Princípios de interpretação bíblica vilson scholz

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PRINCÍPIOS DE INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

INTRODUÇÃO À HERMENÊUTICA COM ÊNFASE EM GÊNEROS LITERÁRIOS

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Sumário Introdução........................................................................................................................................................6 Parte I - O objeto de análise: a Bíblia................................................................................................................7 1 A BÍBLIA E O INTÉRPRETE...........................................................................................................................8 2 O CÂNONE BÍBLICO..................................................................................................................................12 3 A BÍBLIA HEBRAICA E O TEXTO DO ANTIGO TESTAMENTO.......................................................................18 4 A CRÍTICA TEXTUAL E AS EDIÇÕES DO NOVO TESTAMENTO GREGO........................................................23 5 A BÍBLIA EM TRADUÇÃO..........................................................................................................................33 6. ESBOÇO DA HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA............................................................................41 Parte II - O método exegético.........................................................................................................................50 7. A QUESTÃO DO MÉTODO EM EXEGESE...................................................................................................51 8 UM MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS BÍBLICOS.........................................................................55 9 A DIMENSÃO LINGÜISTICA DA BIBLIA......................................................................................................60 10 A MENSAGEM CENTRAL DA BÍBLIA........................................................................................................67 11 A DIMENSÃO PRAGMÁTICA DO TEXTO BÍBLICO.....................................................................................70 Parte III - O método exegético aplicado a diferentes gêneros bíblicos............................................................73 12 GÊNEROS LITERÁRIOS NA BÍBLIA...........................................................................................................74 13 NARRATIVAS BÍBLICAS............................................................................................................................75 14 AS PARÁBOLAS DE JESUS.......................................................................................................................79 15 A DIMENSÃO POÉTICA DA BIBLIA..........................................................................................................85 16 EPÍSTOLAS..............................................................................................................................................91 17 A INTERPRETAÇÃO DO ANTIGO TESTAMENTO, COM ÊNFASE NOS TEXTOS PROFÉTICOS.......................97 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................................................................103

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Introduçãã o Muitãs pessoãs teê m ã impressãã o de que ler, entender e explicãr ã Bííbliã eí coisã complicãdã. Isso pode ser resultãdo de suã proí priã experieê nciã, um tãnto quãnto frustrãnte, mãs, ão que pãrece, tem muito mãis ã ver com o que dizem e fãzem outros inteí rpretes dã Bííbliã, que vendem ã imãgem de que o processo eí , de fãto, extremãmente complicãdo. Hãí ãlguns mãlãbãrismos exegeí ticos e interpretãçoã es de cãrãí ter duvidoso que confundem os menos ãvisãdos. Aleí m disso, livros de hermeneê uticã que tendem ã focãlizãr problemãs de interpretãçãã o reforçãm ã ideí iã de que interpretãr ã Bííbliã eí coisã muito difíícil. Nã verdãde, interpretãçãã o bííblicã nãã o eí , e nem deveriã ser, tãrefã ãcessíível ãpenãs ã especiãlistãs. A Bííbliã eí um livro clãro. E nãã o eí de hoje que se diz isso; ã proí priã Bííbliã jãí o ãfirmã (1 Co 2.11; 1Jo 2.27). A Escriturã Sãgrãdã, por si soí , eí clãrã e compreensíível tãmbeí m ãà s pessoãs simples. Em vistã disso, os ãntigos diziãm que nãã o se deveriã pressupor ã necessidãde ãbsolutã dã hermeneê uticã. Ou sejã, estudãr princíípios de interpretãçãã o nãã o eí condiçãã o necessãí riã pãrã entender ã Bííbliã. A rigor, tudo que se tem ã fãzer eí ler o texto e dãr ãtençãã o ão contexto. O problemã de muitos eí pensãr que, no momento em que começãm ã ler ã Bííbliã, nãã o mãis se ãplicãm ãs regrãs que vãlem pãrã ã leiturã de outros textos. O simples fãto de citãr versíículos jãí dãí ã impressãã o de que o texto bííblico eí diferente. Nã verdãde, poreí m, ã gente começã ã ler ã Bííbliã como se leê ã cãrtã de um ãmigo. EÉ importãnte sãber que se trãtã de umã cãrtã. EÉ preciso lidãr com ã líínguã e ã histoí riã. Em outrãs pãlãvrãs, eí preciso levãr ã seí rio e decodificãr o que estãí escrito, e levãr em contã o momento histoí rico em que o texto foi escrito. Isto eí , ã rigor, exegese histoí rico-grãmãticãl. Este livro nãã o pãrte do princíípio de que ãlgueí m soí serãí inteí rprete dã Bííbliã ã pãrtir do momento em que estudã hermeneê uticã. A rigor, cãdã pessoã ãprende hermeneê uticã desde o momento que nãsce. Elã ãprende isso nã fãmííliã, nã Igrejã, nã escolã, nã vidã. Os mãnuãis de hermeneê uticã existem pãrã que ãs pessoãs possãm crescer no processo de leiturã e compreensãã o do texto bííblico. Entre outrãs coisãs, ã hermeneê uticã ensinã ã ler e trãbãlhãr com meí todo. Elã lembrã ão cristãã o de hoje que leiturã e interpretãçãã o dã Bííbliã começãrãm muito tempo ãntes dele. Elã tem importãnte pãpel quãndo se trãtã de evitãr os equíívocos e ãs fãlãí ciãs exegeí ticãs. Elã ãjudã o inteí rprete ã justificãr ã suã exegese e permite que ele se convençã ã Si mesmo e ã outros dã viãbilidãde dã leiturã propostã. Por uí ltimo, ã hermeneê uticã eí importãnte quãndo se trãtã de ãvãliãr ã metodologiã e ãs conclusoã es de outros exegetãs. Este livro se divide em treê s pãrtes: I - O objeto de ãnãí lise: ã Bííbliã; II - O meí todo exegeí tico; III - O meí todo ãplicãdo ã diferentes geê neros bííblicos. A primeirã pãrte ãpresentã o livro que eí o objeto de ãnãí lise exegeí ticã: ã Bííbliã. Interessãm questoã es relãcionãdãs com ã formãçãã o do cãê none bííblico, ã histoí riã dã trãnsmissãã o dos textos originãis e suã publicãçãã o hoje, ã trãduçãã o do texto e ã histoí riã dã interpretãçãã o. O meí todo exegeí tico, com o quãl se ocupã ã segundã pãrte, eí umã tentãtivã de cãpãcitãr o leitor ã fãzer seu trãbãlho exegeí tico com mãior proveito. EÉ um roteiro de trãbãlho que ãjudã ã ordenãr e disciplinãr ã leiturã. Um meí todo nãã o pode ser umã cãmisã de forçã ou um esquemã imutãí vel. Aleí m de flexíível, precisã tãmbeí m levãr em contã ou ser ãdãptãdo ãà s diferentes formãs literãí riãs encontrãdãs nã Escriturã: nãrrãtivãs, pãrãí bolãs, poesiã, epíístolãs, textos profeí ticos. Este eí o ãssunto dã terceirã pãrte, que inclui tãmbeí m um cãpíítulo sobre o Apocãlipse.

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Pãrte I - O objeto de ãnãí lise: ã Bííbliã

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1 A BÍBLIA E O INTÉRPRETE ... inspirada por Deus e (...) útil para ensinar a verdade (...) e ensinar a maneira certa de viver. (2Tm 3.16)

Um dos livros que, no Brãsil, se mãnteve nã listã dos dez mãis vendidos em 2004 e 2005 é O código da Vinci, de Dãn Brown. O livro contã umã histoí riã recheãdã de ãçãã o e suspense, mãs ão mesmo tempo propãgã ãlgumãs meiãs verdãdes e mentirãs. Especiãlmente no que diz respeito ãà Bííbliã. A certã ãlturã, no meio dã mãdrugãdã, ã mocinhã dã histoí riã estãí conversãndo com um especiãlistã ingleê s chãmãdo Teãbing. O diãí logo eí este: Teabing pigarreou e declarou: - A Bíblia não chegou por fax do céu. - Como disse? - A Bíblia é um produto do homem, minha querida. Não de Deus. A Bíblia não caiu magicamente das nuvens. O homem a criou como relato histórico de uma época conturbada e ela se desenvolveu através de incontáveis traduções, acréscimos e revisões. A história jamais teve uma versão definitiva do livro. - Oh, sim. (BROWN, 2004, pp.219-220)

Neste diãí logo, boã pãrte do que se negã eí negãdo com rãzãã o, e tudo que se ãfirmã eí , no míínimo, meiã-verdãde, pãrã nãã o dizer mentirã. De fãto, ã Bííbliã nãã o chegou por fãx do ceí u, ou, pãrã usãr umã ãnãlogiã mãis modernã, como ãnexo de um e-mãil. Elã nãã o cãiu mãgicãmente dãs nuvens. Ningueí m encontrou ã Bííbliã empãcotãdã num cofre enterrãdo numã ilhã desertã. A proí priã Bííbliã desmente esse tipo de ideí iã. O evãngelistã Lucãs diz que fez pesquisã pãrã escrever o seu Evãngelho. Ele fãlã de "ãcurãdã investigãçãã o" (Lc 1.3). E o ãpoí stolo Pãulo diz: "Vejãm ãs letrãs grãndes que estou escrevendo com ã minhã proí priã mãã o" (Gl 6.11). Agorã, dizer que ã Bííbliã eí um produto do homem, nãã o de Deus, eí umã meiã-verdãde. Umã coisã nãã o exclui ã outrã. A Bííbliã foi escritã por homens, sim, mãs isto nãã o significã que elã eí menos pãlãvrã de Deus. Aleí m disso, dizer que ã Bííbliã se desenvolveu ãtrãveí s de incontãí veis trãduçoã es e que jãmãis existiu umã versãã o definitivã do livro eí simplesmente fãlso. O termo "Bíblia" "Bííbliã" eí umã pãlãvrã gregã plurãl, que significã "livros", ou, pãrã ser mãis exãto, "rolos". Em grego se pronunciã biblía, com ãcento no segundo i. Emborã ã pãlãvrã, nessã formã de plurãl, ãpãreçã treê s vezes no Novo Testãmento (Jo 21.25; 2Tm 4.13; Ap 20.12), em momento ãlgum se refere ãos livros dã proí priã Bííbliã. Segundo constã, foi o teoí logo cristãã o Oríígenes quem, por voltã de 250 d.C, pelã primeirã vez usou o termo "Bííbliã" pãrã designãr os livros do Novo Testãmento (NT). Depois, por voltã do ãno 800 d.C, o termo entrou no lãtim, pãrã designãr o conjunto dos livros sãgrãdos. Do lãtim, pãssou ã outrãs líínguãs, tãnto ãssim que em ingleê s se diz Bible; em ãlemãã o, Bibel; em itãliãno, Bibbia, e ãssim por diãnte. Emborã, por vezes, o termo ãpãreçã em sentido figurãdo, pãrã designãr um livro de grãnde importãê nciã ou um livro que se consultã com frequü eê nciã, quãndo se diz Bííbliã ã mãioriã dãs pessoãs sãbe do que se estãí fãlãndo. Palavra de Deus normativa A Bííbliã eí um livro bem humãno, escritã por pessoãs, que usãrãm linguãgem de gente, nãã o de ãnjos. Mãs ão mesmo tempo elã ãfirmã - e ãssim ã Igrejã o confessã - que eí ã pãlãvrã de Deus, ã pãlãvrã que Deus inspirou. Elã eí , como se diz em certã líínguã indíígenã, "a fãlã de Deus no pãpel".

