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Agentes anônimos As ações de militantes anarquistas, comunistas e fascistas no Brasil

Governo Jango O historiador Thomas Skidmore retrata, em sua obra, a crise que culminou no Golpe de 1964

Imprensa escrita As mudanças que tiveram influência direta na história dos jornais brasileiros

A face do poder O fim da democracia natural e a ascensão de grupos que tinham como premissa básica o domínio

A civilização que teria previsto o apocalipse para 2012. Conheça os mitos e verdades que envolvem essa profecia

O enigma

MAIA Entrevista: O pesquisador Luiz Carlos Santos fala sobre o líder abolicionista Luiz Gama

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editorial EMAIL: leiturasdahistoria@escala.com.br

REALIZAÇÃO

Profecia Maia Profecia. Segundo o providencial dicionário Aurélio, “1. predição do futuro por um profeta e 2. suposição, conjetura”. Dentre todos os prognósticos e “conjeturas” produzidos pela humanidade ao longo dos séculos, talvez nenhuma delas desperte o mesmo fascínio que as previsões sobre o “fim do mundo” ou “final de um grande ciclo”. Uma dessas profecias tem repercutido muito devido a proximidade cronológica de sua “concretização”: o suposto apocalipse de 2012 decretado pelos povos maias, a famosa civilização pré-colombiana, de cultura e história riquíssimas. O trágico evento teria até uma data estimada para acontecer. Seria no dia 21 (ou 23?) de dezembro de 2012. Haveria tempo hábil para uma derradeira Olimpíada, em Londres, de 27 de julho a 12 de agosto de 2012. Justo na vez do Brasil, em 2014, o mundo estaria extinto... A profecia maia já rendeu um filme dirigido por Roland Emmerich e estrelado por John Cusack e Danny Glover (2012, 2009) e, agora, um livro que analisa seus mitos e verdades: 2012 – a História (Larrousse do Brasil, 2010), escrito por John Major Jenkins. Nossa matéria de capa vai fundo nos aspectos históricos, sociocultural, geográficos, cosmológicos e antropológicos que envol-

vem o tema. Destaque para uma entrevista exclusiva com Major Jenkins. Nesta edição da Leituras da História, a mídia impressa é objeto de estudo histórico. Mestre em História e autor do livro A democracia impressa. Transição do campo jornalístico e do político e a cassação do PCB nas páginas da imprensa brasileira (19451948), o pesquisador Heber Ricardo da Silva faz um levantamento sobre a história da imprensa no Brasil. Por falar em imprensa, é a entrevista desse mês, com o sociólogo Luiz Carlos Santos, é para contar um pouco sobre a trajetória de um homem que soube usar seus artigos em jornais – e as sessões em tribunais – para combater à escravidão: Luiz Gama. Para professores e estudantes, a edição número 5 do caderno “História em Perspectiva” traz um assunto sempre polêmico: a Igreja católica e o poder legislador dos papas, com texto e exercícios produzidos pelo professor Leandro Duarte Rust, doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Boa leitura. Os editores

www.fullcase.com.br | (11) 5081.6965 Editor: Edgar Melo • Editora-assistente: Sheyla Pereira • Jornalista responsável: Karina Alméri – MTB 45.403 • Revisão: Cristiane Garcia e Pryscila Grosschädl • Diretor de Arte: Angel Fragallo • Chefe de Arte: Samuel Moreno • Diagramação: Cleber Gazana, Marco Basile, Luciana Toledo, Rodrigo R. Matias • Colaboraram nesta edição: Bruna Lima Moreira, Daniel Rodrigues Aurélio, Heber Ricardo da Silva, José Vasconcelos, Leandro Duarte Rust, Maurício Barroso, Priscila Gorzoni, Roberto Lopes, Rosana Schwartz, Tatiana Martins Alméri, Vanusa Aparecida Guimarães.

Leituras da História é uma publicação mensal da Editora Escala Ltda. ISSN 1982-2464. Leituras da História não se responsabiliza por conceitos emitidos em artigos assinados ou por qualquer conteúdo publicitário e comercial, sendo esse último de inteira responsabilidade dos anunciantes.

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conselho editorial (O Conselho e a redação não se responsabilizam pelos artigos e colunas assinados por especialistas e suas opiniões neles expressas) Valmir Francisco Muraro, professor doutor da UFSC, responsável por disciplinas sobre o Brasil Colonial, Missões Jesuíticas, Teoria da História e Colonização, Cultura e Identidade. Publicações mais relevantes: Juventude Operária Católica: uma utopia operária, Bibliografia Crítica da Etnografia Guarani, Padre Antônio Vieira: Retórica e utopia. Monica Grin é professora adjunta em História Moderna e Contemporânea do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Áreas temática de ensino e pesquisa: pós-abolição, etnicidade, relações raciais, racismo, anti-semitismo, imigração e estudos judaicos. Ivan Esperança Rocha, doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP), professor de História Antiga junto ao Departamento de História da UNESP, campus de Assis. Maria Helena Capelato, professora titular do departamento de História da FFLCH (USP), professora de História da América independente no mesmo departamento, pesquisas desenvolvidas em História do Brasil e História da América: estudos comparados, chefe do departamento de História da FFLCH da USP, coordenadora do comitê de avaliação na área de História – CNPq. Publicações principais: O Bravo Matutino (em co-autoria com Maria Ligia Prado), Ed. Alfa ômega, 1982, Os Arautos do liberalismo: imprensa paulista 1920-1945, ed. Brasiliense, 1987 Marcos Antonio de Menezes é professor Adjunto do Deptº (Jataí) e do Programa de Pós-Graduação (Goiânia) em História da Universidade Federal de Goiás. Doutor em História da cultura pela UFPR. É membro do conselho editorial da revista ArtCultura. Publicou, em 2000 pela editora Cone Sul, Olhares sobre a cidade: narrativas poéticas das metrópoles contemporâneas . Marcos Antônio Lopes é doutor em História pela Universidade de São Paulo e professor do depto. de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina. Pesquisador do CNPq (Bolsista Produtividade em Pesquisa). Co-autor de A peste das almas: histórias de fanatismo (Editora FGV) e autor de Voltaire político (Editora Unesp), Voltaire historiador (Papirus), Voltaire literário (Imaginário). Julio Gralha, professor mestre em História pela UFF, doutorando em História Cultural pela UNICAMP e professor colaborador do Núcleo de Estudos da Antiguidade NEA-UERJ. Sidnei Munhoz é doutor em História econômica pela USP. Professor da área de História Contemporânea na Universidade Estadual de Maringá (UEM); do Programa de Pós-Graduação em História (UEM), do Programa de Pós Graduação em História Comparada (UFRJ) e do Consórcio Programa Rio de Janeiro de Estudos de Relações Internacionais, Segurança e Defesa Nacional (CPRJ-Prodefesa). Principais publicações: “Riots and Looting in São Paulo city- 1983” ILAS, University of Glasgow, 1996. Foi um dos organizadores (junto com Francisco Carlos Teixeira da Silva) da Enciclopédia de Guerras e Revoluções do século XX , Elsevier/Campus, 2004.

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Sérgio Mendes – por e-mail

Em nome da fé

retirado do livro “As Grandes Batalhas da História” - Larousse do Brasil

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Muito interessante a entrevista com o antropólogo Fábio Vergara Cerqueira, especialista em arqueologia púbica, publicada na última edição da revista Leituras da História. Não sabia que existia esse ramo da arqueologia. O professor deixa mais claro o papel desse tipo de pesquisa e nos faz pensar o quão presente a arqueologia está de nossas vidas. Antes eu pensava que o assunto estava ligado somente à escavação de locais longínquos e nem sempre acessíveis às pessoas comuns. Hoje vejo que essas descobertas podem estar mais próximas do que imaginamos.

Esclarecedora a matéria de capa da edição 32 da Leituras da História que traça o perfil da AlQaeda. O terrorismo é um assunto que interessa a todo mundo, não somente a quem gosta de disciplinas como a história da humanidade. Concordando ou não com os métodos políticos e religiosos empregados na história dos Estados Unidos e outros países de primeiro mundo, é importante ressaltar que os meios utilizados pela célula terrorista para atingir seus objetivos não podem ser aceitos e, muito menos, seguidos. Definitivamente, a fé não pode ser usada para promover mortes em massa.

André Luiz Fernandes – São Paulo – SP

Menos conhecidos

Gosto muito das matérias publicadas na revista Leituras da História sobre o perfil de povos importantes, porém não muito conhecidos, na história da humanidade. Um exemplo disso é a matéria que fala sobre os Anabatistas, que divergiam dos católicos e protestantes. Acredito que esse é um caminho que pode ser explorado mais intensamente, bem como a trajetória de povos orientais, como os mongóis.

Contato direto com a redação da revista para que você nos envie sugestões e comentários.

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A história em imagens

Marcel Gautherot/IMS

Para anunciar

Renato Vieira – por e-mail

Uma seção que merece destaque na revista Leituras da História é a “Gente e Sociedade”. Fotos de monumentos e construções antigas são ótimos recursos históricos, que contrapõem um pouco aos extensos textos. Gostaria de ver na publicação fotos antigas do centro de cidade de São Paulo. Vocês poderiam, inclusive, fazer um comparativo entre “o antes e o depois”. Acredito que a prefeitura da cidade tenha um vasto material sobre isso.

Kátia Gonçalves – Santo André - SP

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crONOLOGIa | Edição 33 • Ano 2010 Nº 5

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8 Luiz Carlos Santos ENTREVISTA

O sociólogo e professor Luiz Carlos Santos fala sobre a trajetória de luta do advogado, jornalista e líder abolicionista Luiz Gama.

38 Imprensa

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Governo Jango

Um panorama do Governo João Goulart a partir da perspectiva em brasil: de Getúlio a Castelo, livro do historiador Thomas Skidmore, considerado um clássico da historiografia política.

A relação entre imprensa e poder no brasil e as transformações ocorridas nos veículos de mídia a partir da década de 1940.

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História em Perspectiva religião: em um momento de instabilidade, os papas medievais souberam utilizar a lei para formar uma elite clerical, de modo a fortalecer o poder da igreja Católica.

Livros Raros

Uma relação de publicações antigas sobre as memórias de uma Europa no período do nazifascismo DiVULGAÇÃO

Os desafios do ensino indígena e a busca por uma solução pedagógica que contemple uma educação que respeite as particularidades culturais das respectivas tribos.

60 Memória

O projeto Promack realiza um levantamento nos arquivos do antigo Departamento Estadual de Ordem Política e Social – DEOPS e traz detalhes sobre a imigração de italianos e portugueses ao brasil.

Seções

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A derrocada do conceito de democracia natural e suas práticas políticas sinalizaram uma grande perda para a humanidade

ESPECIAL

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Cultura

54 Democracia

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DiVULGAÇÃO

A profecia maia sobre o final dos tempos, analisada no livro 2012 – a História, de John Major Jenkins, é o tema em destaque neste mês.

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NOSSA CAPA

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14 Fatos e registros 34 Nature 37 Livros e Autores 66 Gente e Sociedade leituras da história | 7

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Entrevista | Luiz Carlos Santos

Luta contra a

opressão Militante do movimento negro, Luiz Carlos Santos fala sobre a trajetória de Luiz Gama, um dos símbolos da luta abolicionista

A

utor de O Negro em Versos – Antologia da poesia negra brasileira, o sociólogo Luiz Carlos Santos é mestre em Sociologia pela Universidade de São Paulo, militante do movimento negro, integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Intercâmbio Brasil África (Sinba), além de coordenador do Núcleo de Consciência Negra na USP. Professor de História do Museu Afro Brasil, tem ministrado palestras sobre as Leis nº 10.639 e nº 11.645, que estabeleceram o ingresso das disciplinas de História da África e da Cultura Afro-Brasileira e Indígena na grade curricular das escolas brasileiras. Este vasto currículo já situaria Luiz Carlos Santos entre as maiores autoridades em cultura afro-brasileira, mas o professor e pesquisador lançou pelo Selo Negro Edições o livro Luiz Gama (Col. Retratos do Brasil Negro), um perfil biográfico de uma figura decisiva na luta con-

tra a escravidão. É para falar sobre esse livro e sobre o movimento abolicionista em geral, que Santos é o entrevistado desta edição da Leituras da História. Considerado um dos maiores abolicionistas do Brasil, Luiz Gonzaga Pinto da Gama tornouse o arauto da libertação dos negros e da luta contra a opressão. Advogado, jornalista, poeta, membro da Maçonaria e fundador do Partido Republicano Paulista, Gama morreu em 1882, tendo libertado, nos tribunais, mais de 500 negros. No livro Luiz Gama, o professor Luiz Carlos Santos revela a trajetória de uma das personalidades mais importantes do século 19 no Brasil imperial e escravista, destacando sua atuação pioneira como abolicionista e intelectual. “Trata-se de uma biografia singular que articula luta com inteligência”, revela o autor. Para ele, Gama foi o pai da negritude brasileira e manteve firme o princípio que norteou toda sua vida.

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Por Priscila Gorzoni*

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Entrevista | Luiz Carlos Santos

com atuação intensa nos tribunais, na imprensa, na literatura e na política. A biografia mostra o menino negro que nasceu livre, em Salvador, na Bahia, foi vendido como escravo aos dez anos pelo próprio pai e na juventude aprendeu a ler e tomou ciência de sua condição de homem livre. “A vida de Gama sugere, sem dúvida, um filme de enredo original e capaz de romper os paradigmas do cinema nacional da favela trágica”, afirma o autor. Para redesenhar o perfil de Luiz Gama, o professor percorreu caminhos sutis e cheios de atalhos. Negro alfabetizado aos 17 anos e livre aos 18, por conquista própria, Gama transformou-se em um símbolo da luta abolicionista e republicana. Resultado de extensa pesquisa, incluindo a carta autobiográfica escrita para o

divulgação

A biografia traça o perfil de um jovem negro, autodidata, profundo conhecedor das letras e das leis, radical na luta pela liberdade e pelos ideais republicanos, em um império escravocrata. Incansável agitador das causas negras, Gama foi perseguido e amea­ çado de morte. Para o autor, seu espírito de superação fortaleceu a atuação abolicionista. “Sua vida é uma forte referência para a nossa história e permite uma releitura da história do Brasil”, complementa. E deverá ser, diz ele, uma das grandes contribuições à luta pela equidade. Dividido em três capítulos e um anexo, o livro aborda a vida do abolicionista desde a infância, passando pela escravidão e a luta pela liberdade, que adotou como projeto de vida,

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amigo Lucio de Mendonça, que tem sido objeto de estudo e interpretações diversas; a obra mostra que Gama também fez da literatura espaço de militância. Gama foi um dos maiores articuladores políticos que o Império conheceu. A biografia aborda seus grandes feitos na luta pelo fim da escravatura, destacando sua atuação, em São Paulo, como advogado, na libertação dos negros; suas denúncias, na imprensa, dos acordos para a manutenção do trabalho escravo; e seus poemas ácidos, que satirizavam e, ao mesmo tempo, expunham as mazelas do poder imperial e dos senhores de escravos. Enxergando além de seu tempo, Gama não separou o social do racial e combateu tanto a escravidão quanto a monarquia. A obra mostra que ele vislumbrou na República o nascimento da igualdade e da liberdade numa perspectiva cidadã. “Pensando assim, participou dos setores mais progressistas de sua época”, complementa Santos. Leituras da História (LDH) – De onde nasceu a ideia de escrever sobre Luiz Gama? Por que escolheu Luiz Gama entre as outras personalidades negras? Luiz Carlos Santos – A ideia me acompanha desde o início dos anos 1980, quando lendo o livro Brasil História (texto e consulta), vol. 3 – República Velha, de Antonio Mendes Jr. e Ricardo Maranhão, vi a seguinte citação de Luiz Gama: “O Escravo que mata seu Senhor, seja em que circunstância for, age em legítima defesa.” Pensei na coragem e ousadia que tal afirmação representava para a sociedade escravocrata principalmente se dita por um advogado, acrescentando-se aí ser este homem um ex-escravo. Recentemente, recebi um convite da professora Vera Benedito, editora da coleção Retratos do Brasil Negro; escolhi escrever sobre Luiz Gama por ser uma das personalidades negras brasileiras com a qual mais me identifico e por achar importante mostrar para a juventude brasileira, em especial a parcela negra, que a luta pela liberdade fez e faz parte de nossas vidas desde o primeiro sequestro de um africano para torná-lo escravo.

LDH – Conte como foi a produção do livro? Quais as descobertas e surpresas que fez durante essa pesquisa? Luiz Carlos Santos – Escrever um livro sobre um nome como Luiz Gama, destinado a um público jovem, em uma sociedade movida por imagens e sons como a nossa, requer uma linguagem ágil e, ao mesmo tempo, instigadora. Isso foi um desafio. A pesquisa seguiu o caminho de sempre. Bibliografia sobre a época, jornais, revistas, etc. Muitas descobertas foram se dando ao longo do processo, principalmente a percepção da genialidade do pesquisado, um dos exemplos mais concretos de um homem negro que se construiu apesar de ter toda uma sociedade contra ele e seu grupo social. Soube articular-se com os setores sociais que interessavam, acumulando forças para lutar pela liberdade, contra a monarquia e contra a escravidão. Não mediu esforços para isso. No século 19, existiam negros que não separavam a luta racial da luta social e viam na articulação das duas a superação política de um Estado monárquico e escravista.

um dos exemplos mais concretos de um homem negro que se construiu apesar de ter toda uma sociedade contra ele e seu grupo social. Soube articular-se com os setores sociais que interessavam, acumulando forças para lutar pela liberdade, contra a monarquia e contra a escravidão. Não mediu esforços para isso

LDH – Explique como seu livro foi dividido e por que foi feita essa divisão? Luiz Carlos Santos – A divisão do livro obedeceu a uma cronologia histórica, dando destaque para os assuntos de maior importância, segundo o nosso interesse, como geralmente acontece nas biografias. E não tendo a pretensão de esgotar um tema de tamanha dimensão histórico-social. É um livro para instigar curiosidade, interesse e mostrar a atualidade da luta contra o racismo em um dos países de maior população negra do mundo.

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Entrevista | Luiz Carlos Santos

LDH – Quem foi Luiz Gama e qual foi sua representatividade dentro da sociedade brasileira? Luiz Carlos Santos – Luiz Gonzaga Pinto da Gama foi, talvez, o primeiro ex-escravo, filho de uma africana livre, Luiza Mahin, e de um fidalgo branco, baiano. Nascido em 21 de junho de 1830, até os dez anos de idade foi uma criança livre, quando então foi vendido pelo pai para pagar dívida de jogo. Trazido para São Paulo, foi rejeitado pelos compradores de escravos por ser baiano e por estes gozarem da fama de serem rebeldes. Por fim, foi escravo doméstico, alfabetizou-se aos 17 anos, foi soldado, foi amanuense (escrevente), rábula (advogado), poeta, jornalista e político. Sua importância na história brasileira é extraordinária. Basta se pensar o que significou e ainda significa para as elites brasileiras daquele e do nosso tempo, ter de conviver, se explicar, debater e, muitas vezes, ser dobrada por um ex-escravo. Ou seja, um negro que não ficava em seu lugar, isso em plena sociedade escravista. Que conhecia leis, fazia poesia, se identificava como negro, sonhava e lutava pela República e era um guerreiro incansável na luta pela liberdade dos africanos criminosamente escravizados. Além de fazer parte da vanguarda do pensamento de sua época.

Luiz Gama foi um dos maiores poetas satíricos brasileiros. Seu livro Primeiras Trovas Burlescas de Getulino é o testemunho literário dessa afirmação. O Poema Quem Sou Eu, ou Bodarrada, é um marco identitário da brasilidade. É um espelho da nossa realidade

LDH – Qual foi o papel político de Luiz Gama na sociedade e história do Brasil? Luiz Carlos Santos - Além de ter sido fundador do PRP (Partido Republicano Paulista), Luiz Gama foi persistente no uso da lei na luta contra a escravidão, chegando mesmo a libertar mais de 500 africanos escravizados, como ele dizia, “criminosamente”. Soube articular mo-

vimentos sociais de vanguarda como partidos políticos e a Maçonaria e sabia que a luta contra o preconceito racial andava junto à luta social, principalmente em um país que tinha na escravidão a base de suas relações sociais de produção. Ele teve papel fundamental na luta pela abolição, como já salientamos. Defensor radical da liberdade e da República, não concebia a presença de uma sem a outra e, para isso, lançou mão de todos os recursos ao seu alcance, tais como a luta nos tribunais, denunciando as falcatruas dos magistrados e das elites nos jornais, por exemplo.

