ESTÓRIAS QUE NÃO SE ESQUECEM - Contos - Pr. Wagner Antonio de Araújo

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ESTÓRIAS QUE NÃO SE

ESQUECEM CONTOS WAGNER ANTONIO DE ARAÚJO

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Wagner Antonio de ARAÚJO. Estórias que não se esquecem [livro eletrônico]. São Paulo: Edição do autor, 2019.

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ÍNDICE APRESENTAÇÃO ........................................................................................ 06 PREFÁCIO ................................................................................................... 08 O TELEFONE TOCOU... .............................................................................. 09 ... E JOÃO NÃO VEIO... ............................................................................... 17 A ARMA SECRETA ....................................................................................... 24 A CAMA ....................................................................................................... 29 A CASA E OS DOIS AMIGOS ......................................................................... 31 A ESTÓRIA DE GOULART ............................................................................ 34 A ESTÓRIA DE SOLANO .............................................................................. 36 A FATURA CHEGOU... ................................................................................ 39 A FROTA ..................................................................................................... 43 A LOUCA ESTÓRIA DE UMA IGREJA .......................................................... 48 A VELHA AGENDA DE TELEFONES .............................................................. 51 ATÉ EU TE DEVO... ..................................................................................... 54 CONSTRANGEDOR ..................................................................................... 58 CORRENDO ATRÁS DO VENTO OU ME INDICA, POR FAVOR? .................. 63 DO JEITO QUE TE TRATO... ........................................................................ 65 DONA GERUSA, OU CONSELHOS PARA A FELICIDADE ............................ 67 DOUTOR TRÊS HORAS ............................................................................... 72 ELA JÁ IRÁ ATENDER-LHE... ...................................................................... 77 EM NOME DE SATANÁS .............................................................................. 81 ENCONTRO SECRETO DE UM PASTOR ...................................................... 85 ERA UMA VEZ PAULO, OU QUEM QUER QUE FOSSE... ........................... 89 EU PEQUEI... .............................................................................................. 94 EU QUERIA MORRER... ............................................................................. 97 EU SÓ QUERIA SABER... ........................................................................... 101 EU SORRI EM SÃO PAULO - CONTO MISSIONÁRIO ................................. 103 FOGO NO PAIOL ........................................................................................ 107 JOSÉ E SUA BUSCA ................................................................................... 108 LANDINHO ................................................................................................ 110 MAIS ALTO! ................................................................................................ 113 MEMÓRIAS DE UM PÚLPITO .................................................................... 116 "MOÇA, POR FAVOR..." ............................................................................ 121 NEM SÓ DE PÃO ........................................................................................ 124 NENHUM PASTOR PRESTA ....................................................................... 127 NUNCA ACONTECERÁ .............................................................................. 130 O MORTO FALOU ...................................................................................... 133 O PARQUE DOS INOCENTES ..................................................................... 137 O PASTORZINHO E SEU DUELO ................................................................ 141 O PORÃO ................................................................................................... 144 O SEU DESTINO ........................................................................................ 149 O ÚLTIMO FORRÓ ..................................................................................... 152 OS AMIGOS ............................................................................................... 153 OS MEUS SONHOS SE CUMPRIRÃO ......................................................... 156 4


PASTORES TAMBÉM CHORAM ................................................................ 158 PARÁBOLA DAS TRÊS ÁRVORES .............................................................. 163 PODEMOS CONVERSAR, PASTOR? .......................................................... 167 QUANDO TUDO PARECIA PERDIDO... ...................................................... 171 RARA ESTÓRIA DE UM PASTOR ............................................................... 176 SEGUNDA PISTA ....................................................................................... 180 SOLTEM MINHA FILHA! ............................................................................ 182 SUMA DAQUI! ........................................................................................... 186 TENHO VERGONHA .................................................................................. 188 TOLERÂNCIA ZERO .................................................................................. 190 TRAGÉDIA E SALVAÇÃO ........................................................................... 195 THEOBALDO PARTIU ................................................................................ 197 TRISTE SURPRESA... ................................................................................ 200 TROCA INFELIZ ......................................................................................... 203 UM PASTOR PARA VILA ALTA .................................................................. 207 UMA SURPRESA NAS PESQUISAS - CONTO MISSIONÁRIO ..................... 212 VISLUMBRE DO FUTURO .......................................................................... 215 SOBRE O AUTOR ....................................................................................... 218

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À GUISA DE APRESENTAÇÃO Um escritor que tenha mensagem não se pauta pela quantidade de letras, de linhas, de espaço; não se guia pelo que fará mais sucesso ou o que receberá melhor acolhida. Isso fará se estiver escravizado por alguma editora que lhe exija compromisso com nichos, com temas e com tamanhos. Um escritor independente, que não vive da literatura, não. Há textos curtos e pequenos, que se expressam com poucas palavras. Outros, porém, são extensos, informativos, históricos, analíticos. Reduzilos seria torná-los aleijados e incompletos. Cada texto tem o seu tamanho, a sua ideia e o seu público. Há textos fictícios, baseados em fatos reais. Há outros que são ficção pura, objetivando ensinamentos morais e espirituais. Há textos cômicos e há textos trágicos. Eu confesso que alguns dos textos que escrevi provocam-me lágrimas até hoje. Alguns são práticos; outros, teóricos. Uns são otimistas, cheios de atitudes altruístas. Outros são realistas, denunciadores, grandes lamentos diante de um mundo sem Cristo. Já fui procurado por uns para permitir a filmagem e a apresentação de algum texto como filme ou peça. Nunca disse "não". Já fui procurado por outros para ceder direitos de uso. Nunca vi dificuldade. Já perdi a paternidade virtual de textos (eles são publicados sem a devida autoria). Já fui questionado sobre a vida de personagens que inventei, se estão bem e onde encontrá-los. Textos são vivos, são reais. Eu dou à luz constantemente ao que escrevo. Às vezes levanto-me pela madrugada atônito, carente de um teclado e de um computador, pois um texto está sendo parido naquele instante. Enquanto não escrevê-lo não consigo sossegar. Outros, mais complexos, ficam na estufa, aguardando o devido amadurecimento para a sua publicação. Em alguns eu profetizei, mesmo não sendo um profeta nos ideais do velho testamento. Em outros eu desejei e vi o desejo tornar-se realidade. Houve textos que me trouxeram dificuldades, pois a perseguição tornouse acirrada; outros, contudo, foram considerados elogiosos, e também recebi manifestações. Eu escrevo porque decidi que não esperaria a perfeição chegar. Ela só virá na eternidade. Sou limitado e cheio de imperfeições; contudo, no temor do Senhor e na responsabilidade da vocação resolvi utilizar o que recebi para glorificar Àquele que me capacitou. Se alguma virtude houve,

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o nome dEle é que deve ser glorificado. Se defeitos surgiram (e como surgem!), são de minha responsabilidade e por eles me escuso. Já me disseram, algures: “Escreva pouco!” Pouco? Não. Escreverei o suficiente. Enquanto o Senhor me permitir pensar. E sei que há leitores que leem não pelo tamanho dos textos, mas pelo conteúdo que lhes interessa. Se leu esta introdução até aqui, é porque houve interesse. E eu lhe agradeço a deferência. Escrevi pouco ou muito? Wagner Antonio de Araújo

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PREFÁCIO A literatura de ficção levada a cabo por cristãos nacionais possui excelentes cultores, mas é pouquíssimo divulgada e conhecida; notadamente, aquela produzida pelos praticantes do relato de concisão e precisão que é o conto. Assim, o surgimento de um livro como este, reunindo grande parte da produção de um autor gabaritado, é motivo de celebração. A pena do pastor Wagner Antonio de Araújo é abençoada como a botija da viúva: de sua lucidez brotam textos em quantidade e qualidade ímpares para combustível (de almas e lâmpadas) dos leitores que têm a felicidade de travar com eles contato. Aqui o conto, o relato real, a crônica e o texto devocional entrelaçam-se compondo um estilo rico e característico do autor. Contos com a reverberação do ensino ético, no que ecoam o melhor da contística universal; muitos deles, como referido, deambulando na sutil e criativa fronteira entre conto e crônica. Histórias reais de anos de vivência e pastoreio de diversas igrejas são aqui filtradas e remixadas para gerar uma agradável e pungente literatura. Desassombradamente asseveramos que o leitor deste volume sairá dele (sempre) maior; maior em entendimento dos processos dos homens e das coisas de Deus. Maior em empatia com seu próximo e comunhão com Aquele de onde todo o bem emana. E isso sem descuidar do entretenimento, causa maior talvez da faina ficcional humana; pois aqueles momentos de relaxamento e alumbramento, advindos do simples prazer da leitura, estão garantidos, do primeiro ao último relato. Sammis Reachers

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O TELEFONE TOCOU... – Alô? – Alô. Luciano? – Sim. Quem é? – Não conhece mais a minha voz? – Não estou conseguindo identificar. Quem está falando? – Nossa, como foi fácil pra você me esquecer... Acho que não tivemos muito significado... – Nathasha?! – Oi... – Que surpresa você me ligar! Pra quem disse que queria me esquecer para sempre ... – Vai ofender? Eu desligo! – Fique à vontade, querida. Quem ligou foi você mesmo... – Não, espere, não vou desligar. Desculpe. É que estou aborrecida, só isso. – Tá. E o que você quer? – Nada. Eu só queria ouvir sua voz. – Só? Então já ouviu. Mais alguma coisa? – Espere, pare de ser grosso. Não, desculpe, não desligue. É que eu estou me sentindo muito sozinha. – Foi você quem quis assim, querida. Sorva do seu próprio veneno. – Realmente você não muda. Só sabe acusar... – Bom, vou desligar. Tchau... – NÃO, PELO AMOR DE DEUS, não desligue, espere, preciso te dizer algo... – Fala logo, Natasha, tenho que trabalhar. – Eu estava errada. Me perdoe. – ERRADA? Você estava errada? Tem certeza disso? Será que não é um pouco tarde pra dizer isso? – Mas agora eu reconheço... Por favor, amor, me perdoe! – Agora? Depois que você acabou comigo, querida? Até hoje eu pago o mico do papelão que você me fez passar... Convites distribuídos, acampamento alugado, comida encomendada, viagem paga, meu casamento com você, tudo perdido... (Luciano suspira). Sofri, sofri mesmo. Queria matar você! Droga, por que eu tive que amar você? Mas tudo bem. Já faz dois anos... Ah, meu Deus, dois anos... – Luciano, pelo amor de Deus, me perdoe! 9


– Pra que você quer o meu perdão? Você nem ligou pra dizer que já estava com outro cara. Pra que perdão? Vai viajar com ele, vai viver com ele, meu bem... Só me deixe em paz, por favor (Luciano chora baixinho). Sem se dar conta, Luciano percebe uma pessoa na porta do escritório. Era ela. Natasha estava olhando pra ele. Ela falava do celular. Luciano fica perplexo, alegre e triste - ela está linda, belíssima, muito elegante. Mas seu rosto está abatido, cansado, doente. Na mão tinha uma sacola. Aproximou-se da mesa de Luciano, e, com olhos lacrimejantes, desligou o celular, olhou para ele e disse: – Oi, amor. – Oi, Natasha. Pare de me chamar de amor. Você tá um caco, filha! Olhos baixos, Natasha começa a tirar da sacola algumas coisas: uma caixa do correio com um CD do Demmis Roussos, que Luciano havia enviado de presente no aniversário, uma boneca de porcelana numa casinha de papel, um celular pré-pago, alguns livros devocionais, uma bíblia de Genebra e um pacote de fotografias. Luciano a observava, perplexo, triste, e via as lágrimas de Natasha molharem a fórmica da sua escrivaninha. Cada objeto tirado era uma facada no coração sofrido de Luciano. Algumas coisas lhe custaram caro, ele fizera grande esforço para pagálas. Mas, pensava ele, se era pra ela, valeria à pena o esforço. Quando tudo terminara, ele se arrependera de tanto gasto desperdiçado... – Pensei que você havia jogado as coisas que lhe dei, Natasha... – Eu nunca me esqueci de você, Luciano. Eu errei. Errei muito, me perdoe... Luciano, jovem advogado, lutador com as intempéries da vida, sabia que Natasha poderia estar mentindo, como tantas outras vezes, quando namoravam e mesmo quando eram noivos. Mas havia um quê de diferente no olhar vermelho de Natasha. – Por que você veio hoje aqui, Natasha? Deu alouca? O que te traz aqui? Natasha suspirou, chorou, recompôs-se e disse: – Estou com câncer, Luciano... – CÂNCER? Luciano petrificou-se. – Sim, amor, eu vim me despedir. Saí do hospital à força, pra falar com você e pra morrer em casa... Luciano não esperava por essa. Veio-lhe à memória uma de suas discussões, onde Natasha, na hora do nervoso, dissera: "E daí, Luciano? Que se dane a igreja, que se dane o pastor, que se dane você, e se Deus achar que estou errada, que me castigue..." Nossa, era como se a cena passasse de novo na mente de Luciano. 10


– Como foi, Natasha? – Depois que eu deixei você, amor, fui caindo no abismo, afastei-me do Senhor, fui morar com o André, abandonei a Cristo. Eu estava cega. Mas Deus me amava, Luciano. Se eu não fosse dEle, estaria numa boa agora, bem com o André, bem comigo e pronta pra ir pro Inferno. Mas, por amor, Deus veio corrigir-me. Ele repreende e castiga a quem ama. Ele me ama, Luciano! Estou doente. Mas estou bem, porque estou podendo vir até você pra pedir perdão! Nunca fui feliz, nunca tive paz, saí de casa com 3 meses de vida a dois. O André me batia, me traía, eu fugi. – E ele não foi buscar você de volta?! – O André foi assassinado, Luciano. Tráfico de drogas. Luciano estava perplexo. – Luciano, estou voltando pro Senhor, estou me preparando pra partir. Mas tenho que receber o seu perdão, amor! Sei que nunca irei compensar o que lhe fiz, mas... por favor... ME PERDOA, AMOR! Luciano olhou para aquele resto de mulher - outrora tão orgulhosa, ostentando tanta beleza e autossuficiência, confiando tanto em seu corpo e em sua fulgurante beleza, e agora, bonita ainda, mas notadamente pálida, enferma, cheia de hematomas nos braços, pescoço e pernas, e triste, profundamente triste, a implorar-lhe perdão para morrer em paz! Cena patética! Ali estava quem Luciano mais amara na vida, quem mais o fizera sofrer, a depender de uma palavra apenas, para morrer em paz! "Hora da vingança", veio-lhe à mente. Claro, agora seria a hora da revanche! Mas Luciano era um moço crente, de bom coração, e seria incapaz de reter a bênção para aquela a quem tanto amara e que, infelizmente, ainda tanto amava e tanto o fazia sofrer... – Quer que eu perdoe você, Natasha? – SIM, PELO AMOR DE DEUS, Luciano! Nunca mais tomei a Ceia do Senhor, nunca mais louvei ao Senhor com alegria, nunca mais fui membro de igreja, não aguento mais! Aceito as consequências, mas, por favor, diga que me perdoa! Enxugando as lágrimas, refazendo-se, Luciano olhou-a no fundo dos olhos, tomou as suas duas mãos, que estavam frias como as de um defunto, e lhe disse, num terno sorriso misericordioso: – Querida: desde que você foi embora eu já havia lhe perdoado. Mas, se você quer escutar e sentir paz, ouça-me: EU PERDÔO VOCÊ POR TUDO QUE ME FEZ. VOCÊ ESTÁ LIVRE EM NOME DE JESUS! Natasha tremeu. Gritou "aleluia", sorriu, chorou, e caiu desmaiada.

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Logo o assistente de Luciano veio ajudá-lo, e, colocando-a no carro, levaram-na para o hospital. Luciano tinha o telefone de toda a família ainda, ligou e avisou. Em uma hora todos estavam ali na recepção, tristes, aflitos, alguns desesperados. Chegou o pastor. A família implorou-lhe que fosse até a UTI orar com ela. O pastor, que conhecia o Luciano, olhou bem pra ele, pensou, fechou os olhos em oração, e, a seguir, falou: – Quem tem que entrar é o Luciano. Vá lá, Luciano. Eu conheço o diretor da UTI, pedirei autorização. – EU, PASTOR? – Sim, filho. Ela é o seu amor. – FOI, PASTOR. – Não, filho. Deus o uniu a ela novamente, ainda que seja na despedida. Luciano não sabia o que fazer. A família, desconsolada, chorava, mas a mãe, certa do que tinha que ser feito, empurrou o Luciano até a porta, dizendo: "Vai, filho, corre, antes que seja tarde!" Ah, aquele corredor que dava para a UTI parecia não ter fim! Cada passo dado era uma lembrança: o primeiro beijo, a primeira maçã-do-amor, o primeiro jantar, o primeiro pôr-do-sol juntos; o dia em que viajaram num encontro missionário, o dia em que foram juntos à praia e que ele deu de presente a primeira rosa! O jantar de noivado, os telefonemas, tudo. Não sobraram recordações da tragédia, da traição, do desprezo. Na verdade quem ama guarda as más experiências numa sacola furada. E Luciano fez assim. Vestido com o jaleco, a máscara e o sapato de pano, Luciano entrou. Vários boxes onde pessoas definhavam. Lá estava Natasha, no número 6. Estava no respirador artificial, cuja sanfona funciona como um pulmão e faz um barulho horripilante. Estava linda, mas totalmente ligada a aparelhos, notadamente cansada, em coma, morrendo. Luciano sentiu sua dor. Chorou. Tremeu. Segurou forte a mão de sua amada. Pensou em Cristo, que dera a vida pela noiva, pensou em Oséias, que aceitou a esposa adúltera novamente, pensou em Deus, que tantas e tantas vezes tratou a Jerusalém com compaixão. Quem era ele para não perdoar? Quem era ele para não acolher? Então orou. "Senhor, o que posso dizer? Minha garota está morrendo! Ex-garota, claro. Mas mesmo assim está doendo, Pai! E eu sou impotente diante de tudo isso! Essas máquinas, esse cheiro de éter e de carnes inflamadas, esse barulho infernal, meu Pai, o que posso dizer? Que deixe a minha garota morrer em paz? Sim, Senhor, leve-a para a tua glória! Eu a amo!

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Mas sei que tu a amas mais do que eu! Abençoa a Natasha. Em nome de Jes... Subitamente Luciano pensou em completar a oração com o seguinte pedido: "Mas, Senhor, se ainda houver um espaço para ela viver para ti, recuperar parte do tempo perdido, se na tua infinita misericórdia não for demais, por favor, Senhor, cura a tua serva. Ela já sofreu bastante, ela aprendeu, Senhor. Até eu, que fui o mais ofendido, já a perdoei! Por favor, Senhor, se der, devolve-lhe a vida! Mesmo que não seja pra viver comigo. E agora sim, em nome de Jesus. Amém". – Por favor, me avisem – disse Luciano aos familiares –, me avisem quando tudo terminar. Quero estar presente. E foi embora. Tirou a tarde para viajar, seu hobby preferido: foi pra uma cidadezinha próxima, ver o pôr-do-sol. PARTE FINAL No caminho, ao longo da rodovia, seus pensamentos corriam mais que o vento: por que tudo isso estaria acontecendo? As coisas não poderiam ter sido mais fáceis? E agora? Ele, no carro, ela no hospital, a lembrança daquelas máquinas monstruosas de prolongar a vida não lhe saíam da memória... As lágrimas corriam, misturadas à poeira do vento seco do caminho. Revoltado com tudo isso, parou o carro no acostamento. Encontrou uma estradinha de terra. Devagar, como a seguir um féretro, entrou pela rota dos sitiantes. Subiu devagar a montanha, encontrou um mirante. Parou, abriu a porta, e, num grito de dor e lamento, chorou. Ah, como chorou! Seu pranto escorria pela porta do carro. Os pássaros, assustados, aquietaram-se nas árvores, contemplando aquele misto de dor e revolta. Parecia que todo o mundo fazia silêncio em respeito a tanta dor. – Deus, por que? Por que? Por que? Por que tive que amá-la? Por que tive que vê-la? E agora, Senhor, o que fazer? E se tu a levares? O que será de mim? Eu já estava quase esquecendo, Senhor! Agora tudo volta a doer! Senhor, Senhor... Cansado de tanto chorar, entrou no carro e deitou-se, estendendo o banco para o fundo. Travou a porta, colocou uma fita de música clássica e desfaleceu. Ali estava um moço de valor, que amava e que lutava entre sua vontade e a vontade de Deus. Sonhou durante o sono, no delírio da febre. Sonhou estar na igreja. Viu o pastor a pregar, e, ao seu lado estava Natasha, bonita e sorridente. Lá do 13


púlpito o pastor dizia: "Aquele que amar mais à sua mulher, mais do que a mim, não é digno de mim - palavras de Jesus!" E, aos poucos, o sorriso de Natasha foi sendo coberto por uma neblina e desaparecia. Assim acordou. Assustado e cônscio de que Deus falara com ele, pôs-se a orar, dizendo: – Senhor, sei que é difícil, mas tenho que fazer isso. Confesso que estou revoltado, ó, Pai. Quero fazer a minha vontade, não a tua. Eu não estou conseguindo aceitar a tua vontade, caso seja a de levá-la embora! Sei que estou errado, Senhor, e sei que é isso que quisestes me falar. Senhor, sou teu servo e quero te obedecer. Se irás tirar a Natasha mais uma vez, tiraa, apesar de mim. Por mais que isso doa, Senhor, prefiro assim: não quero perder-te Senhor. Só me ajude e console o meu coração... Tu sabes o que será melhor para ela, e também melhor para mim. Em nome de Jesus, amém. Voltou a dormir. Toca o celular. – Alô? – Luciano? – Sim, sou eu. – Aqui é o pastor, filho. Como você está? – Bem mal, pastor. Mas sobrevivendo... – Eu orei por você, garoto. Pedi a Deus para lhe fazer suficientemente forte para renunciar, se preciso for. Você quer conversar sobre isso? – Pastor – disse, sorrindo o rapaz, – já o ouvi pregar agorinha mesmo no sonho, já renunciei a Natasha. Está doendo, mas estou em paz. Obrigado. – Ótimo. Então volte pro hospital, Luciano. A Natasha acordou e saiu do estado crítico. Ela quer ver você... – O QUE??? SÉRIO, PASTOR? – Seríssimo. Vem com calma, mas acelera, filho... Não levou hora e meia e Luciano estava entregando a chave do carro pro manobrista do hospital. – E a Natasha? –, perguntou à mãe dela. – Filho, corre, ela está chamando por você! Vai, filho! Deus está agindo! Eu já a vi, mas ela teima que quer ver-lhe! Agora o corredor do hospital era longo demais para ele. Se pudesse, daria três passos em um, para chegar mais rápido e contemplar o rosto de sua amada. Seu coração estava disparado, pensava no que ouviria e no que diria. O suor lhe escorria pela face e as vistas estavam enfumaçadas. Correu a vestir o jaleco, o sapato de pano, as luvas e a máscara. Box 06.

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Lá estava ela, e três médicos palestrando. Ao olharem o rapaz, perguntaram: – Você é o Luciano? – Sim, doutor, sou eu. Por que? – Converse um pouco com ela. Ela gritou o seu nome por mais de meia hora e nos deixou quase loucos! Isso é que é amor! Mas seja breve, ainda não entendemos essa súbita melhora. Temos que medicá-la novamente. Aproximou-se do leito. Os lábios de Natasha estavam sangrados, a boca ferida, canos haviam saído da garganta, o pescoço estava com fios, braços e pernas com soro, sondas, enfim, uma cena dramática, mas não tanto quanto na última vez. Pelo menos o respirador artificial estava desligado, e em silêncio... – Lu..cia..no.. me.u...a..mor.... – Fala, querida, eu estou aqui! – Je..sus....veio..a..qui! Eu..vi! Luciano deixou as lágrimas verterem de seus olhos, lágrimas quentes e profundas. – Você estava sonhando, querida. – Nã..ão, meu ..a..mor, Je..sus veio...me di..zer.. uma..coi..sa! Um tanto alegre, mas também incrédulo, Luciano pergunta: – E o que Jesus lhe disse, amor? – Dis.se...que.. vo..cê..me ama..va e..que..es.ta...va... (cof! cof!) es..ta..va. orando lá..num sí..tio.. por..mim...e ..lu..tan..do ...para me renun..ciar.. Luciano gelou. Natasha completou: – E..le.. me..dis..se..que..a.ceitou..a.sua..or.a..ção! Agora ele estava arrepiado. Não só isso, ele estava com as pernas totalmente moles e adormecidas, num misto de medo e perplexidade. – E sobre você, amor, ele disse alguma coisa? – Dis.se..pa..ra....que..eu não ...pe..casse.. de nno..vo... - Natasha adormeceu. – Natasha!!! Natasha!! Não morra!!! – Calma, garoto – disse o médico – ela só adormeceu. Fique tranquilo, mas saia agora, temos que seguir os procedimentos necessários. E assim foi. Natasha saiu do hospital em 20 dias. Sem explicação convincente, os médicos quiseram impetrar a si mesmos um erro de avaliação e diagnóstico, dizendo que pensaram que havia câncer onde nada existia, mas não sabiam explicar as dúzias de exames, de biópsias, de ressonâncias e de quimioterapias feitas. Claro, grande parte da medicina desconhece o poder de Deus, a misericórdia do Altíssimo. E um câncer 15


desaparecido tem que parecer um mero "erro médico". Mas o milagre acontecera de fato... Outra tarde, fim de expediente no escritório de Luciano, Natasha de pé em frente à escrivaninha de trabalho dele. – Luciano, de agora em diante eu viverei cada dia como um milagre do Senhor, e viverei apenas e tão-somente para a glória dele. – Que bom, Natasha! Espero que você seja feliz! Orarei sempre por você! – Luciano... – Fale, querida. – Quero pedir só mais uma coisa. – Se eu puder atender... – Eu quero me casar com você e ser a sua mulher, a sua companheira, e servir ao Senhor ao seu lado. Eu te amo! Me perdoe por tudo que fiz! Era tudo o que o rapaz queria ouvir. Sorridente, abriu a gaveta da escrivaninha e tirou uma linda boneca de porcelana, numa casinha de papelão, idêntica à primeira, presenteada quando começaram a namorar. Levantou-se, entregou-lhe a boneca, abraçou sua amada pela cintura, trazendo-a para junto de seu rosto, e lhe disse, com um brilho jamais visto em seu olhar: – Eu perdoo você e quero recebê-la como minha esposa, amor. Eu te amo! – Também te amo, querido! Não se podia descrever o que era mais bonito e brilhante; se o brilho do sol da tarde, clareando toda a sala pelas vidraças, ou se o brilho do beijo de Natasha e Luciano, ao som da mais linda música que o mundo pode ouvir: o palpitar de dois corações apaixonados. Aliás, apaixonados por Deus primeiramente, e, por causa do Senhor, apaixonados um pelo outro...

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... E JOÃO NÃO VEIO ... - Alô? João? - Maria? Olá, Maria! Tudo bem? - Tudo, João. E aí, como está o coração??? - Ah, Maria, não começa de novo, por favor... - Tá legal, João. Não liguei pra isso não. Quero te fazer um convite. Posso? - Manda bala. - É que o Sammy Tippit vai pregar no ginásio da prefeitura, e vai sair uma kombi de cada igreja aqui da baixada, eu queria te convidar pra ir comigo. É grátis, vai ser no domingo à tarde, e vamos ter boa música e uma boa pregação. Topa? - Topo. - Como?!? Você topa? - Topo, poxa! Era pra não topar? - Não, claro que era pra topar! É que eu fiquei superfeliz! - Tá. Que horas tenho que chegar? "Tô à fim" de ir à noite, no culto, também. - Nossa, cara, que legal! Olha, chega às 13:30, a perua vai estacionar às 14. Assim a gente não perde a condução, e ainda conversa um pouquinho. Nossa, estou superfeliz, João! - Tá legal. Vou no culto da noite também. Só que agora tenho que desligar, que o chefe tá chegando. Beijinho. Tchau. Maria amava João. Eles namoraram por alguns meses, dois anos antes. Mas João voltara para a velha namorada (foi um fogo de palha, que durou um mês) e Maria ficara magoada, triste, mas não desesperançada. Sempre que podia, enviava tele mensagens, e-mails, cartas, recadinhos. João nunca respondia. Ou, quando o fazia, inventava as desculpas mais esfarrapadas. Mas Maria era persistente, e continuava cheia de esperanças. João era membro de outra igreja. Mas, atualmente, não ia em lugar algum. Ele se achava um cristão autossuficiente. A felicidade de Maria justificava-se: afastado que estava, João prometera ir à cruzada! Sammy Tippit envolvera todas as igrejas da região nesse evento evangelístico. Cada congregação ganhara uma perua para buscar os visitantes e membros. O ginásio comportava umas duas mil pessoas; assim, conseguir-se-ia encher todas as arquibancadas. Ainda era quinta-feira. Maria não se aguentava de tanta felicidade! Até o domingo ela fez de tudo, para demonstrar a sua gratidão ao Senhor, e implorar-lhe a bênção: jejuou, orou por horas, leu muitos capítulos da 17


bíblia, evangelizou, enfim, fez muito mais do que estava acostumada. No seu "diário", decorou cada um desses dias com um arabesco diferente, colorido e trabalhado. Ela estava tão ansiosa, que perdera até a fome. Estava tão feliz, que cumprimentava a tudo pelo caminho: "Bom dia, poste!", "Bom dia, gato!", "Bom dia, hidrante!". Ah, como é linda a paixão! Já era sábado. Gastou um bom dinheiro no cabeleireiro, produzindo-se de forma brilhante. Pedira à mãe para apertar o vestido que comprara para o casamento da prima, e emprestara os sapatos de veludo colorido de Soraia, colega de escola. Ela teria, enfim, um encontro! Sim, João iria à cruzada! Chega o domingo. O relógio marcava 13 horas, e Maria já se encontrava na porta da igreja. O sol brilhava forte, Maria estava debaixo da sombrinha, sem incomodar-se. O zelador ainda não abrira o templo. 13:30: Começaram a chegar as meninas da sua turma de mocidade. Também os adolescentes, seus alunos, que iriam cantar no "grande coral da baixada". Ela estava orgulhosa por ver os meninos integrados em atividades musicais de louvor, tão clássicas e solenes. Faltavam 10 minutos para as 2 da tarde, e a perua chegara. Maria agora suava frio. João não aparecia na rua, nem de um lado, nem do outro. "Será que ele esqueceu? Oh, meu Deus, estou tão ansiosa!" Às duas em ponto todos estavam presentes, menos o João. Maria inventou, então uma desculpa, dizendo ter esquecido um prendedor de cabelos no banheiro feminino, e pediu para entrar. Pois sim. Ela queria ganhar tempo, para que o seu amor chegasse. Mas às duas e dez o motorista da perua ameaçou deixá-la, caso não entrasse. Com um grande bico, carrancuda, entrou no veículo, rumo ao ginásio. E João não veio. Chegaram no ginásio. Gente de toda a parte, de todos os lados, pessoas felizes, com faixas das igrejas, com camisetas coloridas, fitas nos cabelos, bandeirolas na mão, cada um fazendo a sua própria campanha. Maria conduziu o seu grupo para as escadas que davam de frente ao palco, onde o coral e o Sammy estariam. Sentaram-se e conversavam muito. Mas Maria observava os portões. "Será que o meu amor perdeu-se, será que ele vem de ônibus? Será que ele vai me surpreender? Oh, Deus, por favor, não me deixe sozinha..." Estava ventando muito nas escadas onde estavam. Marcos e as garotas pediram a ela se poderiam sentar-se lá do outro lado, pois não estavam se agradando do vento. Maria disse que sim. Perguntaram-lhe se não iria com eles, e ela disse que já estava bem acomodada ali. E eles foram 18


embora, deixando-a sozinha. "Poxa, que amigos da onça eu tenho! Ninguém quis ficar comigo". Começou o culto. O coral cantava maravilhosamente. Alguns solos, avisos, e Sammy Tippit pregou a Palavra de Deus. Depois do apelo evangelístico, dezenas e dezenas de pessoas desceram das escadas, em lágrimas, entregando-se a Jesus. Maria ficara feliz, com certeza. Mas o seu coração estava arrasado. O João não viera. E ela queria que essa tarde fosse uma tarde completa: ela e o João. Ela queria estar ao lado de quem amava. Seu coração pulsava forte por João, mesmo que dois anos os separassem. Assim que Sammy orou pelos decididos, o povo foi se levantando para ir embora, pegar a condução. Mas o coral ainda cantava. Maria ficou até o fim. Maria ouviu parte por parte. Seus garotos estavam cantando, ela fez questão de prestigiá-los. Quando terminaram, ela levantou-se e aplaudiu efusivamente a apresentação, e desatou a chorar. E chorava copiosamente. Seu coração doía. Ela já não sabia se chorava de alegria pelas conversões, ou pelo gozo de ver seus meninos cantando uniformizados, ou se lamentava a ausência de João, que a fizera passar vergonha, com uma roupa de festa num lugar onde todos estavam de camisetas. Olhou à sua volta. Não sobrara ninguém! Ela estava absolutamente sozinha. A única que ficara sentada na arquibancada! Sentiu-se só. Sentiu-se melancólica, ao ver-se no final do grande evento. Maria chorou, e ninguém a consolou. - "Senhor, por que comigo? O que foi que eu te fiz? A Gláucia, a Cíntia, a Beth, a Zenaide, todas são felizes, estão namorando, e não sofreram assim! Elas me pressionam, Senhor, dizem que não sou normal! Onde está o João, Senhor? Onde estão os meus amigos? Aonde está a minha felicidade?" Ah, sim. A dor que Maria sentia era muito grande. Não era manha não. Nos seus 21 anos, Maria era virgem. Guardara-se para agradar ao seu Criador, honrando ao Senhor Jesus. Maria era trabalhadora, desde os 14 anos nunca deixara de exercer alguma função, e agora era secretária numa boa empresa. Era a primogênita da família, uma filha excelente. Seu quarto era um brinco, seus pais muito a amavam. E, na igreja, um exemplo: recepcionista de visitantes, professora dos adolescentes, cantava solos, dava cursos de artesanato e participava da sociedade de moças. Sua beleza era inconfundível: uma pinta bem debaixo da orelha direita exercia um charme especial. Quando sorria, lindas covinhas se abriam, e os seus loiros cabelos brilhavam mais ainda, combinando com aqueles olhos de um azul claríssimo! Linda, trabalhadora, inteligente, 19


amada, Maria não queria outro homem, só o João, seu primeiro e grande amor. Maria sentia-se só. Quantos de nós não somos como Maria, detentores de um vazio enorme dentro do coração, frustrados com as coisas que não acontecem, ou fartos de outras que teimam em acontecer! Quantos de nós ficamos sentados, sem um amigo verdadeiro do nosso lado! Ninguém conhece as profundezas de nossos corações! Ainda nas escadas do ginásio, Maria orou com a bíblia no colo: "Senhor, fala comigo! Eu não aguento mais! Senhor, eu preciso ouvir a tua voz!" Então ela fez algo incomum em sua formação bíblica. Resolveu abrir a sua bíblia aleatoriamente. Sua bíblia estava toda marcada, grifada, sublinhada, com canetas de todas as cores. Então, ao abri-la, deparou-se com um versículo saltando da página, como se dissesse "me leia, por favor!". Ei-lo: "Pois eu bem sei os planos que estou projetando para vós, diz o Senhor; planos de paz, e não de mal, para vos dar um futuro e uma esperança. O texto era Jeremias 29.11. Maria leu, releu, leu novamente, e orou: "Senhor, se és tu quem falas comigo, então mostra-me que planos são estes! Que futuro é este! Que esperança é esta! Sinto-me sozinha, sintome abandonada, indesejada! Senhor, eu preciso saber quais são os teus planos para mim! " Maria foi embora na perua. Chegando na igreja, foi ao banheiro, lavou seu rosto, arrumou-se um pouco e foi ao seu lugar especial, no quarto banco à esquerda, próximo do ventilador. Com o coração pesado, Maria sentia vontade de estar invisível, de não ser notada, de ser só ela e Deus, naquele momento. O pastor solicitava os cânticos, Maria só ouvia as canções, acompanhava com o pensamento. Mas, por fora, apenas lágrimas quentes rolavam de suas faces. João não viera ao culto também. Não, ela nem olhava para a porta do templo. De que adiantaria? Maria chorava. Enquanto o pastor pregava, Maria estava à quilômetros de distância, sentindo o rosto a queimar, o peito a doer, o corpo a moer. Duas senhoras, sentadas próximas, lhe perguntaram: "Maria, o que há? Você está bem? Está sentindo dores? Quer que tragamos água, ou a acompanhemos até o banheiro?" Gentilmente Maria desculpou-se, dizendo: "Não, irmãs. Eu estou em comunhão com Deus". As irmãs, imediatamente, recuaram. É como se estivessem tocando em solo 20


sagrado. As lágrimas derramadas na presença de Deus, não devem ser represadas. Ah, quando o peso é grande demais, quando a dor é forte demais, quando o abandono é longo demais, quando a frustração é profunda demais, sentimo-nos como Maria! O rosto nos queima, as canções soam longe, a pregação nos escapa, o mundo muda de ritmo, parece que tudo custa a passar! Estar com o Senhor é o melhor lugar, em tempos de perturbação! Maria dizia em seu íntimo: "Senhor, que planos tens para mim? Que esperança me dás, se as coisas que mais quero não consigo ter? Aonde está o meu João? Aonde está o respeito das minhas amigas? Eu sou diferente, Senhor! Todas têm namorados, todas estão quase se casando, e eu estou aqui, sozinha, chorando por um homem que não me ama! Fala comigo, Senhor!" O culto terminara. O pastor dera a bênção apostólica e fora à porta, despedir os membros. Maria, que era uma das primeiras a confraternizarse, ficou sentada. Suas pernas pesavam, ela estava fraca, sentia-se mal, queria morrer. "Fala-me, Senhor!" Depois do tumulto do instante inicial, o corredor foi se tornando mais livre, e as crianças corriam de um lado para o outro. Julinho, um garotinho espoleta, correndo por todos os lados, tropeçou numa bíblia, pegou-a correndo, deu-a aberta à Maria, e disse: "Tó, tia, tô indo. Tchau". Maria tomou a bíblia e, antes de fechá-la e colocá-la no encosto do banco, viu acesos alguns versículos grifados, e decidiu lê-los antes. Ei-los: Não digo isto por causa de necessidade, porque já aprendi a contentarme com as circunstâncias em que me encontre. Sei passar falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em todas as coisas estou experimentado, tanto em ter fartura, como em passar fome; tanto em ter abundância, como em padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece. Então ela pensou: "Meu Deus! Paulo dava graças mesmo padecendo necessidades? Paulo passava fome também! Era isso que ele queria dizer, quando falava POSSO TODAS AS COISAS NAQUELE QUE ME FORTALECE!" Foi como o sol a nascer no horizonte da vida de Maria. O Espírito Santo mostrara-lhe algo que lhe era encoberto: "ANTES DE PENSAR NAQUILO QUE NÃO SE TEM, AGRADEÇA PELAS COISAS QUE TEM; E ENTREGUE O FUTURO AO SENHOR, QUE TEM PLANOS DE PAZ PARA VOCÊ ". Sim, era disso que ela precisava! Mas, como tirar a dor do coração? Como esquecer do João, ou do opróbrio, de ser tratada como "a diferente"? 21


Maria ajoelhou-se, tomou as mãos e fez um gesto, como a colocar sobre o banco um pacote. E disse: "Senhor, eu não sou capaz de agradecer pela necessidade. Eu não sou capaz de gostar do teu plano para com a minha vida. Mas EM CRISTO, que me fortalece, eu serei capaz. Capacita-me, ó, Pai! Agora, Senhor! Eu te dou o meu coração, e todas as minhas frustrações. Dá-me um coração igual ao teu, meu Mestre!" Sammy Tippit afirmou, em uma palestra aos pastores, que o verdadeiro avivamento só virá, quando houver arrependimento para os arrependidos. E isso só pode acontecer quando nos rendemos inteiramente ao querer do Senhor. Ainda que não o entendamos, ainda que não enxerguemos que futuro isso terá; Deus tem o melhor para aquele que deposita nEle a sua confiança. A dor não saiu rapidamente, mas Maria levantou-se dali decidida. Ela decidiu não ligar mais para o João. Se alguém estava perdendo, nessa história, esse alguém era ele, e não ela. Portanto, se ele não dava valor, então era porque o Senhor não o havia designado como companheiro para ela. Maria decidiu virar a página e não esperar mais por ele. E foi o melhor que fez. Disse ela: "Se eu pensar no quanto sou infeliz sozinha, os meus problemas não desaparecerão. Pelo contrário, só tornarão a minha vida mais amarga. E se eu pensar nas coisas que tenho, e no quanto o Senhor me ama, a paz do céu encherá o meu coração. E eu serei feliz. Então entrego a minha solidão ao Senhor". Ela decidiu também ignorar o opróbrio das amigas. Ela lhes explicou que, se elas estavam namorando e iam se casar em breve, que agradecessem ao Senhor por isso, mas que não quisessem obrigá-la a ter a mesma coisa, pois, em sua vida, os planos de Deus eram outros, e isto tinha que ser respeitado. Suas amigas entenderam, e não a forçaram mais a correr atrás de alguém. Sua fisionomia já não estava abatida. Pelo contrário, Maria agora estava mais simpática que nunca! Lecionava com mais amor e vigor, aos seus adolescentes; cantava com gratidão ao Senhor; recebia os visitantes com grande simpatia; enfim, tudo ficou melhor. Ela dizia: "EM TUDO DOU GRAÇAS, MESMO PELAS COISAS QUE NÃO GOSTO. DEUS TEM PLANOS PARA MIM, PLANOS DE PAZ, PLANOS DE VIDA, PLANOS DE ESPERANÇA. VOU CONFIAR!" E Maria tornou-se feliz.

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Dias atrás, soube que casou-se! Sim, um jovem garboso e elegante (garboso? essa palavra é arcaica; hoje se diz "saradão"...), muito crente, gentil e responsável, atravessou o seu caminho quando ela menos esperava. Os dois se gostaram tanto, se entenderam tão bem, se atraíram tanto, que casaram-se, numa festa de fazer cair o queixo! O primeiro filho chama-se JEREMIAS (mas o sobrenome não é 29.11...), e o PAULO está prestes a nascer. Que coisa! Deus é assim! Converte o nosso pranto em folguedo, converte o nosso opróbrio em vitória. Deus ergue o caído, fortalece o fraco e torna um plebeu em príncipe. Mas tudo começa com QUEBRANTAMENTO... --O que? Como vive a Maria e seu esposo? Querem saber se o Jeremias é espoleta? Bom, minha gente querida, quem sabe, um dia desses, eu lhes conte um pouco.

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A ARMA SECRETA Escrevi este texto em 1990. De lá para cá muitas águas rolaram. Mas é impressionante como, de fato, alguma coisa dessa ficção aconteceu e ainda acontece... Enormes limusines escoltadas pela guarda nacional chegam à frente do edifício OIKOUMÉNES, trazendo homens da máxima importância no cenário político-cultural do universo. Pessoas extremamente importantes e populares, que apressadamente se valem dos elevadores expressos, para alcançarem o 66o. andar. Na sala de reuniões, uma mesa enorme, com 66 lugares, é pouco a pouco tomada pelos executivos. Microfones, caixas, câmeras, fotógrafos, todos aguardam o início da reunião mais importante do século. 12 horas. Todos assentados. Num dos lados da mesa, um dos senhores presentes, gordo e elegante, pede a palavra: - “Senhores, bom dia. Nosso presidente, Sr. Apoliom, intimou-nos a tomar certas medidas urgentes, tendo em vista sua próxima manifestação decisiva ao mundo. Os senhores não podem imaginar sua ira e enfurecimento! Avisou-nos que, se não conseguirmos resultados satisfatórios, irá depor todo o ministério... Um lamento geral se ouviu de todos os 65 presentes. Sim, faltava um componente, justamente o Sr. Apoliom. Seu primeiro ministro, na outra ponta, é quem havia transmitido o duro recado. - “Ouviremos agora o supremo comando militar em seu pronunciamento.” Levantou-se um militar, condecorado até aos dentes, suando frio, e com o rosto em fogo. - “Senhores, nós, da brigada dos principados e potestades, não temos obtido sucesso no combate a Jesus Cristo e sua igreja. Não aguentamos mais bramar, bramar, colocar tropeços, cavar buracos, armar ciladas. Os resultados são sempre os mesmos: os crentes caem na primeira investida, mas o Espírito Santo os conduz ao arrependimento, e daí nossas armas não funcionam mais. Já perdemos inúmeros enredados. Satanás está uma fera... Percebia-se na face de todos um suor frio e preocupante. Estava em jogo a manutenção do poder, e parecia que estava demonstrando naquela altura pouca eficiência. - “Ouviremos agora o comandante da esquadrilha das regiões celestes”. 24


Outro general se levantou. Tomando vários papéis às mãos, passou a falar: - “Senhores, temos sentido as mesmas dificuldades. Nas regiões celestes as coisas já não são as mesmas. Antes conseguíamos dominar a brigada de Miguel, e seus anjos eram facilmente vencidos. Conseguíamos investir contra os crentes, prejudicando suas orações, quebrando suas consagrações, desvirtuando seus jejuns, operando com eficácia contra seus objetivos. Entretanto, desde que o Espírito Santo começou a reavivar a sua igreja, enchendo-a de Sua presença, os crentes passaram a vencer-nos e, com isto, nossos soldados se enfraqueceram ante a presença de Miguel. Perdemos várias esquadrilhas, danificaram nossas armas, confundiram nossos propósitos, e vemos a glória de Deus tomando nosso espaço... Começou a chorar desesperadamente. Dois soldados conduziram-no até o pátio, para que tomasse um ar e renovasse as forças. Os outros tremiam com as canetas à mão, como quem não via saída para a crise. Parecia que seus dias no governo estavam contados. - “Senhores, eu também desejo dizer algo - afirmou o ministro das águas mundiais, colocando-se de pé - Como todos sabem, nos mares tínhamos verdadeiras colônias de soldados, principalmente nas águas de Salvador, no Brasil, nos países africanos e na Índia. Mas, devido ao crescimento da atuação do Espírito Santo - e fez um gesto de desespero, como que sentindo forte dor no coração, - várias colônias foram desmanteladas e transmudadas para o abismo. A máscara feminina que usávamos no Brasil, tem cada vez menos adeptos, pois, quando nossos escravos começam o sacrifício, os crentes ficam orando, distribuindo literatura de ofensiva e pregações-relâmpago, desvirtuando e enfraquecendo nossas águas. Não sei o que fazer. Não sei mesmo... Forte alvoroço na mesa. Em desespero, cada um acusava o ministério do outro. Uns acusavam o Sr. Adultérius, por fomentar o fim do casamento e tornar inexistente a infidelidade, já que todos eram infiéis. Outros gritavam ao Sr. Engodo, que permitia que a verdade fosse tão divulgada, e de forma tão livre. Outros ainda berravam contra o Dr. Médiuniun, por não inovar suas manifestações espíritas sobre os terreiros, centros e mesas. Enfim, era um pandemônio que se via. De repente, ouviram uma forte batida na porta. Nem haviam se apercebido que dois homens adentraram à sala, escoltados pela guarda abadônica, exclusiva do Sr. Apolion. Estavam fortemente armados, e com sarcasmo no rosto. Tratava-se do chefe da espionagem secreta e assessor de manobras estratégicas. 25


- “Silêncio! Ouçamos o que os enviados têm a dizer. Podem falar. - Foi a declaração do primeiro ministro. Tomando o microfone, o Chefe da Polícia Secreta deu um interessante relatório: - “Estive, sob ordem do Sr. Apolion, investigando pelo mundo a atuação dos crentes, para encontrar algum ponto fraco, alguma área desprotegida, alguma junta não protegida pela armadura de Deus. Infelizmente pouco descobri. Conforme pesquisa anterior, principalmente depois que os avivamentos estouraram no universo. Sim, ganhamos algum terreno, quando alguns se enveredaram para o nosso lado, falando nossas línguas, tendo nossas manifestações, fazendo nossa vontade. Ainda há alguns remanescentes disto, na pessoa de grandes líderes gananciosos por fama e poder. Mas decrescem a cada minuto. Certas igrejas estão surgindo, como as Comunidades, a Comunhão, as Missões independentes que nos estão destruindo. As igrejas tradicionais, a batista, a presbiteriana e a menonita, investem cada dia mais em missões para o mundo, e seus membros estão se santificando profundamente, o que nos tirou de cena de muitos lugares. Não está mais havendo briga como antes, disputas denominacionais, cisões, brigas por poder, divergências doutrinárias. Há um forte desejo de buscar a Deus, ouvir Sua palavra, atender ao seu Espírito, e isto em todo canto. Certos movimentos estão surgindo, agregando jovens em todos os lugares, concentrando tamanho poder, que nossos soldados saem aos gritos, não resistindo à abertura dada a Deus. Parece que os cristãos verdadeiros não estão mais querendo misturar-se com a idolatria, a necromancia, o carismatismo, o ecumenismo, e isto é mau. Mau mesmo... - “Mas eu tenho a solução!” - Exclamou o Assessor de Manobras Estratégicas. Entretanto, sem erguer as frontes dos céticos e derrotados ministros. - “Descobri a única arma contra os crentes, capaz de DETONAR suas próprias igrejas, e ainda torná-las nossas agências de apoio, e isto em poucos meses! - “Esse cara é louco!” - Exclamou o Sr. Venenus. - “Vai dormir, seu escarnecedor! “- gritou o Sr. Feitiçus. - Não será você que irá nos ensinar o que fazer o que não conseguimos em séculos de disputas. Estamos é realmente perdidos...” - “Isto é o que V. Excelência pensa, Sr. Feitiçus. Antes de vir para cá, tratei de testar a teoria, e consegui, no prazo de 6 meses, mais de quatro mil adeptos numa só cidade!” Êxtase total. Todos olharam para ele, ansiosos para saber como e aonde. 26


- “O Espírito Santo está unindo o Seu povo. Muito bem. Estão falando uma linguagem semelhante, cantando cânticos iguais, saudando-se de formas semelhantes, orando praticamente num consenso. Então eu pensei comigo: ora, se isto está acontecendo, por que não tirar vantagem? Lá no Brasil, por exemplo, o Life do Sul está estendendo um lençol de louvores pelo Brasil, cativando crentes de todas as igrejas; as Comunidades crescem numa proporção monstruosa; as missões de louvor e adoração também. Nas igrejas tradicionais há um espírito de unidade e espiritualidade. Ora, por que não pedir ao Dr. Mentirus, que use toda a sua perspicácia e engano, para envolvê-los no maior embuste deste século? Isto fiz. E eis o resultado. Foi ligado o videocassete embutido, abrindo enorme tela na parede com visão tridimensional. Todos aguardavam o programa. O que seria? Falar em línguas satânicas, para provocar confusões? Não, já havia sido tentado e atualmente não estava dando muito resultado. Ecumenismo? Também era coisa do passado, só alcançando metodistas, anglicanos, luteranos e alguns poucos em todas as denominações evangélicas. Então o que seria? Começa a fita. Um grande salão, repleto de jovens. Uns 5 mil, mais ou menos. Gente de toda espécie. No palco, uma parafernália gigantesca de som e luz. As pessoas se espremem no espaço disponível. De repente, todos gritam. Começa a programação. O líder diz: - “Aí, moçada, um som muito louco vai rolar. Vamos entregar o programa ao dono de tudo isto: Jesus... - “Um momento - diz o primeiro ministro - Isto é uma abominação!” - “Espere um pouco, Sr. Ministro. Só um pouco.” A fita continua. Na oração, o líder diz: - “Derrama tua energia viva, para que te sintam!” Em seguida, entra o grupo Céu 6, num som bárbaro e eletrizante. A câmara mostra a moçada... delirando! Meninos agarrados maliciosamente aos pares, dançando soul, funk, Rap, rock, lambada, afro, samba, e muito mais. - “Sr. Assessor, o senhor mudou a fita? Isto é programa nosso!” - “Ai está a jogada, Sr. Ministro; são eles mesmos que estão fazendo isto!” Em seguida, ouviram muitos améns, glória a Jesus, gritos de rock, danças e carnalidades à vontade. Então o líder pediu para que todos se assentassem para ouvir um rapaz testemunhar. Segundo ele, Deus é uma energia, muito louco e sensacional. Em sua prédica, ele diz que a igreja é caretice, coisa quadrada, “morocoxó”. Isto seguido de améns de todos os lados. Feito um apelo, as pessoas se submetem à energia. 27


- “Mas este é o Deus HÁ, Sr. Assessor!” - “Ai está a nossa estratégia, senhores. Ai estão batistas, pentecostais, comunidades, presbiterianos, luteranos, e toda sorte de missões independentes. Eles não sabem, mas aprendemos sua língua, seus chavões, seus efeitos emocionais, suas palavras de ordem, seus apelos e estamos usando de tal forma que, quando perceberem, estarão crendo em nós, pensando num Jesus Força, eletricidade, doidão, loucão, sem igreja, sem vida, um idiota perfeito, uma droga espiritual, um grande barato!” Todos, unanimemente, levantaram-se, aplaudindo e dando gritos de urra ao Assessor. Agora estavam salvos, pois que, contra esta arma, os ingênuos cristãos não estavam imunes. Cairiam como patos na armadilha. Seria só uma questão de tempo. Ademais, as experiências estavam dando certo. Lá fora os fotógrafos aguardavam a saída. Os elevadores estavam descendo. As portas do edifício se abriram e, para surpresa de todos, em lugar de descerem executivos, saíram 65 missionários, de bíblia em mãos, com glórias nos lábios, como os olhos cheios de entusiasmo, dizendo que precisariam cumprir a vontade de Deus, libertar o louvor, unir os cristãos, converter os jovens, etc. Lá estavam 65 novos movimentos que, dentro de meses, estariam em evidência no mundo inteiro... Esta é uma ficção, escrita em 1990. Apenas e tão somente uma ficção. - ?...

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A CAMA Fui deitar-me. Puxei os cobertores e enfiei-me no meio dos lençóis. Tentei arranjar-me durante uns dez minutos, mexendo-me em todos os sentidos, até que, triunfantemente, acomodei-me, tendo encontrado a posição ideal! Então veio a triste lembrança: esquecera-me de ir ao banheiro! Novamente levantei, colocando a perder todo o esforço que fizera para arrumar-me no leito. Após a realização da minha atividade típica de W.C.s pré-sonos, voltei e deitei-me de novo. Pensei com os meus botões, digo, com o único botão do meu pijama: "Será que tomei o remédio?" Um tanto alterado no humor, levantei-me, para tomar a droga de comprimido. Voltei para a cama, na esperança de, enfim, encontrar alento à minha luta titânica em prol do descanso. Agora o sono me fugia. "Contar carneirinhos". Mas, carneirinhos são chatos. Decidi contar CDs, muito mais interessantes. Então comecei: "1, 2, 3, 4, MIAU..." - "MIAU?" Que número era esse? "MIAU", escutei novamente. Era um casal de gatos namorando em cima do muro da frente de minha casa. Os empestiados estavam namorando sem respeitar aos pobres humanos que tentavam dormir. Gritei com eles: "Fora, chô, desapareçam!" Mas, quê, quem os tirava do "meu bem, meu amor?" Apelei para a violência: peguei uma velha régua escolar e arremessei-a com força: arrebentei a régua e eles não foram atingidos... Por fim, foram-se. Voltei ao leito de dor... Lembre-me que havia deixado a torneira do banheiro pingando. Ah, fui até lá para conferir. Voltei para a cama. Deitado, pensei: "Onde será que deixei a minha carteira?" Larguei os cobertores já enfezado e coloqueime a procurar a dita cuja. Abri gavetas, mexi nos armários, revirei a biblioteca, desarrumei papéis e, por fim, fui encontrá-la no bolso da calça, onde tradicionalmente a coloco. Que raiva!! Deitei de novo. Estava apertado. Precisava ir novamente ao banheiro. Fui e voltei. Quando estava adormecendo, um bendito pernilongo (muriçoca) começou a zunir na minha orelha. "Aja paciência!", eu já estava desesperado. Dei 5 tapas no rosto, com força, e não matei o infeliz! Fiquei com a cara vermelha. Levantei três vezes, perseguindo-o até a sala. Na terceira consegui vencê-lo. 29


Pensei então que agora tomaria os louros da vitória: finalmente iria dormir! Foi quando ouvi, feito uma bomba atômica, o despertador tocar. Era hora de levantar. Droga!!!