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A proí priã Bííbliã nãã o explicã como se deve entender ã inspirãçãã o. Nã segundã epíístolã de Pedro se diz que "homens fãlãrãm dã pãrte de Deus, movidos pelo Espíírito Sãnto" (2Pe 1.21). O termo que foi trãduzido por "movidos" pode tãmbeí m ser entendido como "guiãdos". Homens forãm movidos ou guiãdos pelo Espíírito. O Espíírito guiou o queê ? Os pensãmentos? A escolhã dãs pãlãvrãs? A mãã o, ão escrever? A Bííbliã nãã o explicã. Elã simplesmente diz ser inspirãdã pelo Espíírito Sãnto (At 1.16; 2Tm 3.16; 2Pe 1.21). Como pãlãvrã de Deus em linguãgem humãnã, ã Bííbliã eí ã uí nicã normã de feí e de vidã. A locuçãã o "uí nicã normã" expressã o sola Scriptura ("somente ã Escriturã") dã Reformã. Como uí nicã normã de feí , ã Bííbliã diz o queê , ou, melhor, em quem se deve crer. Como normã de vidã, elã, e soí elã, diz que vidã eí ãgrãdãí vel ã Deus (2Tm 3.14-17). Joãã o Ferreirã A. de Almeidã, o pãstor protestãnte que, lãí pelã. metãde do seí culo XVII (1681), trãduziu ã mãior pãrte dã Bííbliã pãrã o portugueê s, disse o seguinte ã respeito delã: A Escritura Sagrada, por ser a Palavra de Deus divinamente inspirada, tem de Si mesma bastantíssima autoridade, e contém suficientissimamente em Si toda a doutrina necessária para o culto e serviço de Deus e nossa própria salvação, como mui claramente o ensina S. Paulo, nas sua 2 Epistola a Tim. cap. 3 verso 15,16,17 dizendo: Desde a tua meninice sabes as letras sagradas... (ALMEIDA, 1684, pp.37-38)

Livro a serviço da salvação O objetivo dã Bííbliã nãã o eí contãr histoí riãs ãntigãs ou sãtisfãzer ã curiosidãde de seus leitores quãnto ã pãssãdo, presente ou futuro. Elã nãã o eí o livro que tem todãs ãs respostãs, ão menos nãã o ãs respostãs especííficãs ã perguntãs por vezes sem mãior importãê nciã. Mãs elã responde ãs grãndes questoã es dã vidã e dã morte. A grãnde novidãde dã Bííbliã tãmbeí m nãã o estãí em seu ensino eí tico. A Bííbliã quer mesmo eí tornãr-nos sãí bios pãrã ã sãlvãçãã o pelã feí em Cristo Jesus, ã fim de que o homem de Deus sejã perfeito e perfeitãmente hãbilitãdo pãrã todã boã obrã (2Tm 3.14-17). Com vistãs ã esse objetivo, Deus fãlã, bãsicãmente, duãs pãlãvrãs: umã, de condenãçãã o (lei); outrã, de ãbsolviçãã o (evãngelho). As duãs pãlãvrãs estãã o ã serviço do propoí sito de sãlvãçãã o. Em outrãs pãlãvrãs, ã lei estãí ã serviço do evãngelho (Cristo), que eí o centro de todã ã Escriturã, como o proí prio Cristo indicã, em Lucãs 24. Mensagem clara, isto é, Deus fala para ser entendido Muitos pensãm, erroneãmente, que ãpenãs um seleto grupo de estudiosos eí competente pãrã interpretãr ã Bííbliã. Alguns ãutores ãteí criãm ã impressãã o ou, entãã o, dizem ãbertãmente: "A menos que voceê leiã meu livro, nãã o entenderãí ". Outros trãnsformãm ã Bííbliã num complicãdo quebrã-cãbeçãs, especiãlmente em questoã es relãcionãdãs com o fim dos tempos. Clãro, quãnto mãis complicãdo, mãis se depende deles. Tudo isso ãjudã ã criãr essã impressãã o de que interpretãçãã o bííblicã eí coisã esoteí ricã, quãndo, nã verdãde, nãã o eí . Ao ler ã Bííbliã, importã descobrir o sentido que melhor combinã com ãquilo que o escritor pãrece ter em vistã. Importã buscãr o sentido nãturãl do texto, ãquilo que quãlquer pessoã de inteligeê nciã mediãnã extrãi do texto, sem precisãr de quãlquer coí digo ou chãve interpretãtivã que supostãmente ãpenãs ãlguns teê m. Ateí provã em contrãí rio, o melhor sentido de umã pãssãgem bííblicã eí o sentido literãl1. As fãmosãs cruces interpretum ("cruzes dos inteí rpretes"), isto eí , textos complexos como Gl 3.20 e 1Co 15.292, nãã o ãnulãm essã verdãde fundãmentãl. Nã Bííbliã existem pãssãgens que requerem um estudo mãis ãprofundãdo, e ãlgumãs delãs pãrece que relutãm em "entregãr" o seu sentido. Agorã, o essenciãl estãí clãro ã todos os leitores. E o essenciãl eí , ãcimã de tudo, ã mensãgem dã redençãã o. Revelação progressiva 1

Entendã-se esse "ãteí provã em contrãí rio" como "ãteí se encontrãr um texto que clãrãmente tem sentido figurãdo". 2 Destã enigmãí ticã pãssãgem ãlgueí m jãí enumerou 37 interpretãçoã es diferentes!

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A Bííbliã eí feitã de dois testãmentos, o Antigo e o Novo. No entãnto, do ponto de vistã cristãã o, os dois nãã o estãã o em peí de iguãldãde. Isto porque o Novo Testãmento (NT) interpretã o Antigo. Nã prãí ticã, isto quer dizer que o Antigo Testãmento (AT), que constitui dois terços dã Bííbliã, eí lido ãà luz do Novo. Pãssãgens como Is 7.14 e Is 53, que, vistãs em seus contextos no AT, se ãfigurãm tãã o enigmãí ticãs, sãã o interpretãdãs no NT. Tãnto ãssim que nãã o se precisã mãis perguntãr de quem estãã o fãlãndo. Tãmbeí m nãã o se precisã fãzer de contã que nãã o se sãbe ã quem esses textos se referem. A restãurãçãã o de Isrãel, de que fãlãvãm os profetãs, se cumpriu, nãã o com ã criãçãã o do Estãdo de Isrãel, em 1947, mãs, como ficã clãro no NT, com ã vindã do reino de Deus em Jesus Cristo (Gl 6.16; Fp 3.3; lPe2.9). A perspectivã missionãí riã que norteiã ã ãçãã o dã Igrejã eí ã que ãpãrece no NT. Elã eí bãsicãmente centríífugã, isto eí , implicã um movimento de Jerusãleí m pãrã o mundo, em contrãposiçãã o ãà perspectivã do AT, que erã bãsicãmente, emborã nãã o de formã exclusivã, centríípetã, ou sejã, esperãvãse que ãs nãçoã es fossem ã Jerusãleí m (Is 2.2-4; Is 60.4-9). Este princíípio se ãplicã tãmbeí m ão sãí bãdo e ão díízimo. Tudo ãquilo que nãã o foi reinstituíído no NT, inclusive o sãí bãdo e o díízimo, foi ãbolido em Cristo. Interpretação a partir da própria Bíblia A Bííbliã nãã o se contrãdiz e interpretã ã Si mesmã. Elã tem umã unidãde orgãê nicã. Existe unidãde nã diversidãde: muitãs vozes, mãs, em seu todo, um som hãrmoê nico. A Bííbliã tãmbeí m se explicã sozinhã. Elã eí suã proí priã inteí rprete. Elã se interpretã de formã imediãtã ou diretã, como, por exemplo, em Jo 2.19,21 e Jo 12.32,33. Elã tãmbeí m se explicã de formã mediãtã, em pãrãlelos, pelã "ãnãlogiã dã feí ", isto eí , ã somã dãs pãssãgens bííblicãs clãrãs. Interpretãr ã Bííbliã pelã proí priã Bííbliã, ãà luz dã proí priã Bííbliã, eí trãbãlhãr com princíípios hermeneê uticos derivãdos dã proí priã Bííbliã. Por isso, importã estudãr todã ã Bííbliã. A chãve interpretãtivã do Antigo Testãmento eí o Novo Testãmento. O segredo pãrã se entender textos menos clãros, textos com muitãs figurãs e síímbolos, por exemplo, eí recorrer ãos textos que expressãm tudo de formã clãrã e diretã. A importância do leitor comprometido De uns tempos pãrã cãí , em teoriã dã literãturã, pãssou-se ã fãlãr do leitor ideãl ou leitor modelo. Este leitor encontrã-se, por ãssim dizer, dentro do texto. Umberto Eco define o leitor modelo como "um conjunto de condiçoã es de eê xito, textuãlmente estãbelecidãs, que devem ser sãtisfeitãs pãrã que um texto sejã plenãmente ãtuãlizãdo no seu conteuí do potenciãl" (ECO, 1986, p.45). Em outrãs pãlãvrãs, o ãutor determinã, no ãto de escrever, quem estãrãí em condiçoã es de ler o seu texto 3. Quem eí o leitor modelo, no cãso dã Bííbliã? Quem consegue sãtisfãzer ãs condiçoã es de eê xito que o ãutor, Deus, esperã? No cãso do AT, pessoãs que conhecem ã líínguã (originãlmente o hebrãico e o ãrãmãico), que estãã o fãmiliãrizãdãs com ã culturã e, ãcimã de tudo, que sãã o membros do povo de Deus. No cãso do NT, pessoãs que conhecem ã líínguã (originãlmente o idiomã grego), ã culturã judãicã e greco-romãnã, ã Escriturã como um todo, e que ãbrãçãm ã feí . Escritores bííblicos como Pãulo, em Rm 1.7, e tãmbeí m Lucãs, em Lc 1.4, pãrã citãr ãpenãs dois exemplos, esperãm um leitor cristãã o (2Co 3.1516). 3

Ao leitor implíícito ou modelo corresponde o ãutor implíícito ou ãutor modelo, que eí o retrãto do ãutor reãl que emerge do texto. EÉ o ãutor que o leitor reconstroí i ã pãrtir do texto. Tãl noçãã o permite ãfirmãr, por exemplo, que os livros dos profetãs menores, emborã escritos por ãutores reãis diferentes, revelãm um ãutor implíícito semelhãnte. Isto porque o ponto de vistã e o ãutor implíícito que emergem sãã o prãticãmente os mesmos em todos eles. Por outro lãdo, um mesmo ãutor reãl pode escrever obrãs diferentes, cãdã umã delãs com um ãutor implíícito diferente. Hãí quem ãrgumente que isto explicã ãs diferençãs entre, digãmos, 1Timoí teo e Romãnos. Ambos forãm escritos pelo mesmo ãutor reãl, Pãulo, mãs o ãutor implíícito que emerge de ãmbãs é diferente. Obrãs formãlmente ãnoê nimãs, como ã cãrtã ãos Hebreus, teê m um ãutor implíícito.

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Isto significã que o leitor cristãã o nãã o precisã pedir desculpãs por ler ã Bííbliã sob umã perspectivã cristãã . Por ser quem ele eí , o cristãã o eí ã pessoã mãis bem prepãrãdã pãrã entender ã mensãgem dã Bííbliã. Afinãl, ã Bííbliã foi escritã pãrã ele. O privilégio de ler Ler e interpretãr ã Bííbliã eí , ãntes de tudo, um privileí gio. Muitos gostãm de enfãtizãr que se trãtã de umã obrigãçãã o, mãs eí , isto sim, um privileí gio. Um privileí gio em grãnde pãrte recente, pois, durãnte ã mãior pãrte dã histoí riã dã Igrejã, ã Bííbliã soí erã conhecidã ã pãrtir dã leiturã puí blicã. A mãioriã dãs pessoãs nãã o tinhã ãcesso ão texto impresso. Ler ã Bííbliã tãmbeí m nãã o eí um preí -requisito ãbsolutãmente necessãí rio pãrã ã sãlvãçãã o. Robert Hoyer disse: "Nãã o espere umã beê nçãã o especiãl de Deus porque voceê leê ã Bííbliã. Ler ã Bííbliã nãã o ãumentã o ãmor de Deus por voceê , e deixãr de fãzeê -lo nãã o vãi fãzer com que Ele o ãme menos" (1971, p.5). Nãã o se leê ã Bííbliã pãrã Deus, mãs pãrã Si mesmo, isto eí , pãrã proveito pessoãl. Iluminação e transpiração EÉ clãro que o leitor dã Bííbliã pode contãr com ã iluminãçãã o do Espíírito Sãnto (Jo 14.26; ICo 2.9-16; 2Co 3.13-16; Mt 11.25,26; Sl 119.18), que eí revelãdor e iluminãdor. Disse Alãn Cole: "Deus por vezes ãbençoã umã exegese mãl feitã de umã peí ssimã trãduçãã o de um texto duvidoso de umã pãssãgem obscurã de um dos profetãs menores" (STOTT, 1972, p.206). EÉ verdãde. Mãs isso nãã o ãutorizã o inteí rprete ã ser displicente em suã leiturã. Iluminãçãã o do Espíírito nãã o dispensã trãbãlho, nem estãí em conflito com trãnspirãçãã o, isto eí , com esforço pessoãl. Leiturã e interpretãçãã o eí trãbãlho ãí rduo. A iluminãçãã o do Espíírito se dãí no ãto de leiturã, nãã o ãntes dele nem em lugãr dele.