LDH – O que poucos sabem sobre Luiz Gama que é importante destacar e está presente no seu livro? Luiz Carlos Santos – Entre tantas outras coisas, Luiz Gama foi um dos maiores poetas satíricos brasileiros. Seu livro Primeiras Trovas Burlescas de Getulino é o testemunho literário dessa afirmação. O Poema Quem Sou Eu, ou Bodarrada, é um marco identitário da brasilidade. É um espelho da nossa realidade. Outro aspecto importante, presente na obra literária de Gama, é a escolha da mulher negra como sua musa inspiradora, além da forte recorrência à sua origem africana. E, curiosamente, apesar de ser um radical, foi um dos homens mais populares em São Paulo, em pleno século 19.

LDH – Conte um pouco de sua participação na Maçonaria e como foi a repercussão disso na sociedade da época. Luiz Carlos Santos – A presença de Luiz Gama na Loja Maçônica América, da qual foi vice-presidente, foi de fundamental importância na sua luta contra a escravidão, principalmente se considerarmos o papel que a Maçonaria teve na luta contra a escravidão, contribuindo política e materialmente na luta pela liberdade de africanos escravizados, já que tinha entre os seus membros, além do próprio Gama, outros nomes do pensamento brasileiro de vanguarda. É importante destacar também a importância das irmandades negras na luta pela liberdade, bem como outras formas de organização abolicionista.

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LDH – Em termos sociológicos e políticos o que pode ser destacado do seu livro e da vida de Luiz Gama? Luiz Carlos Santos – A sociedade brasileira é constituída de três matrizes: A nativa (índia), a europeia (portuguesa) e a africana. As matrizes indígenas e africanas foram e ainda são, ao longo da nossa história, oficialmente excluídas, em algumas situações quase exterminadas. O universo cultural que caracteriza uma sociedade como a brasileira é rico tanto nas manifestações religiosas, gastronômicas, festivas, cognitivas e artísticas, todavia, a cara do brasileiro ou da brasileira que vemos nas revistas, nos jornais, nos filmes, telenovelas, peças publicitárias, no teatro, enfim, as nossas marcas de identidade são esteticamente europeias, assim como a forma de pensar das nossas chamadas classes dirigentes. Descobrir personalidades que fogem do parâmetro dominante, como é o caso de Luiz Gama, demonstra que as contradições sociais produzem dialeticamente sujeitos históricos diversos, conflitantes e necessários dentro de uma mesma época. Machado de Assis, um dos mulatos mais comemorados no país, considerado o maior escritor da nacionalidade, é contemporâneo de Luiz Gama, também mulato, mas que, no entanto, assumiu a sua negritude e suas raízes sem grandes problemas. LDH – No que a vida, obra e atuação de Luiz Gama ajudou a dar a cara da sociedade e política atual? Luiz Carlos Santos – Se existisse de verdade uma Democracia Racial Brasileira, os brasileiros brancos, negros ou índios a perceberiam, já que sentiriam a importância de sermos iguais nas diferenças. Dessa forma, talvez não testemunhássemos afirmações patéticas de personalidades que negam, nos meios de comunicação, a sua origem étinica, como acontece regularmente entre nós. LDH – Qual a situação atual dessa luta no Brasil? Luiz Carlos Santos – O Brasil tem hoje a Lei nº 10639, de 2003, que torna obrigatório o ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira em todas as escolas do país. Mas, assim como aquela Lei, de 1831 que proibia o tráfico de es-

Descobrir personalidades que fogem do parâmetro dominante, como é caso de Luiz Gama, demonstra que as contradições sociais produzem dialeticamente sujeitos históricos diversos, conflitantes e necessários dentro de uma mesma época. Machado de Assis, um dos mulatos mais comemorados no país, considerado o maior escritor Da nacionalidade, é contemporâneo de Luiz Gama, também mulato, mas que, no entanto, assumiu a sua negritude e suas raízes sem grandes problemas

cravos e que Luiz Gama aludia sempre em defesa dos negros criminosamente escravizados, também não é cumprida. As razões apresentadas são várias, todas vazias de argumentos, amparadas unicamente no cínico e hipócrita preconceito racial. Fico pensando de que lado estariam os nossos políticos e intelectuais que são contra as cotas, durante a luta pela abolição? Penso assim, por nunca tê-los lido/ouvido ou visto nos jornais ou na TV, ou mesmo no congresso nacional, mostrando o se repúdio e a sua indignação contra os assassinatos de jovens negros nas periferias e favelas dos grandes centros urbanos brasileiros, ou ainda, apresentando propostas que ajudem a mudar as estatísticas viciadas e já banalizadas sobre o lugar do negro no mercado de trabalho, na escola, ou a sua saúde, a sua moradia, etc. O pior de tudo isso é ouvir como resposta, quando fazemos essas denúncias, que estamos fazendo racismo às avessas. Daí fica fácil entender a máxima “só quem sente sabe”.

*Priscila Gorzoni é jornalista e escreve para esta publicação

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fatos e registros Por Maurício Barroso

Retratos dos apóstolos

Uma nova pesquisa da University of Maryland revelou que Nova Iorque é a cidade mais visada por terroristas nos Estados Unidos (EUA). Segundo o relatório, a maioria dos ataques envolveu bombas e outros explosivos. “Esse último é, de longe, a arma mais utilizada por terroristas em Nova Iorque”, diz Gary LaFree, que dirige o Study of Terrorism and Responses to Terrorism (START) e criou também o Global Terrorism Database (GTD). O estudioso revelou que, dos ataques terroristas em Nova Iorque (19702007), 70% envolveram bombas ou explosivos. De acordo com ele,

Procurando Amélia Desaparecida enquanto voava sobre o Oceano Pacífico em dois de julho de 1937, em uma tentativa de bater o recorde de voar ao redor do mundo utilizando a linha do equador como rota, a aviadora Amelia Earhart é procurada até hoje. Durante anos, o diretor-executivo da The Internacional Group for Historic Aircraft Recovery (TIGHAR), Richard Gillespie, autor do livro “Finding Amelia”, em conjunto com sua equipe, têm buscado na ilha de Nikumaroro provas do paradeiro da aviadora. Uma série de objetos

encontrados pela TIGHAR sugere que Amelia e seu navegador, Fred Noonan, fizeram um pouso forçado na ilha. “Nós sabemos que em 1940 o oficial britânico Gerald Gallagher recuperou parte de um esqueleto de um náufrago em Nikumaroro. Infelizmente, os ossos já foram perdidos”, disse Gillespie. Até hoje, proliferaram as teorias de que ela era uma espiã, que foi capturada pelos japoneses, que morreu em um campo de prisioneiros de guerra, e que sobreviveu e passou a viver como uma dona de casa em Nova Jersey.

dos 10 ataques com esse tipo de arma nos EUA, seis ocorreram na cidade de Nova Iroque. O pior foi em 1993 no World Trade Center, que matou seis e feriu milhares de pessoas. Veja a lista das cinco principais cidades dos EUA que sofreram ataques terroristas no período entre 1970 até 2007: Ranking

Cidade

número de atentados

1a

Nova Iorque

2

Miami, Flórida

70

3a

São Francisco, Califórnia

66

4a

Washington, Capital

59

5

Los Angeles, Califórnia

54

a

a

284

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Top Five

Smithsonian Institution

Algumas pinturas dos apóstolos de Jesus Cristo foram encontradas em uma catacumba, próximo da Basílica de San Paolo, em Roma. Os funcionários do Vaticano anunciaram a descoberta em coletiva de imprensa no dia 22 de junho deste ano. Datada do final do século IV, as pinturas retratam a face completa de três, dos 12 apóstolos de Jesus: São Pedro, Santo André e São João, que assim como São Paulo, se tornaram apóstolos depois da morte de Cristo. De acordo com a equipe, foi utilizada uma nova tecnologia que utiliza laser e permitiu queimar alguns depósitos de cálcio sem danificar as cores extraordinárias dos afrescos. Essa tecnologia funcionou como um bisturi e trouxe à tona as imagens em detalhes, mostrando que a devoção aos apóstolos começou no início do cristianismo. Estudos demonstram que detalhes como a barba branca de São Pedro e o rosto quadrado e as rugas na testa de São Paulo indicam que estes afrescos possivelmente definiram o padrão para futuras representações dos demais apóstolos. Para o superintendente da Pontifícia do Vaticano, da Comissão de Arqueologia Sacra, Fabrizio Bisconti, essas são as primeiras imagens dos apóstolos.

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o ÚlTimo BeiJo

JAN BAPTIST WEENIX /CENTRAAL MUSEUM

Faleceu em 23 de junho de 2010 Edith Shain, 91 anos, a enfermeira que ficou famosa ao ser fotografada pelo lendário fotógrafo naturalizado americano Alfred Eisenstaedt. A foto foi realizada na Times Square no dia 15 de Agosto de 1945, quando o Japão havia declarado a sua rendição e terminava assim a Segunda Guerra Mundial. Edith foi até a Times Square para se juntar aos soldados, marinheiros e civis, para comemorar a vitória. A então jovem foi agarrada e beijada por um marinheiro norte-americano, cuja identidade permanece desconhecida até hoje. A ex-enfermeira passou a maior parte de sua vida ensinando em escolas públicas de Los Angeles e faleceu em sua casa. Edith deixou três filhos, seis netos e oito bisnetos.

ALFRED EISENSTAEDT

Fim do misTério A carta escrita e roubada no século XVII pelo pensador René Descartes foi encontrada nos Estados Unidos e voltou para a França no dia 08 de junho deste ano. O mistério foi solucionado após uma simples busca no Google, realizada pelo estudioso holandês de Descartes, Erik-Jan Bos, que fez uma pesquisa digitando os seguintes termos “carta autografada” e “Descartes”. A carta foi escrita pelo filósofo francês em 1641 e ficou desaparecida mais de 150 anos, junto com outros documentos roubados por um conde italiano, Guglielmo Libri, que foi professor de matemática na França do século 19 e que também foi encarregado de inspecionar documentos arquivados. Por isso, acredita-se que ele tenha roubado milhares de cartas e documentos e vendidos a colecionadores e livreiros. A carta de Descartes foi parar em uma coleção em Haverford College, na Pensilvânia. Contudo, a administração da escola não tinha conhecimento de que o documento era fruto de um roubo. A carta tem importância porque foi escrita a seu amigo e editor Marin Mersenne e também por seu conteúdo significativo. No texto, o autor da famosa frase “penso, logo, existo” discute sobre seu próximo livro a ser publicado “Meditações sobre Filosofia Primeira”, e revela eventuais alterações, entre outras coisas. John Anderies, chefe de coleções especiais em Haverford, notificou o presidente da escola, e recomendou que a carta fosse restituída ao Institut de France, de onde foi roubada. Para Anderies,devolver o documento era uma questão moral, porque se o mesmo tivesse ocorrido em sua biblioteca ele ficaria muito grato com a devolução do material. leituras da história | 15

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SHUTTERSTOCk

fatos e registros

• Em 1992, os guerrilheiros afegãos, com a ajuda dos Estados Unidos, Arábia Saudita e outros países, derrubaram o regime apoiado pelos soviéticos. • A queda foi seguida por uma guerra civil e a ascensão do Talibã. • Milhares de pessoas se reuniram em um estádio de Cabul para marcar o evento.

comemoraÇÃo No dia 28 de abril deste ano, o Afeganistão comemorou a queda do regime que durou até 1992 e era apoiado pelos soviéticos. O levante gerou uma sangrenta guerra civil e a ascensão dos talibãs. Contudo, essa foi a primeira comemoração pública que fez referência a 1992, já que o primeiro evento, em 2008, foi cancelado devido a tentativa de assassinato do presidente Hamid

karzai por pistoleiros e terroristas suicidas. Na época, o ataque foi reivindicado pelos talibãs. A festa reuniu milhares de pessoas, incluindo personalidades que se encontraram em Cabul, no estádio Ghazi e festejaram a queda do regime pró-Moscou há 18 anos. O ministro da Defesa, Abdul Raheem Wardak, disse à multidão, que incluía soldados

afegãos e policiais: “Nesse dia, o Mujahedeen prevaleceu sobre o mal do comunismo.” O ministro criticou a comunidade internacional, que, segundo ele, ajuda a manter o governo de Hamid karzai no poder porque veem o Taliban como uma ameaça, após a invasão de 2001 liderada pelos Estados Unidos, que derrubou esse regime.

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uma lenda e vÁrias Faces Em sua mais recente versão nas telonas, Robin Hood foi retratado como um gladiador. O filme dirigido por Ridley Scott e interpretado por Russell Crowe é bem diferente dos anteriores. Mas, afinal, esse herói existiu ou é somente uma lenda? Os historiadores, que pesquisaram tudo o que é possível sobre o Robin real, ainda não tiveram êxito. O que se sabe é que por volta de 1.300 cerca de oito pessoas assumiram o nome de Robin Hood, mas, provavelmente, este era apenas um apelido dado aos bandidos ou foragidos, cujos nomes reais eram desconhecidos das autoridades. Observe que no velho inglês a

origem do nome fica mais clara: “Robin” seria a abreviação de Robber e Hood a roupa comum na Inglaterra medieval. Robin Hood já está muito além da literatura e do cinema, hoje é citado na política, economia e tornou-se uma atitude ou filosofia social, no qual roubar dos ricos e dar aos pobres se torna ato heróico. Veja que entre alguns jovens árabes a figura de Osama Bin Laden é retratada como um Robin Hood, um homem que abandonou a riqueza da família e tornou-se um fora da lei para combater o que acredita ser o mal. Defende seus ideais e conta com seu exército de rebeldes que oferece resistência autoridade.

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saPaTo velHo

cleóPaTra morreu aPós um coQueTel de droGas?

Um mocassim em couro com aproximadamente 5,5 mil anos foi encontrado enterrado e coberto por esterco de ovelhas em uma caverna na Armênia, entre as fronteiras do Irã e da Turquia. O fato que gerou curiosidade foi a camada espessa de esterco, que agiu como conservante, mantendo o calçado em perfeito estado. Projetado mil anos antes das Pirâmides de Giza, o objeto tem sola macia e foi recheado com grama. Encontrado somente o pé direito, suas medidas são 4,5 centímetros de comprimento e entre 7,6 a 10 centímetros de largura. Pesquisadores acreditam que o calçado foi usado por um agricultor, que viveu nas montanhas da província Dzor Vayotz. De acordo com o professor da Universidade Ireland’s College Cork, Ron Pinhasi, que foi o principal autor da pesquisa publicada no site Plos One, da Biblioteca Pública de Ciência, todos os historiadores ficaram surpresos ao ver o estado de conservação do calçado, além de detalhes como os cadarços e o capim encontrado dentro do sapato, ambos em ótimo estado. O sapato pode ter sido enterrado na caverna durante um ritual. Essa hipótese é fundamentada porque os arqueólogos encontraram três vasos, cada um contendo o crânio de uma criança, juntamente com recipientes que continham cevada, trigo, damasco e outras plantas comestíveis. No YouTube você pode ver o momento no qual o calçado foi encontrado: youtube. com/uccireland ou digite world’s oldest leather shoe. SHUTTERSTOCk

Segundo Christoph Schäfer, um historiador alemão e professor da Universidade de Trier, é pouco provável que Cleópatra, a última rainha do Egito, teria cometido suicídio, deixando uma cobra picá-la. Em entrevista ao Discovery News, o pesquisador disse que não havia nenhuma cobra no momento da morte de Cleópatra. Autor do best-seller “Cleópatra”, Schäfer procurou documentos ou escritos históricos para refutar a lenda de 2000 anos atrás. Um documento escrito cerca de 200 anos depois da morte da rainha, pelo historiador romano Dião Cássio, afirma que ela teve uma morte tranquila e sem dor, o que não seria compatível com uma picada de cobra. De acordo com Dietrich Mebs, toxicologista alemão que é especialista em veneno e participou do estudo, os sintomas que ocorrem após uma picada de cobra são muito desagradáveis e incluem vômitos, diarreia e insuficiência respiratória. Os pesquisadores acreditam que Cleópatra escolheu um coquetel feito a base de ópio, mas antes ela teria realizado diversos testes toxicológicos, imitando Mitrídates VI. Em sua busca pela forma mais pacífica e indolor de morrer, a rainha teria observado a morte, por envenenamento, de muitos prisioneiros condenados.

Fonte: Department of Archaeology

University College Cork, Cork Ireland

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DICK DEMARSICO

POLÍTICA | Brasil

O Governo

Jango

segundo

Skidmore O historiador brasilianista Thomas Skidmore narrou, em seus livros, episódios marcantes da história política brasileira. Conheça um pouco de sua análise sobre a crise durante o governo Jango, que resultou no Golpe de 1964. Por Daniel Rodrigues Aurélio

João Goulart em visita a Nova York, em abril 1962

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DICK DEMARSICO

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POLÍTICA | Brasil

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Ao drama proporcionado pelo agonizante ocaso do Governo Jango – João Goulart vivia o fantasma constante de ser apeado do poder -, Skidmore dedica os últimos capítulos do livro. Este texto, portanto, propõe-se a examinar os capítulos “Goulart no poder (1961-1964)”, “Colapso Democrático (1964)” e, de maneira mais breve, o “Epílogo”. Observar esse período pelo ângulo de Skidmore tem várias dimensões. Podemos, enfim, analisar a visão de uma “historiador de fora”, nascido na maior potência do pós-guerra (EUA), país que aceitou pacificamente (e de modo até entusiasmado) a ditadura instaurada no Brasil. A evolução dos fatos e das versões contidas nos capítulos minuciosamente descritos mostrará o desgaste da saída legalista e democrática (Jango como período que se estende da renúnchefe de Estado parlamentarista e, em seguida, cia do presidente Jânio da Silva reconduzido aos plenos poderes presidenciais) Quadros, em 25 de agosto de 1961, e quais foram as circunstâncias sociais e políaté a ascensão do governo militar, ticas que propiciaram a chegada dos militares no primeiro dia de abril de 1964, é sem dúvida ao governo do Brasil, na virada de 31 de março dos mais controversos da história republicana para 10 de abril de 1964. brasileira. Não raro, a atmosfera conspiratória que pairava sobre os céus e corredores de Skidmore narra uma peça repleta de erros Brasília durante a administração de João Beltolos e articulações inábeis. O autor dedicachior Marques Goulart (1919-1976), o Jango, é se a trazer à tona os sucessivos equívocos nas analisada sob a influência entortomadas de decisão de Jango, os pecente das paixões ideológicas. delicados bailados em acordos de Brasil: De Razão pela qual dúvidas tendem bastidor, e o pavor provocado, em a se acumular, e as certezas se parcela da “sociedade civil”, pela Getúlio a retraírem, quando esses anos turameça das “esquerdas radicais” Castelo, bulentos são rememorados. personificadas em Leonel de Moutornou-se Professor de História do Brasil ra Brizola (1922-2004). Nesse conem algumas das maiores universirapidamente texto ruiram coligações outrora dades dos Estados Unidos, o histoum clássico da razoavelmente afinadas (PTB-PSD); riador brasilianista Thomas Elliot a oposicionista UDN subiu o tom historiografia dos ataques, sempre comandadas Skidmore é um pesquisador veterano, que sempre procurou elucidar pela histeria de Carlos Lacerda; e política aspectos um tanto eclipsados do emergiram dos quartéis as Forças brasileira Brasil pós-República Velha. LanArmadas, auto-intituladas guardiãs çada pela Oxford University Press do republicanismo à brasileira. Em em 1967, sua obra Brasil: De Getúlio a Castelo resumo, as instituições nacionais, que em um (complementada pelo volume dois, Brasil: De Estado democrático saudável seriam sólidas e Castelo a Tancredo) tornou-se rapidamente um invioláveis, ficaram outra vez à mercê de persoclássico da historiografia política brasileira, nalidades instáveis e das temerárias ambições apesar do nariz torcido de alguns detratores. dos “donos do poder” - e daqueles que cortejaUm livro valioso justamente por conjugar um vam o poder. farto repertório de informações a uma análise Havia, por assim dizer, cinco atores prinsegura e objetiva dos nossos conturbados procipais no elenco dessa trama. Eram quatro hocessos de transição e manutenção do poder mens e uma instituição: Jânio, Jango, Brizola, presidencial. Lacerda e as Forças Armadas. Cada qual repre-