(Baseada em texto que escrevi em 1985, num concurso literário do colégio onde estudei.).

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A CASA E OS DOIS AMIGOS Pedro e João eram grandes amigos. Amigos mesmo, desde a infância. Nadavam juntos no riozinho da vila, jogavam bola nas tardes após as aulas, iam às quermesses de junho, estouravam latas de querosene com bombinhas, enfim, foram crianças e adolescentes numa época mais humana. Estudaram juntos, mas não se deram bem na escola. Acabavam indo às farras de final de semana, com moças e colegas. Não tiveram uma juventude correta. Por fim, cada um encontrou um par e casaram-se. As responsabilidades do lar fizeram-nos trabalhar muito, pois não haviam estudado o suficiente para uma boa profissão. Aliás, não tinham experiência de nada. Faziam bicos, eram ajudantes, quebravam o galho em serviços temporários. Mas Pedro seguiu a profissão de pedreiro e acabou por tornar-se um excelente profissional. João seguiu o comércio e tornou-se vendedor de materiais de construção. Saiu-se muito bem também. Não ficaram ricos, nem se podia dizer que de classe média; mas o pão não faltava à mesa de nenhum dos dois. Um dia Pedro conheceu o evangelho de Jesus. Trouxeram-lhe um folheto em sua casa e no verso havia o telefone da igreja. Ele interessou-se pelo assunto, chamou um irmão, que o visitou sem demora. Apresentando-lhe o plano da salvação, Pedro converteu-se. Foi à igreja, ergueu a sua mão, firmou-se em Cristo, preparou-se na classe de doutrinas e foi batizado. Sua vida foi transformada. Uma das grandes mudanças foi o seu domingo. Antes, por causa da profissão, não tinha domingo ou feriado; trabalhava sem parar. Construía casas, sobrados, galpões, fazia pequenas reformas, dava tudo de si. Agora, conhecedor da Palavra de Deus, decidiu guardar o domingo para ir à igreja, congregar com o povo, comungar com os irmãos, falar de Jesus aos amigos e descansar. Há muito tempo ele não tinha essa alegria, um dia de adoração e descanso em 7! Sua alegria por ter achado a Jesus foi tamanha, que buscou João, seu grande e fiel companheiro de infância, com quem há muito não conversava. Achou-o em casa numa noite. Foi contar a experiência que teve com Deus. E falar da bênção de estar na igreja aos domingos. João, dono de si próprio, afirmou categoricamente: - Se eu não trabalhar a família não come. Pago aluguel e não quero isso para nós por muito tempo. Estou juntando dinheiro e vou comprar um terreninho, farei uma "meia-água" e me mudarei com a patroa e os 31


barrigudinhos. Não tenho tempo pra igreja". Pedro explicou para ele que também não tinha casa, que pagava aluguel, mas que Deus o sustentava e que não seria a troco do dia do Senhor que ele compraria a casa; disse da importância do Reino de Deus e de um dia de descanso com a família, de serviço ao Senhor e de comunhão com o próximo. Tudo em vão. Pedro não comprou nenhuma casa, mas João comprou um terreno de 10 x 25 metros quadrados. Foi à casa de Pedro e, querendo agredi-lo por não ter comprado uma casa em 10 anos (passaram-se dez anos desde a conversão de Pedro), falou assim: - "Pedro, aqui está o meu dia do Senhor: belo terreno, bela casa e sossego para a minha família. E você? De que valeu ir à igreja, servir ao Senhor e descansar? Eu sou a formiga, que atentei para o inverno, você é a cigarra, viveu cantando na igreja, louvando com instrumentos, descansando no seu domingo. E agora, Pedro?" Pedro, com calma, com muita paciência e também com muita convicção falou: - "João, eu não tenho uma casa aqui porque não tive recursos para comprá-la. Mas não me faltou responsabilidade e muito trabalho. Porém não trocaria o amor que tenho pelo meu Deus e pelos seus mandamentos por um terreno ou uma casa aqui neste mundo. Os meus filhos podem não herdar uma casa ou um terreno aqui, mas receberão de seu pai a melhor herança, o temor de Deus e uma boa educação. João, um dia nós vamos morrer e vamos deixar tudo aqui. Não valorize tanto os bens materiais, olhe para o Céu, onde Jesus foi preparar uma morada! Entregue seu coração para Deus, João! - "Ah, vá, seu crente bitolado! Impossível chamar você ao bom senso! Vá congregar com seus irmãos, rapaz, e depois atole-se sem ter eira nem beira! Adeus!" Não passou um mês e uma desapropriação foi decretada pelo prefeito, justamente na propriedade onde João construiu. Como a prefeitura estava sem recursos, prometeu pagar os proprietários em no máximo 3 anos. Pedro entrou em choque. Depois de pagar pelo terreno, de construir uma bela casa e de mangar com seu amigo Pedro, agora atravessava esse vexame! Seu coração não suportou. Teve um infarto. Levado ao hospital, foi medicado, mas não resistiu e acabou falecendo. Pedro lamentou profundamente a morte e o coração duro do seu velho amigo. Sua família veio para a igreja (João é quem não deixava) e também converteu-se. Encontraram uma casinha e alugaram. Dias depois a prefeitura abriu um loteamento num bairro novo e ofereceu terrenos com benfeitorias por um preço tão pequeno que 32


facilitou a vida de muita gente que pagava aluguel. Pedro entrou no programa. A família de João, agora convertida, também. O que pagariam pela prestação do terreno era metade do que pagavam de aluguel, e a outra metade poderiam usar na construção duma casinha. Em um ano e meio Pedro estava em sua própria casa, pagando pouquinho e acolhendo, feliz, toda a sua família. A única tristeza foi a de saber que seu querido amigo João estava morto, sem casa e sem salvação. Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; (Mt 6:19) Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma? (Mt 16:26) Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças; este é o primeiro mandamento. (Mc 12:30) Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus. (2Co 5:1) Mas, buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas. (Mt 6:33)

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A ESTÓRIA DE GOULART Goulart era um líder em sua igreja. Bom pregador, bom professor, estava em todas as diretorias de todos os anos. Exercia o papel de diretor. Se a igreja precisava de pintura, era Goulart que propunha. Se precisava de verba para um passeio, Goulart centralizava a realização. Quando um desafio surgia, todos diziam: "Vamos falar com o Goulart". E assim as coisas aconteciam. Ele também era responsável por dirigir a igreja quando esta ficava sem pastor. Era o vice-presidente. Também ocupava a direção da comissão de finanças. Ia atrás de obreiros e conseguia trazer dois ou três do agrado da igreja. Após a assembleia, sempre emplacava aquele que era de sua preferência. A igreja festejava. E ele figurava como o melhor amigo do pastor. Mas era ele também que cuidava de tirá-lo quando não o agradava. Geralmente com seis meses ou um ano o Goulart iniciava o seu embate com o novo obreiro. Nas assembleias fazia questão de dar o seu voto contrário ou contrapor-se às iniciativas do pastor. Como detinha a comissão de finanças, impedia aumentos salariais ou propunha diminuição nas prebendas. Ele conseguia deixar o obreiro em situação pública desconfortável. Após as manhãs dominicais de assembleia, chegava em casa com esposa e três filhos, festejando os embaraços. - É isso aí, pastor aqui tem que comer na minha mão! Nessas ocasiões a mesa do almoço era palco dos mais grotescos comentários sobre a igreja e sobre o obreiro. Geralmente convidava famílias proeminentes para almoçar. Os casais à mesa, junto com os filhos, ouviam as conversas: - Essa igreja não é nada sem a minha ajuda! Quem esse pastor pensa que é? Vamos tirá-lo. Podem ficar sossegados! Mais duas escorregadas dele e conseguiremos propor a sua saída. Os filhos a tudo assistiam. O pai, sempre ativo e elegante na igreja, não era assim dentro de casa. Xingava a esposa e assistia ao futebol com latas de cerveja e língua chula nos comentários. Os filhos vibravam. Construíam o seu conceito de fé e de igreja do jeito que o pai ditava: uma farsa, uma fachada, uma aparência. A esposa não era santa. Ainda que humilhada pelo marido, também tinha uma língua ferina e cuidava para que as mulheres estivessem coesas nas brigas eclesiásticas. Quando o pastor renunciava era ela quem

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coordenava a churrascada da vitória, sempre cheia de jocosos comentários contra os obreiros. O tempo passou e os meninos cresceram. Goulart, detentor de um bom emprego na área contábil da empresa, foi demitido por justa causa nas suspeitas comprovadas de desvio de recursos. O assunto nunca foi abordado na igreja, pois como exercia a vice-presidência e as notícias eram abafadas em casa, quase ninguém soube do motivo. Os resultados da demissão chegaram. Os 4 imóveis que possuíam deram lugar a um só. Goulart resolveu investir em vendas; acabou sucumbindo. Por fim tornou-se vendedor de queijos de Minas Gerais, que conseguia lá no mercado municipal. E os meninos? Eles cresceram. O mais velho tornou-se satanista. Com tatuagens até nas pálpebras e piercings em toda parte, criou um site onde zombava da fé cristã e da hipocrisia dos homens. Casou-se com uma lésbica e tem dois filhos drogados. Ultimamente tem se mostrado depressivo e tentou o suicídio. O segundo filho tornou-se homossexual. Foi viver na Alemanha, onde morreu de AIDS. O terceiro cuida do Goulart e da esposa. Sim, porque o casal, antes tão cheio de autoritarismo e de poder financeiro, envelheceu. Goulart ganha uma mísera aposentadoria e a esposa gasta tudo com remédios. Então o caçula, casado recentemente, cuida deles. Goulart só vai à igreja quando o filho resolve levar. Aliás, o rapaz nem quer ouvir falar em cristianismo. Ele diz que foi a desgraça de sua casa. Goulart chora. Sente saudades do tempo em que cantava os hinos e que ouvia os sermões. Hoje vive a trocar bobagens no whatsapp e a lamentar o péssimo cristão que foi. Trágico fim de um crente que construiu a sua casa sobre a sua própria arrogância. Obs: esta ESTÓRIA é baseada em fatos muito reais.

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A ESTÓRIA DE SOLANO Solano entrou na igreja como quem não queria nada. Chegou, sentou-se e ouviu os hinos. Gostou. Depois ouviu a pregação. No momento do apelo, entregou-se a Cristo. Sua conversão foi genuína e rápida. Ele foi transformado pelo poder de Deus e em três meses foi batizado. Tornou-se membro da igreja. Trouxe a sua família para assistir. Eles gostaram, ficaram, converteram-se e também foram batizados. Uma família de seis, papai, mamãe e quatro filhos. Mas Solano estava desempregado. Não tivera grande chance para estudar; suas qualificações profissionais eram muito limitadas. Os amigos diziam que ele não iria conseguir nada. Mas ele confiou no Senhor. Fez fichas em todos os lugares disponíveis. Às vezes um ou outro irmão, ao cumprimentá-lo, deixava dez ou cinquenta reais em sua mão. Ele, constrangido, não queria aceitar. Mas a insistência era grande e ele pegava. Sua esposa fazia artesanato para vender entre as vizinhas. As irmãs da igreja souberam e pediram para que trouxesse ali também, para que, após o culto, pudessem comprar. E assim garantia o leite e o pão das crianças. Enfim, Solano encontrou uma vaga para trabalhar numa empresa de ônibus urbanos. Não era grande coisa. Seria faxineiro da garagem, lavando os ônibus que estacionavam após o expediente. Os colegas eram sisudos e reclamavam das condições e do salário. Solano, no entanto, ao chegar, trouxe uma luz para aquela empresa. Seu período da madrugada tornou-se muito agradável. Os colegas gostavam de ouvi-lo cantarolar os hinos que cantava. Ele o fazia baixinho, mas eles pediam que cantasse mais alto. E assim ia esparramando a mensagem de Cristo. Os ônibus passaram a ser lavados com mais cuidado, pois a paz que ele trouxera fez bem até para a produção. Em quatro meses chamaram-no no escritório. Ofereceram-lhe o serviço de cobrador (trocador). Ele alegrou-se. Aceitou. E tornou-se um cobrador muito querido. Como a sua linha era fixa, conhecia as pessoas que utilizavam-se daquele ônibus. Os idosos, os trabalhadores, as mocinhas chegavam sorrindo, pois ele as recebia com carinho. E sabia o nome de muitas delas! No dia de Natal muitos passageiros trouxeram cartões e presentes para ele e para o motorista. Também pudera: ele pedia ao condutor para esperar a Dona Maria subir, dava um jeitinho para que alguém não ficasse sem a condução por faltar todo o recurso e, assim, conquistou o carinho da 36


comunidade. Foram onze meses. Chamaram-no de novo. Promoveramno a motorista! Sim, ele fez curso, habilitou-se e tornou-se motorista do próprio ônibus onde cobrava! Dias inesquecíveis. Quando o fechavam no trânsito, ele não xingava. Pelo contrário, acenava e dizia: "Deus lhe abençoe, vá com Deus". Acabava por trazer paz nas ruas e avenidas onde estava. À noite, quando passava na porta da escola, via que muitos adolescentes corriam para pegar o ônibus. Então ele ia bem devagarinho, até que o grupo todo chegasse. A moçada amava o Solano! Ele não era só um motorista, era um amigo. E na empresa ele não gerava ciúmes; pelo contrário, os colegas gostavam dele, porque "quebrava o galho" de muitos, cobrindo folgas, ajudando com horas extras, sendo camarada de todos. Foram três anos. Promoveram-no a fiscal. Agora ele era o encarregado de uma grande turma. Foi o melhor período daquelas linhas. Os motoristas e os cobradores trabalhavam felizes, porque o Solano era humano, era gentil, respeitava a todo mundo. E, enquanto trabalhava, semeava a mensagem que o transformara: Cristo, o Senhor, o Salvador, o Rei dos reis. Solano nem sempre podia estar no domingo na sua igreja, mas, se não estava no domingo, estava na quarta-feira. Ele sempre amara o Dia do Senhor. Como era obrigado a trabalhar em alguns domingos, fazia do dia de sua folga o dia dedicado a Deus. Evangelizava, distribuía folhetos, cantava na igreja e dava conselhos à mocidade. Muitos dos colegas de Solano tornaram-se crentes no Senhor Jesus. Ele comprava bíblias e folhetos e presenteava aos colegas, fora do horário de trabalho. Visitava alguns nas enfermidades, ajudava-os nas necessidades. Mais de quinze colegas tornaram-se crentes. Solano aposentou-se. Seus quatro filhos o homenagearam quando completou oitenta anos. Todos casaram-se e se tornaram pais de família, amorosos e honrados. A esposa ficou doente, mas contou com os cuidados amorosos do esposo Solano com ela. Faz pouco tempo o Senhor o chamou. Ele partiu para o Céu. No seu sepultamento estava quase toda a companhia de ônibus. Também os passageiros que por anos utilizaram-se dos ônibus que ele conduzia. Igualmente muitos motoristas que aprenderam a ter educação no trânsito com ele. Além destes estava a igreja onde congregava, os amigos dos filhos, a família, enfim, centenas de pessoas. E no seu epitáfio cravouse em concreto a seguinte frase: AQUI AGUARDA A RESSURREIÇÃO O IRMÃO SOLANO, HOMEM QUE VIVEU A FÉ COMO NINGUÉM.

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Que outros Solanos possam surgir no coração deste Brasil! Que a fé cristã seja vivida e encarnada com tamanha beleza como o foi no peito deste homem!

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A FATURA CHEGOU... Era um filho de estrangeiros asiáticos. Gostava de manter algumas tradições, mas convertera-se ao evangelho. Batizado com a família, serviu em uma determinada igreja. Um dia o pastor soube que ele levava vida dupla. Enganava a esposa, surrava os filhos, vivia no lazer. Na frente da igreja fazia-se de santo, mas era pura hipocrisia. Um dia comprou um sitio e deixou de vir à igreja aos domingos pela manhã, quando a escola bíblica dominical acontecia. Posteriormente aos cultos de quarta-feira, porque tinha que levar os filhos à natação. Deixou de entregar os dízimos (comprometera-se quando aceitou ser batizado e membro da igreja) e tornou-se um turista. Como amava mexer com madeira, considerava-se dono dos bancos e dos móveis. Mas com o tempo nem deles zelava e nem deixava que deles alguém cuidasse. Um centro de demônios instalara-se à frente de sua casa e ele queixouse de que havia demônios em seu lar. O pastor correu para lá e orou com a família. Mas alertou-o: "O irmão tem sido um crente displicente. Deus está lhe dando um livramento. O que fará?" "Ah, pastor, comprometome a mudar! Serei fiel. Neste ano tudo vai mudar!". O pastor então falou: "irmão, lembre-se diante de quem está dizendo isso. Não apenas de mim, mas do Senhor". Passaram-se dois meses e aquele irmão voltou ao estilo turístico de vida cristã. A igreja ouvia alguns comentários de que ele estava acendendo incenso a ancestrais, como a família asiática havia ensinado. O pastor chegou a falar com ele, mas negou veementemente. Um dia ele informou que estava enfermo. Era leucemia. Falou com orgulho, dizendo-se forte e resistente. Mas a resistência foi rompida em três meses. Outros erros foram descobertos: traição no casamento, negócios escusos, vida dupla. Enfim, muita hipocrisia. O pastor foi visitálo, mas ele não o recebeu. Estava para morrer. Xingava a tudo e a todos. Então, num ímpeto de Ezequiel ou de Jeremias, o pastor escreveu-lhe um texto duro, tão duro quanto uma pederneira. Pediu para uma enfermeira entregar (pois que a própria família impedia o acesso do pastor ao moribundo). Assim estava escrito: Você, que por tantos anos prometeu mudar, Por tantas vezes fingiu piedade e um gran lutar, Você, que ano após ano ludibriou a igreja, Com uma mão segurou a bíblia e com a outra uma cerveja, 39


Era severo em público no trato dos negócios, Dizia que suava muito, que dependia dos próprios esforços; Matava o domingo para cuidar do patrimônio, Enquanto a casa era invadida pelo demônio. Ah, caro enganador, até acreditei em você! A cada pedido de perdão eu tentava esquecer As múltiplas promessas, os supostos arrependimentos, Os compromissos de ano novo para um novo engajamento. Vida nova! Ano novo! Cultos, serviços, escolas bíblicas! E ano após ano as suas desculpas eram as mais cínicas. Sem pejo e sem nunca desculpar-se pelos erros Continuou a enganar, a ludibriar e ficou enfermo. Acontece com qualquer um - dizia, cheio de vaidade, Por fora aparente força, por dentro terrível enfermidade. Primeiro a força faltou-lhe e o fôlego acabou-se. Depois foi o sangue, contaminado ficou-lhe. O tempo que do Senhor tirou agora empregou no hospital, Repleto de dores, com angústia fatal. De que valeu, pobre enganador do evangelho, Fingir-se de santo, mas sendo um escaravelho? Onde está a sua arrogância, o seu grosso falar, A sua maneira duríssima de a todos julgar? Ficou no ano passado, naquele onde prometeu Servir melhor ao Senhor, mas o ano faleceu. Quantos anos! Quantas promessas! Quantas mentiras! Quantas orações públicas de compromissos quebrados! Hoje a fatura chegou e a conta será cobrada. Você, moribundo na cama, já não pode fazer nada! Há tantos assim que pensam enganar ao Senhor, Pregando a fé em Cristo e vivendo longe do Salvador! Com a boca o glorificam no domingo enquanto "louvam" Mas jamais O enganaram, pois a Deus nunca enganam. 40


O seu tempo acabou, caro mentiroso. Não há mais pescarias, nem "halloween", nem festinhas. Não há mais cervejas pretas, maltadas ou batidas. Seu encontro está chegando e a vida acabará. Põe em ordem a sua alma, pois a Cristo encontrará. E diante de Seu trono o juízo enfrentará. E a fatura da mentira que pensou não existir O levará ao horrendo Inferno, pelo resto do porvir. De fato ele morreu. A família deixou a igreja e nunca mais apareceu. O pastor, triste e pesaroso, pensava e refletia nessa vida tão perdida. Mas Deus, que sempre revela a verdade aos Seus servos, não privou o pastor desta informação. De uma forma mui estranha ele soube da verdade. Uma enfermeira do hospital, crente em Jesus Cristo, assistiu aquele asiático nos seus instantes de morte. Um belo dia, sem saber, ela visitou a igreja onde o falecido fora membro. Em conversa com o pastor, disse que conheceu aquele homem. E agora, dois anos depois, achou a resposta. Contou a seguinte história: - Pastor, ele sofreu muito. Parecia que a sua dor era na alma, não tanto no corpo, porque não havia motivo para tantos gritos. Ele tinha na mão um papel todo amassado e pedia uma caneta. No início não quis dar, mas, pra quê privar um moribundo de seu desejo final? Dei-lhe. Ele, sem olhar, escreveu um garrancho e logo sorriu muito. E morreu quieto. Eu não entendi nada daquilo. Decidi nunca ver esse papel e nem tentar ler o que estava escrito sem que soubesse a sua história. E hoje vejo a resposta. Então ele foi membro daqui? O papel está na bolsa. Vamos vê-lo? Ela tirou-o. Estava todo dobrado, com manchas e rasuras. Era a carta do pastor, mas rabiscada. Abriram-na, procuraram entender o rabisco. E foi isso o que acharam: "DIGA AO PASTOR QUE ME ARREPENDI. PERDÃO!" O pastor chorou. Pediu à enfermeira para ajoelhar-se com ele. E assim orou: - Senhor, graças te dou pela preciosa graça de Jesus! Graças te dou pelo evangelho ter penetrado aquele ímpio coração. E graças te dou por não ter me amedrontado de dizer a verdade. Bendito seja o Teu Santo e bendito nome! A enfermeira, emocionada, levantou-se, cumprimentou o obreiro e lhe disse:

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- Continue assim, pastor. Diga sempre a verdade de Deus, doa a quem doer. Porque a verdade liberta e a graça resgata. Deus lhe abençoe! -----------------Se eu disser ao ímpio: Ó ímpio, certamente morrerás; e tu não falares, para dissuadir ao ímpio do seu caminho, morrerá esse ímpio na sua iniquidade, porém o seu sangue eu o requererei da tua mão. (Ez 33:8) E disse o Senhor em visão a Paulo: Não temas, mas fala, e não te cales; (At 18:9) E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (Jo 8:32) Esta é uma palavra fiel, e digna de toda a aceitação, que Cristo Jesus veio ao mundo, para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal. (1Tm 1:15)

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A FROTA - "Cuidado com os postes, Seu Geraldo! Não são de borracha não!" - "Vê se vai pela sombra, Seu Geraldo! Cuidado com as costelas-de-vaca!" - "Só passeando, né, Seu Geraldo?" Era assim todo dia. O Seu Geraldo era o taxista do bairro, conhecidíssimo, muito estimado. Também pudera: 12 anos no volante, já tinha levado muita mulher grávida pro hospital e trazido mãe e filho pra casa. O povo era muito agradecido. Às vezes um fiado, outras um chequinho prédatado, mas sempre tranquilo. Ele dizia: - "Deus ajuda a quem cedo madruga. E quem ajuda a quem cedo madruga também recebe ajuda do Senhor". E lá ia o Seu Geraldo pro batente, alegre, sorridente e confiante. Ele era crente. Ele e toda a família. Não era rico, nem classe média. Era um lutador, tentava manter as contas em ordem, o leitinho da molecada e o cabeleireiro da mulher. Devagarinho as coisas andavam. Fiéis na igreja, o dízimo era sagrado. Todo dia 10 lá estava o Seu Geraldo todo faceiro, levando o envelopinho da família: - " 100 meus, 50 da patroa e 25 de cada guri. Marca certinho, Irmão Astolfo ", as costumeiras orientações que passava pro tesoureiro. Nunca falhava. Nos meses de poucas corridas caia um pouquinho, mas na alta temporada o dízimo acabava compensando o tempo dificil. Não perdia um culto de oração. Geralmente ele mais agradecia. Mas, às vezes, dizia ter um sonho: queria ter uma frota! - "Ah, pastor, já pensou? "GERALDO TAXI EXPRESS', que maravilha! Eu ia levar toda a igreja de taxi pro culto! Não, não todo dia, senão eu iria à falência. Mas no domingo os meus carros ficariam de prontidão: "perdeu o ônibus? Chame o Geraldão!" E assim o Seu Geraldo ia levando, sonhando, trabalhando. Num belo dia chegou um telegrama: era para ele apresentar-se no Fórum. O que seria? Ficou preocupado, nem dormiu à noite. Mas, para sua surpresa, era coisa boa: um parente distante deixara uma quantia em dinheiro para os parentes, e ele fora contemplado com uns bons trocados. - "Olha aí, meu velho! Venho orando por você por muito tempo! Já dá pra comprar mais um carro, uma frotinha!" Frota não era, porque em sua cidade, grande e populosa, uma frota era composta de 50 unidades. Mas deu para comprar 6 automóveis 0 quilômetro, registrar e colocar na praça. 43


Que alegria! Com direito a culto de ação de graças e tudo! Contratou motoristas, colocou um para dirigir o seu velho chevrolet e passou a administrar. Todos estavam muito felizes. Todos, exceto a esposa. Ela notara algo diferente no marido: parecia que o esposo perdera um pouco o brilho e a espontaneidade. Não só a esposa notara; o pastor também. Seu Geraldo começou a faltar nos cultos de oração, os seus prediletos. Seu lugar já era marcado no banco número 5 do lado direito; mas, agora, estava vazio, aliás, sempre vazio. Ele comprara um sítio muito bonito, próximo da cidade, e, quando não estava com os amigos, estava cuidando da chácara. - "E então, irmão Geraldo, estou sentindo sua falta! " Dizia o pastor, no domingo. - "Pois é, pastor, está muito corrido pra mim agora, mas logo as coisas engrenam. É como sinal de trânsito: quando parece que não abre nunca, o verdão aparece! Já, já eu volto!" O já-já não chegava nunca. Posteriormente, quando o pastor lhe perguntava isso, a resposta era grosseira: - "Pastor, vê se faz o seu trabalho. Tem gente de sobra pra ouvir o senhor por lá. Eu já sei tudo o que o senhor prega". O pastor sofria. O Seu Geraldo prosperou. Em dois anos ele transformou os 7 taxis numa frota de 50. Como? "Bênção de Deus", dizia ele. Contratara muitos motoristas, colocara o nome de sua empresa bem bonito e graúdo nos seus automóveis: "GERALDO TAXI EXPRESS". Na inauguração fez um "coquetel", mas não chamou a igreja. Nem o pastor. Um dia a igreja precisava ir a um velório. Povo muito humilde, não havia condução pra todo mundo. Dona Zulmira, sua esposa, falou com ele: - "Geraldo, pede pros carros ajudarem a transportar o pessoal pro velório e cemitério. Lembra que você brincava que queria ajudar?" - "Ah, mulher, larga mão de ser mané! Sou eu burro de carga de alguém? Esse povo que se vire! Não vou carregar o pessoal de graça de jeito nenhum. Que se danem!" - " Mas, bem, você dizia que ..." - "Ora, mulher, quando se é pobre se fala muita besteira. Larga a mão de conversa e vai pro seu velório, que eu tenho encontro marcado com o pessoal lá do bar. Vai logo, não me enche!" - "Mas, bem, ..." - "Cala a boca, beata! Parece besta! Ah, e quer saber mais? Tô cheio desse negócio de igreja. Só sabem cobrar, viver de pindura em quem tem mais o que fazer! Vai, dá logo o fora se não quiser levar um tapão na orelha" 44


Zulmira estava desconsolada. E não era para menos. Seu marido dera para jogar truco com os amigos, beber "socialmente", ir pro clube no final de semana. Às vezes a obrigava a acompanhá-lo. Tirou os meninos da Escola Bíblica Dominical e matriculou-os em grupos de excursões algumas vezes iam para as montanhas, outras para a praia, e, ainda outras, para o exterior. "Coisas de classe", dizia ele. Zulmira chorava. O tesoureiro, antes tão acostumado com os 200 reais do Seu Geraldo, agora recebia 50 da mulher, que ela separava "escondido" do marido. De vez em quando o Seu Geraldo vinha ao culto, terno "Hugo Boss", cheirando a "Chanel número 5", sapatos importados, BMW na porta. Chegava atrasado, ouvia o sermão e saia sem cumprimentar ninguém. "Tenho compromissos", dizia ele: ia para o encontro dos "prósperos", os ricaços do clube. Zulmira orava. Os meninos, cuja base cristã era firme (a mãe orava e lia a bíblia todos os dias com eles), também oravam. A igreja orava. Certo dia um dos taxis acidentara-se. Sem perceber, Geraldo não atualizara o seguro daquele carro. Assim, para indenizar a família (houve vítimas fatais nos dois automóveis), precisou vender outro carro. Ao mesmo tempo 4 ex-motoristas o processaram, pois atrasara os seus proventos e tirara direitos que eles tinham a receber. Com os juros e multas, acabou por vender outro carro. Mais dois motoristas demitidos, indenizações a pagar, e outro carro seguia para a revenda. Passaram-se 5 meses. A família mudara-se dali. Não frequentaram mais aquela igreja. Não que Zulmira não protestasse; mas o marido estava transtornado. O pastor nem sequer soube para onde foram. Sumiram. A igreja tinha um prazo de 8 meses para desligar membros ausentes. A igreja orava. Numa quarta-feira, no culto de oração, enquanto o pastor lia o texto responsivo com a congregação, eis que entram na igreja o Seu Geraldo e a família. Foram direto para o empoeirado banco número 5, do lado direito. O pastor sorriu, mas continuou o culto. Parecia que a família estava feliz. A igreja estava perplexa. Mas continuou a celebração. Cantaram os hinos do Cantor Cristão (hinário da igreja), oraram, ouviram uma breve meditação e escutaram uns dois ou três solos. Antes de terminar, o pastor franqueou a palavra a quem quisesse contar uma bênção ou pedir uma oração. O Seu Geraldo emocionou-se no banco, mas sua esposa o abraçou afetuosamente. O pastor pensou que alguém tivesse adoecido. Zulmira pediu a palavra para o Geraldo. O pastor assustou-se, mas, em respeito a Zulmira, concedeu. 45


Lá foram os 4 para a frente: Geraldo, Zulmira, Bruno e Aloísio. Seu Geraldo pediu a palavra. Abriu a bíblia em Mateus 16.26, onde se lê: "De que aproveita ao homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida? ou que dará o homem em troca da sua vida?" A seguir, falou: "Fui membro desta igreja por longos anos e taxista antigo no bairro. Amava a Jesus e também a igreja. Um dia, há cerca de dois anos e meio atrás, ouvi um pastor dizer que, como crente, eu tinha obrigação de ser rico, de usar as credenciais de Filho do Rei. Não foi daqui não, foi um pastor da televisão. Eu fiz um voto e ganhei o que pedi. Ganhei herança, prosperei nos taxis e criei uma frota. Irmãos, (e agora Geraldo chorava), antes eu nunca tivesse pedido isso pra Deus! Se ganhei dinheiro com a frota, perdi a minha fé, perdi a minha família, a minha saúde, os meus amigos e até a minha dignidade. Fumei, bebi, adulterei, pintei o caneco e dancei o samba de uma nota só. De 51 carros, contando com o meu, perdi tudo, exceto o meu velho taxi. Tirei a família da igreja e ganhei a desgraça. De que vale querer ser rico, quando não se sabe ser fiel? Por isso pedi pra Zulmira, essa heroína (agora era ela quem chorava), que pedisse pro Senhor me ajudar, porque eu já não aguentava mais ter que vender carros pra pagar processos na justiça, ex-funcionários, tratamento de bebida, pagar propinas, etc. Eu deixei de dizimar, deixei de vir aos cultos, deixei de ser fiel. Vim aqui pedir ao meu Deus e à minha igreja: P E R D Ã O !!! PERDÃO, SENHOR! PERDÃO, PASTOR! (todos choravam copiosamente). Eu perdi tudo, mas não perdi o meu Salvador! Ele me deu mais do que eu merecia: me deu a salvação, me deu esposa, filhos, um bom pastor e uma boa igreja! Obrigado, meu Deus! Antes com Cristo sem riquezas materiais do que, tendo tudo, não ter nada! " Foi uma choradeira geral. O pastor abraçou o irmão, osculou a esposa e os meninos, e disse ao povo: "Aprendamos, irmãos, que o verdadeiro Evangelho não é comida nem bebida; Cristo não dá ouro ou bens para gastarmos segundo os nossos prazeres. Ele até permite, quando insistimos demais, mas por nossa própria conta e risco. Está aí o resultado das riquezas temporais: quando postas em primeiro lugar, levam o homem à falência. Lembremo-nos do que nos ensina o Senhor: "Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem consomem, e os ladrões minam e roubam. Mas ajuntai tesouros no céu, onde nem a traça e a ferrugem consomem, nem os ladrões minam e roubam. Porque, onde estiver o vosso tesouro, alí estará também o vosso coração". Mt 6.19-21. E diz mais: "Buscai primeiro o

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Reino de Deus e a Sua justiça, e as demais coisas vos serão acrescentadas". (Mt 6.33) Seu Geraldo trouxe, do carro, um panelão de salsichas em molho, preparado com amor por Dona Zulmira, e dois sacos de pão francês, que pegara na padaria da esquina. Fizeram uma confraternização, um culto de ação de graças. Foi lindo! Dia seguinte. 5 da manhã. Lá vai o Seu Geraldo pela Avenida Brasil, descendo com o seu velho chevrolet, passando em frente à casa dos vizinhos. As frases soavam como música aos seus ouvidos: - "Cuidado com os postes, Seu Geraldo! Não são de borracha não!" - "Vê se vai pela sombra, Seu Geraldo! Cuidado com as costelas-de-vaca!" - "Só passeando, né, Seu Geraldo?" E ele, feliz da vida, foi fazer as corridas do dia, sem esquecer-se de que também estava correndo uma outra corrida, a da consagração rumo à vida eterna com Cristo. Agora sabia que era o homem mais rico do mundo, pois tinha algo que o dinheiro não deu nem nunca dará: felicidade. - "Vai com Deus", dizemos nós também ao Seu Geraldo.

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A LOUCA ESTÓRIA DE UMA IGREJA Era uma vez uma bela igreja. Seu povo era feliz e possuíam uma estrutura bem harmoniosa. Tinham bons cultos, uma escola bíblica bem frequentada, um pastor amoroso e música de qualidade. Mas um dia o pastor deixou-a e ela montou uma comissão de sucessão pastoral. Preparam um perfil, encontraram candidatos e escolheram um bem capacitado. Tratava-se de um pastor de boa formação, com bacharelado, mestrado e doutorado em teologia. Marcaram a posse, convidaram toda a coletividade cristã e celebraram o início de seu ministério à frente da igreja. No primeiro mês ele ocupou-se em pregar dominicalmente sobre a importância da democracia na vida da instituição cristã. Falou sobre a relevância do poder do povo, pelo povo e para o povo e que uma igreja democrática dava voz e vez a todos, independentemente de estar ou não fundamentados na Bíblia ou nas doutrinas denominacionais, pois o que caracterizava o povo de Deus era a mais pura e irrestrita liberdade para tomar as suas próprias decisões. À porta da igreja um irmão bem experimentado perguntou ao obreiro: Pastor, onde fica a Palavra de Deus nesse sistema absoluto que o irmão está propondo? Ela não é a nossa regra de fé e prática? Irmão – disse o sábio pastor -, a Bíblia é a maior fonte de heresias na história da igreja. Qualquer um pode defender qualquer coisa através de uma leitura equivocada das Escrituras Sagradas. Além disso não temos dúvidas de que certos textos estão comprometidos com a cultura da época. Portanto, maior e mais importante do que a Bíblia e a voz da igreja nas decisões que tomar. Marcaram-se, então, reuniões para “repensar a vida da igreja”. O pastor chamou toda a liderança para discutir o futuro da instituição e incentivou as pessoas a proporem as suas questões de forma clara e defendê-las com inteligência nas assembleias que se seguiriam. No começo todos estavam acanhados. Mas quando os primeiros fizeram propostas os demais perderam a timidez e colocaram livremente as suas opiniões. Eilas: - Eu acho que os cultos deveriam ter espaços para informações sobre profissões. Se a igreja não servir para orientações vocacionais não servirá de nada. - Eu gostaria que pudéssemos explorar livros espíritas na escola dominical. 48


- Eu gostaria de trazer os meus animais de estimação para assistir ao culto; afinal, eles são criaturas de Deus. - Eu proponho que a Ceia do Senhor seja realizada com garapa e mandioca, uma vez que são elementos muito relevantes na cultura brasileira. E que a música a ser cantada seja a MPB, pois tem algumas com letras maravilhosas, como “Como é Grande o Meu Amor por Você”. Aquele irmão que interpelara o pastor no início de suas pregações, sobre o lugar da Bíblia nisso tudo, estava presente. E então pediu a palavra. - Irmãos, o que é isso? Vocês estão malucos? Nós temos uma bíblia que julgamos Palavra de Deus! Suas propostas não têm respaldo nas Escrituras! O pastor, com ares de deboche, interrompeu-o: - Pois é, irmão, por causa de pessoas como você é que perdemos tanta gente para o mundo. Transformamos a igreja num gueto de santos e impedimos os pecadores de encontrar um lugar de acolhimento e de linguagem inteligível. Faça suas propostas também, mas cuide de defendê-las e encontrar apoio, senão, procure outra igreja tacanha como suas ideias. O povo riu, festejou a firmeza do ministro e continuou a propor. Chegou o dia da assembleia. Eram tantos os assuntos que dividiram a reunião em 3 sessões. Ao final, aprovaram as seguintes questões: - Que a Bíblia desse lugar ao Pequeno Príncipe, que era um livro muito mais profundo que as Escrituras. - Que em lugar do culto tivessem um show de talentos e que dessem por prêmio os instrumentos musicais da banda da igreja. - Que convidassem médiuns para fazer sessões de terapia espiritual para as famílias; - Que celebrassem casamentos homossexuais, que investissem no aborto voluntário das adolescentes e na cirurgia de mudança de sexo; - Que montassem uma ala para acolher seus animais na hora dos cultos e que se celebrasse o culto fúnebre deles, enterrando-os no terreno da igreja com cruz e placas com versículos; - Que ordenassem 15 ministros, usando todos os títulos disponíveis: pastor, apóstolo, pagé, guru, elder, padre etc.; - Que abolissem o dízimo e fizessem a rifa dos carros da igreja e montassem barracas de beijos para angariar fundos; - Que demitissem o pastor e encerrassem a igreja por falta de relevância na sociedade contemporânea.

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Com dificuldade conseguiram um advogado que desse sentido àquelas propostas todas. Harmonizado o texto, registraram em cartório. O resultado foi estonteante. O pastor foi demitido, os bancos foram doados para salões de beleza e a igreja declarou falência, doando sua propriedade para a sociedade brasileira de ateus cristãos. Por fim, aquele irmão tão retrógrado escreveu numa cartolina pequena um versículo, colocando-o ao lado da placa de “vende-se”, expressando o seu lamento: À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles. (Is 8:20) Obs.: qualquer semelhança com fatos reais NÃO É merca coincidência...

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A VELHA AGENDA DE TELEFONES Paulo arrumava a garagem. Ele guardava tudo o que era usado e supérfluo ali. Um autêntico depósito de tralhas, móveis velhos, papéis amarelados, fotos antigas, máquinas quebradas. Era preciso arrumar aquilo tudo. Ao remexer numa velha caixa de bombons, cheia de papéis, encontrou uma agenda velha. Ali estavam nomes e telefones de pessoas queridas, velhos amigos, colegas de trabalho e de escola. Paulo sentou-se e manuseou o velho caderno. Quanta recordação! "Ah, o Sérgio. Grande colega! Trabalhávamos juntos na preparação de dados dos documentos do banco. Como era cômico! Enquanto somava, contava piadas. Eram tão ridículas e sem graça, que ficávamos perplexos ao ouvi-lo. Só que ele mesmo ria e com tanto gosto, que não aguentávamos e ríamos também! Ah, Sérgio! Por onde anda?" "A Ritinha! Que menina! Cada dia uma história de atraso. Um dia era o ônibus; no outro o trem; e no outro um velório. Não sei nem quantas vezes ela foi ao velório da tia. A chefe sabia que era mentira, mas relevava, pois era boa funcionária. Mas era fofoqueira. Nossa, como gostava de contar sobre a vida alheia! Saiu da firma pra casar. Soube que teve um filho. Como será que está?" "Seu Pacheco! Como me esquecer? Já tinha seus setenta anos, vinha à pé para a firma. Tomava conta do quadro de chaves do prédio. Tinha uma barriga! Lembro-me quando entalou na catraca de entrada. Que sufoco para sair! E como ele ficou bravo com a risada da gente! Depois o aposentaram de vez, porque ele já não conseguia andar. Ora, ora, já deve ter morrido. " "Carlinhos! Éramos colegas de turma de office boys! Que turminha! Pela manhã tomávamos café todos juntos, uns quarenta! A firma dava pão, frios e refrigerante de máquina à vontade. Carlinhos comia seis pães repletos! Ninguém ganhava dele. E não engordava. Será que hoje ele é gordo?" "Quanta saudade! Nunca me importei em saber como estão. Que vida têm hoje? Quanto tempo faz? Deixe-me ver: 1979, 1982, 1985... Meu Deus! Eu não acredito! Tudo isso? Será que estes telefones funcionam ainda?" Paulo vê que os números são curtos demais. As linhas têm sete números. Então resolve procurar na lista telefônica da internet. Ele os procura pelo nome, pois os conhecia decór, pois auxiliava na distribuição das correspondências internas da empresa. 51


Ligou para o número do Sérgio. Uma voz feminina atendeu. A resposta: "Paulo, sinto muito. O meu pai morreu há seis anos. Teve câncer. Ele sofreu muito. Você trabalhou com ele? Ele sempre falava que um tal Paulo prometera ligar. E posso dizer que ele esperava um telefonema seu. Que pena que não deu tempo. Obrigado por procurá-lo." Paulo ficou triste. Só ligou porque viu na agenda. Então foi para o próximo número: o da Ritinha. Procurou o nome, não encontrou. Mas lembrava-se do nome do rapaz com quem iria casar-se. Procurou, achou, ligou. Foi ele mesmo quem atendeu. "Paulo, tudo bem? Não, Paulo, eu me divorciei da Ritinha. Ela me traiu. Deixou a filha comigo. Criei-a e levei-a à faculdade. Depois de formada casou-se. E deixou que eu morasse com ela nos fundos da casa. Eu nunca mais me casei. Agora vivo aqui cuidando dos meus netinhos. Obrigado por ter ligado, tá? Um abraço!" Que tragédia! Paulo nunca esperou que Ritinha tivesse abandonado a filha e o marido. Talvez se a tivesse procurado para repartir o evangelho com ela como tantas vezes prometera, Ritinha pudesse ter se convertido e agido diferente... Quanta coisa poderia ter sido compartilhada e melhorada, mas que não acontecera... Paulo então ligou para a casa do Seu Pacheco. Como a linha era 263, sabia que havia mudado para 3673 (a sua mesmo era a mesma). Um homem atendeu. "Oi, Seu Paulo! O Pacheco era o meu avô. Ele morreu há trinta anos. Tenho muitas fotos dele com aquele barrigão. Ele me colocava sobre a barriga e brincava de cavalinho. Quanta saudade! O meu nome é o mesmo dele, papai o homenageou. Tenho orgulho disso. Passe aqui pra tomar um café, combinado? Tchau". Paulo lembrou-se do dia em que o Seu Pacheco saíra. Na porta da firma disse: "Seu Pacheco, vou passar em sua casa para tomar um café e levar uma bíblia e um disco de hinos para o senhor ouvir, tá?" Essa bíblia e esse disco nunca chegaram para o Seu Pacheco. E agora? O que fazer com a consciência pesada? Paulo liga agora para o Carlinhos "bom-de-lanche". É ele mesmo quem atende o telefone. "Paulo, é você mesmo? Rapaz, quanta história pra contar, né? Como era divertido! Lembra daquele dia em que descemos na Praça da Sé pra comer coxinhas e perdemos o dinheiro de volta? Tivemos que vir andando da Sé para a Lapa, três horas de caminhada! Que bronca que o Sales nos deu, hein? Pois é. E dos lanches? Seis todo dia! Hoje as firmas 52


não dão nem um pão com manteiga. Velhos tempos! A gente era feliz e não sabia!" "Ah, sim, me casei. Sou pai e avô, acredita? Quem diria? E sou crente também! Graças a Deus! Eu me lembro de você lá no restaurante, toda vez que íamos comer você abaixava a cabeça e orava. Aquilo me incomodava, sabe? Eu pensava: por que ele não faz isso só pra ele e Deus? Hoje eu sei que aquilo mexeu comigo; se você não tivesse orado em público eu não me interessaria pela fé. Eu cresci, me formei, fui promovido, fiz carreira e hoje tenho o meu próprio negócio. Adivinha o que? PADARIA! (risos, muitos risos). Gostei tanto de pães que sou o dono da padaria agora! Venha aqui tomar um café reforçado. O pão é por minha conta. Deus te abençoe, Paulo. Obrigado por lembrar-se de mim!" Paulo dobrou os joelhos em lágrimas. Orou assim: "Senhor, perdão! Quanta gente que passou pela minha vida, quantas histórias eu vivi, mas quão pouco me importei com essa gente! Poderia ter sido mais presente, mais amigo, mais influente. Eu me esqueci delas. Para algumas eu nem agradeci o que me fizeram e o quanto me ajudaram, me ensinaram. Senhor, me perdoe! Ajuda-me a ser mais amigo e a ter mais interesse por aqueles que fizeram e fazem parte de minha vida. E obrigado, Senhor, por pelo menos eu ter influenciado uma pessoa a buscar a Tua face, mesmo que tenha sido apenas por dar graças pela comida em público. Em nome de Jesus, amém". Paulo levantou-se, enxugou as lágrimas, arrumou a garagem e foi para o escritório. Lá anotou o nome de dez pessoas mais próximas e comprometeu-se a ser mais atencioso e a buscar mais proximidade com elas, sem esperar que elas fizessem isso por ele. Afinal, se alguém não começar, o ciclo de isolamento e de falta de calor humano nunca será rompido. E assim foi dormir, depois de ter o amor reacendido por uma velha agenda de telefones. "Quero trazer à memória o que me pode dar esperança" (Lm 3.21) "Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos." (Jo 15:13)

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ATÉ EU TE DEVO... Quem entra no salão de cultos daquela igreja evangélica não deixa de notar a beleza dos bancos. Madeira maciça, finamente envernizada, de lei, trabalhada com carinho, conservada com esmero. Bancos solenes, com estrados para ajoelhar-se, com local de colocar bíblias e hinários, um cheiro grave e respeitoso da mais fina madeira. Porém, há um detalhe que chama mais ainda a atenção: uma pequenina placa, do lado direito de cada banco, dourada, com os dizeres: "Ele não me deve... eu Lhe devo tudo!" Perguntei ao zelador o motivo daquelas plaquinhas. Ele sorriu e contoume a história. "Há vários anos atrás, quando a igreja construía esta grande Casa de Oração, um irmão ganhou destaque. Ele se chamava Mariano. Homem simples, fiel, amava contribuir com a obra de Deus. Mas, por causa de sua baixa remuneração, pouco podia fazer. Mesmo assim ele participava de tudo com grande empenho e alegria. Sempre que o ofertório ocorria nos cultos, ele ia feliz e sorridente para o gazofilácio, dar a sua parcela de cooperação. Às vezes recebia ajuda da igreja, mas nem assim deixava de contribuir. "Deus o abençoou muito. Tornou-se um profissional respeitável. Soube investir seus ganhos e comprou diversas casas de aluguel. Sua renda tornou-se muito boa. O seu dízimo acompanhou. E acabou por contratar diversas pessoas da igreja em sua oficina. Construiu um grande edifício para a empresa e uma mansão para morar. "Tamanha prosperidade tornou-o ocupado demais para o Reino de Deus. Na verdade o seu coração esfriou. Sua grande riqueza transformou-o num homem reservado. Já não contribuía mais com nada além do seu dízimo e não tinha mais tempo para Escola Bíblica Dominical; seus compromissos sociais o cercavam: fazenda, chalé na montanha, casa na praia. Não deixou de ir à igreja, mas tornou-se infrutífero. Seu dízimo era alto e ele achava ser o bastante. Apenas não queria envolver-se ou ser incomodado. "Num belo dia, quando a direção da congregação decidiu comprar os bancos e móveis para mobiliar o salão de cultos, verificaram tratar-se de um preço muito alto, acima do que podiam suportar. Não se tratava de uma bancada comum. Era material fino, digno de uma catedral. Todos os bancos da congregação, o púlpito, as cadeiras dos oficiantes, a bancada do coral, gazofilácios, etc. Se comprassem à prestação pagariam uma 54


fortuna muito maior, porém à vista teriam 50% de desconto. Não podiam deixar passar essa oportunidade. Mas como obter financiamento? "A tesouraria não tinha os recursos necessários; o povo não tinha mais como ofertar além dos compromissos assumidos. A igreja não se endividava na praça, nem buscava socorro dos bancos. "A ninguém devais coisa alguma", repetia o pastor. "Foi então que alguém propôs: "Vamos pedir emprestado ao irmão Mariano! Ele certamente poderá nos ajudar! Ele é nosso irmão, é da casa. Faremos um livro de ouro, um sistema para arrecadar ofertas, e se Deus quiser conseguiremos quitar essa pequena fortuna". "A comissão foi até a sua casa. Mariano tinha progredido de forma espetacular. Sua mansão era um sonho. E as casas ao lado lhe pertenciam também, comprara praticamente todo o quarteirão. Recebidos pelos empregados, os irmãos aguardaram na sala de estar, um ambiente utópico, cinematográfico mesmo. Mariano estava em outra dependência, mas desceu para conversar com os irmãos. "Como estão, meus irmãos? Em que posso ajudar?" "Irmão Mariano, viemos pedir o seu socorro. Os bancos e móveis para o salão de cultos foram escolhidos, mas são muito, muito caros, não temos recursos. Se pagarmos à vista teremos cinquenta por cento de desconto. O irmão não poderia emprestar? Sabemos que o irmão tem sido abençoado, quem sabe poderia nos auxiliar sem que buscássemos socorro nos bancos privados. Mariano fechou o semblante. Mostrou-se aborrecido e incomodado. Pensava: "Não me deixam mesmo em paz! Basta termos um patrimônio para não largarem de nosso pé!" Pensou, pegou a calculadora, anotou alguns valores, e disse: "Dar eu não dou, afinal, não sou o único membro da igreja. Tenho a minha vida, os meus compromissos. O que posso fazer é emprestar..." "Irmão, não viemos lhe pedir nada além do empréstimo. Mas se o irmão não se dispõe, não há problemas. Parece que o irmão não apreciou a ideia. Não se aborreça. Buscaremos recursos em outro lugar. Deus o abençoe e até domingo, irmão..." "Não, não se chateiem. Esperem. Eu empresto. Essa quantia eu tenho disponível. Posso emprestar, mas terão que me pagar em 12 vezes, pode ser apenas com os juros de poupança. No final contabilizamos e fechamos a conta. Passem no meu escritório e retirem o cheque, ok?" "Não muito felizes, pois a cortesia faltou, mas muito agradecidos pelos recursos disponibilizados, os irmãos saíram. Correram ao representante da loja e adquiriram os bancos. 55


"Mariano, um tanto alheio a sentimentos (aprendera a viver sem considerá-los, pois assim a vida comercial exigia), subiu ao terceiro andar de sua mansão. Ali havia um mirante, ao lado da piscina, em frente ao jardim e ao chafariz. Dali ele vislumbrava as 20 casas boas, do quarteirão, que alugara e de onde recebia excelente renda. Também via a fachada do prédio onde estava sediada a sua próspera empresa." "Lembrou-se do quão difícil fora a sua vida; da casinha pequenina alugada onde morava, das cestas básicas que recebera quando o dinheiro era insuficiente. Lembrou-se de sua constante dedicação ao trabalho do Senhor, das tardes evangelísticas, dos cultos, vigílias, das visitas aos novos crentes, do sorriso nos lábios e do quanto, quanto, quanto, Deus lhe abençoara em menos de dez anos. "Olhou tudo isso, sorriu e derramou uma lágrima de gratidão. Sentia-se quebrantado. "Disse em alto e bom som, com grande emoção: "SENHOR, MUITO OBRIGADO, DE CORAÇÃO, POR TANTAS BÊNÇÃOS QUE ME DESTE. Ó, DEUS, COMO TU ME ABENÇOASTE! "Naquele instante, de forma audível para ele, escutou, perplexo, uma resposta vinda do Céu: "ABENÇOEI-TE TANTO QUE ATÉ EU TE DEVO..." "Mariano caiu no chão, assustado, com tontura e muito medo. Ele realmente ouvira essa voz. Ele a escutara. Ele não estava louco. E por que ouvira isto? "Enquanto se levantava lembrou-se da reunião da comissão dos bancos. Lembrou-se do empréstimo e dos juros. Pensou no que isso significaria para a sua conta: uma fatia pequenina. Lembrou-se de que a Igreja era de Deus e que ele também pertencia a Deus. "Então orou de novo: "meu Deus, como pude me atrever a querer EMPRESTAR para Ti? Se tudo o que eu tenho, tudo o que eu sou e tudo o que eu faço são frutos de Tua imensa graça? Sou indigno de todas as tuas bênçãos! Perdoa-me, Senhor!" "Mariano correu até a casa do pastor. Afoito e quase desesperado, suplicou: "Pastor, por favor, por compaixão, peça à comissão da aquisição dos móveis para reunir-se comigo hoje à noite. Tenho que falar uma coisa. "Irmão, estou preocupado. Fechamos o negócio, nós vamos lhe pagar. Estaria o irmão arrependido? Não irá mais disponibilizar o valor? Tenha certeza, irmão: nós lhe pagaremos!" "Não se preocupe, pastor. Esteja à noite em casa." 56


E à noite, na mansão do Mariano, ele disse: "Irmãos, preciso dizer algo sobre o cheque dos bancos". "Os irmãos se contorceram, olharam preocupados uns para os outros, e aguardaram a notícia. "Eu estive orando ontem. Vi todo o patrimônio que conquistei nos últimos dez anos. Não mereço nem um por cento de tantas bênçãos do Senhor. E agora, com vergonha, tenho que confessar: eu fiz Deus me dever... Sim, irmãos, enquanto orava agradecendo as bênçãos, ouvi claramente a voz do Senhor, dizendo: "ABENÇOEI-TE TANTO QUE ATÉ TE DEVO". Mariano chorava. E continuou: "Deus não me deve nada, irmãos! Eu sou devedor a Ele! Tudo o que eu tenho é dEle! Tudo o que eu sou devo a Ele! Quem sou eu para cobrar juros do Senhor? E mais: esse dinheiro não irá me fazer falta. Por favor, risquem de seus planos pagar o valor para mim. A igreja é de Deus, e Deus não me deve nada! Eu estou doando os bancos. E não precisam me agradecer; sou apenas mordomo do que Deus me concedeu." "Não é preciso dizer que choraram muito. Não é preciso dizer que o pastor orou em prantos. Celebraram um culto no final do mês, agradecendo pela belíssima mobília. Estes são os bancos do Mariano, irmão. Ele quis celebrar essa experiência, e colocou as plaquinhas, para que nunca ninguém se esquecesse: Deus não nos deve nada..." Saí emocionado daquele templo evangélico. Imaginei cada cena, cada detalhe. E pude escutar o eco da Palavra de Deus em meu coração: Que darei eu ao Senhor, por todos os benefícios que me tem feito? (Sl 116:12) Então a nossa boca se encheu de riso e a nossa língua de cântico; então se dizia entre os gentios: Grandes coisas fez o Senhor a estes. (Sl 126:2) Menor sou eu que todas as beneficências, e que toda a fidelidade que fizeste ao teu servo; porque com meu cajado passei este Jordão, e agora me tornei em dois bandos. (Gn 32:10) Porque, quem te faz diferente? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido? (1Co 4:7) Que Deus nos ajude a compreender que ELE não nos deve nada; nós é que devemos tudo a Ele. E que sejamos fiéis, colocando tudo o que temos, somos ou fazemos em Suas mãos, sabendo que "Deus ama ao que entrega com alegria" (2 Coríntios 9.7)