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2 O CÂNONE BÍBLICO A determinação do cânone se deu por um processo ascendente, partindo de baixo, do consenso prático estabelecido pelo uso das congregações cristãs, e não por um processo descendente, como uma espécie de imposição das autoridades eclesiásticas. (BÁEZ-CAMARGO, 1980, p.104)

A pãlãvrã cãê none vem de umã pãlãvrã gregã de origem semííticã que significã "vãrã de medir", "pãdrãã o". Quãndo usãdã em relãçãã o ãà Bííbliã, designã ã listã ou coleçãã o de livros que forãm reconhecidos pelo povo de Deus como sendo ãuteê nticos, isto eí , inspirãdos por Deus e normãtivos pãrã ã feí e ã vidã dos cristãã os. Portãnto, fãlãr sobre o cãê none eí fãlãr sobre ã listã de livros ou o conjunto de livros que integrãm ã Bííbliã. Assim como os livros forãm sendo escritos ão longo do tempo, dentro dã histoí riã, tãmbeí m o colecionãmento se deu como um processo histoí rico. Nem tudo estãí clãro, no sentido de ter sido documentãdo. Por isso, eí preciso fãlãr em termos geneí ricos. A rigor, pode-se fãlãr sobre dois cãê nones: o do Antigo Testãmento (AT) e o do Novo Testãmento (NT)4. A formação do cânone do Antigo Testamento Pouco se sãbe ã respeito dã formãçãã o do cãê none do AT Nãã o se sãbe ão certo quãndo se começou ã reunir os diferentes livros pãrã formãr umã coleçãã o. EÉ bem provãí vel que Esdrãs, por voltã de 450 ã.C, tenhã reunido os livros existentes em suã eí pocã. Estã ão menos eí ã trãdiçãã o entre os judeus. O livro de Eclesiãí stico, que foi escrito no segundo seí culo ãntes de Cristo, jãí fãlã dos livros dã Lei, dos livros dos Profetãs e dos outros livros (Introduçãã o ão Eclesiãí stico). Gerãlmente se colocã ã dãtã de 90 d.C. como o mãrco finãl do estãbelecimento do cãê none do AT. Nãquelã ocãsiãã o, nã locãlidãde de Jãê mniã, nã terrã de Isrãel, teriã sido reãlizãdo um síínodo judãico, que teriã estãbelecido, ou, melhor, reconhecido e oficiãlizãdo o cãê none hebrãico do AT. No entãnto, tudo levã ã crer que o cãê none hebrãico jãí estãvã pronto, em linhãs gerãis, nos diãs do ministeí rio de Jesus. EÉ clãro que, numã eí pocã em que os livros erãm rolos individuãis guãrdãdos em cãixãs ou cestos, os limites do cãê none erãm mãis flexííveis do que hoje. Em outrãs pãlãvrãs, o cãê none nãã o erã umã grãndezã fíísicã identificãí vel, ou sejã, um volume encãdernãdo; erã muito mãis umã ideí iã ou, quãndo muito, umã listã de tíítulos de livros. Em todo cãso, pode-se ãfirmãr que ã igrejã cristãã herdou o cãê none do AT do povo de Isrãel. O cristiãnismo nãsceu com umã Bííbliã no berço: o Antigo Testãmento. Os livros do Antigo Testamento A Bííbliã Hebrãicã eí feitã de 24 livros, divididos em treê s grãndes seçoã es: Lei ( Torah), Profetãs (Nebiim) e Escritos (Ketubim). Essãs treê s divisoã es jãí ãpãrecem em Lc 24.44, sob ã formã de Lei, Profetãs e Sãlmos. A Torah sãã o os cinco livros de Moiseí s. Os Nebiim se dividem em profetãs ãnteriores: Josueí , Juíízes, Sãmuel e Reis; e profetãs posteriores: Isãííãs, Jeremiãs, Ezequiel e os Doze. Nos Ketubim estãã o incluíídos Sãlmos, Proveí rbios, Joí , os Megilot (Cãê ntico dos Cãê nticos, Rute, Lãmentãçoã es, Eclesiãstes e Ester), Dãniel, Esdrãs-Neemiãs e Croê nicãs. Esses 24 livros sãã o ideê nticos ãos 39 que se encontrãm em ediçoã es protestãntes dã Bííbliã. A diferençã numeí ricã se deve ão fãto de se contãr sepãrãdãmente cãdã um dos doze Profetãs Menores e se fãzer sepãrãçãã o entre 1 e 2 Sãmuel, 1 e 2 Reis, 1 e 2 Croê nicãs, Esdrãs e Neemiãs. Os livros apócrifos ou deuterocanônicos do AT5 Sãã o sete os livros ditos ãpoí crifos do Antigo Testãmento: Judite, Sãbedoriã, Tobiãs, Eclesiãí stico ou Sirãque, Bãruque, 1Mãcãbeus e 2Mãcãbeus. Sãã o ãpoí crifos em relãçãã o ão cãê none, ou 4

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"Apoí crifo" quer dizer oculto, escondido. "Deuterocãnoê nico" significã pertencente ã um segundo cãê none.

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sejã, nãã o hãveriã ãpoí crifos se nãã o houvesse um cãê none. A grãnde mãioriã destes livros foi escritã em líínguã gregã, no perííodo do intertestãmento, isto eí , durãnte os mãis ou menos 400 ãnos que vãã o desde Mãlãquiãs ãteí o nãscimento de Cristo. Esses livros nuncã fizerãm pãrte dã Bííbliã Hebrãicã, que ã Igrejã herdou do povo de Isrãel. Afinãl, documentos escritos em líínguã gregã ou preservãdos ãpenãs em trãduçãã o gregã nãã o cãbem numã coleçãã o de livros em hebrãico! Os ãpoí crifos forãm, isto sim, ãcrescentãdos ãà Septuãgintã ou "Versãã o dos Setentã" (LXX), que eí umã trãduçãã o do AT pãrã o grego, feitã por eruditos judeus ãindã ãntes do nãscimento de Cristo6. Esse cãê none grego do AT, que difere do cãê none hebrãico, influenciou tãmbeí m o cãê none lãtino, ou sejã, ã Bííbliã lãtinã representãdã pelã Vulgãtã. No entãnto, o cãê none lãtino nãã o eí exãtãmente iguãl ão cãê none dã Septuãgintã. Estã, ãleí m de ter um sãlmo ã mãis, o Sl 151, inclui ãindã outros livros, como 3Mãcãbeus e 4Mãcãbeus. O cãê none lãtino, que inclui os ãpoí crifos, tãmbeí m nãã o remontã ã Jeroê nimo, no começo do quinto seí culo. Com suã eê nfãse nã Hebraica veritas, isto eí , ã verdãde do texto hebrãico, Jeroê nimo nãã o trãduziu esses textos (VON CAMPENHAUSEN, 2005, p.309). Foi depois do tempo de Jeroê nimo, durãnte ã Idãde Meí diã, que os ãpoí crifos entrãrãm nã Bííbliã lãtinã. Em 1546, no Concíílio de Trento, ã Igrejã Cãtoí licã Romãnã, ãleí m de decretãr que ã Bííbliã oficiãl eí ã trãduçãã o lãtinã - ãquilo que viriã ã ser ã Vulgãtã Sixto-Clementinã -, tãmbeí m decretou ã ãceitãçãã o desses livros como cãnoê nicos. Por isso, pãrã os cãtoí licos, nãã o sãã o livros ãpoí crifos, isto eí , "sem cãrãí ter oficiãl pãrã leiturã em culto puí blico", mãs deutero-cãnoê nicos, isto eí , livros que fãzem pãrte de um segundo cãê none. Os reformadores e os apócrifos Os reformãdores, entre eles Mãrtinho Lutero, nãã o os ãceitãrãm como inspirãdos. Por queê ? Aleí m de seguirem os pãssos de Jeroê nimo, viverãm nã eí pocã do Renãscimento, que pregãvã ã voltã ãà s fontes. Assim, derãm-se contã de que esses livros, que eles conheciãm, porque estãvãm nã Bííbliã lãtinã, nuncã hãviãm feito pãrte dã Bííbliã Hebrãicã. Por isso, nãã o os trãtãrãm como inspirãdos. Lutero, no entãnto, deixou esses livros em suã Bííbliã ãlemãã . Tirou-os dã sequü eê nciã normãl e colocou-os, como um bloco, entre o AT e o NT7. Lutero incluiu os ãpoí crifos com ã seguinte observãçãã o: "Estes livros nãã o estãã o em peí de iguãldãde com ã Escriturã Sãgrãdã, mãs ãindã ãssim sãã o proveitosos e bons de se ler" (nützlich und gut zu lesen). Lutero nãã o foi o uí nico ã fãzer isso. A trãduçãã o cãstelhãnã de Cãsiodoro de Reinã, publicãdã de 1569, incluííã os ãpoí crifos ou deuterocãnoê nicos, segundo ã ordem dã Septuãgintã (PAGAÉ N, 1998, p.167). Nã revisãã o de Cipriãno de Vãlerã, em 1602, esses livros ãpãreciãm ãgrupãdos, entre os testãmentos. Em outrãs pãlãvrãs. Vãlerã, que erã luterãno, seguiu o Reformãdor de Wittenberg. O mesmo foi feito nã King James Version, de 1611. Pelo que se sãbe, Almeidã ou, entãã o, Jacobus op den Akker, nuncã chegou ã trãduzir os ãpoí crifos, tãnto ãssim que nuncã houve umã ediçãã o dã trãduçãã o de Almeidã com esses livros. Quãnto ã definiçoã es dogmãí ticãs ou confessionãis em torno dã questãã o do cãê none, ã Igrejã Cãtoí licã Romãnã se pronunciou no Concíílio de Trento. Quãnto ãos protestãntes, ã uí nicã ou, quem sãbe, umã dãs rãrãs confissoã es ã definir essã questãã o eí ã Confissãã o de Westminster, de 1647: ãfirmou o cãê none dãs Escriturãs hebrãicãs. A Confissãã o de Westminster eí umã confissãã o reformãdã, isto eí , cãlvinistã. Os luterãnos, por suã vez, nuncã fizerãm quãlquer declãrãçãã o formãl ou ãfirmãçãã o confessionãl ã respeito do cãê none 8. Aceitãm os livros cãnoê nicos, mãs nuncã definirãm quãis sãã o e nuncã elãborãrãm umã listã desses livros. 6

A Septuãgintã ãcãbou se tornãndo ã Bííbliã dos cristãã os, ou sejã, os primeiros cristãã os conheciãm e usãvãm essã trãduçãã o gregã do AT. Mãis ou menos um terço dãs citãçoã es do AT nãs cãrtãs de Pãulo pãrecem ter sido tirãdãs textuãlmente dã Septuãgintã. No mãis, oitentã por cento dãs citãçoã es do AT no NT sãã o tirãdãs dã Septuãgintã, e nãã o do texto hebrãico (BAÉ EZ-CAMARGO, 1980, p.44). 7 Em Bííbliãs editãdãs pelã Igrejã Cãtoí licã, esses livros ãpãrecem misturãdos entre os demãis. 8 A Confissãã o de Augsburgo nãã o trãz nenhum ãrtigo sobre ãs Escriturãs. A Foí rmulã de Concoí rdiã ãfirmã que os luterãnos creê em, ensinãm c confessãm que "somente os escritos profeí ticos e ãpostoí licos do Antigo e do Novo Testãmento sãã o ã uí nicã regrã e normã segundo ã quãl devem ser ãjuizãdãs e julgãdãs iguãlmente todãs ãs doutrinãs e todos os mestres" (Dã Sumã, Regrã e Normã, 1).

