paredes, o mesmo Pai que agora Enche o caminho como uma sombra da velhice Que se refaz e corre alegre para ele Que chega trémulo com o cansaço dos pássaros Que erraram todos os pontos cardeais.
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NUMA TERRA DISTANTE
Se não estivesse nesta terra distante Não andaria com os meus pés nus Golpeados pelo chicote da chuva A fertilidade desta terra não é para mim Agora resta-me ficar sentado com a distância Nos olhos, com um tecto de nuvens Dão-me mentiras como alimento, bolotas O cheiro aos porcos, que vai até ao fundo da alma Respiro como única maneira de adiar a morte, povoa-me os sonhos a judaica barba do meu pai. 04-06-2015
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AS PERDAS DO PRÓDIGO “Postcards and letters, T-shirts and sweaters (…) A new sheep-skin jacket, I lost it all” The Divine Comedy (“Lost Property”) Tudo eu mesmo arranquei das minhas mãos Como se a parte dos bens que recebi fosse Um ferro em brasa, raras e preciosas coisas Resumidas na palavra herança Tudo o que perdi Se deve ao desgaste das minhas mãos Incapazes de multiplicar na terra distante Onde me dissipei, levanto-me? Hei-de passar as dunas que o vento amontoa Para o que me espera ainda Apenas o peito aprazível de meu pai. 06-06-2015
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CERTO HOMEM TINHA DOIS FILHOS
Do mais novo, sabe-se que partiu Pelo silêncio em volta do seu pai, dos passos Que atravessam para longe as paredes, agora estão Como um muro de cristal Coberto com os panos da saudade Para que escutar frases de ocasião, ir A festas, ou estar sentado entre a água dos que choram Se a presença de um filho ausente É o mais terno dos silêncios. 06-06-2015
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UMA PALAVRA DO PRÓDIGO “Un mot et tout est perdu, un mot et tout est sauvé” André Breton
Eu sei que havia distâncias nos olhos do Pródigo Lugares em que as luzes seduziam nos olhos De mulheres morenas, lugares sem espelhos Para ver a alma, eu sei que no silêncio morriam Na casa todas as conversas, uma palavra Atirada ao eco das paredes, “Pai dá-me Parte da herança” e tudo Se perdeu, a vida É um horizonte de surpresas, outra palavra Talvez a mesma Chega ao momento de salvar, “Pai Errei o céu e não sou digno de nenhuma festa” Nem uma cantiga nem uma dança Nem dos vestidos que antes vestia Apenas o regresso para ver teu rosto Envelhecer com alegria. 07-06-2015
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UM PAÍS DISTANTE
Se pedires um dia a tua parte da herança Reserva no fundo do alforge O mapa do regresso. Não sabes Os círculos que a vida pode dar, voltas Na labiríntica vontade, encontros Com mulheres e homens sem saída Como becos para dentro da alma Deverias ter todo o tempo a casa Paterna em tua mente. Arrependimentos? Toma-lhes o pulso e exclui tudo o que for Remorsos, no teu regresso se houver Serão um peso e o arrependimento Sandálias aladas de Hermes no regresso. Faz votos para um dia Reteres ainda no alforge sem riquezas O mapa do regresso. 06-07-2015
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UMA PARÁBOLA DO PRÓDIGO
“Não te levantes” – alguém deixou escrito na minha parede, “Nem te entusiasmes demasiado”, meu pai não me reconhecerá Com estes vestidos por um fio e este rosto Que o sol chicoteou? Mas o que se escreve nas paredes Cai com as paredes. Levanto-me, Não me importo com quem ficou de pé Junto à minha parede e escreveu “não te levantes”. Abro a porta da noite, talvez o silêncio Das estrelas seja melhor. Caminho Pelas pedras, se tiver que subir Mesmo com as mãos agarradas à lama, se tiver Que limpar o vento do rosto, ou se a névoa das estradas periféricas Me deixam duvidoso quanto ao rumo, ainda Assim caminho pela estrada do regresso Para casa, agora vou a favor da corrente. 25-02-2015
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