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CONSTRANGEDOR... - Irmã, por favor, me ajude, porque ainda não consegui localizar a igreja! - Mas, pastor, o senhor está bem pertinho! Olha, siga duas ruas à frente após o semáforo e desça à esquerda. No quarto cruzamento vire à esquerda e vá para o número 252. - Ah, meu Deus, direita, esquerda, semáforo, irmã, eu vou me atrasar um pouquinho! O pastor estava procurando a igreja Batista da Vila Colônia. Mas a cidade é grande e era a sua primeira vez naquela região. Levou consigo o guia de ruas, mas, por via das dúvidas, deixou o celular ligado. Tentou orientar-se com a secretária da igreja, que era a esposa do pastor local. Mas ele estava tão aflito, que não conseguia nem achar o semáforo. - Segunda, terceira, ah, droga, cadê esse semáforo? Eu vou chegar atrasado! Meu Deus, me ajude! - Calma, pastor, o senhor vai conseguir já, já! - disse a secretária, do outro lado da linha. Subitamente o pastor cruzou a terceira travessa, enquanto falava com a moça. Foi quando tentou cruzar a terceira travessa. Não percebeu que havia um semáforo bem no cruzamento, e o sinal era vermelho. Ele passou. Na rua que cruzava um outro veículo vinha devagar, obedecendo ao sinal verde. Ao perceber o descuido do pastor, acabou brecando violentamente e conseguiu evitar uma tragédia. Bem, evitou a batida, mas a tragédia... Ele esqueceu de desligar o celular. A irmã o chamava: - Pastor, pastor, o que aconteceu?! O outro motorista, que fora cortado, sem saber que o pastor estava perdido, começou a gritar: - Seu imbecil, não viu que o sinal estava vermelho pra você? - Imbecil é a sua mãe, seu palhaço! Eu cruzo no vermelho quantas vezes quiser e ninguém tem nada com isso! Vai encarar? - Olha, não me ameace não, porque você não sabe com quem está mexendo... - Ah, judiação do nenê! Tô morrendo de medo! Vem, vem me pegar, seu sem-vergonha! Vem se você for homem! A secretária, atônita, pensou: - Meu Jesus, e agora? Ele vai apanhar na rua! E o meu marido que não chega... O motorista do outro carro parou e desceu. Tinha um pedaço de pau dentro do carro, que ele tirou com ares de superioridade. O pastor, por 58


sua vez, sangue quente, enfiou a mão por debaixo do banco e tirou o extintor de incêndios. - Ele quer briga? Pois vai ter! - pensou. Ambos estavam na rua. O celular do pastor estava pendurado na cinta. E a secretária já estava rouca de tanto gritar, inutilmente. - Olha aqui, seu barbeiro - falou o outro motorista - É melhor ir andando, se você tiver amor pelos seus filhos. Você está errado e vai apanhar aqui e agora. Assim, saia enquanto é tempo! - Seu cafajeste, pensa que a rua é só sua? Só você sabe guiar? Vem, vem aqui com o papai, que eu te dou um banho de espuma! A secretária já estava roxa de tanto gritar e agora ficava pálida: eles iam brigar! Mas, subitamente, o outro motorista disse: - Quer saber de uma coisa? Você é insignificante demais pra mim. Não vou estragar meu pedaço de pau numa cabeça tão oca quanto a sua. Dá o fora, imbecil! - Ahahahah, amarelou, né, palhaço? Pois eu é que não vou gastar o meu extintor num cara que não honra as calças. Vá pro inferno e não cruze mais comigo! - Vá pro inferno você, babaca! Os dois entraram nos seus carros e saíram cantando pneus, quase batendo novamente. Mas foram embora. O pastor parou o carro e começou a xingar: - Cara fdp, v, c, &*()( #$@R%^^^& (palavras intraduzíveis, caríssimo leitor. Qualquer dúvida, pergunte para a secretária, que estava na linha, ouvindo tudo). Então, lembrando-se das conferências da noite, cujo tema era MANSOS COMO CRISTO, parou um pouco, tentou lembrar-se do endereço e tentou ligar pra secretária. Sem aperceber-se que havia linha no aparelho, apertou os botões e disse: - Alô? Já atendeu, irmã? Que rapidez! Ela, escandalizada, envergonhada, decepcionada, sem ter o que dizer, falou: - Desce a segunda à direita e vira à esquerda. Número 252. E rapidamente o pastor chegou à igreja. Estacionou, escolheu o seu melhor sorriso, disse consigo mesmo que aquelas coisas acontecem e são passageiras, desceu do carro e, em lugar do extintor, tomou a bíblia e o hinário. As pessoas, ansiosas por cumprimentarem-no, aproximaram-se. Ele, cortês e cavalheiro, a todos atendeu com carinho. O pastor da igreja, que 59


chegara atrasado, estava ocupado na sala de reuniões e iria entrar no decorrer do culto, para apresentar o pregador. O culto começou. Orações, leituras responsivas, corinhos da equipe de louvores, números especiais, um culto e tanto! O pastor-visitante estava feliz. Então, antes de passarem a palavra para ele, chamaram o pastor da igreja, para que ele fizesse a apresentação. O pastor da igreja não o conhecia pessoalmente, só por fama de bom pregador. Foi quando o pastor entrou, pela porta dos fundos, ao lado da esposa, a secretária da igreja. O pastor visitante estava de costas, falando com um corista. O pastor da igreja olhou para o auditório, olhou para o pastor e ficou mudo. O povo imaginava que ele estivesse escolhendo as palavras para apresentá-lo de forma polida e diplomática. Afinal, ele gostava de honrar os visitantes. Mas o silêncio estava custando a passar, e começava a ser constrangedor. Algumas bagas de suor escorriam pela testa do pastor. O pastor visitante, de repente, sentado onde estava, envermelhou-se e abaixou a cabeça, no maior silêncio também. Agora a igreja estava preocupada. Os adolescentes diziam: -"Aí, meu, da hora esse suspense! Acho que pintou sujeira, saca só!" Um garotinho de dois anos olhou pra mãe e perguntou: - "Mamãe, o pastor usa flaldas também? Ele tá fazendo a mesma cala que eu faço quando tô fazeno cocô". E a mãe: "Cala a boca, menino!" Um seminarista cutucou a namorada, com ares irônicos, e falou: - Tá vendo, bem? Até ele esquece o esboço de vez em quando. Não sei porque só falam de mim". Silêncio na igreja. Um olhava para o rosto do outro, sem saber o que fazer. O coral fazia gestos ao regente, que os mandava aguardar. Eram duzentas pessoas suando, sem saber nem porquê. E o pastor, no púlpito, começou a chorar. A igreja pensou que ele tivesse recebido uma notícia ruim. Mas, estranhamente, o pastor visitante também, e de soluçar! Um universitário, novo convertido, exclamou: - Poxa, cara, surrealismo pós-moderno! Divino! O choro dos dois, cada um no lugar onde estavam, era tão comovente, que muitos começaram a chorar também, sem terem a mínima idéia do porquê. Um crente pentecostal, que estava alí, arriscou a dizer para os seus colegas de banco:

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- Aleluia, irmãos, acho que ele recebeu o batismo! Eu sabia! Um dia ia acontecer! Aleluia! O pastor visitante levantou-se e desceu da plataforma, chorando. Realmente comovente. Estava indo embora pelo corredor lateral, quando o pastor da igreja disse, ao microfone: - ESPERE!!! - Pra quê? - Porque somos crentes! Então o pastor visitante estacou, virado de costas. O pastor da igreja começou: - Irmãos, há cerca de uma hora eu e ele quase saímos no tapa no cruzamento da rua de cima, por causa de uma briga de trânsito. Ele iria me dar um banho de extintor de incêndios, e eu iria surrá-lo com um pedaço de pau que guardo no carro. Amados, quando é que eu iria imaginar que esse era o homem que eu havia convidado para pregar aqui na igreja hoje? E o pastor visitante, do corredor, exclamou: - E como eu iria saber que o senhor era o pastor da igreja que eu estava procurando? Voltaram a chorar. Agora a igreja chorava de gosto, porque sabia a razão. Um velho diácono, experiente, sincero, leal e consagrado, tomou a palavra e disse: - Igreja, que sermão melhor poderíamos ouvir sobre ser MANSO COMO CRISTO? Esses pastores, humanos, pecadores, falhos, mostraram para nós tudo quanto não devemos fazer, e certamente muitos de nós fazemos até pior! Nós só não temos coragem de dizer! Mas, se eles pecaram, Jesus é fiel e justo para perdoá-los e purificá-los! E essa é a maior lição! Pastores, vocês são crentes! Lembrem-se do que diz a Bíblia: "irai-vos e não pequeis, não se ponha o sol sobre a vossa ira" (Rm 12.19). Vocês acham que Jesus faria o que vocês fizeram? Ele era manso! Sejam mansos também! E agora façam o favor de se reconciliarem e glorificarem ao Senhor! Vamos, pastores, o que estão esperando? Envergonhados, pálidos, assustados, os pastores saíram de seus lugares e, nas escadas da plataforma, abraçaram-se, pedindo perdão um para o outro, em lágrimas comoventes, que marcaram a vida daquela igreja. Naquele dia o sermão não foi pregado com palavras, mas proclamado com atitudes. Não pelo pecado que cometeram, mas porque aprenderam que pecar custa muito caro. E Deus usou o velho diácono como nunca havia usado. Seja Deus engrandecido.

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Faz 4 anos que isso aconteceu. E há 4 anos essa igreja não tem mais problemas de ressentimentos ou mágoas, porque, assim que surgem os problemas, são tratados com responsabilidade. Afinal, ninguém quer passar o vexame que os pastores passaram. POIS SENDO RESGATADOS POR UM SÓ SALVADOR DEVEMOS SER UNIDOS POR UM MAIS FORTE AMOR OLHAR COM SIMPATIA OS ERROS DE UM IRMÃO E TODOS AJUDÁ-LO COM BRANDA COMPAIXÃO SE TUA IGREJA TODA ANDAR EM SANTA UNIÃO ENTÃO SERÁ BENDITO O NOME DE "CRISTÃO" ASSIM O QUE PEDISTE EM NÓS SE CUMPRIRÁ E TODO O MUNDO INTEIRO A TI CONHECERÁ (Hino 381 do Cantor Cristão, AMOR FRATERNAL, segunda e quarta estrofes)

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CORRENDO ATRÁS DO VENTO ou ME INDICA, POR FAVOR? 1º ATO - Alô? - Sim? - Pastor Arantes? - Pois não? - Aqui é o Pr. Amâncio. Tudo em ordem? - Tudo, pastor. Em que posso ajudá-lo? - Pastor, deixei a igreja que pastoreava e gostaria que me indicasse para uma das suas igrejas. Sei que o irmão tem muita influência, poderia ajudar-me? - Mas, Pr. Amâncio, o que houve que saiu tão cedo? - Sabe, pastor, a igreja não era o que eu achava que era. No início era uma festa só. Todo mundo me convidava para visitá-los, eu era querido, respeitado, a igreja ficava repleta. Mas com o tempo detectei que era uma igreja doente, cheia de donos, havia pecados enterrados, eu passei a pregar com ardor. E fui perseguido. Ah, pastor, como foi difícil. O clímax foi há dois meses, quando, numa assembleia, tentaram xingar-me. Então eu me exonerei. Deus vai tratar daquela congregação. Por isso estou precisando de sua ajuda. Pr. Arantes ajudou o colega a encontrar outra congregação. Havia 3 igrejas sem pastor em sua região e recomendou-o para que pregasse e fosse conhecido dos membros. Uma delas convidou-o. Em três meses foi a posse. 2º ATO O culto de posse foi uma festa. Veio gente de longe. Inúmeras caravanas. Familiares do pastor encheram o salão. A festa foi gorda: tinha bolo, carne desfiada, refrigerantes, doces e lembrancinhas. O domingo foi inesquecível. A igreja rejubilava-se. Finalmente tinham um pastor. Parece que era bom pregador, tinha presença, muitos amigos importantes. Quem sabe até a congregação não cresceria à partir daqui? Durante o mês os crentes disputavam o pastor. Queriam-no a comer em suas casas. Muitas visitas. 63


Não havia um domingo em que ele não ganhasse algum mimo: uma verdura, alguns ovos do sítio de um irmão, um chale para a esposa, um brinquedo para o filho, um livro novo para a sua biblioteca. O povo até pensava em cotizar-se para dar-lhe um carro novo, uma vez que o seu já estava bem usado e ele o usaria para o serviço do Senhor. 3º ATO Foi no terceiro mês que as coisas azedaram. O pastor arrancou um quadro, colocado há dez anos por um membro falecido. Alguns irmãos pediram para que não fizesse isso. O pastor não só o tirou como arrebentou-o em vários pedaços. Em seguida foi à mesa de som e recolheu todas as gravações do ex-pastor e mandou colocar no lixo. Se não fosse um velho diácono que passara na frente do templo antes do lixeiro, as pregações do pastor anterior teriam se perdido para sempre. Em seguida resolveu fechar o seu gabinete para o público, passando a atender somente os que tinham recursos maiores, e em casa. Aos poucos os diáconos e a diretoria foram sentindo grande arrependimento pelo convite. No púlpito o pastor fumegava o fogo da carapuça, isto é, pregações com endereço certo. Eram duras, pouca piedade, um verdadeiro embate. Sem condições de continuar, a diretoria pediu uma reunião com o pastor. Uma tragédia: xingos, gritos, o pastor tentou agredir um senhor, sendo seguro pela própria esposa. Surgiu o grupo dos favoráveis e dos desfavoráveis, com agressões verbais e ameaças de tapas e socos. Ao final o pastor saiu fumegando da reunião. Pedira exoneração. 4º ATO - Pastor Juvenal? - Sim, quem é? - É o Pr. Amâncio. O senhor teria como me indicar para alguma igreja? Deixei a anterior. Ela não prestava... ---Qualquer semelhança é mera coincidência????

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DO JEITO QUE TE TRATO... Carlos chegou do culto muito perturbado. Em um determinado momento o pastor pedira para que os presentes orassem uns pelos outros. Ele estava ao lado da irmã Altina. Veterana na igreja, crente fiel, ela usou estas palavras na hora de interceder por ele: "Senhor, Tu és maravilhoso; eu oro por Carlos e te peço: trate-o da forma como ele Te trata em sua vida cristã. Amém". Ele não gostou da expressão, mas não teve tempo de retrucar, pois o culto seguiu-se. Foi deitar aborrecido e logo adormeceu. Ao acordar, dirigiu-se ao trabalho. Era dia de pagamento. Abriu a sua conta corrente do banco e não constatou nenhum depósito. Estranhou muito. Foi até o departamento pessoal questionar sobre o que havia acontecido. O diretor lhe disse: "Carlos, desculpe-nos, estamos sem recursos neste mês. Assim que tivermos alguma coisa, depositaremos para você." Ficou perplexo e quis exigir os seus direitos. Mas o diretor explicou-lhe que a empresa havia investido em algumas coisas e que neste momento ele não era prioridade. Não houve acordo. Após o trabalho ele foi para casa. Todas noites ele corria. Mas, ao chegar em casa a sua perna travou. Por mais que fizesse massagem e colocasse bálsamos, não havia meio da perna funcionar. Quando ficou tarde, a perna subitamente destravou, mas era tarde para correr naquelas ruas desertas. No dia seguinte, no trabalho, a nomeação para uma comissão importante chegou. Ele, antes cotado para dirigi-la, sequer foi mencionado. Procurou o seu gerente e ralhou com ele, dizendo que já haviam conversado sobre o assunto. O gerente então lhe disse: "Carlos, você tem falhado por alguns dias e não é de confiança para esse trabalho. Sinto muito." Então Carlos lembrou-se de faltas que fizera (e que não tinha ciência do acontecido até há pouco). Entristecido, terminou o dia e foi para casa. Sem recursos e sem promoção, não pôde fazer a festinha de aniversário do seu filho, programada para o sábado. Sua esposa chorou e brigou. Carlos apenas disse que não tinha salário e que fora punido. Sua esposa então falou em separação. Então Carlos teve uma arritmia e caiu desmaiado.... E acordou! Sim, tudo era um pesadelo! Olhou no relógio e ainda era o final da noite do domingo. Deitara tão aborrecido que tivera um pesadelo longo! Foi à cozinha tomar um copo de leite morno e pensar em tudo isso. 65


"Trate-o como ele Te trata. É verdade. O que sonhei é o que faço com a obra de Deus. Comprometi-me a priorizar o trabalho do Senhor e só participo do culto à noite quando posso. Não sou lembrado para fazer nada e reclamo; mas como dar-me responsabilidades se não correspondo nem ao básico? Sim, foi isso. E o salário? A empresa não tem dinheiro porque decidiu investir em outras prioridades... Bah! E o que é meu? Sou digno do salário! Sim, assim como Deus é digno da minha fidelidade financeira para com o Seu trabalho e eu sempre encontro um meio de desviar-me de dizimar o que tenho ou deixar de ofertar. Eu sempre tenho uma boa desculpa. Meu Deus, o sonho foi pra mim! Nem correr eu consegui! Claro, se o importante e necessário eu não faço, o supérfluo e o assessório não acontecem. Tenho mais fidelidade nas corridas, nos aniversários e nos compromissos privados do que na obra de Deus, na evangelização, nos cultos e na escola dominical! Eu sou o meu próprio inimigo!" Carlos então ajoelhou-se e orou: "- Senhor, não me trate como eu Te trato, por favor! Eu sou ímpio, infiel, não tenho bondade no coração. Eu me arrependo, Senhor, pois não priorizo a Ti. Por favor, não me pague com a minha própria atitude contigo! Perdão! Perdão por não te tratar bem! Perdão por não ser responsável! Perdão, porque com a falta de meus dízimos e ofertas a igreja e o pastor têm sofrido! Perdão porque recebi dons e talentos e não os ofereço ao Teu trabalho! Perdão porque não tenho assiduidade e nem pontualidade! Senhor, tem misericórdia de mim! Em nome de Jesus, amém." Carlos já não estava mais enfurecido com a oração da irmã Altina. Pelo contrário, iria procurá-la em breve para agradecer a sabedoria que teve, ao apontar os erros sem acusá-lo, despertando a sua consciência...

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DONA GERUSA, OU CONSELHOS PARA A FELICIDADE Dona Gerusa sempre fora uma boa mãe. Crente exemplar, esposa virtuosa, filha primorosa. Mas há alguns anos passou a sofrer de graves crises emocionais, ansiedade, dores no corpo e insônia recorrente. Tentara a todo custo ver-se livre de remédios, pois, segundo os seus conceitos, uma crente não deveria precisar disso. Sucumbiu ao princípio, quando não foi capaz de suportar mais. Dopada e tratada em especialistas, continuou com problemas, ora com crises de hipertensão, ora com profunda taquicardia. Foi então que decidiu chamar o pastor. - Dona Gerusa, desde quando a senhora está assim? - Ah, pastor, já faz quinze anos, só que estou piorando a cada dia! Acordo o meu esposo com crises de ansiedade, taquicardia, falta de ar. Corremos ao médico, fazemos os exames e então nada é detectado. Eu não sei mais o que fazer! - Como estão os seus filhos? E os seus irmãos? - Pastor, como eu queria resolver os problemas deles! Maria, a mais velha, divorciou-se, está procurando um novo relacionamento e as crianças sofrem. Eu, de minha parte, procuro fazê-la ver a importância do casamento original e da família, uma vez que o ex-marido foi vítima de toda essa instabilidade. Eu nem consigo dormir pensando nisso! Caio, o do meio, está muito bem. Serve ao Senhor e trabalha nas forças armadas. Com ele não me preocupo. Mas Juliana, ah, quanta falta ela me faz! Foi morar na Suécia e nunca mais voltou! Nós nos falamos pela internet, mas não é a mesma coisa! - E a sua saúde, irmã, além desses problemas, como tem reagido? - Pastor, as dores nas juntas são constantes! Eu não consigo mais ficar em pé por longo tempo! Veja o meu braço, tem manchas. Será que é câncer? Ah, pastor, tenho tanto medo! Outro dia eu senti uma pontada na barriga e imaginei um tumor enorme crescendo no meio do meu intestino. Eu já não o tenho regulado há dias! Além disso a circulação está mal e eu tenho medo de ter que amputar os pés. Pastor, será que é muito difícil viver sem um membro? Isso me perturba! Eu choro! - E o seu esposo, irmã? Como estão sendo esses dias, já que estão aposentados? - Eu nem desfruto, pastor! Eu só choro, vivo deitada. Ele, pobrezinho, às vezes se enerva com tantos socorros que tem que me prestar o tempo todo. Diz que não se aposentou; arrumou dois turnos integrais com as minhas complicações. Eu o acordo à noite para reclamar e para falar dos 67


problemas dos meus irmãos e irmãs, dos nossos filhos, os meus, ah, é tão difícil! Ele está cansado. Será que o senhor poderia me ajudar, pastor? O pastor, pensativo, e em oração, pediu a iluminação do Espírito Santo. O Senhor, que nunca lhe faltava em qualquer necessidade, deu-lhe a palavra adequada. E então perguntou: - A irmã me permite dizer exatamente o que eu acho? - Claro, pastor! Foi para isso que eu pedi ao irmão para vir aqui! O meu esposo e eu até oramos, rogando ao Senhor para lhe dar as palavras certas! Estou ansiosa por saber o que pensa! - Então falarei, irmã. Quero dar-lhe três conselhos para que a sua crise seja diminuída, ou, até, resolvida. Os remédios ajudam, mas, no seu caso, creio ser mais sensato tratar as causas. Se continuar a tratar as consequências, é como tentar limpar um rio sujo apenas na área onde está: depois de limpo, ele volta a contaminar-se, pois a fonte de onde vem está doente. Os conselhos serão úteis, mas só se tiver a disposição de segui-los. A senhora aceita? - Claro, pastor! Pode dizer! - O meu primeiro conselho é: PARE DE VIVER A VIDA DOS OUTROS! A senhora concentra toda a sua atenção nos problemas que os seus filhos enfrentam, nas dificuldades de seus irmãos, nas vicissitudes da vida deles. Conquanto os oriente no que devem fazer, sofre porque eles não fazem o que deveriam. E então gasta todos os seus pensamentos inutilmente, ora clamando para fazê-los agir do jeito certo, como se tentasse apertar um botão no controle remoto e provocá-los ao bom comportamento. E, por não conseguir isso, sofre. Irmã, a senhora não pode mudá-los! O máximo que Deus nos autoriza é orar por eles, mas deixá-los escolherem o seu próprio destino! Já dizia o velho ditado: "o que não tem remédio, remediado está!" Assim, fazer ou deixar de fazer é com eles. Como a senhora não é onipotente, de nada adiantará amargurar o pensamento. A bíblia recomenda: "Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nEle, e Ele tudo fará" (Salmos 37.5). Josué disse ao povo de sua época que eles deveriam escolher os deuses a quem serviriam; contudo, ele e sua casa serviriam ao Senhor, único Deus verdadeiro. Josué deixou que eles escolhessem por si sós, ainda que os admoestasse. A senhora não consegue deixar que os outros escolham! A senhora quer escolher por eles! Como não consegue, sofre! Não convém ser assim, irmã! Lance a sua ansiedade ao Senhor e deponha aos pés dEle os seus pedidos. E depois descanse na paz de Deus! Diga: "Estão entregues em Tuas mãos e na Tua paz descansarei!"

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- O meu segundo conselho é: NÃO TENHA MEDO DE MORRER! Não viva desesperada, imaginando que um índice do exame de sangue já é um atestado de óbito! Não regue diariamente a expectativa de morte, antecipando-a aos dias de vida que Deus lhe deu! Ele não nos revela a hora da morte, justamente porque nós gastaríamos toda a mente preocupados em detê-la. A morte virá quer queiramos ou não! A senhora vai morrer! Eu vou morrer, todos morreremos, exceto a geração do arrebatamento, mas isso não nos compete decifrar, apenas esperar! Não precisamos convidar a morte para dentro de casa, agonizando cada minuto na expectativa de sua chegada! Jesus disse que veio trazer-nos vida abundante e não morte dilacerante! Cada minuto gasto a pensar na chegada da morte é um pedaço de vida que se vai! Além disso, ao invés de tornar a vida alegre, torna-a insuportável, tanto para si quanto para o seu esposo e todos que estão ao seu redor! Viva! Não tente enganar-se, dizendo que conseguirá detê-la, mas não procure-a dia após dia! Este é o dia que o Senhor nos deu e devemos nos alegrar intensamente com ele! Um bom café, um bom almoço, um teto acolhedor, uma cama quente e uma família, bênçãos a desfrutar em vida. Não temamos a morte, porque em Cristo estamos salvos. Mas não a cultivemos, pois estragaremos a vida que já temos! Quando ela vier, virá e pronto. Ela não nos vencerá, apenas temporariamente nos tombará; estaremos com Cristo, no Paraíso e depois ressuscitaremos incorruptíveis! - E o último conselho é: PLANEJE A SUA VIDA! A senhora perde todo o seu tempo em coisas que não pode mudar! A sua preocupação intensa muda algo na decisão de seus filhos? Não! A sua luta intensa para determinar se já está morrendo vai dar-lhe imortalidade? Não! Porém, não sobra tempo para viver! E o tempo que tem é perdido nesse cícrulo de amargura! Irmã, o seu esposo é vivo, está ao seu lado, vocês não trabalham numa empresa, têm agenda livre, sejam criativos! A senhora já viu a quantidade imensa de gente que é obrigada a aposentar e morre pouco tempo depois? São pessoas que se sentiram inúteis, que perderam a referência de propósitos e não encontram mais nada. E para quê viver assim? Planeje a felicidade! A felicidade não custa caro. Além da vida na igreja, prioridade para nós, gastem uma noite na semana numa padaria a comer sopas no inverno, tomarem sorvetes no verão, visitem um shopping, um parque, andem de mãos dadas na praça. Visitem amigos, realizem um culto doméstico diferente, passeiem de carro pela estrada. Mensalmente programem-se para um bom restaurante, assistam uma orquestra, uma sinfonia, façam um passeio mais longo, gastem uma noite num hotel. E planejem algo a longo prazo: a mudança da mobília, uma 69


viagem ao exterior ou um roteiro nas montanhas, uma semana de atuação num asilo ou orfanato, tudo com tranquilidade. Sem planejamento nós somos como os dutos de água que arrebentam na cidade: tanta água desperdiçada; nós temos tanto tempo, mas tudo se escoa pelo ralo, sem proveito algum, porque desperdiçamos em futilidades. O pastor viu lágrimas nos olhos da irmã Gerusa. Orou com ela e com o esposo. E jantou com eles, um peixe delicioso. No rosto do Irmão Teotónio uma esperança, a de que a esposa melhorasse. No rosto da irmã Gerusa um rubor de quem estava sentindo a esperança brotar. E, após tão abençoada refeição, o pastor partiu para casa. Quantas Gerusas me leem neste momento! Quantas são jovens, são mães, ou até homens, são pais, ou são pessoas que não têm ninguém! São pessoas que vivem do passado que foi sempre melhor, que almejam um futuro inatingível, leitores que sofrem com as más decisões das pessoas que lhes são caras e que nunca experimentam uma paz duradoura ou uma alegria imorredoura! Está na hora de mudar essa realidade! Não viva a vida alheia; viva a sua vida e deixe que os outros tomem as suas decisões! Ore intensamente por elas, mas seja responsável pelas suas decisões! Não misture-se nos problemas dos outros; se um médico sofresse as dores com o paciente ou com ele se desesperasse, jamais poderia tratar a doença. É preciso encontrar forças no Senhor! Se o aluno preocupar-se em fazer a lição do outro deixará a sua em branco e tornarse-á réprobo. Deus deu uma vida para que respondamos por ela. Façamolo com atenção e deixemos as pessoas queridas bem orientadas e sempre apresentadas a Deus em oração. Mas vivamos a nossa vida com responsabilidade, como mordomos do fôlego que é de Deus e a quem devolveremos no final. Não antecipe a morte! Não cultive a sepultura antecipada! Há gente sofrendo muito mais e com muito maior vontade de viver! Vá ao hospital do câncer infantil e veja como aquelas crianças vivem cada dia como uma dádiva! Veja uma mãe de filho prematuro o quanto celebra uma tarde a mais, até que consiga tê-lo em seus braços! Pare de reclamar ou de medir de forma doentia seus múltiplos exames, para verificar se a morte já chegou. Quem se ocupa diuturnamente de doenças morre por antecipação. Viva a vida! Não reclame das limitações, bendiga pelo que ainda tem e recebeu! Este escritor vive desenganado pelos médicos desde 1982, quando foi diagnosticado com falha cardíaca letal e continua vivo! Além disso, neste tempo-bônus já ganhou uma maravilhosa esposa 70


aos 45 anos e uma filha lindíssima aos 50! Ele poderia viver deitado, aguardando a morte. Mas está vivo e agradece ao Senhor pelo dom da vida! Ele irá morrer. Quando? Quando o Senhor permitir. Mas vai aproveitar o bilhete até o último segundo, enquanto o grande parque da vida funcionar! Planeje os seus dias! Quanto tempo perdemos na frente de uma televisão, contemplando a vida dos outros! Isto é o que o Diabo deseja, tornar-nos expectadores da vida alheia. Enquanto isso, detidos na inatividade e na contemplação, não vivemos a nossa vida. Vivemos a colecionar restos de passado, quando ainda tínhamos fagulhas de felicidade. Tudo que é bom está no passado: "quando eu era jovem", "quando eu tinha saúde", "quando eu estava na minha casa", "quando eu trabalhava lá". Se planejarmos a nossa vida poderemos alterar o tempo verbal para o presente e para o futuro! Planejemo-nos para uma semana, para um mês, para um trimestre! Assim como quem cozinha mistura os ingredientes para fazer uma comida apetitosa, distribuamos em nossas semanas, meses e trimestres de tudo um pouco, desde que lícito e do agrado do Senhor: culto, devoção pessoal, visitas familiares, passeios, exercícios físicos, sessões culturais, leituras boas, telefonemas para os amigos, ajuda ao próximo, missões, diversão, passeios. Um planejamento mostra-se mais barato que uma vida sem rumo ou prumo; viver sem planejamento sai mais caro pelas surpresas decorrentes da ansiedade e do medo da morte. Vale a pena planejar-se! Para fins de informação, o pastor de nossa estória espera encontrar a irmã Gerusa no mês que vem. E quer vê-la bem melhor, menos tensa, menos ansiosa, e mais disposta e feliz. Afinal, quem já tem Jesus como Salvador pode ter vida, e vida com abundância! Obs.: Baseado num fato real.

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DOUTOR TRÊS HORAS Era sábado pela manhã e as linhas telefônicas nas casas dos formandos estavam congestionadas. Meninas com salão de estética e beleza marcados, rapazes nadando logo de manhã pra evitar o "stress", a companhia responsável pela formatura e baile acertando os últimos detalhes no auditório da Universidade e no Salão Nobre. Todos estavam ansiosos, preocupados, assustados, cheios de expectativas. Carros iam e vinham da portaria das faculdades. O pessoal da decoração dava os últimos toques na arrumação da mesa do Corpo Docente, a empresa de som ligava cabos enormes em todos os pontos do auditório, a iluminação colocava as últimas lâmpadas que faltavam, a floricultura acertava os corredores por onde as moças e os rapazes iriam descer e o outro por onde iriam subir. As camareiras davam os últimos retoques nas lindas togas de formatura, os fotógrafos montavam o estúdio móvel na porta do Salão Nobre, a cantina precavia-se de muitos salgadinhos e refrigerantes, enfim, tudo corria contra o tempo, contra o relógio. Três da tarde. A cerimônia iria começar às 4h, impreterivelmente. O Prof. Dr. Astrogésilo Pessoa Couto, grande celebridade e Reitor da Universidade, não se dava ao luxo de começar um minuto atrasado. Diziase que acertava o seu relógio pelo Big-Ben de Londres, até que inventaram o tal "relógio atômico", que ele fez questão de instalar no seu computador. Assim, acontecesse o que acontecesse, às 4 horas a cerimônia iria começar. Muita gente rica chegando. O estacionamento da faculdade mais parecia um desfile de moda e revenda de automóveis importados: BMW, HONDA, DAEWOO, AUDI etc. Até FERRARI e JAGUAR apareceram! Madames muito bem vestidas estavam presentes. Havia gente da TV, cujos filhos estariam se formando. Mas tinha também um bom grupo de gente simples, humilde, lutadora, que também tinha filhos se formando ali. Seus trajes demonstravam que haviam alugado no "Black Tie" mais próximo do bairro. Não tinham familiaridade com a roupa, com os saltos, com as gravatas, com os colares. Até ficavam um tanto desconcertadas, pois queriam fazer bonito e não envergonhar os filhos. Quatro horas. Como já dissemos, a empresa responsável pela cerimônia deu início ao evento. 72


Algo em torno de 700 pessoas presentes. Também, pudera: 89 formandos, 35 em Letras, 12 em Pedagogia, 30 em Direito e 12 em Engenharia de Informática. Uma grande festa. Lugares contados, reservados para duas ou três pessoas de cada formando, e o restante disputado palmo a palmo pelos presentes do lado de fora ou em pé nos arredores. Havia um telão para que todos acompanhassem do lado de fora. Primeiramente a entrada do Reitor. Palmas efusivas. Então a mesa diretora e, por fim, o corpo docente, palmas afetuosas. Apresentação das funções de cada um e tudo o que, de praxe, se costuma fazer numa cerimônia de formatura e colação de grau. Cantaram o Hino Nacional Brasileiro com o tradicional CD da Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo, gravação épica e universal para o Brasil. As palavras do Paraninfo, do Patrono da Turma, enfim, tudo o que se costuma haver nessas páginas indeléveis na vida de quem se forma. No momento da entrada, as torcidas no meio do auditório. Alguns estavam organizados, com línguas-de-sogra e cornetinhas (reprimidas pelo Reitor tão logo descobrira). Outros, mais discretos, levaram faixas, onde se lia: "SONINHA, VALEU O ESFORÇO - PARABÉNS, DOS SEUS PAIS QUE LHE AMAM"; "AÍ, MARCÃO, VALEU, SEU BABACA! SEUS AMIGOS"; "CARLINHOS, PARABÉNS! TE AMO! SUA NOIVA". Cada um se emocionava do seu jeito. Umas garotas choravam. Outras coravam. Os rapazes erguiam as mãos como se fosse um gol do seu time. Outros faziam o "V" da vitória, e um a um foram chegando com suas togas bem alinhadas e majestosas. Chegada a hora de passar a palavra ao orador das turmas (combinaram ter um só orador, pelo tempo despendido na cerimônia e pela proximidade do horário do baile, que se seguiria dentro de uma hora), o Julinho, ou melhor, Dr. Júlio Lacerda Loyola Anastácio (nome de advogado desde nascença), foi aclamado, quase levado nos braços dos formandos, que estavam do lado direito do auditório, que tinha formato de teatro. Sua prédica havia sido impressa para todos acompanharem. Os formandos sugeriram o que o Julinho teria que falar. Estava tudo previamente combinado. "Ilustríssimo Senhor Doutor Professor Astrogésilo Pessoa Couto, digníssimo Reitor de nossa egrégia Universidade, Senhor Professor Carlos Marques Lara, digníssimo pró-reitor da área de humanas, etc.... etc..." Num outro trecho as tradicionais palavras: "Foram árduas as 73


nossas batalhas: cansados do labor diurno, cá chegávamos, com fome, tanto do pão quanto do saber, e éramos fartos pelos nossos valorosos Mestres, que tudo davam de si... etc.". Tudo ia muito bem. Até que Julinho se engasgou, ao dizer uma palavra que estava além do texto: "Agora, Senhor Reitor e senhores formandos, preciso dizer algo pessoal..." Os formandos gelaram. - "Ele vai fazer besteira". - "Julinho, cala a boca, termina logo". - "Ih, cara, sujou. Ele vai embolar tudo". - "Sabia que no final ele iria melar". Mesmo conhecendo a cara de desaprovação da turma, Julinho continuou, branco, pálido, engasgado, mas firme, dizendo: - "Senhor Reitor, Corpo Docente, Formandos, Familiares e Amigos: Preciso confessar algo, para fazer justiça e, ao mesmo tempo, reconhecer o que é certo. Todas as coisas aqui foram muito importantes: aulas, colegas, materiais didáticos, a seriedade de nossa secular instituição, tudo. Mas há algo que está faltando no meu texto, e não lerei o que vou dizer, porque o que tenho pra falar vem das letras escritas a ferro, dentro da minha alma. Devo este dia inesquecível e histórico às 3 da manhã de cada dia desses 5 anos. - "Três da manhã?", pensaram os formandos. "Esse cara bebeu. Ah, Julinho, para de enrolar e desce logo... Ah, se te pego na saída..." - "Nunca desfrutei de amizade com o meu pai. Na verdade sempre o desprezei. Tanto é assim que ele não está aqui, entre os meus convidados, porque não pode se locomover e eu não fiz o menor esforço para trazê-lo. Aqui estão minha mãe e irmã, mas não meu pai. E ele é responsável pelas três da manhã. Durante 5 anos eu acordei várias vezes no meio da madrugada, e, não raras vezes, às 3h da manhã. Meu pai, que empregou quase todo o seu parco salário no meu curso, mesmo sendo por mim ignorado, entrava no meu quarto, com hercúleo esforço, às vezes caía, mas sempre levantava, e orava a Deus. Sim, ele me apresentava a Deus. Tenho marcas no meu cobertor que não foram feitas por doces ou refrescos que derrubei, nem pontas de cigarro que deixei acesas na minha cama. São as lágrimas do meu pai, que pedia a Deus para fazer-me feliz, fazer-me íntegro, para guardar-me de acidentes, para proteger-me de bandidos, para abrir o meu entendimento na compreensão das matérias, para abrir-me oportunidades de trabalho na área. Ele chorava, pedia, dizia a Deus para que tocasse no meu coração e fizesse de mim um homem e um cristão. Mas, Senhor Reitor, não foi isso 74


o que mais me tocou. O que marcou a minha vida, e é a razão desta homenagem, era a frase com a qual ele sempre se emocionava e chorava copiosamente junto a mim. Ele dizia: 'Deus, como eu amo ao meu filho, fruto de mim mesmo! Deus, como eu o admiro! Deus, como eu o quero bem! Deus, faça o que quiser comigo, mas abençoe o meu filho, porque, depois de Ti, ele é a razão do meu viver! E dá-me o privilégio de que um dia ele me ouça, que ele me ame também!' Júlio chorava. O Reitor tossia, para disfarçar a emoção, os formandos estavam com a cabeça baixa, pois sabiam que o Júlio tinha feito a coisa certa e estavam envergonhados de terem desaprovado sua atitude no início. O auditório se derretia. E, num ápice de dor e amor, Júlio gritou: - "Meu pai, como eu queria te dizer EU TE AMO!" De repente a porta do corredor central se abre subitamente, e uma cadeira de rodas entra, guiada por uma enfermeira, e o pai de Júlio entra, magrinho, cabelos grisalhos, rosto cansado, voz baixa, mas grita com toda a força do seu ser: - "Eu sei que você me ama, filho! EU SEMPRE TE AMEI! Seja feliz, meu filho, seja feliz!!!" Júlio quebra o protocolo e sai correndo da tribuna corredor adentro e vai abraçar o seu pai, chorando no seu ombro copiosa e demoradamente. Todos, unanimemente, chorando e gritando "BRAVO! BRAVO!", aplaudiam longamente a cena fantástica e novelesca que ora se fazia viver no mundo real! Foram 5 minutos, os cinco minutos mais importantes já vividos naquela universidade! Chamado novamente à tribuna, recebeu o seu grau e diploma. Então gritou: - "PAI, ISSO É POR VOCÊ! TE AMO!" O pai sorriu, mas já não tinha forças para falar. No seu coração ele via galardoado todo o seu esforço, o salário minguado dedicado à faculdade do rapaz, e, principalmente, às três horas de toda madrugada. Ele estava feliz. Podia morrer tranquilo. Mas, morrer, já? Ele não tinha planos para morrer agora, naquele instante. Queria desfrutar dessa alegria indizível. Deus ainda lhe deu alguns anos, os melhores da vida dos dois, do Dr. Júlio e do seu pai, que se tornaram os melhores amigos. Aliás, Júlio ficou conhecido na comunidade acadêmica como "Doutor Três Horas". "Honra a teu pai e à tua mãe, para que se prolonguem os teus dias, na terra que o Senhor teu Deus te dá." (Ex. 20.12.)

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Que Deus dê aos leitores, que têm pais vivos, a oportunidade de honrálos em vida. Flores no túmulo murcham. Flores no coração desabrocham, PARA SEMPRE!!!

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ELA JÁ IRÁ ATENDER-LHE... Era um anúncio bem grande, na segunda página do jornal. Dizia que a multinacional abrira 1 vaga para executivo e que o teste para o cargo seria na sexta-feira às 6 horas da manhã. Centenas de inscrições foram feitas, mas somente dez foram selecionadas. Às seis horas abriram-se as portas do luxuoso andar da diretoria. Os candidatos foram acolhidos pela secretária que os recebia com um sorridente bom dia e calorosos votos de sucesso. Alguns sorriram para ela, outros sentavam-se sem fazer conta da gentileza. Durante uma hora a sala da diretora não se abriu. Os candidatos conversavam entre si, contando sobre suas carreiras, suas experiências, suas peripécias. Havia rapazes e moças, alguns eram mais maduros, mas todos sabiam que somente um ganharia. Às sete horas um telefonema notificou a secretária e esta encaminhou o primeiro para a entrevista. Os demais, quando viram a diretora saudaramna efusivamente, com galanteios e sorrisos. Ela havia saído da sala para cumprimentar a todos. Entrou com o candidato e fechou a porta. Um dos homens dirigiu-se à secretária, dizendo: - Minha filha, vai demorar muito? Sou um homem ocupado e preciso ser atendido com urgência. - Senhor, eu vou chamar de acordo com as senhas que distribuí. - Escute aqui, moça, disso eu sei. Não sou burro. Você está me chamando de burro? Será que eu não sei o que é uma senha? - De forma alguma, senhor, estou apenas explicando que ... - Não quero prosa com subalternas. Pensei que poderíamos entrar num entendimento. Sentou-se bravo, enquanto outra moça aproximou-se: - Você pode trazer um lanche para nós? - Senhora, tenho que aguardar a copeira chegar, não posso antecipar, ela virá aqui às sete e meia. - Escute, menina, na empresa onde eu trabalhava a secretária limitava-se a atender bem os visitantes. Eu quero que me traga AGORA alguma coisa para comer ou beber! Será que você não presta nem para isso? Não discuta, obedeça! Vermelha, a secretária ficou em silêncio. Uma outra mulher tirou da bolsa um pacote de pães de queijo e uma garrafa com café, dizendo: - Mulher precavida vale por dez! Tem café e pão de queijo pra nós aqui!

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Todos sorriram, levantaram-se e foram pegar o seu quinhão. Um jovem disse: - Tem mais um copinho aí? Vamos servir a secretária. - Pare com isso - disse um senhor -, ela é da casa e vai esperar a copeira, isso aqui não é pra alimentar o proletariado! Risos gerais. E assim a manhã passou. O primeiro candidato entrevistado saiu da sala da diretora e todos sorriam. Chamou o próximo, entrou e logo em seguida fechou-se com ele. Por ter passado mais de uma hora foram à mesa da secretária: - Funcionária, vai demorar muito? - Senhor, eu não sei, depende da diretora e do tempo que irá gastar com o próximo candidato! - Escute aqui, secretária - disse outra - trate de ligar para ela e dizer que nós temos mais o que fazer! Que ela nos atenda logo! - Eu não posso fazer isso, perdoe-me! - Ah, se eu trabalhar aqui, você estará com os dias contados, secretária ineficiente! Após meia hora, o outro candidato saiu. E então a diretora foi até a mesa da secretária, sorrindo. Sentou-se na cadeira da funcionária. A secretária foi até a porta do gabinete da diretora e falou: - Senhores, podem se retirar. O processo terminou. - Como? Por que? Não fomos entrevistados ainda! - Nem precisarão - disse a secretária, sorrindo. - Como não? O jornal dizia que todos seríamos avaliados pela diretora! protestaram quase em uníssono. - E vocês foram! EU SOU A DIRETORA-PRESIDENTE DA EMPRESA, além de proprietária - disse, calmamente. Todos ficaram perplexos. - Troquei de lugar com a minha recepcionista, pois queria saber como eram os senhores fora das minhas vistas. Eu queria conhecer como tratariam os subalternos, como enfrentariam os atrasos, como reagiriam às necessidades dos colegas, como encarariam o relacionamento humano. Os que entraram e conversaram com a falsa diretora já eram meus funcionários. A maneira com que me trataram enquanto fingia ser a secretária definiu quem vocês seriam em minha empresa e eu estou convicta de que nenhum de vocês serve para trabalhar comigo. Podem retirar-se e passar bem! - Se eu soubesse que a senhora era a presidente... - Se eu desconfiasse que era alguém tão importante ... - Ninguém nos avisou dessa brincadeira, dê-nos nova chance! 78


- Quer um pão de queijo? Ainda tem um... Que retrato vívido da vida cristã! O Senhor Jesus Cristo nos anunciou que faria a mesma coisa, simbólica e espiritualmente. Colocar-se-ia no lugar de outros para avaliar o nosso comportamento. Estaria no lugar daquele que tivesse fome, que tivesse sede, que estivesse nu, que se encontrasse enfermo, que estivesse aprisionado, e avaliaria o nosso comportamento para com as necessidades dos outros. Chegou mesmo a contar a parábola do bom samaritano (título não original numa história que retratava Ele mesmo), onde enaltecia a atitude de amar ao próximo, fosse ele quem fosse, até mesmo um rejeitado! Em sã consciência nenhum de nós teria essa qualificação. Somos todos egoístas, pecadores, buscando o proveito próprio e trabalhando para que nos vejam e celebrem a nossa bondade. As nossas motivações são e sempre serão egoístas, pecaminosas, de fundo interesseiro e sem a autêntica piedade que Deus gostaria que tivéssemos. Um doente, um pobre, um prisioneiro, um solitário, os pais, os filhos, os amigos, uma pequenina igreja, não receberão de nós uma atenção despretensiosa, pois, no máximo, o faremos para trocar boas obras por bênçãos divinas ou suprir o outro para que no futuro nos supra de alguma forma. Isso vale para todos, pois somos, indistintamente, pecadores. Se fôssemos os candidatos daquela sala, estaríamos desqualificados. Acontece que a sala é a vida e a secretária são os que estão ao nosso redor. É necessário passarmos por uma transformação em Cristo. Trocar o coração de pedra e receber dEle um coração de carne. É preciso mudar o império do coração, tirando o EU que domina segundo as suas necessidades e colocando CRISTO, que nos conduzirá a servi-Lo fielmente, servindo ao próximo, que, como Ele mesmo disse, ocuparia o Seu lugar em sua visão de nossa prática. Assim, ao servir o outro, imbuídos de um novo coração, uma nova mente e um espírito renascido em Cristo, estaremos fazendo para o próprio Deus, sem esperar recompensas, apenas porque fomos capacitados a amar como Jesus nos amou, a doar como Jesus doou, a viver como Jesus viveu. Não serviremos para obter a salvação; serviremos por já termos sido salvos pela graça de Deus. Faremos tudo por intenso amor e gratidão. "Pois, pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, às quais Deus preparou para que andássemos nelas" (Efésios 2.8-10) Não podemos nos qualificar por conta própria; já estamos reprovados. Mas se pedirmos ao Senhor para mudar o nosso coração, entrar em 79


nossa vida e nos transformar em novas criaturas, então conheceremos uma transformação e viveremos como quem serve ao Senhor, fazendo de tudo para agradá-Lo. "Assim que, se alguém está em Cristo, é nova criatura" (2 Co 5.17). AME AO SEU PRÓXIMO DE TODO O SEU CORAÇÃO COM TODA FORÇA E RAZÃO COM TODO O SEU DESEJAR AME AO SEU PRÓXIMO COMO SE FOSSE VOCÊ COMO SE A DOR QUE ELE SENTE FOSSE A QUE SENTE VOCÊ AME AO SEU PRÓXIMO COMO SE FOSSE VOCÊ COMO SE A DOR QUE ELE SENTE DOESSE MAIS EM VOCÊ Guilherme Kerr À propósito, Deus já irá atendê-lo. Pode aguardar um pouco?

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EM NOME DE SATANÁS No alto daquela montanha estava ele. Era um lugar horrendo, repleto de morcegos, de vermes, de umidade. Vegetações imensas, carregadas de vespas e moscas de toda espécie davam um ar tenebroso ao espectro grotesco. Impossível subir ao alto em caminhadas; havia abismos letais por toda parte, com buracos grandes e repletos de podridão e nevoeiro. A água parada apodrecia e faiscava em revoada de mosquitos. Mas ele estava lá, imponente, ereto, no pico do monte. Sabia que o seu tempo estava contado, que o juízo divino em breve o alcançaria. Conhecia o seu destino, mas não queria ir sem realizar um estrago sem precedentes nessa criatura odiosa que rivalizou a sua própria criação: o homem. Ah, este ser, feito como obra-prima do Criador! Era preciso destruí-lo e levá-lo ao Inferno junto consigo, gerando no coração de Deus uma perda irreparável. Era assim que ele pensava. O palco estava montado. Por toda parte seus subalternos preparavam uma entrada triunfal para a sua encarnação humana, o maior embuste que o ser humano enfrentaria. Viria ele como lobo em pele de cordeiro, como benfeitor, mesmo sendo o grande destruidor. Mas, pudera, o ser humano era tão ingênuo, tão crédulo, e possuía duas fraquezas excelentes, suficientes para que sua atuação fosse completa: ambição e vaidade. A raça humana faria qualquer coisa para obter mais, mais e mais, não importasse o custo; e também tudo faria para sentir-se forte, bela, potente, bonita e importante. O cenário erguia-se. Na África semeou as pestes com vírus letais. Como a alimentação e a higiene eram deficientes, a propagação deu-se com facilidade, espalhando-se pelo planeta. No Oriente Médio usou os seus demônios territoriais para ressuscitar os antigos reinos otomanos e mouros, agora com requintes de crueldade moderna, com o uso de bombas e de máquinas. Na Europa trouxe um desdém sem precedentes para com o cristianismo, usando as próprias igrejas e ministros para disseminar o ódio contra Cristo, exibindo o mais baixo nível moral por parte do clero, com pedofilia e luxúria estonteantes. Nos países de terceiro mundo infundiu o zelo fundamentalista islâmico, prometendo um paraíso inexistente e conduzindo os crédulos à morte, mediante o suicídio com bombas, e para isso conduziu as massas de juventude pela internet e redes sociais; rebeldes sem causa encontraram uma causa imaginária para matar e morrer. Além disso, criou em vários lugares a justificativa política para destruir tudo o que era mais sagrado na criação 81


divina: a família, a sexualidade natural, a orientação bíblica e o cultivo da moral e da virtude. A sociedade estava quase pronta. Mas faltava a cartada final. Satanás conseguira criar uma outra igreja, com cara de cristã, mas com mente do Inferno. Os pregadores, conhecidíssimos e empanturrados de ambição e vaidade, cresciam em riquezas, fama, poder político e vaidade de toda espécie. Mas faltava ainda um "gran finale": fazê-los pregar abertamente contra Deus, contra a Lei de Deus e contra a salvação de Deus. Ainda havia alguns que estorvavam a ação completa dos subordinados de Satanás: eram os cristãos legítimos, cujas bocas gritavam contra o engano e cujos joelhos dobravam-se diante de Deus contra toda essa obra. Era preciso dar um golpe final, um autêntico golpe de mestre. E, para tanto, necessário era confundi-los, desmoralizá-los, deixá-los perplexos. Chegara a hora. Satanás gritou com horrenda e potente voz do alto da montanha. Ouvidos humanos não ouviram, mas os animais, os pássaros e a própria natureza escutaram. Em muitos lugares os animais entraram em pânico, para espanto dos seus donos. Em vários lugares terremotos se sucederam, não tão grandes, mas suficientes para deixar perplexos os cientistas. Um furacão formou-se no mar da América Central, com ventos de 250 quilômetros por hora. O grito do Diabo estava agindo. Olhando para os seus súditos, colocados à sua frente como um grande exército, mirou em um deles e disse: VAI! E ele foi, como um raio, como uma flecha, como uma potente onda no éter da atmosfera. Imediatamente entrou num dos grandes pregadores dos cristãos e disse, diante de milhares de pessoas ao vivo, e a milhões pela mídia: -"O primeiro milagre que Jesus realizou foi num casamento em Caná da Galileia, quando transformou a água em vinho. Meu Deus, o primeiro milagre que o Senhor faz não valeu de nada que prestasse! Pra quê? Que benefício o Senhor trouxe? Nenhum! A minha inteligência se nega a aceitar isso! Um desperdício! Nós não aceitamos isso de jeito nenhum! O teu milagre não valeu de nada! Sim ou não, pessoal? Concordam comigo?" E o povo, cego e surdo à razão, sem perceber que um demônio zombador usava aqueles lábios caros e considerados, dizia: "AMÉM, BISPO!" Lá na montanha Satanás olha para outro de seus súditos e diz: VAI! E ele foi. Correu mais veloz que o vento, mais rápido que o som, mais ligeiro que a eletricidade. E entrou num mestre de teologia, muito famoso, muito conhecido. E afirmou com grande ousadia: 82


- "Então você chega no céu pra jantar. Ao tentar sentar-se um anjo impede-o, dizendo: esta cadeira está reservada para Herodes. Você pergunta: mas aquele que matou as criancinhas? O anjo diz: sim! Então você procura outra cadeira, mas o anjo diz: esta também está reservada, e para Hitler. Você, atônito, diz: mas o que matou os milhões de judeus? Ele diz: sim! E você diz: e o pecado de Hitler? E o anjo diz: cidadão, NÃO HÁ MAIS PECADO. E você diz: é o Hitler convertido? O anjo diz: não, é simplesmente Hitler. Você diz: o que houve com o pecado dele? O Anjo diz: veja o que diz Cristo: "TIRA pecado do mundo", isto é, não há mais pecado! Todos estarão no céu, pelo menos o lugar estará lá para todos!" E para completar diz: "boas-novas não é dizer ao homem: você é pecador, está perdido, vai para o inferno, deve entregar-se a Jesus. Isto não é boa-nova. Boa-nova é dizer: você é filho de Deus, você é filho de Deus!" O povo, intelectual, evangélico, de boa condição financeira, admirador do estudioso que isto falava, aclamou esta doutrina como sendo o máximo. Mal sabiam que, de dentro daquele pobre mestre, berrava um demônio enganador e ludibriador dos ingênuos cristãos imaturos! Ainda não satisfeito, Satanás, do alto da montanha, agarra pelo pescoço outro de seus súditos e ordena: VAI! E ele vai, triscando pelas montanhas, vales e mares, até entrar em outro grande expoente da comunidade cristã, até então um dos mais requisitados palestrantes da juventude. Está num retiro e afirma com categoria de mestre: "A volta de Cristo está revelada nas Escrituras não pra gente esperar que ele retorne, mas para nos mobilizar na linha do que isto significa, isto é, algo que arrume o mundo, não que vá acontecer, mas que me serve de horizonte utópico, um alvo que nunca chegará mas que me inspira a melhorar. É jogar a pedra e sair correndo atrás". Perplexos, mas confiando que esse mestre sabia do que falava, o povo então decidiu não esperar mais pela volta de Cristo. E lá do alto da montanha Satanás sorria maliciosamente, babando de ódio e de malícia, enquanto contemplava as multidões a seguir seus festejados mestres. Seu sorriso, entretanto, turbou-se, quando um grupo pequenino de crentes indobráveis, que ainda mantinham a sua fé, que não recebiam a marca da Besta em suas mentes e corações, gritava com todas as forças, mesmo que quase ignorados pelo cristianismo em geral: "Irmãos, não creiam nesses mestres! Lembrem-se do que diz a Bíblia:

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Mas o Espírito expressamente diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios; (1Tm 4:1) E mais: Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores. (Mt 7:15) E ainda: Porque se levantarão falsos cristos, e falsos profetas, e farão sinais e prodígios, para enganarem, se for possível, até os escolhidos. (Mc 13:22) Não creiam neles, irmãos! À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, é porque não há luz neles. (Is 8:20) Eis que eu vo-lo tenho predito. (Mt 24:25)" Irritado, Satanás percebia que não conseguia sucesso completo e unânime. Era necessário matar aos fiéis que não se rendiam às suas doutrinas. Então planejou e marcou a execução.... Ai dos que habitam na terra e no mar; porque o diabo desceu a vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo. (Ap 12:12) ... Esta HISTÓRIA não terminou ainda... (o seu fim, porém, conhecemos: Cristo voltará, derrotará Satanás e o lançará no lago de fogo e enxofre. Então julgará todos os homens e viverá com os fiéis e remidos na Nova Jerusalém por toda a eternidade. Bendito seja Deus!)