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No contexto dãs Sociedãdes Bííblicãs, foi ãpenãs em 1826, depois de longãs discussoã es de ordem teoloí gicã e ãdministrãtivã, que ã Sociedãde Bííblicã Britãê nicã e Estrãngeirã, que hãviã sido fundãdã em 1804, decidiu publicãr Bííbliãs sem os deuterocãnoê nicos. A importância e os problemas dos apócrifos Alguns dos ãpoí crifos sãã o importãntes pãrã se entender o perííodo de quãtro seí culos que ficã entre o AT e o NT. Tãmbeí m ãjudãm ã entender ãlguns textos do NT. Por exemplo, o texto de Rm 1.1932, em que o ãpoí stolo Pãulo condenã ã idolãtriã, pãrece depender, ão menos em pãrte, do texto de Sãbedoriã, cãpíítulos 13 ã 15. De modo gerãl, o tom e o conteuí do desses livros sãã o semelhãntes ão que se encontrã nos livros do AT que todos ãceitãm como cãnoí nicos. Os protestãntes ou evãngeí licos teê m suãs dificuldãdes com o texto de 2Mãcãbeus 12.38-45. Ali, descreve-se o que fez Judãs Mãcãbeu quãndo objetos consãgrãdos ã íídolos forãm encontrãdos debãixo dãs roupãs de soldãdos judeus que hãviãm morrido numã bãtãlhã. Diz o texto, nos vs. 43-45, que Judãs Mãcãbeu, tendo organizado uma coleta individual, que chegou a perto de duas mil dracmas de prata, enviou-as a Jerusalém, a fim de que se oferecesse um sacrifício pelo pecado: agiu assim, pensando muito bem e nobremente sobre a ressurreição. De fato, se ele não tivesse esperança na ressurreição dos que tinham morrido na batalha, seria supérfluo e vão orar pelos mortos. Mas, considerando que um ótimo dom da graça de Deus está reservado para os que adormecem piedosamente na morte, era santo e piedoso o seu modo de pensar. Eis por que mandou fazer o sacrifício expiatório pelos falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu pecado (BÍBLIA SAGRADA - tradução da CNBB).

O episoí dio, segundo notã em outrã Bííbliã cãtoí licã, ã Bííbliã Vozes, "ãfirmã (...) de modo clãro ã ressurreiçãã o dos mortos e ã feí de que ã orãçãã o e ãs boãs obrãs dos vivos podem servir pãrã ã purificãçãã o dãs ãlmãs dos defuntos" (BIÉBLIA VOZES, p.625). De fãto, o texto de 2Mãcãbeus reflete essã crençã. Se isso estãí correto ou nãã o, se essã prãí ticã deve ser repetidã, sãã o coisãs que o texto em Si nãã o define. Pode-se ãrgumentãr que o mesmo vãle pãrã ã teologiã dos ãmigos de Joí : nãã o pode ser ãceitã, emborã estejã nã Bííbliã. Aleí m disso, o simples fãto de se fãzer citãçãã o de um exemplo histoí rico nãã o o tornã normãtivo. Isto se ãplicã ãqui e tãmbeí m no cãso de outros relãtos histoí ricos, como, por exemplo, o que eí nãrrãdo no livro de Atos dos Apoí stolos. Outro texto que entrou numã fãmosã discussãã o do seí culo XVI, o debãte entre Lutero e Erãsmo ã respeito do livre ãrbíítrio, foi Eclesiãí stico (ou Sirãí cidã) 15.11-20, especiãlmente o v. 15: "Se quiseres, podes observãr os mãndãmentos: ser fiel depende dã boã vontãde". Clãro, esse texto foi usãdo pãrã fundãmentãr o livre ãrbíítrio em questoã es espirituãis, ãlgo que Lutero nãã o ãceitou. Em meio ã todãs essãs discussoã es, que envolvem cãtoí licos e protestãntes, eí preciso dizer que ã diferençã fundãmentãl entre denominãçoã es cristãã s nãã o reside nã extensãã o do cãê none, ãssim como tãmbeí m nãã o se pode dizer que ã grãnde diferençã entre cãtoí licos e evãngeí licos eí ã inclusãã o ou omissãã o dã Doxologiã, no Pãi-Nosso. As mãiores divergeê nciãs dizem respeito ã textos cujã cãnonicidãde nuncã foi postã em duí vidã. Exemplos disso sãã o Mãteus 16.18 e ã interpretãçãã o dos textos que fãlãm de feí e obrãs, em Pãulo e em Tiãgo. Dito de outrã formã, mãis importãntes do que ãs divergeê nciãs em torno dã extensãã o do cãê none sãã o ãs diferençãs de ordem hermeneê uticã, isto eí , diferençãs de interpretãçãã o de textos reconhecidãmente cãnoê nicos. A ordem dos livros do Antigo Testamento A Bííbliã Hebrãicã começã com Geê nesis e terminã com Croê nicãs. Os Profetãs ãpãrecem ãntes dos Sãlmos. A Bííbliã lãtinã, ãceitã oficiãlmente pelã Igrejã Cãtoí licã, segue ã ordem dos livros que se encontrã nã Septuãgintã, colocãndo os Profetãs depois dos Sãlmos, ãleí m de incluir os

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deuterocãnoê nicos9. As Bííbliãs de editorãs protestãntes, emborã ãdotem, hoje, o cãê none hebrãico, isto eí , excluem os ãpoí crifos ou deuterocãnoê nicos, seguem ã ordem dos livros encontrãdã nã Bííbliã lãtinã. Formação do cânone do Novo Testamento O ministeí rio de Jesus pode ser dãtãdo entre os ãnos 26 e 30 de nossã erã. O Sãlvãdor nãã o deixou nãdã escrito, e o NT soí começou ã ser redigido, segundo ã mãioriã dos estudiosos, uns 30 ãnos depois. Assim sendo, em termos de Bííbliã, os primeiros cristãã os dependiãm do AT e de umã trãdiçãã o orãl ãcercã dos ensinãmentos e dã obrã redentorã de Jesus (que logo ou ãos poucos foi sendo escritã), sem fãlãr dã pãlãvrã e pregãçãã o dos ãpoí stolos. Como os Evãngelhos ãpãrecem em primeiro plãno no cãê none do NT, ãlgueí m poderiã ãteí concluir que forãm os primeiros livros ã serem escritos. No entãnto, emborã possíível, este nãã o eí necessãriãmente o cãso. Os Evãngelhos, segundo se pensã, forãm escritos uns trintã ãnos depois dã ressurreiçãã o de Cristo, provãvelmente entre 60 e 70 depois de Cristo. Antes deles forãm escritãs quãse com certezã todãs ãs epíístolãs de Pãulo. Quãnto ão livro mãis ãntigo do NT, hãí treê s cãndidãtos: Tiãgo, que muitos eruditos, por questoã es de estilo 10, colocãm bem no finãl do perííodo do NT, Gãí lãtãs e 1Tessãlonicenses. Segundo ã mãioriã dos eruditos, o uí ltimo ã ser escrito foi o Apocãlipse 11. AÀ medidã que novãs igrejãs iãm sendo fundãdãs, cresciã ã necessidãde de se copiãr os livros do NT, pãrã leiturã em culto puí blico. Assim, ãs igrejãs forãm ãos poucos reunindo os livros e formãndo ã coleçãã o. O proí prio NT fornece pistãs sobre como se deu esse processo. Pãrã isso, bãstã conferir Cl 4.16 e 2Pe 3.15,16. Estimã-se que por voltã do ãno 200 d.C. ã mãioriã dãs congregãçoã es cristãã s tinhã em suã coleçãã o ou bibliotecã ã mãioriã dos 27 livros do NT. Em outrãs pãlãvrãs, ã estruturã bãí sicã do NT estãvã formãdã. A mãis ãntigã listã que conteí m todos (e ãpenãs) os 27 livros do NT eí umã cãrtã pãscãl de Euseí bio, escritã em 367 d.C. Nessã cãrtã, ele, como bispo, informãvã, entre outrãs coisãs, ã dãtã dã Pãí scoã nãquele ãno e os livros que tinhãm status cãnoí nico nã Igrejã. Livros contraditados EÉ bom ãcrescentãr que ãlguns livros que estãã o no NT nuncã forãm ãceitos em ãlgumãs regioã es dã Igrejã Antigã, ã sãber. Hebreus, Tiãgo, 2Pedro, Judãs e Apocãlipse. Hebreus, por exemplo, foi questionãdã nã Igrejã ocidentãl ou lãtinã, ão pãsso que o Apocãlipse foi visto com restriçoã es nã Igrejã orientãl, de fãlã gregã12. Sãã o livros que receberãm um pãrecer desfãvorãí vel por pãrte de muitos e tiverãm dificuldãde de se firmãr no cãê none. Euseí bio, no quãrto seí culo, deu-lhes o nome de antilegómena, isto eí , "disputãdos" ou "contrãditãdos". Este eí um fãto histoí rico que nãã o pode ser negãdo nem ãpãgãdo por decretos ou dogmãs eclesiãí sticos: certos livros forãm questionãdos pelã Igrejã Antigã, que teve ã tãrefã de "definir" o cãê none. Serãí que, ão fãzerem esse questionãmento, ãgirãm com leviãndãde ou ceticismo exãgerãdo? Nãã o. A preocupãçãã o erã impedir que entrãsse ãlgum livro que nãã o fosse pãlãvrã de Deus. Um dos problemãs ligãdos ã ãlguns dos livros erã o fãto de nãã o mencionãrem o nome do ãutor. Este eí o cãso de Hebreus, por exemplo. Autoriã ãpostoí licã, ão que pãrece, foi um criteí rio importãnte pãrã se ãceitãr um livro no cãê none do NT. Aleí m disso, certãs ãfirmãçoã es (Hb 6, por exemplo) levãrãm ã certãs resisteê nciãs e objeçoã es. No cãso do Apocãlipse, um dos problemãs erã ã 9

Isto nãã o deixã de ser interessãnte, podendo ãteí ser intencionãl. A Bííbliã Hebrãicã conclui com ã reconstruçãã o do Templo. O Antigo Testãmento Cristãã o terminã com os profetãs, fãzendo umã ponte mãis nãturãl com o Novo Testãmento. O texto finãl do AT, Mãlãquiãs 4, ãnunciã o nãscimento do Sol dã Justiçã (v.2) c o envio do profetã Eliãs (vs.5-6; cf. Mt 11.14). 10 Um grego de excelente quãlidãde. O pressuposto eí que somente um cristãã o de segundã ou terceirã gerãçãã o poderiã escrever um grego dãqueles! O tom judãico c ã referenciã ãà sinãgogã (Tg 2.2) fãzem com que Tiãgo sejã visto como um dos livros mãis ãntigos do NT. 11 Trãdicionãlmente, 95 d.C. EÉ bom lembrãr que nenhum dos livros bííblicos indicã, no proí prio texto, quãndo foi escrito. 12 Estã eí umã dãs rãzoã es por que, de todos os livros do NT, o Apocãlipse é ãquele que foi preservãdo no menor nuí mero de mãnuscritos gregos.

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diferençã de estilo entre este livro e os demãis escritos de Joãã o, ou sejã, o Evãngelho e epíístolãs de Joãã o, o que pãrece ãpontãr pãrã um ãutor diferente do ãpoí stolo Joãã o. Tãmbeí m eí verdãde que, se ãlguns dos ãtuãis livros cãnoê nicos tiverãm dificuldãde de entrãr, houve livros que em certos lugãres desfrutãrãm de status cãnoê nico por ãlgum tempo, mãs que depois forãm excluíídos. EÉ o cãso de documentos como o Didãqueê , ã Epíís tolã de Bãrnãbeí , e Clemente Romãno. Dãíí se pode concluir que o cãê none foi formãdo por um processo de ãdiçãã o e de subtrãçãã o, com eê nfãse mãior nã subtrãçãã o, pois hãviã mãis cãndidãtos do que vãgãs 13. Providência divina Somos levãdos ã crer que Deus, em suã provideê nciã, guiou ã Igrejã Antigã em suã ãvãliãçãã o de vãí rios livros e nã definiçãã o dos livros que fãriãm pãrte do cãê none. O processo de seleçãã o levou ãlgum tempo, e surgirãm diferençãs de opiniãã o. Poreí m, somos grãtos ãà quelã Igrejã pelo fãto de soí ter ãceito ãlguns dos livros depois de criteriosã ãvãliãçãã o, e, em ãlguns cãsos, cãloroso debãte. A mãioriã dos leitores que compãrã os livros cãnoê nicos com escritos poí s-ãpostoí licos (Clemente, Didãqueê , etc.) e livros ãpoí crifos do NT (Evãngelho de Tomeí , Evãngelhos dã Infãê nciã, etc.) endossã o julgãmento críítico dos cristãã os dã Igrejã Antigã. A ordem dos livros do Novo Testamento Os livros do NT não aparecem, em edições modernas da Bíblia, na ordem em que foram escritos. A ordem é mais lógica do que cronológica. Na Igreja Antiga, nem todas as igrejas tinham os livros na mesma seqüência. E, a rigor, uma ordem fixa só se estabeleceu a partir do momento em que se adotou o formato de códice, ou seja, quando os livros passaram a formar um volume encadernado. O quadro que segue mostra três ordens diferentes: Códice Alexandrino ou manuscrito A

Agostinho Concílio de Cartago - 397 d.C.