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Leonel Brizola, aliado de João Goulart e líder da rede da Legalidade

AGÊNCIA BRASIL

sentando uma gama de interesses políticos, privados e corporativos. O eixo argumentativo de Skidmore encontra-se exatamente no personalismo e nas idiossincrasias desses atores políticos, todos eles dispostos a ficar acima da impessoalidade das leis e dos órgãos públicos. De todo modo, essas figuras de situação ou oposição serão incapazes de engendrar reformas de base ou mesmo de costurar parcerias estáveis e oposições propositivas. Ou seja, “janguistas” ou “golpistas de 64”, ninguém mostrou-se verdadeiramente republicano nos ideias, nem eficaz na gerência do Estado. Skidmore nos lembra que a celeuma formou-se a partir de um rompante do presidente democraticamente eleito do país (Jânio Quadros), que supunha possuir um magnetismo pessoal maior do que de fato tinha. Receoso das “forças terríveis”, Jânio redigiu uma cartarenúncia que foi aceita pelo Congresso Nacional sem maiores problemas. A população não foi em massa às ruas pedir a sua permanência. A fila andou, como se diz. Acontece que Jânio deixou para tráz um imenso problema. O vicepresidente eleito (as eleições para presidente e vice corriam em paralelo naqueles tempos) não gozava de prestígio com as elites, afinal era herdeiro político de Getúlio Vargas (18821954) e circulava bem entre as esquerdas. Fragilizado institucionalmente, o Brasil parecia incapaz de fazer cumprir a própria legislação e empossar Jango. Se o golpismo rondava o governo Jânio, ele não se dissipou no momento de sua renúncia. Em viagem diplomática à China comunista, João Goulart estava impossibilitado de tomar à frente da transição. A sua sorte (leia-se a sorte do Brasil) seria decidida em tensas manobras que consumiram aqueles dias de incertezas decorrentes da súbita abdicação de Jânio. Segundo Skidmore, “surgiu uma luta entre ministros militares, que se opunham a posse de Jango, e os que apoiavam a legalidade. Constituiam estes últimos militares, políticos e homens públicos” (pg.255) Skidmore mostra que a crítica udenista disparada contra Jango estava muito relacionada ao horror, ao populismo e ao “comunismo”. E Jango, na visão dos seus inimigos, parecia conectar essas duas características indesejadas. A reputação piorava por ele ser tido como o continuador do getulismo. Conforme denunciava um

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POLÍTICA | Brasil

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políticos. Não permitir a posse de Jango seeditorial do jornal O Estado de S. Paulo, oporturia o equivalente a ignorar, quer dizer, violar namente mencionado pelo historiador, Jango o princípio das eleições livres. No pleito de como presidente seria, para uma determinada 1960, João Goulart obtivera uma votação tão parcela das elites, o sinônimo de um retorno do ou mais expressiva que a de Jânio Quadros. ideário getulista e, por grosseira analogia, do poEle tinha algum respaldo popular. Mesmo pulismo. A estratégia da oposição seria manter assim, a emenda constitucional que decreo presidente da Câmara – Pascoal Ranieri Matava o parlamentarismo, e o zzilli (1910-1975) – na condição de consequente regresso de João interino até que, ao fim de sessenGoulart, só puderam ser conta dias, fossem convocadas novas Jango como cretizados quando os ministros eleições. Mas a Rede de Legalidade presidente militares comprometeram-se a comandada por Brizola, cunhado seria, para uma aceitar o sistema. Ao assumir o de Jango e figura fundamental para governo, Jango tinha a sombra entendermos aquele período, sodeterminada mada a uma ausência de sintonia parcela das elites, da insatisfação velada ou explícita da corporação militar, interna na cúpula das Forças Aro sinônimo de um o legado da crise gerada pela madas, deixaram muitos temerosos de uma guerra civil. Houve, então, retorno do ideário “política independente” de Jânio e a dor de cabeça de uma um recuo momentâneo. Conduzido getulista crescente inflação contraída, ao seu posto de direito, Jango teria sobretudo, pelo Governo JK. os poderes esvaziados por uma Não tardou, porém, para aquele improviso “solução de emergência”: um regime parlameninstitucional se degradar. O duelo entre getutarista, precariamente arranjado, com o intuito listas e anti-getulistas persistia, ao passo que de conter conflitos e, nas palavras de Skidmore, era gritante a má vontade das partes em fazer “apoiar Jango sob experiência” (pg.259) prosperar o sistema de governo implementado. Esse medo é bem explicado por Skidmore Durante meses e meses, entre 1961 e 1963, Jane outros historiadores, sociólogos e cientistas go por um lado, e seus rivais do outro, colocavam obstáculos para o sucesso parlamentarista. Jango por desejar recuperar a plenitude de suas funções; a oposição radical, para provar a inutilidade daquela “saída diplomática”. Ao final do imbróglio, foram três os primeiros-ministros relâmpagos (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes de Lima) e nenhum deles deixou saudades. Para Skidmore, “na verdade, Tancredo e Jango seguiam um plano destinado a demonstrar deliberadamente a inviabilidade do parlamentarismo. Seu objetivo era reforçar a campanha por uma volta ao sistema presidencialista” (pg.267) A suposta demonstração de inoperância, comprovada pelas inúmeras greves nos setores públicos e pela dificuldade em tocar projetos de peso, serviram como o argumento central de João Goulart para reivindicar a elevação de seus poderes. Dessa forma, o presidente conseguiu colocar em pauta um plebiscito sobre o sistema de governo; antecipá-lo para janeiro de 1963; e fazer o presidencialismo triunfar por larga margem de votos.

Tancredo Neves, primeiro-ministro durante o breve período parlamentarista

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Colapso Democrático

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Thomas Skidmore é direto ao apontar qual foi o pecado capital de João Goulart: abrir mão de mobilizar os “centristas” de espírito reformista. Em 1962, o resultado das eleições para o Congresso Nacional indicava essa tendência moderada, de diálogo. Mas Jango não teve sensibilidade (ou vontade) suficiente para perceber. Descrito pelo historiador como “frágil” e “indeciso”, o perfil de Jango trazia instabilidade institucional e dúvidas generalizadas. Como um típico sujeito de temperamento inseguro (há quem discorde frontalmente de Skidmore), João Goulart teria ficado ainda mais confuso e hesitante após a morte da mãe. Além do mais, poucos consideravam-no a altura do cargo que ostentava. Diante desse quadro alarmante, o “consenso público” perdia gradualmente a “fé democrática”. Os altos índices inflacionários (no Rio de Janeiro, por exemplo, o custo de vida subira 31% em 1963), a sangria na dívida pública, a sua relação com a Reforma Agrária e o fracasso do Pano Trienal faziam Jango perder a sua O maior problema do governo era que, emreputação. Afastado da chamada “esquerda bora o Plano Trienal fosse socialmente louvável positiva”, o presidente começou a tomar dee vital para os engravatados do FMI, seus resulsesperadas atitudes populistas. tados só poderiam ser mensuraSetores do funcionalismo públidos em longo prazo. E o capital co e dos movimentos sindicais, A crise econômica estrangeiro tinha urgência. O historicamente cooptados pelo Plano parecia inviável, mas fal[durante o “estado cartorial” da aliança PTBtava a Jango talvez firmeza para governo Jango] PSD, aproveitaram-se do fraqueza defendê-lo ou abandoná-lo de do governo para realizar cobranvez. Numa frase espírituosa, deflagrou ças salariais. Nesse meio tempo, Skidmore resume o caos pode vez o já as facções anti-jango das Forças lítico e econômico e o talento iminente colapso administrativo do presidente: Armadas já se articulavam para tentar convencer os colegas ain“Tendo [Jango] dado apoio poudemocrático da legalistas de que Jango seria, co entusiástico a uma política na verdade, um “antidemocrata” destinada a realizar o desenvolapto a aplicar o temido “golpe vermelho”. vimento sem inflação, só conseguira realizar a A crise econômica deflagrou de vez o já inflação sem desenvolvimento” (pg.316). iminente colapso democrático. No exterior, A “inépcia” de Jango, na expressão de Lacerventilaram-se os rumores de que Jango decreda, se tornou mais evidente quando, incapaz de taria uma moratória. O New York Times publiorganizar o PTB a seu favor, perdeu espaço para cou um artigo no qual afirmava que “[o Brasil] um político pelo qual Skidmore parecia nutrir só mereceria ajuda” caso desse “provas de esum misto de fascínio e horror: Leonel Brizola. tar cumprindo a promessa de deter a inflação” Brizola seria a figura de proa daquilo que o his(pg. 315). Opositor visceral, Carlos Lacerda vitoriador brasilianista denominou de “esquerda rou atração nas rádios e jornais com sua verradical”. Estimulado pelo discurso incendiário borragia anti-Jango. O terreno para o avanço brizolista, o PTB haveria de deixar escapar o militar estava em preparação. PSD, sua base de apoio no Congresso.

Eleito presidente, Jânio Quadros renuncia poucos meses depois

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POLÍTICA | Brasil

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alguns setores da corporação militar ainda fiéis ao governo legalmente instituído. Se tudo correu bem para Jango no Comício da Central que, mesmo boicotado por Carlos Lacerda, governador da Guanabara, recebeu cerca de 150 mil pessoas, a resposta da direita veio em dobro na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, uma passeata conservadora, de motivação religiosa e reacionária, realizada em São Paulo. Apesar de coordenar de maneira incansável, estoica e heroica uma rede de resistência que incluía o controle da rádio Mayrink-Veiga e o semanário Panfleto, Leonel Brizola não parecia, ao menos na visão de Skidmore, a figura ideal para tomar a frente da batalha pela legalidade. Já os conspiradores civis e militares estavam preparados, mas ainda precisavam convencer generais de setores estratégicos a aderir ao golpe. Uma vez convencidos os colegas legalistas de São Paulo e Diante do alto número de greves e revoltas, Rio de Janeiro, sobretudo após o discurso de JanJango decretou, no dia 4 de outubro de 1963, um go para militares no Automóvel Clube, o general estado de sítio. Erro fatal. Apesar de logo voltar Olimpio Mourão Filho (1900-1972) ordenou a moatrás, sob alegação de “novas circunstâncias”, a vimentação de tropas em Juíz de Fora, rumo ao suspeita de um golpe de Estado transformou-se Rio de Janeiro. numa certeza até para os opositores mais cauCiente da gravidade dos fatos, Jango foi telosos. Era quase um chamamento à ação das para Porto Alegre e, de lá, partiu em 2 de abril Forças Armadas. para Montevidéu, no Uruguai. Com o avanço das pressões inLeonel Brizola tentou comandar A derrubada ternas, a situação de Jango encouma contra-revolta, sem sucesso. de Jango bria-se de nuvens cinzas. Na virada Também saíu do país. Em poucas era simples de 1963 para 1964, num clima nada horas, o Palácio do Planalto estaagradável de ameaças de golpes e ria ocupado por tanques e soldaquestão de contragolpes, ainda havia quem do Exército. Era a autora do tempo. A direita dos mantivesse a esperança de se disregime militar. udenista e o cutir uma “otimista” sucessão No Epílogo do livro, Skidmore presidencial. Cinco expoentes da ressalta que, àquela altura dos faExército se política brasileira ambicionavam tos (meados de 1966, quando ele organizavam o posto e jogavam com militares e conclui a obra), seria impreciso para o golpe legalistas um duvidoso jogo de inafirmar que o movimento fora um teresses: Miguel Arraes, Juscelino golpe rasteiro ou uma revolução Kubitschek, Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e autêntica. Sabia-se, entretanto, que a queda de Adhemar de Barros. O quinteto presidenciável Jango fora ocasionada por uma conspiração miconcordava em um ponto: ninguém aceitava litar, com a anuência das elites civis. Tudo foi abertamente o rótulo de aliado de João Goulart. feito fora da ordem legal. Não havia sequer um processo de impeachment contra o presidente, aliás, a coalizão de oposição nem tinha certeza A queda de Jango se possuiria votos para tanto. A derrubada de Jango era simples questão de Amedrontados com as possíveis consequênmeses. Enquanto a direita udenista e o Exércicias do impedimento do presidente João Gouto se organizavam, o presidente da República lart, os políticos também não fizeram qualquer superestimava a sua capacidade de mobilizar esforço no sentido de bloquear a marcha do “suas bases”, vinculadas ao sindicalismo e a

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AGÊNCIA BRASIL

João Goulart com a faixa presidencial

Exército. Skidmore informa que não ter havido qualquer quórum para formalizar a deposição de Jango, da mesma forma que ninguém ousou clamar pelo seu retorno. Para governar sem morosidades e truncamentos, a ação militar teve de recrudescer por meio dos Atos Institucionais. Em pouco tempo, a coesão dos militares se desgastaria com o agravamento da “eterna” divisão entre “militares extremistas” (a “linha-dura”) e os moderados do “grupo de Sorbonne”. O maior mérito de Skidmore é não perder de vista um dos principais debates que atravessam o “drama político brasileiro”. Desiludido com a democracia, o povo, salvo as exceções, resignara-se, passando a aceitar com normalidade cada vez maior a supressão dos direitos e o “domínio dos tecnocratas sob tutela militar” (pg.388). Mas essa já é uma história contada no segundo volume publicado por Skidmore, Brasil: De Castelo a Tancredo.

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Daniel Rodrigues Aurélio é bacharel em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo e pós-graduado em Globalização e Cultura pela Escola Pós-Graduada de Ciências Sociais. É autor, entre outros livros, de Dossiê Getúlio Vargas (Universo dos Livros, 2009) e da trilogia A extraordinária História do Brasil (Universo dos Livros, 2010)

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profecia

livro “2012 - a História”, de John major Jenkins, desvenda verdades e mentiras sobre prognósticos dos povos maias sobre o fim dos tempos priscila Gorzoni*

*jornalista e escreve para esta edição

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esde que a humanidade surgiu na Terra e criou mecanismos culturais de contar o tempo, dar origem a deuses e formar uma visão particular de destino e mundo, questões como o final do universo fazem parte de sua estrutura social e cultural. Nossa sociedade não é diferente e nem será a última a fazer isso. Por isso, vira e mexe aparecem gurus, místicos ou pseudo-profetas dizendo que a Terra será tomada por ETs, sofrerá uma grande explosão ou será alvo de um gigantesco meteorito. Nessas horas, o respaldo predileto são os profetas enigmáticos como Nostradamus ou civilizações clássicas e envoltas em mistérios como os maias, egípcios, entre outras. Atualmente, a profecia que mais se prolifera é a de que em 21 ou 23 de dezembro de 2012 o mundo finalizará um ciclo, sofrerá uma grande catástrofe ou se extinguirá. A maneira como a ideia do apocalipse do 2012 foi gerada desperta, no mínimo, suspeitas. Esse mito surgiu em 1984 pelas mãos de José Argüelles, autor do livro O Fator Maia: Um Caminho Além da Tecnologia (The Mayan Factor: Path Beyond Technology, 1987. Ed. Cultrix). “Ele teria tido um insight em 1960, no qual lhe teriam sido legadas as profecias. Esta experiência teria ocorrido quando Argüelles fazendo uso de LSD, criou o Drea-

mspell, um calendário esotérico baseado no calendário maia, que une I Ching, escritos esotéricos e os ensinamentos astronômicos dos antigos maias. Isso tudo é relatado em sua obra. Portanto, para crer nos acontecimentos de 2012, temos de levar em conta que Argüelles e sua revelação sejam verossímeis e seus estudos sejam inspirados pelas forças evolucionárias do cosmos”, relata Alex Alprim, EditorExecutivo da Mythos Editora. Segundo essa teoria, que se mistura a arqueoastronomia amadora, interpretações alternativas de mitologia, construções numerológicas e profecias sobre seres extraterrestres, esse calendário possui ciclos de 5.125 anos e encerra-se no dia 21 ou 23 de dezembro de 2012. “Ele nasce a partir do conceito de que nosso sistema solar, especificamente o sol, gira em torno de um grande Sol Central no centro da Galáxia, num movimento elíptico. Este ciclo de um giro completo do nosso sol em torno do Sol Central dura um período de 25.625 anos, que é subdividido em cinco períodos de 5.125 anos, cada um com um nome e funções diferentes. A data de 21 de dezembro de 2.012 marca o final de um ciclo de 5.125 anos chamado Noite Galáctica, onde sairemos de um ciclo de escuridão, no qual estávamos distantes do Sol Central (fonte de Iluminação física e também espiritual) para adentrarmos no pe-

Cronologia maia Segundo José Odair da Silva, Historiador, Doutor em Ciência da Religião pela PUC de São Paulo e professor de Pós Graduação na Faculdade Anchieta, autor do livro Mito, Memória e História Oral, os maias viveram altos e baixos. Veja a cronologia deles: 70 a.C.: estima-se que em torno do ano 700 a. C, os primeiros maias surgiram na península de Yucatan, localizada na América do Norte e América Central. Na sua fase de formação, a sociedade maia herdou vários elementos de outras culturas como, por exemplo, dos olmeca que também habitavam a região. 1500 a.C.: mas talvez a data inicial esteja subestimada pela

ciência contemporânea. Máscaras com dentes de serpente e um conjunto de peças de jade, achados na Guatemala em maio de 2004, podem ser os sinais que faltavam para comprovar que a civilização maia tenha começado por volta de 1500 a.C.. 300 anos: pouco depois do ano 300, os maias já tinham se espalhado pela região de florestas tropicais e dominavam as áreas das atuais Guatemala, Honduras e sul do México. 600 da Era Cristã: a civilização maia vivia seu apogeu, com intenso desenvolvimento cultural, científico e artístico. A opulência expressava-se nos majestosos centros cerimoniais e administrativos, nos palácios

e casas populares, nos mercados e praças públicas, numa efervescente vida que pulsava nas cidades estado que formavam o império. Tikal era o centro mais importante. Ano de 750: morte do rei Pacal de Palenque, quando as antigas alianças entre as cidades e grupos populacionais começaram a ruir. O comércio decresceu e aumentou a animosidade entre as varias cidades. Iniciou a decadência maia. Em 869: a cidade de Tikal enfrenta uma séria crise econômica e 30 anos depois seria abandonada juntamente com as demais cidades do altiplano maia. Há estudos que associam o abandono dos centros maias à guerras entre as

cidades estado. Contudo, as hipóteses mais aceitas estão relacionadas à exploração intensiva do solo, que provocou sua exaustão. Ás crises agrícolas, seguiram-se a carência de alimentos e a consequente desestabilização social, agravando conflitos políticos latentes. O que os especialistas parecem concordar é que, mais do que um colapso, deve-se falar em uma reorganização e regionalização da sociedade maia. Quando as cidades principais foram abandonadas, teve inicio um intenso movimento migratório até as terras altas de Yucatan. Assim, pode-se dizer que o colapso foi proporcionado não apenas por causas naturais, mas pelos próprios

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sobre o assunto e produz filmes como “2012”, dirigido por Roland Emmerich. A única realidade nessa história toda é que 2012 é hoje uma febre, chamado por alguns de 2012ologia.

Visões deformadas Para os que são da corrente que acredita na ligação da cultura maia e de seu calendário com as profecias apocalípticas, alguns autores como Jenkins aponta erros na data 21 de dezembro de 2012 e sua interpretação. Fora isso, o autor de “2012: a História” acredita que sobre o assunto existam muitas deformações, em decorrência, segundo ele, da “mídia convencional, autores oportunistas, aspirantes a magos, profetas interessados em ganhos pessoais e personalidades famosas”. Aliás, como ele mesmo afirma: “Há evidências zero de que os maias tenham previsto o fim do mundo em 2012”. O autor adianta e rebate a maioria das alegações dizendo: “O calendário maia não acaba em 2012 e que essa visão ocorreu devido a interpretações errôneas sobre os ciclos estimados”.

maias durante esse processo de reorganização social.

do cavalo, que lhes dava maior mobilidade na guerra.