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ENCONTRO SECRETO DE UM PASTOR Crônica urbana de um ministro religioso

Um pastor escreveu, em seu diário, o seguinte texto, retratando um encontro secreto que manteve numa tarde de primavera: "Eu precisava daquele encontro. Era fundamental. Não era possível adiálo, sob pena de manter e aumentar a tormenta. Cancelei os compromissos da agenda, desliguei o telefone celular, fechei o computador e saí com o meu carro. O trânsito estava pesado. O sol ainda brilhava forte no horizonte e a noite custaria umas três horas para chegar. Assim, conseguiria o meu encontro sob a luz do sol. Cheguei ao pé do parque. Estacionei o carro e calcei o tênis. Peguei a minha bíblia e coloquei-a na mochila. O cantil estava amarrado na cintura e uma toalha envolvia o meu pescoço. Até o topo do monte levaria uns vinte minutos e a caminhada seria bem cansativa. Coloquei-me a subir. O caminho era bom, bem pedregulhado, ladeado por árvores frondosas e relva verde. Nos galhos das árvores ouvi o canto de diversas espécies de pássaros. Eles sempre estiveram ali sem se importarem com a crise política, a cotação do dólar ou as insatisfações urbanas e a estiagem severa. Um parque protegido, irrigado e com vegetação tão densa tornara-se o melhor habitat para eles. Enquanto subia, pensava na vida. Pensava no ministério pastoral, nas diversas pessoas que buscavam a igreja para ouvir-me, domingo após domingo, quarta após quarta. Pensava nas famílias e nos seus dilemas, nas pessoas e nas suas escolhas. Imaginava o que estariam fazendo naquele momento, com quem estariam falando, o que compartilhavam no facebook ou no whatzapp. Pensei nos relacionamentos juvenis nas faculdades, nas prosas das vizinhas do bairro ou nas conversas dos amigos do trabalho. Seriam todos cristãos realmente ou apenas se disfarçavam para ter onde congregar? Seriam verdadeiros, honestos e reais, ou não passavam de religiosos de fachada? O coração batia forte em meu peito e o suor descia copioso por meus cabelos, rosto e peito. A toalha servia para limpar os olhos e a boca. A água serviu-me de lenitivo para a longa subida. Percebi que não estava em forma, que precisava continuar a caminhar. Pensei na vida sedentária que assumira. Quão diferente haviam sido os dias antigos, quando caminhar fazia parte do meu menu de atividades diárias! Mas também a numeração cronológica de minha idade não era avançada como hoje. O tempo amadurece mas cobra uma fatura cara. 85


Agora eu enxergava o topo. E a subida tornava-se mais íngreme. Talvez uma ponta de arrependimento aparecesse ali devido ao cansaço da caminhada, mas o motivo que me levava àquele local era mais precioso e importante. Ofegante e cansado, olhava para o topo, ganhando coragem, motivação e força. Talvez tenha sido isso que me fez continuar o ministério pastoral. Tantas vicissitudes, tantas dificuldades, tantas lutas e decepções, mas o topo era o meu ideal. Sim, o topo! E como o topo mudou de perfil nos últimos anos! Sim, quando comecei o ministério o topo seria pregar como Josué Nunes de Lima ou Timofei Diacov. Imitar seus trejeitos e maneiras de falar logo mostraram-se um desastre. Aprendi que Deus criou um Josué, um Timofei e um Wagner e não nos criou em série, mas com particularidades e identidades diferentes. Tive que entender que Ele me amava como eu era e que deveria ter o meu próprio estilo. Foi difícil encontrá-lo num mar de imitações baratas! Enfim, descobri-me no meio das fantasias. Eu era autêntico finalmente. Então o topo passou a ser o sucesso na igreja: um grande rebanho de irmãos, um grande poderio financeiro, um grande grupo de pastores associados, um nome bem grande pendurado na placa da igreja. Que desastre! Cheguei a ver o crescimento do trabalho numa base acima de 100% em um ano e meio, mas vi brotar nessa lavoura toda sorte de ervas daninhas e enfim perdi tudo, deixando o trabalho pior do que havia começado! Foi difícil entender que o sucesso não está no progresso numérico, financeiro ou de popularidade, mas em ter fidelidade, estabilidade e ser conhecido no Céu. Descobri que pessoas tornam-se grandes amigas do cargo promissor que assumimos, mas não estão nem aí para nós, que os ocupamos. Aprendi que somos descartáveis. Então entendi que o topo que precisava atingir era o coração de Deus, tornando-me como Daniel, um "homem mui desejado, estimado, amado" pelo Céu. Isto sim faria toda a diferença. Porque, se para os homens somos descartáveis, para Deus não! Cheguei, enfim, ao topo. Não havia ninguém, só as várias árvores e a vista espetacular de uma grande parte da cidade. Os três bancos colocados pelo parque para os corajosos caminhantes estavam vazios, do jeito que eu gostaria de encontrar. Vi os aviões sobrevoarem minha cabeça, passando perto, aprumando a rota de descida para o aeroporto. Ouvi o burburinho dos carros lá embaixo, como que tão distantes, quase que em outra dimensão. Ali o vento, os pássaros, as nuvens e a relva faziam-me companhia. Lavei o rosto na torneira d'água, enxuguei-o com cuidado, tirei o tênis, peguei a minha bíblia, abri-a no meu texto preferido ("Eu sei que verei a 86


bondade do Senhor na terra dos viventes"), e dobrei os meus joelhos. Eu fora ali para orar. Não, não fora "orar no monte", fora orar "num lugar quieto, a sós com Deus". Por incrível que pareça é extremamente difícil encontrar locais assim em casa, na rua, e, não raras vezes, na própria igreja. No meu caso, o ruído dos pedreiros a trabalharem na construção impedem qualquer momento reflexivo ou encontro privado de qualidade com o Criador. E, não raras vezes, locais muito comuns afastam o coração do verdadeiro motivo do encontro. Como não encontrei um vale disponível, escolhi esse parque público. E então pude fazer o que deveria ter feito há muito tempo: dobrei os meus joelhos e chorei. Ah, como chorei! Chorei gostosa e sofregamente aos pés do Senhor, que não estava no monte, mas no meu coração. Aliás, imanente como é, está em todos os lugares. Mas ali, especialmente, era o meu Moriá, o meu Sinai, o meu Jardim das Oliveiras, o meu Jaboque! Eu precisava disso! Eu precisava sentir-me criança no colo do Pai, menino abraçado com o seu progenitor, o servo prostrado aos pés do seu Senhor. Lágrimas que caíam quentes na grama verde, num misto de dor, alegria, saudade, tristeza, desespero e calma, um verdadeiro turbilhão de emoções! Passei a falar com o Pai, orando com a mente e com o coração, não só com a emoção. Um Pai Pessoal como Deus mantém com os Seus uma comunhão pessoal inteligente e racional, por isso nós o amamos mais e mais! Ele nos entende! Ele nos acolhe! Ele nos lê! Ele nos sente! Eu sei que Ele estava o tempo todo disponível em qualquer lugar. Eu é que não estava disponível com completo quebrantamento. Eu precisava de silêncio, não apenas o exterior, mas principalmente o silêncio interior! Nesta hora que passei diante dEle fui tratado na alma simbolicamente com um bálsamo curador vindo do próprio Céu! Havia ofensores que me magoaram profundamente, de forma maligna, grosseira e sem piedade. O meu coração estava cheio de ressentimento e amargura. Lembrei-me de que precisava perdoá-los, ainda que eles nunca se arrependessem. Foi isso que o Mestre ensinou-me na cruz ao perdoar os seus algozes. Muitos problemas na igreja careciam de solução e eu sentia o peso de cada um como um impotente sugeridor, nada mais do que isso. Como curar uma enfermidade, dar um emprego, reconciliar um casal, disciplinar um pecador escondido, alinhar um filho rebelde? Naquele momento, diante do Todo-Poderoso senti como que uma confiança profunda no Deus que tudo pode, no Senhor em quem nada é impossível, e a convicção completa de que Ele é soberano, de que nenhum fio de cabelo cai de nossas cabeças sem Sua permissão e que para tudo há um propósito. 87


Pensei na minha falta de dinheiro para quitar os débitos, pagar as contas, trazer o suprimento para as contas da igreja, realizar os desafios propostos, e a completa incapacidade de conseguir as verbas. Então senti o arrepio completo em meu corpo, lembrando-me de que Ele é quem veste o lírio do campo e supre as aves do Céu, e de que é capaz de fazer o maná matar a fome e suficiente para dar o pão de cada dia, bastando, de minha parte, confiar em Seu amor. Por fim, pensei no futuro. Cabelos embranquecendo, pele enrugando, pernas falhando, o coração apresentando deficiências, e lembrei do túmulo. Foi como um presente receber na alma o refresco das promessas da vida eterna, da gloriosa ressurreição, das moradas na Casa do Pai e do reencontro com aqueles que se foram e que deixaram enormes saudades. Senti que as minhas raízes na Terra estavam grandes demais, e pedi ao Senhor para tornar-me um homem com raízes aéreas, cujos nutrientes não vêm deste mundo e nem do que no mundo há, mas da glória que há de ser viver no Reino de nosso Pai! Exultei e chorei, agradeci e intercedi. Lancei sobre os pés do Senhor cada um dos meus amigos, e também dos inimigos, pois sem desejar-lhes o bem eu não poderia ser cristão. Orei e agradeci. Depois desse encontro, remocei e me renovei. Vi, debaixo de uma moita, uma linda rosa desabrochando. Fui até lá e a colhi, apertando-a nas páginas brancas de minha bíblia. Depois de desidratada com o tempo, será um lindo enfeite e uma linda lembrança do meu encontro secreto com o Senhor. Quando desci, quase ao anoitecer, estava leve. Sentia que o meu fardo ficara para trás. Não no monte, mas nos pés do Senhor. Não no pico da montanha, mas no altar do meu coração. Obrigado, Senhor, pelo encontro." Bem, pode ser que esse encontro tenha sido apenas literatura edificativa. Mas, que tal se o fizesse real para você? A mim inspirou. Pastores, leigos, obreiros, ministros, não importa. Cristãos. O monte está lá, na mente e no coração, podendo ser até o local onde esse texto está sendo lido. Que tal?

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ERA UMA VEZ PAULO, OU QUEM QUER QUE FOSSE... Consolai, Consolai o meu povo, diz o vosso Deus! (Isaías 40.1)

Eram duas da tarde e Paulo aguardava com expectativa a chegada do motoboy. Afinal, estavam prontos os convites para o seu casamento. Sítio alugado, serviço de "bufê", igreja grande, enfim, tudo. Agora era iniciar as visitas na casa de amigos e parentes. Como ele desejou esse dia! Na mesa o retrato de Angélica, ao seu lado, em trajes de banho, fazendo pose de apaixonada, na Ilha Bela, litoral paulista, em frente de São Sebastião. Que lindo! Mas Paulo estava preocupado. Já era sexta-feira e ele só falara com Angélica na segunda à noite, e, ainda assim muito rapidamente. Ele tinha a impressão de que algo estava acontecendo. Chega o motoboy e Paulo recebe os pacotes. "Ah, tá'qui a minha felicidade. Ei, rapaz, leve um pra você, faço questão que você vá ao casamento". O rapaz agradeceu, recebeu o cheque da entrega e foi embora. Lá no corredor o diretor da empresa chega com um executivo e entra na sala de reuniões, mas Paulo está tão feliz que só tem olhos para a janela e para suas lembranças do futuro... Toca o ramal. "Seu Paulo, Dna. Angélica na linha 2". Todo feliz, Paulo diz: - "Olá, amor! Que bom que você ligou! Chegaram os nossos convites! Ficaram lindos, do jeito que você queria! Passo aí hoje à noite pra você ver?" Angélica, gaguejando um pouco, voz um pouco rouca, de quem chorara, diz, em tom sentido, mas firme: - "Querido, é sobre isso que eu gostaria de falar. Queria lhe falar pessoalmente, mas vai ficar difícil, você sofreria muito mais. Sabe o Ferreira Júnior, aquele que namorou comigo faz uns três anos? Pois é, bem, eu o reencontrei num culto lá da igreja da minha mãe, a gente se falou, ele me convidou para tomar um suco, a gente conversou, se gostou de novo, e acho que pintou um clima. Eu lamento, amor, mas não posso enganar você: eu fiquei com ele e vou reatar meu namoro. Perdão, querido, perdão! Não fica triste, você vai achar a sua cara metade. Te amo também, mas vou tentar o Júnior. Tchau." Desligou antes que o Paulo pudesse dizer qualquer coisa.

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O computador estava ligado, a figura do convite na tela, e o Paulo tremia, segurando-se na escrivaninha. Lágrimas incontidas saiam de seus olhos, e uma interrogação do tamanho do mundo aparecia: "Por que comigo? O que foi que eu fiz?" Lá no corredor a sala de reuniões se abriu e o diretor saiu com o executivo sorrindo, fumando e falando alto. Entrou na sala do Paulo, como quem tem novidades. - "Paulinho, tudo bem? Vim apresentar-lhe o Maurício Dantas, economista e administrador de empresas". - "E aí, Dr. Maurício? Tudo bem? Prazer." O diretor continuou: - "Paulo, você se lembra quando lhe falei de que precisávamos de sangue novo aqui na firma? Pois é, é disso que a nossa organização precisa: garra, ousadia, criatividade! O Maurício veio pra trazer tudo isso. Mas tudo tem um custo, Paulinho. Infelizmente não temos condições de manter dois executivos no mesmo espaço. Passe no departamento pessoal e acerte tudo, pagaremos tudo o que você tiver direito. Valeu, você foi jóia pra nós. Certamente achará emprego fácil". E saiu, rindo e falando alto com o Maurício, que olhou para o Paulo com o olhar de quem diz "Sinto muito, cara, eu não sabia que ia dar nisso". Paulo, abobado com o telefonema e o fim do noivado de dois anos, agora recebe demissão! A secretária entra correndo e diz: -" Paulo, pelo amor de Deus, calma! Gente, ele está branco, tá suando e tremendo! Tragam uma água com açúcar, rápido!" Foi uma correria. Paulo tomou a água com açúcar, ficou estático por uma hora, orou um pouco (ele era temente a Deus), mas a sua oração foi: "Senhor, sou humano. Preciso de consolo. Como faço? Não suporto tudo isso!" Passou a mão no telefone e ligou para o Pastor da sua igreja. Ofegante, pediu para a esposa do pastor chamá-lo. "Sinto muito", disse ela, "ele viajou para o interior, para organizar o trabalho de nossa congregação, e o celular está fora de área. Posso ajudar?" Não, ela não podia. Não se sai por aí contando as tragédias para quem não se conhece muito bem, a gente precisa de pessoas íntimas, e o pastor, apesar de ser meio distante, certamente lhe ouviria, e não gostaria que sua esposa se aborrecesse com problemas de membros. Então começou o seu martírio. Ele ia arrumando as coisas e lembrando de alguém: "Sim, Francisco! O 'tio' Francisco aconselha toda a juventude, ele vai me ajudar!" Ligou para o irmão Francisco. Do outro lado da linha o irmão diz: "rapaz, você não está com sorte. Só poderei conversar com você no domingo à noite, após o culto, estou saindo de viagem. Vou orar 90


por você no caminho, certo?" Ah, Paulo, agora sentia-se só, sem um ombro para chorar! Até tentou falar novamente com a "ex" noiva, mas ela insistia para que ele não ligasse mais. Tentou falar com o diretor, mas esse tinha ido embora, "tomar café" com o Maurício, apresentando-o para os vendedores. E agora? "Irmã Joana, não, se eu contar pra ela todo mundo fica sabendo. Irmã Glorinha ... não, ela ia dizer que não tenho fé; irmão Calixto, Deus me livre! Jamais! Ele diria que eu tenho idade para resolver os meus próprios problemas e que sou frouxo. Meu Deus, eu não aguento! Estou sem opção! É mole?" Paulo não achou uma pessoa disponível: "Sinto muito, Paulo, estou saindo para a prova de Química"; "Paulo, ligue depois das onze, é a hora que eu chego da faculdade"; "Paulo, dá pra ser breve, porque estou no trânsito, compromisso inadiável"; "Paulo, agora estou brincando com meus filhos"; "Paulo, depois do jogo, ok? É o coringão e o Flu!"; "Paulo, estou orando, não posso confortar você"... "Meu Deus..." Carregando duas caixas de papelão até o carro, Paulo desabou em lágrimas. Paulo era crente. Mas Paulo era humano também! Ele não estava aguentando o peso das duas caixas, não as de papelão, mas do papelão que fizeram com ele, terminando o noivado bruscamente e demitindo-o do serviço sem a menor piedade. Paulo precisava de um conforto, mas não encontrava. Foi até a lanchonete da esquina, pateticamente chamada "Consolo's Bar". "Pede uma cerveja, Paulo!" Foi o que pensou. Mas, lembrando-se de que não bebia, pediu soda com limão e gelo. Chorava, bebia o refrigerante, pensava em algo, desesperava-se. Imaginava-se na igreja, a bênção do pastor, a assinatura no cartório civil, a viagem de lua-de-mel, os beijos, a maciez dos cabelos de Angélica, e agora os beijos que outro lhe roubava! Pensava em sua mesa de trabalho, sua secretária, seu carro, e agora a fila de seguro-desemprego, a humilhação de ter que começar tudo de novo! "Não, eu não aguento mais isso! Deus, eu vou fazer uma besteira! Chega! Ninguém está aí pra mim! Não tenho um amigo, um irmão, um pastor que me acolha agora! Deus, não deixe que eu faça uma besteira, mas eu vou fazer porque cheguei ao meu limite! Me perdoe! " Eram 22 horas e Paulo estava próximo do Jaguaré, em São Paulo. Ele lembrou-se da Ponte da Cidade Universitária, que liga a USP à Praça Panamericana. Pensou no Rio Pinheiros. Pensou em jogar-se dali. Simularia um roubo, jogar-se-ia no rio, e tudo acabaria em duas ou três matérias de jornais, e pronto. "Não

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aguento mais! Deus, não me deixe fazer besteira! E me perdoe, porque não suporto mais!" E saiu correndo. De fato ninguém estava disponível para o Paulo. Mas Deus amava o Paulo, e, ainda que ninguém olhasse por ele, Deus o amava e estava atento para sua dor. Roberto, um velho amigo, de uma igreja próxima à dele, estava preso no trabalho naquele momento. Ele tinha tentado sair às dezoito, mas o carro estava com problemas e foi necessário chamar a seguradora. "Em dez minutos estaremos aí", chegaram às 15 pras 10... Problema simples, era só trocar o cabo do acelerador. Pronto. Roberto só queria chegar em casa, tomar um banho, jantar com a esposa, beijar os filhos e dormir! Roberto era um bom cristão. Pronto o carro, Roberto foi atravessar a Ponte do Jaguaré (trabalhava nas imediações), mas não se sabe por qual motivo (?) decidiu atravessar a ponte da Cidade Universitária. "Dá na mesma", pensou ele. Ao chegar à curva da ponte, Roberto viu uma cena horrível: um rapaz de pé, em cima do carro, com a camisa rasgada, descalço, pronto para pular o rio." O que é isso, meu Deus?" Acelerou e foi chegando ao meio da ponte. Olhou bem para o carro e pensou: "Não é possível! Será que é o Paulinho? Não, deve ser alguém muito parecido. Peraí: é o Paulinho sim, o farol está quebrado no mesmo lugar! PAULINHO!!!" Gritou pro rapaz e parou imediatamente o carro. "Paulinho, meu garoto, o que você está fazendo? Pelo amor de Deus, não se jogue!" O Paulinho, rosto inchado, lágrimas nos olhos, cabelos desgrenhados, sentou-se no teto do carro e chorou copiosamente por um tempo. Roberto, ao ver o rapaz daquele jeito, orou ao Senhor, dizendo: "Senhor, se os teus anjos me guiaram até aqui pela Tua vontade, permita que eu o salve da morte! O que eu faço, Senhor?" Paulinho chorava. - "Pode chorar, Paulinho. Chore mesmo. Vou ficar aqui com você." Paulo olhou para Roberto, olhos espantados, saiu do teto, já um pouco amassado pelo seus pés, correu para os braços dele, e começou a chorar tudo o que queria ter chorado nos braços de tanta gente próxima a quem procurou, mas que não estavam disponíveis, que não tinham tempo para ele. Aos poucos a ponte foi enchendo de gente, e o guarda de trânsito chegou-se e perguntou: "Precisa de ajuda, cidadão?" Roberto disse: "Sim, policial: afaste todos daqui porque o meu amigo está precisando de mim, só de mim, não de curiosos ou repórteres." O guarda entendeu e manteve o trânsito numa só faixa. Paulo molhava o paletó de Roberto. Chorava como um menino. Chorava como uma criança. Abraçava como 92


um filho ao pai, uma filha à mãe, um desesperado ao salvador, um moribundo ao médico, um carente ao benfeitor. Roberto, depois de quarenta minutos, disse ao ouvido de Paulo: "Vamos lá pra casa, meu filho. Lá você pode chorar mais tranquilo. E depois, se quiser, pode dormir, ou tomar chocolate quente. Eu vou estar com você". Cada um entrou em seu carro e foram embora da ponte. Paulo só queria um ombro. Alguém que o acolhesse. Um colo de mãe e um abraço de pai. Só isso. Mais nada. Não fossem os anjos de Deus e os propósitos eternos do Altíssimo, Paulo estaria morto. Mas havia um Roberto, um simples Roberto que não sabia porque o carro enguiçara, um Roberto que mudara de trajeto de repente, um Roberto que não parou para condenar, para criticar, mas para acolher, para abraçar, para fazer silêncio, para ouvir o choro, para enxugar lágrimas, para estar presente. Quantos Paulos me leem agora! Quantos já precisaram de consolo e não encontraram! E quantos de nós deixaram para consolar amanhã, ou quando fosse possível, e deixaram os Paulos escaparem de seus ombros, talvez para sempre! Que justificativa terão diante de Deus, quando o Senhor perguntar: "Aonde estavas?" Lembremo-nos do que diz a Bíblia: "Consolai, consolai o meu povo!" Somos agentes da consolação! Ainda que tenhamos que ser como o Bom Samaritano, que consolou a alguém que nunca mais iria ver, pagaria as despesas quando voltasse à hospedaria, valerá à pena consolar. Consolando é que somos consolados. Mesmo sem retornos materiais. Mesmo que nunca mais o vejamos. Será que alguém da igreja se lembra do seu número de telefone para desabafar? Será que lhe procuram para conversar? Será que a sua companhia é um refrigério, um privilégio? Será que você é uma opção? Abra o coração. Coloque-se ao dispor dos outros, embale a criança nos braços, acolha o entristecido com um abraço, ganhe a confiança com um olhar meigo e sincero, que não ameaça e nem condena, mas perdoa e compreende! Faça silêncio para que o outro possa desabafar, atire lenços ao invés de pedras. Está na hora de consolar, consolar o povo de Deus! "Oh, Deus, assim como muitos de nós já precisaram de consoladores e não encontraram, outros de nós conhecem bem de perto os "robertos" do caminho. Ajuda-nos a sermos consoladores presentes. E que um olhar nosso, um abraço nosso, um momento gasto com o nosso irmão ou com o nosso próximo possa fazer um grande milagre, o milagre do consolo! Em nome de Jesus. Amém".

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EU PEQUEI... "Pequei. Orem por mim. Pastor José". Imediatamente a igreja entrou em polvorosa. Esta mensagem foi transmitida no facebook, nos e-mails, no SMS dos celulares da membresia e no whatzapp de muita gente. Maria ligou para Joana: "Querida, o que será que aconteceu? Que escândalo! Quem diria, hein? O Pr. José, tão santo!" "Carlos", falou Pedro, "tudo bem? Você viu a última do reverendo? Ele pecou! Sem vergonha! E desfilava como um santarrão com a esposa no corredor da igreja, né? Agora quero ver! A justiça não falha!" "E aí, Broder? Tudo naice? Meu, viu que o pastor pisou no tomate? Sério, meu! Não sei bem o que é, mas não perco o culto de domingo. Quero saber!" "Irmão Justino?", dizia o diácono Anastácio, "precisamos deixar o Corpo Diaconal de sobreaviso, talvez tenhamos que assumir com muita tristeza a direção da igreja; não podemos manter um pastor em pecado". E assim foi o sábado todo. Ninguém ousava ligar para a casa do pastor. Afinal, o que poderiam ouvir da parte dele? Teria sido um adultério? Como estaria a esposa? Ou será que roubara a igreja? Ele sempre reclamava de falta de recursos. Poderia ser alguma outra coisa pior, como homossexualismo, drogas, e ninguém queria dar cordas à conversa. No sábado às 22 horas já havia 2 comunidades no facebook: "O PECADO DO PASTOR" e outra, "NÃO JULGUEM O PECADO ALHEIO", dos que queriam defender o direito do pastor pecar. Chegou, enfim, o domingo. Igreja cheia, vozerio nos corredores. Famílias sussurravam umas às outras. Lá na frente o pastor sentado, em oração. Enfim, tomou a palavra. "Amada igreja, creio que todos querem uma explicação sobre o meu torpedo e mensagem postada ontem para vocês. Dizia eu: PEQUEI. OREM POR MIM. E isto é fato. E aqui quero dizer a todos: não tenho pecado sozinho, tenho cúmplices aqui em nossa igreja!". "Ohhh...", foi um vozerio geral e a prosa irrompeu no meio da assembleia. Uns olhavam para os outros, perguntando-se: "será ela? será ele? foi adultério?" O pastor a tudo olhava, perplexo, mas sabia bem onde queria chegar. Por fim, após o espanto, falou: 94


"Sim, eu pequei. Pequei gravemente contra o Senhor. E os meus cúmplices pecaram comigo. Pequei quando deixei de falar de Jesus aos vizinhos de nossa igreja. Deus nos plantou neste bairro e nós só servimos para atrapalhar o estacionamento nas garagens ou perturbar a vizinhança com o ruído de nossas músicas e de nossas conversas. Pequei quando silenciei sobre a mensagem de salvação. E não pequei sozinho, porque todos aqui fazem parte deste Corpo de Cristo, desta igreja. Deixar de anunciar o evangelho é pecado. "Se eu disser ao ímpio: Ó ímpio, certamente morrerás; e tu não falares, para dissuadir ao ímpio do seu caminho, morrerá esse ímpio na sua iniquidade, porém o seu sangue eu o requererei da tua mão." (Ez 33:8) Pequei quando deixei de me apiedar dos sofredores deste bairro. Há tantos nos leitos em dor e doenças, há tantos enlutados e entristecidos; há tantos pais precisando de ajuda para suportar as tristezas com filhos perdidos em drogas e crimes, e eu nada fiz para ajudá-los, para estender a minha mão para eles. Quantas viúvas há que passam necessidades, desassistidas pelos filhos ou parentes e nós, com tanto pão à mesa, pouco fizemos para dirimir tal sofrimento? "A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações, e guardar-se da corrupção do mundo" (Tg 1:27) Pequei quando deixei de orar pelos irmãos, pelas crianças, pelas famílias e pelos habitantes deste bairro. E não pequei sozinho, porque sei que os irmãos oram muito menos do que eu. Orei mais por mim, mais por minha família, mais por receber de Deus as dádivas que desejei, do que por vocês, meus irmãos em Cristo, que tanto precisam de minhas intercessões; orei pouco pelos vizinhos da igreja e nem sei o nome das pessoas que por aqui residem, nas ruas acima. "E quanto a mim, longe de mim que eu peque contra o SENHOR, deixando de orar por vós; antes vos ensinarei o caminho bom e direito." (1Sm 12:23) Pequei quando imaginei coisas ruins a respeito de vocês, tanto quanto sei que vocês pecaram de ontem para hoje, imaginando mil coisas sobre a minha confissão de pecado pelo facebook, pelos e-mails, torpedos ou qualquer mídia. Muitos pensaram que eu havia adulterado, me desvirtuado moralmente, roubado, feito qualquer coisa que fosse digna de exclusão. Muitos já me crucificaram sem piedade ou dó. Por isso eu digo que vocês também pecaram, pois quando a nossa mente imagina o mal do nosso próximo ou o prejulga sem piedade isso se chama juízo temerário e pode impedir as nossas orações e nos levar à mais dramática condenação! "Não julgueis, para que não sejais julgados." (Mt 7:1);"E 95


disse-lhes: Atendei ao que ides ouvir. Com a medida com que medirdes vos medirão a vós, e ser-vos-á ainda acrescentada a vós que ouvis." (Mc 4:24) Mas não quero pecar mais. Eu quero agradar ao meu Senhor como crente, como pastor e como irmão em Cristo. E convido a cada um a fazer o mesmo aqui, diante de Deus, publicamente. " Enquanto a esposa do pastor tocava o hino TAL QUAL ESTOU, o pastor ajoelhou-se lá na frente. Aos poucos, envergonhados, aproximaram-se os diáconos da igreja. Também os pais de família, os jovens, as senhoras. Por fim, toda a igreja estava ali, ajoelhada, e muitas orações emocionadas foram feitas ao Senhor com verdadeira devoção. Aqueles irmãos, após o culto, postaram em seus facebooks e torpedos: "CONSERTEI-ME DIANTE DO SENHOR" e testemunharam tão grande acontecimento em suas vidas e na vida de sua igreja. Foi inesquecível. Aliás, gostaria de confessar: "eu pequei". Que tal confessar também?

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EU QUERIA MORRER... O pastor chegou à casa do irmão Samuel. Um jovem de 25 anos, solteiro, crente, mas em profunda depressão. Há dois meses a sua noiva o traíra e ele ficara sozinho. Além disto fora diagnosticado com uma doença congênita grave, carecendo de medicação contínua e diária. Tudo isso somado transformara os seus dias em momentos de grande aflição. Confidenciara com algumas pessoas que desejava morrer. Chegou mesmo a dizer que não garantiria a integridade da própria vida, caso pensasse nisso num momento de crise. Ele queria matar-se. - Irmão Samuel, obrigado por receber-me. Tenho orado pelo irmão e lamento muito o ocorrido. Como está passando? - Pastor, eu é que agradeço a sua visita. Sei que o senhor é um homem ocupado e eu não queria tomar o seu tempo. Mas preciso dizer-lhe algo. Vamos ao meu quarto? - Claro, meu irmão. Estou aqui para isso mesmo. Passaram pela cozinha e seguiram pelo corredor. Casa antiga, um banheiro só, o final do corredor dava para o seu quarto. Mesmo morando sozinho Samuel mantinha tudo bem arrumado. Uma tia por parte de mãe era diarista. Os seus pais faleceram num acidente automobilístico há três anos e esta tia veio para ajudá-lo. Sentaram-se na cama. Samuel pôs-se a falar. - Pastor, eu quero morrer. E preciso saber se o suicídio é pecado. Tenho orado a Deus para que ele me leve. Não quero mais viver. Sinto-me iludido, arrasado, entristecido, um morto-vivo. - Samuel, o suicídio é pecado. Não temos o direito de tirar a nossa vida. E orar pedindo a própria morte é algo que já aconteceu com servos de Deus há muito tempo: Jonas, Elias, ... - Pastor, eu não aguento mais! A solidão me persegue! O opróbrio diante dos amigos que zombam de mim por ter sido traído é grande! A minha saúde está debilitada, eu quero morrer! Por favor, ore agora para que Deus me leve! Eu sei que Deus lhe atenderá! Não me deixe livre, pois eu acabarei dando cabo da vida. Amarrarei uma corda no guarda-roupa ou me jogarei no Rio Tietê... O pastor, atônito, não sabia o que fazer. Se o contradissesse poderia complicar ainda mais os argumentos. Se nada falasse seria conivente. O máximo que pôde fazer foi orar no íntimo, dizendo: "Oh, Deus, dá-me a sabedoria do alto!". Enquanto orava, o celular tocou. O pastor atendeu no viva-voz, pois tinha alguma dificuldade de audição. 97


- "Pastor? Ai, pastor! O que eu faço? Eu não aguento mais! Meu filho, pastor, meu filho!" - "Quem fala?" - "É a Bernardete, pastor! A médica falou que ele terá que ser operado até domingo, está desesperadamente enfermo do coração! Eu e o meu marido nunca fomos informados sobre isso! Tratamos do nosso prematuro por todos estes meses! Tudo ia bem até ontem! E agora que está fortinho a médica deste outro hospital disse que ele vai morrer! Pastor! Socorro! Eu não vou aguentar!!" - "Bernardete, calma, confie em Deus, vou orar agora por você! E depois desta visita irei até aí para ver você e o bebê." A ligação caiu. O pastor tentou religar mas a chamada não se completava. - Pastor, quem é essa irmã? - É a Bernardete, da igreja onde um amigo meu pastoreia. Deu à luz a um prematuro de cinco meses. Ele estava praticamente morto. Mas com a oração dos amigos, o trabalho dos médicos e a força e a coragem desta mãe e deste pai, lutaram com todas as forças e o menino está há sete meses no hospital. Transferiram-no há alguns dias para um outro lugar, pois ele cresceu. Há problemas, mas tudo caminhava bem. E agora o menino está novamente entre a vida e a morte! - Pastor, um prematuro? Tadinho! Nem viveu, nem experimentou nada na vida! Que pena! Que tragédia! E agora? - Agora temos que orar por ele, Samuel. Nisto um e-mail chega no celular do pastor. Ao abri-lo, deparou-se com uma mensagem de gratidão. Havia uma foto de cinco crianças. Um missionário conseguira cinco bercinhos usados com algumas avarias. Mas a mãe e tia das crianças, feliz, chorava ao ver seus filhos e sobrinhos num bercinho, num quarto pequeno e cheio de furos no teto. O pastor mostrou a foto ao Samuel. E em seguida disse: - Samuel, veja o seu guarda-roupas. A porta está aberta. Estou vendo suas calças bem bonitas e de marcas caras. Vejo os seus ternos. Vejo 4 pares de sapato muito bem engraxados. Você tem coisas valiosas. Já estes bebês não tinham nem um bercinho quebrado como leito; dormiam no chão sobre jornais e panos. E sabe de uma coisa? Mesmo assim eles querem viver! Você ouviu a Bernardete, mãe do prematuro? Ela não tem sábado, domingo ou feriado; não tem dia e não tem noite. Há sete meses a sua vida é ficar ao lado do leito de seu filhinho. E para quê luta? Para que o menino viva! Um pouco de vida é sempre melhor do que nada! E, enquanto temos um fôlego pelo qual lutar, valerá a pena! Samuel ficou pensativo. Então o pastor lhe disse: 98


- Samuel, deixe-me confidenciar algo sobre mim que não sabe. Você teve mãe até a uns dias atrás. Eu não tive. A minha mãe morreu no parto. Você teve pai; eu não tive, pois o meu pai fugiu quando soube que minha mãe estava grávida. Você teve uma casa para chamar de sua; eu não tive; morei em cinco orfanatos e tinha que dividir comida, roupas, chuveiro, televisão e sapatos com os outros órfãos. Eu nunca tive uma mãe que me desse um beijo de boa-noite ou um pai que me abraçasse e que me dissesse: eu te amo, meu filho. Talvez eu tivesse bons motivos para considerar-me um sofredor e achar que não haja dor maior do que a minha. Mas há, e como há! Além disto Jesus, o nosso Salvador, afirmou com conhecimento de causa: "No mundo tereis aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo". Voltei de um hospital na semana passada, onde não conseguiram ressuscitar um bebê de dois meses! Os médicos lutaram por uma hora e com lágrimas nos olhos tiveram que desistir, pois o coração não queria bater. E por que faziam isso? Porque a vida é uma dádiva e um dom de Deus. Subitamente o telefone tocou novamente. Era Bernadete: - "Pastor, pastor, pastor, pastor, pelo amor de Deus!..." - "Irmã, não estou entendendo nada! Fale devagar! O que houve com o menino? Faleceu?" - "Não, pastor! A médica errou a pasta e deu o diagnóstico de um outro bebê sofredor! Os exames do meu estão bons! Não era o meu bebê, pastor! Não era o meu bebê! Meu Deus, o meu bebê está bem! Aleluia!" Samuel, perplexo, começou a chorar. Presenciar a alegria da mãe ao telefone, festejando a vidinha de seu filho e ver a foto da outra mãe feliz com berços velhos e consertados, fora muito para o seu coração. Resolveu orar de joelhos e em voz alta, quase gritando de emoção: - Oh, Deus bendito, perdão! Perdão, Senhor! Como fui injusto! O Senhor me abençoou tanto e eu não enxerguei! Tenho um quarto limpo e confortável, boas roupas, emprego, comida e uma tia que cuida de mim. Tenho uma boa igreja onde congregar e saúde para viver! E vejo tanto sofrimento neste bebê que sofre e luta pela vida! Vejo tanta pobreza e uma mãe e tia que festeja cinco berços velhos! E eu querendo dar cabo da minha vida! Senhor, isto não é justo! Se eu sou Teu, então viva em mim e faça de mim um homem grato! Perdão, Senhor! Quero viver até o dia em que Tu achares adequado e Te peço que a minha vida tenha sentido, ao menos na história de alguém! Usa-me, Senhor! Em nome de Jesus, amém! Então o pastor, em lágrimas, também orou:

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- Oh, Deus eterno e todo-poderoso, eu Te agradeço, pois aprouve ao Senhor conceder a bênção desta noite! Um bebê que se recupera, uma mãe e tia que festeja os bercinhos e um irmão que reencontra o verdadeiro sentido do cristianismo, o serviço para Deus e pelo próximo! Senhor, usa o Samuel nas Tuas mãos e providencia para ele a alegria de ser útil em Tuas mãos. Oro também pelo bebezinho cujo diagnóstico é ruim; que o Senhor o cure e o restaure também. Em nome de Jesus, amém! Aquela noite foi festiva. Samuel solicitou, como bom paulistano, duas boas pizzas numa cantina do Bixiga (bairro de São Paulo). O pastor terminou a visita com alegria e felicidade. Em três meses Samuel tornarase um visitador de criancinhas órfãs e em seis estava a namorar uma linda cristã. A última notícia que recebi foi que o casamento está marcado para o fim do ano e que Deus transformara a vida deste jovem. "Eu era triste porque não tinha sapatos; até que encontrei alguém que não tinha pés..." Samuel descobriu que "o choro pode durar toda uma noite, mas a alegria vem pela manhã". E entendeu o que aquele texto dizia: "Eu sei, ó, Senhor, que não cabe ao homem escolher o seu caminho, Nem ao que caminha o dirigir seus passos" (Jeremias 10.23) Você, que leu esta estória, estaria também pensando em dar cabo de sua vida? Inspire-se nesta experiência e diga como Paulo: "vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim". Certamente a vida terá um novo significado. A vida é um dom de Deus e só a Ele cabe contar os nossos dias. Vivamos intensamente cada um deles e busquemos no amor do Senhor o verdadeiro sentido de tudo! Que Deus lhe abençoe. Obs.: Ficção baseada em diversos fatos reais.

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EU SÓ QUERIA SABER... - Alô? - Sim? - É o Duílio? - Sim. Quem é? - É o irmão Carlos. Tudo bem? - Tudo bem, irmão Carlos. Em que posso ajudar? - Eu liguei para saber se o irmão vai bem. - Obrigado, estamos bem. Mas diga: em que posso ser útil? - Em nada, eu não estou precisando de nada; só liguei para saber como o irmão estava. - Irmão Carlos, diga logo. O irmão precisa de que? - De nada, Duílio. - Nada? Não é possível. O irmão liga para mim para dizer que não precisa de nada? De alguma coisa o irmão necessita. Pode dizer, não se constranja! - Mas não quero nada, irmão! - Seria dinheiro? O irmão precisa de alguma ajuda? - Não! - Então quer desabafar. O que aconteceu? Fala que eu lhe escuto! - Não, irmão Duílio, não aconteceu nada! - Algum problema na igreja? O pastor aprontou outra? Ou foi aquela família? - Irmão, nada disso! - Então por que me ligou? - PORQUE EU QUERIA SABER COMO ESTÁ. MAS SE ISSO É TÃO CONSTANGEDOR, NÃO LIGAREI MAIS. TCHAU. ... Duílio desliga o telefone e medita: - ???? ---------Que tragédia! Estamos tão acostumados a valer alguma coisa ou pelos bens que possuímos, ou pelos cargos que ocupamos, ou pela posição que nos dá algum poder, ou pelas coisas que podemos fazer pelos outros, que não nos sentimos confortáveis em sermos procurados apenas porque alguém lembrou-se de nós e queria saber como estávamos. Talvez pela raridade do fato é que nos surpreendemos. 101


Faça uma análise interior e pergunte para si mesmo: há quanto tempo eu não procuro alguém apenas para saber como ele está e para dizer-lhe o quanto é precioso? Uma busca não para pedir nada emprestado, ou para solicitar ajuda, ou para encaminhar problemas, ou para comentar fatos. Apenas querer saber como ele está. Faz tempo, não? Pois é este tipo de amor sem pretensão, sem a busca de um benefício próprio que torna a vida bonita, perfumada e alegre de ser vivida. Pode ser um pai, uma mãe, um irmão, um amigo, um velho pastor, uma senhora, uma velha professora, um vizinho, um ex-colega de trabalho, um conhecido, não importa. Uma ligação telefônica ou uma visita pessoal, sincera, digna, com o único interesse de saber como se está será extremamente valiosa. Tome o cuidado de não assustar a pessoa, como aconteceu com o Duílio. Afinal, nos dias de hoje não estamos acostumados a sermos especiais apenas por existirmos e sim pelo que fazemos. Surpreenda hoje. Deixe-me fazer um telefonema: - Alo, você está em casa? Como vai? Tudo bem?

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EU SORRI EM SÃO PAULO - Conto missionário Era domingo e eu ainda estava naquela cidadezinha perto da divisa com o Mato Grosso. Fazia muito tempo que não cobria aquela rede. Mas durante a semana visitara inúmeros estabelecimentos comerciais, reatando velhos relacionamentos e abastecendo as casas com os meus produtos. Cansado, decidi viajar no domingo. Uma diária a mais no hotel não iria fazer muita diferença. Só fiquei sentido porque não poderia estar na minha igreja nesse dia. Mas certamente Deus me compreenderia. Fui dormir agradecido. Porém, antes de dormir, pensei: "Ei, quem sabe eu ache uma igreja batista numa cidade grande? Nessas pequenas não há nenhuma." E foi o que eu decidi. Amanheceu, paguei a diária e peguei a estrada. Uma região linda, que eu não pudera apreciar na vinda, pelos inúmeros compromissos. Mas, agora, sozinho, com o som ligado num cd cristão, eu poderia apreciar. Calculei que encontraria uma igreja batista bem longe, talvez após rodar uns duzentos quilômetros. Dava tempo ainda de pegar a Escola Bíblica Dominical. O dia estava ensolarado, o ar fresco, e o coração feliz. Logo no início, uns quarenta quilômetros adiante, vi o reflexo do sol numa igreja, no morro do lugarejo. Pensei tratar-se de uma igreja católica. Fui mais devagar e percebi que o formato era de um templo evangélico. Pensei: "Que bom, pelo menos alguns crentes já desbravaram esse fim de mundo. Quem será que ousou?" Saí da estrada e peguei a rua que levava ao templo. Ao me aproximar, vi tratar-se de um templo amarelo lindo, pequeno, porém, muito bonito. Ao chegar em frente, fiquei de queixo caído: era uma igreja batista! "Mas que maravilha! Qual terá sido a igreja corajosa? Afinal, com tantos lugares, vir instalar um templo justo aqui? Deve ter uns dois crentes só!" Parei o carro, desci, apertei a campainha (tinha até casa para o zelador!). Uma senhora atendeu-me. - Bom dia, irmã. Desculpe acordá-la tão cedo! - Que nada, irmão! Nós estávamos nos preparando para a Escola Bíblica Dominical! Vamos tomar um cafezinho? Claro. Quem recusaria um convite desses? Ao entrar, encontrei uma linda família. Pai, mãe e dois filhos. Todos com bíblias abertas, orando, terminando o culto doméstico. O café estava no fogão, e rapidamente foi servido. Entre um pão e um café, eles me contavam suas bênçãos. Disseram que, apesar de ser uma cidadezinha inexpressiva, havia muita gente ali, gente por quem Cristo morrera. Disseram que nenhuma igreja 103


diretamente quisera semear nada por ali, mas que a Convenção Batista do Estado de São Paulo enviara um casal de missionários, e esses revolucionaram a cidade. Eles me contaram que haviam se convertido com eles, que foram o primeiro casal a pedir o batismo. Hoje a igreja tem uma escolinha de crianças, e até o prefeito educa seus filhos alí. Falaram que são "duzentos e poucos" na igreja, mas que à noite estão fazendo dois cultos, porque "vem bem mais que isso". Como dois músicos também se converteram, ensinaram instrumentos de sopro para os membros e formaram a Banda da Cidade, tocando no coreto nas tardes de domingo. Fiquei maravilhado! - Fica pro culto, irmão! - Numa próxima vez, quem sabe! Não faltará oportunidade! Hoje eu quero ver se chego de noitinha na capital. Até mais ver! Segui tão feliz! Comecei a lembrar-me das vezes em que o pastor fazia campanhas para a oferta especial de Missões Estaduais. As crianças traziam moedinhas, os jovens lavavam os carros dos irmãos e ofertavam o que ganhavam para missões; as senhoras faziam os seus quitutes e as classes da EBD votavam seus alvos. Quanta coisa pôde ser feita e eu nem sabia! Não passaram sessenta quilômetros e eis um outro povoado, um distrito semi-rural. Bem na subida da avenida eu vi uma placa: "SÓ JESUS CRISTO SALVA". Pensei: "Não é possível! Tem batistas aqui também? Essa cidade nunca teve crentes!" Saí de novo e fui até a placa, que marcava o endereço. Pergunto daqui, pergunto dali, não foi difícil encontrar a igreja. O povo sabia informar direitinho. No interior todo mundo se conhece. Dessa vez um templo bege e branco, lindo, com um jardinzinho bem cuidado na entrada. "O que é isso, Jesus? Mas que beleza!" Ainda não era hora da EBD, mas o templo estava lotado. Pensei: "Acho que teve velório, deve sair um enterro". Que nada! A mocidade fizera uma vigília e estava toda ali, concentrada, firme, e tomava café num salão anexo! Pensei: "que povo fantástico!" Alguém me convidou para entrar: era o pastor. - Aprochegue, irmão! Vai entrando que a casa é do Senhor Jesus! - Amém! Bom dia! Lá fui eu pra cozinha de novo. Havia duas mesas grandes, umas 50 pessoas sentadas, gente bonita, com a camiseta de campanha missionária e tudo! O pastor contou-me que a igreja era nova, tinha 6 anos, fora fruto de um mutirão missionário e que a Convenção Batista do Estado de São Paulo adotara o lugarejo para trabalhar. Também contou que foi nomeado para tomar conta do trabalho e que quatro igrejas da 104


região (incluindo aquela primeira que eu vira) ajudavam com visitas, estudos bíblicos e mantimentos. Dissera que esse povo todo era, na maioria, povo da roça. Aprenderam a ler, a escrever e a tocar violão, e que agora a igreja possuía uma "orquestra de violões", onde, com trinta violonistas, acompanhavam o órgão nos cânticos da congregação. Mas o forte mesmo era o teatro. "Já encenamos a Paixão de Cristo e o Natal, de deixar a caboclada de queixo caído, sô! Só vendo mesmo!" Fiquei para o culto. Que culto maravilhoso! A mocidade cantava animada os cânticos do momento. O coral da igreja estava ali, com seus trinta e poucos coristas. E a igreja estava cheia. Pensei: "Gente do céu, de onde vem tanto crente?" Era o povo do lugarejo, das fazendas, das roças, boias-frias, povo simples, humilde, gente por quem a maioria não daria nada, mas que foram amados por Cristo e encarados como por demais importantes por Missões Estaduais, e ali estavam eles, servindo a Cristo. E tinha gente com carrão também. Pensei: "Não fazem acepção de pessoas. Glória a Deus!" Depois do culto continuei o meu caminho. Passei por vários lugares, por várias cidades, pequenas e grandes. Entrei na maioria delas e encontrei uma igreja batista. Algumas estavam pequenininhas, outras já estavam grandes, e vi também em povoados uma plaquinha, dizendo: "Ponto de Pregação da Missão Batista, com o apoio de Missões Estaduais". E exultei no Senhor. Quando cheguei na capital, tinha muito o que falar! Ah, como eu estava encantado! E, por incrível que pareça, era a noite de Missões Estaduais (eu, que só trabalhava, esqueci da data e nem tinha reservado a minha oferta). As classes da EBD foram levar seus envelopes solenemente à frente e o pastor pregou com muita autoridade uma mensagem missionária. Mas eu não me aguentava, e tive que levantar a minha mão. - Pastor, cheguei de viagem, preciso dizer uma coisa! - Irmão - disse o pastor -, depois conversamos, certo? Talvez ele pensasse que eu fosse fazer alguma crítica. Longe de mim! - Mas é sobre Missões Estaduais! É um testemunho! Mais aliviado, o pastor permitiu. Chamou-me à frente e deu-me a palavra. - Meus irmãos, estou chegando de viagem pelo interior paulista e estou perplexo. A obra de Missões Estaduais é algo que só a eternidade poderá avaliar. Lembram-se daquela cidade perto da divisa com o Mato Grosso? Pois é, meu tio tinha fazenda lá e não existia um crente que fosse! Hoje tem igreja batista pra mais de duzentos membros! E aquele outro povoado, na beira do caminho, com aquela meia-dúzia de casas? Tem outra igreja batista! Eu contei 8 igrejas novas, irmãos, e muita gente está 105


salva, graças à pregação! E isso é fruto da nossa cooperação, do nosso Plano Cooperativo, e do que ofertamos em Missões Estaduais! Eu não trouxe oferta - e corei de vergonha, quando disse isso. - Estou envergonhado. Mas amanhã mesmo, com a graça de Deus, vou dar a esta obra uma oferta sacrificial, porque quero ter parte nisso! Quando uma criança cantar, quando um jovem for batizado, quando uma senhora abandonar a idolatria, quando um pai de família tornar-se crente, nessas cidades distantes, eu quero poder dizer: eu ajudei, eu participei, eu cooperei. Quem vai fazer coro comigo? Foi a maior oferta que a igreja levantou nos últimos anos. E eu sei que, em cada real ofertado, estava depositado um sonho, o sonho de salvar alguém e fortalecer uma igreja em algum lugar do Estado de São Paulo. Quem sabe no ano que vem, por outra estrada paulista, eu acabo descobrindo outras vitórias... ============== Batistas paulistas, isso é um conto, mas já está se tornando realidade! Leia a nossa revista, conheça as bênçãos, os alvos, os desafios! Mas precisamos fazer mais, muito mais! Vamos povoar o Estado de São Paulo com igrejas batistas? Vamos salvar vidas com o evangelho de Cristo? Vamos preencher o vazio batista de nossos municípios? Façamos uma grande campanha de Missões Estaduais! Ofertemos! Oremos! Seguremos as cordas! E tenhamos parte nessa obra!

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FOGO NO PAIOL As galinhas do sítio ESTRELA eram bem tratadas. Giselda era uma delas, galinha índia muito bonita, cujos ovos eram muito apreciados. Não fazia muito tempo ela havia tomado conta do paiol de milho. Seu Gumercindo, o proprietário, descobriu que ela estava chocando seus ovos num cesto de palha. Dias depois ela apareceu no terreiro, com uma enorme ninhada, pintinhos saudáveis, fortes e espertos. Um dia, porém, veio a tempestade. Muitos raios caíam nas redondezas. De repente um raio caiu tão perto que parecia ter caído dentro de casa! O raio incendiara o paiol. Seu Gumercindo correu para lá, na tentativa de salvar o milho. Seu filho gritou: “Papai, papai, a Giselda está lá! Salve a Giselda, papai!” O pai correu ao paiol em chamas. Os sabugos de milho nas palhas queimavam com grande rapidez. Procurou por Giselda, mas não a encontrou. Foi quando um peão da fazenda gritou: “achei a galinha!” Ao encontrarem-na, não foram capazes de conter a emoção. Giselda estava toda queimada, com a fumaça subindo de suas penas derretidas. Ao levantarem-na, encontraram a ninhada toda acolhida debaixo das asas. Estavam todos vivos e nenhum dos pintinhos morrera. A galinha salvara a vida de seus filhotinhos perdendo a própria vida. Isso nos faz lembrar uma promessa que está na Bíblia: “Deus lhe protegerá, cobrindo-lhe com as suas penas, e debaixo de suas asas estará seguro” (Salmos 91.4). Jesus Cristo, o Filho de Deus, também teve o mesmo gesto, Ele deu a própria vida para salvar a humanidade de seus pecados e garantir a vida eterna, uma vida que nunca acaba. Quando confiamos em Jesus, Ele nos acolhe, nos protege e nos dá perdão de todos os pecados. Nós podemos ter segurança quando nos acolhemos debaixo da proteção de Jesus. Ele disse: “Eu sempre estarei com vocês até o fim dos tempos (Mateus 28.20). Fale com Ele agora, através de uma oração: “Jesus, eu quero que sejas o meu Salvador”. Amém. Obs: Esta mensagem tornou-se um folheto evangelístico.