Evãngelhos

Evãngelhos

Evãngelhos

Atos

Pãulinãs

Atos

Cãtoí licãs

Cãtoí licãs

Pãulo

Pãulo

Atos

Cãtoí licãs

Apocãlipse

Apocãlipse

Apocãlipse

Sobre ã ordem dos livros do NT, pode-se ãfirmãr o que segue: 1)

Nãã o se sãbe ão certo que ãrrãnjo se dãvã ão cãê none ãntes do terceiro seí culo d.C.

2) Nos mãis ãntigos ãrrãnjos que se conhece, ã pãrtir dos coí dices e dãs listãs, os Evãngelhos ãpãrecem quãse sempre no iníício, e o Apocãlipse, no finãl. 3) Interessãnte eí o que eí feito no Coí dice Alexãndrino, escrito no quinto seí culo: ãs epíístolãs cãtoí licãs (Tiãgo, 1Pedro, etc.) ãpãrecem ãntes dãs pãulinãs. Tãlvez tenhã sido influeê nciã de Gãí lãtãs 1.17, onde Pãulo fãlã dãqueles que erãm ãpoí stolos ãntes dele 14. 13

O que nãã o confere com os dãdos histoí ricos eí ã noçãã o, hoje difundidã por O código da Vinci, de Dãn Brown, de que hãviã umã plurãlidãde de documentos, especiãlmente Evãngelhos, esperãndo por um lugãr no cãê none, e que, finãlmente, no Concíílio de Niceí iã, em 325 d.C, ã Igrejã, pãrã cimentãr suã posturã pãtriãrcãl, optou pelos quãtro Evãngelhos que hoje sãã o cãnoê nicos. A verdãde eí que jãí no tempo de Irineu, isto é, nã segundã metãde do segundo seí culo, ã Igrejã tinhã convicçãã o de que, ãssim como hãviã quãtro ventos e quãtro cãntos dã Terrã, erãm quãtro os Evãngelhos cãnoê nicos. 14 Isso teriã levãdo os editores ã colocãr ãs epíístolãs dos outros ãpoí stolos ãntes dãs pãulinãs. Constãntin von Tischendorf editou um Novo Testãmento Grego desses, ou sejã, seguiu ã ordem dos livros no Coí dice Alexãndrino. O leitor, especiãlmente o evãngeí lico, eí surpreendido ão procurãr ã cãrtã ãos Romãnos, pois nãã o se encontrã onde normãlmente ãpãrece: em seu lugãr, isto eí , logo ãpoí s o livro de Atos, ãpãrece ã epíístolã de Tiãgo!

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4) O livro de Atos eí colocãdo, ou ãntes, ou depois dãs epíístolãs cãtoí licãs. Trãtã-se do segundo volume dã obrã de Lucãs, mãs desde o iníício foi colecionãdo ãà pãrte, ou sejã, sepãrãdo do Evãngelho de Lucãs. 5) As cãrtãs de Pãulo ãpãrecem em ordem decrescente de tãmãnho, e nãã o em ordem cronoloí gicã. Por exemplo, 1 Corííntios com certezã foi escritã ãntes de Romãnos, que eí dãtãdã de 56 d.C. No entãnto, eí colocãdã depois de Romãnos, porque Romãnos eí mãis longã do que 1 Corííntios. O mesmo se ãplicã ãà s demãis cãrtãs pãulinãs, sendo que em primeiro lugãr ãpãrecem ãs que forãm escritãs ã igrejãs, depois ãs que forãm endereçãdãs ã indivííduos (Timoí teo, Tito e Filemon). Nesses dois blocos pãrece que se segue o princíípio de começãr com o documento mãis longo e terminãr com o mãis curto. Umã contãgem dãs linhãs, nos mãnuscritos gregos, e dãs pãlãvrãs, em ediçoã es modernãs, tende ã confirmãr isso: Romãnos tem 7.111 pãlãvrãs; 2Tessãlonicenses, 823. Dãquelãs escritãs ã indivííduos, 1Timoí teo tem 1.591 pãlãvrãs; Filemon, 335. A preservação dos livros bíblicos Muitos dos livros bííblicos com certezã forãm originãlmente escritos em rolos de pãpiro. O que eí o pãpiro? EÉ um mãteriãl de escritã feito ã pãrtir de um junco que cresce principãlmente no deltã do rio Nilo. Esse junco erã cortãdo em tirãs, que erãm justãpostãs em sentido horizontãl e verticãl. As folhãs erãm emendãdãs umãs nãs outrãs, formãndo um rolo. O pãpiro jãí erã usãdo como mãteriãl de escritã por voltã do terceiro mileê nio ãntes de Cristo15. Pode-se perceber que tãl mãteriãl tinhã poucã durãbilidãde. Assim sendo, os originãis ou ãutoí grãfos dã Bííbliã (quer escritos em pãpiro ou pergãminho) desãpãrecerãm. Tudo que se tem hoje sãã o coí piãs dos originãis 16. A mãioriã dãs coí piãs dos textos bííblicos, tãnto do Antigo quãnto do Novo Testãmento, sãã o pergãminhos. O pergãminho, feito ã pãrtir de peles de ãnimãis, erã usãdo como mãteriãl de escritã desde o quinto seí culo ãntes de Cristo17. EÉ possíível que ãlguns livros do NT tenhãm sido escritos em pergãminho (conferir 2Tm 4.13). Nem eí preciso dizer que os escritores bííblicos desconheciãm o pãpel. Emborã desenvolvido nã Chinã por voltã de 600 ã.C, o pãpel soí chegou ãà Europã ão tempo dãs Cruzãdãs (ã pãrtir do ãno 1000 d.C), trãzido pelos ãí rãbes. Quãnto ãà formã, os "livros" erãm, no iníício, rolos, isto eí , folhãs de pãpiro ou pergãminho emendãdãs ou costurãdãs umãs nãs outrãs. Isso formãvã umã tirã de comprimento meí dio de dez metros, enrolãdã em dois cãrreteí is. Nã sinãgogã de Nãzãreí (Lc 4.17,20), Jesus literãlmente desenrolou e enrolou o livro ou rolo do profetã Isãííãs. Por voltã do segundo seí culo depois de Cristo, surgirãm os coí dices, em que ãs folhãs nãã o erãm mãis costurãdãs pãrã formãr um rolo, mãs colocãdãs num mãço e costurãdãs nã bordã, formãndo um cãderno. Assim surgiu o que conhecemos por livro. O surgimento do coí dice eí ãtribuíído ã cristãã os. Ao que pãrece, umã dãs fortes rãzoã es pãrã ã ãdoçãã o do coí dice (que tinhã ãlgo de iconoclãstã, pois "quebrãvã" ã formã normãl de um livro sãgrãdo) foi o fãto de possibilitãr que os quãtro Evãngelhos fossem incluíídos num soí volume, ãlgo que o sistemã do rolo nãã o permitiã. Apesãr de circunstãê nciãs nem sempre fãvorãí veis, especiãlmente ã dificuldãde de se fãzer coí piãs mãnuscritãs de livros longos, nenhum livro dã ãntiguidãde foi trãnsmitido com tãntã limpidez, com tãntã certezã e precisãã o quãnto ã Bííbliã. Deus nãã o somente nos deu ã Bííbliã, dentro dã histoí riã, mãs tãmbeí m ã preservou e ã fez chegãr ãteí noí s. Assim, mesmo vivendo quãse dois mileê nios depois dã composiçãã o do uí ltimo livro dã Bííbliã, podemos estãr confiãntes de que temos em mãã os todos os livros que Deus quis nos dãr. A questãã o do cãê none eí , pãrã todos os efeitos prãí ticos, umã questãã o encerrãdã.

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Entre ãs coí piãs do NT existe umã centenã de pãpiros, muitos deles preservãdos e encontrãdos nãs ãreiãs secãs do Alto Egito. Um dos mãis ãntigos documentos do NT eí o P52, um frãgmento de pãpiro que trãz o texto de Joãã o 18.31-33, 37. Segundo se pensã, foi escrito por voltã de 125 d.C. 16 Mãis detãlhes sobre os mãnuscritos bííblicos ãpãrecem nos cãpíítulos sobre ã Bííbliã Hebrãicã e o Novo Testãmento Grego. 17 Tem esse nome por cãusã dã cidãde de Peí rgãmo, grãnde centro produtor desse mãteriãl.

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3 A BÍBLIA HEBRAICA E O TEXTO DO ANTIGO TESTAMENTO Enquanto o céu e a terra durarem, nada será tirado da Lei - nem a menor letra, nem qualquer acento. (Mt 5.18)

Umã dãs diferençãs entre ã histoí riã do texto do Antigo Testãmento (AT) e do Novo Testãmento (NT) eí que, pãrã o NT, existe umã riquezã e vãriedãde de mãteriãl, ãlgo que nãã o se ãplicã no cãso do AT Aleí m disso, muitos dos mãnuscritos do NT forãm copiãdos num perííodo relãtivãmente proí ximo ão tempo em que o NT foi escrito. No cãso do AT, ã situãçãã o eí bem diferente. Ateí 1947, os mãis ãntigos textos dã Bííbliã Hebrãicã completã erãm quãtro coí piãs ou exemplãres do texto conhecido como "o texto de ben Aser". Desses quãtro, o mãis ãntigo, o Coí dice de Cãiro, remontã, segundo estimãtivãs, ão nono seí culo depois de Cristo. O mãis ãntigo mãnuscrito que conteí m ã Bííbliã Hebrãicã em suã ííntegrã eí o Coí dice de Leningrãdo, copiãdo em 1008 d.C. Com ã descobertã dos pergãminhos do Mãr Morto, no síítio ãrqueoloí gico de Qumrãn, ã pãrtir do ãno de 1947, ã evideê nciã mãnuscritã de ãlgumãs porçoã es do AT retrocedeu uns mil ãnos, ou sejã, de 1008 d.C. ão tempo ãnterior ã Cristo. Em Qumran, forãm encontrãdos dois mãnuscritos de Isãííãs, um completo (1QIsã) e outro frãgmentãí rio (1QIsb), bem como dois cãpíítulos do livro de Hãbãcuque. Dos demãis livros, com ã exceçãã o de Ester, forãm ãchãdos ãpenãs frãgmentos. Em todo cãso, hoje o mãis fãmoso mãnuscrito hebrãico eí 1QJsã, cujã siglã nã Biblia Hebraica Stuttgartensia eí Qã.18 O texto mãssoreí tico (TM), que recebeu formã finãl no seí culo onze de nossã erã, representã umã longã trãdiçãã o de crííticã textuãl dentro do judãíísmo 19. Infelizmente esse processo levou ãà destruiçãã o de outros mãnuscritos, o que ãjudã ã explicãr o nuí mero reduzido de coí piãs disponííveis. EÉ por isso que os crííticos de texto do AT muitãs vezes lãnçãm mãã o do testemunho dãs versoã es ãntigãs, feitãs num perííodo ãnterior ãà fixãçãã o ou pãdronizãçãã o do TM. O documento mãis vãlioso neste pãrticulãr eí ã Septuãgintã (LXX). Outrãs versoã es ãntigãs tãmbeí m sãã o levãdãs em considerãçãã o. A Vulgãtã, por exemplo, foi feitã num perííodo bem ãnterior ãà finãlizãçãã o do texto mãssoreí tico. Nã medidã em que eí umã trãduçãã o literãl (e Jeroê nimo entendiã que, no cãso dãs Escriturãs, ãteí mesmo ã ordem dãs pãlãvrãs do originãl erã significãtivã!), essã trãduçãã o tem suã importãê nciã, quãndo se trãtã de recuperãr o texto originãl. As diferenças entre o TM e a LXX Por muito tempo, ãs diferençãs entre ã LXX e o TM forãm vistãs como resultãdo do processo de trãduçãã o. Este quãdro se ãlterou, ão menos em pãrte, com ã descobertã dos pergãminhos do Mãr Morto. Por mãis que o grupo religioso que estãí por trãí s desses pergãminhos fosse um grupo sectãí rio, ã Bííbliã deles nãã o diferiã dã Bííbliã dos outros judeus em Jerusãleí m e Alexãndriã. O texto (ou os textos) deles tãmbeí m nãã o revelã(m) tendeê nciãs sectãí riãs. No entãnto, ãleí m de deixãr entrever umã mãior flexibilidãde quãnto ãos limites do cãê none, ã comunidãde monãí sticã de Qumrãn tãmbeí m revelã umã mãior vãriedãde textuãl do que se poderiã esperãr de um grupo tãã o fechãdo quãnto ãquele. Aindã se discute se essã vãriedãde deve ser explicãdã como fruto do pãpel que esse grupo, provãvelmente de esseê nios, representãvã dentro do judãíísmo dãquele tempo, ou se reflete o que erã ã situãçãã o normãl nã eí pocã. Frãnk M. Cross defendeu ã tese de que, ão menos em Qumrãn, hãviã umã vãriedãde de fãmííliãs textuãis, treê s pãrã ser mãis exãto. Essãs fãmííliãs teriãm se formãdo entre o quinto e o primeiro seí culos ãntes de Cristo, nã Pãlestinã, no Egito e num terceiro lugãr, possivelmente ã Bãbiloê niã. Segundo Cross, nãã o somente os rolos de Qumrãn, mãs tãmbeí m ã LXX e o TM incorporãm 18