900 a 1523: a prova é que a cultura maia continuou florescendo ao norte da península de Yucatan, dando inicio ao chamado período pós clássico, que vai de 900 a 1523, com a chegada dos espanhóis. Quando os espanhóis invadiram a região, os maias não foram páreo para a gana conquistadora dos soldados liderados por Pedro Alvarado. A falta do conhecimento da pólvora e do ferro ajuda a explicar porque os maias sucumbiram com relativa facilidade aos europeus. Mas não justifica tudo. Os maias já se encontravam em decadência na época do embate. Ainda assim os europeus tinham o trunfo das caravelas e

A partir de 1441, as guerras entre as cidades estados começaram a causar a desintegração da sociedade maia. O poder se esvai ainda mais graças a cataclismos naturais, como furacões. 1511: quando os espanhóis chegaram em 1511, as epidemias que transmitiram ao povo sem resistência imunológica, como a varíola, representam o golpe final à cultura maia. As religiões judaico cristãs, base da cultura ocidental, defendem um padrão histórico no qual os eventos se sucedem linearmente no tempo. As figuras, como Cristo, Noé ou Abraão, tem existência física, isto é, Sua história tem começo, meio e fim. Já os maias, possuíam um

conceito de tempo cíclico para explicar as origens do mundo. Esse conceito é semelhante ao das civilizações orientais. Dessa forma os maias não acreditavam em um processo linear exato de criação. Ao contrário: as eras nasciam, tinham se auge e morriam, sucessivamente, como os próprios seres humanos. Esse tempo era regido pelos ciclos naturais. O principal marcador era o Sol, que assume papel divino na cultura maia. As explicações deste grande tempo cosmogônico somam-se às da criação da vida humana. 1546: os maias de Yucatan resistiram até 1546. A partir daí, foram submetidos ao trabalho forçado, perderam gradativamente sua identidade cultural

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ríodo seguinte de 5.125 anos chamado Amanhecer Galáctico: o amanhecer de uma nova tomada de consciência a partir desta data”, explica Cristina de Tomas Rodrigues, astróloga, terapeuta e pesquisadora do calendário Maia, além de ministrar cursos do Sincronário da Paz, versão adaptada do calendário Maia. É preciso explicar que, segundo informações de John Major Jenkins, autor de “2012: A história”, editora Larousse, (veja entrevista no Box) foi feita uma correlação do calendário maia tornando-o conhecido como GMT original, por ter sido feita por vários estudiosos, entre eles: Goodman, Martinez e Thompson. A partir dessa relação númerica, diversos autores passaram a fazer cálculos, chegando à ideia de um final de ciclos e profecias apocalipticas. Para Major, foi Michael Coe em 1966, com a publicação de The Maya, que informou inclusive a data errada de quando se finalizaria esse período (21 de dezembro de 2012). A notícia das profecias maias de 2012 tornouse um vírus e passou a ser tema de livros e filmes. Entretanto, é preciso dizer que muitos dos fundamentos trazidos dentro dessa visão não têm respaldos históricos, pelo menos para os historiadores entrevistados nessa reportagem. Ou seja, apenas enchem os bolsos de quem escreve livros

e a população primitiva foi praticamente destruída. Além do poderio bélico, os conquistadores contavam com um aliado inesperado: vírus e bactérias. Os europeus traziam consigo vários tipos de doenças como: varíola, tétano, enfermidades pulmonares e intestinais, doença venérea, lepra, febre amarela e cáries. O sistema imunológico dos nativos que sobreviveram às balas não resistiu a essa quantidade de doenças. Os maias eram divididos em quase 30 etnias, que compartilhavam muitas características. A principal foi o idioma que ainda sobrevive nas variações maia yucateca e a língua quiche na Guatemala. Hoje essas línguas são faladas por mais de 6 milhões de pessoas.

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ção de sua civilização baseado em seu calendário ou Em contrapartida, as colocações de Jenkins previsões dos sábios. Sempre acreditaram em ciclos e dos demais autores de livros que fundamentam de renovação após determinados tempos. Tanto que, seus conceitos futuristas sobre os calendários após o fim de cada ciclo de tempo, destruíam todos maias e de outras culturas antigas são duramente os bens materiais dentro das casas questionadas por historiadocomo por exemplo: pratos, roupas res e especialistas na Cultura Fundamentar profecias e potes. Acredito ser um grande mesoamericana. “Não creio que os maias, nem nenhum místicas e mensagens erro por analogia determinar o fim do mundo usando o calendário outro povo do passado, tefuturistas em culturas maia com o calendário gregorianham algo pronto para nos como a dos maias não é no, afinal, são calendários totalensinar sobre o momento atual da história. Cada momento novidade. Vira e mexe, mente diferentes, fundamentados histórico é sempre e totalmennovos autores resgatam em eventos e fatos de civilizações com visão antagônicas, e vivências te novo; na história feita na tradições e as misturam temporais díspares”, assegura José academia, não trabalhamos Odair da Silva, Historiador, Doutor mais com a ideia de história em profecias e mestra da vida. Por outro lado, previsões catastróficas em Ciência da Religião pela PUC de São Paulo e professor de Póso que podemos aprender com Graduação na Faculdade Anchiea disciplina História é mapear ta, autor do livro Mito, Memória e História Oral. as origens e desenvolvimentos de problemas que atingem o nosso mundo e isso, talvez, nos garanta apenas que os compreendamos mais profundamenQuem foram os maias? te, sem poder, no entanto, nos fornecer qualquer soO que nos chegou sobre os povos mesoamerilução unívoca ou que repita uma solução adotada canos, entre eles os maias e astecas foi através de no passado para um problema semelhante”, explica seu sistema de escrita pictoglífica, plasmado em Eduardo Natalino dos Santos, historiador do Decódices, escritos em pinturas murais e em esculpartamento de História da FFLCH/USP e um dos turas como são as próprias estrelas maias. Porfundadores do Centro de Estudos Mesoamericanos tanto, cabe ressaltar que as informações estão e Andinos da USP. permeadas de censuras, interpretações e mesmo Fundamentar profecias místicas e mensagens deturpações feitas com o intuito de impor o penfuturistas em culturas como a dos maias não é samento do colonizador sobre o colonizado. novidade. Vira e mexe, novos autores resgatam O termo mesoamericanos foi usado pela pritradições e as misturam em profecias e previsões meira vez por Paul Kirchhoff, em 1943, para nocatastróficas. Isso não é tão difícil, afinal, o fato mear os povos que habitaram parte do México dessas culturas estarem envoltas na falta de come da América central e partilhavam as mesmas preensão de seus sistemas de funcionamento é um características fundamentais como: a utilização prato cheio para considerá-las misteriosas e serem de um preciso sistema de calendário baseado feitas investidas e interpretações equivocadas. em dois ciclos funcionando ao mesmo tempo, a Para início de conversa, compreender o convicção da existência de vários sóis ou idades funcionamento do calendário maia exige mais anteriores, entre outros fatores. do que leituras e anos de estudos. A forma de Esses povos estavam localizados geograficacontar o tempo dos maias possui uma coerência mente a região que vai desde o centro de Hondudentro do seu contexto cosmogônicos, social e ras e noroeste de Costa Rica até México, onde seus cultural, retirá-lo deles é tirar sua significação. limites são os Estados de Taumalipas e Sinaloa. Portanto, retirar a contagem do calendário dos Segundo Natalino, embora não comprovado maias e trazê-la para o nosso contexto cultural e de forma definitiva, crescem os indícios de que social é como tirar uma máscara ritual de uma etnia a presença do homem no continente americano africana, que tem sentido dentro de um ritual de pasdate de aproximadamente 40.000 anos. “Na resagem, e colocá-la na decoração de uma casa. Ela gião da Mesoamérica, os vestígios humanos mais perde o seu sentido, pois está descontextualizada. antigos remontam a 10000 a. C”, relata Natalino “Os maias nunca falaram em catástrofes ou destruiem “Deuses do México indígena”.

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John Major Jenkins

, autor do livro “2012: a história”, que acaba de ser lançado pela editora Larousse, concedeu entrevista exclusiva à revista Leituras da História. Um dos pioneiros do moderno movimento 2012 e autor de nove livros sobre o assunto, Jenkins trabalha para esclarecer conceitos errôneos sobre o tema. Acompanhe;

LDH: Qual é o objetivo do seu livro 2012? JMJ: Eu tinha vários objetivos em mente quando escrevi o meu livro mais recente, The Story de 2012. Primeiro, eu queria dar uma cronologia exata de como o calendário de contagem longa foi reconstruído nos tempos modernos. O objetivo era esclarecer muitos equívocos sobre os Maias. Em segundo lugar, eu queria abordar as teorias modernas sobre 2012 no mercado, muitos dos quais são falaciosos e não têm nada a ver com os conceitos e crenças Maias. Muitos escritores modernos não têm estudado as tradições e os Maias, estão simplesmente explorando a empolgação da data. Por exemplo, nas informações sobre os Maias e 2012, não há nenhuma evidência de um juízo final apocalíptico. O meu objetivo é em terceiro lugar, oferecer uma descrição precisa da minha “teoria alinhamento 2012”, apresentado pela primeira vez dezesseis anos, que agora recebe reivindicação de novas informações a respeito de 2012 encontradas no Monumento 6 de Tortuguero. Tento reconstruir o conhecimento astronômico que subjaz a razão pela qual se escolheu 21 de dezembro de 2012 para acabar com um grande ciclo. Finalmente, as crenças espirituais associadas a 2012 também são explorados em meu novo livro. Encontrei ideias profundas na espiritualidade maia antiga. Eles acreditavam que o ciclo de terminações, como 2012, são momentos de transformação e renovação. LDH: Existe uma ligação entre 2012 e as culturas maias? Como você conseguiu fazer essa conexão? JMJ: Sim, 2012 é um verdadeiro artefato do antigo calendário maia e cosmologia. Os líderes modernos Maias estão começando a redescobrir este artefato perdido do seu passado antigo. Mesmo Rigoberta Menchu, líder Maia famoso, vê 2012 como um momento de grande promessa, transformação e renovação. No meu livro eu escrevo sobre as ideias dos grupos étnicos Maya Victor Montejo, que descreve o

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Leituras da História: Em que fatos o seu livro se baseia? John Major Jenkins: Meu trabalho, que começou na década de 1980, é baseado em fatos encontrados em muitos campos de estudos Maias, incluindo astronomia, mitologia, iconografia, arqueologia, bem como as inscrições. Estou preocupado em reconstruir o que os maias antigos acreditavam sobre 2012. A principal área de estudo para mim é o sítio arqueológico maia em Izapa, localizado no estado de Chiapas, no México. Este é um local importante para a compreensão de 2012, porque era dentro da civilização “Izapa” que o calendário de 2012 foi formulada, cerca de 2.100 anos atrás.

moderno “Baktunian Movimento”, no qual um renascimento Maia está ocorrendo em áreas tradicionais da América Central. (2012 é o fim de 13 Baktuns). LDH: De acordo com seus cálculos, o calendário usado pelos maias menciona 2012? Você poderia explicar como chegaram nessa ano? JMJ: Em 21 de dezembro de 2012, o antigo calendário de contagem longa vai chegar à data 13.0.0.0.0. isso indica que um ciclo de 13 Baktuns (5.125 anos) já foram concluídos. A data de 2012 está incorporado ao calendário matemático. As inscrições em Quirigua, Copan, Palenque, e outras descreve o fim do último ciclo de 13 baktuns, em 3114 aC. Isso demonstra que um ciclo de 13 baktun foi um período importante para o pensamento Maia. Além disso, temos um importante monumento do local de Tortuguero que contém a data de 2012. O capítulo 7 do meu livro é o primeiro lugar que o conteúdo de astronomia do monumento foi publicado. LDH: Quem criou a ideia de 2012? E como essa ideia começou? JMJ: “Místicos modernos” não inventaram a data de 2012. A data de 2012 é um verdadeiro artefato do sistema antigo calendário maia. Modernos místicos e escritores, como José Arguelles e Calleman Carl, inventaram suas próprias interpretações selvagens de 2012. Eles não estão interessados em reconstruir exatamente a cosmologia antiga. Esse é um problema se você quiser ser claro sobre 2012. Pois é importante respeitar e honrar a tradição Maia e os fatos básicos de como funciona o calendário.

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Para saber

Natalino explica que a fama dos maias vem dos estudos arqueológicos e históricos empreendidos no século XIX, que redescobriram centenas de ruínas de cidades a partir das quais a civilização e a história maia começaram a serem estudadas. Digo redescobriram porque os povos maias que continuaram habitando a região após a decadência dos grandes centros, e na verdade a habitam até hoje aos milhões, nunca ignoraram a existência das grandes cidades abandonadas. Esta explicação é importante para que entendamos que os maias e os astecas não eram os dois únicos povos da região. Na verdade, são a ponta de um grande iceberg, de uma civilização que se iniciou dois mil anos antes dos astecas e abrangeu uma enorme região com centenas de outros povos: olmecas, zapotecas, teotihuacanos e toltecas são alguns outros nomes de muita importância. É a chamada Mesoamérica. Uma importante característica cultural dessa região era a presença de um sistema de escrita pictoglífica, que utilizava representações pictóricas e glifos em uma verdadeira simbiose e contava com escribas especializados (tlacuilos) na produção e na leitura de livros. Essas obras eram confeccionadas geralmente com papel produzido a partir da casca da figueira, chamado de papel amate, ou ainda com peles de veado. Neles eram registradas a história, as convicções sobre a origem do mundo,

“Deuses do México indígena”, Eduardo Natalino dos Santos, historiador da uSP, um dos fundadores do Centro de Estudos Mesoamericanos e Andinos da universidade de São Paulo, editora Pala Athena. “Tempo, espaço e passado na mesoamérica”, Eduardo Natalino dos Santos, editora Alameda. “2012: a história”, John Major Jenkins, editora Larousse. “Descobertas perdidas: as raízes antigas da ciência moderna”, dos babilônios aos maias, Dick Teresi, editora Companhia das Letras. “O livro de Ouro da História do mundo: da pré-história à idade contemporânea”, J.M. roberts, Ediouro. “Apocalipse 2012”, E. Joseph, Lawrence, Editora Pensamento. “O Fator Maia”, José Argüelles, José, Editora Cultrix. “A profecia Maia para 2012”, David Douglas, Editora Pensamento.

as epopeias divinas os ciclos calendários e outros assuntos. Um bom exemplo deste tipo de livro é o Códice Féjérváry-Mayer que, em uma de suas páginas, traz o deus Tezcatlipoca cercado pelos vinte sinais (tonalli) que iniciavam vinte trezenas de dias, divisões de um ciclo calendário de 260 dias, muito utilizado para se fazer prognósticos. Muitos elementos deste sistema de escrita e também do calendário se encontram presentes em outros suportes materiais: estrelas de pedra, baixo e auto-relevos, esculturas, cerâmicas e murais. Em muitas páginas dos códices mesoamericanos podemos perceber algumas destas outras prioridades que pautavam a representação mesoamericana. Uma delas é a presença do que podemos chamar de duplo ponto de vista, ou seja, em uma mesma cena pictórica, por exemplo, temos elementos que se apresentam como se você olhasse a cena de lado e outros como se você a olhasse de cima.

O calendário Absorvido dos olmecas e zapotecas, povos que viveram na região três mil anos antes, os maias usavam dois sistemas de calendário, que funcionavam conjuntamente e eram eles que determinavam os dias, anos e os seus destinos. Para os maias, o ano possuía 360 dias e cinco dias ocos ou vazios, nos quais não se fazia nada (considerados nefastos), e o século tinha 52 anos. O primeiro calendário era o solar, usado para as atividades agrícolas (para saber o começo da colheita), eles cuidavam do ciclo dos anos e estações. Aqui os 365 dias eram divididos em 18 grupos de vinte dias. O segundo calendário era o sagrado e referia-se aos dias. Ele tinha 260 dias, onde os 20 tonallis eram combinados com treze dias. “Os povos mesoamericanos usavam um calendário cuja base era o movimento coordenado de dois ciclos de duração diferentes: um sazonal, de 365 dias, e o outro mântico de 260 dias. Este último ciclo era formado pela combinação de 20 signos ou tonalli, com números de 1 a 13. Cada dia era regido por um desses 20 tonalli e seu número combinado, além de deidades que regiam os conjuntos de 13 dias como um todo. A coincidência dos inícios dos ciclos (o de 365 e o de 260) se dava a cada 18.980 dias ou 52 anos, considerando uma espécie de “século” pelos povos mesoamericanos”, relata Natalino. Os dois sistemas andavam juntos e eram utilizados para fazer prognósticos sobre o futuro de

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recém-nascidos, realizar um negócio ou viagem. O calendário foi encontrado dentro da Pedra do Sol, que ainda conta a história dos cinco sóis que originaram a terra. “Em volta do círculo estão os 20 tonallis, o símbolo do terremoto junto a data 4 movimento (dia em que nosso atual sol teria se movido), no centro o rosto do deus da terra. A Pedra do Sol não relata apenas o calendário adivinhatório, mas conta toda a visão, história, mito, deuses e linguagens de uma cultura que se perdeu no tempo”, explica Natalino. Através dos sóis, eles narram a criação do universo, pessoas e animais. A destruição de cada sol está ligada a noção que eles tinham do mundo ser algo em transformação. Essa percepção vinha dos grandes cataclismas e erupção vulcânicas ali vividas. Em comparação aos calendários utilizados pelos ocidentais, o maia é o que mais se aproxima do cálculo astronômico de duração do ano. “O calendário Juliano, por exemplo, empregado no Ocidente até 4 de outubro de 1582, computava 365,25 dias. O calendário gregoriano, adotado a partir desta data e em uso até os dias atuais, prevê 365,2425 dias. O sistema maia consistia em 365,242129 dias, ou seja, era tremendamente preciso, uma vez que o calendário astronômico possui 365,242198 dias. Além de estar muito próximo da duração do ano solar, o calendário maia incluía um mês suplementar de 13 dias a cada 52 anos, e excluía 25 dias a cada 3.172 anos. Tantos números podem confundir um leigo, mas esses ajustes possibilitaram a correção quase exata com o ano astronômico. Neste último grande período, por exemplo, o calendário maia possui cinco horas e 25 minutos a menos que o astronômico, o que significa um atraso anual de meros 6,16 segundos. Os dois calendários, haab e tzolkin, eram sobrepostos e usados simultaneamente. A junção dava origem à roda ou calendário circular, que completava um ciclo a cada 18.980 dias. Assim, 52 anos haab correspondem a 73 anos tzolkin. Para definir uma data, o atual calendário gregoriano usa o dia, o mês e ano. Já uma data maia é descrita de forma dupla. Em 4 Ahau 8 Cumhu, por exemplo, 4 Ahau é a data originária do calendário religioso(tzolkin) e 8 Cumhu é proveniente do calendário anual (haab). Essa mesma data só tornará a se repetir 52 anos depois, quando se fechar o ciclo de 18.980 dias”, explica Odair. leituras da história | 33

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Ciência da longevidade

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Nature | Genética

Levantamento indica que variações genéticas prolongam a vida

*Heidi Ledford / Tradução: Leonardo Piamonte

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m conjunto de 150 variações na sequência de DNA pode ser usado para prever – com 77 % de precisão – se uma pessoa tem os recursos genéticos para viver até os cem anos, afirmam os pesquisadores. A descoberta, publicada no site da Science1, é o resultado de uma análise conjunta dos genomas de mais de mil pessoas com cem anos ou mais, considerando cerca de 300 mil variações da sequência, procurando possíveis relações com essa expectativa de vida excepcionalmente longa. O resultado, descoberto por uma equipe liderada por Thomas Perls, um professor de Medi-

cina da Boston School of Medicine, em Massachusetts, foi uma plêiade complexa de variações genéticas que afetam praticamente todas as áreas da vida de uma pessoa, do metabolismo ósseo e a regulação hormonal até as respostas ao estresse e a função das células cerebrais. Algumas das variantes podem ter um papel importante na amenização de condições debilitantes relacionadas com a idade, como o mal de Alzheimer e as doenças cardiovasculares. Essa complexidade já foi apontada em estudos anteriores, diz diretor do Instituto de Envelhecimento e Saúde da Universidade de Newcastle, no Reino Unido Thomas Kirkwood.