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JOSÉ E SUA BUSCA José era um homem triste. Carregava em seu coração um imenso vazio. Ele queria preenchê-lo. Ouviu dizer que o evangelho de Cristo tinha a solução para o seu problema e que deveria ir ouvi-lo e aprendê-lo. Assim, procurou a avenida das igrejas e foi procurar um local para saciar a sua fome interior. Achou uma igreja. Entrou. Para surpresa sua, em lugar dos bancos para sentar, encontrou um vazio e no centro um tatame: era um ringue, onde dois lutadores de MMA se batiam, se sangravam, se agrediam. Um juiz tentava apartar os golpes mais tensos. Os presentes dividiam-se entre os que torciam por um e os que torciam pelo outro. José, com grande frustração, pensou: "Aqui não encontrarei o evangelho." E saiu. Andou mais um pouco e achou outra igreja. Entrou e, novamente, frustrou-se. Também não havia bancos; apenas aparelhos de ginástica, gente a fazer musculação, máquinas de pesos diversos, bicicletas ergométricas e treinadores com camisetas regata e toalhas ao redor do pescoço. Muitas senhoras, moças, rapazes e idosos se exercitavam. Jose falou baixinho: "Por que colocaram na placa IGREJA? Poderiam escrever ACADEMIA e seria mais apropriado!" E saiu cabisbaixo daquele local. Achou outro. Entrou. Encontrou bastante gente, mas, ao invés de estarem sentadas, encontrou-as de pé, ao redor de bancos com madeiras por cima, improvisando balcões. Era um bazar da pechincha. Muita roupa de doação, muitos brinquedos usados, muitos pares de sapato quase novos. Vários membros a vender objetos, vários compradores regateavam o preço. Era uma feira. José gemeu no coração e disse: "Quando vou encontrar o evangelho do qual me falaram?" E saiu de novo. Entrou em outra igreja. Desta vez havia gente sentada e um homem a pregar no microfone. Estava de bermuda, camiseta e tênis de marca. Ele falava bem. Mas, ao ouvi-lo, José indagou-se: "isso é o evangelho?" O homem falava de problemas conjugais; contava piadas sobre vida sexual. Ele levava o povo às gargalhadas. Ensinava truques para enganar a esposa. Falava de como divertir-se com as crianças. José, entristecido, retirou-se mais uma vez. Não era isso que a sua alma procurava. Achou uma bem grande, muita gente. Pensou: "Agora vou ouvir sobre o tal evangelho!". E três pastores, bem vestidos, sacodiam o corpo e berravam no microfone. As pessoas caíam, estrebuchavam, rodopiavam. A reunião parecia um encontro de loucos. Gente chorando, outros 108


gritando. José saiu correndo. Ele falava: "Quero uma igreja, não um manicômio!" Viu uma outra. A porta estava aberta. Entrou. O salão estava dividido em quatro partes. Em uma as crianças modelavam massinha e argila; no outro canto adolescentes pintavam com guache. Nas outras duas metades havia atividades para adultos: os homens tinham uma palestra sobre pescaria e as mulheres um curso de encontrar a melhor maquiagem para o dia a dia. José chorou de raiva. "Que desgraça é essa, que não encontro alguém que me fale do evangelho?" A avenida estava por acabar e havia um salãozinho pequeno. Entrou. O povo estava discutindo em que partido votariam nas próximas eleições. Houve até uma briga entre pessoas de opiniões divergentes, apartada pelo pastor da igreja. José não ficou ali. Saiu do salão e seguiu o seu caminho, frustrado e infeliz, com o vazio da alma maior ainda. Pois, se no começo da avenida ele pensou que alguém lhe pregaria o evangelho do qual ouvira falar ser bom, agora tinha certeza de que não encontraria mais nenhuma igreja que lhe fornecesse essa informação. José não voltou mais naquela avenida. Não sabemos por onde anda. -------------E irão errantes de um mar até outro mar, e do norte até ao oriente; correrão por toda a parte, buscando a palavra do Senhor, mas não a acharão. (Am 8:12)

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LANDINHO "Estive orando..." Essa foi a frase que me veio à cabeça ao abrir o velho álbum de fotografias da igreja de minha juventude. - "Quem é ele, papai?" - "Bem, meu filho, ele já não está mais entre nós, ele foi morar com Jesus, no Céu. Ele era o irmão Landinho, um irmão muito especial." - "Especial, papai? Por que?" - "Bem, meu filho, o irmão Landinho gostava de falar com Deus, e Deus gostava de atender às suas orações..." Enquanto conversava com meu filho, a imaginação soltou-se e eu fui flutuando pelo tempo, até os meus dias da juventude. Lá estava o irmão Landinho, sério e meigo, junto com a família. Não perdia um culto, não falhava na Escola Bíblica Dominical, nunca passara uma semana sem levar um macinho de folhetos evangelísticos para dar às pessoas que encontrasse na rua, no ônibus ou no mercado. Ele era muito estimado por todos nós. Gostávamos de ouvir os seus conselhos e almoçar em sua casa nos dias de domingo. Nunca o vimos bravo ou rancoroso com quem quer que fosse. Era um conselheiro, um pai, um amigo. O irmão Landinho tinha algo muito especial, que fazia dele um ser único: ele orava. Sim, muita gente ora; eu oro, nós oramos, mas a oração daquele homem era especial. Não era como a nossa, esporádica e formal. Era uma oração diferente, prioritária e profunda. O irmão Landinho era chamado quando tudo o mais havia falhado. Até o pastor recorria a ele nas horas de aflição! Ele era uma espécie de "pronto-socorro da última hora". E funcionava! Todos nós conhecíamos o livramento que Deus dera à sua pequena Sheila, de apenas 16 anos. Tempo de revolução sexual, década de 60, a menina envolveu-se com uns rapazes motociclistas, que desafiaram Landinho à porta de casa: "Aí, coroa, dentro da sua casa manda você, mas lá fora mandamos nós, morou?" A menina engraçara-se com eles, e, por mais que os pais falassem que era perigoso andar com más companhias, ela estava encantada, ludibriada, quase caindo em pecado. Foi quando Landinho disse: "Filha, eu orarei por você". Só isso. Mais nada. Entrou em seu quarto, trancou a porta, disse para a esposa não incomodá-lo, e ajoelhou-se. Falou ao Pai: "Senhor, tu disseste em Tua Palavra: 'clama a mim e eu te responderei'. Eu estou clamando pela filha que me deste! Livra-a das mãos malignas, ó Deus!..." E chorou. Naquela 110


noite os rapazes não vieram buscá-la para os passeios noturnos na cidade. Sheila ficou preocupada. Às 23 horas as amigas da escola ligaram para ela, dizendo: "Sheila, mataram os nossos amigos! Eles se envolveram numa briga e foram esfaqueados! " Sheila bateu à porta do quarto de Landinho, aos prantos, arrependida, pedindo perdão. Landinho, em lágrimas, orou pela filha. Essa história propagou-se, e a oração de Landinho passou a ser desejada e temida: desejada por quem precisava, e temida por quem devia algo. E funcionava! Uma vez a prefeitura resolvera passar uma avenida bem em cima do templo da igreja, e por mais que o advogado tentasse resolver a questão, nada derrubava a decisão judicial. Foi quando o pastor resolveu chamar o Landinho. "Meu irmão, não sei o que fazer!" Landinho, com ar meigo e humilde, disse: "Oremos, pastor!" E oraram, de joelhos, no gabinete pastoral. Após a prece, Landinho abraçou o pastor e disse: "Vamos esperar pelo melhor, pastor. Deus já nos ouviu!". Dois dias depois o projeto da avenida foi abandonado pela prefeitura, pois surgiram denúncias de irregularidades no processo, e o problema resolveu-se. E no Dia da Bíblia? A praça central foi requisitada, instalaram-se tablados, contratara-se som, tudo foi planejado para um grande culto. A praça estava cheia de gente, muitos aguardavam com curiosidade o início dos trabalhos. De repente uma tempestade avançou pela cidade, com ventos, granizo, aguaceiro, e estava chegando para a praça. Os irmãos viram a multidão dispersar-se temeram: "Oh, Deus, tenha misericórdia! Gastamos uma fortuna nisso, e o povo está indo embora!" Um jovem gritou lá no meio dos equipamentos: "Peçam pro Landinho orar!" Isso mesmo! Mas, onde estava ele? Encontraram-no atrás do palco, de joelhos, pedindo ao Senhor que desviasse a tempestade, porque muitos estavam perdidos e precisavam de Cristo naquela tarde. De repente, sem que as pessoas compreendessem, a tempestade formou uma clareira sem chuva, bem na praça, onde só sentíamos os respingos da água que caía a uns 300 metros, mas nenhuma gota de chuva caía na praça. Foi quando o pastor, aproveitando a chance, afirmou, cheio do Espírito Santo: "Estão vendo, senhoras e senhores? Esse é o Deus da Bíblia, a quem pregamos e servimos! Entreguem-se hoje a ele!" Uma pequena multidão, em lágrimas, aceitou a Cristo. Vários membros da igreja são fruto daquela tarde da Bíblia. - "O senhor gostava dele, né, papai? Por que o senhor fala dele com tanto carinho?"

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- "Sabe, meu filho, através do irmão Landinho eu ganhei dois presentes de Deus. Uma moça muito bonita era membro da igreja, mas estava namorando um rapaz rico e não crente. Eu a amava, mas ela não queria saber de mim. Então eu fui almoçar na casa do irmão Landinho. Ele olhou para mim, sorriu e me perguntou se eu sentia algo por ela. Eu fiquei encabulado, e ele disse que não precisava responder. Depois, completou: 'estive orando...'. Meu filho, eu senti as minhas pernas estremecerem, porque alguma coisa iria acontecer". - "E aconteceu, pai?" - "Ah, garoto, com certeza! Eu me casei com ela! É a sua mamãe!" - "Nooossa! Que legal! Mas, e a outra coisa, papai?" - "A outra bênção é você, meu filho: mamãe não podia ter filhos. Nós sonhávamos com você, mas era impossível. Nenhum tratamento na época nos daria um filho. Foi quando Landinho ligou pra nossa casa, sem saber de nosso desespero, e disse: 'Estive orando nesta tarde por um filho para vocês'. Nós sentimos uma alegria tão grande! E dois meses depois descobrimos que Deus iria nos dar você. Sabe, garoto, Landinho pegou você no colo primeiro do que eu - eu fiz questão disso". Nós dois choramos juntos, eu e o meu filho. Minha esposa, fazendo bolinhos de chuva lá na cozinha, deixou por um pouco a panela e veio nos dizer: "Eu amo vocês!" --Ah, meu Deus, que falta nos fazem os Landinhos! Senhor, dá-nos outros que orem assim também!

Obs.: A história, claro, é real.

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MAIS ALTO! "Bom dia, Igreja!" - "Bom dia!", responde o auditório. Salão repleto, gente animada, povo feliz. "Que bom estarmos juntos novamente louvando e engrandecendo ao Senhor! Vamos manifestar o nosso amor por Ele, cantando com ânimo e fé! Abrace ao seu irmão e lhe diga: eu te amo, meu irmão!" Então o povo se abraçou, se cumprimentou, enquanto os instrumentos musicais começavam um ritmado cântico de adoração. "Vamos lá, igreja! Vamos louvar ao Senhor!" E começaram a cantoria. A letra era exibida no datashow e as palmas permeavam o acompanhamento público. Mas, subitamente, no meio do auditório, um homem gritava: "Vamos, regente! Cante mais alto, mais alto!" No início ninguém o considerou. Mas a cada canção o homem insistia, de pé e a caminhar pelo corredor. O regente dizia: "Irmãos, vamos cantar a canção de amor pelos irmãos, vamos falar o quanto todos são importantes para nós, vamos declarar a aliança que temos no Senhor!" "Mas falem mais alto, mais alto! Está muito baixo! Não estou escutando direito!" O regente e o grupo de músicos, incomodados com a situação, interviram: "Meu senhor, por favor, queira dar licença e não interrompa mais a nossa adoração. Estamos na Casa do Senhor e as suas palavras estão perturbando. Poderia, por favor, respeitosamente, não mais perturbar?" "Não sou eu quem perturbo, regente. Eu só não estou ouvindo o suficiente. Eu me calarei, mas antes me diga: considerou de fato o que cantou?" "Aqui todos consideramos o que cantamos, senhor. Por favor não nos perturbe novamente!" "Eu não perturbo. A hipocrisia deste culto é que perturba a Deus. Regente, durante toda a semana cinco irmãos lhe procuraram para orar e receberam a mesma resposta: marque uma entrevista. É mentira? O povo se congraça na hora do cântico, mas passa a o mês inteiro sem dar a menor atenção para o irmão que canta ao seu lado. Não é mesmo, José? " E virou-se para um lado do auditório, onde um José estava sentado. Este, tentando esconder-se, fez sinal de não saber do que se tratava. "Sim, José. Você insultou a sua mãe ontem, quando esta lhe dava conselhos, gritou com ela e deixou-a no centro da cidade sem condução, exigindo 113


respeito à sua liberdade. Você não respeitou a sua mãe. Que amor é esse que agora você canta, José?" O rapaz não sabia onde colocar a cara. Sua mãe, perplexa, diz ao José:"Eu não disse nada a ninguém, meu filho!". O pastor, já nervoso e enfurecido, ao verificar o tumulto, chamou dois diáconos para tomarem o rapaz pelo braço. O homem virou-se para os diáconos que chegavam e disse-lhes: "Um instante, homens. Estão com as mãos limpas?" Os diáconos, nervosos, não conseguiam dar o próximo passo. Então ouviram: "Eu perguntei se estão com as mãos limpas! Sim, vão usá-las para colocarem-me para fora. São as mesmas mãos que consultaram pornografia no celular durante a madrugada? Ou são as mãos que afanaram ferramentas da oficina mecânica onde trabalham? Estão ou não com as mãos limpas?" Agora todos estavam desconfortáveis e o vozerio era de repulsa. O pastor, enraivecido, levanta-se e se dirige ao homem, desejando arrastá-lo para fora. "CIDADÃO, VOU CHAMAR A POLÍCIA PARA LEVÁ-LO PRESO. ESTÁ A PERTURBAR UM CULTO PÚBLICO!" O homem então diz: "Estou perturbando a igreja, pastor? Seria eu o hipócrita deste salão? A força que impulsiona as suas pernas a vir ao meu encontro poderia ter sido usada para fazer aquelas visitas que o senhor prometeu aos idosos da igreja e nunca cumpriu, não é mesmo? Não é, irmã Isabel, irmã Maria e irmã Myrthes?" Duas estavam presentes. "Antes de me arrastar para fora teria sido melhor não ter erguido a sua mão para bater na sua esposa na terça-feira. Lembra-se? Também teria sido melhor não xingar aqueles palavrões diante de seu filho, a quem tem ensinado a não usar palavras chulas. Faça o que eu digo e não o que eu faço, não é mesmo, ministro? A quem o pastor está servindo? A Deus ou à sua carteira? Joelhos que não se dobram em oração e pés que não levam as boas-novas agora querem correr contra mim?" "CALE A BOCA E RETIRE-SE!", gritou o pastor, correndo até ele. O homem, erguendo a mão, ordena: "PARE". O pastor emudece, estaca onde pisou e petrifica-se, perplexo. O homem então diz: "Todos em seus lugares. Sairei em breve." Ninguém conseguia falar ou mexer-se. Ele dirigiu-se à plataforma, olhou para todos e disse: "Povo que se diz de Cristo, vocês são os reis da hipocrisia! Têm bíblias mas não as leem; dizem que amam uns aos outros mas não se preocupam com ninguém; afirmam amar a Deus, mas renegam-no com uma vida pagã, pior do que a dos incrédulos! Povo hipócrita, a foice do Senhor irá cortá-los! Vocês se acham ricos, sábios, cultos, cheios de graduação, dominadores das 114


mídias, famosos, antenados, modernos e atraentes. Mas vocês não passam de miseráveis, pobres, cegos e nus. São miseráveis da graça de Deus, pois estribam-se em si próprios e não se arrependem de sua arrogância. Querem que Deus seja um serviçal de vocês. São cegos, pois não enxergam onde caíram, onde sucumbiram, onde deixaram o primeiro amor, onde traíram ao Senhor Jesus Cristo. Estão nus, pois, ainda que sejam complexos e cheios de tecnologia, os seus pecados e rebeldia estão patentes e aparentes em seus olhares hipócritas e maliciosos, em sua arrogância cultual, em sua sensação ridícula de felicidade desprovida da Verdade. Há muitos pecadores que não têm onde congregarem, porque vocês fecharam a porta do céu! Eles procuram uma igreja e acham um clube; procuram crentes e encontram hipócritas; querem bíblia e vocês dão opiniões; desejam louvar e vocês dão espetáculo! Igreja apóstata, o Senhor tem contas a acertar com vocês!" Em seguida dirigiu-se aos músicos dizendo-lhes: "O louvor que agrada a Deus é um coração quebrantado e contrito, uma alma submissa, um comportamento de quem vive o amor, não de quem apenas declama ou canta o amor. Parem com hipocrisias! Parem de copiar o mundo! O show tem que acabar! Não usem da música para projetarem-se como artistas. Adoradores atores são hipócritas. Lamentem, chorem os seus pecados, lancem os seus deuses fora e olhem para Aquele que os chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz. Então poderão cantar baixinho, mas serão ouvidos. Cantem para louvar a Deus e para evangelizar aos homens, não para fazerem sucesso ou narrarem sensações. Então Deus não mais os vomitará culto após culto. Então os céus se abrirão para a música de vocês. Então faremos um contracanto com os seus hinos..." Quando ele disse "faremos", como se não fosse um homem, seu rosto, roupas, sapatos e sua face começaram a brilhar com uma luz fora do comum. O povo caiu de joelhos, amedrontado, perplexo, arrepiado. Ele não era um homem. Ele era um anjo do Senhor. Levitando levemente, com um brilho ofuscante, afirmou: "O tempo está próximo. Arrependam-se e voltem-se ao primeiro amor. Voltem ao velho evangelho, às veredas antigas. Bebam do genuíno leite espiritual, evoquem os fundamentos da fé autêntica. Se não o fizerem terão contas duras a acertar com o Senhor. EIS QUE EU LHES ADMOESTO. Vem, Senhor Jesus!"... E o anjo desapareceu.... E eu acordei.

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MEMÓRIAS DE UM PÚLPITO " 03 de setembro de 1978 Hoje eu nasci. Eu era uma árvore frondosa junto à floresta da Amazônia. Estava no caminho das máquinas que arrumavam a estrada que construíram. Então me cortaram. Pensei que seria o meu fim. Levaramme para a a madeireira e fizeram de mim uma prancha bem trabalhada. Fui para São Paulo, num estoque gigantesco de madeiras. Fiquei 3 anos ali. Na semana passada vieram me buscar. Levaram-me para uma marcenaria. Cortaram-me, colaram-me, pregaram-me e transformaramme num púlpito de igreja. Disseram que serei muito útil nos trabalhos de Deus. Fico feliz. Fiquei muito bonita, aliás, muito bonito, pois agora não sou mais A TÁBUA, mas O PÚLPITO. Vamos ver o que me acontece..."

" 09 de setembro de 1978 Acabo de chegar à igreja. Nossa, que lugar grande! Eles estão terminando o templo e vão inaugurá-lo amanhã. Todos os bancos novinhos em folha, o chão com revestimento de ardósias, o teto com lindo forro de gesso. Acho que será uma festa e tanto! ..."

" 10 de setembro de 1978 Agora descobri para que sirvo. O pastor coloca a bíblia sobre mim, mantém-na aberta num trecho e prega o que está escrito. Que honra servir a Deus desse jeito! Parece que todos gostaram de mim! No final do culto muita gente veio até mim e deu toques com a mão, falando da beleza do acabamento, da qualidade da madeira, do quanto combinou com os bancos, etc. Estou muito satisfeito! Colocaram um montão de bíblias e folhetos no armário que está dentro de mim. Também resolveram guardar microfones e cordas de violão. Sou polivalente! ..."

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" 05 de junho de 1982 Estamos em conferências aqui na igreja. Uns pastores americanos foram convidados para pregar. Eu já estou conhecendo bem as Escrituras Sagradas. Também, pudera: dia após dia ouço o pastor e os pregadores que se sucedem. Até critico os pregadores! Tem uns que são ótimos. Outros, porém, percebo que estão enrolando, ou apenas apelando às emoções. Mas está sendo ótimo este evento..."

" 04 de julho de 1984 É mês da mocidade. O culto desta manhã foi dirigido por eles. Um rapaz magrinho, de 16 anos, foi convidado para pregar. Nossa! Ele tem futuro! Já faz pose de gente grande, ele realmente leva jeito de pregador! Gostei. A mocidade está de parabéns. Espero que muitos novos talentos apareçam aqui. Terei prazer em auxiliá-los! ..."

" 10 de maio de 1991 A igreja está trocando de pastor - Parece que houve um problema com o anterior e eles resolveram aceitar o seu pedido de exoneração. Eu gostava tanto dele! Apesar de que muitas vezes apanhei: ao pregar, ele dava uns socos em mim, frisando alguns textos. Eu aguentava, era pra Deus! Mas agora ele foi embora. Que triste. Espero que o outro seja tão bom quanto este..."

" 18 de agosto de 1996 Cinco cupins tentaram entrar na minha base hoje à tarde. Eles saíram em revoada de primavera, perderam as asas, caíram no chão e foram devorar as minhas bases. Graças a Deus eles sentiram o gosto do veneno que colocaram em mim quando me fizeram. Ficaram tontos e foram embora. Falei como o pastor: "Yess!...". Ou como o presidente dos jovens: um a zero pra nós! ..."

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" 03 de janeiro de 1998 Hoje eu servi de pedestal para bebês: o pastor apresentou o primeiro bebê nascido neste ano. Colocou-o sobre mim. Que ternura! Quase que o bebê me molha, mas foi ficou só no "quase". Estou feliz! Como me sinto útil no trabalho do Senhor! ..."

" 15 de novembro de 1998 Estou sentindo algo estranho. O pastor é meio esquisito, parece que não gosta de mim. Outro dia, quando ele foi me usar, disse: "porcaria de tranqueira que só ocupa espaço..." O microfone estava desligado, mas eu escutei em alto e bom som. O pessoal daqui não estã mais me usando como antes. A criançada cresceu, virou adolescente, e agora toca muito bem os instrumentos. Mas o pastor acha tão bonito, que diz não haver necessidade de pregação, e manda colocar-me de lado, cobrindo-me com a toalha da mesa de Ceia. Estou achando estranho, mas, tudo bem. Deve ser uma fase..."

" 7 de fevereiro de 2000 Hoje aconteceu um acidente. Colocaram-me no centro da plataforma novamente (fazia meses que eu ficava no canto, utilizado só uma vez por mês). O pregador era de fora. Sempre colocam um copo com água para que o visitante beba. Parece que os pregadores agora ficam roucos (quando vim pra cá não tinha dessas coisas!). Só que, na hora em que ele foi dar um tapa na bíblia e, consequentemente em mim, ele derrubou o copo e a água caiu. Penetrou toda em meu interior. Ah, meu Deus! Senti um pequeno estufamento na parte superior. Espero que seja passageiro e que amanhã eu volte ao normal..."

" 23 de outubro de 2000 Estou encostado na parede do batistério da igreja há 3 meses. Eles não me usam mais. A plataforma serve agora para instrumentos musicais e para as pessoas que chegam chorando. O auditório da igreja mudou muito! Eles pulam tanto durante o culto que chegam a suar! Depois 118


choram; eu não entendo! Se sofrem tanto, por que fazem? Tenho saudades do meu tempo de ser usado como apoio dos pregadores! No meu armário as bíblias estão cheias de traças. As cordas de violão enferrujaram (só usam instrumentos elétricos agora). Tenho duas hóspedes: uma barata, que está com um ninho repleto de ovos, e uma aranha, que adormeceu e há mais de um mês não acorda. Vamos ver o que acontece..."

"02 de janeiro de 2001 Colocaram-me no porão. Dizem que a igreja tem que se modernizar, que não há lugares para velharias. Seria meu novo nome? "Velharia"? Prefiro ser chamado de púlpito. Aqui eu divido o espaço com o órgão, com pedestais usados, com uma pilha de hinários antigos, com as roupas do coral, e com bastante poeira. Às vezes aparece um casal de namorados procurando alguma privacidade, ou um irmão buscando refúgio para oração. Mas a maioria do tempo a porta permanece trancada. É tão escuro e monótono! O que vão fazer comigo? ..."

" 28 de novembro de 2001 Fui desmontado a golpes de martelo, marreta e pé-de-cabra. Esfolaram meu acabamento. Quebraram meus encaixes. Colocaram-me numa carroça de um homem chamado "catador de lixo". O que será que farão comigo? ..."

" 05 de dezembro de 2001 Estou numa grande pilha de madeiras velhas. Encontrei pedaços de uma árvore lá da Amazônia, ficava pertinho da minha copa. Que saudade! Mas saudade mesmo estou da igreja. Será que virão me buscar? Irão me reformar? Disseram que eu serei "reciclada". O que viria a ser isso? Espere: estou vendo uma coisa.... Estão pegando as madeiras da pilha ao lado e ateando fogo! Deixe-me escutar o que eles dizem: "Tião, pode queimar essa pilha toda, porque não presta pra nada! ..." Era isso que chamavam de "reciclagem"? Acho que estou correndo perigo! ..."

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" 21 de dezembro de 2001 Hoje eu morri queimado..."

FIM.

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"MOÇA, POR FAVOR..." Ao limparem o quarto onde vivia Dona Amélia da Silva, num asilo paulista, encontraram um pequeno diário, escrito com letras trêmulas borradas, ao que parece, por lágrimas. Lá encontramos a seguinte narrativa: "Não enxergo direito, mas acho que amanheceu. Pela janela vejo as árvores; está frio... Oh, sim, ainda bem que a enfermeira veio servir-me o remédio; eu ando esquecendo tudo com facilidade!" "Só não me esqueço da minha casa; quando é que me levarão de volta, meu Deus? Preciso regar minhas avencas, minha samambaia que ganhei de Dona Maria, meu jardim! Não posso deixar a roupa lá fora tanto tempo, vai sujar! Com tanta poluição não há roupa que aguente! E a carne que ficou em cima da pia? Meu Deus, tenho que guardá-la. Ei, enfermeira, o meu filho já chegou? Não? Ele não virá? Por que? Ah, meu Deus, por favor, pede pra ele passar aqui e me levar, quero ir para casa...." "Elas acham que sou louca porque todos os dias eu peço a mesma coisa. Mas elas não me atendem, tenho que pedir de novo até me atenderem, não? Será que estou errada?" "Não. Não enlouqueci. Eu envelheci. E não tenho mais casa. Não tenho casa, nem móveis, nem guarda-roupas, nem mesa, nem cozinha, nem nada. Acho que nem filho eu tenho...Virei uma indigente..." "A que ponto cheguei!" "Como? Televisão? Não, não quero ver televisão. Vai ligar mesmo assim? Quer dizer que não tenho querer? Hã? Ah, a companheira de quarto quer ver? Está certo, então ligue. Ela também é outra coitada. Deixa ela ver TV. Aqui não se tem privacidade nenhuma, querer nenhum mesmo... Eu cuidava tão bem da minha TV! Onde estão os meus discos, os meus quadros, os meus álbuns de fotografia? Cadê as minhas cartas que o Zezinho escreveu quando éramos namorados?" "Eu não sei. Acho que jogaram tudo fora. Era tudo lixo, como dizem. Velhos não servem pra nada, só pra dar gastos e dar trabalho! Não sei porque a gente fica velho..." "Como? Remédio de novo? Mas você já me deu, filha! Não, não quero! Ah... tenho que tomar, né? É injeção? Eu preciso? Está certo. Está aqui meu braço. Aplique. Ai! Obrigado, filha. Já não sei quantas picadas levei desde que me internaram aqui. Meu filho falou que é só por um tempo, porque eu precisava de cuidados; mas pelo visto esse tempo é pra

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sempre, porque isso foi antes do Natal do ano passado, e já enfeitaram o quarto novamente..." "Estou no asilo. Chamam de Casa de Repouso, mas é só pra amenizar a nossa dor. Ah, daqui só pro cemitério. O Seu João, aquele do quarto ao lado, foi no mês passado. E a Dona Nena? Coitada, morreu pensando que estava pulando corda, virou criança de novo! Eu às vezes esqueço um pouco das coisas de hoje, fico lembrando de outros tempos melhores. Afinal, se estou presa aqui por que deixar também a mente presa? Queria tanto ver meu filho..." "Filha, por favor, eu já pedi pra outra enfermeira, peçam pro meu filho vir aqui me pegar! Como? Ele viajou? Mas ele disse que viria me pegar! Eu preciso falar com ele! Ah, assim que voltar me avisam? Está certo." "Ai,... ui,..., pronto. Sentei. Meu passeio diário: da cama para a poltrona. E aqui passo as horas. Sinto as mãos frias, por que será? Fico o dia inteiro com frio! Se ao menos as minhas netinhas viessem aqui um pouco... Desculpem, não segurei, são gases, eu não consigo mais dominá-los, sinto vergonha, mas o que posso fazer, meu Deus! Perdão de novo, perdoem também as lágrimas..." "Estou presa aqui. Onde está minha família? Ainda bem que tenho esse caderno para escrever. Mas está difícil enxergar, tudo é tão cheio de fumaça, dizem que é catarata. Eu sei lá, inventam cada coisa pra justificar a idade! No meu tempo não tinha nada disso." "Eu só não queria morrer presa aqui. Por que tive que ser aprisionada? Ah, meu velho, que saudade de você! Você é que foi feliz, viu? Faz tanto tempo que se foi! Fiquei do seu lado até o fim, lembra? Nossa, às vezes me parece que até escuto ele dizer: 'sim, me lembro...'. Cuidei da minha mãe, do meu pai, da minha sogra e sogro também, porque é o dever de toda boa esposa, filha e mãe. Cadê meu filho que se esqueceu de sua mãe? Sou um estorvo tão grande assim? Desculpem, eu choro mesmo, sinto sua falta..." "Meu Deus, tenho que ir ao banheiro. Com licença, ai, será que vou ter que me humilhar de novo? Ai, filha, perdão, se eu pudesse evitar isso, você me dá uma ajudinha no banheiro? Que vergonha, meu Deus... Ai, sentei no vaso. Você vai ficar me vendo? Estou tão envergonhada! Não sei se rio, se choro, perdão, minha filha. Pronto. Você me ajuda a vestir? Eu não me alcanço mais. Que vergonha..." "Deus, onde está meu filho? Filha, por favor, alguém já chamou meu filho?" "MINHA SENHORA, POR FAVOR, FIQUE QUIETA, A SENHORA PASSA O DIA TODO PERTURBANDO AS ENFERMEIRAS, PEDINDO PRA CHAMAR 122


SEU FILHO; ELE VIRÁ APÓS O ANO NOVO; ELE JÁ DEIXOU AS MENSALIDADES PAGAS E O SEU PRESENTE COMPRADO, VAMOS ENTREGÁ-LO NO NATAL; MAS, POR FAVOR, NÃO PERTURBE TANTO, A SENHORA ESTÁ NOS DANDO NOS NERVOS!" "Nossa, que vergonha... Vou ficar quietinha aqui na cama. Sinto tanto frio... Me sinto só..." "Que mão é essa? Quem é você? Voluntária Visitante? Veio me fazer companhia? Nossa, filha, veio gastar tempo com uma velha? Ihihihi, eu fico até sem jeito. Que coisa boa ter alguém aqui pra conversar! Como? Como era a vida na minha infância? Ah, era tão divertida! Deixe-me contar..." "Já vai embora? Mas você ficou tão pouco! Ah, tem outros velhinhos pra visitar. Certo. Então fique um pouco com essa coitada aí do lado, ela está sempre chorando (até parece que eu não...)." "Nossa, já anoiteceu! Será que não vão me levar embora? Só Deus não me abandona! 'Senhor, por favor, eu não aguento mais; leva-me embora, viver assim não é viver. Quero ir para os teus braços, pois sinto-me só. Me ajude! Em nome de Jesus. Amém'". ==== Dona Amélia ganhou o presente de Natal, mas não recebeu a visita de seu filho. Antes do Ano Novo ela faleceu. O rapaz foi ao enterro. Ergueu um túmulo bonito, com um pedaço do dinheiro que conseguiu com a venda da casa. Ele deixara sua mãe no asilo numa tarde, para buscá-la à noite, e em três anos nunca mais voltou... Dona Amélia esperou seu filho até morrer. Não nos esqueçamos dos nossos idosos; eles são o que seremos amanhã. Não os ignoremos, não os joguemos em depósitos humanos, não os consideremos estorvos. Deus não terá por inocente um filho que não cuidar dos seus. Dinheiro não justificará ausência, nem tampouco carência de cuidados médicos; a presença do filho é terapia humana que abre as janelas da alma. Presença nem sempre física, mas sempre emocional e espiritual de quem dá valor e faz saber. Filho, cuide de seus pais idosos. "Honra a teu pai e a tua mãe, como o Senhor teu Deus te ordenou, para que se prolonguem os teus dias, e para que te vá bem na terra que te dá o Senhor teu Deus." (Dt 5:16)

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NEM SÓ DE PÃO Fernando e Carlos ao telefone: - Carlos, não tem erro! Só que eu tenho urgência. Tem que decidir-se hoje sem falta! - Não sei, Fernando, a coisa não fecha aqui na minha mente. Parece fácil, mas não estou sentindo paz! - Carlos, paz não enche barriga! DINHEIRO enche! E uma oportunidade destas você nunca mais verá! - Eu sei, Fernando, mas... - Chega de mas, mas, mas. Não quero ouvir mais nada. Vou te ligar daqui a uma hora. E quero a sua decisão. Só falta você para fechar o grupo. Tchau. Carlos era um gráfico. Gráfica pequenina, de bairro. Fazia blocos de nota fiscal, encadernava livros, fazia cartazes, panfletos, até imprimir livros ele já imprimira. E em época de propaganda eleitoral, fazia muitos santinhos. Fernando era um velho amigo. Um líder no bairro onde crescera. Estudou na PUC com Carlos, mas seguiu por uma linha política; falava de reformas sociais. Porém, com os rumos que o país tomara, entrara em negócios escusos. E agora propunha a Carlos uma oportunidade ímpar. Segundo Fernando, nada poderia dar errado. E a proposta era muito simples. Na próxima eleição o Partido Justo, do qual Fernando era agremiado, mandaria imprimir cem mil santinhos. Contudo, para efeitos de financiamento eleitoral, para conseguir mais verbas, Fernando solicitaria aos empresários o valor de dois milhões de santinhos. Carlos só imprimiria cem mil. O valor do restante, de um milhão e novecentos mil santinhos, seria apenas registrado na nota fiscal. Carlos receberia o valor integral e teria que distribui-lo. Entregaria o valor de seiscentos mil para o partido, outros seiscentos mil para o Fernando e o restante do valor poderia embolsar. Era uma boa quantia. Fernando estava terminando de compor o time de dez gráficas com a mesma proposta. Para Carlos essa quantia viria em boa hora. Ele tinha impostos atrasados. Tinha obrigações trabalhistas não recolhidas. Tinha contas de casa para pagar. O valor seria tão bom que, após pagar todas estas contas, ainda trocaria de carro. E daria para tirar férias no exterior ou pagar dois anos de faculdade dos meninos. Como não aceitar? Afinal, todo o sistema gira assim! Todos sairiam ganhando! Por outro lado, Carlos era um homem que temia a Deus. A situação de ser devedor não lhe era normal; a crise ceifou os clientes e não houve caixa 124


para quitar as dívidas. Com muita luta mantinha a porta aberta, esperando que o futuro trouxesse dias melhores, dias em que o mercado novamente viesse a funcionar. Por ser um crente fiel era muito visado e diversos jovens olhavam para o seu comportamento, buscando um referencial para seguir. Em sua mente ocorria uma guerra de pensamentos: " Carlos, não seja bobo! Abrace a causa! Todos ficarão felizes! O dinheiro não é roubado, é doado; e todos se beneficiarão!" " Carlos, tomar esse dinheiro é mentir, é lavar dinheiro! Imprimir cinco por cento do que a nota declara é crime, é mentira! E, mesmo que ninguém venha a saber, há um Deus nos céus e um Cristo em meu coração; Ele saberá!" "Meu Deus, o que farei?" O tempo passou depressa demais. Conforme Fernando avisara, ligou novamente, e incisivo na voz: - Carlos, quero uma posição sua. Fechei com nove gráficas, agora quero fechar com você. E faço uma proposta melhor. Você fica com o valor de oitocentos mil santinhos; eu retiro a diferença da distribuição. Posso fechar? - Fernando, eu declino. Não vou aceitar. Declarar uma quantia maior numa nota fiscal e receber um dinheiro pelo qual eu não trabalhei é mentira. Eu tenho um compromisso com os meus filhos e com a minha esposa; acima de tudo, porém, com o meu Deus. Eu não poderia ter paz no coração recebendo recursos da mentira. Eu não aceito. - Carlos, você é um louco, é um idiota, um otário. Você está quebrando as minha pernas. Você não pode fazer isso comigo! - Não, Fernando, eu não aceito. Eu tenho valores cristãos. E não estou fazendo isso com você. Estou fazendo isso comigo. Eu tenho temor de Deus. - TEMOR DE DEUS NÃO ENCHE BARRIGA, Carlos! - Pode ser, Fernando, mas NEM SÓ DE BARRIGA CHEIA VIVE O HOMEM, MAS DE TODA A PALAVRA DE DEUS! - Vá para o Inferno, Carlos! Adeus! ................. E desligou o telefone. ----Passam-se três anos... "PLANTÃO DO JORNAL BRASILEIRO - Foi preso hoje, em Campinas, Fernando de Tal, do Partido Justo. Ele e mais dez donos de gráfica foram levados para Curitiba, denunciados, acusados e com prisão temporária 125


decretada. Foi descoberto um grande esquema de lavagem de dinheiro através da impressão de materiais de propaganda política..." - Pai - pergunta Flávio, filho de Carlos -, o senhor conhece esse homem? - Sim, filho. Conheço-o. - Então eu quero te agradecer, paizão. - Por que, Flávio? - Porque o senhor não entrou nessa. Sendo do mesmo ramo, certamente que esse cara lhe propôs algo. Mas o senhor provou ser praticante do que me ensina. Eu te amo, paizão! Carlos sorriu e saiu da sala, indo ao quarto agradecer a bênção de ter esperado no Senhor o suprimento das necessidades, e por ter recusado o banquete de Satanás. Além disto, ouvir um elogio sincero de um filho que não encontra hipocrisia na vida do pai é algo que não tem preço! FIM. Ofereço este texto a todos que não se deixam corromper por nada.

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NENHUM PASTOR PRESTA Um shopping. Uma praça de alimentação. Dois empresários, um do ramo alimentício e o outro do ramo agrícola. Uma pausa para tomar café no meio da tarde. E o lamento do fabricante de biscoitos: - José, estou tão decepcionado! Viu aquele pastor levado pela polícia para depor? Um cara tão famoso, popular, fala tão bonito, e agora essa suspeita de corrupção! Acho que não tem pastor que se salve! Ninguém presta! Estão todos sujos! - João, que besteira é essa? - Besteira, José? Você não está vendo na reportagem? O cara foi levado pra depor! Onde há fumaça há fogo! Ontem foi aquele casal com dinheiro na bíblia. Depois o do chapéu, com fazendas imensas, adquiridas com o dinheiro da igreja. E o outro, que lesa todo ano o pessoal com a tal fogueira e ainda é à favor do aborto! E o canalha que prometeu eleger o filho do deputado e o cara não conseguiu nem dois mil votos? Não dá pra confiar em ninguém! NENHUM PASTOR PRESTA! José estava perplexo com as afirmações de João. Ambos eram crentes. Mas José era membro de uma igreja local e o João não tinha compromisso com igreja alguma. Enquanto ouvia os impropérios que o João dizia, José orou a Deus e pediu sabedoria. E saiu-se com esta: - Rapaz, que biscoito horrível! Que porcaria de biscoito doce é essa? Que nojo! - Cuspiu o que estava na boca e fez cara de insatisfação. - Credo, cara, o que foi? - Essa porcaria de biscoito. Acho que o fabricante colocou cimento com estrume nessa porcaria. Garçom? Venha cá! - Espera aí, José. Eu sou o fornecedor deste biscoito! Você está me ofendendo. Me dá um pedaço para eu experimentar. Se estiver com problemas, eu troco. Não uso nem estrume e nem cimento para fazê-lo. Deixe-me experimentar... - De jeito nenhum! Essa porcaria não presta, João! Acho que nenhum fabricante de biscoito presta nesse mundo! São todos uns desonestos e irresponsáveis; fabricam com terra e areia e colocam na embalagem uma lista de ingredientes falsos. Não dá pra confiar mais em ninguém! EM NINGUÉM! João olhou com ódio para José. Estava furioso. Isso não era justo. João poderia ter todos os defeitos, mas era um fabricante qualificado e não se sentia digno da carapuça que o amigo lhe vestira com tamanha crítica. José, então, calmamente, completou: 127


- João, por que está tão nervoso? Eu lhe ofendi? Só porque você é um fabricante de biscoitos e eu nivelei todos como desonestos e mentirosos? Pois não foi o que você acabou de fazer com os pastores do Senhor? Você disse: nenhum pastor presta. Pois bem. Se nenhum pastor presta o seu pai também não prestava, porque ele era quase um pastor. Se nenhum pastor presta o pastor que lhe apresentou na igreja quando você era bebê também não prestava. Nem aquele que lhe conduziu ao batismo. Nem o que celebrou o seu casamento. Nem aquele que lhe ajudou quando o seu casamento estava em crise. Sim, porque você acabou de dizer que nenhum pastor presta, que não se pode mais confiar em nenhum pastor ... - Sabe, João, acho que você foi seduzido pela mídia e hoje sentiu-se traído pelas más escolhas que fez. Ao invés de manter-se em sua igreja local, igreja de bairro, de famílias, você procurou um desses a quem você acabou de acusar. E por que? Porque queria vender mais, queria mais clientela, queria tornar-se popular. Ao invés de procurar uma igreja para servir a Deus você procurou um desses pastores midiáticos para vender os seus produtos. E o que você ganhou? A decepção. Só se esqueceu que você também decepcionou a Deus, que havia concedido a você uma igreja onde pudesse servi-Lo e onde tinha o serviço de um pastor verdadeiro. Só que para você ele não representava faturamento e bons lucros, não é? - Quando você diz que nenhum pastor presta está dizendo que nenhum fabricante de biscoitos presta também. E se nenhum deles presta você é um desgraçado, um desonesto também. Isto é justo? Não. Mas é o que você acabou de fazer com todos os obreiros verdadeiros, muitos que nem estão na mídia, que são grandes desconhecidos, mas que servem a Deus dia e noite, buscando a vontade do Pai e não caçando riquezas neste mundo. Estes, desprezados por gente como nós (e não me omito deste mal, pois também sou falho), lutam e labutam sem recursos, mas com fé, integridade e honestidade. - Reflita, João. Os seus biscoitos são muito bons. Eu fingi para lhe chamar a atenção. Há muitos fabricantes de biscoito desonestos, mas não todos. Você é honesto. Assim também não nivele TODOS os pastores na risca da sarjeta, pois há muitos homens de Deus que são bem melhores do que nós. A conversa terminou aí. João mandou um recado no whatsapp, dizendo: "Obrigado, amigo. Entendi o recado. Peço perdão". -----

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No mar de lama em que se tornou o chamado ministério evangélico, há muitos pastores que não prestam. Muitos mesmo! Porém, MUITOS não significa TODOS. Para descobrir quais são os PRESTAM, basta seguir o que a Bíblia diz: Estas são as gerações de Noé. Noé era homem justo e perfeito em suas gerações; Noé andava com Deus. (Gn 6:9) Lembrai-vos dos vossos pastores, que vos falaram a palavra de Deus, a fé dos quais imitai, atentando para a sua maneira de viver. (Hb 13:7) E dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com ciência e com inteligência. (Jr 3:15) Assim falai, e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberdade. (Tg 2:12) Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus. (Gl 6:17) Porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus. (At 20:27) Em suma: um pastor que presta prega a Bíblia, vive o que prega e mantém a vida limpa e exemplar. Pode ser rico, pode ser pobre; pode ser culto, pode ter modesto conhecimento. Mas por onde passar gerará a mesma sensação e provocará o mesmo comentário: ele ama a Deus. E pronto. Muitos pastores não prestam. É verdade. Mas nem todos. Há ainda um remanescente que presta. Valorizemo-los.

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NUNCA ACONTECERÁ Era sábado à noite. Um lindo culto de louvor, promovido pela união de mocidade se realizara. Os jovens usaram os seus membros para fazerem todas as partes. Maria foi a organista, Sílvia, pianista. Fizeram prelúdio, interlúdio e poslúdio. Os meninos montaram um quarteto, as meninas um trio. Houve jogral, declamação de poesia e quatro solos. Alguns cânticos também foram entoados pela congregação. Foi lindo vê-los nos violões, contrabaixo, guitarra, bateria, teclado, tudo muito bem dosado e com hinos tão edificantes e evangelísticos. O José, rapaz com pinta de pastor, foi o mensageiro; até de gravata estava! Ele pregou muito bem. O pastor aproveitou o encerramento para fazer um apelo evangelístico, pois eles trouxeram jovens colegas do ginásio e do colegial ao culto. Cinco decisões. Ganharam bíblicas e preencheram as fichas de decisão. No encerramento a alegria da tarefa concluída. Na cantina realizaram uma sociabilidade muito animada. Tinha cachorro quente, suco, torta salgada, pipoca e salada de frutas, tudo em cortesia. Fizeram uma roda de brincadeiras e divertiram-se até às tantas. Fizeram a dança das cadeiras, sempre sobrando um, cantaram e fizeram as rodas das sociais conhecidas e entreteram-se bastante. Ao final organizaram-se em equipes de limpeza. Deixaram tudo limpo, em ordem, pois na manhã seguinte teria o culto matutino e a escola bíblica dominical. Suzana chegou em casa feliz da vida. Tomou o seu banho, fez o estudo da lição da classe da EBD, pediu bênção aos pais e foi dormir. Dormiu o sono dos vitoriosos, pois ela havia organizado o belo culto que prestaram a Deus. O relógio marcava duas da manhã e Suzana subitamente acorda a casa inteira. "Socorro! Meu Deus, socorro! Isso não pode ser verdade!" Os pais levantaram-se correndo, indo até o quarto. O cachorro, lá no quintal, latia efusivamente. Júnior, o irmão, sem entender o que acontecia, olhava a irmã com os olhos esbugalhados, desesperada. "A Su ficou doida? "O que foi, meu bem?", pergunta-lhe a mãe! "Menina, o que há?", indaga o pai, aflito. "Ah, mamãe, estou tão triste e desesperada!" E então chorava copiosamente. O pai, preocupado, senta-se na cama e diz: "Filha, calma! Conte-nos. O que houve?" Suzana então narra algo bizarro e surpreendente: 130


"Eu me deitei, após agradecer a Deus por tudo o que acontecera. Então peguei no sono e adormeci. Comecei a sonhar. Eu estava em nossa igreja, mas não era a mesma coisa, algo estava errado..." E então teve outra crise de choro. Seus pais a acolheram, abraçaram e pediram para que continuasse a narrativa. "Quando entrei vi os rapazes todos tatuados, com brincos na orelha e quase todo mundo com ferrinhos na boca e no nariz. Havia uma banquinha à entrada onde eram feitas tatuagens. As meninas estavam vestidas com roupas sensuais e os rapazes com calças coladas mostrando seus contornos, camisas apertadas e mostrando o peito. Meu Deus, que horrível!" Os pais pediram para que continuasse. "Todo mundo conversava no culto, ninguém tinha bíblia ou hinário e a reunião começou sem oração. Eles fizeram um baile no culto, mamãe! Meia dúzia deles ficaram à frente dançando e todo mundo o fazia uns com os outros, no templo. O pastor dançou com as meninas, agarradinho! Do meu lado tinham casais se beijando e, pasmem: dois meninos também!" "Filha, que imaginação ridícula", disse o pai em tom de reprovação. "Então, papai, veio o pior. O pastor, que mais parecia os meninos da porta da escola, tomou a palavra e começou a andar de um lado para o outro, falando pra juventude aproveitar a vida, fazer tudo o que quisesse, que Deus não se importava. Disse que nada era pecado, que não existia inferno, que o ideal da vida era a felicidade e que se estivessem tristes bastava tomarem remédios controlados ou fumar maconha. Eu fiquei desesperada!" Os pais mordiam os lábios, pensando nas loucuras que a Suzana narrava. "Quando o culto terminou o pessoal se agarrou ali mesmo e saíram em turmas para as casas de show. O pastor dissera que só teria culto à noite no domingo, pois o pessoal tinha que aproveitar a madrugada e curtir a vida!" "Filha, quanta loucura!", disse a mãe. "Eu vi, mamãe, duas senhoras e três rapazes, no canto, que conversavam e diziam não acreditarem no que viam, que Jesus estava para voltar e que era uma tal apostasia irreversível, não sei do que diziam. O pastor os viu e disse: 'seus quadrados, vocês já eram! Atualizem-se ou desapareçam!' E eu, quando vi tudo isso me desesperei. Foi então que gritei e devo têlos acordado. Me perdoem! Estou tão envergonhada..." "Filha, isso acontece! Não se preocupe. Tudo isso não passou de um grande pesadelo. Volte a dormir", disse a mãe. 131


"Isso é o que dá social até dez da noite na igreja! Deitar-se de barriga cheia dá nisso. Bah, chega. Vá à cozinha, tome um copo de leite morno e volte a deitar, que amanhã teremos escola bíblica dominical.", disse o pai, com ares de decisão. "Mamãe, o que foi isso que eu sonhei?" "Pura bobagem, minha filha. Nada disso jamais acontecerá. Estamos em 1980 e o evangelho há de crescer e de transformar o nosso Brasil. As nossas igrejas estão firmes na Palavra e os nossos pastores jamais deixarão esse mundanismo penetrar na igreja. Vá. Faça o que o seu pai mandou e deite-se. Vamos salvar o resto da madrugada." Suzana obedeceu. Deitou-se e pensou: "Mamãe está certa. Estamos em 1980. Isso nunca acontecerá. Nunca. Nunc...zzzz" 1980. .... 2019. Será? .....

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O MORTO FALOU ERA manhã de sábado. O corpo do pastor estava no caixão. Sua família querida estava ao redor. Vários membros da igreja também. E amigos de longe chegavam a todo instante. Vieram prestar solidariedade ao velho obreiro aposentado. Aposentado? Apenas do pastorado integral da igreja, porque na prática continuara a trabalhar: pregava, escrevia, dava entrevistas, visitava velhas ovelhas, traduzia livros etc. Continuava membro da igreja que fundara e pastoreara por 50 anos, mas deixara o pastorado aos cuidados de um seminarista, logo consagrado ao ministério. Muitas palavras bonitas, muitas lágrimas, gente de toda classe social acotovelava-se junto à família, aos pés do defunto. Nisto chega o pastor da igreja. Sempre com pressa, sempre correndo, abraçou a viúva e os filhos e foi solicitando a atenção de todos. Um parêntese necessário: o pastor tolerava o velho obreiro, mas não nutria por ele qualquer gratidão. Pastor jovem, inexperiente, ávido de sucesso, sentia que o velho ancião lhe fazia muita sombra. Enfurecia-se quando ouvia comparações por parte dos membros: "no tempo do pastor fulano..", "o pastor fulano não fazia assim", "que saudade do pastor fulano..." Ele se incomodava tanto com isso que tratou de tirar da igreja todo e qualquer sinal do ministério anterior: reformou o templo, as salas, tirou a placa, colocou outra e até trocou o nome da igreja, seguindo a moda ridícula dessas igrejas modernas: "igreja batista luz no meio das trevas" (se há luz não há trevas; talvez as trevas estivessem na cabeça do obreiro sem noção...). Suportava um salário vitalício de gratidão que a igreja votara em caráter irrevogável, tanto a ele quanto à viúva, se viúva ficasse. Cuidados pastorais? Nenhum! Sequer telefonava para o pastor. Era obrigado a ceder-lhe o púlpito duas ou três vezes por ano, por força de alguns velhos da diretoria; cortesia que evitava brigas. "Meus irmãos, agradecidos somos pela presença de todos nessa hora tão especial, quando homenageamos o nosso amado, querido e inesquecível Pastor Asdrúbal Santos. Que falta ele nos faz! Sou-lhe profundamente grato por tantos momentos especiais que passamos juntos, eu e minha família. Estou emocionadíssimo e vou sentir falta dele". O povo chorava, se derretia. "Já mandei para O Jornal Batista o seu necrológio, em nome de nossa igreja, para que nunca, jamais nos esqueçamos de quem tanto bem nos fez! Cantemos o hino EU AVISTO UMA TERRA FELIZ". 133


Os filhos mordiam a língua, de bravos e indignados. Tiveram que sair da igreja por força de tantas coisas que viam, feitas unicamente para destruir o que o pai havia feito. A viúva, pobrezinha, só tinha sentimentos pela profunda ausência que o esposo lhe causava. Chorava, dizia palavras de amor bem baixinho, acariciava o seu rosto. Foi quando, subitamente, lembrou-se da cartinha que mantinha em sua bolsa. Seu esposo lhe entregara quando sentia que a partida estava próxima. Recomendou-lhe categoricamente que não lesse, mas que entregasse ao pastor na hora do culto. Ela, afoita, foi pegar a carta. Acabou derrubando tudo da bolsa (bolsas femininas são verdadeiras estantes multiuso; 3 pessoas tiveram que ajudar a recolher os inúmeros objetos caídos). Achada a carta, entregou-a ao pastor, recomendando sua pública leitura. O pastor, terminado o hino, após enxugar as lágrimas, entregou a carta para que a secretária lesse. O povo todo aguardou a leitura. E assim a secretária leu o texto com emoção e, sem dúvidas, com perplexidade. "AMIGOS, SE ESTIVEREM OUVINDO ESTA LEITURA, É PORQUE EU NÃO ESTOU MAIS ENTRE VOCÊS. EU MORRI. ESTOU COM O MEU SENHOR JESUS, QUE ME SALVOU, REMIU E LEVOU. VOCÊS ESTÃO DIANTE DO MEU CORPO, QUE DORMIRÁ ATÉ QUE O SENHOR JESUS RETORNE COMIGO E COM TODOS OS SALVOS. ENTÃO RESSUSCITAREI. OH, ALELUIA! ALGUNS DE VOCÊS ERAM MEUS AMIGOS. DESTACO A MINHA AMADA ESPOSA, PARA QUEM VIVI DURANTE TODOS ESSES ANOS DE FELIZ MATRIMÔNIO. TAMBÉM O JOSÉ, O SIMÃO, O PEDRO E O TIAGO, MEUS FILHOS AMADOS, AMIGOS DO CORAÇÃO, A QUEM TIVE A HONRA DE EVANGELIZAR, BATIZAR, CASAR E VER SUA PROLE TÃO BONITA E EDUCADA. AGRADEÇO AOS MEMBROS DE NOSSA IGREJA, QUE FORAM MINHAS OVELHAS DURANTE O MEU MINISTÉRIO. VOCÊS SÃO PRECIOSOS PARA MIM. AGRADEÇO AOS AMIGOS, AOS IRMÃOS DE OUTRAS IGREJAS, AOS VIZINHOS, AOS QUE COMIGO MANTINHAM PRECIOSA AMIZADE. OBRIGADO! OBRIGADO! MAS ALGUNS QUE ESTÃO AQUI NEM DEVERIAM TER VINDO, ALIÁS, GOSTARIA INCLUSIVE QUE FOSSEM EMBORA Nisto todos levantaram o rosto perplexos, inclusive o pastor celebrante. Mas a secretária continuou.

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HÁ ALGUNS AQUI QUE NÃO ME DERAM UM INSTANTE DE ATENÇÃO DEPOIS QUE EU ENVELHECI, PESSOAS QUE NÃO FIZERAM CASO DE MIM. GOSTAVAM DE MIM ENQUANTO PASTOR E ENQUANTO NA ATIVA; TRATARAM-ME COMO UM SAPATO VELHO, ESQUECENDO-SE QUE EU AINDA EXISTIA. AMIGOS, OBRIGADO POR VIREM, MAS ISSO NÃO REMEDIARÁ O DESPREZO QUE ME DERAM. PORTANTO, QUERO QUE SAIBAM QUE A MAIOR HOMENAGEM QUE PODERIAM TER DADO A MIM ERA EM VIDA, NÃO AGORA QUE MORRI. TAMBÉM QUERO DIZER ALGO A VOCÊ, PASTOR CAMARGO CLEMENTE (o pastor da igreja). QUERO AGRADECER POR VOCÊ TER DADO PROSSEGUIMENTO AO MEU MINISTÉRIO, PASTOREADO AS OVELHAS QUE PASTOREEI E MANTIDO FIRME A BANDEIRA DA FÉ. Nisso o pastor aliviou-se, dando um sorriso de protocolo. Mas por pouco tempo, pois a frase não havia terminado. ALIÁS, PASTOR, EU AGRADEÇO POR TER VINDO AO MEU VELÓRIO, SUA ÚNICA VISITA PARA MIM NOS ÚLTIMOS 4 ANOS. O IRMÃO SENTIA TANTO CIÚME DE MIM QUE BUSCAVA OPORTUNIDADES PARA FUGIR DE CUMPRIMENTAR-ME OU DE RECONHECER-ME NO MEIO DA IGREJA. LAMENTO MUITO POR SEU COMPORTAMENTO. EU JAMAIS DESEJARIA FAZER SOMBRA PARA O SEU TRABALHO. SE ALGUMA SOMBRA HOUVE FOI DE SUA PRÓPRIA INCOMPETÊNCIA E DESAMOR, NÃO DO TRABALHO QUE EXERCI AO LONGO DOS ANOS. AGORA SINTA-SE À VONTADE PARA BANIR A MINHA MEMÓRIA DOS ANAIS DA IGREJA. EU JÁ NÃO SOU MAIS MEMBRO DA CONGREGAÇÃO QUE FUNDEI; ESTOU NA IGREJA TRIUNFANTE E O MEU SENHOR JÁ TEM TUDO ANOTADO NOS LIVROS DELE. MAS LEMBRE-SE, PASTOR: UM DIA VOCÊ TAMBÉM FICARÁ VELHO E TERÁ QUE PASSAR PELO QUE PASSEI. E SENTIRÁ NA PELE TODO O DESPREZO DE UM JOVEM OBREIRO AO SERVO QUE ENVELHECEU. NÃO FAÇA ISSO COM OUTROS. QUE DEUS LHE AJUDE A AMADURECER... Nisso o pastor saiu da cerimônia enfurecido. A leitura continuou. COMO EU SEI QUE O PASTOR NÃO SUPORTARIA A VERDADE DITA, JÁ HAVIA INCUMBIDO O MEU IRMÃO DO ENCERRAMENTO DA CERIMÔNIA. ELE DARÁ SEQUÊNCIA AO CULTO. OBRIGADO, IRMÃOS, PELA PRESENÇA. QUE DEUS MUITO LHES ABENÇOE. E NÃO SE ESQUEÇAM: PASTORES IDOSOS TAMBÉM SÃO GENTE, TAMBÉM SÃO RIQUEZAS, TAMBÉM SÃO CARENTES DO AMOR EM VIDA. NÃO SE ESQUEÇAM DE SEUS VELHINHOS.