Esse mãnuscrito eí feito de 17 foí lios de pergãminho, formãndo um rolo de 7m34cm de comprimento. O texto eí substãnciãlmente ideê ntico ão texto mãssoreí tico conhecido. Apresentã, poreí m, ãlgumãs vãriãntes que, em ãlguns cãsos, coincidem com o texto conhecido ã pãrtir de versoã es ãntigãs, especiãlmente ã LXX Um exemplo eí Is 53.11, onde ã LXX e 1QIsã trãzem ã pãlãvrã "luz", que nãã o constã do TM. 19 Os termos "mãssoreí tico" e "mãssoretã" veê m de "mãssorãí ", que significã "trãdiçãã o". O texto mãssoreí tico eí ã formã finãl do texto dã Bííbliã Hebrãicã, trãbãlhãdo por gerãçoã es de mãssoretãs, os quãis introduzirãm nele os sinãis de vocãlizãçãã o, ãcentuãçãã o e notãs explicãtivãs. Dito em outrãs pãlãvrãs, o TM eí o texto hebrãico vocãlizãdo.

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elementos dãs treê s trãdiçoã es, e pode-se perceber umã complexã teiã de relãcionãmentos entre ãs treê s trãdiçoã es. O que estãí clãro eí que hãviã umã vãriedãde de textos em Qumrãn, e essã vãriedãde pãrece nãã o ter preocupãdo os membros dãquele grupo judãico. Ficã ã grãnde perguntã se essã mesmã fluidez existiã em outros cíírculos judãicos. A LXX e ãs citãçoã es do AT no NT, que nem sempre seguem o TM e/ ou ã LXX, pãrecem ãpontãr nessã direçãã o. Sejã como for, o que se sãbe eí que no começo do segundo seí culo depois de Cristo jãí se tinhã umã trãdiçãã o textuãl fixã. Aliãí s, ã histoí riã do texto hebrãico eí mãis bem conhecidã no perííodo que vãi do iníício do terceiro seí culo d.C. ãteí ãà Idãde Meí diã. A "mãssorãí ", que reuí ne trãdiçoã es e detãlhes relãtivos ão texto, foi codificãdã e por fim inseridã nãs mãrgens dos mãnuscritos bííblicos, provãvelmente nã pãrte finãl do quinto seí culo d.C. Essãs informãçoã es ãcãbãrãm por levãntãr ãquelã "cercã ão redor dã lei" de que fãlãvã o rãbino Aquibã, e ãjudãrãm os copistãs ã eliminãr ãteí mesmo quãlquer sombrã de erro. Vocalização Iniciãlmente - e os pergãminhos do Mãr Morto dãã o ãmplo testemunho disso - o texto dã Bííbliã Hebrãicã erã ãpenãs consonãntãl. Dã ãtividãde dos mãssoretãs resultou ã vocãlizãçãã o desse texto consonãntãl. A certã ãlturã - nãã o se sãbe bem quãndo - ãs consoãntes alef, he, vaw, e iodh forãm introduzidãs em lugãres estrãteí gicos, onde hãviã mãior potenciãl de ãmbiguü idãde, pãrã funcionãrem como vogãis. Essãs consoãntes sãã o conhecidãs como matres lectionis ("mãã es de leiturã"). Alguns mãssoretãs levãntãrãm objeçoã es contrã ã presençã dessãs "intrusãs" no meio do texto sãgrãdo, isto eí , entre ãs consoãntes. Assim, por estã e por outrãs rãzoã es, lãí por voltã do quinto seí culo d.C, o sistemã de "pontuãçãã o" (pequenos sinãis vocãí licos colocãdos ãcimã e ãbãixo dãs consoãntes) foi introduzido. Dos treê s sistemãs de vocãlizãçãã o que se conhece (Bãbiloê niã, Pãlestinã e Tiberííãdes), o de Tiberííãdes ãcãbou prevãlecendo, provãvelmente sob ã influeê nciã dos fãmosos mãssoretãs ben Aser e ben Nãftãli, no deí cimo seí culo d.C. As fontes para a Bíblia Hebraica Poucos dos ãntigos textos dã fãmííliã de ben Aser sobreviverãm. O mãis ãntigo tãlvez sejã o coí dice de umã sinãgogã de Cãiro, que trãz o texto dos profetãs e foi produzido por Moshe ben Aser. EÉ dãtãdo de 895 d.C. Mãis importãnte, devido ãà suã ãssociãçãã o com Moimoê nides, eí o Códice de Alepo, que foi pãrciãlmente dãnificãdo por um inceê ndio em 1949 e que hoje se encontrã nã cidãde de Jerusãleí m. O mãis importãnte documento eí o Códice de Leningrado, conhecido pelã siglã L, que foi escrito em 1008 d.C. e conteí m todo o AT. As edições modernas da Bíblia Hebraica As primeirãs ediçoã es impressãs dã Bííbliã Hebrãicã dãtãm do seí culo XVI. Tãlvez ã mãis conhecidã sejã ã segundã ediçãã o dã Bííbliã Rãbíínicã, publicãdã em Venezã, no ãno de 1524 ou 1525, ãpenãs oito ãnos depois dã primeirã ediçãã o. Tudo indicã que estãvã bãseãdã em mãnuscritos do seí culo XII. Foi editãdã por Jãcob ben Chãyim. Ateí 1936, foi umã espeí cie de textus receptus tãnto pãrã judeus como pãrã cristãã os. Em 1936, com ã terceirã ediçãã o dã Bíblia Hebraica Kittel, pãssou-se ã usãr outro texto, o Codex Leningradensis ou Coí dice de Leningrãdo (L). Trãtã-se de um mãnuscrito medievãl dã trãdiçãã o tiberiãnã. O colofãã o finãl indicã que foi escrito, vocãlizãdo e teve ã mãssorã inseridã por Sãmuel ben Jãcob, por voltã de 1008 d.C. O mesmo colofão ãfirmã que L representã ã trãdiçãã o textuãl de ben Aser. Tãmbeí m ã Biblia Hebraica Stuttgartensia, editãdã entre 1967 e 1977, reproduz o Coí dice de Leningrãdo. Os editores dã Stuttgartensia sãã o tãxãtivos: "Nãã o hãí necessidãde de se defender o uso do Coí dice de Leningrãdo B 19ã (L) como bãse pãrã umã ediçãã o dã Bííbliã Hebrãicã" (Introduçãã o, p.XI). E ã Biblia Hebraica Quinta, que estãí em fãse de ediçãã o20, tãmbeí m estãrãí bãseãdã no Coí dice de Leningrãdo. A rigor, nãã o existe outrã opçãã o, pois eí o mãis ãntigo mãnuscrito hebrãico completo dos livros do AT. 20

Em 2005, hãviãm sido publicãdos os cinco Mcgilot, isto eí , um volume com Rute, Cãê ntico dos Cãê nticos, Eclesiãstes, Lãmentãçoã es e Ester. A Bííbliã completã estãí prometidã pãrã 2010.

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Tipos de variantes textuais Emborã por vezes se tenhã ã impressãã o de que vãriãntes textuãis sãã o um fenoê meno restrito ão NT, isto nãã o eí bem ãssim. Tãmbeí m o texto hebrãico do AT foi trãnsmitido por um processo de coí piãs mãnuscritãs, e disso resultãrãm erros de coí piã. Alguns erros derivãm dã incompreensãã o do texto. EÉ o cãso de vocãlizãçãã o errãdã ou divisãã o de pãlãvrãs mãl feitã. A mãioriã dãs vãriãntes se deve ã erros nãã o-intencionãis ou involuntãí rios, inerentes ão processo de coí piã mãnuscritã. Outrãs sãã o intencionãis, isto eí , sãã o tentãtivãs de melhorãr o texto. Alterações não-intencionais Entre ãs vãriãntes involuntãí riãs, ãs mãis comuns sãã o ãs seguintes: 1) Confusão entre sons ou letras. Um exemplo de confusãã o entre letrãs ãpãrece em Gn 10.4 e 1Cr 1.7. Aqui, ãlguns mãnuscritos trãzem Rodãnim em lugãr de Donãnim 21. Algumãs trãduçoã es preferem Rodãnim, por entenderem que se trãtã de umã ãlusãã o ã Rodes. Outro exemplo eí Am 9.12, que eí citãdo em At 15.17 conforme ã LXX. Clãro, o texto dã LXX difere do TM. O TM diz: "pãrã que possuãm", e ã LXX trãz "pãrã que busquem". Pãrece que o texto grego dã LXX se bãseiã numã leiturã com o verbo "buscãr" (darash) ão inveí s de "possuir" (yarash). Isto pode ser resultãdo dã confusãã o entre duãs letrãs (emborã yod e dalet nãã o sejãm tãã o pãrecidos ãssim) ou dois sons. 2) Vocalização incorreta. Em Is 7.11, o TM tem "fãze o pedido profundo", mãs ã mãioriã dãs trãduçoã es (ãteí mesmo ãs mãis literãis) ãlterã "pedido" (shealah) pãrã "Sheol" (Sheolah), com o seguinte resultãdo: "quer sejã profundo como o Sheol". A continuãçãã o do texto pãrece requerer essã ãlterãçãã o, emborã nãã o se mexã com ãs quãtro consoãntes. Outro exemplo eí Am 9.12, onde ã pãlãvrã "Edom" eí trãduzidã nã LXX por "homem" (adam, no hebrãico), texto que ãpãrece em At 15.17. No texto consonãntãl, "Edom" e "homem" erãm ideê nticos ãntes dã introduçãã o dã mater lectionis waw. 3) Omissão. Em 1Sm 14.41, ã LXX tem um texto mãis longo, reproduzido nã Novã Trãduçãã o nã Linguãgem de Hoje. Tudo indicã que um copistã foi engãnãdo pelã repetiçãã o dã pãlãvrã "Isrãel", fãzendo com que sãltãsse por cimã de umã pãrte do texto. Em decorrenciã disso, ã continuãçãã o do texto mãssoreí tico foi posteriormente vocãlizãdã como tamim ("dãí um perfeito..."), numã tentãtivã de extrãir ãlgum sentido do pouco de texto que restou. Repondo o texto que ãpãrece nã LXX (que trãduz tummim), o sentido dã pãrte finãl eí : "dãí Tumim". EÉ preciso ãcrescentãr que ocorre tãmbeí m o processo inverso, ou sejã, ãdiçãã o de texto. 4) Transposição. Consiste nã trocã de duãs letrãs. O exemplo eí Sl 49.11 (que eí Sl 49.12, no TM), onde o texto consonãntãl tem qrbm ("suãs pãrtes interiores" ou "pensãmentos"), ão pãsso que ã LXX tem "seus sepulcros", que trãduz ã sequü eê nciã hebrãicã qbrm. Quãse todãs ãs trãduçoã es modernãs seguem ã LXX, neste ponto. Trãtã-se de umã correçãã o que nãã o envolve mãior deslocãmento do texto e tem o ãpoio de umã trãduçãã o ãntigã. 5) Glosas. Sãã o notãs explicãtivãs colocãdãs ãà mãrgem de um mãnuscrito e que forãm posteriormente incluíídãs no texto. O problemã eí que muitãs dessãs "glosãs" provãvelmente jãí fãziãm pãrte do texto desde o iníício, como eí o cãso em 1Rs 6.38. Isto fãz com que se questione ã eliminãçãã o dessãs glosãs nã Bííbliã de Jerusãleí m, em textos como ISm 30.9 e 31.7. O melhor eí deixãr ãs glosãs em pãz, ã menos que hãjã clãro ãpoio dos mãnuscritos pãrã ã suã supressãã o. 6) Divisão mal feita entre as palavras. Os textos ãntigos erãm escritos sem divisãã o entre ãs pãlãvrãs, e isto trouxe problemãs quãndo chegou ã horã de fãzer essã divisãã o. Em Am 6.12, existe um problemã que derivã disso e levã exegetãs e trãdutores ã emendãrem o texto, mesmo sem ãpoio de mãnuscritos hebrãicos ou de trãduçoã es ãntigãs 22. A difíícil perguntã: "serãí que ãlgueí m lãvrã com bois?", que, pelo contexto, requer umã respostã negãtivã, pode ser

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Em hebrãico, ãs consoãntes resh ("r") e dalet ("d") sãã o muito pãrecidãs, nã escritã. A LXX tem um texto bem diferente.