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“A busca de genes simples com efeitos importantes sobre a longevidade foi pouco frutífera até hoje”, diz ele. “Nós não estamos procurando genes que determinem o relógio da vida. Quando descobrirmos o que estamos procurando, vamos ver que é bem mais complicado do que isso.”

Longevidade excepcional Hoje se sabe que a longevidade é essencialmente uma questão do ambiente da pessoa – por exemplo, se ela leva uma dieta saudável ou se realiza comportamentos arriscados como fumar. Acredita-se que a genética contribua com apenas 25 a 30 % da variação na sobrevivência das pessoas até os 85 anos de idade, que é o tempo médio de vida nos países desenvolvidos. Mas a contribuição genética fica mais evidente em pessoas que vivem muito além dos 85 anos. Para saber mais sobre as bases genéticas dessa longevidade “excepcional”, Perls e seus colegas vêm acompanhando 800 pessoas, com cem anos ou mais, inscritas no estudo chamado New England Centenarian Study. A equipe encontrou inicialmente 70 variantes genéticas relacionadas com a longevidade excepcional, mas reduziu essa lista para 33 depois de repetir o estudo em outro conjunto de 254 pessoas com mais de 90 anos de idade. Embora cada uma dessas variações na sequência de DNA estivesse associada à longevidade excepcional de maneira individual, os pesquisadores também queriam encontrar variantes que funcionassem em conjunto. Por isso, analisaram os efeitos combinados de variantes genéticas sobre a probabilidade de viver até os cem anos. Esses modelos geraram 150 variantes que poderiam ser usadas para prever, com 77% de precisão, a probabilidade de chegar a ser um centenário.

Genes combatendo genes Um dos pontos essenciais para uma vida mais longa pode ser o adiamento de doenças relacionadas com a idade, pois 90% dos centenários chegam sem deficiências aos 90 anos, afirma Perls.

“Hoje se sabe que a longevidade é essencialmente uma questão do ambiente da pessoa – por exemplo, se ela leva uma dieta saudável ou se realiza comportamentos arriscados como fumar” A análise adicional permitiu que sua equipe classificasse 90% dos centenários em 19 grupos com base no padrão das variações genéticas que cada um tinha. Essas associações se correlacionavam com os padrões na frequência e na idade do início das doenças relacionadas à idade, como a demência e a pressão arterial elevada. Surpreendentemente, os pesquisadores também descobriram que as variantes que são conhecidas por estarem relacionadas com doenças não são muito diferentes nos centenários e na população em geral, diz a bioestatista da Boston University School of Public Health e coautora do estudo Paola Sebastiani. Os resultados devem ser validados em populações maiores, diz a cientista, mas se for verdade, significa que o fator essencial para atingir a longevidade extrema não é a ausência de variantes genéticas que predispõem uma pessoa perante as doenças, senão o fortalecimento das variantes associadas com a longevidade que podem diminuir os riscos associados às doenças. Kirkwood concorda que o estudo deve ser reproduzido em uma escala maior. “Já vimos muitas tentativas de análise genética associadas a situações complexas que precisam de uma população muito maior do que a que utilizamos aqui”, diz ele. “O ceticismo ao redor do assunto continuará enorme até termos réplicas em outros estudos.” Kirkwood acrescenta que há dados de um estudo gigante europeu sendo analisados, GEHA (Genética do Envelhecimento Saudável), de 2.650 pares de irmãos com mais de noventa anos. Perls, por sua parte, diz que sua equipe está se preparando para repetir a análise usando dados de um conjunto de cerca de 600 centenários japoneses. leituras da história | 35

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LIVROS E AUTORES Por Maurício Barroso

Escravidão

Ganga-Zumba, de João Felício dos Santos, é uma reedição de 1962. Um romance baseado na história dos Palmares, no qual a personagem é conduzida por um narrador em terceira pessoa, onisciente. Contudo, este divide seu discurso impregnado de configurações culturais com ideias vinculadas à etnia. A narrativa é centralizada na bandeira do não conformismo e da libertação. A fala do narrador alterna-se com a fala típica da gente negra a quem privilegia e dá voz, carregada de africanismo, explicitados no final do romance. Destacam-se sentimentos e problemática peculiares, marcados pelo sofrimento do escravo, mas, em contraponto, dimensionados, sobretudo, à luz da altivez de um grupo étnico que se assume, em torno do seu ganja, na luta por sua afirmação, no percurso de Palmares. Ganga-Zumba é a presença quilombola transfigurada na prosa poética de seu autor, um romancista libertário, é ler e conferir.

Grécia arcaica

Arquíloco de Paros foi um dos poetas mais notórios da Antiguidade greco-romana; julgavam-no digno de ser nomeado ao lado de Homero e Hesíodo, embora o caráter de sua poesia fosse muito diverso da deles. Para Paula da Cunha Corrêa, autora de Armas e Varões: não existe nenhum comentário moderno sobre Arquíloco que seja abrangente: os poucos comentários antigos desse tipo estão bastante ultrapassados, não só por causa do acréscimo do número de fragmentos, devido às descobertas de importantes inscrições e papiros, mas também por causa das mudanças nas perspectivas dos estudos clássicos, que agora identificam novas perguntas por fazer, além das tradicionais. Ao escolher um dos temas mais importantes e coerentes nos versos de Arquíloco, o da guerra e da luta, e ao realizar um estudo sistemático dos fragmentos relevantes, a autora contribui para os estudos arquiloqueios e dá mais um passo para o cumprimento desse objetivo. Uma obra imperdível.

Colapso made in USA

Uma Colossal Falta de Bom Senso, de Lawrence G. Mcdonald, revela detalhes sobre a falência de uma das maiores companhias dos Estados Unidos. Um ano após o auge da crise econômica mundial, o autor e ex-empregado da Lehman Brothers, revela como os altos executivos da empresa ignoraram as advertências e provocaram a maior queda da história norte-americana. As reais consequência da falência do Lehman Brothers ainda não puderam ser mensuradas por completo. Contudo, já é possível contatar que foram devastadoras para o sistema financeiro global. Enfim, nele está a história de como isso aconteceu.

Humano x meio ambiente

Os cinco mil anos da história humana registrada não cobrem mais do que um milionésimo da vida da Terra. No entanto, nesse intervalo, os seres humanos produziram um violento impacto no mundo natural. Em A grande história, a historiadora Cynthia Stokes Brown investiga nossa complexa relação com o meio ambiente, com uma moderna narrativa da criação do planeta numa era em que nossa compreensão das origens do universo deve estar ao lado da realidade do aquecimento global e de outros desafios ecológicos, que podem ser diretamente relacionados a nossa presença no planeta.

GANGA-ZUMBA – A SAGA DOS

ARMAS E VARÕES: A GUERRA DA

UMA COLOSSAL FALTA DE BOM

A GRANDE HISTORIA

QUILOMBOS DE PALMARES

LÍRICA DE ARQUÍLOCO

SENSO – A HISTÓRIA POR TRÁS DO

STOKES BROWN – TRADUÇÃO DE VITOR

Santos, José Felício dos páginas

272

Editora José Olympio

Cunha Corrêa EDITORA UNESP

Paula da

379 PÁGINAS

LEHMAN BROTHERS

LAWRENCE G.

MCDONALD E PATRICK ROBINSON 400 PÁGINAS

PAOLLOZI

CYNTHIA

420 PÁGINAS

EDITORA

CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA

EDITORA RECORD

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Memória da Mídia | Imprensa

Metamorfose

Ambulante As transformações ocorridas nos jornais brasileiros a partir da década de 1940 e sua relação com o poder

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Por Heber Ricardo da Silva

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imprensa escrita pode ser entendida como um importante instrumento para o estudo histórico, pois sua análise permite ao historiador entender os acontecimentos da sociedade, uma vez que, além de registrar, ela é capaz de influir fortemente na vida política nacional. Dessa maneira, o objetivo desse artigo é destacar o papel da imprensa brasileira como agente político e refletir sobre as transformações técnicas vivenciadas por ela, sobretudo durante as décadas de 1940 e 1950, momento em que os principais jornais nacionais assumiam um caráter empresarial e aproximavam-se do modelo jornalístico norte-americano. Diversos pesquisadores se preocuparam em pontuar historicamente essas transformações, formulando periodizações para explicá-las. Para o historiador Nelson Werneck Sodré (1999, p. 261-275), até a segunda metade do século XIX, a imprensa nacional apresentava uma estrutura artesanal, com técnicas de trabalho rudimentares, sem dispor de um aparato técnico desenvolvido e uma ampla organização estrutural e econômica. Foi somente a partir do final do século XIX, com a introdução de inovações técnicas, que a imprensa artesanal cedeu espaço para a industrial, baseada em uma estrutura que lhe possibilitara o aumento de sua área de abrangência, distribuição, tiragens e aproximação dos padrões e das características peculiares de uma sociedade burguesa. Mas, foi com a consolidação da República, no início do século XX, que a imprensa nacional também se consolidaria, ou seja, os jornais entraram em sua fase industrial, apresentando, a partir de então, características empresariais e comerciais, momento em que as notícias passaram a ser entendidas como mercadoria, algo que poderia ser comercializado como qualquer outro produto.

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Memória da Mídia | Imprensa

Do artesanal ao industrial Por sua vez, Bahia (1967, p.46-86) apresenta outra periodização para explicar a história da imprensa brasileira. Segundo ele, a fase inicial foi marcada pelo surgimento dos primeiros jornais, período que vai de 1808 a 1880. Nessa fase, o jornal era produzido de forma artesanal e a imprensa atuava em condições precárias, contando prédios velhos e máquinas compradas de segunda mão de países mais adiantados industrialmente. O segundo momento, denominado como a fase de consolidação e aventura industrial, começou por volta de 1880 e se estendeu até a década de 1930. Tal período se caracterizou pela passagem da tipografia artesanal à indústria gráfica, anúncio em cores, surgimento das agências especializadas de publicidade, aprimoramento da mão de obra

gráfica, re-aparelhamento técnico dos jornais e surgimento do jornal em formato standart. A tipografia perdeu o seu conteúdo artesanal e conquistou a posição de indústria gráfica, trazendo consigo quatro inovações importantes: máquina de papel, prensa mecânica, prensa rotativa e linotipo. Já a terceira fase, classificada como moderna, foi marcada pelo surgimento do rádio, das cadeias jornalísticas e aumento de tiragens. Inegavelmente, a partir de 1930, ocorreu um desenvolvimento desenfreado dos meios gráficos e reais aprimoramentos das formas de se fazer jornal, representando um poder de indiscutível capacidade econômica. Porém, somente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial que a imprensa passou a vivenciar transformações ainda mais aceleradas em todos os setores, passando a competir pelos leitores, que proporcionariam

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Somente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial que a imprensa passou a vivenciar transformações ainda mais aceleradas em todos os setores, passando a competir pelos leitores, que proporcionariam consequentemente aumento de tiragens e vendagens

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consequentemente aumento de tiragens e vendagens. Com o novo jornalismo, a imprensa nacional passava a sofrer influência do jornalismo norte-americano e se transformara em empresas de comunicação dotadas de uma considerável estrutura técnica comparada a da imprensa norte-americana e européia. Para Lattman Weltman (1996, p. 157-175), a história da imprensa brasileira pode ser dividida em três grandes períodos. A fase pré-capitalista, quando se deu a instalação das primeiras folhas no Brasil, cujos serviços prestados eram apenas informativos. Fase que perduraria até o final do século XIX. A segunda fase iniciou-se quando a imprensa passava a incorporar, além das notícias, a opinião política, momento em que surgem as primeiras folhas oposicionistas, abolicionistas ou republicanas, as quais se beneficiavam, inicialmente, da liberalização e implantação das primeiras tipografias no Brasil. Surgiria, então, o jornalismo literário, que privilegiaria a divulgação de idéias e opiniões A terceira fase, iniciada a partir da década de 1950, caracterizava-se por modificações decisivas para a imprensa, como o avanço das técnicas, aumento do número de publicações e tiragem. O jornal, além de assumir cada vez mais um caráter de empresa, dependente, na mesma proporção, da publicidade e de verbas oficiais, vê-se obrigado a competir mais intensamente pela divulgação de notícias. Nesse sentido, Abreu (1996, p. 15-30) apontou que a, partir da década de 1950, a imprensa foi abandonando aos poucos uma de suas tradições, ou seja, o jornalismo de combate, de crí-

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Memória da Mídia | Imprensa

Nessa época, então, os jornais brasileiros caracterizavam-se pela convivência entre o jornalismo opinativo/ interpretativo e o noticioso, mesclando traços do modelo de jornalismo francês com o norte-americano

tica, de opinião, portanto, distanciando-se do modelo francês de jornalismo até então seguido pelos jornais. Foi quando ela passou a seguir o modelo de jornalismo norte-americano, ou seja, que “privilegiava a informação e a notícia e que separava o comentário pessoal da transmissão objetiva e impessoal da informação”. Essas transformações foram empreendidas em parte pela influência de alguns jornalistas brasileiros que, após terem vivido nos Estados Unidos, na primeira metade dos anos de 1940, retornavam ao Brasil, entusiasmados com a organização e as técnicas jornalísticas do país. Com a escolha desse modelo de jornalismo, a imprensa nacional passou por inúmeras alterações, ao vivenciar um vertiginoso aumento de tiragens, a aplicação de novas técni­cas, o uso da impessoalidade na escrita e o tratamento da realidade strictu sensu. A partir da década de 1950, ocorre a profissionalização da atividade

jornalística, além da introdução dos primeiros cursos superiores de jornalismo no Brasil e investimentos no setor publicitário, desencadean­ do, assim, a implantação no país de grandes agências de publicidade. Desta forma, novas técnicas de apresentação gráfica e inovações na cobertura jornalística foram introduzidas, o que traz modificações substanciais em sua estrutura e linguagem. Ademais, a infiltração de capitais estrangeiros, especialmente o norte-americano, deve ser entendida num quadro mais amplo, no qual o imperialismo desenvolveu suas ações, numa fase em que se viu obrigado a realizar um controle indireto da imprensa nos países dependentes com a montagem, neles, de sua própria imprensa. Assim, ela vai se tornando menos livre quanto mais vai adquirindo o caráter de empresa, quanto mais se torna dependente das agências de notícias e agências de propaganda internacionais, bem como das verbas governamentais.

Lauda original do Diário de Notícias, de Porto Alegre, datilografada, encontrada entre os pertences do jornalista Antonio Onofre da Silveira

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Antonio Onofre da Silveira

Influência antiga No entanto, diferentemente do sinalizado pela bibliografia sobre o tema, uma matéria publicada no Anuário Brasileiro da Imprensa, em outubro de 1949, deixa claro que a influência da imprensa norte-americana sobre a brasileira já era visível no início da década de 1940. Com o título “A influência americana”, a matéria se refere a uma conferência proferida por Carlos Alberto Nóbrega da Cunha que, realizada na sede da ABI em 1941, tratava do tema. Como ex-integrante da Associated Press e um dos fundadores do jornal carioca Diário de Notícias, Nóbrega da Cunha ressaltava a presença de elementos característicos da imprensa norte-americana no modelo jornalístico, como, por exemplo, a objetividade e organização empresarial das folhas. Entretanto, salientava também algumas diferenças que marcavam os dois modelos jornalísticos. Para ele, nos Estados Unidos havia a função de redator-social, já na realidade da sua congênere brasileira a função era entendida própria para um “cronista mundano”, cuja tarefa era a de produzir crônica social e notícias sobre bailes ocorridos nas grandes cidades do país. Os jornais brasileiros não davam tanta importância a esse tipo de assunto, que era relegado a pequenos espaços nos jornais, com notas breves sobre nascimen-

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Bibliografia

tos, casamentos ou batizados. Ao contrário, a imprensa norte-americana concedia amplo destaque aos acontecimentos sociais e os noticiava em várias páginas das suas edições diárias. Além disso, havia a diferença numérica de pessoal empregado nos jornais, pois, nas redações dos diários norte-americanos, o número de profissionais ocupados com a redação era maior do que o empregado nas folhas brasileiras, dado que a grande quantidade de matérias que chegava aos primeiros exigia mais redatores para organizar as edições diárias. Ademais, nas redações norte-americanas não se via a figura do secretário, função que exercia, tanto no Brasil como na Europa, um papel preponderante no jornal, pois era o eixo em torno do qual girava toda a vida jornalística de um periódico. Nos Estados Unidos, a figura do City Editor era a que mais se parecia com a do secretário. No entanto, a função daquele editor era a de apenas controlar o noticiário local, ao passo que o secretário dos jornais brasileiros controlava todas as atividades jornalísticas, inclusive a paginação. Para Nóbrega da Cunha, a divisão das funções dentro das empresas jornalísticas brasileiras estava, no início da década de 1940, em processo de desenvolvimento e, desta forma, ainda não poderia se comparar, nesse quesito, com a do Estados Unidos. Se no início da década de 1940 tal influência era visível, – como já havia sinalizado Nóbrega da Cunha em sua conferência –, a partir da Segunda Guerra, ela se acentuaria ainda mais, momento em que os jornais brasileiros passavam a seguir mais detidamente o mesmo modelo de paginação e de distribuição das matérias, além do modelo de administração, de organização comercial e da publicidade. Procedimentos cuja aplicação se devia a alguns fatos determinados pelo contato constante de profissionais brasileiros com os produtos da imprensa daquele país. Podemos afirmar que a partir de meados da década de 1940, a imprensa brasileira já vivenciava algumas etapas da sua profissionalização. Nesse momento, a produção dos principais jornais brasileiros já era pautada por alguns elementos colhidos do modelo norte-americano e havia empresas jornalísticas determinadas a garantir ou ampliar a autonomia do jornalismo em relação ao Estado e governos. Nessa época, então, os jornais brasileiros caracterizavam-se pela con-

Anuário Brasileiro de Imprensa, Rio de Janeiro, outubro de 1949. ABREU, Alzira Alves (org.) A imprensa em transição. Rio de Janeiro: FGV, 1996. BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica. São Paulo: Martins, 1967.

vivência entre o jornalismo opinativo/interpretativo e o noticioso, mesclando traços do modelo de jornalismo francês com o norte-americano. Gradativamente, a imprensa nacional deixou de lado sua postura noticiosa, neutra e imparcial e assumiu um caráter, cada vez mais, interpretativo, relacionando-se mais pontualmente com os acontecimentos nacionais. A partir desse momento, os jornais passam a ser definidos como agentes políticos com elevado poder de intervenção na vida política e social do país, além de conquistarem para si o maior número possível de leitores, que lhe propiciará receitas em vendas avulsas e assinaturas, bem como publicidade, ou seja, os periódicos produzem e impõem uma visão particular do campo político, selecionando até mesmo o que deve ser publicado ou não. Vale destacar que o mundo dos jornalistas é dividido, há conflitos, concorrências e disputa pelo poder de falar em nome de uma totalidade de leitores. Além desses elementos, os jornais estão envolvidos em uma concorrência pelo poder de marcar posição. Essa concorrência toma forma através da busca pelo furo, para ser o primeiro, e assim, conquistar maior espaço social e, consequentemente, o maior número possível de leitores e anunciantes, elementos que proporcionam maiores condições de se relacionarem mais proximamente com outros agentes inseridos no mercado. Esses elementos nos permitem afirmar que a partir do início da década de 1940, a imprensa brasileira passou a atuar com grandes forças econômicas e sociais e caracterizou-se por ser um canal de divulgação de ideias de grandes grupos econômicos e políticos, os quais almejavam emitir suas opiniões subjetivas e particularistas, com vistas a alcançar maiores posições dentro do campo político.

