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SOU LÁZARO E VOU RECOMEÇAR
J.T.Parreira
POESIA
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1517 – 2017 500 anos de Reforma Protestante
Capa: Vincent Van Gogh, A Ressurreição de Lázaro (Após Rembrandt), 1890
Edição de Sammis Reachers
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Índice sou lázaro / 07 as primeiras palavras / 08 salmo de lázaro de betânia / 09 quando a sua voz soou / 10 não trazia ainda um sorriso / 11 o que diria / 12 lázaro está entre nós / 13 lázaro quando passava / 14 aquele que regressa / 15 desvestiram-me das faixas / 16 diante do espelho o rosto voa / 17 este é o meu chão / 18 sei como voltar a casa / 19 a ressurreição de lázaro / 20 enquanto lázaro não chega / 21 a ressurreição de lázaro / 22
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“Retirem a pedra”, ordenou Jesus. Mas Marta, irmã de Lázaro, observou: ”já deve cheirar muito mal, porque há quatro dias que morreu.” Jesus respondeu: ”Não te disse que, se creres, verás a glória de Deus?” Então Jesus mandou, em voz muito forte: “Lázaro, sai!” Lázaro surgiu, ainda todo envolvido em panos e o rosto tapado com uma toalha. Jesus ordenou-lhes:” Desliguem-no e deixem-no ir”. Evangelho de João, 11 (O Livro, A Bíblia para Hoje).
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“Na morte nunca nos parecemos muito com a pessoa que fomos em vida, porque todo o mistério desapareceu completamente.” Lazarus ben Natan Citado em “O Evangelho Segundo Lázaro”, de Richard Zimler.
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SOU LÁZARO “Meu nome é Lázaro e a viver vou recomeçar.” G.K.Chesterton
Sou Lázaro e vou recomeçar Tenho apenas estas roupas da longa viagem E os meus olhos precisam de tempo Para se afeiçoarem ao sol Retomo neles de novo a cor Das coisas, de novo as searas e o cântico Da cotovia e o grito dos corvos Para me assustar e a luz nos sorrisos Esperam-me, sou Lázaro venho dos quartos fechados do infinito .
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AS PRIMEIRAS PALAVRAS
Os meus pés estão firmados de novo, saí Dos corações como um nome Dito com saudade, podem tocar-me Entro pelas portas dos meus amigos Novo Prometeu sem fogo Sentado na mesa dos que me amam comerei De novo o pão das dores, beberei Numa troca de olhares o vinho do amor Os meus pés estão firmados, entro de novo Na vida, no grande templo de Deus.
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SALMO DE LÁZARO DE BETÂNIA
Acusam-me de estar vivo, da minha voz Cercar com arrepios os vivos, os anónimos Ouvem o meu nome e tremem Os seus olhos quando me veem perto Acusam-me de poder andar Sobre os mesmos vestígios Que deixara, mas os rastos que ficarem Mais tarde serão outros, sou Lázaro e vou recomeçar até que o infinito relógio divino me dê de novo a eternidade.
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QUANDO A SUA VOZ SOOU
Quando a Sua voz soou na luz subterrânea Rompendo os fios das trevas Do silêncio, veio uma brisa Direi uma música que passou Diante dos meus ouvidos A Sua voz tornou radioso o meu sepulcro E estilhaçou a pedra intensa Da minha solidão.
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NÃO TRAZIA AINDA UM SORRISO
Não trazia ainda um sorriso do fundo da noite Os meus olhos eram ainda círculos Pouco afeitos à luz, iria reaprender Todos os recantos dos rostos mais amados Palavras que pudessem ter surgido Novas nos dias que estive fora Não trazia ainda o coração Preparado para correr de volta a casa.
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O QUE DIRIA
Vou estar com Jesus à mesa, conversaremos Entre dois pães amargos, correrá pelas gargantas O mel fresco do silêncio quando bebermos Novo o vinho , dir-me-á que chorou pelo mistério Que todos os homens têm de passar. Saberei Que a sua voz partiu O grande silêncio que há depois da morte.