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mudãdã, sem fãzer violeê nciã ão texto, pãrã "serãí que ãlgueí m lãvrã o mãr com bois"? Bãstã, pãrã tãnto, que se fãçã outrã divisãã o dãs pãlãvrãs, isto eí , escrevã bbqr ym ão inveí s de bbqrym. Alterações intencionais Estãs ãlterãçoã es sãã o, em grãnde pãrte, modernizãçoã es de grãfiã ou de grãmãí ticã, bem como suplementãçãã o de sujeitos ou objetos que ficãm subentendidos. 1) Harmonização e expansão. Isto soí pode ser constãtãdo pelã compãrãçãã o com outros mãnuscritos ou versoã es. Desde hãí muito se conhece ãs versoã es ãbreviãdãs do texto grego (LXX) de Joí e Jeremiãs, e ãgorã os mãnuscritos do Mãr Morto confirmãrãm que de fãto hãviã essã tendeê nciã de se expãndir ou ãbreviãr textos. Ficã difíícil dizer por que um texto teriã sido expãndido, e mãis difíícil ãindã eí escolher entre umã leiturã e outrã. Em todo cãso, nãã o se pode mãis pãrtir do pressuposto de que o texto mãssoreí tico eí sempre melhor, especiãlmente quãndo representã umã tendeê nciã clãrãmente expãnsionistã. Tãmbeí m eí verdãde que ãs expãnsoã es mãis mãrcãntes ãpãrecem nos mãnuscritos de Qumrãn e no Pentãteuco Sãmãritãno. 2)

Combinação de duas ou mais leituras variantes. O exemplo clãí ssico eí Ez 1.20 no

TM. 3) Remoção de dificuldades ou expressões ofensivas. Em Am 3.9, ã LXX colocou Assííriã no lugãr de Asdode, eliminãndo ã irregulãridãde loí gicã. O que mãis chocou os copistãs ãntigos erãm refereê nciãs ã que se ãmãldiçoãsse Deus (Joí 1.5,11; 2.5,9), que levou os copistãs ã ãlterãrem o texto pãrã "ãbençoãr". Outrã ofensã erãm os nomes dã reãlezã que incluííãm o termo baal. Um exemplo eí Esbããl. O ãutor de Crônicas preservã essãs formãs (ICr 8.33,34), ão pãsso que em 2Sm 2.8, bem como nos cãpíítulos 4, 9, 16, e 19, baal dãí lugãr ã bósheth (vergonhã, ãbominãçãã o). Em outrãs pãlãvrãs, Esbããl pãssã ã ser Isbosete. Princípios de crítica textual Os princíípios de crííticã textuãl levãdos em contã por editores e trãdutores do texto do AT sãã o bãsicãmente os mesmos que sãã o ãplicãdos quãndo se trãtã de editãr e trãduzir o texto do NT ou quãlquer outro texto produzido em sociedãdes preí -tecnoloí gicãs, isto eí , ãntes dã reproduçãã o mecãê nicã de textos. Entre os principãis estãã o os seguintes: 1) Prefere-se a melhor evidência textual disponível. Estã serãí , de modo gerãl, o texto mãssoreí tico dã Bííbliã Hebrãicã, emborã especiãlistãs por vezes prefirãm o texto dos mãnuscritos do Mãr Morto ou umã dãs versoã es ãntigãs. Neste cãso, o inteí rprete que nãã o tem mãior conhecimento de hebrãico serãí ãuxiliãdo por trãduçoã es que seguem bem de perto o TM. 2) Prefere-se o texto mais breve. A tendeê nciã nãturãl do ser humãno eí expãndir textos e inserir glosãs. Este processo eí bem mãis frequü ente do que o inverso, isto eí , ã condensãçãã o de textos. Isto explicã ã prefereê nciã pelo texto mãis curto. 3) Prefere-se o texto mais difícil, isto é, mais difícil do ponto de vista dos copistas. Os copistãs tinhãm suãs duí vidãs quãnto ão sentido de textos e, em funçãã o disso, punhãm-se ã explicãr ou melhorãr o texto. Hoje, em muitos cãsos, os eruditos estãã o mãis bem prepãrãdos pãrã entender um originãl difíícil. Assim, eí preciso tentãr entender o texto mãis difíícil e ficãr com ele, ão inveí s de pãssãr imediãtãmente pãrã ã versãã o que trãz um texto mãis fãí cil de se entender. 4) Evitam-se textos que resultam de conjeturas sempre que houver outra alternativa. Antigãmente, quãndo o texto hebrãico erã obscuro, umã dãs soluçoã es mãis comuns erã fãzer umã emendã conjeturãl. Hoje, ã primeirã opçãã o eí outrã. Vãlendo-se cãdã vez mãis do estudo dã filologiã semííticã compãrãdã, em especiãl o estudo do ugãríítico, eruditos jãí conseguem decifrãr textos que ãntes erãm prãticãmente incompreensííveis. Atendo-se ão texto consonãntãl e pãrtindo do princíípio de que ãs vogãis sãã o menos confiãí veis, especiãlistãs como Mitchell Dãhood, em seu comentãí rio ãos Sãlmos, nã coleçãã o The Anchor Bible, encontrãrãm em líínguãs cognãtãs, especiãlmente

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o ugãríítico, explicãçoã es possííveis, emborã nem sempre provãí veis, pãrã centenãs de textos que, no pãssãdo, costumãvãm ser explicãdos pelã viã de emendã conjeturãl. Dãhood por certo exãgerou nã dose, mãs isto nãã o invãlidã seu meí todo. A tarefa da crítica textual A crííticã textuãl continuã sendo umã disciplinã que interessã, em grãnde pãrte, soí ã especiãlistãs. Isto por cãusã do cãrãí ter teí cnico dã disciplinã e do prepãro especiãl que se requer. No entãnto, ã proliferãçãã o de novãs trãduçoã es e comentãí rios exige que ãteí mesmo o exegetã principiãnte tenhã ãlgumã noçãã o dos procedimentos e meí todos empregãdos. O consolo em tudo isso eí que, desde ã descobertã dos mãnuscritos do Mãr Morto e ãà luz dos ãvãnços linguü íísticos proporcionãdos pelã descobertã dos textos ugãrííticos em 1929, os exegetãs teê m, hoje, condiçoã es de entender o texto bííblico como nuncã forã possíível em quãlquer outrã eí pocã23.

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Este cãpíítulo se bãseiã em ARMEDING, Cãrl E. The Old Testãment ãnd criticism. Grãnd Rãpids: Eerdmãns, 1983. Pãrã umã descriçãã o bem detãlhãdã dã Bííbliã Hebrãicã, confirã FRANCISCO, Edson de Fãriã. Mãnuãl dã Bííbliã Hebrãicã: introduçãã o ão texto mãssoreí tico. Sãã o Pãulo: Vidã Novã, 2003.

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4 A CRÍTICA TEXTUAL E AS EDIÇÕES DO NOVO TESTAMENTO GREGO A Bíblia não foi transmitida sem alterações ou variações de texto (...); no entanto, mais louvável do que ignorar isso é enfrentar a realidade e fazer o melhor uso possível dos recursos que Deus nos deu para solucionarmos os problemas que os manuscritos nos apresentam. (KENYON, p.113)

A necessidade da crítica textual A tãrefã dã crííticã textuãl se impoã e pelã fãltã dos ãutoí grãfos de umã obrã e ã existeê nciã de umã plurãlidãde de coí piãs que nãã o concordãm entre Si. No cãso do Novo Testãmento (NT), os documentos originãis nãã o forãm preservãdos. Aleí m disso, ão longo do processo de trãnsmissãã o mãnuscritã do texto forãm introduzidos muitos erros ou vãriãntes. Isto tornã ã crííticã textuãl, ou sejã, o estudo e ã compãrãçãã o entre os mãnuscritos pãrã deles tirãr o suposto originãl, umã tãrefã inevitãí vel. A crííticã textuãl seriã dispensãí vel ãpenãs nã eventuãlidãde de se recuperãr os documentos originãis ou, entãã o, ãpenãs se tiveí ssemos umã uí nicã coí piã desses documentos. No entãnto, este nãã o eí o cãso do NT. O surgimento das variantes Durãnte mãis de cãtorze seí culos o texto grego do NT foi trãnsmitido ãtrãveí s de coí piã mãnuscritã. Nesse perííodo, entrãrãm omissoã es, ãcreí scimos e ãlterãçoã es no texto, muitos dos quãis inerentes ão processo de coí piã mãnuscritã. Ao todo existem, segundo se cãlculã, uns 100 mil pontos de vãriãçãã o nos mãnuscritos gregos do NT, isto eí , lugãres onde ão menos um mãnuscrito tem um texto diferente dos demãis. Hãí dois tipos principãis de vãriãntes: ãs involuntãí riãs e ãs intencionãis. As involuntãí riãs surgirãm porque copiãr ãà mãã o gerã erros, e mãis erros, ã cãdã novã coí piã. As intencionãis forãm introduzidãs deliberãdãmente pelos copistãs. Variantes involuntárias Dentre ãs vãriãntes involuntãí riãs, destãcãm-se ãs seguintes: 1) Erro de observação, resultãnte de semelhãnçã nã escritã. Isto eí mãis comum em hebrãico, mãs tãmbeí m eí possíível, ãindã que em menor escãlã, no grego. Um exemplo disso pode ser 1Tm 3.16, onde os mãnuscritos mãis ãntigos teê m "ele que" (em escritã unciãl gregã, OC), ão pãsso que mãnuscritos posteriores teê m "Deus". Aqui, o pronome relãtivo "hós" pãrece ter sido trãnsformãdo no substãntivo "theós". Pãrã tãnto, bãstãvã colocãr um trãço semelhãnte ã um híífen dentro do O, fãzendo do oê micron um tetã, e umã linhã por cimã dãs duãs letrãs, pãrã indicãr que se trãtãvã de umã ãbreviãturã. No entãnto, tãmbeí m eí possíível que essã vãriãnte tenhã surgido de formã intencionãl. Em outrãs pãlãvrãs, um copistã pode ter concluíído que "theós" cãberiã melhor nãquele contexto. Como erã fãí cil de fãzer ã ãlterãçãã o, decidiu fãzeê -lã. 2) Dilografia ou haplografia24. Trãtã-se dã duplicãçãã o de umã letrã ou síílãbã ou, entãã o, dã omissãã o de umã letrã ou síílãbã repetidã. O exemplo clãí ssico disso eí 1Ts 2.7: egenêthemen êpioi ("nos tornãmos gentis [êpioi]") ou egenêthemen nêpioi ("nos tornãmos criãnçãs [nêpioi]"). Aqui, tãnto pode ter hãvido simplificãçãã o, isto eí , ã omissãã o de um "n", do que resultou ã leiturã "gentis", como duplicãçãã o, isto eí , ã repetiçãã o de um "n", do que resultou "criãnçãs". O fãto de, nãquele tempo, nãã o se fãzer sepãrãçãã o entre ãs pãlãvrãs (nostornamosgentis) contribuiu pãrã o surgimento destã e de

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Ditogrãfiã vem de dittós, "duplo", e hãplogrãfiã, de haploús, "simples".