BOURDIEU, Pierre O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. LATTMAN-WELTMAN, Fernando. Imprensa carioca nos anos 50: os “anos dourados.” In: ABREU, Alzira Alves de. A imprensa em transição. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

Heber Ricardo da Silva é Mestre em História pela Universidade Estadual Paulista. Autor do livro intitulado A democracia impressa. Transição do campo jornalístico e do político e a cassação do PCB nas páginas da imprensa brasileira (1945-1948). É vinculado ao Núcleo de Pesquisa Interdisciplinares de Mídia e Linguagem e à Linha de Pesquisa do CNPq intitulada Mídia e Política na História do Brasil Contemporâneo

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Cultura | Educação Indígena

Entre o real e o ideal As dificuldades do ensino indígena no país e os caminhos para driblar o problema e buscar uma escola mais autônoma Por Bruna Lima Moreira, Vanusa Aparecida Guimarães e Tatiana Martins Alméri

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educação indígena na escola é um assunto polêmico e complexo, discutido por diversos órgãos públicos responsáveis pelo ensino no Brasil. Entretanto, ainda é algo que busca conquistas para que fique próximo a parâmetros razoáveis, principalmente pelo contexto histórico apresentado. Após o percurso de colonização indígena realizado através dos jesuítas (Companhia de Jesus), foi reservado o direito às tribos a ter uma escola em sua comunidade, porém, uma escola que busque autonomia, um dos critérios a serem alcançados pelos indígenas. No entanto, hoje se observa a interferência do Estado nas escolas indígenas, de forma que os currículos sejam direcionados pela visão do não indígena, ou seja, sem respeitar as peculia-

ridades das tribos. Um dos aspectos que preocupa essas tribos é o etnocentrismo empregado aos projetos, pois a ideologia tribal é toda voltada para o bem comum, diferentemente dos nãoíndios que, muitas vezes fundamentados em um Sistema Capitalista, tem o individualismo como uma marca forte em seus trabalhos. Outro ponto fundamental é o bilinguismo, uma questão importante enfrentada pelas escolas indígenas. “A ação pedagógica tradicional integra sobre tudo três currículos que se relacionam entre si: a língua, a economia e o parentesco. O modo como se vive esse sistema de relação caracteriza cada um dos povos indígenas. O modo como se transmite para seus membros, especialmente para os mais jovens, isso é a ação pedagógica”. (CADERNOS CEDES, ANO 1999 p.13).

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Muitos professores indígenas trabalham através de projetos que conservem a língua nativa por meio da cultura que é passada de geração a geração (já que o grau de parentesco é tão valorizado nas aldeias) até em aulas expositivas em que a língua é usada e ensinada aos alunos constantemente. Mas, com a introdução da língua portuguesa nas aldeias, os índios se questionavam qual deveria ser eleita a “língua da tribo”. Havia aí uma preocupação, já que algumas tribos, por razões históricas e de exploração, tinham como dialeto principal a língua nativa.

Divisor de águas Com o movimento dos professores indígenas, principalmente dos Estados do Amazonas e Roraima, foi possível intitular alguns direitos, en-

tre eles a conservação da língua nas escolas para preservar a cultura da comunidade. Foi através de discussões e movimentações dos professores que eles conseguiram intitular tal direito, um dos fatos mais importante da cultura indígena. Outro marco da nova geração indígena é o fato do corpo docente ter se fortalecido, tendo como finalidade a busca por seus direitos;

Índios brasileiros lutam para manter peculiaridades das tribos no ensino

Muitos professores indígenas trabalham através de projetos que conservem a língua nativa por meio da cultura que é passada de geração a geração leituras da história | 45

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Cultura | Educação Indígena

lutam e buscam os direitos das comunidades, na tentativa de não deixar acabar a cultura, as terras e o modo de vida que são tão peculiares. O movimento de professores indígenas do Amazonas e Roraima é, a cada ano que passa, mais forte e expressivo, e desempenha um indiscutível papel de vanguarda. Um dos efeitos mais notáveis desses eventos é, sem dúvida, a irradiação da reflexão e da discussão sobre a escola indígena em diversas populações da Amazônia ocidental (SILVA, 1994, p 47). A luta pelas conquistas se dá não somente no âmbito cultural, mas também no campo populacional. Abaixo, segue um comparativo entre a população indígena moderna e a população indígena existente no Século XVI no Brasil.

Hoje, muitas escolas indígenas têm a preocupação de formar cidadãos para o mercado de trabalho. O objetivo, infelizmente, é formar cidadãos que são julgados como pessoas atuantes, que tragam benefícios para o país e para si próprios, a exemplo de profissionais como advogados, médicos, engenheiros, entre outros A tabela do IBGE revela dados pelos quais pode-se avaliar o número da população indígena distribuída pelas regiões do país; entre elas, pode-se citar: Amazônia e Acre, duas regiões em que o predomínio da população é forte e também envolve aspectos educacionais que estão sendo discutidos, como por exemplo, a formação de professores. Porém, a Tabela 1 também revela a estrondosa diminuição do número de indígenas, comparativamente nas regiões analisadas: tem-se atualmente, em média, apenas 1,8% da população que existia anteriormente nas regiões computadas. Esses grupos, além de serem expostos a essa deflação populacional, também passaram, e ainda passam, por um contexto de preconceito social. Segundo o antropólogo Aracy Lopes da Silva (1993), “há promoção de campanhas educativas que tenham por objetivo combater a ignorância e o preconceito em relação aos povos indígenas. Campanhas que tenham como alvo não apenas a sociedade civil, mas, principalmente, o setor público (federal, estadual e municipal); infeliz-

mente ainda sem uma compreensão adequada da questão.” (apud SILVA, 1994, p.49). Dessa maneira, uma das coisas que faltam para compreender a vida dos povos indígenas é a organização de campanhas educativas para promover esclarecimentos e acabar com os preconceitos em relação às comunidades. Deve haver uma atenção maior, principalmente pelos órgãos públicos (em todos os níveis), para que estes não travem os progressos das escolas indígenas, avanços que dão a oportunidade para que esses povos possam ter uma escola voltada para sua cultura, respeitando seus costumes. [...] além disso, é fundamental que o governo federal, os estados e os municípios apoiem (ou, pelos menos, não atrapalhem – o que é infelizmente o caso, por exemplo, em muitos municípios do Amazonas ) a realização de encontros periódicos de professores indígenas coordenados por eles mesmos, sem prejuízo dos cursos de formação de reciclagem (tal como prevê a “Declaração de Manaus” ). (SILVA, 1994, p.49). A importância dos “encontros” dos professores indígenas é proporcionar a oportunidade de discutirem, elaborarem e planejarem assuntos pertinentes à necessidade de seus povos e comunidades, levando em consideração uma estrutura melhor para as reais necessidades que as escolas indígenas possuem.

Afastamento das origens Hoje, muitas escolas indígenas têm a preocupação de formar cidadãos para o mercado de trabalho. O objetivo, infelizmente, é formar cidadãos que são julgados como pessoas atuantes, que tragam benefícios para o país e para si próprios, a exemplo de profissionais como advogados, médicos, engenheiros, entre outros. Segundo o antropólogo Bartolomeu Mélia: “a educação na sociedade nacional ainda está marcada pela capacitação individual tendo em vista a competição individual para produzir e possuir mais [...]” (CADERNOS CEDES, 1999, p. 15). Levando em consideração esta realidade contemporânea, as comunidades indígenas estão sofrendo um alarmante afastamento do índio, pois, com o aumento da oferta de escolas instaladas na região, oferecendo oportunidades de especialização profissional, ocorre um elevado êxodo de indígenas para as áreas urbanas.

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Essas instituições enfrentam ainda hoje a necessidade de ser autônomas para poder organizar os currículos escolares às suas necessidades. Mas isso é visto como um problema para o Governo, pois, para este, as escolas indígenas devem ser encaradas como específicas e diversificadas, e nada além disso. Esta autonomia é necessária não somente em alguns setores, mas na totalidade da distribuição das tribos no Brasil.

Aprender para ensinar Há um pequeno número de professores indígenas que lecionam nas escolas instaladas nas aldeias, haja visto que há poucos incentivos do governo para que os mesmos possam ingressar na rede de ensino superior. Na tentativa de dar subsídios para um aumento do número de professores indígenas, o Plano Nacional de Educação oferece cotas para indígenas nas universidades públicas e particulares (UNESCO, 2003).

É evidente que os números mostram uma deficiência em algumas regiões com a promoção do ensino superior para os indígenas de maneira concentrada. Por isso, é necessário que as oportunidades não sejam oferecidas de maneira concentrada e sim abrangente, para que as oportunidades sejam oferecidas a todos. Os índices de acesso ao ensino superior da população indígena são insignificantes. Calculados a partir dos números da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) ou do Instituto Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (IBGE), não superam 0,6%, porcentagem muito inferior aos registros para brancos que ultrapassam 10% da população e para negros e descendentes, que chegam a um pouco mais que 2%. (UNESCO, 2003, p.34). Todavia, o século XXI apresenta-se com um resgate cultural, em virtude disso, há um aumento do número de formação de professores

Índice de acesso da população indígena ao ensino superior é preocupante: 0,6%

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Cultura | Educação Indígena

tribos, embora a língua portuguesa faça parte da grade curricular indígena. É um desafio poder chegar ao nível superior, pois grande parte dos professores indígenas tem baixa escolaridade, fato que impede um aprofundamento e diversificação dos níveis de ensino nas escolas indígenas do país. Embora as tribos indígenas façam parte da mesma cultura genericamente, dentro dessas existem diversos grupos, ou seja, cada tribo tem sua característica própria e ideias próprias, trazendo discussões e modos de pensar distintos,

para que estes possam elaborar propostas interculturais e multiculturais para os currículos escolares brasileiros. Este resgate é gradativo, delicado e processual, ou seja, está acontecendo aos poucos nos grupos indígenas, devido à perda cultural ocorrida com a exploração, pelos portugueses, de costumes, modo de vida, entre outras tradições. O resgate da cultura indígena é voltado para a conservação da cultura como um todo, desde o modo de vida até o uso predominante da língua indígena para que seja propagada às outras

Comparativo entre estimativas da população indígena moderna e da existente no Século XVI Grupos indígenas selecionados e localização

Estimativas da população indígena População indígena moderna(1)

Século XVI

Acre (Rio Purús) Não menos de 16 grupos

3 000-5 000

30000

Amazonas (Rio Branco) 9 grupos

11 000-16 000

33000

Tocantins 19 grupos

5 000-5 600

101000

Nordeste - litoral 7 grupos

1 000

208000

Nordeste - interior Não menos de 13 grupos

-

85000

Maranhão 14 grupos

2 000-6 000

109000

Bahia 8 grupos

-

149000

Minas Gerais 11 grupos

0-200

91000

Espírito Santo (Ilhéus) 9 grupos

-

160000

Rio de Janeiro 7 grupos

-

97000

São Paulo 8 grupos

-

146000

Paraná e Santa Catarina 9 grupos

3 200-4 200

152000

Rio Grande do Sul 5 grupos

-

95000

Mato Grosso do Sul 7 grupos

6 200-8 200

118000

Mato Grosso Central Não menos de 13 grupos

1 900-2 900

71000

Outros

...

786000

Total

...

2431000

Fonte: Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.

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Bruna Lima Moreira e Vanusa Aparecida Guimarães são pedagogas pela Universidade Paulista e Tatiana Martins Alméri é socióloga pela Universidade Federal de santa catarina – UFsc, mestre em sociologia Política e professora na Unip e na Fatec.

entretanto, mesmo com algumas conquistas, os indígenas estão longe de conquistar o ideal. é possível perceber o quanto o índio sofreu com o processo de aculturação e o quanto tem a conquistar. Muitos apontamentos no ensino necessitam ser mudados como também reformulados [...]

para saber

o que contribui para haver um debate e uma mediação por parte do governo para questões centrais. É importante especificar a diversidade existente respeitando cada tribo e seu modo de pensar, o que se torna algo bastante complexo quando se aponta fundamentações de leis. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação Nacional de 1996 estabeleceu a articulação dos sistemas de ensino para o efeito de educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas, de modo que lhes propiciasse a recuperação de suas memórias históricas, a reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências e o acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não indígenas (artigo 78 -79). A educação indígena, através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), teve o apoio para expandir e preservar sua cultura tão peculiar em vista da cultura do não índio. A LDB, do ano de 1996, reforça que a educação escolar bilíngue e intercultural deve ser resgatada e protegida nos currículos escolares para, assim, estar como um dos conteúdos pedagógicos. O resgate da cultura indígena é importante fortalecer a cultura das tribos. (CARNEIRO, 1998). Entretanto, mesmo com algumas conquistas, os indígenas estão longe de conquistar o ideal. É possível perceber o quanto o índio sofreu com o processo de aculturação e o quanto tem a conquistar. Muitos apontamentos no ensino necessitam ser mudados como também reformulados, entretanto, com a ajuda do índio que mora nas tribos e sabe as reais necessidades das mesmas, isso será possível. Não basta mudar o currículo escolar se ele não foi analisado e pensado através das necessidades específicas do professor e do aluno indígena, o qual irá usufruir das vantagens de ter uma escola de qualidade e, principalmente, autônoma, em que o professor se vê como livre para manter uma aula dinâmica e prazerosa para os alunos indígenas.

caDErnos cEDEs, XIX, n.º 49 Dezembro de 1999. carnEIro, moacir alves. LDB fácil. leitura critico-compreensiva artigo a artigo. Petrópolis, rJ: vozes, 1998. InstItUto BrasILEIro DE GEoGraFIa EstatIca (IBGE). Comparativo entre estimativas da população indigena Moderna e da existente no século xvi grupos indigenas selecionados. Fonte: http://www. ibge.gov.br/ibgeteen/povoamento/ indios/numeros.html. Disponível em 06/02/2010. InstItUto BrasILEIro DE GEoGraFIa EstatIca (IBGE). relação dos Municipios com as Maiores proporções de Auto declarados indigenas, população total do Municipio e de indigenas – Brasil – 2000. Fonte: http://www.ibge. gov.br/ibgeteen/povoamento/ indios/numeros.html. Disponível em 06/02/2010. sILva, marcio Ferreira. tema: educação escolar indígena. ( A conquista da escola: educação escolar e movimento de professores indígenas no Brasil). InEP (InstItUto nacIonaL DE EstUDo E PEsQUIsas EDUcacIonaIs). 1994. sILva, tomaz tadeu. A produção social da identidade e da diferença. http://ead.ucs.br/orientador/ turmaa/acervo/web_F/web_H/ file.2007-09-10.5492799236.pdf. acesso em 06/07/2010.

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Títulos raros | Biblioteca

testemunhos de

guerra Conheça 12 obras pouco difundidas no Brasil, mas que não podem faltar na estante dos aficcionados pela 2ª Guerra Mundial

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Por Roberto Lopes

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A

no de 1942. Paris ainda se encontrava sob ocupação das tropas alemãs quando começaram a aparecer no Ocidente – especialmente nos Estados Unidos e na América do Sul –, os primeiros volumes de memórias escritos por políticos, diplomatas, jornalistas e militares que, sob diferentes circunstâncias, vivenciaram o ambiente na Europa oprimida pelo nazifascismo. Ao leitor interessado em conhecer testemunhos fundamentais à compreensão do período, a Revista Leituras da História oferece um guia de títulos que hoje devem ser considerados raros – ou só encontráveis em sebos –, mas que estão ainda disponíveis nas livrarias especializadas em obras antigas. A relação foi organizada pelo jornalista e historiador Roberto Lopes (autor de “Missão no Reich – Glória e Covardia dos Diplomatas Latino-americanos na Alemanha de Hitler”) com dois critérios básicos (além, claro, do valor histórico): o dos textos nos idiomas espanhol e português, todos publicados há mais de 40 anos. Há, contudo, sugestões adicionais nos idiomas inglês e francês e ainda indicações de livrarias do Cone Sul que oferecem aos leitores essas verdadeiras preciosidades. Vamos a elas:

CRUCES Y ALAMBRADAS

Autor: José Calero Editora: publicação feita em caráter particular pelo autor, na Cidade do México Número de páginas: 270 Ano de publicação: 1943 Obra relativamente pouco conhecida, mesmo entre os historiadores latino-americanos, a narrativa de José Calero – um jornalista de direita e algo oportunista, que se encontra em Berlim no momento do irrompimento da 2ª Guerra –, conduz o leitor à realidade do Reich hitlerista daqueles dias.

A EUROPA BARBAR n Navarro

N BERLÍN le MISIONEdEua rdo Laboug

or (Embaixad a 1939) 32 19 r: de to , Au ., ha na Aleman Kraft Ltda argentino itorial Guillermo Ed a: Editor res. 270 Buenos Ai páginas: de ro me Nú 1946 : ão suraç blic tre as que Ano de pu tantes en e o am biente or mp i s , sobr ras mai Uma das ob na década de 1940 Hitler. Trata-se a f giram aind no Reich de Adol le – apontado por o ug ic bo át La om pl de dos nadi on o-diário mpatizante de um livr aliadas como si ue sempre teve a s q conautoridade tenta demonstrar seu bando Hitler e f ol zistas –, Ad a de que desastre. consciênci ção alemã para o na a m a duzi

ia (Ministro da Colômb 1) 194 Autor: Pedro Jua de o mai e 9 junho de 193 na Bélgica, entre Cromos, Bogotá Editora: Editorial 222 s: ina pág de ero Núm 2 194 o: açã lic pub Ano de

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LA V

Auto ORAG I de N r: Migu NE EUR e Edit egócios l A. R OPEA i Núme ora: Im do Chi vera (E p l Ano ro de p renta e na R x-Encar om Er r á de p ubli ginas: cilla, ênia) egado 246 caçã Sant Rara o i : 19 ago de B narrat 42 confl ucarest iva da meno ito, a e. Em 1 2ª Gue r Turq s impo Romênia 939, an ra Mun r d o sóli uia, ma tante , apesa do ir ial a turc dos com ntinha econom r de mu rompime partir i ção o – refl a Amér laços d cament ito men nto do e dos exo ica i or – La plom d rome d nos e uma i tina d áticos o que e be o a n aind a em iciativ que o m mais gove a de fins r ap no do s écul roxima o 19 .

ingênuo da um relato algo O autor oferece virada dos na ia, ope eur ca de 1940. complicada políti ada déc va isi a dec capta a anos de 1930 para que ão, caç sti to sem sofi que, mas Trata-se de um tex , das es mais profun realidade sem anális reveladora. nte ame ens int -se até por isso, mostra

VIAGEM ATRAVÉS DO CAOS

Autor: Ary Pavão (ex-Vice-Côn sul do Brasil no porto francês do Havre) Editora: Livraria Editora Zeli o Valverde, Rio de Janeiro. Número de páginas: 361 Ano de publicação: 1942 Pavão se favorece de sua dupla condição de diplomata e jornalista para produzir um relato que, sem esquecer o dram atismo do período 1939-1942, é proposto ao leit or com raro senso de humor. A descrição dos mese s de internamento dos diplomatas latino-ameri canos na Alemanha, em 1942, é especialmente sabo rosa.

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DIVuLGAÇÃo

TíTuLos RaRos | Biblioteca

S AMIGOS RES E SEomUpi R O T IO lador) N Ô T AN s (c cional, stão Crul Autor: Ga mpanhia Editora Na Co Editora: o. ul Pa o 282 Sã páginas: Número de icação: 1950 bl Ano de pu enviadas de cartas do Brasil a ne tâ o Cole ul Adjunt anha, entre pelo Côns Alem na o, rte. rg em Ham bu de sua mo ja 34, ano se 19 de e m ue 29 q 19 a ade spensável Obra indi o apenas a realid as m nã o, er períod conhec ha desse rviço se do da Aleman es bastidor com tam bém os brasileiro. Tudo o ido ic ác át r om mo hu dipl tada do do pi e a ad bo onalid uma va a pers que marca diplomata.