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LÁZARO ESTÁ ENTRE NÓS
Lázaro está entre nós Diziam. Traz os segredos da velha Senhora Da promiscuidade Do grande círculo negro da morte Com os ricos e os pobres, tíbios e audazes Todos os mistérios que batem nos umbrais Da nossa mente. Lázaro entre nós, mas sem lembranças Das hostes celestiais.
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LÁZARO QUANDO PASSAVA
Tinha um rosto aberto a quem passava Podíamos entrar pelos seus olhos Como dantes e nada mudou, as aves Continuavam a lançar sinais desde o céu que não escutamos, continuavam As neves do Hermom a engrossar a barba De Aarão e no verde das campinas O orvalho das manhãs. Era igual A sua sombra que antes conhecíamos.
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AQUELE QUE REGRESSA
Estou de volta a casa, ninguém se surpreendeu Pude residir na morte, mas não viver nela Por isso estou de volta a casa, andei todo o caminho Sob olhares incrédulos, salmos Boquiabertos, o espanto a pairar no ar Nem as línguas do inferno Puderam lamber as impurezas da morte E os pecados da carne – diziam.
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DESVESTIRAM-ME DAS FAIXAS “de novo, com os pássaros migrarei” João de Mancelos Desvestiram-me das faixas e abriram O meu rosto, à luz do dia. Desligai-o -Disse Quem chamou pelo meu nome Do ritual da morte Para fora para a vida -, e deixai-o ir Vestir roupa de vivos, regressar Nos próprios pés a casa, onde a esperança Esteve quase morta. E os pássaros, de novo Riscarão os meus olhos com as cores.
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DIANTE DO ESPELHO O ROSTO VOA
Para os ouvidos de Jesus bastaria O batimento do meu coração, ver Como respiram o meu sangue e os meus lábios Quando dizia pequenas palavras Para tão grande milagre, a morte Ser vencida, palavras que não ascendem Ao cântico nem ao salmo de muitas letras Mas tão só como Te agradecer, Senhor? Por poder habitar a rotina da vida E diante do espelho O meu rosto voar para a novidade.
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ESTE É O MEU CHÃO
Este é o meu chão, conheço-lhe o cheiro A mesa posta e a roupa lavada Mesmo de olhos fechados, o mesmo lume Da candeia nas mãos Para adormecer a noite sem temores Maria presa aos pensamentos e Marta Presa nos seus passos Incansáveis a servir a casa. O trabalho Do regresso faz-se para reaprender Os pormenores com a lentidão da alegria. Só uma criança pode recomeçar assim.
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SEI COMO VOLTAR A CASA
Sei como voltar a casa, por este caminho Lembro como meus olhos corriam Para apanhar os pássaros, como deixavam Os meus pés de sentir o cansaço Que as pedras produzem, por este Caminho cresci com as figueiras E quantas vezes os meus lábios amargaram Com os figos verdes, de todas as cores Foi a minha juventude e depois A morte a escureceu.
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3 POEMAS ANTIGOS
A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO
Ah se estivesses aqui Meu irmão não teria morrido disseram Marta e Maria, a Fé por vezes é lúcida com as distâncias Jesus poderia andar sobre as águas Como o sol nos girassóis, Jesus, Diz uma poesia, quis chorar primeiro Porque a morte tinha horas próprias Para ser vencida.
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ENQUANTO LÁZARO NÃO CHEGA “Maria, porém, ficou sentada em casa” Jo. 11, 20
Ora se Maria ficou sentada em casa No luto que silenciava as paredes, A cabeça em baixo, os olhos entornados Na taça das mãos, ficou porque a morte de alguém Que amamos é também a nossa e não deixamos Que a roubem? Por isso ficamos a guardá-la A sete chaves, no escuro? Lázaro Virá com Jesus surpreendê-la? Ficou sentada em casa com os braços Apertando no próprio corpo uma saudade.
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A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO Já choramos o bastante a morte, a vida Deve tomar o seu lugar As vestes e as sandálias ainda servem É preciso encontrar um amor Que não havia, fazer memórias, outras páginas Vai, Lázaro, nas asas douradas dos olhos Vai, goza as sombras tépidas das antigas oliveiras Os suaves perfumes dos lírios nas searas e no vento Vê de novo as alegrias.
© J.T.Parreira, 2016
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