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E assim foi o seu culto fúnebre e sepultamento. Até hoje a viúva não recebeu um telefonema do pastor. Mas não importa: Deus cuidou dela. E em breve ela irá ao encontro de Jesus e verá na glória o seu amado, remido como ela, no Céu de luz e de paz. ........... Isto é apenas uma ficção. Não conheço qualquer pastor que tenha deixado uma carta assim. Mas o mau trato que velhos obreiros recebem, ah, esse não é ficção. Seria bom que nos lembrássemos dos velhos pastores, esquecidos pelas congregações. Que tal telefonar para um deles agora e dizer o quanto são importantes em sua vida?

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O PARQUE DOS INOCENTES Maria viu-se no parquinho infantil. Não entendeu como chegara ali, mas estava feliz. Quantas crianças! Elas brincavam de escorregar, de balançar, de gangorra, de trepar nas barras de ferro, de chutar bola, de boneca, de fazer castelinhos de areia, de correr. Algumas, mais grandinhas, cantavam e outras liam livros com gravuras. "Meu Deus, que lindas estas crianças!", pensou. - Vocês são lindos! Nunca vi crianças tão belas! - Obrigado, tia! Caminhou pelos brinquedos. As crianças, ao verem-na, correram para junto dela. Vieram celebrando: "Ehh!" Ela encantou-se. Abraçaram-na pelas pernas, pegaram a sua mão e deram-lhe sorrisos que faziam o sol brilhar mais feliz! Que sensação maravilhosa! Uma linda loirinha dos cabelos bem penteados; um moreninho dos olhos claros e dentes bem formados; uma japonesinha do cabeço redondo, uma gracinha. Tinha meninos cheios de sardas, ruivos e outros negros, fortes, bonitos, alegres. Estavam todos ali, juntos de Maria. - Como você se chama, menino? - Eu não sei, tia! Maria estranhou, mas pensou que era um descuido. - Garotinha, quantos anos você tem? - Eu tenho três dias, tia! - Como? Três dias? Eu perguntei a sua idade! - Três dias! Então as crianças disputaram a atenção de Maria, falando as suas idades também: - E eu um mês! - Eu vinte dias! - Eu um dia e meio! Confusa com aquelas palavras, Maria chamou o monitor do parquinho. - Monitor, por que estas crianças dizem coisas tão estranhas? - Como assim, senhora? - Perguntei o nome de alguns e eles não souberam responder. E, ao perguntar a idade deles, ao invés de dizerem a idade que têm, falam de idades impossíveis! Falam em três dias, trinta dias, três meses, cinco meses! São crianças doentes? - Não, senhora. Não são doentes. São crianças mortas... Maria congelou-se e estacou. O monitor continuou: 137


- Estas crianças não nasceram. Elas foram abortadas. Elas não sabem como se chamam. Algumas nem receberam nome. A idade que lhe informam é a data em que foram expulsas do útero através do aborto. Umas com três dias; outras com um mês; algumas com quatro, cinco ou sete meses... - As mães que fizeram isso acharam boas justificativas para si próprias: os bebês seriam fruto de estupro; outras disseram que eram jovens demais para serem mães; outras que tal nascimento prejudicaria uma futura carreira; outras buscaram esconder da família a gravidez indesejada; e ainda outras justificaram-se, dizendo que eram seus corpos e que faziam as suas próprias regras... Não é uma pena que estas crianças nunca tenham nascido, Dna. Maria? Maria então gritou: - Sim, é uma pena! Meu Deus, quanta crueldade! Isto não é justo! Meu Deus, estas crianças não podem ter morrido! Senhor, elas nada fizeram para merecer isso! Elas não foram ouvidas e nem se fez caso delas! Então o monitor lhe falou: - Mas, Dona Maria, a senhora não irá abortar amanhã? A senhora não decidiu mandar para cá o filho que traz no seu ventre?... Então Maria acordou do sonho com um grito. Sim, ela estava sonhando. Era uma jovem de vinte e três anos, solteira, que namorou um rapaz sem comportar-se nem com moral cristã e nem com os cuidados necessários. O namorado deixou-a grávida de dois meses. Decidira por fim à gravidez. Marcara o aborto para o dia seguinte. Não suportaria olhar para o bebê e ver o quanto errara; por isso iria matá-lo. Suada, chorando e desesperada, dobra os joelhos e ora: - Meu Deus, perdoe-me! Pequei contra Ti! Fiz o que não era reto diante de Tua presença! Eu conhecia a Palavra e sabia que não poderia relacionar-me sexualmente com o meu namorado. Eu não ouvi os meus pais, não ouvi o pastor da igreja e nem a voz da consciência. Eu me relacionei com a pessoa errada. Fui agredida, mas eu poderia ter evitado. E não evitei. Ah, Senhor, eu marquei o aborto para amanhã e iria matar esta criança, este meu filho.... - Eu não o ouvia, Senhor! Fui iludida pelos professores e amigas que diziam que o corpo era meu e que as regras eram minhas. Eu não supus que o bebê fosse outro corpo e outra vida. Eu iria matá-lo, Senhor! Ele iria para o parque dos inocentes e eu seria a culpada. E ele gritou no meu sonho... Maria chorava desesperada. Sua mãe entrou. Viu-a neste estado. Ouviu a sua história. Chorou também, pois não sabia de nada. E disse: 138


- Filha, você contrariou tudo o que eu e seu pai sempre lhe ensinamos. Você desonrou a nossa família, a nossa fé e a si própria. Mas Cristo morreu pelo seu pecado. Você está confessando isto agora. Arrependase e peça perdão. Não acrescente um assassinato ao histórico de sua vida. Eu vou lhe ajudar e iremos criar este bebê. Se Deus permitiu a sua concepção, devemos ouvi-lo. Ele não pediu para ser gerado. Não o privemos da vida que ele ganhou. Vamos dedicá-lo ao Senhor! Ele não deve morrer! Mãe e filha terminaram a madrugada de joelhos. E o bebê nasceu após sete meses. Já faz muito tempo, quase trinta anos. Hoje este rapaz cuida da mãe e da avó. Casou-se e graduou-se, exercendo cargo de confiança na área de comércio exterior. E já tem um filhinho. Deus usou um sonho para despertar na mãe a voz de seu filho que queria viver. O Parque dos Inocentes não é lugar para nenhum bebê em gestação. Se estão gerados, deixemo-los viver. Afinal, a vida é um dom de Deus. E não somos donos dos bebês; somos mordomos do Senhor para deles cuidar, amá-los e ensiná-los a serem pessoas de valor. Não há motivo grande o bastante para levá-los à morte e não lhes dar o direito de nascer. Enquanto algumas mães não ouvem a voz de seus inocentes a quem matam, outras mães lutam com seus bebês enfermos ou prematuros pelos hospitais infantis do mundo. Perguntemos a cada uma se estão arrependidas de terem dado à luz e ouvirão um sonoro e gigantesco NÃO. Quanto mais difícil a situação, maior o amor que se cultiva e maior a vontade de doar-se pela criança que sofre. Se alguém que me lê já abortou, saiba: seu filho ou filha é uma das crianças daquele parque imaginário. O sangue deles clama a Deus. Há culpa sobre você, mãe que abortou. Mas ainda há uma esperança: Cristo. Ele morreu pelos seus pecados. Arrependimento genuíno e fé exclusiva em Jesus lhe dará a graça de ter os seus pecados transportados para a cruz do Calvário. E, pela fé, terá o pagamento dos mesmos pelo sangue de Jesus. Uma alma arrependida e convertida a Cristo pode tranquilizarse: Cristo pagou pelo mal e Deus lhe perdoou para sempre. Porém, NUNCA MAIS peque contra o Senhor. Ele não terá você por inocente. Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados. (1Pe 2:24) E jamais me lembrarei de seus pecados e de suas iniquidades. (Hb 10:17) Cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa, (Hb 10:22) 139


Não matarás. (Ex 20:13) Obs: estória fictícia, mas baseada em inúmeros casos reais, infelizmente.

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O PASTORZINHO E SEU DUELO Obrigado, Senhor, por me chamar para o ministério. Como? Não entendi. Pode repetir? "Buraco Quente"? Senhor, aquilo é uma favela! Sim, eu sei, tem gente lá, mas, Senhor, eu pensei que o Senhor quisesse me aproveitar num lugar melhor; aliás, eu tenho dois convites aqui, igrejas ótimas, são Suas também! Não? Não me quer lá. Poxa, Senhor, tudo bem. E onde é essa igreja? Naquela rua? Aquela ali, sem asfalto? Ah, Senhor, por favor, manera comigo! Eu comprei um carro novo agora! Pelo menos um lugarzinho com asfalto! Não? É ali mesmo? Tá bom. E o que o Senhor quer que eu faça? Pregue? Administre? Visite? Ensine? Pode escolher. O que? Está brincando, não é, Senhor? Não? O Senhor quer que eu faça de tudo um pouco? Mas Mestre, é muito pra mim! Eu me especializei em pedagogia religiosa, sou craque nisso, o resto eu só sei o básico! Como? Mesmo assim? Ai, ai, ai, tá certo, Senhor. Mas, Mestre, e o salário? Penso que o Senhor não vai querer que eu passe necessidades, não é? Já tenho aqui o meu orçamento direitinho. Prepareio baseado no salário da pastorada da cidade. Tirei a média. Com isso acho que dá pra me manter. Quanto pagarão, Senhor? COMO? Só isso? Mas como eu vou viver, Deus? Assim já é demais! Como? "Pela fé?" Ah, Senhor, isso funcionava com Hudson Taylor, Jorge Muller, mas não comigo, que sou inteirado em economia. Não dá, Senhor! Por essa miséria eu não trabalho. Como? Vou trabalhar sim? Mas Deus, e como vou me manter? O Senhor? O Senhor suprirá? Como? Ah, pelos "corvos", como Elias. Tá certo, Deus, a estória é bonitinha, mas hoje em dia só tem pardais e pombas. Vai mudar? Como, trazendo corvos? Ah, não? Vai trazer carne e pão por pombas e pardais? Meu Deus, ... E por quanto tempo ficarei ali, Senhor? Será só um estagiozinho, não? Não? O Senhor tem planos longos aqui pra mim? Ah, Senhor, misericórdia! Ah, quer que eu fique bastante tempo, não? Quanto tempo? COMO? A vida toda? Ah, eu não aguentarei, meu Deus... Tenha piedade! Senhor, por que esse plano pra mim? Os meus colegas estão nas primeiras igrejas, outros foram pra missões e aparecem nos jornais, eu também tenho direito, também sou Seu filho! Plano melhor? Como isso pode ser um plano melhor? Eu sou qualificado, Senhor! Sim, sei que foi o 141


Senhor quem permitiu, mas pra que tanta qualificação senão tiver utilidade? Ah, terei? Ali, naquele lugarejo? Tá bom. Está certo, Senhor. Não estou nada contente. Não Lhe entendo, Deus. Mas tudo bem. Não vou discutir. (Ele então pensa:) "... E eu que queria ser famoso, ser rico, ter meu nome na placa da igreja, um programa de TV e um montão de pastores trabalhando pra mim. Agora serei pastor nessa favela sem asfalto, escondido, trabalhando com púlpito, visita, ensino, administração... Se eu soubesse que era assim... " ---O jovem pastorzinho terminou de reclamar e resolveu orar. E enquanto orava cheio de ressentimento e tristeza ouviu um barulho. Era seu hinário que havia caído no chão. Tomou-o e, antes de fechá-lo, viu o hino 298 CC com uma marca feita pelo seu primeiro pastor: "filho, um dia você precisará desse hino; use-o!". Então ele leu: Nem sempre será pra o lugar que eu quiser, que o Mestre me tem de mandar; é tão grande a seara já a embranquecer, a qual eu terei de ceifar. Se, pois, a caminho que nunca segui, a voz a chamar-me eu ouvir, direi: "Meu Senhor, dirigido por ti, irei tua ordem cumprir." Eu quero fazer o que queres, Senhor; serei sustentado por ti. E quero dizer o que queres, Senhor, que o servo teu deva dizer. Eu sei que há palavras de amor e perdão, que aos outros eu posso levar; porque nas estradas dos vícios estão, perdidos que devo ir buscar. Senhor, se com tua presença real, tu fores pra fortalecer, darei a mensagem de servo leal, farei, meu Senhor, meu dever. Eu quero encontrar um obscuro lugar, na seara do meu bom Senhor; enquanto for vivo, sim, vou trabalhar, em prova do meu grato amor. 142


De ti meu sustento só dependerá, tu, pois, hás de me proteger; a tua vontade, sim, minha será; e eu, pronto o que queres a ser. -E então disse em oração ao Senhor: "Deus, perdoe a minha arrogância. Quem sou eu para escolher a lavoura? Quem sou eu para ditar as normas? A Igreja é Sua, a minha vida pertence ao Senhor. Toma-me, usa-me o quanto quiser, quando quiser e onde quiser! ---E foi assim que esse pastor começou o seu trabalho. Ele continua naquela igreja. O local ainda não tem asfalto. O seu carro novo ficou esfolado e já foi trocado. Mas muitas vidas que residem naquele bairro não são mais as mesmas. Jesus as salvou. E o Reino de Deus ali chegou. Se esse jovem pastor não fosse para lá a Obra do Senhor estaria incompleta. Ele aprendeu a humildade, aprendeu que servir a Deus não é algo para ganhar fama, dinheiro ou poder, mas para doar vida, mensagem, amor, tempo e dedicação. Hoje ele e a igreja são muito felizes. E espero que assim continuem. ---A todos os meus colegas "sem nome", desconhecidos, cujos ministérios têm sido a causa da salvação de inúmeras pessoas nos lugares onde muitos "grandes" não vão pessoalmente, ofereço este texto.

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O PORÃO - Telefone pra você, Caio! - Já estou indo, mamãe! - Caio corre até o telefone, para atender ao Renan: - Olá, Renan! E aí, tudo certo pra daqui à pouco? - Sim - responde Renan - Já estou com o jornal do meu pai e o almanaque dos países europeus. Em meia hora estarei aí. Caio, a Vivi já confirmou? - Não, Rê, vou ligar pra ela agora. Até mais! - Até. Caio pega o seu caderno de escola, abre na última página e vê o telefone das garotas da "8a. E", a sua classe. Ele é um garoto muito bonito, e, como tal, cheio de pretendentes para daqui alguns anos. - Vera, Vilma, Vitória, humm... tá aqui: Vivi: 7896-7644. Está tocando. Ela atende: - "Oi, aqui é a Vivi. No momento não posso atender. Mas deixe o seu nome e o seu número de telefone que em breve ligarei. Obrigado..." Caio sabe que ela está lá e grita: - Vivi, pare de ser chata, atende o telefone! Vivi! Vivi! VIVI!!! - Não precisa gritar, eu não sou surda! - responde Vivi - o que você quer? - Tudo certo pra daqui à pouco? - Tudo. A Sheila já fez a lista do pessoal da classe e eu do pessoal da igreja. - Ótimo. Agora só falta confirmar com o Cássio... Toca a campainha. Caio diz: - Tá confirmado, Vivi, o Cássio chegou. Te vejo daqui a 20 minutos. - Tudo bem. Até. Caio recebe Cássio: - E aí, Cacá, tudo bem? Trouxe? - Claro! - ele mostra uma fita de videocassete. - Gravei o jornal da tarde. Tem tudo que a gente precisa. - Ótimo. MAMÃE, a gente pode ir pro porão? - Não façam bagunça, que eu não sou empregada de vocês pra ficar arrumando a casa todo dia... - Tudo bem, mãe! Os dois descem. São 15 degraus até lá, um porão subterrâneo, que o seu pai tinha construído pra guardar as tranqueiras, mas que Caio, com muito custo reivindicou para si como o QUARTEL GENERAL. O pai protestou, mas decidiu deixar seu filho usá-lo por enquanto.

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Um porão bem arrumado, bem rebocado e pintado, com respiração direta do quintal lá em cima. Na parede um grande mapa-múndi, na outra fotos de crianças da Índia, Etiópia, Guatemala e favelas. Na outra uma cartolina toda marcada, com os dias da semana anotados à caneta. ao redor da mesa cinco cadeiras, quatro cadernos e quatro bíblias velhas. - Só falta a Vivi, a Sheila e o Renan chegarem, Caio. - É. Hoje temos muito o que fazer! O General conta conosco e nós não podemos falhar em nossa missão! Ouvem-se passos pela escada. Os garotos olham ansiosos: são os dois coleguinhas, Renan e Viviane. - E aí, galerinha? Chegamos! A Sheila não vem, viu? Ela teve que sair com a mãe dela comprar um peru pro Natal. - Que vocês chegaram já deu pra perceber! Agora, que chato que a Sheila não pode vir! - Diz Cássio. Cada um procura a sua cadeira ao redor da mesa. Levantam plaquinhas de identificação junto de si. As plaquinhas foram feitas pelo irmão da Viviane. São bonitas, parecem da Marinha Americana. Seus dizeres: * Cáio: Comandante * Viviane: Serviço Secreto * Renan: Inteligência * Cássio: Conselheiro * Sheila: Comunicações Caio toma a frente e começa a reunião: - Pessoal, estamos com uma missão urgente! A Argentina entrou em colapso, as pessoas perderam o emprego, vão passar um péssimo Natal, as crianças estão tristes e o governo está perdido. O mundo está preocupado e precisamos fazer alguma coisa específica hoje! - Concordo - Diz Renan. - Eu também, fala Vivi. Cássio só acena com a cabeça. Caio então passa a palavra a Vivi. Ela diz: - Gente, eu fiquei sabendo que em nossa classe tem 4 alunos que estão sendo obrigados pelos pais a frequentarem um centro de umbanda, e estão desesperados, porque detestam aquilo! Eu tenho falado de Jesus pra eles e parece que estão aceitando a mensagem! - Nossa, Vivi, que situação terrível! Os pais não podem obrigar os garotos a se envolver com os demônios! Temos que falar com o General! - APOIADO! - gritaram todos. A seguir o Renan abre o almanaque que trouxe, abre no verbete AFEGANISTÃO e diz:

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- Pessoal, o país é pobre, tem muitas tribos, eles não têm o que comer, a Rússia voltou lá pra ajudar na alimentação e eles não permitem que se abram igrejas no país. Temos que falar com o General! Mais um APOIADO! Cássio então coloca a sua fita no velho videocassete do porão e todos passam a assistir o Jornal da Tarde. No programa, todas as reportagens nacionais e internacionais. Tiroteios, crianças com fome, governos opulentos, idolatria, comemorações natalinas mundanas, os gols do Ronaldinho na Itália. Caio diz: - Renan, hoje é a sua vez de falar com o General. - Tudo bem. Todos em posição de sentido! Então, com as cabecinhas abaixadas, mãos em posição de oração, todos acompanham as palavras desse garoto de 11 anos: - Jesus, aqui é o Renan. Aqui comigo estão Caio, Viviane e Cássio. O Senhor vai bem? Que bom, porque a gente sabe que o Senhor está ótimo. Jesus, precisamos de sua ajuda. A Vivi vai falar sobre o problema da Argentina: Vivi, com a cabeça abaixada e olhos fechados, diz: - Senhor, eles estão sofrendo muito! As crianças estão sem comida, seus pais sem emprego, deve ter muitos cristãos ali pedindo que o Senhor socorra suas famílias. Ah, Jesus, por favor! Dá um jeito! Coloca no coração dos chefes daquele país uma solução! Dá comida, trabalho, paz e prosperidade pra eles! E, acima de tudo, ajuda que os cristãos falem de ti para as pessoas que moram ali! E todos dizem "Amém". Renan continua: - E agora, Jesus, nosso General, o Cássio vai falar do Afeganistão: - Pois é, Jesus, Senhor, a coisa lá tá difícil; eles estão com as pernas amputadas pelas minas que os russos fizeram, o Bin Laden fugiu e a comida acabou. Ah, Senhor, a gente tem tanto aqui, mas não sabe como fazer pra comida chegar lá! Ajuda eles, General! E tem mais um probleminha: eles não deixam falar de ti pra ninguém! Muda o coração deles, Jesus! E se precisar de mim, estou pronto pra ir lá falar do teu amor... Um "Amém" cheio de confiança. A Vivi sussurra: - Você vai mesmo, Cássio? - Se Ele quiser eu irei sim, Vivi. Mas fica quieta que a gente tá orando! - Tá - desconcertada, volta a fechar os olhos.

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- Senhor - continua Renan -, a Viviane também tem uma coisa importante pra falar. Fala, Vi... - Jesus, como que a gente faz pros pais dos nossos 4 colegas não obrigarem eles a irem pro terreiro de umbanda? Eles estão indo todo dia lá, têm que bater atabaques, tocar berimbau, eles tem que ver gente estrebuchando, gritos, cheirar aquelas coisas fedidas, eles estão com medo, Senhor! O que a gente faz? Ajuda a gente a ajudar a eles! Outro amém. Por fim, Renan conclui: - General, obrigado por mais um encontro do nosso quartel general. Amanhã, se o Senhor permitir, a gente volta. E esperamos trazer novidades boas! A bênção, Senhor! E todos dizem: "Amém"! Quando abrem os olhos, eles se assustam, mas abrem um lindo sorriso unânime: têm a impressão de terem visto alguém junto à porta, olhando para eles, com um sorriso meigo e gracioso. O interessante é que todos viram isso, e viram asas nessa pessoa: - Você viu o que eu vi, Caio? - Noooosssa! Que "da hora"! Acho que era um anjo! - Foi 10! - Diz Renan. - Era um anjo de verdade, Caio! E dos grandões! Seria um querubim? pergunta Renan! - Sei lá! Só sei que estou todo arrepiado! - Gente, vamos brincar? - Pergunta Vivi. - VAMOS! Apagam a luz do porão e sobem pra tomar chocolate com bolachas. E o porão volta a ficar vazio, porão que virou palco de fantasias de crianças. Fantasias? "Vede, não desprezeis a nenhum destes pequeninos; pois eu vos digo que os seus anjos nos céus sempre vêm a face de meu Pai, que está nos céus. (Mt 18.10) "Pois onde se acham dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles."(Mt 18.20) "e disse: Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus."(Mateus 18.3) "O anjo do Senhor acampa-se ao redor dos que o temem, e os livra." (Sl 34.7)

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"Ainda vos digo mais: Se dois de vós na terra concordarem acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus. (Mt 18.19)

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O SEU DESTINO João Diabo. Esse era o nome de seu pai. Um bandido de alta periculosidade. Diziam que sua faca era do capeta. Com ela matara mais de setenta homens. Assaltos, roubos, estupros, tudo isso. Ele, o Joãozinho, era fruto de um estupro destes. Sua mãe, pobre mulher, humilhada pelo infeliz, tentava criar o menino da melhor maneira que podia. Lavava roupas para fora, fazia diárias de limpeza e não deixava faltar o pão e a roupa. Luxo isso não tinha. No bairro a fama de João Diabo era terrível. Todos tinham uma história pra contar. E quando contemplavam o pequeno Pedrinho não tardavam a dizer: Pedrinho Capeta. "Vai seguir o destino do pai; por que a mãe não abortou essa peste?" O menino crescia triste, aborrecido, cônscio de que era fruto de uma desgraça. Sua mãe, contudo, inspirava-lhe outros sentimentos: tinha-a como salvadora, pois se não fosse a sua coragem e determinação, o seu fim teria sido uma coletagem imediata. Na escola era temido. E os moleques malvados se aglomeravam junto a ele, dizendo: "Pedrinho, você tem que seguir o seu destino. Você será do mal, venha conosco!" Pedrinho sentia vontade de vingar-se de todos que lhe apontavam o dedo. Às vezes sentia desejo de tomar uma faca da cozinha de sua mãe e matar a todo aquele que o insultava. Mas algo dentro dele dizia: "Ninguém será dono do meu destino". E assim seguia, não sem lutas e conflitos. Batia e apanhava na porta da escola, levava suspensão na diretoria, sua mãe chorava muito por não ter bom resultado nos corretivos. Mas assim ele seguiu. Um dia, à porta do colégio, os Gideões Internacionais, entidade internacional que distribuía novos testamentos, estacionou uma kombi na frente do colégio. Alguns homens davam de presente um exemplar do novo testamento, salmos e provérbios aos estudantes. Ele pegou um e saiu a ler. Encontrando o encarte que dizia: "Está triste? Leia tal coisa", imediatamente foi procurar. No início teve dificuldades, mas aos poucos conseguiu identificar o que significavam aqueles números e letras. E um novo mundo se abriu para ele. "Eu sou o dono do meu destino; não terei que ser como meu pai". Pedrinho converteu-se ao evangelho. Fê-lo sozinho, no pátio do colégio, com o seu livrinho em mãos. Sua transformação foi evidente. Logo descobriu uma igreja onde se pregava o Novo Testamento e foi conhecêla. Havia classe de adolescentes e ele identificou-se com eles. Sua mãe, surpresa, viu no menino um novo filho, um menino diferente do que o 149


seu destino prometia. Pedrinho foi batizado e tornou-se um crente em Jesus Cristo. Logo conduziu mamãe ao Senhor e passou a partilhar com os colegas a mensagem de Cristo. Quando tinha dezesseis anos, pediu à mãe para visitar o estuprador que lhe gerara. A mãe, perplexa, ficou muito entristecida. Mas tamanha foi a insistência, que lhe indicou a cadeia e o nome do bandido. Pedrinho foi até lá, acompanhado de uma tia. À porta da penitenciária recebeu a notícia: "Pedrinho, o bandido não quer recebê-lo; disse que você não é gente, mas um erro e avisou-o para nunca mais procurá-lo, senão ele mandará matá-lo". Imaginem a tristeza deste menino junto à tia. Até o carcereiro comoveu-se. Este, imaginativo, disse: "Escreva uma carta e eu lerei para o João Diabo". O garoto mais que depressa conseguiu lápis e papel e escreveu o seguinte: "João Diabo, aqui é o Pedrinho, fruto de sua violência a uma mulher decente. Como filho de seus lombos eu deveria seguir a mesma sina, andar nos mesmos passos de papai. Contudo eu descobri que quem faz o destino somos nós mesmos e que não tenho o menor interesse em seguir pelo caminho que o senhor seguiu. Pai, sou de Cristo e quero que saiba que ainda há uma chance para o senhor: Deus mandou Jesus para ser punido em seu lugar. Receba-o em seu coração e seja um novo homem. Não seja mais João Diabo, mas João de Cristo. E se um dia precisar de mim e quiser me ver, estarei aqui para lhe acolher. Com respeito, seu filho Pedrinho". Pedrinho soube que seu pai nem quis ouvir a carta. Mas o carcereiro guardou-a. Dois anos depois, quando João Diabo morreu numa rebelião, a carta foi colocada em seu caixão, seguindo com ele para a campa fria. Pena que não seguiu em seu coração. Com Pedrinho cumpriu-se o que a Bíblia diz: A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai levará a iniquidade do filho. A justiça do justo ficará sobre ele e a impiedade do ímpio cairá sobre ele. (Ez 18:20) Pedrinho fez o seu próprio destino. Decidiu que não seria réplica do próprio pai. Ele não estava fadado a cumprir uma sina, a seguir o chamado do sangue. Pedrinho tornou-se um homem de bem. Passou a ser conhecido como Pedro de Cristo, em antagonia com o estuprador que lhe gerara, João Diabo. Pedro tornou-se um homem feliz e realizado, cheio das dádivas de Deus. E lá no Céu, onde Jesus está, quando ouviu Pedrinho dizer: "Eu te escolhi, Senhor Jesus", foi como se ecoasse novamente uma frase que o Senhor já dissera quando por aqui peregrinara em Sua vida messiânica: 150


Não me escolhestes vós a mim, mas eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em meu nome pedirdes ao Pai ele vo-lo conceda. (Jo 15:16) Que dádiva incomparável a do Senhor, que nos dá a bênção de não sermos escravos do fatalismo e do destino! Podemos fazer diferente, podemos seguir caminhos melhores do que os de nossos pais! Porém, ainda que livres neste sentido, foi a graça de Deus que operou eficazmente na vida do rapaz, que não foi morto através de um aborto, que não perdeu a vida nas brigas da escola e que não seguiu ao chamado do sangue, que lhe inclinava para a vingança. E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. (Rm 8:28) Se o leitor é daqueles que acham que não há mais jeito para si, lembre: você faz o seu destino. E se escolher seguir a Cristo, saiba: Ele já o escolheu primeiro. Glorifique-o com amor e viva com fervor essa vida maravilhosa! Não mais João Diabo, mas Pedro de Cristo!

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O ÚLTIMO FORRÓ O forró corria solto no centro da cidade, interior da Paraíba. O povo alegre dançava e fazia festa. A bebida rolava à vontade. Zé Mutreta era o sanfoneiro afamado naquelas bandas. Tocava que era uma beleza. Gostava de desafios: “Se me pedirem uma música e eu não souber tocá-la, pago uma cerveja”. O povo não conseguia vencê-lo. Zé Mutreta tocava todas! Numa noite dessas, já cansado de tocar, com vontade de dormir, começou a questionar-se: “Será que sou feliz?” Nisso alguém gritou: “Tu sabes qualquer uma, seu menino?” “Sei qualquer uma, homem!” “Então toque aí FOI NA CRUZ, FOI NA CRUZ; essa você não sabe, pois é música de crente!” Pois o Zé Mutreta tocou! “Ó quão cego eu andei e perdido vaguei, longe, longe do meu Salvador! Mas da glória desceu e seu sangue verteu pra salvar um tão pobre pecador”... Zé Mutreta foi cantando e tocando. Lembrou-se da infância e da igreja, da Escola Dominical e dos conselhos do velho pastor: “Não vá pro Inferno, menino; converta-se a Cristo!” “Foi na cruz, foi na cruz onde um dia eu vi meu pecado castigado em Jesus...” E subitamente parou. O povão, que dançava e até acompanhava a letra parou também e olhou pro sanfoneiro, que chorava ajoelhado. “Foi ali pela fé que meus olhos abri..” Zé Mutreta se levantou, enxugou os olhos e disse: “E agora me alegro em sua luz”. Em seguida, falou: “Esse foi meu último forró. Levei a vida toda como um pecador cego; esqueci as lições que aprendi na igreja. Mas hoje eu me entrego a Jesus e vou segui-lo, e sei que serei feliz, finalmente!” Acabou-se o Zé Mutreta. Daquela noite em diante nascera o José Simão, homem de Deus. O sanfoneiro que se converteu no meio do forró. O mundo passa e ilusões também. Mas aquele que se entrega a Jesus vive para sempre e tem a vida eterna. Converta-se hoje ao Senhor e seja feliz!

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OS AMIGOS Carlos André fora um executivo de grande sucesso numa empresa de comunicações. Seu nome era sinônimo de audiência, credibilidade, excelência. As suas linhas telefônicas tocavam o tempo todo. A sua caixa de e-mails era lotada. Com o surgimento dos celulares android, também era farta a comunicação por aplicativos. Poderia se dizer que era um homem muito bem situado. A empresa onde trabalhava enfrentou a turbulência do mercado financeiro e das grandes concorrências. Ao cortarem gastos, cortaramno também do quadro de funcionários. Carlos André perdeu o emprego. Com o emprego também acabou a sua popularidade. O telefone emudeceu; a caixa de e-mails esvaziou-se. Os aplicativos deixaram de acusar a presença dos amigos de sempre. Foi então que me procurou. Encontrei-o numa loja de conveniências de um posto de gasolina. Conversamos e oramos. Ele não estava em má situação; pelo contrário, como era organizado nos gastos, apenas aguardava que uma outra empresa o chamasse, o que poderia demorar diante da crise. Mas estava perplexo com o desaparecimento dos amigos. - Pastor, é impressionante o silêncio dos colegas e amigos! Até ontem eu era popular, recebia mensagens, era convidado para encontros e reuniões. Eles simplesmente sumiram! - Carlos André, eu conheço bem esse comportamento. As pessoas são amigas de sua posição, de sua influência, de seu cargo. Olhe para os políticos. Você se lembra de algum que deixou o cargo? Acredito que não. Ele foi esquecido. E os jogadores de futebol? Basta deixarem um time importante, terem os salários diminuídos, que são logos deixados de lado pelos comentaristas e pela mídia especializada. Você, como comunicador, sabe que os que faziam programas de tv e saíram, não são mais lembrados. Apenas quando alguém resolve fazer um quadro do "por onde anda fulano" é que deles se lembram, e para tratá-lo como um pobre coitado, não é mesmo? - Mas não devia ser assim, pastor! Eu nunca tratei ninguém pela posição que tinha, pelo valor da conta corrente ou pela influência! Por isso sinto falta destes amigos! Não é justo que me desconsiderem assim! - Caro irmão, as pessoas são assim mesmo. O filho pródigo tinha amigos enquanto o dinheiro era abundante. Ao fim dos recursos sumiram os amigos. Ao voltar para casa teve festança. Lembra-se de Davi, quando teve o trono usurpado pelo filho Absalão? Imediatamente foi trocado 153


pelos amigos, não todos. Mas recuperou o poder e os amigos reapareceram. O mundo é assim: "rei morto, rei posto", não importa quem seja. - Mas isso é errado, pastor! - Claro que é, meu irmão! Muito errado. É um insulto silente! Mas precisamos conviver com isso. Lembra-se do Senhor Jesus Cristo, ovacionado pelo público no chamado Domingo de Ramos? Foi preso na sexta-feira chamada Da Paixão e até os seus apóstolos o abandonaram! E o que foi que Ele fez com eles? - Bem, eu acho que perdoou-os, estou certo? - Sim, meu irmão. Ele os perdoou, ainda que não tenha ficado feliz com aquilo. E sabe o que mais? Ele tinha o suficiente com o Seu Pai; por isso não dependia do suprimento dos supostos discípulos. Nós, infelizmente, passamos a depender dos outros para sentir felicidade. Quando os amigos minguam, parece-nos que o mundo acaba. Mas não é assim. Lembre-se do que Jesus disse: Eis que chega a hora, e já se aproxima, em que vós sereis dispersos cada um para sua parte, e me deixareis só; mas não estou só, porque o Pai está comigo. (Jo 16:32) - Valeu, pastor! O Pai está comigo também, e isto me basta! Pode ter certeza de que o senhor será o primeiro a saber sobre a minha recolocação, ok? Continue a orar por mim! Despedimo-nos. Saí convencido de que ele compreendera o que lhe falei. De fato a sua recolocação não demorou muito. E, no dia seguinte ao novo contrato, ele me ligou: - Pastor, fui recolocado! Estarei na diretoria de outra emissora de comunicação! - Meus parabéns, Carlos André! - E tem mais, pastor! Aquela nossa conversa foi didática! Assim que eu comuniquei o meu reingresso, a minha caixa de e-mails lotou com mensagens dos amigos que haviam desaparecido! Eles vieram me saudar. Mas, cá pra nós, acho que vieram saudar o cargo! Eu ri e disse: - Aproveite o regresso, meu irmão. E não se estribe mais na fragilidade de amigos sujeitos às suas próprias limitações; estribe-se no Senhor Jesus, que nunca nos decepciona e jamais nos abandona! - Pode deixar, pastor! Estou vacinado! Fico feliz com os amigos, mas sei que o verdadeiro valor está no Senhor Jesus! E também naqueles amigos que não sumiram enquanto estive desempregado! Tem uns poucos que merecem mais de mim. Obrigado, pastor, pela atenção! (ficcional) 154


----Leitor caríssimo, não confie em sua popularidade, em sua fama, em seu dinheiro ou em sua saúde. Não confie em suas enormes redes sociais. Tudo isso passa e, quando passar, as pessoas lhe esquecerão também. Para não frustrar-se e não construir a casa de sua vida sobre a areia movediça dos interesses, confie em Jesus Cristo, Senhor e Salvador, que não nos valoriza pelo que temos (nada temos diante dEle!), mas por quem somos (Seus escolhidos, amados e salvos por seu precioso sangue!). Trate os amigos com amor, com ternura, mas também com absoluta consciência de que "O homem de muitos amigos deve mostrarse amigável, mas há um amigo mais chegado do que um irmão". (Pv 18:24) Selecione alguns especiais, aqueles que ficam quando todos os outros vão embora. E invista nestes relacionamentos. Aos demais, seja bom e dê de si e a si, mas sabendo que "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?" (Jr 17:9) Agradeço a Deus pelos verdadeiros amigos que tenho, que estão comigo em todos os momentos. E agradeço por aqueles que não estão o tempo todo. Que eu seja uma bênção para todos. Por Jesus, o meu melhor, maior e único COMPLETO AMIGO, o único que seguirá ao meu lado onde ninguém mais seguirá, para o além! Amém!

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OS MEUS SONHOS SE CUMPRIRÃO Pedro sonhava em matar o seu chefe. Sim, porque era ele um antigo amigo em dificuldades, que encontrara emprego na firma por intercessão de Pedro. Contudo, esse amigo progrediu e Pedro estagnou. Não era justo. Além disso Pedro sentia-se preterido por esse novo chefe. "Um dia eu irei matá-lo!" Maria amava Carlos, que era marido de Sofia. Era um sentimento adúltero, mas ela não conseguia dominá-lo. Na verdade nem queria. Fora madrinha de Sofia naquele casamento e naquela época nada sentia. Mas Carlos insinuava-se pelo olhar, pelo piscar e por mensagens particulares no celular. Maria alimentou o sentimento. Sofia nem desconfiava; tinha tanta confiança que às vezes pedia a Maria para ficar em sua casa enquanto ia a um mercado ou banco, mesmo que Carlos estivesse presente. Em seu coração pensava: "Eu hei de tirar Sofia desse casamento, ainda que seja com um adultério". Juvenal era um rapaz sem prudência. Tudo o que fazia era impensado. Agora, alimentado por uma falsa propaganda tencionava vender a casa e investir numa pirâmide financeira. Tinha diversos e-mails de pessoas que diziam ter enriquecido da noite para o dia e ele também queria ter muito dinheiro. Como a casa estava em seu nome pensou em hipotecá-la, pegar o dinheiro e investir tudo na pirâmide financeira. A promessa era: receberia dez vezes mais! Pedro, Maria e Juvenal foram à igreja, convidados por amigos e encontraram-se naquele dia em que o Apóstolo Jacinto faria uma grande reunião. Era uma igreja batista, mas o pastor local pouco se importava; jamais conseguira tantos visitantes e o Apóstolo tinha fama de milagreiro. Assim, após músicas e muita falação, passou a palavra ao performático Apóstolo Jacinto. Depois do show pirotécnico desse embusteiro, passou a fazer afirmações e chamar pessoas para a frente: "- O Espírito Santo está me dizendo que você, que sonha em tomar o lugar do seu chefe, conseguirá realizar o seu sonho! Venha à frente e Deus concretizará o que você tanto tem imaginado!" "- Também estou vendo, através da clarividência do Espírito que aquele homem que você ama e que tem grande impedimento será libertado e você o terá como seu marido, realizando seu sonho! Não importam as barreiras, Deus o trará direitinho para você!"

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"- Deus não é Deus de covardes; você, que precisa dar aquele passo e investir um grande dinheiro no seu sonho, hoje receberá a vitória esperada: pode dar o patrimônio naquele projeto que o Senhor lhe concederá a vitória estarrecedora!" Pedro saiu da reunião muito feliz e realizado, certo de que seu chefe iria fracassar e que ele iria prosperar. E mais: agradeceu a Deus pela morte do oponente. Saiu feliz e satisfeito, e absolutamente distante do Deus verdadeiro, que diz em Sua Palavra: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem" (Lc 6.27) e "obedecei aos vossos chefes (Col 3.22). Maria estava tão feliz que não parava de sorrir e cumprimentar as pessoas. Para ela Carlos pediria o divórcio ou adulteraria imediatamente, colocando um ponto final no casamento de Sofia, que tanto lhe atrapalhava. Ela pensava: "Deus disse que o que é meu virá a mim!" E saiu feliz da vida, confiando num deus falso e mentiroso, anunciado pela boca de um falso profeta. O Deus verdadeiro diz diferente: "não adulterarás" (Êx 20.14) e "Deus julgará os adúlteros" (Hb 13.4). Juvenal saiu decidido a vender todo o seu patrimônio e investi-lo na pirâmide disfarçada. Agora ele estava possuído de uma palavra de fé, emitida pelo Apóstolo, supostamente enviado por Deus, mas que, na verdade, era um enviado de Satanás e fortalecera a natureza pecaminosa de Juvenal. Não adiantava acreditar no sonho, pois se tornaria pesadelo, ainda que um suposto apóstolo tivesse proclamado. Diz a Escritura: "de que adianta ganhar o mundo inteiro?" (Mt 16.26)? "O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males" (I Tm 6.10) e "tendo o que comer e o que vestir, estejamos contentes (I Tm 6.8). Povo de Deus: cuidado com o púlpito de suas igrejas! Cuidado com os seus supostos apóstolos! Cuidado com as pregações triunfalistas e satânicas de quem não obedece ao Deus da Bíblia! Que sejamos como os bereanos: a cada pregação, que venhamos conferir se a mensagem está de acordo com a Palavra de Deus. Se não estiver, DENUNCIEMOS! Só assim não erraremos.

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PASTORES TAMBÉM CHORAM Encontrei-o tristonho, pensativo. Vi que havia um lenço sobre a mesa. Ele chorara. Um pastor muito meigo, ajudador, um bom amigo. Carregava a sua tradicional sacola com folhetos e livros. Lia muito e também visitava. Mas hoje estava triste. "Olá, Pastor Assis. O que há? Estava chorando?" Ele tentou recompor-se para cumprimentar-me, explicando-se: "É o frio paulistano, ninguém esperava tanta friagem, não é mesmo? Estou com um pouco de coriza". Claro que era uma desculpa. Sentei-me e pedi o nosso tradicional café com leite. Para acompanhar, uma gostosa coxinha. Aquela padaria da zona leste é muito boa. - Ah, Pr. Wagner, às vezes o coração se entristece! - Eu sei, Pr. Assis. Como sei! Mas o que é que acontece hoje? Por que está tão reflexivo? - Talvez me sentindo esquecido, colega. E perguntando para mim mesmo se o que faço tem valido à pena. - Pastorear? - Não! De forma alguma! Depois de 40 anos no ministério descobrimos de fato que essa era a nossa vocação. Estou triste por ser invisível. - Como assim? - Ninguém me vê! O irmão sabe que não consigo deixar de ajudar, socorrer, encaminhar. - Sei sim, pastor. O irmão tem mais coração do que cérebro (e não estou criticando). Quem não sabe que há aí no irmão um ombro amigo e um ajudador que não mede esforços? - Pois é, Pr. Wagner. Fiz disso a minha filosofia de vida. Ajudo outros colegas a encontrar um novo ministério, tento auxiliar casais em crise, procuro conectar as pessoas. - E como o seu trabalho é precioso, Pr. Assis! O que seria de nós sem o seu empurrãozinho! - Obrigado, Pr. Wagner. Mas acho que é só o irmão que pensa assim. - Por que? - Vou contar-lhe um caso. O irmão sabe que com muita dificuldade pastoreio a igreja da Pedreira Colibri. Começamos esse trabalho e com a graça de Deus ele existe e segue avante. - E como sei! Quando ninguém acreditou no projeto o senhor foi avante, investiu tudo o que tinha e hoje há uma igreja muito boa ali. 158


- Sim, muito boa e pequenina. Não reclamo, ela é uma bênção. Mas parece que eu não sirvo pra mais nada, sabe? - Por que? Conte-me. - Pois o irmão não imagina que situação constrangedora. A Igreja de Vila Quitéria ficou sem pastor no último mês. Uma família influente convidoume para tomar café. Lá fui eu. Ao chegar me disseram: "pastor, precisamos de um nome para indicar à igreja. Um bom pastor que ainda seja conservador, que possa pastorear-nos. Não conseguimos pensar em ninguém. O irmão tem alguma sugestão? - E o irmão? - Eu disse: sim. Indiquei um colega. Mas lá no fundo pensei: eles estão olhando para mim e não me veem! Será que sou tão ruim assim? - Não, pastor, não pense assim. Eles talvez não imaginassem que o irmão estivesse disponível. - Eu sei, Pr. Wagner, mas a questão é: em um ano auxiliei mais de 12 igrejas e pastores a encontrar um novo ministério; por que eu nunca sou lembrado? Sou tão medíocre ou ruim assim? Eu nunca sou um nome cogitável? - E o pastor recomendado, aceitou? - Sim, e nem muito obrigado falou! - Ai... - É a vida. Já estou acostumado com esse tipo de gratidão. Antes me procuram, demonstram afeto, amizade. Depois que tudo se acerta riscam-me da agenda e eu volto à inexistência. - Não fique triste, pastor. Deus está vendo. - Eu sei. Contarei outra. Um casal precisava de grande socorro. Faltava uma frase apenas para que o divórcio se completasse. Eu era a última opção. Lá fui eu. Vi a crise, vi que não seria nada fácil. Mas fiz o que pude e o casal reconciliou-se. - Glória a Deus, pastor! Eles estão bem? - Sim, tão bem que resolveram realizar um culto de reconciliação. - E o irmão foi? - Quem disse que fui convidado? - ... - Outro dia pediram-me para auxiliar na solução de uma injustiça na associação. Um colega mal intencionado não deixava o poder. Estava levando a instituição ao abismo. Pediram-me para somar com eles na solução do problema. Fiz o meu papel, cooperei, protestei, votei. Conseguimos solucionar. E na hora das indicações eu sequer fui lembrado para a oração silenciosa. 159


- Típico, pastor. Muito comum nessas esferas políticas. - Não era política, meu irmão, era associação de igrejas! - Ah, puxa, pastor, sinto muito! - Estou cansado, Pr. Wagner. Não reclamo da vida, não reclamo da igreja e nem dos poucos irmãos que congregam ali. Reclamo é da ingratidão, de não ser ninguém além de um serviçal. Ajudo a tantos e nem sou lembrado! - Bem, pastor, acredito que o que o senhor sente eu e tantos outros sentimos muitas vezes, mas em proporção muito menor do que a sua. O irmão é inigualável em sua doação pelo próximo. Mas há três textos que me ajudam muito nessas horas de dor interior. - E quais são, Pr. Wagner? Diga-os, pois estou precisando de um azeite fresco para uma alma ressequida. - O primeiro é este: Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti. (Is 49:15). Por vezes nos sentimos esquecidos como um órfão. A própria mãe o abandona. No nosso caso somos simplesmente invisíveis: abandonam-nos na prática: convidam-nos para as crises e esquecem de nós nos festejos. Precisam de nossa indicação nas oportunidades e não precisam de nós para os serviços e as funções. Buscam-nos quando querem algo, ignoram-nos quando já conseguiram. Infelizmente é assim. Contudo, Deus promete que não se esquecerá de nós. E Ele é fiel e justo. Não deixará de lembrar-se do que fizemos. - Ah, Pr. Wagner, como é bom ter um Deus tão bom e amoroso como o nosso! - O segundo texto que muito me conforta é este: Porque Deus não é injusto para se esquecer da vossa obra, e do trabalho do amor que para com o seu nome mostrastes, enquanto servistes aos santos; e ainda servis. (Hb 6:10). Eu sei, Pr. Assis, que as pessoas só se lembram de nós quando precisam de ajuda. Somos a última alternativa. Precisam de nossa mediação, de nossa palavra, de nossa oração, de nossa intervenção. E nos procuram. Só que pensam com o ventre: só se lembram da comida quando há fome. Saciada esta, então descartam-nos como a uma manjedoura desnecessária. E se esquecem que existimos. Aliás, isso quando só se esquecem, porque às vezes ainda nos causam dores e ingratidões... - É verdade, colega! Um casal a quem auxiliei na restauração do casamento abandonou a igreja dois meses depois, alegando que éramos muito pobres para o seu nível intelectual e financeiro... 160


- Pois é, Pr. Assis, as pessoas são assim, injustas e ingratas. Por isso o Senhor não se fiava a elas, mesmo que o quisessem coroar rei delas. Lembra-se? Mas o mesmo Jesus não confiava neles, porque a todos conhecia; (Jo 2:24). Lembra-se dos 10 leprosos curados pelo Senhor? E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E onde estão os nove? (Lc 17:17). Só um voltou. Em nosso caso, muitas vezes, nem um retorna. Mas isso não invalida essa maravilhosa verdade: Deus sabe. Deus conhece. Deus vê. Deus anota e ao final receberemos a nossa recompensa. - Obrigado, Pr. Wagner, pelo consolo tão necessário! Parece que a decepção nos faz esquecer dessa verdade tão presente! Temos um Deus que não se esquece de nós! - Sim, Pr. Assis, mas há um último texto, que quero compartilhar com o senhor: Considerai, pois, aquele que suportou tais contradições dos pecadores contra si mesmo, para que não enfraqueçais, desfalecendo em vossos ânimos. (Hb 12:3). Ah, Pr. Assis, não desanime! Ainda não terminou o seu trabalho! Por maior que seja a ingratidão sofrida, por mais que as pessoas não lhe vejam (precisam de pastores mas não lhe enxergam como uma opção), não desista! Saiba que o Senhor não lhe deixará nem desamparado e nem esquecido. Ele se lembra diuturnamente do irmão! - Pr. Wagner, o irmão é tão mais novo do que eu e está sendo como um conselheiro para mim! - Não, pastor, eu apenas estou pensando alto com o meu amigo, buscando de alguma forma despertar nele a força que precisa para não desistir de ser a pessoa maravilhosa que é, o pastor amigo, amado, cordial, ajudador, piedoso e presente. O que seria de nós se o senhor desistisse, pastor? Saber que teremos o senhor para desabafar, para nos ajudar, nos socorrer, nos estender a mão, torna o ministério muito mais fácil. É maravilhoso saber que o irmão é um homem segundo o coração de Deus! Por favor não desista! - Obrigado, Pr. Wagner, pelo carinho e pelas boas palavras! Vou considerá-las. Quer almoçar comigo? Dona Maria está preparando uma bela canja para esse dia frio! Que tal? Paguei a conta e segui com o Pr. Assis, para a Pedreira. Depois fui para a igreja seguir com meu ministério e senti-me feliz e realizado por ter ajudado o Pr. Assis a não desistir de ser quem era, um homem raro, um pastor de verdade! E o seu senhor lhe disse: Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor. (Mt 25:21) 161


Que outros Assis, que me leem, não desistam também.

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PARÁBOLA DAS TRÊS ÁRVORES O Dr. João Lavoura chegou ao bairro munido de três vasos. Pelo megafone do carro convidou os moradores para receberem gratuitamente uma muda preciosa da planta que trazia. Três pessoas se apresentaram. Ele foi ao carro e cuidadosamente retirou os três grandes vasos. Eram umas arvorezinhas já formadas, com alguns botões de flores e uma ou duas frutinhas penduradas. Ele colheu-as e deu-as aos voluntários, que espantaram-se pelo maravilhoso sabor que tinham. "Amigos, estou lhes presenteando estas árvores. Dentro de um ano voltarei para ver como elas estão. Tudo o que precisarão fazer é regá-las todos os dias e arrancar as ervas daninhas que aparecerem. Comam das frutas à vontade. Se quiserem transplantar para a terra, façam-no. Quanto mais cuidarem, quanto mais frutos apanharem, mais elas produzirão. Aquele que tiver a árvore de melhor porte terá uma recompensa. Os demais só terão a árvore. Adeus". Os voluntários levaram os vasos para as suas casas. Nos primeiros dias os cuidados foram constantes. Todos transferiram as árvores para o quintal de suas casas. Regavam-nas na hora certa e tiravam o mato quando aparecia. As árvores floriam e frutificavam. Dava gosto ver a produção. O tempo foi passando e as diferenças foram surgindo no comportamento dos voluntários. O primeiro deixou de regar a planta todos os dias, conforme recebera instruções. A árvore foi enfraquecendo a cada dia. Ele passava por ela uma ou outra vez na semana e tirava o mato que crescia. Depois esqueceu de sua existência. A planta tornou-se infrutífera. O segundo regava a árvore quase sempre. Às vezes até mais do que o necessário. O mato, entretanto, crescia a olhos nus. Ele não o arrancava, pois temia estragar alguma raiz da árvore. Logo alguns parasitas instalaram-se no tronco e dominaram a rama da árvore. Ela não cresceu mais e foi dominada pelo sufocamento de folhas do matagal ao redor. O voluntário abandonou-a ao léu. O terceiro fez tudo certinho. Regava todos os dias. Pela manhã a regava com cuidado, bem como de tardezinha, quando chegava do trabalho. Com o olhar atencioso observava o mato que aparecia ao redor e arrancava a todos eles. Percebera uma praga de cochonilhas e os pulgões de insetos; fez um preparado com vinagre e acabou com o estrago. A árvore crescia. Tornou-se tão frondosa e bela que abrigou diversos pássaros no calor do sol e na escuridão da noite. Os frutos eram tantos 163


que o voluntário não vencia apanhá-los. Ele servia a rua inteira, os parentes e amigos. Era tamanha a abundância que vários caiam na terra e davam origem a mudinhas. Venceu o ano e o doador veio observar as árvores. O primeiro voluntário apareceu e mostrou-lhe a planta. Estava raquítica, fina e sem copa. Não dava flor, não gerava fruto, era uma planta meramente sobrevivente. Então reclamou ao doador: "Acho que a planta que o senhor deu veio com alguma doença, algum defeito genético; ela não se desenvolveu. Qual é a minha culpa?" O segundo voluntário levou o doador para ver a sua árvore. Que árvore? Havia apenas um tronco seco no meio do matagal. O capim crescera e as ervas daninhas produziam abundantemente. O cuidador afirmou: "Eu até que tentei cuidar, mas infelizmente o mato foi mais rápido do que eu. Acabou por sufocar a sua árvore. Poderia me dar outra muda, por favor?" O terceiro voluntário veio agradecer: "Dr. João, eu quero lhe agradecer pela muda que me deu. Como é boa! Comi do fruto o ano inteiro! Ela está tão linda que os meus filhos brincam em seus galhos! Foi mesmo uma beleza. Muito obrigado!" O Dr. João estava feliz. A árvore estava do jeito que deveria estar. Então disse a este voluntário: "Muito bem, nobre voluntário! O senhor fez muito bem o seu papel! Quero convidá-lo a ser meu sócio. Eu buscava alguém que estivesse grato e feliz pela árvore frutífera que produzo, alguém que a regasse todos os dias e que não deixasse o mato sufocá-la. Os seus vizinhos não fizeram assim; apenas apresentaram-me desculpas e solicitações. As mudas eram idênticas. O problema não foram as árvores; foram eles pela falta dos cuidados necessários. Venha! Venha conhecer a sua nova chácara. Trabalharemos juntos daqui para frente..." ---------A árvore é a comunhão com Deus. Fomos agraciados com a mensagem do evangelho. Deus nos buscou em Cristo, trazendo-nos perdão dos pecados e salvação da alma. E propôs-nos uma nova vida de comunhão diária e duradoura. Prometeu frutificar-nos, na medida em que cultivássemos a nossa fé, a nossa devoção, a nossa meditação nas páginas das Escrituras Sagradas. Alguns, ao receberem a mensagem, ficaram felizes e até se decidiram por seguir ao Senhor. No início tentaram uma comunhão com Deus. Mas o 164


tempo passou e o ímpeto da novidade também acabou. A decisão de ter comunhão foi mero fogo de palha, uma euforia temporária. O resultado não poderia ser outro: jamais saíram da estaca zero; tornaram-se eternos bebês recém-nascidos. Jamais apropriaram-se das promessas, jamais conheceram perfeitamente a Deus. Além disto consideraram que o problema que tinham era culpa de Deus, pois a fé que parecia terem não dava fruto. Outros que também receberam a mensagem do Senhor também começaram bem, eram honestos e muito empenhados. Mas aos poucos Satanás, o adversário, foi trazendo tudo aquilo que suas almas cobiçavam e que certamente mataria a sua fé. Os que tinham vidas anteriormente promíscuas foram aos poucos retornando ao pecado. Os que eram escravos dos vícios (bebida, cigarro, drogas, pornografia) regressaram às velhas práticas. E aqueles que haviam abandonado os seus ídolos regrediram na fé, retornando à antiga consulta de horóscopos, de espíritos, de gurus, de signos, de ciganas, de vãs filosofias. O que restou foi um restolho monstruoso, que tem o nome de Cristo mas não tem vida alguma, uma fé seca e morta, talvez envernizada, mas absolutamente inexistente. Finalmente, há os que receberam com alegria a muda e decidiram cuidar dela com a simplicidade com que foram orientados: regar a fé e cuidar para que as ervas daninhas não tomassem conta. E assim fizeram, com constância e determinação, com resignação e consagração. Buscaram a Deus todos os dias, oraram mesmo quando não tinham vontade; fizeram da Bíblia o seu livro de cabeceira e procuraram viver a fé que receberam. O resultado foi a abundância constante do fruto desta comunhão: paz com Deus, alegria infinda, felicidade e domínio próprio. Para eles não houve tempo ruim. Para eles as lutas de agora não se compararam com a felicidade que sentiram com Cristo e com a certeza de uma vida plena no Céu. Estes são os aprovados! Somente estes realmente foram salvos. Somente estes terão parte na chácara do céu, na Nova Jerusalém. Estes são os que venceram pelo sangue do Cordeiro de Deus. Estes são os que cuidaram da comunhão de verdade. Não foram salvos pelas obras, mas pela fé. Contudo, por causa da salvação que têm, não podem olvidar da comunhão diária e da verdadeira consagração ao Senhor. A verdadeira fé gera a verdadeira comunhão. ---

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Amigo leitor, eu poderia forrar esta parábola com dezenas de textos bíblicos, mas creio que os leitores já sabem quais são eles. Eu pergunto: que tipo de voluntário é você? Seria do tipo que recebe a fé e não a rega, mantendo-se um bebê espiritual para sempre? Ou seria alguém do tipo que deixou o mundo e os seus cuidados sufocarem a nova vida que pensou ter? Ou será você alguém do tipo verdadeiro, cuja fé reproduz-se dia após dia com o fruto de uma nova vida? Que Deus o ajude a ser alguém do tipo que irá morar no Céu, com Jesus Cristo, o dono da comunhão.