VICTORIA S

IN ALAS Autor: Mi gu da Argent el Angel Carcano (Embaixad ina na Fr or an Editora: Editorial ça em 1940) Sudamerica Aires. na, Buenos Número de páginas: Ano de pu 275 blicação: 1949 Narrativa densa, q ue revela plomacia ar presunçosa gentina se coloca como a diva (de fo ) em pata rma demais se rviços di mar superior ao plomáticos dos ricanos, julgando la tino-a poder infl mos da 2ª uenciar os meGuerra Mu rundial.

Três sugestões em inglês e francês

Livros raros nas quatro capitais do Cone Sul

The Von Hassel Diaries Autor: Ulrich von Hassel (Ex-Embaixador alemão na Itália) Editora: Doubleday & Company, Inc., New York Número de páginas: 416 Ano de publicação: 1947 Apesar de pouco conhecida no Brasil, é obra de valor inestimável não apenas por revelar os bastidores da diplomacia alemã no 3º Reich, mas também por ilustrar, nas palavras do embaixador alemão Von Hassel (adversário do nazismo), a rotina do corpo diplomático estrangeiro na Berlim hitlerista.

Em Buenos Aires Ateneo Grand Splendid Avenida Santa Fe, nº1860 (entre Callao y Riobamba), Barrio Norte. Tels: 4811-6104 e 4813-6052. Horários: aberta de seg. a quinta, 9h/22h; sexta e sáb., 9h/24h; dom., 12h/22h. Obs: A conhecida Livraria Ateneo, do mesmo grupo, fica na Calle Florida 340, Microcentro (tel: 4325-6801).

L’Agression Allemande Contre la Pologne Autor: Léon Noel (Embaixador francês em Varsóvia, entre 1935 e 1939) Editora: Flammarion Editeur Número de páginas: 510 Ano de publicação: 1946 Trata-se da narrativa da última fase do relacionamento bilateral entre a França e a Polônia, feita pelo Embaixador francês em Varsóvia à época da invasão da Polônia. De Staline à Hitler Autor: Robert Coulondre (Embaixador francês em Berlim, entre 1937 e 1939) Editora: Hachette, Paris Número de páginas: 334 Ano de publicação: 1950 Traz o relato do último Embaixador da França em Berlim, antes do irrompimento das hostilidades, em setembro de 1939. Coulondre era um profissional decente e de certa experiência profissional, mas estava aquém das necessidades de seu difícil cargo.

Em Montevidéu Librería Linardi y Risso (www.linardiyrisso.com) Calle Juan Carlos Gómez, nº 1435. Tels: 915-7129 e 915-7328 Fax: 915-7431 Em Assunção Librería Comuneros (rolon@conexion.com.py) Endereço: Cerro Corá nº 289. Tels: 446-176 e 444-667, La oficina del Libro (eduar@uninet.com.py) Endereço: 25 de mayo nº 640, mezanino. Tel: 495-805 Em Santiago Librería ElCidCampeador (www.libroselcid@hotmail.com) Calle Merced nº 345, Centro. Tels: 632-1540 e 638-5087 (fax) Obs: Há vários sebos, menores na calle San Diego (acesso pela estação de metrô Universidad de Chile) e nas bancas populares da região conhecida por Persa Bío-Bío (acesso pela estação de metrô Franklin, linha 2)

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DIVuLGAÇÃo

MEMORIAS an

lo z del Castil Manuel Alvare 40) 19 em a, Autor: Ju eg ru México na No o Tecnológico (Ministro do es del Institut a, Jalisco. er ll Ta a: or it Ed ajar dad de Guadal de la Universi s: 635 na gi pá de Número Ano: 1960 o 1940, e viveu à Europa em ça. O an Fr na e O autor chegou a s ra na Norueg interessado no clima de guer rta ao leitor e po qu im do e qu is ma to rela ocupa 2ª Guerra não s é leituma , bastidores da me lu vo e nas dess 33 das 635 pági na. pe ra que vale à

ALEMANIA POR DENTRO 1941-1942 Autor: Francisco Navarro (Secretário de Legação do México em Berlim, entre 1940 e 1942) Editora: Ediciones Ibero-Americanas, Cidade do México. Número de páginas: 343 Ano de publicação: 1943 O autor serviu nas missões diplomáticas mexicanas de Oslo e de Berlim, entre 1939 e 1942. Seu relato revela o comportamento de diplomatas latino-americanos durante a crise germano-polonesa, o irrompimento das hostilidades, e ilustra o clima na capital do Reich, até o rompimento da maior parte dos governos da América Latina com o nazismo.

K NUEVA YOR A A IC N R E DE GU be LÍN O PORoBniEoRde Aguirre ByueLneocsu Aires PASAND t José An a Ekin,

l Vasc Autor: Editoria Editora: páginas: 352 e Número d blicação: 1949 u Ano de p sco mais líder va olas e o d s a i h ór s espan das mem toridade e que se hou a Trata-se s a l o pe rra, rprocurad rante a 2ª Gue do Reich acobe du or al p t i a p d a a c m r alemãs a teção fo exto aba própri o n r p u o e i d z i e t m uma red a tina. É tado por s da América La e que mereceri , a e t t a n m e btido d o n e e e t diplo r n p e r m nte su fetiva solutame aque do que o e ericana. t am s e o d n i s t i a a l m iografia r o t s i h na

o dor d baixa m E ( ela S Gonzalez 9V3i9d e 1941)al. Santiago. A I R O MEMr: Gabrielça, entre 1iela Mistromos). Auto na Fran ial Gabr (dois t r Chile a: Edito as: 1.560 r n Edito o de pági ão: 1953 ç 1952, Númer publica 46 e e re 19 xador na t n Ano d e le s Em bai o Chi ntura nte d de 1940, z as ave ência e d i s i u re no exper ra eprod or, p al a O aut no cruci rrativa r cano sem o da guer i a h r n n e i m l . a e era, . Sua e v d sul tor ida a Franç político irado ao da Human t a m a i u r , ó e a t d mátic a his diplo ruenta d c s mai

EL DRAMA DEL GRAF SPEE Y LA BATALLA DEL RIO DE LA PLATA

Autor: Sir Eugen Millington-Drake (Ministro Plenipotenciário da Grã-Bretanha em Montevidéu no momento da batalha) Editora: Colombino Hnos. S.A., Montevidéu. Número de páginas: 471 Ano de publicação: 1966 Ainda que a recente abertura de arquivos documentais alemães e britânicos já tenha jogado novas luzes sobre a história da chamada batalha do Rio da Prata – que, em dezembro de 1939, alinhou um encouraçado de bolso alemão contra três cruzadores britânicos -, essa obra continua sendo um trabalho clássico e absolutamente indispensável aos aficcionados pela história da 2ª Guerra Mundial.

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Sociedade | Democracia

Advento do poder

O conceito de democracia natural, as perdas para a humanidade com a sua derrocada e a ascensão de grupos específicos Por José Vasconcelos

À

medida que as venerações iam crescendo, tomando corpo e se oficializando nas comunidades humanas no período do Neolítico, constatam-se gravíssimas mudanças na estrutura cultural. Entre essas consequências, tem-se a ressaltar a fatal extinção da democracia natural. Houve um tempo em que alguns indivíduos começaram a se destacar dos demais em face de habilidades extraordinárias. De maneira que, o respeito expandido aos dotes extra-sensoriais, ao poder de magia e à possibilidade de comunicação com entidades do além, que alguns indivíduos manifestavam, já concorria a distingui-los dos outros membros sociais. O que os tornava ainda mais diferentes era o acúmulo de oferendas recebidas e os diferenciados recantos reservados aos seus rituais e moradias, estas últimas cada vez mais distanciadas e com algumas excentricidades. Havia outras associações que contribuiriam mais ainda para destaque daqueles personagens especiais. Qualquer fato incomum que sucedia, como escassez de alimentos, doenças, inundações, secas, terremotos e outros desastres natu-

rais, eles se protagonizavam como os intermediários entre as forças provocadoras das desditosas situações. Naqueles momentos, em que havia coincidência de soluções favoráveis às comunidades, creditavam-se às manifestações dos paranormais, os quais ora se comunicando com os duplos dos homens ou espíritos especificados, ora empregando gestos e poções (atos mágicos). A cada evento, eram agraciados com mais presentes e regalias. Se todos tinham acesso às mulheres, para eles iniciava-se reserva exclusiva de algumas, talvez as mais atraentes. Se todos tinham o direito à distribuição equitativa dos alimentos, para eles, os melhores bocados. Se cada um resolvia os seus cuidados pessoais, para eles seguramente homens, mulheres ou crianças se ofereciam para cuidar de seus tratos pessoais. De forma imperceptível pela comunidade, aos poucos aqueles indivíduos foram se vendo com mais bens e privilégios do que os demais, diferenciando-se bastante dos mesmos. Suas predições e opiniões ganhavam maior peso porque provinham de espíritos ou deuses, entidades que tinham o poder sobre o destino das coisas,

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acima de qualquer atitude convencional. Não demorou, então, que seus dizeres assumissem forças inquestionáveis acima das opiniões dos outros membros. Essa centralização lhes dava liderança fixa e permanente. Como a fonte das opiniões e decisões partia de um só, não mais se requeria a opinião de todos. Aquele cidadão com alguns bens a mais, mulheres exclusivas, o comando das decisões comunais e o único que se comunicava com o além, se apresentava como uma figura diferenciada e sujeita à sagração. Surgia, então, o Poder.

O poder e a história da democracia natural

Aqui vale uma observação: Na democracia natural não havia líder fixo e imutável, mas lideranças naturais, específicas a cada tarefa social e que se dissolvia com a consecução dos objetivos alcançados pela comunidade. O resultado de tudo isso seria a desintegração crescente da democracia natural. Esta se esfacelava em favor do indivíduo que manipu-

lava os poderes espirituais. Daqui para frente, os assuntos da comunidade não seriam mais decididos com a participação efetiva de todos os membros. Um só individuo a tudo mandava e a tudo decidia. Como se tratava de uma contextura fora dos liames naturais, aquele novo poder acima dos demais geraria objetivos diversos daqueles destinados ao bem da comunidade, se restringindo a atos de acordo apenas com a vontade do xamã, do sumo-sacerdote. Inevitavelmente, o líder sacerdotal foi aumentando seus serviçais e clientes (os apadrinhados), os quais eram beneficiados com mais bens e prerrogativas. Guerras e rituais contra outras comunidades lhes traziam mais mulheres e mais serviçais, transformados a seguir em escravos, que engrossavam a legião dos servidores do Templo, do clã sacerdotal e de sua corte. Não demorou muito para que o líder sacerdotal, com seu poder absoluto e filhos diferenciados, implantasse a monarquia hereditária. Com efeito, dessa forma, a democracia natural se viu abolida em todas as sociedades civilizadas. leituras da história | 55

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Sociedade | Democracia

Pesquisadores presumem que a democracia natural tenha sobrevivido entre os primitivos povos mesopotâmicos. Pelo menos a arqueologia apresenta alguns indícios de sociedade democrática. Os sinetes de chamada dos cidadãos encontrados se assemelham aos da democracia de Milão dos séculos XII e XIII. Os túmulos não indicam diferenciamento, como os das fases posteriores durante os reinados dos soberanos da Antiga Caldeia, o que representa o igualitarismo a todos os membros. De qualquer maneira, algumas comunidades humanas chegaram até o século XX, ainda exercitando a democracia natural. Foi encontrada em todos os continentes, da América à Europa, da África à Polinésia. Em alguns lugares a democracia natural se apresentava em estágio de transformação na monarquia absoluta, mas trazia ainda relativo processo de decisão comunal e controle dos poderes por todos os membros, como foi o caso das comunidades da Germânia, antes da aculturação romana. Podemos agora retornar à democracia natural e estudar o seu funcionamento. O ponto fundamental de sua operacionalização é o comando nas decisões fomentado sob propensões naturais dos seres humanos. Estes são dotados de instintos gregários que os estimulam a objetivar o bem da sociedade. Conforme observado, não havia lideranças fixas, nem governo. Todos agiam voluntariamente e todos tinham participação nas decisões. Os bens eram comunais. Em sociedades de nossa atual civilização não resta dúvida que a complexidade cultural produziu comportamentos humanos perniciosos à vida social, mas não tanto a ponto de bloquear totalmente as tendências naturais dos indivíduos. Evidente que a desnaturalização das comunidades humanas prejudicou o desempenho dos indivíduos em termos de solidariedade. Entrementes, mesmo com as deturpações ocorridas no conjunto cultural dos povos, os cidadãos de uma forma geral são estimulados por seus instintos sociais em função do bem da comunidade. Numa nação qualquer, quanto menor forem a má distribuição de rendas, as desigualdades previdenciária e salarial, os privilégios a grupos políticos, religiosos, sindicais, maior será a vazão dos instintos sociais, fato esse demasiadamente comprovado pelas pesquisas.

Na democracia natural não havia líder fixo e imutável, mas lideranças naturais, específicas a cada tarefa social e que se dissolvia com a consecução dos objetivos alcançados pela comunidade

Observa-se que a média em decisões coletivas se encaminha bastante ao bom-senso, mesmo que os indivíduos separadamente considerados possam ter atributos não recomendáveis. É a força do instinto social embora sensivelmente prejudicado por falsos conceitos e a ação de grupos sumamente egoístas e dominantes dos poderes da sociedade. Sim os seres humanos estão destinados a serem sensatos e cooperadores. Se a situação demonstra o contrário em muitos casos, trata-se de algum erro social, mas não o suficiente, vale repetir, para destruir de vez com as tendências naturais de todos os indivíduos. O que equivale a dizer que não se deve partir da hipótese de que a democracia natural não funcionaria a contento, porque, em relação aos humanos, temos de atender à perspectiva da existência do Bem e do Mal na natureza humana. Ora, filosoficamente falando, não persiste nenhum fundamento para esse dualismo. Existem realmente entes humanos bons e maus no conceito em que são empregadas essas palavras?

Noção de bem e mal

Em decorrência da decadência cultural perpetrada na humanidade, deparamos com a noção de que há o Bem e o Mal, e por consequência indivíduos bons e maus. É a essência da doutrina maniqueísta, a qual consiste na crença da rea­lidade simultânea de dois princípios divinos: o Bem e o Mal. Foram esses mesmos Bem e Mal que muito preocuparam os zoroastrianos, e ainda o espírito do Bem e do Mal que atormentou os autores dos Vedas. Um mal que tem feito milhões de pessoas, há mais de mil anos se dirigirem a Ganges, outros tantos a Meca, e igualmente a Roma e a Jerusalém, para se verem livres do mesmo. Muitas religiões, procurando fundamentar adequadamente os seus princípios, utilizaram-se dessas criações. A doutrina judaico-cristã, por exemplo, além de afirmar a existência do Bem e do Mal, e de que o homem é, por natureza, mau, procura até mesmo indicar a origem desse fato. De modo que, simbolizando o erro humano no pecado de Adão, tratou de mostrá-lo em forma de desobediência. Assinala-nos São Gregório: “A tragédia do homem é que pelo pecado original sua natureza é corrupta e o inclina para o mal; e esta má-formação espiritual básica é transmitida de pai para filho por meio da procriação sexual”.

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E chegaram, infantilmente, a alvitrar que o mal estaria nas partes sexuais do corpo humano, especialmente no da mulher. Foram mais além e propuseram que a causa sendo imanente na representante feminina, taxaram-na a origem de todos os males que afligem a humanidade. Como essas criaturas têm sofrido ao longo dos anos as conseqüências de tão curta e falsa visão do mundo! Essa parvoíce abrangeu os judeus com o papel representado por Eva. Outros apontavam à lua, ao sol, aos animais e determinados fenômenos e objetos, o motivo do Mal; com certeza, muito se tem tentado enfeitar essa fantasia, todavia sem êxito. As palavras Bem e Mal sempre preocuparam os civilizados, elevando-os a princípios, e em torno dos quais suscitaram as mais absurdas conotações, resultando em símbolos os mais ridículos, e finalmente, advindo divindades, espíritos, demônios, e os persas anunciando que somente no fim do mundo, com a vinda de um Messias nascido de uma virgem e da semente de Zaratustra, esse dualismo seria extinto, dualismo esse que se entranhou nas grandes religiões, e vigora nas atuais crenças, reduz-se, entretanto, a um simples fator biológico. Não tem sentido acentuar filosoficamente ser boa ou má uma coisa. No reino animal inexiste substância a esse conceito. Nenhum animal é mau ou bom pelas suas atitudes; todos agem simplesmente pela sua sobrevivência com as aptidões que a natureza lhes adaptou. O predador e a sua presa têm as tendências e instintos necessários à conservação de suas espécies respectivamente, nada tem a ver se são maus ou bons. E o homem também está incluso nesse sistema. Um guepardo não é mau porque mata uma gazela, nem bom porque alimenta seus filhotes. Ilógico pensar que um ser social, como o homem, nasça destinado a fazer o mal aos outros membros da sociedade. Se assim fosse, não seria social nem haveria sociedades. O indivíduo é uma parte com uma função a cumprir para o funcionamento da corporação comunitária. Todos necessitam da colaboração e da solidariedade de cada um. O contrário seria uma aberração no mundo natural. Esta lhe dotou de faculdades, tendências e instintos, próprios de um ser social: predisposições a realizar atos para sobrevivência de sua espécie.

Em suma, a democracia natural funciona em tribos indígenas de uma forma racional, harmônica e sensata, por força das próprias propensões naturais de cada indivíduo, que o impulsiona a agir pelo bem da sociedade

Foi com base nessas falsas premissas, que durante séculos, insistiram em formas de governo contrárias a natureza humana, como a Monarquia. Diante da presumível malignidade ingênita dos cidadãos, admitiram o Absolutismo e a Autocracia dos monarcas. Códigos draconianos vigoraram para debelar a maldade dos homens, ao mesmo tempo em que eram desprezados estudos sobre as causas primeiras. Nesta época, jamais poderiam imaginar que o verdadeiro regime na organização política dos povos era baseado justamente nos bons propósitos dos cidadãos. Entretanto, esses são os alicerces que fizeram funcionar perfeitamente a democracia natural, tanto entre os pré-históricos como em povos de cultura primitiva.