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PODEMOS CONVERSAR, PASTOR? - Alô? - Alô, é da igreja? Quem fala? - É a secretária Maria. Pois não? - Irmã Maria, aqui é o irmão Juca. Estou precisando conversar com o pastor sobre alguns problemas que estou a atravessar. Quando eu poderia estar no gabinete dele? - Irmão Juca, o irmão é membro desta igreja? - Sim, irmã, desde 2004. - Ah, certo. O irmão sabe que temos todo um sistema administrativo a obedecer, não é mesmo? - Que sistema, irmã? - Bem, o irmão precisa entrar no site da igreja e abrir uma solicitação de entrevistas. Então receberá um protocolo em 72 horas. Assim que tiver o número começará o processo de agendamento. Entre no site e inscrevase. Deus lhe abençoe. Juca fez o que a secretária pediu. Abriu uma “ficha de solicitação de entrevista pastoral”. Aguardou dez dias e então um protocolo chegou pelo celular, dizendo-lhe que entrasse novamente no site com um password e uma senha. Ao fazê-lo, descobriu que podia escolher entre três datas e horários, todos eles após seis meses! Juca ligou novamente para a igreja. Agora a secretária não atendia mais; colocaram uma máquina com mensagens pré-gravadas. Ele acompanhou o "menu": - Olá! Só Jesus Cristo Salva! Se você é membro, disque 1...” Ele discou. “Se já tem um protocolo, disque 1...” Ele discou. “Digite o seu protocolo pausadamente...”. Ele o fez. A voz disse: “número inválido. Tente novamente amanhã. Felicidades”. "AMANHÃ?!!" Juca estava nervoso. No dia seguinte tentou novamente. Conseguiu. Então a voz disse: “Se quer oração, disque 1, se quer contribuir, disque 2, se quer ser membro, disque 3, se deseja ... e se nenhuma das opções resolveu, disque 9 e aguarde o atendimento. Informamos que esta ligação está sendo gravada. Anote o seu protocolo;..." Após dois minutos de silêncio, uma voz falou: - Pois não? - É a secretária? - Sim, com quem falo? 167


- Aqui é Juca, irmã. Eu estou há dias tentando falar com o pastor, preciso de ajuda, será que poderia me ajudar? As datas eletrônicas no sistema estão muito distantes e eu preciso de ajuda urgente! - Irmão, infelizmente não poderei ajudá-lo, uma vez que temos um procedimento interno... - Irmã, estou falando de ajuda, preciso falar com o pastor! - Um momento - respondeu rispidamente a irmã. Uma música entrou. Depois uma mensagem de 2 minutos, gravada. Voltou a mesma música. E assim foi passando o tempo. Em meia hora a secretária retornou: - Irmão Juca, desculpe a demora e obrigado por ter aguardado. O pastor só poderá atendê-lo nas datas fornecidas pelo sistema. Mas o irmão poderá falar com ele por e-mail. Aqui está o endereço eletrônico... Juca estava muito nervoso. Havia deixado a sua pequena igreja porque julgou ser muito pobre e medíocre. Com filhos pequenos, achava que a educação cristã estava deficiente. Também considerava o culto muito pouco frequentado, com pouca especialização e sem novidades. Ele queria uma igreja forte, pujante, que tivesse expressão. Geralmente conversava com o pastor às tardes de quinta, pois o pastor atendia no gabinete sem nenhum sistema de protocolo. O protocolo era o amor, a amizade e a disponibilidade. Também pudera, igreja tão pequena! Ele lembrou-se das palavras do pastor quando informou-o sobre a decisão de deixar a igreja: - Juca, não se vá! Somos poucos, mas somos missionários neste bairro tão carente! Suas crianças não estarão desprovidas aqui, os meus também estão crescendo, fazemos o possível e o Senhor tem abençoado! Nós lhe amamos muito! E lembrou-se do que respondeu: - Pastor, gosto muito do senhor e amo muito a igreja, mas a fila andou e minha esposa e eu estamos virando a página de nossa história com esta congregação. Nós queremos um lugar onde nos sintamos felizes, onde tenhamos condições para o desenvolvimento, onde as coisas sejam mais organizadas. Infelizmente esta igreja é muito limitada e, perdoe-me, o irmão também. Obrigado por tudo, sempre os amaremos! Até um dia, pastor! Agora Juca, encrencado profissionalmente e atravessando uma grave crise conjugal, não conseguia falar com o seu atual pastor! Ele não titubeou: foi até a sua igreja, nos horários em que acreditava que o seu pastor atendesse. Passou a manhã toda no carro, em frente a catedral. Não apareceu ninguém, exceto os funcionários de 168


administração. Almoçou no bar da esquina e continuou esperando. Por fim, às 15 horas, o pastor entrou no portão da igreja, sendo imediatamente interpelado pelo Juca: - Pastor, com licença? - Pois não? Quem é o senhor? - Sou sua ovelha, Juca. - Oh, olá, Juca. Em que posso lhe ajudar? - Em muito, pastor! Preciso conversar um pouco. O senhor me daria dez minutinhos, por favor? - Irmão, sinto muito, mas não poderei dar-lhe os minutos. Preciso assinar alguns cheques e já estou de saída; alguns colegas me esperam. Mas faça o seguinte: entre no site e abra um cadastro. Terei prazer em atendê-lo! - Mas, pastor, é urgente! - Eu compreendo, irmão, mas a vida é assim, nem sempre temos tudo o que queremos na hora em que queremos. Mas agradeço o seu apoio e as suas contribuições. Deus o abençoe! Orarei pelo senhor. É Júnior, não é? - JUCA, pastor, JUCA! - Está bem, irmão. Passar bem. E lá se foi o ocupado obreiro, ávido de amor pelo seu rebanho. Decepcionado, Juca se foi. A única alternativa era aquela que não queria usar: procurar o seu velho, despreparado e inexpressivo pastor da igrejinha de bairro. Telefonou-lhe: - Pastor José? - Sim? - Aqui é o Juca. - Olá, Juca, quanta saudade! - Ué, pastor, faz um ano e meio que saí, não esqueceu-se de mim? - Nem por um dia, irmão. Cada membro e ex-membro é lembrado dia após dia por mim em minhas orações. Em que posso ajudá-lo? - Bem, pastor, estou precisando conversar, mas o irmão deve estar ocupado. - Irmão, venha aqui em casa. Tenho um cafezinho esperando pelo irmão. E poderá conversar o tempo que for necessário. - Mas, pastor, não sou ovelha de sua igreja, o senhor tem outros afazeres. - De que adianta outros afazeres se eu não tiver tempo para ajudar o meu irmão? Venha logo, o café vai esfriar. E lá foi Juca para a casa do pastor da igrejinha. No caminho viu um cartaz com a foto do seu atual pastor, avisando sobre um congresso: “CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO - TEMA: COMO CUIDAR DO SEU 169


REBANHO COM AMOR – mensagem do pastor fulano, grande obreiro da primeira igreja batista – não perca!” Então pensou: “Que ironia! Tão sábio e tão mestre, mas não tem tempo para suas próprias ovelhas! Vai ensinar teoria, sua prática é zero!” Juca conseguiu resolver o seu problema. Seis meses depois recebeu uma mensagem no celular, dizendo: “Olá, recebemos o seu pedido de entrevistas. Estamos avisando que temos agenda para o próximo ano. Entre no site para marcar a data e o horário. Obrigado”. Juca sorriu e deletou a mensagem. Obs.: Qualquer semelhança com a realidade ... é verdadeira.

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QUANDO TUDO PARECIA PERDIDO... Era a última noite de conferências. A organização missionária tinha realizado uma grande série de encontros, visando esclarecer o povo de Deus sobre a importância da santificação e do envolvimento de todos na obra de missões. Aquele pastor estava sentado na 5a. fila, da direita para a esquerda, na ala central. Ao seu lado um velho obreiro, amigo de longa data. Na verdade, como a cidade era pequena, quase todo mundo se conhecia. Uma velha missionária estava pregando. Dizia ela que aprendera de forma dura a falar com Deus como uma filha conversa com sua mãe. Disse que na selva, onde se encontrava, recebera um anúncio de que os canibais a comeriam naquela noite. Tremendo de medo, praticamente desesperada, pôs-se de joelhos, declamando as mais lindas orações que conhecia, mas não conseguia encontrar paz para a sua alma. Foi então que decidiu deixar a formalidade de lado e gritar, como uma criança em desespero: - Papai, eu estou com medo! Não vou desistir, não vou negar a fé, mas estou desesperada! Ah, papai, me conforta! Me faz sentir o teu amor, carinho, consolo! Preciso do teu colo! Preciso do teu acalanto! Segundo ela, os índios ajoelharam-se diante dela, enquanto orava. Após a oração, vendo aquela cena inusitada, perguntou o que significava aquilo. O cacique dizia que não era por ela, mas pelos "índios luminosos" ao seu redor, com flechas fulgurantes apontadas contra eles. "Que índios?" Ela não via, mas os índios entendiam que a proteção dela era divina, por isso resolveram naquela noite comer outro alimento, resolveram comer do "pão da vida". Eles se converteram e a missionária foi vitoriosa. Ela concluiu, dizendo: - Pastores, parem de fugir do colo de Jesus! Ele é o caminho para a solução de seus problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentam, pulem no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando este chegasse do trabalho! Falem com Jesus, conversem com Jesus, chorem com Jesus, adormeçam com Jesus!!! - "Que audácia"- disse, encolerizado, o pastor da quinta fileira -, "essa mulher não tem o mínimo pudor teológico. Onde já se viu dirigir-se a Deus sem a devida reverência? Quem ela pensa que é para orar como se estivesse conversando com um ser igual a ela? Também, pudera, perco o

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meu tempo para ouvir uma maltrapilha evangelista de índios! Ora, façamme o favor!" - "Pois eu acho que ela tem razão", exclamou o amigo do pastor, muito mais velho que ele - "sabe, se eu tivesse pensado nisso há mais tempo, teria evitado muito sofrimento. Gostei muito das palavras da mocinha." - "O que, reverendo? Até o senhor? Ah, meu Deus, este mundo está perdido! Onde estão os fiéis! Não os vejo mais!!!" E, esbravejando, foi embora, não aguardando nem o término da conferência. Ele pegou o carro e ruidosamente dirigiu-se ao prédio onde morava. Ao chegar à portaria, recebeu um recado: o porteiro queria falar-lhe. Após estacionar, foi até a guarita. Então, a trágica notícia: - "Patrão, o seu filho foi preso por porte de drogas. Ele disse que só as consumia, mas os tiras não quiseram saber. Ele está na delegacia do condado. Disseram que um advogado estaria lá, mas as coisas estão difíceis..." - "Meu Deus", pensou o pastor, "só me faltava essa!" Subiu para o apartamento. Ao entrar, deparou-se com um sulfite pendurado na porta da geladeira, escrito a baton: - "Querido, acho que é hora de pararmos com a farsa. Estou tendo um caso. Não lhe amo mais. Por isso, estou indo embora. Na próxima semana passo para pegar as minhas coisas. Cuide-se. Mary". Suas mãos tremiam. Seu coração disparara. Ele não podia acreditar no que lia! "Desgraça pouca é bobagem", dizia ele no seu íntimo. Seu filho era usuário de drogas, disso ele já sabia. Tentou criá-lo na igreja, tentou evangelizá-lo, mas "como um bom filho de pastor", pensava, "primeiro irá ser um terror, pra depois converter-se", e se iludia com esse pensamento. Mas, sua esposa? Ele, que ouvia algum comentário sobre um provável romance dela com um colega de trabalho, jamais acreditara nisso, pois a amava. Porém, desde há muito o relacionamento não andava bem das pernas: poucos encontros, conversas só por secretária eletrônica, carinhos não havia mais. Agora, a verdade! E como dói a verdade! Mal acabara de ler o papel, ligam para o seu telefone. Ele atende, ávido por notícias do filho ou da esposa. - "Pastor? Aqui é Joseph Smith, vice-presidente da igreja. Pastor, nós, do conselho de diáconos, decidimos realizar uma reunião consultiva nesta noite. Não estamos contentes com o senhor. Achamos que o seu tempo em nossa igreja terminou. Estaremos decidindo isso hoje pelo voto. Só estou ligando para que não venha a dizer posteriormente que a igreja fez

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isso à sua revelia. Acho que o seu ministério já deu o que tinha que dar. Que Deus lhe abençoe, pastor!" E agora? Esposa nos braços de outro; o filho na delegacia; a igreja colocando-o para fora. A dor no peito começou a atacar. Um infarto do miocárdio? Um derrame? Um desmaio? Enquanto ponderava, assentando-se no sofá da sala, veiolhe a mente o que ouvira por parte da missionária, na conferência: - Pastores, parem de fugir do colo de Jesus! Ele é o caminho para a solução de seus problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentam, pulem no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando este chegasse do trabalho! Falem com Jesus, conversem com Jesus, chorem com Jesus, adormeçam com Jesus!!! Ele pensou: "as eu nunca fiz isso! O que os outros vão pensar? Eu sempre acreditei diferente! Não, não vou ceder aos emocionalismos baratos daquela maltrapilha. Vou orar do meu jeito." E começou: "Senhor nosso Deus, divino mestre, soberano Senhor dos céus e da terra..." E as lágrimas começaram a cair copiosas dos seus olhos. Quanta dor! Chorava desesperado, em meio a gritos de agonia... Dobrou os joelhos junto ao sofá, e disse, em meio ao pranto: - "Deus, eu nunca fui bom em oração, me desculpe! Chamar-te de Pai eu nunca chamei. Mas agora estou desesperado! Pai, olha o que me fizeram! Pai, estou sofrendo muito! O meu filho está preso, Senhor! Minha esposa está nos braços de outro e minha igreja me odeia! Senhor, Senhor, Senhor, me acuda, me socorre, Senhor!" Seu choro invadia os cômodos vazios da casa. Seu canarinho, espantado, parara de cantar, pasmo ao ver o seu dono desse jeito. Ele abriu o coração. Disse tudo o que estava atravessado pela garganta há muito tempo. Falou das tristezas, falou das frustrações, falou da família, falou da fé, falou da incredulidade. Falou, falou, falou. Chegou a adormecer de canseira e dor, mas acordou e continuou. Ao término, após o "em nome de Jesus", ele levantou-se e disse: - "Acho que nunca orei tanto na minha vida! Acredito ter batido o recorde: 10 minutos! Nem no dia do meu batismo foi assim!" E olhou no relógio. "O que?" Era meia-noite quando ajoelhara, e agora já passava das 13 horas do outro dia... Ele orou durante toda a madrugada e manhã! E nem percebera quanto tempo passara assim, de joelhos diante de Deus! Sorriu confortado, e pensou: -"Bem, o meu problema não se resolveu, mas Deus está comigo. É tudo de que eu preciso! Louvado seja Deus!" 173


Era um outro homem. Jamais dera graças assim, tão convictamente. Foi até a cozinha, pegou o leite na geladeira, o Toddy no armário, fez um achocolatado, pegou um pedaço de bolo, colocou tudo sobre a mesa, deu graças de forma linda, como um filho agradecendo ao Pai pelo suprimento, e comeu gostosamente. Enquanto tomava o seu café, o interfone tocou: - "Patrão, o senhor não vai acreditar! Sabe quem está aqui embaixo? É o seu filho! É, a polícia resolveu dar uma chance pra ele, disse que ainda era tempo dele se consertar. Só que ele está com vergonha de subir, pois pensa que o senhor irá bater muito nele. Ele me pediu para dar dois recados: "Me perdoe!" e "Eu amo o senhor!". O que é que eu faço, patrão? Falo pra ele subir?" - "Claro!" O garoto correu, subiu as escadas voando, nem esperou o elevador. O que eram 8 andares, frente ao desejo intenso do abraço de perdão do pai? A porta já estava aberta, e não houve nem tempo de dizer nada, pois o pai o abraçou e o beijou, e ambos, pai e filho, choraram copiosamente e por longo tempo, ao pé da escadaria do prédio... Entrando, o pai preparou outro café, para tomá-lo com o filho. Assim que misturou o chocolate ao leite, tocou o telefone. - "Alô"? - "Pastor? Aqui é o Joseph Smith. Pastor, eu nem sei como lhe dizer. Não sei o que aconteceu. A igreja simplesmente mudou de opinião (porque não posso acreditar que as reclamações que ouvia eram mentiras). Resolveram não só lhe dar total apoio, como também que o seu salário será melhorado. Bem, pastor, desculpe ter causado inconveniente e transtorno para o irmão. Receba os meus votos de sucesso e felicidade." As lágrimas corriam quentes pela face do pastor, que agora chorava de alegria! Deus agira enquanto ele estivera de joelhos! Nada, absolutamente nada, poderia tirar de seu peito essa convicção! Enquanto se refazia emocionalmente, bateram na porta. O pastor estranhou muito, porque o porteiro não poderia ter deixado alguém entrar, sem avisar. Olhando pelo "olho mágico" da porta, a surpresa final: a esposa, com duas malas às mãos. Abriu a porta. A mulher, com o rosto inchado de tanto chorar, disse: - "Querido, Jesus perdoou a mulher adúltera e fez dela uma pessoa transformada. Não mereço a sua compaixão, mas eu lhe imploro: me perdoa! Eu pequei! Tem um espaço no seu peito para mim?"

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Cena inesquecível: marido e mulher num longo e demorado beijo de dor, perdão e carinho, seguido de um abraço com choro e lágrimas indescritíveis, não de quem está triste, mas de quem reencontrou a vida! O garoto, quebrantado com tantas bênçãos, agarra os pais num abraço envolvente, juntando o seu choro ao choro do casal. E o canarinho (ah, que alegria!), voltou a cantar no viveiro... E a cena descrita vem comprovar que, não importa o quanto queiramos fugir, teremos que resolver os nossos problemas no colo de Jesus. Ele é o caminho para a solução de nossos problemas! Não importa o tamanho da crise, não importa a dificuldade que enfrentemos, pular no colo de Jesus, como uma criança pularia no colo de seu pai, quando esse chegasse do trabalho, é a única solução! Falemos com Ele, conversemos com Ele, choremos com Ele, adormeçamos em Seus braços! E digamos, com convicção: OS MEUS PROBLEMAS JÁ NÃO SÃO MAIS MEUS, SÃO DE JESUS.

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RARA ESTÓRIA DE UM PASTOR Cardoso era um jovem diferente. Converteu-se a Cristo lendo a Bíblia. E, de tanto lê-la, foi adquirindo bons hábitos e deixando a velha vida. Converteu-se do jeito bíblico: arrependeu-se dos pecados, creu em Jesus como Salvador e seguiu-O vida afora. Foi batizado e passou a pregar o evangelho. Não tardou para que a igreja e o seu pastor identificassem nele um chamado especial para o ministério pastoral. Após terminar o ensino obrigatório, foi encaminhado ao seminário teológico. Trabalhava durante o dia e estudava à noite. Deslumbrou-se com a biblioteca da faculdade; animou-se com os figurões teológicos que ensinavam as matérias. Mas, pouco a pouco, descobriu-se como uma gota de óleo no meio d'água. Seus colegas não criam como ele. Eram, em sua maioria, crentes sem compromisso. Bebiam e embriagavam-se. Alguns fumavam e usavam maconha. Namoravam com fornicação. Os professores, por sua vez, apostavam no amor de Deus acima dos preconceitos humanos. Pecado deixou de ser uma agressão a Deus e à Sua Lei e tornou-se livre escolha, multiforme expressão de vida cristã e razão para nos aceitarmos mutuamente. Cardoso ouvia de seus mestres, doutores em várias áreas, defenderem uma vida cristã livre de preconceitos. Assustou-se. Tomou sua bíblia, já surrada de tanto usada, e abraçou-se a ela, dizendo: "Nem que o maior doutor diga o contrário eu não deixarei a Palavra de Deus. Não preciso de teorias; já tenho a verdade!" E seguiu seu curso, sempre considerado um quadrado, um sectário, mas brilhante na vida e nos conceitos. Foi ordenado ao ministério pastoral. Assumiu uma igreja. E como festejou a oportunidade de servir ao Senhor no ministério! Passou a visitar, a pregar, a ensinar, a aconselhar, a evangelizar. Aos poucos a igreja foi adaptando-se a ele. Costumava ler a sua bíblia longamente e nos aconselhamentos não tardava em evocar os exemplos bíblicos para o conforto dos fiéis. A igreja o denominava "pastor bíblico", "como se fosse possível pastorear de outro jeito", pensava ele. Surgiram os problemas na igreja. Casais não casados fornicavam. Casais casados adulteravam. Crentes manifestavam pecados e escravidões terríveis: cigarro, pornografia, maledicência, fofoca, amarguras de décadas etc. Cardoso não titubeava: usava o seu púlpito para proclamar o "assim diz o Senhor". Muitos membros o respeitavam por isso; outros, 176


conquanto compreendessem a sua postura, não admitiam que fosse alguém tão "viciado" em Bíblia, uma vez que as igrejas próximas agiam diferentemente dele: algumas igrejas aceitavam a fornicação como "experiências para ver se havia compatibilidade"; aceitavam o adultério como "forma de provar que o amor maior estava em casa"; entendiam a pornografia como "estímulo para novas experiências conjugais"; consideravam o uso de cigarro e bebida como "livre arbítrio e possibilidade de mostrar que o domínio próprio não os deixaria ir aos extremos". Cardoso não só rejeitava a todas essas teorias, como pregava com poder e autoridade espirituais a mensagem bíblica, proclamando que "os que semeiam na carne, da carne colherão a corrupção" e que "os que estão na carne não podem agradar a Deus". Cardoso passou a colecionar inimigos do clero. Não do clero católico, mas do clero de sua denominação, os ministros, pastores e membros de escritórios denominacionais. Para ele a Bíblia deveria nortear os passos das igrejas, da conduta dos crentes, do ensino dos pais aos filhos, e também dos negócios eclesiásticos, da administração financeira e da observância da lei. Infelizmente Cardoso, já com seus 20 anos de ministério, contemplava tristemente um mundo de ministros que não seguiam a sua amada Bíblia. A denominação recolhia ofertas para missões e as usava para prover viagens nababescas aos administradores, privando os missionários dos recursos. As igrejas cresciam fortemente, fazendo vistas grossas ao pecado, transformando-se em inclusivas, não dos convertidos a Cristo, mas dos sem Cristo e cheios do pecado; o dinheiro entrava na mesma proporção em que Cristo saía. Muitos encaravam as igrejas como negócio, fonte de renda e curral eleitoral; não foi sem motivo que vários colegas de Cardoso se transformaram em políticos conhecidos. Infelizmente a conivência tornou-se conveniente e a Bíblia tornou-se pretexto. Cardoso chorava e sofria. Era acusado de dentro da igreja como radical e pelos colegas de puritano e fundamentalista. Contudo, quanto mais o acusavam, mais lia a sua Bíblia e mais forças recebia da parte do Senhor para manter-se firme e constante, não olhando nem para a direita e nem para a esquerda. A teologia para ele era ferramenta, adequada em alguns casos e dispensável em outros; a Bíblia não. Pregava com a mesma simplicidade e a mesma fé. Ao completar 35 anos de ministério foi homenageado pela igreja como "um pastor que ama a sua Bíblia". A idade chegava. A saúde debilitava-se. Cardoso já contava com 50 anos de ministério. Nunca se tornou célebre na denominação. Jamais foi cotado para alguma coisa expressiva. Era um pastor de igreja local, 177


modesto, humilde, simples. Mas conduziu a igreja do Senhor aos caminhos da Bíblia Sagrada e cuidou de seus filhos e netos enquanto pôde. Batizou centenas, apresentou os filhos deles; celebrou os quinze anos das meninas e casou outras centenas de jovens. Apresentou seus filhos também. Estava a batizar a terceira geração e acompanhava os seus velhos membros até a hora derradeira. Conhecia a cada um deles e jamais desviara-se nem para a direita e nem para a esquerda. Num mundo evangélico de tantas mudanças e com tantas banalidades, Cardoso manteve a igreja que pastoreou como um oásis no meio do deserto, num púlpito de mensagem fresca como a água da vida e supriu a cada dia o pão da vida da pregação do evangelho. Era uma igreja à moda antiga. Sem poder caminhar com destreza e sentindo os 87 anos a pesar, Cardoso enxergava muito mal. Mas usou da tecnologia para ouvir a bíblia gravada. Era a sua audição preferida. Os seus netos juntavam-se aos seus pés, junto com os amiguinhos, para ouvi-lo contar as histórias que permearam a sua própria biografia: ele contava as histórias bíblicas. Enquanto podia falar, falou. Enquanto podia ouvir, ouviu. Enquanto podia comunicar-se, testemunhou. Dois meses antes de partir, sua fala parou. Então escrevia. E dizia nas frases: "eu amo a Palavra de Deus"; "não nos afastemos das Escrituras Sagradas"; "Eu sei em quem tenho crido"; "descansarei no Senhor, mas ressuscitarei"; "recebe-me, Senhor, em Teu Reino!". Naquela manhã fria de junho Cardoso não despertou. Dormira no Senhor. Sua família, grata pela vida monumental desse herói da fé, fez um culto no quarto ainda quente, agradecendo a Deus por vida tão dedicada à mensagem do Senhor e à fidelidade bíblica. O culto da saudade, na igreja, trouxe três milhares de pessoas. Não desfilaram os hipócritas de sempre pelo púlpito fúnebre; Cardoso deixou escrito que não queria nada disso. O culto era para Deus e só para Ele. Ao invés disso, leram textos que falavam do amor de Deus, da morte e da ressurreição, e cantaram hinos que sintetizavam a fé de Cardoso: "HEI DE VER MEU REDENTOR"; "CIDADE SANTA"; "JÁ REFULGE A GLÓRIA ETERNA"; "DA LINDA PÁTRIA"; "OH, QUANDO O MOMENTO CHEGAR". Ao pé da sepultura todos choraram. Sentiam saudade do velho pastor que fizera da Bíblia a sua espada de dois gumes. Sentiriam falta dos sermões poderosos e sem temor, denunciadores do pecado e apontadores do perdão. Sentiriam falta da intransigência cristã de quem vivia o que pregava. Sentiam-se órfãos, absolutamente solitários num universo tão desprovido de praticadores da Palavra de Deus. "quem continuará o seu ministério?" 178


Ao pé da sepultura outro Cardoso, o Júnior, neto caçula do Pastor Cardoso, disse: "Senhor, eu seguirei a senda do vovô. Dá-me a Tua bênção". E naquele instante outro Cardoso recebia a "capa de Elias".

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SEGUNDA PISTA - Boa tarde, pastor. Posso entrar no seu gabinete? - Sim, irmão. Seja bem-vindo. Sente-se. Em que posso lhe ajudar? - Obrigado, pastor, com sua licença. Pelo menos o senhor me dá alguma atenção. - O que se passa, irmão? - Ando muito triste e aborrecido, pastor. Sinto-me sozinho e sem importância. As pessoas não me dão atenção alguma. Não recebo telefonemas, não recebo mensagens de whatsapp além de grupos e listas, não sinto que sou estimado. Parece que não existo! - Isso é realmente muito constrangedor, meu irmão. E eu lamento muito que as coisas estejam nesse pé. Desde quando o irmão sente-se tão só? - Ah, faz tempo, pastor. No começo foram apenas alguns afastamentos. Hoje tornou-se geral. Eu chego para os cultos na igreja e as pessoas apenas me cumprimentam. Não há assunto, não me incluem em nada. - E entre os familiares? Eles são próximos? - Menos ainda, pastor. Não são crentes. Então eu pensei que os irmãos em Cristo poderiam suprir esse vazio, mas quê! Só pessoas de longe, que não me conhecem, puxam alguma conversa. Eu não sei mais o que fazer! - Bem, creio que precisamos compreender alguma coisa. Em que local o irmão mora? - Moro em Barueri, pastor. Tenho que usar o Rodoanel e a Rodovia Castello Branco. - Muito bem. E são boas essas rodovias? Ou de uma mão só? - Não, pastor. São boas. Foram duplicadas. O asfalto é bom e dá pra ir e vir. Eu mesmo venho e vou! - Que ótimo, irmão. Já pensou se fossem de uma só direção, de uma mão só? - Ah, pastor, ficaria difícil. Daria muito trabalho! Aliás, seria cansativo ir e vir! - Pois bem, irmão. Deixe-me perguntar-lhe outra coisa. O irmão sabia que a irmã Juliana está internada e faz 6 dias que a transferiram para a UTI? - Não, pastor. Puxa, que situação! - O irmão sabia que o Mário, o rapaz do som, perdeu o pai e tem estado doente desde então? Os médicos suspeitam de um tumor no estômago. O irmão já conversou com ele? - Pastor, que tragédia! Eu nem sabia que ele estava de luto! Ele nada me disse! 180


- O irmão sabia que o Cícero, aquele menino que joga basquete, quebrou o braço em três lugares e aguarda uma cirurgia melindrosa na casa da tia? - Meu Deus, eu nem sabia que ele tinha caído! - Então, meu jovem e querido irmão. O seu problema não é não ter amigos; o seu problema é não ser amigo de ninguém! Enquanto chora pelas pessoas que não lhe dão atenção, elas buscam e procuram alguém com quem possam repartir as suas dores, e certamente nunca encontraram-lhe disponível, pois o irmão está tão ocupado com a sua própria solidão que não enxergou as pessoas que poderiam e necessitavam de sua companhia! - Tem razão, pastor. - Amor e amizade são rodovias de pista dupla, meu irmão. Tem uma pista para ir e outra para vir. Elas não são apenas de uma mão, pois, do contrário, como o irmão bem falou, seriam muito cansativas. E o irmão, ao que parece, só deixa uma via disponível: a de quem lhe procura. Como o irmão não procura ninguém, então as pessoas se cansam de buscar-lhe. Que tal inaugurar a outra pista, para que todos possam ir e vir? Que tal importar-se também com as pessoas? Eu creio que outros estão buscando isso tanto quanto o irmão. - É verdade, pastor. Estou envergonhado. - Não fique, irmão. Apenas mude. Diz-nos o livro de Provérbios: O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia. (Pv 28:13). Também nos fala a Bíblia: Em todo o tempo ama o amigo e para a hora da angústia nasce o irmão. (Pv 17:17). Eu tenho aqui uma lista de quinze pessoas aguardando alguém para orar por elas e para perguntar como estão. Quer me ajudar? - Claro, pastor! Quero inaugurar a segunda pista da rodovia das minhas amizades. - Então comecemos. Use o telefone do gabinete. Ligue para 98555....

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SOLTEM MINHA FILHA! Alonso era o dono da quitanda. Ele mantinha aquele sacolão há quatro anos. Era um crente e buscava ser fiel. Mas tinha um vício, um pecado escondido. Não era capaz de deixar a pornografia. Antigamente frequentava os cinemas imundos do centro da cidade, sempre disfarçado, ora com chapéu, ora com um casaco. Ao chegar em casa dizia que havia visitado algum amigo. Depois, com a facilidade da internet, comprou um celular separado, para conectar-se a tudo o que não prestava. Assistia vídeos pornográficos bizarros, como orgias e bacanais. Depois do êxtase emocional vinha a tristeza, a culpa. Mas convivia com a situação e não conseguia mudar. Um dia o seu filho de quinze anos, também crente, foi ajudá-lo na quitanda. Ao fazer o troco para um freguês, abriu a gaveta e encontrou o celular. Adolescente e perscrutador, foi olhar o que havia no histórico de consultas do aparelho. Ficou perplexo, porque jamais pensara que o seu pai assistia a esse tipo de coisas. Afinal, em casa, nos cultos domésticos (quando tinha) ou na escola bíblica, quando ensinava, apontava a prática como pecado. Imediatamente mandou uma mensagem para o colega da igreja. Esse comentou com a mãe dele e a mãe foi falar com o pastor. O pastor chamou o irmão Alonso para uma conversa. Depois das introduções, o pastor foi direto ao assunto: - Irmão Alonso, o irmão consome pornografia? O irmão assiste isso? - Como, pastor? Que história é essa? Eu sou um homem de respeito! - Veja isto aqui, irmão... O pastor mostrou o retrato do celular, enviado pelo próprio filho ao amigo, compartilhado com a mãe. A primeira reação de Alonso foi negar, protestar, alterar-se. O pastor esperou que as suas emoções se aquietassem e perguntou: - Irmão Alonso, isto é verdade? Alonso abaixou a cabeça e confessou que sim. Disse que lutava há anos para abandonar a prática e que não conseguia. O pastor mostrou na Bíblia que isso se chamava pecado e que era um banquete de Satanás para a destruição de sua santificação e decência. Orou por ele e despediuse. Quando Alonso saiu o pastor chorou copiosamente. Quantos membros da igreja estariam no mesmo caminho, enganados por Satanás, com um falso prazer momentâneo e adúltero? Quantos escondiam uma intimidade mundana? 182


Em seguida ajoelhou-se junto à mesa do gabinete, com a bíblia na mão. E orou: - Senhor, sou incapaz de convencê-lo do mal que fez ao seu filho e ao seu testemunho. Não posso mudar o seu coração. Senhor, age pela Tua graça e tira o Alonso desta armadilha! Não deixe que a Tua Igreja, o Corpo de Cristo, continue a sofrer com o pecado do Alonso! Deus ouviu a oração do pastor. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos. (Tg 5:16) Numa quinta-feira Alonso fechou a quitanda ás oito da noite. Passou no supermercado para comprar alimentos, foi para casa, comeu algo que não fez muito bem e deitou-se com um peso no estômago. Naquela noite ele teve um sonho. Estava na quitanda, quando dois homens o sequestraram. Levaram-no para uma casa na periferia. Amarraram-no à cadeira. À sua frente havia uma parede de vidro. Do outro lado um estúdio de filmagens. Ele soube que era um estúdio porque havia luzes, câmeras, equipamentos fotográficos, tudo o que há num estúdio. Ao centro uma cama e uma poltrona. Em seguida entraram três profissionais de filmagem. Pela porta entrou a filha de Alonso. - Minha filha? O que é isso? Então a menina, devagar, tirou toda a roupa. Logo entraram três rapazes. Alonso suava e gritava, tentando sair da cadeira: - Minha filha! Pelo amor de Deus, saia daí! Filha, saia daí! A menina não o via, apenas relacionava-se com três rapazes. Cenas horríveis, nojentas, pervertidas, gritos e risos, sujeira e malícia. Alonso estava desesperado. - Meu Deus, não deixe isso acontecer com minha filha! Saia daí, filha! Rapazes, eu vou matá-los! O que vocês estão pensando? Ela é minha filha, respeitem-na! Vocês não têm consideração com as pessoas? Eu sou o pai dela, saiam daí! Então os rapazes olharam para ele. Alonso os reconheceu: eram os atores principais dos vídeos pornográficos que assistia. Os rapazes nada disseram, apenas riam maliciosamente, olhando profundamente para os seus olhos. O que eles faziam com a sua filha diante dele era o que Alonso assistia, quando faziam com a filha dos outros. Enquanto as cenas não eram a sua pequena, eram aceitáveis, mas agora, tendo a própria filha como atriz da pornografia, Alonso sofria, gemia, gritava, agonizava. Alonso gritou tanto que acordou do pesadelo. Berrava e chorava. Sua esposa, filha e filho correram até ele. Estavam desesperados.

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- Papai, o que aconteceu? Acorde! O que houve? Vamos chamar a ambulância! Alonso chorava amargamente. Disse que não precisava de ambulância. Ele queimava de febre. Sua esposa trouxe-lhe remédio, enxugou-lhe o suor e tentava consolá-lo, sem sucesso. Aos poucos ele se controlou. E, com tristeza dobrou os joelhos, dirigindo-se à família. Assim falou: - Minha esposa e meus filhos, os meus pecados me encontraram. Eu pequei contra Deus! Estou envergonhado e não sei o que fazer! Querida esposa, eu tenho assistido filmes pornográficos. Pensei que não tinham importância, até que tive um sonho nesta noite. Em lugar das atrizes estava a nossa filha! Eu estava amarrado por sequestradores e não pude fazer nada. Ah, minha filha, perdão! Perdão! Perdão por não poder lhe salvar no sonho! E agora estou arruinado dentro de mim! Oh, meu Deus! O que farei? O filho de Alonso ligou para o pastor. Este assustou-se, pois eram três da manhã. Mas, como um pastor legítimo, estava disponível. Correu à casa de Alonso. Ouviu a triste história e o desespero de Alonso. Acalmou-o, tranquilizou-o e então disse: - Irmão Alonso, este sonho veio de Deus. Quero lembrar-lhe o que diz a Palavra do Senhor: Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça. (1Jo 1:9). - Deus permitiu que você visse com os próprios olhos o desespero de pais e mães que têm filhos escravizados pelo poder de Satanás, à serviço da pornografia. Cada vez que você consome esse tipo de material fortalece esse comércio e destrói o coração de pais impotentes que não puderam segurar os seus filhos de seguir o pecado. Você é cúmplice de tudo isso. Mas só percebeu o mal que faz quando Deus o colocou no lugar de quem é vítima. Então disse Natã a Davi: Assim diz o SENHOR Deus de Israel:Tu és este homem. (2Sm 12:7). Assim como Natã mostrou a Davi o mal que um homem fizera ao possuir a única esposa que tinha, enquanto ele tinha a sua própria, Deus mostrou o mal que o irmão tem feito ao assistir as filhas e os filhos dos outros na prática da imoralidade e da promiscuidade. O irmão é o culpado! - Mas saiba, irmão Alonso: se Deus lhe mostrou isto é porque lhe ama e quer libertá-lo. Eu repreendo e castigo a todos quantos amo; sê pois zeloso, e arrepende-te. (Ap 3:19); Depois Jesus encontrou-o no templo, e disse-lhe: Eis que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior. (Jo 5:14) A família, em lágrimas, ao lado de Alonso, orou, aceitou o seu pedido de perdão e fez compromissos com Deus. Alonso teve um encontro com o 184


Senhor. A pornografia, que antes lhe atraía, tornou-se nojenta e satânica, pois lembrava-se que, atrás de cada vídeo, havia um pai e uma mãe a sofrer, e jovens a serem escravizados por senhores que serviam a Satanás. Alonso tornou-se íntegro e Deus o abençoou muito. Sua vida foi transformada. Homem ou mulher que me lê neste dia: a pornografia é uma armadilha, ela seduz e atrai, e faz de cada assistente cúmplice de uma tragédia humana, tragédia familiar, tragédia espiritual. A pornografia vem do Inferno e quem a ela se submete torna-se escravo do pecado. Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas herdarão o Reino de Deus. (1Co 6:9) Livre-se disso. Ponha-se no lugar daquele pai ou daquela mãe, que criaram com amor e dedicação a um filho e que hoje amargam a triste realidade de perdê-los para a promiscuidade. Ou então, se pais não tiveram, coloquem-se no lugar destes pobres jovens, que não tiveram o carinho e a atenção de pais amorosos para orientá-los. Este não é o tipo de diversão que edifica. Esta diversão vem do Inferno e leva à perdição. Fuja da pornografia! E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (Jo 8:32)

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SUMA DAQUI! - Suma daqui! - Hahahah! Sumir, meu caro? Você me trouxe aqui! Agora não reclame! - Eu lhe trouxe? Quando isso, mentirosa? Desapareça! Eu não lhe quero! - Pode ralhar à vontade, pode reclamar! Eu vim porque você quis que eu viesse! - Mentirosa! Eu nunca lhe chamei! Eu não quis que você viesse! - Quis sim! E como quis! - E quando foi que eu quis, sua ímpia? - Você me chamou ontem, lembra? Enquanto recebia o seu dinheiro do auxílio-desemprego, a última prestação. Você disse: "Belo Deus que eu tenho! Agora, com o fim do auxílio, como farei para manter a minha família?" - Eu estava nervoso, não sabia o que dizia! - Ah, sabia sim, querido. Você também me chamou no domingo, lembra? - Eu não lhe chamei coisa nenhuma! - Chamou sim! Lá na porta da igreja. O irmão Alonso disse: "Meu irmão, a vontade de Deus é sempre boa, agradável e perfeita e Ele mostrará um escape, um socorro para a sua situação. Creia na graça do Senhor!" O que foi que você pensou? - Eu não pensei em nada! - Pensou sim, meu bem: "Bobagem de palavra! Isso é apenas fábula; ele não sabe o que eu estou passando..." - Nããoo! Eu não pensei isso não!! - Pensou sim. Você também disse: "Eu não creio nessa fé que esposo, estou farto de ser crente". - Eu estava com a cabeça cheia, pensei bobagem, não foi sério! - Ah, foi tão sério que eu apareci, não é mesmo? Então, eu vim para ficar. Acostume-se comigo! - Não e não! Suma daqui! - Não sumo não! Você disse que me queria. Lembra que considerou o céu, a presença de Jesus e o poder da fé como coisas meramente poéticas, sem serem, de fato, realidade? Pois então vamos seguir juntinhos daqui para frente! - Não! Suma daqui! Enquanto ele corria de um lado para o outro no seu quarto, pensava em como expulsá-la. Por fim, lembrou-se deste texto: E logo o pai do menino,

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clamando, com lágrimas, disse: Eu creio, Senhor! ajuda a minha incredulidade. (Mc 9:24). Fundamentado nisto, dobrou os joelhos e disse: - Pai celeste, eu confesso: duvidei de Tua graça, de Teu socorro e até de Tua existência. Eu Te peço perdão, Senhor! A minha fé é diminuta, quase inexistente! Estou por um fio e não tenho forças para continuar. Ajudame na minha incredulidade!" Neste momento veio-lhe à mente a lembrança bíblica: Ao qual resisti firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo. (1Pe 5:9). Imaginou-se parte de um grande número de cristãos que sofrem, desprovidos de recursos, de emprego, de moradia, de dignidade social e pensou que não era o único. Em seguida lembrou-se deste texto: Confessai as vossas culpas uns aos outros, e orai uns pelos outros, para que sareis. A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos. (Tg 5:16). Chamou a esposa e contoulhe o caso, confessando o que sentia. Ela, de joelhos com ele, orou em concordância. Após esse momento o coração dele encheu-se de paz, uma paz inexplicável. Além disto, a chama da ESPERANÇA reapareceu. Ele, sorrindo, voltou a crer. Então a INCREDULIDADE, visitante-parasita indesejada, foi embora do seu coração.

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TENHO VERGONHA O pastor foi à lanchonete com o Eduardo, um jovem que estava muito feliz com Cristo, desejoso de dar a vida pelo Evangelho. - Pastor, tenho lido sobre os heróis da fé. Quanta coragem, quanta dedicação! Eu também quero ser assim! - Amém, meu irmão! Vamos escolher o lanche? Escolheram um cachorro quente e um refrigerante. - Pastor, me encanta ver o martírio de Policarpo, o testemunho de João Huss, os sacrifícios de Hudson Taylor! Eu também quero me sacrificar por Cristo! - Amém, meu rapaz! Enquanto conversavam a refeição chegara. O pastor, então, convida o jovem para agradecer: - Vamos dar graças pela refeição? - Pastor, vamos fazê-lo em silêncio, ok? - Por que? - Porque aqui é um ambiente público. - E qual o problema? - Tem amigos meus da classe, da faculdade, o que eles vão pensar de mim? - Você está reparando na conversa deles nas mesas em que estão sentados? Por que eles reparariam na sua oração? - Ah, pastor, por favor, vamos manter a nossa fé em privado, não precisamos expô-la! O pastor, então, calmamente, chama o atendente e diz: - Aqui está o valor dos lanches. Estou de saída. O jovem assusta-se: - O que houve, pastor? Então o ministro do evangelho diz: - Se você não é capaz de testemunhar do Senhor enquanto come, não será capaz de viver para o Senhor enquanto estuda, trabalha ou faz qualquer outra coisa. Lamento, meu jovem, mas se tem vergonha de testemunhar de Cristo numa simples oração no restaurante, como testemunhará dele num mundo hostil? O rapaz, enrubescido, de cabeça baixa, confessa: - O senhor tem razão, pastor. Eu tenho vergonha de expor a minha fé. Me perdoe.

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O resto da refeição foi uma aula de testemunho. Ao final, ambos oraram publicamente e o jovem aprendeu que mais vale viver por Cristo de forma pública que morrer por Cristo apenas como um ideal inatingível.

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TOLERÂNCIA ZERO Na entrada do restaurante o recepcionista acolhe com um sorriso: - Bem-vindos, amigos! Mesa para dois? Felix, o marido, responde imediatamente: - Não, mesa para um só. Eu sento e minha esposa fica de pé! - Para com isso, Felix! Viemos aqui para relaxar, não para brigar! Seguiram para a mesa, sentaram-se e pegaram o menu. Outro garçom aproxima-se e fala: - Vão almoçar, senhores? - Não, viemos jantar ao meio dia, não gostamos de almoçar a esta hora! - Felix, eu já avisei! Se continuar assim largo-lhe sozinho aqui! Felix não era um homem mau, mas estava no limite. Tudo era motivo para se aborrecer. Não perdoava nada! Acabava sendo grosseiro com suas respostas prontas e imediatas. Três casos foram inesquecíveis. O primeiro foi na igreja. O pastor mandara que todos se dividissem em duplas. O irmão que se aproximou dele perguntou: - Posso orar pelo senhor, irmão Felix? - Não, não pode. E se orar eu grito! O segundo foi no estacionamento. O funcionário o viu andando pelos corredores e gritou: - Procurando uma vaga, patrão? A resposta veio certeira: - Não, estou desfilando com o meu carro para fazer inveja aos demais! Tire uma foto! O terceiro foi perigoso. Estava para entrar no banco. O sensor apitou quando tentou passar. O segurança falou com autoridade: - Tem objetos de metal no bolso? A resposta não tardou: - Não, é que os meus ossos são de titânio e o meu punho de aço; quer experimentar? O segurança sacou de um revólver e com muito custo foi que o gerente apaziguou a situação, exigindo que Felix fosse embora. Maria, a esposa, já não suportava mais. Não casara com um homem grosseiro assim. Ele era gentil e educado, polido e calmo. Foi justamente a sua elegância e educação que o atraíra para ela. Eram jovens, ele ainda servia o exército. O que teria acontecido? Resolveu agir e deu-lhe um ultimato:

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- Felix, se você não procurar ajuda eu vou lhe deixar. Prefiro viver sozinha do que passar o resto da vida ao lado de um cavalo que só dá coices. Quero que vá procurar o Pastor Pedro. Ele é um bom conselheiro e diz sempre que ora por nós. Quero que vá falar com ele. - Sim, vou procurá-lo. Mas será para dar-lhe um tapa na orelha, porque não admito que ninguém se meta na minha vida. - Então está bem. Estou indo embora. E Maria não estava brincando. Foi ao quarto e começou a tirar as roupas do guarda-roupa. Felix, a princípio, pensou que se tratava de encenação. Contudo, quando viu o táxi parado na porta e as malas sendo carregadas, assustou-se. - Você está blefando, não é, Maria? Só porque não vou falar com o pastor você está querendo me deixar? - Não, Felix. Eu só não quero mais estar ao lado de um homem que irá explodir a qualquer momento, que me faz passar vergonha em público e que não consegue mais relacionar-se com ninguém. Ou você conversa com o pastor ou eu estarei indo embora, e não voltarei mais. Felix ponderou, pensou, refletiu. Maria não era mulher de voltar atrás no que dizia. Aliás, foi isso que o atraiu a ela, seu caráter, sua decisão, sua personalidade marcante e profundamente decidida. Maria era mulher temente a Deus. Fora ela que o levara à igreja, quando ainda não era convertido. Se para ela significava tanto procurar ajuda com o pastor, então não lhe restava alternativa. - Está certo. Mas será uma vez só, e já vou avisando: não trará nenhum resultado. Maria aceitou a proposta. Ligou para o pastor, marcou o horário e foram à igreja. Chegado o momento o pastor abriu a porta e Felix entrou. Sentaram-se e o pastor olhou firme para Felix, em absoluto silêncio. - O reverendo não vai me dizer nada? - Quem me procurou foi o senhor, Irmão Felix, não eu. Quem quis conversar comigo foi o senhor. Estou aqui para lhe ouvir. - Não fui eu quem lhe procurou; foi minha mulher. Quer que eu a chame para que ela converse? Afinal, se ela marcou, ela deve ter assunto; eu não tenho. O Pastor Pedro, que já estava bem preparado para os atos de "tolerância zero" do Felix, apenas olhava para ele, sem dizer nada. Encarava-o com seriedade, mas sem pressa. Felix, depois de alguns minutos, ficou sem jeito e não sabia para onde olhar. Às vezes olhava para o teto, outras para os objetos na mesa, outras para as mãos que não paravam de se movimentar. 191


Algo em especial chamou-lhe a atenção. Um vaso de cactus, ao lado do computador. - Que planta é essa, pastor? - Ah, esse cactus. Foi um presente de minha mãe. - E por que está desse jeito? O vaso estava embrulhado com borracha. A planta, que media uns 20 centímetros, estava envolta com uma rede de arame, e algumas agulhas o espetavam na parte de cima. Seus três galhos estavam amarrados com arame farpado. - É que eu fui espetado por um cactus quando era criança. Estava brincando, caí sobre um, creio que devo ter sido espetado por uns 50 espinhos. Desde então tenho pavor dessa planta. Como foi mamãe quem o deu, recebi-o, mas quero ter certeza de que não irá me machucar mais. - Pastor, isso é loucura! O senhor está espetando o cactus com agulhas! Ele não é culpado pelo seu tombo e pelos espinhos que lhe feriram! - E daí? Não é um cactus? Acho que todo cactus deveria ser espetado para ver o quanto nos machuca. - Bom, pastor, acho que o senhor é louco. Me perdoe, mas isso não é normal. - Tem certeza, irmão Felix? - Claro! Nunca ouvi falar de alguém que espeta cactus por vingança ou por precaução! - Eu ouvi. - Ah, é? E quem, além do senhor? - Você, irmão Felix! Felix levantou-se veemente e gritou: - Eu, pastor? Como pode dizer uma besteira destas? - Sente-se, Felix. Você está em meu escritório. Felix, já alvoroçado, sentou-se. - Felix, você faz isso com todo mundo! Que sentido há em brigar com o garçon, com o segurança do banco ou com quem quer que lhe pergunte alguma coisa? Ninguém é culpado de você ter sido injustiçado, ou maltratado, ou agredido em algum momento do passado. Mas você, para não sofrer mais, para não apanhar mais, bate em todo mundo e agride a todo mundo. Você trata a todo mundo como eu ao meu cactus! Portanto, você também está fazendo uma loucura! Felix não esperava essa resposta. Felix gostava muito de plantas e até cultivava um jardim em casa. Não podia entender como alguém fazia uma plantinha sofrer. E foi justamente por isso que caiu na armadilha do

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pastor: ele estava sendo cruel também, não com as plantinhas, mas com as pessoas. - Pastor, eu já fui muito humilhado! O sargento que comandava a nossa companhia zombou de mim e todos riram, no quartel. Eu virei motivo de piadas. Quando saí do serviço militar, na porta da estação, não percebi que haviam colocado cascas de banana e me fizeram cair, e todos riram muito. Fui um palhaço para as esposas dos soldados e dos seus filhos. Fui humilhado. Fiquei sem dormir várias noites até que decidi que ninguém mais riria de mim. - Felix, meu caro irmão. Ah, Felix! As outras pessoas não são culpadas! Nem todo mundo estava lá e nem todo mundo quer ferir a você! Maltratá-las por antecipação ou espetá-las com respostas ácidas não trará a sua salvação daquele fato do passado e nem lhe protegerá de novos fatos no futuro. As pessoas não podem pagar pelos erros que cometeram contra você. Mas gostaria de fazer um trato. - Que trato, pastor? - Se você orar agora, pedindo ao Senhor que lhe ajude a perdoar quem lhe ofendeu no passado, conforme Jesus nos ensina, e se você implorar a Deus para ajudá-lo a controlar-se e não descontar sua ira e vingança nos outros, então eu vou tirar as agulhas, os arames e a borracha do meu cactus, deixando-o livre para desenvolver-se, sem sofrimento. Que tal? Felix estava vermelho e emocionado. Um misto de raiva, de ira, mas também de arrependimento e de dor. Resolveu aceitar o desafio. - "Senhor, não tenho sido justo com as pessoas ao meu redor. Estou descontando nelas o que fizeram comigo no quartel. Elas não têm culpa, Senhor! Ajuda-me a tratá-las bem, e, acima disto, ajuda-me a perdoar os meus algozes do exército. Que eu consiga perdoá-los por completo. E também ajuda o pastor a parar com a insanidade de ferir a plantinha que não lhe fez nada... (nisto Felix chorou)... Em nome de Jesus, amém". Após uns minutos recobrando-se, Felix ergueu-se e disse: - Trato feito, pastor. Obrigado pelo conselho. - Felix, poderia me fazer um favor? - Diga, pastor! - Leve esse cactus e cuide dele para mim. Sei que você tem jeito com isso e ele estará mais seguro com você. Felix não titubeou. Pegou o cactus e imediatamente libertou-o das agulhas e do arame farpado. Saiu do escritório, tomou sua esposa, pegou o seu carro e foi para casa.

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Não foi uma mudança imediata, mas dia após dia Felix recuperou a doçura, a elegância e a postura que tanto encantara a Maria. Na igreja tornou-se um companheiro e em toda parte onde ia passou a ser benquisto. O cactus? Está lindo e até floriu. Ele não foi culpado pelos espinhos do pastor. Agora é bem tratado, tanto quanto são bem tratadas as pessoas ao redor de Felix (que não se diga nada ao Felix, mas o pastor havia preparado aquele cactus para receber o Felix. Não mentira sobre ter sido presente da sua mãe, mas as agulhas tinham sido espetadas pouco antes da entrevista...). Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12:21) Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; soltai, e soltar-vos-ão. (Lc 6:37) O homem se alegra em responder bem, e quão boa é a palavra dita a seu tempo! (Pv 15:23)

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TRAGÉDIA E SALVAÇÃO O barulho foi alto; uma trombada e uma queda. O carro bateu em quê? Correram para lá. No chão, ensanguentado, com uma perna amputada e sangue a jorrar pelo chão, um homem estirado de barriga para cima. Terno rasgado e sujo, rosto esfolado, nariz deslocado, ele olha para cima, ofegante e sôfrego. Enquanto os carros param e os motoristas descem, outros ligam para a ambulância e aos bombeiros. Para o homem, porém, nada disso importa. Ele está morrendo. Em seu corpo a impotência completa: não consegue mexer-se. A dor mistura-se com a ardência e a sensação de frio. As vozes sobre ele transformam-se num ruído distante. Seus pensamentos estão muito distantes. Ele pensa no que aconteceu. O que saíra errado? Atravessava a rua sem trânsito, nunca deixou a prudência. Por que isto agora? Ele corria para uma entrevista de emprego. Sem dinheiro para pagar as contas, ouvia o choro de três filhos e o sofrimento da esposa que desdobrava-se em faxinas e em quilos de roupas que passava para os moradores do prédio. O condomínio estava atrasado. O convênio médico cortado. Ia à pé para não ter que gastar dinheiro. As pessoas tentavam confortá-lo ali no chão. Inútil a tentativa de colher alguma informação; ele não conseguia falar. Apenas olhava para o céu. Lembrou-se dos amigos que tinha, pessoas que apreciavam o jantar ou o churrasco nos finais de semana. Era popular e todos gostavam dele. Geralmente emprestava dinheiro e tinha muitos admiradores. Mas a crise ceifou-lhe os amigos. Estes desapareceram de casa. Bloquearam-no no whatsapp e no messenger. Eles não vinham mais à sua casa. Por três vezes ligou para os mais chegados, mas a resposta foi uma só: ligue mais tarde, estamos ocupados. A ambulância demorava a chegar; ele estava convulsionando. Ao voltar a si manteve-se inerte, mas os pensamentos divagavam. Lembrara-se de quantas vezes os filhos desejavam um pouco mais de sua atenção, mas ele tinha o futebol para assistir. A esposa queria mostrar algumas coisas que conseguira fazer no curso de artes plásticas, mas ele dizia que não tinha tempo para futilidades. Quantas vezes fora dormir de madrugada, sem ao menos perceber que haviam feito uma surpresa para ele, colocando um presente na escrivaninha ou um bilhetinho de amor junto da carteira! Ele ignorava estes pedidos de atenção.

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Os transeuntes fizeram um muro humano, para que ninguém tocasse naquele moribundo e insistiam para que alguém corresse ao posto de saúde implorar por socorro. Ele, contudo, com os olhos baços, olhava para o céu. Lembrava-se do pai cristão. Lembrou-se das músicas que aprendera na escola bíblica dominical. Também pensou naqueles inferninhos que o afastaram da igreja, sonhos de adolescente repleto de hormônios: baladas, mulheres, cigarro, bebida. Nunca usou drogas. Mas a vida tornou-se uma droga. Depois de tantos anos lembrou-se dos sermões do pastor de sua igreja: "Lembra-te do Teu criador", "Hoje te pedirão a tua alma"; "Cristo voltará, prepare-se!". Enquanto pensava, viu-se com o hinário à mão, cantando no coral: "Meu amigo, hoje tu tens a escolha, vida ou morte, qual vais aceitar? Amanhã pode ser muito tarde, hoje Cristo te quer libertar!". Após a terceira convulsão, voltou novamente a si, sem poder mexer-se. Um par de lágrimas desceu dos olhos. E, em pensamentos profundos e últimos, orou para Deus: "Senhor, perdoe a vida distante que levei, a falta de atenção à família, o abandono dos teus caminhos. Me perdoe! Me recebe em teus baços. Por Jesus. Amém. " Em seguida os que estavam bem próximos gritaram: "Ele morreu! Ele morreu!" No jornal da noite ninguém noticiou. Mas Deus soube, viu e atendeu.

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THEOBALDO PARTIU Internado num hospital paulista, o Pr. Pedro Theobaldo Antão, de 93 anos, está consciente e pensativo. Ouçamos o que pensa: "Enfim, chegou o meu dia ... Meu Deus, estou com tanto medo! Eu não quero morrer! Se houvesse um jeito de melhorar! Mas como! Tão velho estou, os rins pararam, não há mais o que fazer! Senhor, Senhor, acudame! Ah, Maria, quanta falta eu sinto de sua companhia! Quando você se foi eu peguei em sua mão até que partiu. E agora não tenho ninguém para me ajudar! Meu Deus, chegou a hora! Tanto preguei sobre isso! A Hora Derradeira! O Dia da Partida! Onde Passarás a Eternidade? Eu devia estar tranquilo, mas não estou! Eu creio em Jesus! Sim, quantas vezes confirmei para mim mesmo a fé! E agora não tenho mais certeza! Meu Deus, que desespero! E não posso falar com ninguém com esse tubo na boca! Como eu queria não morrer! De certo que já estou gasto, todos os meus amigos se foram. Eu fiquei por último e me senti abençoado. Mas nem sei mais se é bênção, porque agora estou aqui e não tenho quem venha me acompanhar! Meu Deus, tenha misericórdia de mim! Eu creio em Ti, Jesus, meu Salvador! Pai Nosso que estás no Céu, santificado seja o Teu Nome..." A porta do quarto se abre. O pastor vem com sua bíblia. Senta-se ao lado do velho Pastor Theobaldo. Theobaldo olha o pastor, ameaça dizer algo, não consegue, não é capaz. Apenas derrama algumas lágrimas. "Pastor Theobaldo, eu sei que está me ouvindo. Eu quero orar com o senhor. A sua biografia está para fechar. E quero recordar-lhe que o seu galardão está guardado com Cristo. Logo o senhor estará com ele..." Theobaldo pensa: "Meu Deus, eu vou morrer mesmo! Senhor, estou com medo! Sinto-me só! Por que reajo assim nesta hora derradeira? Senhor, traz-me paz agora, eu imploro! " O jovem pastor continua: "Senhor, despede em paz o Teu servo em nome de Jesus. Adeus, Pr. Theobaldo!" Ele sai do quarto e Theobaldo se desespera lá no íntimo. "Não, pastor! Não se vá! Fique comigo, por favor! Senhor, os meus filhos moram longe, não puderam vir, os meus netos nem se importam. Não tenho mais ninguém. Senhor, me ajude!"

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Então, sem que se explique, Theobaldo sente algo inesperado: sente alguém a segurar a sua mão. E, ao olhar, contempla alguém com semblante tranquilo e acolhedor. "Então, estarei sonhando? Alucinações do cérebro? Quem é o senhor?" A pessoa lhe diz em paz e tranquilidade: "Theobaldo, Jesus te espera! As provas de agora não se comparam ao que você verá e terá dentro de instantes. Alegre-se no Senhor!" Ainda nesta visão súbita, Theobaldo vê o quarto encher-se de paisagem, de iluminação, de flores, e consegue sorrir e sentir-se feliz e bem. Sem que possa explicar, levanta-se da cama e sobe, acompanhado deste amigo presente. Enquanto isso a máquina de controle do coração acusa parada cardíaca e avisa às enfermeiras que o paciente acaba de falecer. Theobaldo não está mais ali; apenas seu velho tabernáculo. Seu corpo morreu. Será sepultado. Lembrar-se-ão dele por alguns meses ou anos, mas na segunda geração nem o seu nome será mais conhecido. Como foi com seus avós e bisavós, Theobaldo tornou-se passado para o mundo. Theobaldo pode ser qualquer um de nós. Jovens ou velhos, todos teremos que atravessar a ponte da morte. Alguns o farão de forma súbita, instantânea, em acidentes. Outros, felizardos, adormecidos. Outros serão ceifados ao fim de uma longa ou curta enfermidade. E ainda outros, como o Pr. Theobaldo, verão o corpo desgastar-se ano após ano, com a morte dos seus contemporâneos e a crescente solidão de novos amigos. Na hora derradeira a nossa humanidade estará ativa. Se conscientes, o medo será algo absolutamente normal, pois tememos o desconhecido, tememos experiências às quais nunca fomos submetidos. Não significa desespero pelas consequências da morte, porque deste fomos libertados: "E livrasse todos os que, com medo da morte, estavam por toda a vida sujeitos à servidão." (Hb 2:15) Também não temos vontade de morrer, pois a tendência de quem vive é a autopreservação. A incapacidade de lidar com o problema e a impotência diante da hora derradeira poderão provocar um desespero natural, algo que não significa falta de fé ou perda de salvação. Significa que estamos assustados, temerosos, ansiosos pelo que há de acontecer. A fé em Cristo, recebido no coração e na alma conscientemente, é eficaz para salvar a qualquer pecador arrependido, independente de sentir ou não temor na partida. A diferença entre um salvo e um perdido é que o temor do ímpio justifica-se pelo destino que tiver, ao passo que o temor do salvo é temporário, natural e imediatamente confortado por Deus, através do Espirito Santo e, possivelmente, da presença de anjos do Céu (seres 198


espirituais não-humanos, criados por Deus e responsáveis em ajudar os salvos). Na hora derradeira Deus não nos deixará morrer de medo, mas enviará pouco a pouco o consolo, a consciência e a certeza do Céu, da vida eterna e da salvação. Já presenciei servos e servas do Senhor na hora da partida. Cheios de dores, doentes, idosos e incapazes de reações, esboçaram, quando conscientes, sorrisos e palavras indescritíveis, afirmando estarem a enxergar o além ainda em vida. Esse vislumbre é comum para muitos que partem, nos instantes derradeiros. Alguns partem tendo alguém a quem amam a fazer-lhes companhia (eu mesmo já tive algumas pessoas que morreram em meus braços). Outros, sozinhos num quarto, num hospital, num acidente, partem sozinhos de gente, mas acompanhados por Deus e com a ajuda maravilhosa do Senhor! Se a morte é um fator que tememos, uns mais e outros menos, a eternidade para um salvo em Cristo é uma realidade e uma certeza, que se mostrará real e palpável tão logo estejamos no processo de partida. O meu leitor está preparado para morrer? Tem medo da morte? Já sabe para onde vai? Nós podemos saber para onde vamos. Deus nos revela em Sua Palavra dois únicos destinos para a alma humana: ou com Ele, no Céu, ou sem Ele, no inferno. Ou a felicidade e a plenitude da existência, com Cristo, ou no mais sentido desespero e solidão, junto ao Diabo e seus anjos. Ou na glória e cidade celestial ou no lago de fogo e enxofre. E esse destino deve ser selado ANTES da viagem. Para ir ao Inferno basta estar alheio à mensagem de Cristo e ao arrependimento de pecados. Basta não crer em nada ou crer no que é errado. O destino é o mesmo: a condenação da eternidade. Já para ir ao Céu é necessário ter uma chave que dá duas voltas, na abertura da porta do Reino de Deus. Essa chave se compõe de arrependimento dos pecados e fé única e exclusiva em Jesus Cristo como Salvador. Na cruz Ele morreu pelos nossos pecados e fez-se nosso passaporte para a eternidade. Entregando-nos conscientemente a Cristo e vivendo só por Ele, no momento derradeiro Ele enviará seu anjo e não iremos sozinhos (algo semelhante ao que ocorreu a Lázaro poderá nos acontecer: "E aconteceu que o mendigo morreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; "(Lc 16:22). Iremos para o Reino de Deus. Do contrário, não haverá companhia e, ao fecharmos os olhos para este mundo acordaremos no mais terrível tormento que a alma humana possa imaginar. E detalhe: os destinos são irreversíveis. Theobaldo partiu. Eu partirei. Você partirá. Para onde você irá?

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TRISTE SURPRESA... Carlos era o típico crente "meia boca" (regular): ia à igreja, cantava, às vezes orava em público, entregava algum dízimo. Levava uma vida despreocupada, cônscio de que não era isso que o Senhor queria dele. Sua quarta-feira à noite era ocupada pela faculdade. Mas nas férias ele não priorizava ir à igreja. "Tenho direito ao descanso", falava. Sua mãe dizia: "Filho, você precisa colocar o Reino de Deus em primeiro lugar!" Não adiantavam os conselhos da mãe. A Bíblia ele usava bastante, mas na igreja. Sabia achar as referências e acompanhava o sermão. Mas que não se esperasse dele um tempo de leitura bíblica em particular. Ele não tinha tempo. Trabalhava, estudava, namorava, estava muito cansado. Um dia surgiu-lhe uma pequena dor no lado direito da garganta. Ele pensava que era algum nervo, algum tendão, algum mal jeito. A dor persistia e ele incomodou-se com aquilo. Tomava analgésicos e minimizava o desconforto. Mas assim que o efeito passava a dor voltava. Não deu pra fugir: teve que ir ao médico. Este, examinando-o externa e internamente, ficou temeroso. Escreveu algumas coisas no papel, pesquisou no computador e criou um clima de expectativa. "É sério, doutor?" "Carlos, lamento dizer mas terá que fazer uma biópsia. Eu não estou gostando do que vi". Carlos desesperou-se. Tão jovem, nem 30 anos de vida e já com câncer? E a biópsia? Deve ser horrível e dolorosa! Falou com os pais, que ficaram muito preocupados. Marcou o exame e foi fazê-lo. Estava desesperado. Deram-lhe anestesia local e, assim que voltou a si, foi dispensado, devendo aguardar o resultado para a semana próxima. "Meu Deus", orou Carlos, "tenha misericórdia de mim!". Ele orou com vigor e com desespero. Na semana seguinte passou no laboratório, pegou o exame e levou ao médico. Este, ao abrir, fez cara de desolação. Carlos arrepiou-se. "É grave, doutor?" "Sim, Carlos. Você está com câncer. Vamos torcer para não ter metástase. Tire uma semana de férias e venha na próxima semana para iniciar exames e quimioterapia.". O mundo caíra para Carlos. O que fazer agora? Para ele isso só acontecia para as outras pessoas, não na sua própria vida. De repente tudo muda e agora ele está em prantos. Tantos planos, tantos sonhos, tanta energia, tudo em vão! Carlos pensou: "Hoje é terça-feira e tem reunião das senhoras. Eu irei. Vou pedir para que orem por mim". E foi mesmo. Sua mãe estava lá e 200


estranhou o filho. Ele nunca fora num dia de semana. Mas participou e pediu em lágrimas as orações. No dia seguinte ele pensou: "hoje tem culto de oração; não posso perder. Vou buscar ao Senhor!" Ao chegar à igreja o pastor alegrou-se, mas logo tornou-se apreensivo, pois o caso de Carlos parecia muito grave. Oraram por ele. No fim do culto Carlos foi para casa, trancou-se no quarto e decidiu ler a sua bíblia. Leu com vontade, com força, com vigor. Leu João inteirinho. Saboreou cada versículo. Havia momentos em que esquecia a enfermidade; de repente, como se a dor lhe sussurrasse, ele se lembrava do câncer e o suor gelado lhe invadia. Ele se ajoelhava e clamava, pedindo por misericórdia. Na quinta-feira, depois do trabalho, soube que um grupo de evangelismo estaria reunido num lar. Ele foi também. E após o encontro decidiu novamente ler a sua bíblia. Desta vez leu 4 epístolas de Paulo. Como eram maravilhosas! "Pena que já é tarde demais...", pensava ele. E assim passou-se a semana. Quando ele se lembrava dos exames e da quimioterapia sentia o mundo cair, sentia a morte bem de perto e pensava: "Por que não busquei a Deus como deveria? Senhor, tenha piedade de mim!" Na segunda-feira às oito da manhã Carlos já estava na recepção do hospital. Pegou a senha e aguardou a sua vez. Ao ser chamado foi apresentar-se ao médico. Este, ao vê-lo, abraçou-o e perguntou como estava. Carlos disse que estava desesperado. O médico então lhe falou: "Carlos, nem sei como dizer isso a você. Mas tivemos um sério problema no HD do computador do laboratório. Eles inverteram os resultados e confundiram os nomes. O seu resultado não era aquele. O seu está aqui nas minhas mãos. Você não tem câncer; só está com uma irritação fácil de tratar. Gostaria que nos desculpasse..." Carlos começou a chorar copiosamente. O próprio médico emocionou-se com ele. De tanto chorar ele ajoelhou-se e orou: "Senhor, muito obrigado! Aprendi a lição! Obrigado pela chance de recomeçar do jeito certo! Ajuda a pessoa que está com o câncer registrado na ficha que estava comigo, para que também confie em Ti. Em nome de Jesus, amém!" Carlos estava feliz! Ligou pros pais, pra namorada e para os amigos. Todos ficaram felizes por ele! Marcaram uma comemoração na pizzaria próxima da igreja. Foram lá e celebraram. Quando chegou em casa, cansado, feliz, olhou para a Bíblia e pensou: "ah, bíblia, agora você pode esperar; tenho muito tempo para você; a oração também poderá esperar; já não estou em apuros como antes". E foi ao banho. Enquanto tomava banho, o Espírito Santo trouxe-lhe à lembrança de forma dura e 201


bombástica a mão gigante que escrevia na parede, nos dias do profeta Daniel: "tequel: Pesado foste na balança, e foste achado em falta." (Dn 5:27). Em seguida lembrou-se da frase do Senhor ao homem curado no tanque de Betesda: "Depois Jesus encontrou-o no templo, e disse-lhe: Eis que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma coisa pior." (Jo 5:14). E para terminar o Espírito Santo o fez recordar da ameaçadora realidade: "Horrenda coisa é cair nas mãos do Deus vivo." (Hb 10:31). Carlos percebeu que o que pensara era ideia de Satanás, visando esfriar-lhe novamente a fé pelo aparente fim das dificuldades. O inimigo queria separar-lhe da comunhão, levando-o a buscar a Deus por puro interesse, buscando apenas bênçãos, uma troca de favores. Se aflito ou com problemas, Deus é o socorro eficaz; mas finda a tempestade, Deus volta para a prateleira de remédios e ao lugar medíocre e esquecido da ingrata alma humana... Após o banho ficou no seu quarto, de joelhos, buscando a presença de Deus e fez com Ele um propósito: "Senhor, sou um pecador. MAIS PERTO QUERO ESTAR DE TI, INDA QUE SEJA A DOR QUE ME UNA A TI". Dê-me a graça de Te servir com tanto vigor agora quanto te servi quando pensei que estava para morrer. Que eu não precise de apuros para cumprir o meu compromisso de colocar-Te em primeiro lugar de minha vida. Que eu não seja ingrato para com a Tua graça demonstrada em meu favor, primeiro em me salvar, e agora em me curar e tirar o desespero. Que eu Te seja grato. Em nome de Jesus. Amém". Carlos venceu. Não sem dificuldades, pois as tentações foram muitas. Muitas vezes as diversões, os prazeres, as banalidades e frivolidades lhe seduziam momentaneamente. Mas ouvia sempre os alertas do Espírito Santo em forma de lembranças da Palavra, ou de admoestações dos irmãos em Cristo e dos pais amorosos e corria novamente para uma vida de consagração ao Senhor. Que o exemplo desse jovem sirva e estímulo a todos os leitores que também andam às raias dos conflitos entre colocar Deus e o Seu Reino em primeiro lugar ou os desejos pessoais do coração. O que encobre as suas transgressões nunca prosperará, mas o que as confessa e deixa, alcançará misericórdia. (Pv 28:13)

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TROCA INFELIZ Aquela era uma boa igreja. Um auditório constante, boas programações, crentes relativamente fiéis. O pastor iniciara o seu ministério e o período de lua-de-mel caminhava bem. Durou três anos. Com o tempo a festa deu lugar à rotina. E os cultos de oração foram minguando. Eram cem pessoas, em média. Caíram para cinquenta, trinta e, naqueles dias, oito ou dez crentes apareciam. Cidade pequena, todos se conheciam, não havia uma justificativa plausível. O pastor passou a usar as redes sociais, os cultos, o celular e toda forma de convite, instando com todos para que viessem ao culto intersemanal, um culto precioso, com ênfase à oração. As pessoas desculpavam-se. "Tenho faculdade". "Tenho que dar banho nas crianças". "Trago trabalho para casa, tenho que terminá-lo". Havia aqueles que eram mais sinceros: "não quero ir". "Perda de tempo". "O que eu ganho com isso?". Alguns amigos de facebook daquela igreja escreviam aos membros sobre os artigos postados pelo pastor, um reconhecido homem de oração. Para surpresa deles, os membros não liam a literatura dele. "O profeta não tem honra na sua própria casa". E o pastor entristecera-se, pois para ele a frieza espiritual, conquanto explicada, não tinha justificativa. E o encontramos orando naquela noite, onde ele participou do culto sozinho (a zeladora não aparecera): "Senhor, quando vim para esta igreja pensava manter reunido o povo ao redor de Tua mesa. E assim vivemos por um tempo, mas agora tudo é frio, tudo é difícil. As pessoas não oram, não buscam a Tua face. Elas estão tranquilas, sem aflições, sem consciência de que têm feito uma troca infeliz. Oh, Senhor, não permita que o Teu Nome seja desonrado neste lugar. Traze o Teu povo aos Teus pés, CUSTE O QUE CUSTAR, eu imploro! Em nome de Jesus. Amém". Passaram-se três meses. Uma imobiliária da capital instalou-se à margem da avenida principal. Trouxeram uma banda de música, carro alegórico, um circo e muita propaganda sonora e panfletagem. Marcaram um show e grande parte da igreja deixou o culto para assistir aos artistas de sucesso. Eles anunciaram um grande empreendimento. Uma gleba inteira, ao lado do último bairro da zona norte, fora liberada para loteamento (segundo eles). Esta imobiliária encampou-a e fez um projeto de "um lote para cada família". Era um milhar de lotes naquela montanha, com promessas de água, luz, telefone, esgoto, praça principal com 203


padaria, farmácia, minimercado e linha de ônibus. E a grande vantagem: baratíssimo. A maquete do loteamento era linda, em três dimensões. Um vídeo fantástico mostrava a alegria dos moradores, a segurança, o lago central, as árvores, a pracinha, as crianças a sorrirem! Aquilo cativou e fisgou a atenção e o bolso de muita gente. Foi um tumulto geral. Todos comentavam a oportunidade. "Vou tirar todo o meu dinheiro da poupança e comprar um lote para cada filho!"; "Enfim direi adeus ao aluguel!"; "Vou investir tudo o que tenho e vou fazer casas para a renda". E o povo inscrevia-se às dezenas. O dinheiro saía do banco e entrava na dita imobiliária. Cada venda disparava uma campainha e todos festejavam, lançando serpentinas e confetes, buzinando e apitando com alegria. Os novos proprietários saíam dali e iam à lanchonete do Pedro, em frente, festejar. Pedro nunca ganhara tanto dinheiro! Aliás, o que ganhou nesse período investiu em dois lotes. Lá na igreja, porém, no culto de oração, os poucos irmãos oravam. Houve um sentimento generalizado, entre os que clamavam, de que aquilo era uma ilusão. E pediam ao Senhor para ter misericórdia. Várias famílias procuraram o pastor e pediram a sua opinião. O pastor, ao púlpito, disse: "Irmãos, tomem cuidado com promessas de quem nunca viveu aqui. As coisas não são baratas e fáceis assim; aguardem esclarecimentos das autoridades; não entrem em embrulhos dos quais se arrependerão amanhã." Um membro, espírito de porco, interrompeu a pregação no final, dizendo: "O senhor é que é bobo, pastor! Poderia com a poupança da igreja comprar uns 5 lotes e construir uma catedral no bairro novo! Se tivesse visão esta igreja prosperaria!" O pastor, incomodado com o desrespeito, respondeu: "A visão à qual o irmão me insulta, é uma visão de Deus ou do Diabo? O irmão já consultou a vontade do Senhor?" O homem saiu rindo porta afora, acompanhado do riso contido das famílias. Conselhos de pastor são como orientações de pais: no início acham que são conselhos retrógrados e errados, de gente velha e sem inteligência. No caso do pastor, um homem sem visão e decadente. No culto de oração, entretanto, ninguém comprou lote nenhum. Sentiam que algo não estava correto. E numa noite, depois de instar mais uma vez para que os membros viessem ao culto, e sem nenhum resultado além do normal (os fiéis eram sempre constantes e os mesmos), o senhor trouxe um choro generalizado entre os intercessores. Sentiam que uma grande desgraça aconteceria. Oraram pedindo misericórdia. Terminaram o culto aflitos. Foram para as suas casas.

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Não tardou muito e escutaram um grande barulho: caminhões em movimento, marteladas, madeiras empilhadas e muito, muito vozerio. Pela manhã, ao passarem em frente à imobiliária, a surpresa: não havia mais nada! O barulho que ouviram fora dos caminhões de mudanças. Levaram o estande, levaram a casa pré-fabricada onde funcionava o escritório, levaram as propagandas, levaram tudo! Só sobrou o terreno (e ainda cheio de lixo!). Houve um corre-corre pela cidade, gente desesperada à procura de informações. Ninguém sabia o que acontecera e para onde havia ido a empresa. Os telefones estavam mudos ou fora de área. Em uma semana chegou a notícia: não havia imobiliária alguma; tudo não passou de um golpe. Bandidos bem preparados formaram a ilusão e, através dela, venderam papéis sem qualquer valor. A prefeitura, desconfiada e não tendo informação nenhuma de liberação de gleba, mandou investigar. Alguém da justiça, corrupto, alertou os criminosos e, antes que chegasse a força-tarefa de policiais para o confisco e a apreensão de tudo, fugiram, levando o dinheiro de quase toda a população. Gritos de desespero. "Meu Deus, era tudo o que eu tinha!"; "E agora, onde vou morar? Vendi a minha casa e estou na rua!"; "Era a poupança da faculdade dos meus filhos; como estudarão?"; "Estou sem um tostão!". Diversos enfartados, transferidos para a capital. Gente que se atirou no córrego, outros que tentaram o suicídio na estrada movimentada. Perderam o patrimônio de anos, investiram tudo em absolutamente nada. E os crentes, membros da igreja, chorando, foram buscar a Deus no culto de oração. Sim, os mesmos que não o frequentavam, que achavam perda de tempo, que julgaram ter coisas mais importantes para fazer. Agora foram apelar a Deus, para que lhes devolvesse o dinheiro de alguma forma. Os fiéis estavam tristes e surpresos, mas compreendiam que a dor desses irmãos era merecida. O pastor, também triste, mas absolutamente convicto, levantou-se na pregação e disse ao auditório de quase 200 pessoas: "Uma quarta-feira diferente, está quase todo mundo aqui. Sejam bemvindos! A vocês só tenho uma palavra: Deus lhes castigou. Pesados foram na balança e foram achados em falta. Os seus pecados lhes acharam. A fatura foi cobrada. Não culpem ao Senhor por isso, pois quem semeia na carne, da carne colhe a corrupção. Alguém insultou-me no culto, dizendo que a igreja não tinha visão. Agora eu lhe digo, irmão em Cristo: a sua visão era de quem, de um homem espiritual ou de um tolo? Onde está o seu dinheiro? Perdeu tudo, não é mesmo? Pois bem. Já o dinheiro da igreja está 205


bem guardado, pois para quem coloca a Deus em primeiro lugar, o Espírito Santo lhe dá discernimento para não cair em armadilhas. Teria sido melhor procurarem o culto de oração de forma preventiva, buscando uma vida digna e vigilante antes de fazerem asneiras. Hoje buscam ao Senhor em desespero, de forma remediatória, clamando por uma solução. Não é o ideal. Mas se o fazem com sinceridade, sejam bem-vindos, e confessem os seus pecados a Deus. Assim disse Isaías, e assim digo para vocês: Vinde então, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã. (Is 1:18)" De fato o povo, cabisbaixo e em lágrimas, veio à frente, chorando e lamentando, pedindo a Deus perdão pela inversão de valores. Trocaram o eterno pelo material. Trocaram o culto pela trivialidade particular. Trocaram a sabedoria de Deus pela sabedoria humana. Não oraram para tomarem decisões; agora amargavam uma perda incomensurável, difícil, constrangedora. Mas, aos poucos, com a graça de Deus, e com muitas custas advocatícias, conseguiram recuperar parte do prejuízo de tanta imprudência. Mas a maior recuperação que conseguiram foi na fé, pois entenderam à dura custa, de que quem troca a Deus pelo viver na carne faz uma troca infeliz e paga uma fatura cara pelo resto da vida. Aqueles crentes aprenderam a lição. E você? Como vai a sua vida de oração? Há quanto tempo não frequenta um culto dedicado a esse fim? Tem deixado as coisas de Deus de lado e busca uma boa justificativa para apaziguar a consciência que o Espírito Santo constrange em você? Cuidado. O seu pecado lhe achará. Vigie. Ore. E volte ao primeiro amor.

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UM PASTOR PARA VILA ALTA Durante 49 anos a Igreja Evangélica da Vila Alta foi pastoreada pelo veterano Pr. José da Silva. Homem simples, cordato, autodidata, excelente pregador, correto moral e financeiramente, trouxe estabilidade e credibilidade àquele ministério. O tempo passou, ele envelheceu e Deus o levou. A igreja não estava preparada para essa situação. Sofreram muito, choraram, pediram o consolo divino. Com o tempo a ferida foi sumindo. Decidiram em assembleia nomear uma comissão para convidar um novo pastor. Chamaram os membros mais influentes e representativos das diversas organizações. Eles precisavam de um pastor e então decidiram confiar à comissão o estudo da questão. Logo na primeira reunião decidiram seguir as técnicas de mercado. Criaram um perfil para o profissional desejado. Desenharam o novo pastor da seguinte forma: 1) Tinha que ter entre 30 e 50 anos; 2) Tinha que ser bacharel em teologia com alguma especialização; 3) Tinha que ter experiência anterior comprovada e carta de recomendação; 4) Tinha que ter exercido alguma função denominacional relevante; 5) Tinha que ter esposa e filhos integrados no trabalho; 6) Tinha que ter um projeto de crescimento. Aprovaram o projeto e indicaram nomes. Logo apareceram os candidatos. A cada domingo um deles desfilava pela "passarela da igreja", mostrando os seus dotes, talentos, históricos, biografias e planos. No período da tarde a comissão os entrevistava e obtinham questionários completos. Um problema surgiu nessas entrevistas: salário. O antigo pastor recebia um modesto salário. Com muita dificuldade conseguiu pagar o seu INSS e adquirir uma casinha para morar. Mas agora os candidatos apresentavam um orçamento muito diferente: exigiam salários bem altos, 4 vezes mais do que o antigo pastor. O mais modesto exigia 18 salários mínimos, casa, água, luz, telefone, carro da igreja, combustível, convênio médico, seguro de vida, 14o. salário e uma suposta "verba de gratificação". Segundo ele, a cada 10% de aumento na receita da igreja, deveriam pagar-lhe 20% de representação, pois seria o responsável pelo avanço orçamentário.

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Feitas as devidas consultas, a igreja o aprovou. Marcaram uma festa monumental. Chamaram a imprensa gospel, os vereadores do bairro, os comerciantes, as igrejas evangélicas, a fina nata daquela região. No púlpito uma surpresa: um carro zero quilômetro para que ele visitasse o povo. Que alegria! Foram 6 meses de lua-de-mel. Os crentes brigavam para levar o pastor para almoçar ou jantar em casa. Sua esposa mostrava seus dotes musicais e seus filhos integraram-se na banda jovem. Aos poucos, porém, a festa perdeu o brilho e um grande mal estar apareceu. No início, quando tudo era festa, o povo não percebeu, mas depois da alegria começou-se a perceber uma mudança radical em tudo: 1) Não havia mais necessidade de cumprimentar os membros à porta; o pastor simplesmente dizia boa noite e saía para o seu gabinete, trancando-se com 3 ou 4 irmãos, geralmente os mais abastados ou com a liderança. O gabinete pastoral, anteriormente ao lado do templo, agora estava no 3o. andar, bem afastado, longe do povo. 2) Substituiu o hinário da igreja por cânticos contemporâneos; agora as músicas eram não apenas alegres, mas de agitação física: trenzinho no auditório, pular até suar, danças com coreografias e letras inadequadas biblicamente. 3) Fez reformas no templo, jogando fora tudo o que poderia lembrar o pastor falecido: forro de madeira de lei, bancada clássica, púlpito, piano, mesa de Ceia do Senhor e quadros comemorativos; além disso proibiu o povo de compará-lo ao seu antecessor, dizendo que viviam um novo tempo, uma nova aliança. Em um ano e meio a igreja esvaziou-se. Os cultos eram mortos e fracassados, a mocidade dispersou-se e muitos tornaram-se fornicários; a direção da igreja foi esfacelada e o pastor tornou-se isolado em seu gabinete. Não tardou muito tempo e recebeu o convite de uma igreja bem maior que lhe oferecia salário melhor e abandonou sua grei. Não quis sequer um culto de despedida. Lá estava novamente a Igreja Evangélica em Vila Alta no vale da vacância pastoral. Nova assembleia e nova comissão. Precisavam escolher um novo pastor. Decidiram votar em outras pessoas. Logo no início dos trabalhos da comissão optaram por convidar pastores amigos, conhecidos, familiares e que fossem "mais baratos", não exigiriam que tivesse tantos títulos, pois os mesmos, na realidade, só atrapalharam. Novo desfile, novas disputas, novas divisões na igreja. O amigo da família mais influente estava ganhando, mas havia o amigo dos fundadores, o 208


amigo dos jovens, o amigo dos adolescentes e o amigo dos músicos. Para escolher qual amigo iria pastoreá-los, houve 6 votações e pelo menos 15 saídas de gente descontente com o processo. Por fim, o amigo dos ricos ganhou. Nova festa, novo carro presenteado (o anterior levou o carro consigo), mas agora o carro era mais simples. Novo período de lua-de-mel. Alguns retornaram à igreja, outros não. Não tardou surgirem novos problemas. O pastor, trazido pelo grupo abastado, recebia ordens de seus eleitores, tornou-se manipulado. Tinha que pregar determinados assuntos e deixar outros. Para as funções e cargos ele teria que apoiar os familiares do grupo. As atividades da igreja teriam que seguir a vontade do grupo. Os outros membros, cientes da manipulação, entraram em confronto. Em duas assembleias da igreja houve caso de agressão física. Por fim, em um ano de ministério, o pastor se foi, sem o apoio do grupo e sem resolver os problemas. A igreja estava esfacelada. O grupo abastado dispersou-se em outras grandes igrejas. Os demais estavam desiludidos. Um remanescente permaneceu. E tinham que seguir com o trabalho. O problema pastoral teria que ter solução. Logo resolveram enfrentá-lo. Nomearam uma nova comissão. Mas essa era diferente. Deus iluminou o vice-presidente numa fala inesquecível. No meio da assembleia ele falou com a unção do Senhor: "Irmãos, nomeamos primeiramente um grupo técnico e o que tivemos foi um pastor técnico; nomeamos uma comissão de amigos e o que tivemos foi um pastor sujeito aos grupos; esquecemo-nos de que a igreja é de Deus e quem tem que escolher o pastor é Deus. Não temos que colocar a nossa vontade, mas pedir a vontade de Deus. Eu não sei bem como fazer isso, mas acho que os mais indicados para participar dessa comissão devem ser os crentes fiéis, consagrados, de sólido testemunho e que notoriamente andam com Deus, independentemente de serem ricos, cultos ou influentes politicamente; e nós sabemos perfeitamente quem são os que andam com Deus aqui na igreja! O Senhor lhes dará sabedoria para nos conduzirem na escolha de um novo pastor". A palavra foi bem recebida e transformada em proposta com apoio, de votação favorável unânime. Escolheram o irmão José, crente fiel e pobre, que servia a Deus desde que a igreja era uma congregação. Escolheram o Irmão Amaro, dono do comércio de materiais de construção, e, conquanto fosse considerado abastado, era o mais liberal em ofertar e chorava quando a igreja falava em missões. Escolheram a Irmã Maria, mulher que não faltava aos cultos 209


de oração. Também o Pedrinho, novo convertido e que não deixava de distribuir folhetos pelo bairro e testemunhar de sua fé. Além destes escolheram mais 4 irmãos, de vários níveis culturais e sociais, mas que notadamente levavam Deus a sério. Essa comissão reuniu-se e emitiu um documento, onde se lia: "A Comissão de Sucessão Pastoral, reunida na última sexta-feira, decidiu seguir o seguinte roteiro: 1) Não fazer um desfile de pastores, pois os servos de Deus não estarão disputando vagas de emprego ou concorrendo com os próprios colegas de ministério; 2) Que o candidato ao ministério seja, entre outras coisas: a) Um homem de Deus, genuinamente convertido, batizado e integrado em sua igreja; b) Que seja conhecedor das Escrituras Sagradas, independente dos graus acadêmicos que possua ou que deixe de possuir; c) Que seja um homem de oração, priorizando mais uma audiência com o Senhor do que uma audiência com uma autoridade qualquer; d) Que seja alguém de moral ilibada, casado ou solteiro; e) Que seja cordato, hospitaleiro, tardio para irar-se, pronto para ouvir; f) Que seja fiel às Escrituras Sagradas e não duvide do Senhor, nem queira inventar novas doutrinas ou conduzir a igreja por planos de crescimento fora dos parâmetros da Bíblia; g) Que ocupe-se mais com Deus e Sua vontade do que com seu lazer ou carreira pessoal; h) Que esteja pronto para sofrer as agruras do ministério sem maldizer da vida e que saiba se portar com dignidade em todo o tempo; Decidimos também que só convidaremos um candidato, e, esgotadas as possibilidades deste, passaremos para outro, e assim sucessivamente." E assim fez a igreja. Não foram procurar mais nas primeiras igrejas ou nas congregações mais ricas das cidades vizinhas. Não foram procurar obreiros nos jornais evangélicos, nas colunas sociais, nos eventos políticos ou com executivos da denominação. Não foram procurá-los nos parentes dos crentes ou amigos dos líderes. Eles oraram a Deus semana após semana, em vigílias e cultos previamente agendados para esse fim e pediam para que Deus lhes mostrasse de alguma forma o homem certo. Alguns membros da comissão visitaram outras igrejas e conheceram outros pastores. Conheceram vários, mas não se iludiram com as aparências. "Deus não vê como vê o homem", dizia sempre o irmão José, o relator. "Vamos esperar o sinal de Deus". Encontraram um pastor simples, humilde, de meia idade, numa pequena igreja da zona sul. Não 210


era rico, nem um galã que conquistasse auditórios; era apenas um homem comum servindo ao Senhor com dedicação. Souberam que era um homem conservador, que limitava o seu ministério ao ensino simples das Escrituras Sagradas, à comunhão da igreja e ao serviço do próximo. Ouviram-no, sentiram-no com o coração e, após pedirem a orientação de Deus, convidaram-no para pregar. Foi um fim de semana inteiro. Após a visita a igreja foi consultada e o candidato foi aprovado. Não lhe perguntaram quantos diplomas tinha, nem quantos cargos exercera e nem quais eram as suas realizações. Apenas perguntaram a ele, após as questões de praxe, o que ele faria se a igreja o convidasse. Ele disse: "Perguntaria ao meu Senhor se esta era a vontade dEle. Se fosse, não hesitaria em aceitar; se não fosse não hesitaria em rejeitar; não estou ao meu serviço, mas ao dEle.". Consultada a igreja, resolveram convidá-lo. Ele pediu um prazo para consultar a Deus. No tempo acertado ele respondeu positivamente. A igreja aceitou sua resposta como resposta do Senhor. Na posse, não houve pompa. O pastor quis que fosse um culto para Deus e não para festejar o pastor. Seria a gratidão pelo novo ministério e o clamor pelas bênçãos necessárias. E assim foi. Houve muita alegria, mas uma alegria espiritual, uma festa no coração. Não houve nenhuma superlotação imediata, nem esvaziamento. Houve um lento e contínuo desenvolvimento. O início foi difícil, muitos pecados para tratar, disciplinas a realizar, reconciliações a fazer. A igreja passou a orar muito, a buscar muito a presença do Senhor. E o púlpito tornou-se celeiro do maná do Céu e não mais plataforma de exaltação humana. Os cultos tornaram-se celebrações espirituais e não entretenimento religioso. E ninguém ia ouvir o pastor, mas ouvir Deus através das pregações bíblicas do pastor. Hoje aquela igreja festeja os dez anos deste belíssimo ministério, que, à despeito da humildade, modéstia e limitação do pastor, tem sido tão bom quanto o ministério do primeiro pastor que Deus levou. Hoje se menciona o nome do pastor falecido como uma joia e um herói da fé e não como um concorrente ou uma sombra para o atual ministro. Hoje aquela igreja está feliz, estável e cheia de vida. Onde Cristo é honrado os homens se tornam servos e o povo celebra a Deus. Sem estrelas, sem celebridades, sem interesses familiares ou motivos fúteis e mundanos. A igreja passa a ser POR CRISTO, COM CRISTO E EM CRISTO, a verdadeira Noiva do Cordeiro de Deus.

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UMA SURPRESA NAS PESQUISAS Conto missionário Marcos estava feliz: só mais uma cidadezinha, e sua pesquisa estaria completa. Ele trabalhava em agência de pesquisas de porta em porta, e recebera a incumbência de detectar quais as instituições mais importantes em cada uma das oito cidades estudadas. Polícia, bombeiros, escolas, farmácias, até uma barraquinha de pastéis fora identificada. A oitava cidade era pequena, um pouco mais que as outras. Não seria difícil levantar a amostragem. Ele já pegara a prática. Escolheu uma rua central e foi a uma casa. Procurou a campainha, mas não achou. Bateu palmas. - Quem é? - Pesquisa, minha senhora. Pode me dar atenção uns minutinhos? - Claro! O que deseja? Marcos explicou: estava trabalhando para a implantação de um novo negócio, e precisava saber dos moradores quais as coisas mais importantes no bairro. Fez as clássicas perguntas (quantas pessoas moram na casa? Qual a faixa salarial? Quantos estudam? Quantas horas gastam em frente um televisor? Etc.). Então fez a última: - Se a senhora pudesse escolher, qual seria a coisa mais importante aqui no bairro, algo que não pode faltar de forma alguma? - A Igreja Batista - respondeu convictamente. - Como??? - A Igreja Batista!! - Ué, ninguém respondeu isso até agora! Que surpresa! Vou anotar bem pequenininho aqui do lado. - Não senhor. Escreva aí IGREJA BATISTA. Aqui na cidade a igreja batista é insubstituível. Ah, como eu agradeço a Deus por essa igreja! E eu nem crente sou, hein? Mas já fui tão abençoada por eles! - E o que eles fizeram de tão importante assim? - Tiraram meus três filhos da rua, das más companhias, e os levaram para o bom caminho. Só isso já teria valido! Marcos agradeceu, e decidiu ir para outro ponto da cidade. Talvez por lá ele conseguisse uma amostragem "normal". Bateu numa outra porta, fez as perguntas, e complementou com a derradeira (Qual a instituição mais importante do bairro?) 212


- A Igreja Batista! Ah, moço, aqui em casa todos nós frequentamos essa igreja. E todo mundo aqui era "desandado", viu? Meu marido largou a bebedeira, minha filha "aprumou" e meu filho tá até "trabalhano de verdade"! Por isso não tem outra coisa pra sugerir não! Tem que ser a igreja batista! Marcos estava perplexo, porque, em todas as outras cidades, nunca uma igreja fora citada como algo relevante. Mas aqui, as coisas estavam diferentes! Marcos fez a pesquisa pelas casas da cidade durante todo o sábado. Eram cem casas. Em 98 delas a resposta foi a mesma: IGREJA BATISTA! Ao final, fez um levantamento do porquê as pessoas julgavam tão relevante a Igreja Batista da cidade. Aqui está a súmula: A IGREJA BATISTA: TIROU CRIANÇAS DA RUA - ENSINOU MÚSICA PARA ADOLESCENTES - SERVIU DE CONSELHEIRA PARA CASAMENTOS EM DIFICULDADES - ENSINOU UMA PROFISSÃO AOS DESOCUPADOS SERVIU SOPÃO AOS POBRES - ARRECADOU AGASALHOS NO FRIO, DISTRIBUINDO-OS - ENSINOU ADULTOS ANALFABETOS A LER E A ESCREVER - DEU REFORÇO ESCOLAR ÀS CRIANÇAS CARENTES - FEZ CONFERÊNCIAS BÍBLICAS - FEZ CURSO DE SEITAS E HERESIAS - VISITOU OS LARES COM NÚCLEOS DE ESTUDOS BÍBLICOS - AJUDOU A PINTAR ALGUMAS CASAS - TORNOU O CULTO DOMINICAL UM COMPROMISSO PRAZEIROSO - DEU UMA BÍBLIA PARA CADA MORADOR - DEU UMA RELIGIÃO RELEVANTE PARA OS SEM-IGREJA - DEU PERSPECTIVA DE VIDA E ESPERANÇA PARA A CIDADE - CONTRIBUIU COM O PROGRESSO PESSOAL E COLETIVO. Marcos estava muito impressionado. Decidiu visitar a igreja no culto do domingo à noite. E, como era de se esperar, o pequeno salão estava lotado. Muitas cadeiras foram colocadas do lado de fora, com uma caixa de som servindo de contato entre o salão e a rua. Mas todos estavam felizes, e as pessoas continuavam chegando. No culto, orações, músicas bonitas, uma boa e simples pregação. Ao final, um "friendship" (confraternização), quando todos comeram "de graça" os pratinhos de quitutes que levaram. Antes de ir embora, o pastor cumprimentou Marcos. Este lhe perguntou: "Pastor, qual é o segredo para se fazer uma igreja tão pequena como a sua, tão importante para uma cidade? Como vocês conseguem?" O pastor lhe disse: - Filho, os batistas são COOPERADORES, trabalham em prol do Reino de Deus. Assim, não estamos sozinhos aqui. Esta é a ponta de um iceberg. Nós somos fruto da VISÃO MISSIONÁRIA de nossa CONVENÇÃO BATISTA 213


DO ESTADO DE SÃO PAULO. Tudo o que somos e temos, é algo compartilhado por batistas de outros lugares. Temos algo chamado PLANO COOPERATIVO, quando nossas igrejas cooperam financeiramente umas com as outras, e proporcionam as condições para sustentar um trabalho como esse, em convênio. Nascemos assim. Algumas igrejas investiram em nós: deram-nos terreno, capela, casa pastoral. Outras entraram no sustento do pastor. E outras ajudam indiretamente, com o PLANO COOPERATIVO. Além disso, recebemos visitas de igrejas, que nos trazem o seu melhor: cursos, treinamentos, atendimento médico-odontológico, pregações, visitações, mutirões missionários, palestras sobre alcoolismo e drogas, e alguns fazem cursos quinzenais de música, para dar capacitação aos nossos. Por isso a nossa igreja é tão frutífera. O segredo é COOPERAR. Marcos foi embora satisfeito. Se há algo que ele nunca se esquecerá na vida, é que ainda há espaço para uma igreja ser importante na vida de um bairro, de uma cidade e de um país. E, para que isso ocorra, o segredo é COOPERAÇÃO, SOLIDARIEDADE, PARTICIPAÇÃO. Ao invés de falarem sobre os problemas da igreja como instituição falida, os batistas agem, trabalham e constroem a igreja de amanhã, ajudando, investindo, amando, compartilhando.

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VISLUMBRE DO FUTURO Alegre e feliz o pastor foi deitar-se. Um dia de muitas atividades, muitas alegrias. Era o terceiro pastor desta nova igreja. Conseguira instalar o forro do salão de cultos, terminara o lindo jardim de entrada e assinara a escritura de posse do terreno da congregação que iniciara. Em breve uma nova igreja seria organizada, a primeira na história desta igreja. Ele sentiase alegre. E, em sua mente, imaginava o quanto todos seriam gratos pelos seus trabalhos. Sem perceber, deixou-se levar pelo ego envaidecido. E, acalentado pelo doce aroma do orgulho santo, adormeceu. Acordou cinquenta anos depois. Era dia de festa. Aniversário da igreja. Gente de toda parte chegava. O templo era o mesmo, com algumas pinturas novas, bancada moderna, um andar a mais na estrutura que tão bem construíra. Viu alguns poucos irmãos que conhecia, eram as crianças e adolescentes de anos atrás. Sentou-se num local bem situado. O culto começou. Uma programação bonita. E então a exibição dos homenageados. Homenagearam o pastor, um homem de meia idade, também político de carreira. Homenagearam a sua esposa, que vestia-se com um modelo muito extravagante. Homenagearam a diretoria atual e também os fundos para os quais a igreja contribuía. Igrejas organizadas pela aniversariante também vieram prestar honras (a primeira era a que havia organizado). Quando o culto terminou, o pastor entristeceu-se. Ninguém mencionara o seu trabalho. Nem de ele organizara a primeira congregação. Não falaram das lutas do estabelecimento, das campanhas realizadas, das noites mal dormidas, dos desafios que existiram. Ninguém mencionara os pastores que passaram pela igreja ao longo de sua história. Apenas o atual recebera a glória de uma igreja construída por diversos antes dele. Procurou algum quadro, alguma publicação, alguma coisa exposta nos corredores do templo. Nada indicava que uma história anterior existira. Cabisbaixo, saiu do culto, falando consigo mesmo: "Ninguém se lembrou de mim. Ninguém mencionou o meu nome. Ninguém fez caso da história que construímos". Subitamente acordou. Estava a ter um pesadelo! Suado e perplexo, percebera o quanto estava enganado. Por maiores que fossem os seus esforços (e não foram poucos, com certeza!), duas grandes realidades tornaram-se evidentes em seu coração pesaroso. 215


A primeira era de que toda a glória pertencia a Deus. Ele era o realizador da própria obra através de Seus servos, de Suas igrejas, da geração que recebe a incumbência de estabelecer as cordas das tendas aumentadas. Deus era digno de louvor, Deus era quem operava em nós o querer e o efetuar. E toda tentativa de tomar dEle a glória devida seria fadada ao fracasso, ao pecado. Eu sou o Senhor; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei, (Is 42:8). Paulo apóstolo teve grande trabalho para convencer os pagãos de que as curas que aconteceram em Listra não vinham de si, mas do Deus vivo. E dizendo: Senhores, por que fazeis essas coisas? Nós também somos homens como vós, (At 14:15). Pedro e João fizeram o mesmo, no caso do coxo curado à porta do templo de Jerusalém, afirmando que fora Deus quem o curara. Homens israelitas, por que vos maravilhais disto? Ou, por que olhais tanto para nós, como se por nossa própria virtude ou santidade fizéssemos andar este homem? (At 3:12). Quando o ego invade o espaço de glória que só a Deus pertence, então ergue-se o pecado como flâmula e o Espírito de Deus não atua mais. E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido? (1Co 4:7). A glória pertence a Deus. A segunda verdade que pôde detectar era a de que os homens têm memória muito curta. Eles fazem questão de ignorar a história, o passado e as grandes lutas que trouxeram a vitória celebrada. Na história de uma igreja o que menos importa é o suor e as lágrimas dos pioneiros idealistas, daqueles que abriram uma picada no meio da floresta virgem de uma região sem igreja. O povo gosta de exaltar o asfalto novo e bem pintado, esquecendo-se de quem abriu a primeira trilha que deu origem à rodovia. Na memória da geração atual o que menos importa é a lembrança de quem lutou bravamente para fazer vingar e prosperar um trabalho. Como disse Salomão "... já não têm parte alguma para sempre, em coisa alguma do que se faz debaixo do sol. (Ec 9:6). Ninguém mais se lembrará daquelas tardes quentes em que a família pioneira cedia o quintal da casa para as escolas bíblicas de férias. Ninguém se lembrará dos cultos nos lares, do ponto de pregação, dos bancos rudes e da sala apertada, das doações de bíblias, dos folhetos, dos cultos ao ar livre, das visitas em dias de chuva, dos primeiros batismos, do primeiro salão alugado e das vitórias pequeninas e indispensáveis para que tudo chegasse onde chegou. Tudo isso foi esquecido, às vezes pela desinformação, às vezes por maldade ou por qualquer outro motivo. Este pesadelo trouxe ao pastor a certeza de duas coisas.

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A primeira é de que toda a honra sempre pertence a Deus. Ele reavaliou algumas práticas que tinha, algumas celebrações que visavam, em última análise, trazer a si próprio alguma glória e vaidade. Deixou de fazer citações de suas próprias virtudes e de buscar elogios para si. Ele conscientizou-se de que trabalhava para Deus e que por mais que fizesse nunca seria o bastante para demonstrar gratidão suficiente. Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer. (Lc 17:10) Além do mais Cristo fizera tudo na cruz e na vida e era o responsável em dar poder, graça, condições e sucesso. Eu sou a videira, vós as varas; quem está em mim, e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. (Jo 15:5) A segunda certeza (oh, maravilhosa verdade!) foi a de que Deus não se esqueceria de seu trabalho. Porque Deus não é injusto para se esquecer da vossa obra, e do trabalho do amor que para com o seu nome mostrastes, enquanto servistes aos santos; e ainda servis. (Hb 6:10) Por mais que os homens procurassem apagar as memórias de seu serviço, por mais que tudo ficasse relegado a documentos de museu ou registros de cartório, Deus não se esqueceria do trabalho feito com amor e em nome de Jesus. Conheço as tuas obras tendo pouca força, guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome. (Ap 3:8) Esse pastor creu que o galardão que vale a pena não é aquele que os homens concedem em suas celebrações jactanciosas, em suas premiações temporais. O galardão que vale é aquele que receberemos diante do Supremo Juiz, no dia em que prestarmos conta de nossas vidas. E, eis que cedo venho, e o meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra. (Ap 22:12) Assim, ele tentaria não se frustrar mais quando se esquecessem de suas vitórias e o privassem de merecidas homenagens. Bastaria lembrar que Deus jamais se esqueceria e isto seria o suficiente. Os próximos meses na vida daquele pastor foram muito melhores. Ele, consciente de que era apenas um servo, servindo com alegria e cada vez mais. Mandara refazer a placa da igreja, que tinha um grande retrato de si mesmo, trocando-a pelo nome de Jesus. Tornou-se grato a Deus por cada chance de servi-Lo. Ele já havia recebido o bem maior, a vida eterna através de Jesus Cristo e de Seu sacrifício; servi-Lo fielmente era o mínimo que podia fazer para dizer a Ele: muito obrigado! Que Deus dê aos leitores a mesma convicção, de que a glória pertence a Deus e de que Ele não se esquecerá do trabalho feito para Ele, ainda que os homens se esqueçam.

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SOBRE O AUTOR O Pr. Wagner Antonio de Araújo nasceu em 1965, em 3 de setembro. É filho de Antonio Paulino de Araújo e Elzira Bonfante, ambos já falecidos. Em 1980, aos 14 anos, converteu-se a Cristo, tendo sido evangelizado e batizado pelo Pr. Timofei Diacov, de saudosa memória. Tornou-se membro da Igreja Batista em Sumarezinho, São Paulo. Estudou teologia e formou-se na antiga Universidade Brasileira de Teologia, do Pr. Josué Nunes de Lima. Dirigiu igrejas desde 1987 e foi oficialmente ordenado ao ministério pastoral batista em 13 de outubro de 1991. Pastoreou as igrejas de Vila Souza e Boas Novas do Jardim Brasil, em São Paulo, Bela Vista e Boas Novas de Osasco, Boas Novas do Rodoanel em Carapicuíba, SP, pastor auxiliar da Primeira Igreja Batista em Vargem Grande do Sul, SP, e atualmente é o pastor titular da Primeira Igreja Batista em Ribeirão Pires, SP. Foi secretário executivo da Good News Partnership Missions no Brasil, fundador da OPBCB - Ordem dos Pastores Batistas Clássicos do Brasil e da JUBOESC - Juventude Batista Oeste da Capital. Atualmente é um dos colaboradores da EBAR - Escola Bíblica do Ar no Rio de Janeiro e da BBN em Curitiba. Casado com Elaine Okada de Farias Araújo, pai de Rute Cristina e de Josué Elias. A Deus seja a glória! Informações apenas para que se conheça o autor, que faz questão de frisar: se há alguma virtude, a Deus agradece; e as falhas que há são de sua responsabilidade e por elas escusa-se. Autor do livros CRÔNICAS DE DEZEMBRO, PÁGINAS SOLTAS, CRÔNICAS DE FEVEREIRO, ANTES DE ENTARDECER, FALANDO FRANCAMENTE, ROTA 44, MEIA HORA, FLOR-DE-MAIO etc. O autor tem reunido todos os seus textos no blog http://prwagnerantoniodearaujo.blogspot.com/

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