Democracia nas tribos indígenas Em suma, a democracia natural funciona em tribos indígenas de uma forma racional, harmônica e sensata, por força das próprias propensões naturais de cada indivíduo, que o impulsiona a agir pelo bem da sociedade. Contemplando o comportamento das tribos brasileiras localizadas no Parque Nacional do Xingu, confirmam-se essas assertivas. São interessantes, portanto, as observações sobre as tribos indígenas do Brasil Central, sem aculturação dos civilizados, sobretudo daquelas onde os irmãos Vilas Boas conviveram por mais de 40 anos. Podemos ter uma ideia muito aproximada do processo decisório dos proto-históricos sobre os problemas emergentes como abrigo, segurança, ameaça de animais predadores, caça, intempéries, transmigração, doenças, mortes, resolvendo sobre a escolha da presa, quando, local, quem, tática, remoção e guarda da caça ou de leituras da história | 57

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Sociedade | Democracia

suas partes, atendimento a enfermos, enterro, rumo do deslocamento, etc. Talvez se dispondo em círculo, sentados, ou simplesmente agachados, riscando o solo com gravetos na discussão de suas táticas e tarefas. O formato em círculo, muito notado nas tribos indígenas, é próprio de uma reunião de iguais, onde cada um fala de igual para igual, sem outro tipo de acomodação, que opostamente inclina os indivíduos a transparecer formalidade perante líderes permanentes, poderosos, distintos e reverenciados. Em contato com o antropólogo pesquisador e arte-educador brasileiro, Walde-Mar de Andrade e Silva, que teve longa experiência com os indígenas das tribos do Xingu, suas informações e esclarecimentos foram muito importantes. Em primeiro lugar, todas as decisões das tribos necessitam da participação efetiva de todos os membros. Os mais velhos absorviam em suas células familiares as opiniões e solicitações das crianças, mulheres e filhos. Sua missão é filtrar as colocações dos seus parentes e levá-las aos demais membros da comunidade. À primeira vista, pode parecer uma Gerontocracia. Todavia, há que considerar alguns detalhes que afastam essa hipótese. A gerontocracia se caracteriza pela atuação de um conselho fixo de anciãos, de modo temporário (como a Gerúsia dos Espartanos) ou permanente (como a Câmara dos Lordes na Inglaterra). Entre aqueles indígenas, porém, cada reunião é aberta a todos os anciões. Cada um dos velhos da tribo poderá ou não comparecer, mas nenhum tem cadeira cativa. Aquele que passa a reconhecer-se como ancião, pode voluntariamente comparecer, falar e votar na reunião. Os mais velhos apenas transmitem de forma apurada as conclusões obtidas no seio familiar. De um velho se ouve que o seu neto sugere que os arcos de brinquedos sejam feitos pelos mestres com materiais e técnica dos arcos dos adultos, pois melhor aprenderiam a arte de caça ou poderiam ajudar os adultos na caçada. De outro, se escuta que a sua filha sugere que os homens ajudem na colheita dos inhames naquela temporada, pois as plantações muito distantes estão prejudicando alguns afazeres das mulheres. No final, todos analisam, discutem e decidem. Por fim, chega-se a conclusão de que foi uma perda para a humanidade a extinção da democracia natural. No entanto, devido ao aumento da população e do território das nações

...foi uma perda para a humanidade a extinção da democracia natural. No entanto, devido ao aumento da população e do território das nações civilizadas, conclui-se que se tornaria difícil a operacionalização da democracia natural

civilizadas, conclui-se que se tornaria difícil a operacionalização da democracia natural. Insofismavelmente, haveria de se construir um novo modelo de democracia natural. Ou mais precisamente, como fazer ressurgir a democracia natural diante dos problemas acima mencionados? Nada melhor do que indagar das ciências sociais e humanas, como convocar e fazer todos os cidadãos comuns participar e também exercer o controle sobre os poderes? Essa resposta veio com a democracia pura, pois esse regime estabelece os sistemas em que possibilita aos cidadãos comuns realizar esse intento, através da participação total dos cidadãos ou de parte dos mesmos. A ferramenta principal de que se servirá a democracia pura é a Internet, que fará com que os membros sociais participem e decidam os assuntos da sociedade tanto quanto o faziam na democracia natural. Aliás, a Internet é o meio racional e cômodo, que evita decisões em praça pública e de grupos segregados. Os cidadãos comuns podem no seu lar ou ambiente de trabalho acompanhar tranquilamente os debates, programas e perfis, de assuntos e de candidatos e expor as suas decisões por intermédio de um sistema, que lhe permitirá resolver de forma matemática e completa. Destarte, a democracia pura tem condições de reviver a democracia natural, pois os assuntos e decisões comunais seriam de todos os cidadãos e estes seriam os únicos que controlariam os poderes, através de comitês sorteados e renovados anualmente. Temos ciência de que as sociedades atuais são mais complexas, como nos referimos anteriormente, e que os indivíduos não são tão uniformes como as comunidades primitivas, mas a viabilização da democracia pura, que revive assim a democracia natural, é plenamente possível e mais eficaz do que na Representação Política. Tendo em vista que 16% da população adulta das grandes metrópoles sejam afetadas por psicoses, conforme pesquisas psicopatológicas, alguns autores avaliam que o julgamento de assuntos pelo povo seja precário. A situação seria agravada se acrescentassem os contingentes dos menos letrados e dos desinteressados. Acontece, porém, que recentes estudos da ciência também revelam que cada indivíduo

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conduz consigo peculiares códigos de ética, de humanidade e de nacionalidade, não importando seu nível cultural nem seu comportamento social. Os pesquisadores têm constatado que até mesmo psicopatas autores de assassinatos hediondos e demais criminosos, ao se manifestarem sobre assuntos em geral, tendem a fazê-lo obedecendo a ângulos éticos, humanos e patrióticos. Deduz-se então que cada estado psicopatológico e ausência de instruções e analfabetismo não são suficientes para obstruir a ação dos códigos mentais. Em outros termos, ressalvados propósitos que o preocupem no momento, o elemento humano, ao decidir sobre um assunto de fundamental essencialidade à comunidade ou do país, tende a reagir sempre em consideração aos padrões de moral, dos instintos sociais e defesas nacionais guardadas em sua mente, independentes de seu ínfimo ou amplo conhecimento, formação cultural e perturbação mental. Por outro lado, muitos estudiosos são relutantes em aceitar a decisão social promanada de todos os cidadãos de uma nação. Argumentam que o povo resolve sobre as coisas de forma emotiva e amorfa. E que o povo não tem condições de votar sobre assuntos complexos. Citam exemplos como: a determinação da infeliz invasão de Siracusa votada pelos cidadãos gregos em assembléia e a votação contada em minutos de um complicado código de leis civis por um Cantão suíço. Outros criticam a assembléia do povo, falando propositadamente como de uma multidão espremida numa praça pública votando leis e candidatos, em meio a discursos inflamados de oradores demagogos e populistas. Engano! Não é nada disso que se passa com o povo. As decisões do povo podem ser extraordinariamente sensatas. Basta atender alguns requisitos consoantes estabelecidos na doutrina da Democracia Pura, mormente o correspondente ao emprego do sistema matemático SHP, que supre todas as alegações com respeito a decisões irracionais. Finalmente, pode-se dizer sem erros que a democracia natural pode ser revivida na sua versão de democracia pura no mundo moderno de uma forma tranquila, suave e racional.

Engano! Não é nada disso que se passa com o povo. As decisões do povo podem ser extraordinariamente sensatas. Basta atender alguns requisitos consoantes estabelecidos na doutrina da Democracia Pura

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José Vasconcelos é advogado e filósofo, autor do livro “Democracia Pura” – prof.vasconcelos@terra.com.br

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ImIgrAção | Pesquisa

memória

política Cruzamento de dados do antigo DEOPS e de instituições europeias revela detalhes da imigração portuguesa e italiana no Brasil

ShuttERStOCK

Por rosana Schwartz

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V

iver em São Paulo durante os anos 1920 era uma experiência multicultural. A cidade abrigava um elevado número de imigrantes de diversos países, pessoas que haviam deixado suas terras com a esperança de encontrar trabalho e melhores condições de vida. A maioria eram italianos e portugueses. Ao mesmo tempo em que um expressivo número desembarcava no Brasil – entre os anos 1870 e 1907, um total de 1.208.042 italianos entraram pelo Porto de Santos –, a cidade de São Paulo, com a fundação de centenas de fábricas dos mais variados segmentos, em 50 anos (de 1870 a 1920) se configurava como o carro-chefe da industrialização brasileira. O Projeto internacional de pesquisa PROMACK, liderado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, em parceria com a Universidade Nova de Lisboa, Universidade do Porto, Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, UNICSUL e Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, analisa documentos do Departamento Estadual de Ordem Política e Social – DEOPS - Antiga Polícia Política, criada em São Paulo em 1924 e extinta no início de 1983, conjuntamente com os arquivos de Instituições Italianas e portuguesas. Com o intuito de reconstruir a memória política no período de 1924 a 1945, privilegiaramse as ações de militantes imigrantes italianos e portugueses anarquistas, comunistas, socialistas e fascistas, e de agentes anônimos da história política e social do Brasil.

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Imigração | Pesquisa

Os arquivos do DEOPS paulista, transferidos em 1983, quando da exitição desse órgão de repressão, para a Polícia Federal, e em 1990 para o Arquivo do Estado de São Paulo, composto por prontuários, dossiês e vasta iconografia, uma vez analisada conjuntamente com os documentos do Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa e Archivio Centrale dello Stato, em Roma, possibilitam o encontro de informações sobre a dinâmica e integração dos órgãos de repressão, as parcerias entre as polícias políticas, a intolerância praticada entre os Estados brasileiro, italiano e português, e a reconstituição de histórias de anônimos. A integração de prática de controle das ações dos indivíduos pelos órgãos repressivos no ocidente foi acirrada no início do século XX, com a Primeira Guerra Mundial, Revolução Russa, fundação da Terceira Internacional em Moscou, nos anos 1918 e 1919, e no Brasil, em São Paulo, pela Greve Geral 1917. O temor das elites brasileiras, européias e norte-americanas com a expansão das idéias anarquistas, socialistas e comunistas atribuiu aos Estados a possibilidade do controle das populações pelas polícias urbanas e “inteligências”. Desde o século XVIII, já existiam acordos internacionais bilaterais, para a extradição de indivíduos considerados criminosos, contudo, somente no final

do século XIX e início do século XX, os acordos de expulsão foram efetivamente concretizados, assim como assinaturas de tratados, trocas de informações e organizações de polícias integradas para controlar crimes, criminosos e organizações políticas indesejáveis, na Europa, América do Sul e Estados Unidos. A organização das polícias políticas era de interesse do sistema capitalista e das elites, pois visava não apenas o controle do crime comum, mas tudo aquilo que fosse entendido como crime contra o Estado, instituições religiosas e políticas. As fontes pesquisadas mostram que essas polícias criaram um serviço integrado de busca dos indivíduos considerados “suspeitos” em várias partes do mundo ocidental.

Aparato repressivo As polícias italianas e portuguesas se destacaram pelo serviço sofisticado de fotografia criminal internacional e centralização de informação, além de material biográfico referente aos sujeitos considerados por elas criminosos políticos. Trabalhavam investigando ações em todos os países onde existiam italianos e portugueses imigrantes. O Brasil, com o recebimento de grandes levas de imigrantes em diversos perío­ dos, entrou nessa dinâmica de investigação. A cidade de São Paulo, em processo de industria-

Repressão: Histórico

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1924 1930-1945 1945-1964 1964-1975 1975-1979 1979-1985 1983 1985-1991 1996 2006

Criação do DEOPS (Polícia Política) Ditadura: Governo de Getúlio Vargas “Democratização” Ditadura: Golpe Militar de 64 Processo de “distenção” (presidência Gen. Ernesto Geisel) Processo de “abertura democrática” (atuação de advogados, de presos políticos, religiosos progressistas e personalidades) Extinção do DEOPS O retorno “Estado de Direito” - Nova Constituição Guarda do Acervo DEOPS: Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo Consulta restrita à Comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos do regime militar Abertura dos arquivos: criação de Projetos de pesquisas junto ao Inventário DEOPS PROMACK - Projeto de Pesquisa Arquivo do Estado / Mackenzie - equipe

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Frederico Alexandre Hecker

lização, recebeu, não só o mundo dos operários, dos imigrantes, das fábricas, das importações e exportações, das estradas de ferro, mas também o universo das greves, manifestações dos trabalhadores, diversas posturas políticas e, consequentemente, do controle social e a repressão. A presença maciça de imigrantes italianos, portugueses, entre outros, e o trânsito dos mesmos no Cone Sul justificavam, para as elites, a necessidade de acordos internacionais e de instaurar aparato repressivo pelas polícias políticas. Os Chanceleres da Argentina, do Brasil e do Chile, reunidos em Buenos Aires, assinaram em maio de 1915 o “Tratado para Facilitar a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais”, mais conhecido na historiografia como “Tratado do ABC” (iniciais dos Estados signatários), com o objetivo de traçar estratégias geopolíticas e de trocar informações sobre os indivíduos anarquistas, socialistas e comunistas. Acreditavam que as lideranças sindicais circulavam entre o Brasil e os países da América do Sul, Norte e Europa, possibilitando o desequilíbrio dos objetivos políticos da elite. O interesse em sistematizar o controle das polícias e das esferas de influências das nações foi aprimorado no início do século. Em 1909, o Brasil assinou os tratados de extradição e de treinamento policial com a Itália, Portugal, entre outros, objetivando controlar as manifestações dos trabalhadores. As polícias deveriam identificar, controlar, cadastrar os desordeiros e, em seguida, aprender a colher as informações. As ações dessas missões significavam, não só a interação policial e o treinamento de policiais por convênios e comissões, mas também a comercialização de material bélico. Esse aparato repressivo investigou grupos diferentes de anarquistas, os vitoriosos da Revolução de Outubro de 1917, e socialistas. A política dos anarquistas ecoava no mundo ocidental, justificando a criação da Colônia Penal de Clevelândia. Localizada no município de Oiapoque, no Amapá, região Amazônica, recebia indivíduos considerados subversivos. Sua criação em 5 de maio de 1922 (com o nome do presidente dos Estados Unidos, Grover Cleveland) é consequência direta da política nacional e internacional de repressão ao anarquismo e ao comunismo a partir de meados da década de 20.

Documento oficial de um ativista político fichado pela polícia italiana

No Brasil dos anos 30, da Era Vargas, a proposta política de enfrentamento políticoideológica conservadora se estruturou ainda mais e utilizou a violência como instrumento político

No Brasil dos anos 30, da Era Vargas, a proposta política de enfrentamento político-ideológica conservadora se estruturou ainda mais e utilizou a violência como instrumento político. Surgiu de dentro de uma sociedade policiada até os anos 1930 um “Estado Policial”, organizado de acordo com as estratégias internacionais, no qual as trocas de informações, assinaturas de tratado eram pontos-chave. Em 1931, os norte-americanos estreitaram laços com o Brasil no sentido se trabalhar juntos na repressão dos considerados “politicamente indesejáveis”. Os Documentos de polícia do Distrito Federal, então no Rio de Janeiro, comandada pelo chefe de polícia Filinto Muller (ex-comandante da Coluna Miguel Costa-Prestes, expulso por covardia), fornecem dados sobre a ajuda dos norte-americanos e do serviço secreto inglês para prender Arthur e Eliza Ewert ou Harry Berger, Elisa Sabo ou Machla Lenczycki – agentes da Terceira Internacional enviados ao Brasil para organizar a mal fadada tentativa de revolução denominada Intentona Comunista de 1935. Algumas fichas, prontuários e dossiês sobre atividades subversivas no Brasil de 1936 e 1939 mostram a triangulação de informações tanto da América Latina, Estados Unidos como da Europa e citam a colaboração dos serviços policiais no Cone Sul, em 1937, quando o capitão Affonso Henrique Correa de Miranda se dirigiu a Buenos Aires, em

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Imigração | Pesquisa

Rosana Schwartz

A luta anticomunista era um elo entre os fascistas italianos, conservadores portugueses e a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vagas (1937-45)

Cartilha fascista existente nas escolas italianas, datadas de 31/12/1923. A propaganda política estende-se a todos os setores

missão especial, com o intuito de assinar um acordo com a Argentina de prevenção a atos de terrorismo internacional para ações conjuntas com a Polícia Política italiana. Essas polícias catalogavam significativas relações de nomes de imigrantes e parentes italianos no Brasil, principalmente da cidade de São Paulo, com o objetivo de procurar ligações entre os comunistas brasileiros e italianos e antifascistas nos dois países. Roma ficava com uma cópia de cada correspondência enviada do Brasil à Itália.

Rede de informações Com o estreitamento das relações policiais Brasil-Itália, a polícia brasileira intensificou o fornecimento de informações para a repressão, e o governo italiano, a pedido do governador de São Paulo, obtinha informações sobre a organização da Milícia Voluntária Fascista. Essa vasta documentação possibilita o cruzamento de dados consistentes sobre a integração e acordos entre as polícias políticas Latino Americanas, Europeia e Norte-ame-

ricana, pela equipe do projeto PROMACK. Desvelam ações da Embaixada Italiana com relação à vigilância policial e às remessas de relatórios a Roma. Entre esses documentos, encontra-se o da reunião da Seção do Partido Republicano Italiano, realizado no dia dezenove de 1928, na casa do imigrante Maurelli, na Rua Boa Vista, capital paulista, com a presença do Prof. Antônio Picarollo, escrito provavelmente por informante, na qual são mencionados os trabalhos antifascista de Silvio Lodi, Cesare Bernacchia, Luigi Ottobrini, Angelo Cianciosi, Francisco Barone, Arturo Centini, Conte Frola, Frisciotti, Finocchiaro e Michele Gatti. Outros documentos relatam a organização no Brasil do serviço de propaganda anticomunista e envio pelo governo italiano para o gabinete do chefe de polícia, Filinto Muller, de material de propaganda com o intuito de servir de inspiração para a criação de discursos contra os comunistas. Esse material faz parte do Archivio Centrale dello Stato, em Roma. Ainda sobre os relatos da vigilância policial, constam as atividades propagandistas dos socialistas italianos mostrando que contavam com quatro grupos atuantes na capital paulista: central (o Centro Socialista) e três de bairro (Água Branca, Lapa e Brás), além de diversos militantes nos bairros do Bom Retiro e Barra Funda. E entre a documentação do DEOPS paulista e a do Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, destacam-se os referentes às ações, em 1931, do Sindicato dos Manipuladores de Pão, afiliado à Federação Operária de São Paulo (FOSP) e dos militantes anarquistas Francisco Cianci, Herminio Marcos e Natalino Rodrigues (um dos principais dirigentes e organizadores de greves). Com a eclosão de uma greve da categoria, em 1932, vários padeiros foram presos, fichados e muitos relatórios encaminhados para Portugal. Nesses documentos, encontram-se acusações da categoria ao Departamento Estadual do Trabalho de forçar os empregados a se identificarem, por meio de fotografias e fichas, com o fim de pôr em prática encargos e cadastrar os trabalhadores mais engajados. As reuniões e as lideranças do Sindicato dos Manipuladores de Pão, Confeiteiros (com sede no prédio da Rua Quintino Bocaiúva, n. 80) encontravam-se sob perma-

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nente vigilância policial, o que levou a diversas prisões de vários líderes e significativa documentação sobre suas ações. A luta anticomunista era um elo entre os fascistas italianos, conservadores portugueses e a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vagas (1937-45). Felinto Müller recebeu a Croce Corona d’Itália (medalha de cavaleiro), em outubro de 1941, juntamente com Gustavo Capanema, ministro da Educação, Francisco Campos, ministro da Justiça, Frederico Barros Barreto, presidente do Tribunal de Segurança Nacional, Ernanni Reis, diretor geral do Ministério da Justiça, integrando e selando parceria com espírito internacional de repressão. As análises dos dossiês e processos de expulsão mostram diversas sociedades italianas de socorro mútuo, que se comunicavam com a Itália, também investigadas: Lega Lombarda, a Unione Operaia di Barra Funda, a União Fraterna da Lapa e Água Branca e a Società di Mutuo Soccorso del Cambucy. Elas atuavam como apoio e proteção de grupos políticos socialistas e comunistas, especialmente no período da formação da Aliança Nacional Libertadora (organização liderada pelo Partido Comunista do Brasil, criada com o objetivo de lutar contra a influência fascista no Brasil), na década de 1930. Os prontuários do DEOPS possibilitam observar essa comunicação, os embates entre trabalhadores e proprietários, resistências e tensões na cidade de São Paulo, conflitos intra-étnicos, alguns que culminaram em greves e enfrentamentos, com a presença da polícia e a identificação e prisão dos mais atuantes. O PROMACK, composto por pesquisadores das áreas do conhecimento da história (Frederico Alexandre Hecker, Maria Izilda Santos Matos e Rosana Schwartz), ciência política (Ines Manuel Minardi), economia (Esmeralda Rizzo) e artes plásticas (Marcos Nepomuceno), além de discentes de graduação com projetos de iniciação científica e de pós-graduação – doutorado e mestrado, em seus três anos de duração, vem desvelando, analisando e entrelaçando essa documentação sob diferentes olhares e metodologias, objetivando desvelar detalhes sobre a imigração italiana e portuguesa no Brasil ainda pouco estudada, analisada e problematizada.

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A ROSANA B. SCHWARTZ é Doutora em História pela PUC/SP, Mestre em Educação, Artes e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM (2001). Profa. Pesquisadora da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM desde 1999, membro da Comissão de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Coordenadora de Estágios do Centro de Comunicação e Letras da UPM.

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DIVULGAÇÃO

GENTE e Sociedade

I

naugurado em 1908, o prédio acima, que em 1923 viria a se transformar na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP), manteve ao longo do século XX suas características arquitetônicas originais, sendo tombado pelo poder público em virtude de seu valor histórico e artístico. O terreno do Largo São Francisco, em São Paulo, foi doado em 1905 à escola pelo conde Antônio Álvares Penteado. Uma das mais antigas instituições de ensino do país, hoje a FECAP é referência em cursos de gestão de empresas e de ensino superior no Brasil.

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