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tãntãs outrãs vãriãntes25. Felizmente, no cãso de 1Ts 2.7, o sentido do texto ficã prãticãmente iguãl, independentemente dã pãlãvrã escolhidã pãrã ser o texto. 3) Omissão por "homeoarcton" ou homeoteleuto, isto eí , o iníício ideê ntico ou o finãl ideê ntico de duãs ou mãis linhãs. Escribãs omitiãm linhãs inteirãs quãndo, trãíídos pelo iníício ou finãl ideê ntico dãs linhãs, deixãvãm de copiãr umã pãrte do texto. Um exemplo disso eí Lucãs 10.32, no Coí dice Sinãíítico. O copistã foi trãíído pelo finãl ideê ntico dos versíículos 31 e 32 (antiparêlthen, isto eí , "pãssou de lãrgo") e omitiu o v.32. O curioso eí que ãpenãs o Coí dice Sinãíítico tem essã vãriãnte, que nãã o tem chãnce nenhumã de um diã vir ã ser o texto. Por outro lãdo, este exemplo mostrã por que, no cãso do NT, nãã o se pode simplesmente escolher um mãnuscrito e imprimi-lo nã ííntegrã, como o texto no NT. Cãso o escolhido fosse o Coí dice Sinãíítico, ficãriã fãltãndo Lc 10.32, ou sejã, nãã o hãveriã um levitã nã histoí riã do sãmãritãno! 4) Iotacismo. No grego coineê , ãs vogãis h (etã), i (iotã) e u (íípsilon), bem como os ditongos ei ("ei"), oi ("oi") e ui ("ui") erãm, de modo gerãl, pronunciãdãs como se fossem um iotã longo, com som de "i". Assim, quãndo se fez ã produçãã o de mãnuscritos em grãnde escãlã, ou sejã, num contexto em que umã pessoã liã o texto e vãí riãs copiãvãm ão mesmo tempo, houve muitã trocã entre essãs vogãis e ditongos. O Coí dice Sinãíítico, por exemplo, conteí m treê s mil erros devidos ã esse fenoê meno. O cãso mãis comum eí ã confusãã o entre hemeis ("noí s") e hymeis ("voí s"). A vãriãnte em Rm 5.1 (échomen, escrito com oí micron, "temos", ou échoomen, com oê megã, "tenhãmos") pode ter surgido pelã mesmã rãzãã o. Variantes intencionais Entre ãs vãriãntes intencionãis, destãcãm-se ãs seguintes: 1) Aprimoramento gramatical ou estilístico. Um dos textos mãis retocãdos foi o de Apocãlipse, que, por vezes, ãpresentã o que pãrecem ser solecismos intolerãí veis. Um exemplo eí Ap 1.4: cháris hymîn kái eiréne apó hó ôn kái hó ên kái hó erchómenos ("grãçã ã voí s e pãz dã pãrte do que eí e do que erã e do que vem"). Normãlmente, em grego, o que vem ãpoí s ã preposiçãã o apó, ("dã pãrte de") estãí no cãso genitivo. Soí que, no cãso de Ap 1.4, sãbe-se lãí por que rãzãã o, o escritor preferiu mãnter o nominãtivo (apó hó), em vez e flexionãr pãrã apó toû. Pãrã suãvizãr isso ou corrigir o texto, os copistãs do texto mãjoritãí rio inserirãm um theoû ("dã pãrte de Deus") entre ã preposiçãã o e o que segue. 2) Harmonização de passagens paralelas. Este fenoê meno se verificã especiãlmente nos Evãngelhos Sinoí pticos. Um exemplo eí o texto do Pãi-Nosso. Nos mãnuscritos mãis ãntigos, o Pãi-Nosso em Lucãs 11 eí mãis breve do que o Pãi-Nosso em Mãteus 6: fãltãm os pedidos "fãçã-se ã tuã vontãde" e "mãs livrã-nos do mãl". Soí que em mãnuscritos mãis recentes o texto eí prãticãmente o mesmo, exceçãã o feitã ãà doxologiã ("pois teu eí o reino, etc"), que nãã o ãpãrece em nenhum mãnuscrito de Lucãs. Acontece que os copistãs, ã exemplo de muitos cristãã os contemporãê neos, nãã o puderãm tolerãr ã ideí iã de que o Pãi-Nosso foi ensinãdo e trãnsmitido em duãs versoã es ligeirãmente diferentes. Dãíí ãs vãriãntes, ou sejã, o texto de Lucãs foi completãdo ã pãrtir do texto de Mãteus. 3) Alterãçoã es por rãzoã es doutrinãí riãs ou excesso de piedãde. Os copistãs, em gerãl monges cristãã os, erãm tudo menos profissionãis neutros. Eles erãm leitores e teoí logos cristãã os, e ã teologiã deles influenciou o processo de trãnsmissãã o do texto. Tudo indicã que, em Joãã o 7.8, os copistãs ãlterãrãm "nãã o" (ouk) pãrã "ãindã nãã o" (oúpo), com o fim de eliminãr ã ãpãrente incoereê nciã de Jesus (ver Jo 7.10). Em Mt 24.36, ãlguns mãnuscritos omitem ã expressãã o "nem o Filho", possivelmente pãrã sãlvãguãrdãr ã oniscieê nciã do Filho de Deus. Em Lc 1.3, ãlguns poucos mãnuscritos lãtinos (nenhum 25

Essã chãmãdã scriptio continua podiã levãr ã ãmbiguü idãdes, pois muito dependiã dã divisãã o que se fãziã entre ãs pãlãvrãs. Um exemplo, citãdo, ãà s vezes, em tom de brincãdeirã eí ã possíível confusãã o, em portugueê s, entre "em obrãs" e "Emobrãí s". Em ingleê s, godisnowhere, poderiã resultãr em ãfirmãçoã es totãlmente opostãs: "God is nowhere" (Deus estãí em pãrte ãlgumã) e "God is now here" (Deus estãí ãgorã ãqui). No entãnto, em grego ãs possibilidãdes de confusãã o nãã o erãm tãntãs, pois ãs pãlãvrãs soí podem terminãr em vogãl (ou ditongo) ou umã de treê s consoãntes: ni, roê , ou sigmã. Vãriãntes textuãis que envolvem divisãã o de pãlãvrãs ocorrem em Mc 10.40, Rm 7.14 e ITm 3.16 (METZGER, 1968, p.13).

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mãnuscrito grego!) ãcrescentãm et spiritui sancto ("e ão Espíírito Sãnto") ãpoí s "tãmbeí m ã mim", pãrã enfãtizãr ã doutrinã dã inspirãçãã o. Em Lc 2.33, copistãs de mãnuscritos mãis recentes substituíírãm "o pãi dele" por "Joseí ", pãrã sãlvãguãrdãr ã doutrinã do nãscimento de umã virgem. 4) Alterações por influência da liturgia ou do culto da igreja. O escribã erã tentãdo ã complementãr o texto bííblico ã pãrtir do texto em uso no culto. Assim, quãndo um "ãmeí m" ãpãrece em ãlguns mãnuscritos isolãdos, como eí o cãso em Mt 28.20, desconfiã-se logo ser este mãis um cãso de interpolãçãã o por rãzoã es lituí rgicãs ou excesso de piedãde. A vãriãnte em At 8.37 pode ter surgido por rãzoã es lituí rgicãs tãmbeí m. O resultado Nãã o existem dois mãnuscritos gregos totãlmente ideê nticos. Ateí mesmo mãnuscritos muito proí ximos uns dos outros, como eí o cãso do Coí dice Sinãíítico, copiãdo no quãrto seí culo, e do mãnuscrito 2427, que conteí m ãpenãs o Evãngelho de Mãrcos e foi copiãdo no seí culo cãtorze 26, ãpresentãm 893 diferençãs, e isto soí em Mãrcos. Por outro lãdo, umã compãrãçãã o entre o Coí dice de Bezã, copiãdo no quinto seí culo, e o mãnuscrito 2427, revelã umã divergeê nciã em 117 pontos, e isto soí no cãpíítulo onze de Mãrcos. Diãnte disso, ã crííticã textuãl eí inevitãí vel. As fontes para reconstruir o texto Pãrã reconstruir o texto originãl do NT, os editores podem se vãler de treê s tipos de mãteriãl: 1) mãnuscritos gregos; 2) trãduçoã es ãntigãs; e 3) citãçoã es pãtríísticãs. Os mãnuscritos gregos chegãm hoje ã mãis de 5400. Destes, uns 98 sãã o pãpiros, ã mãioriã deles descobertos ão longo do seí culo XX, pois em 1900 erãm ãpenãs nove. Outros 270 sãã o mãnuscritos unciãis, ou sejã, mãnuscritos com cãrãcteres mãiuí sculos, copiãdos ãntes do seí culo X. Desses unciãis, ãpenãs umã terçã pãrte tem mãis do que duãs folhãs de texto, ou sejã, ã mãioriã eí bãstãnte frãgmentãí riã. O nuí mero dos minuí sculos ou cursivos chegã ã 2800. Estãs sãã o ãs coí piãs feitãs entre os seí culos XI e XIV. Aleí m disso, existem uns 2300 lecionãí rios, que sãã o ediçoã es do texto pãrã o uso lituí rgico. Quãnto ãà s versoã es (lãtim, sirííãco, coptã, etc), suã importãê nciã reside no fãto de serem bãstãnte ãntigãs, mãis ãntigãs ãteí do que ã mãioriã dos mãnuscritos gregos. Nã medidã em que refletem o originãl que lhes serviu de bãse, e este reflexo tende ã ser bãstãnte exãto (ãfinãl, ãs trãduçoã es ãntigãs erãm todãs bãstãnte formãis ou literãis), ãs versoã es se constituem em importãnte evideê nciã pãrã o texto do NT. As citãçoã es de textos bííblicos nos escritos dos Pãis dã Igrejã entre o seí culo II e o seí culo V tãmbeí m teê m ã suã importãê nciã. Umã citãçãã o bííblicã, ãleí m de ser um documento, revelã que tipo de texto erã conhecido em determinãdo lugãr. Isto pode ãteí ãjudãr ã determinãr em que locãlidãde determinãdo mãnuscrito grego foi copiãdo. No entãnto, por nãã o se sãber com exãtidãã o se determinãdo teoí logo costumãvã citãr de memoí riã ou nãã o, o testemunho dos Pãis, quãndo se trãtã de reconstruir o texto, tem importãê nciã relãtivã, e entrã ãpenãs como terceiro elemento nã listã. A história do texto grego EÉ muito difíícil trãçãr ã histoí riã do texto mãnuscrito, em especiãl nos primeiros seí culos. No entãnto, eí preciso tentãr reconstruir essã histoí riã, pois ã visãã o que o críítico tem dessã histoí riã vãi ãfetãr suãs decisoã es quãnto ão texto. Muitos crííticos de texto, segundo queixã de Kurt Alãnd, tentãm isolãr os mãnuscritos de seu contexto nã vidã dã igrejã ãntigã, o que eí ãltãmente censurãí vel. Westcott e Hort Umã visãã o dã histoí riã do texto que teve grãnde influeê nciã ão longo dã mãior pãrte do seí culo XX foi ã de Westcott e Hort. Eles fãvorecerãm o que chãmãrãm de texto neutro, feito bãsicãmente de umã combinãçãã o do Coí dice Sinãíítico (AÉ lefe) e do Coí dice Vãticãno (B). O texto bizãntino, que seriã umã combinãçãã o dos tipos de texto ãnteriores, feitã no quãrto seí culo, foi prãticãmente rejeitãdo. O esquemã de Westcott e Hort eí mãis ou menos o seguinte: 26

O Coí dice Sinãíítico e o mãnuscrito 2427 estãã o mãis proí ximos entre Si do que ã mãioriã dos outros mãnuscritos.

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Textus Receptus Harry Sturz Essã visãã o dã histoí riã do texto se impoê s, mãs nãã o ficou livre de crííticãs. Em tempos recentes, Hãrry Sturz, por exemplo, propoê s ã teoriã de que todos os tipos de texto remontãm ão segundo seí culo, ou sejã, que nãã o houve umã recensãã o ou combinãçãã o de textos no seí culo quãrto, dã quãl teriã resultãdo o texto bizãntino (1976)27. O esquemã de Sturz eí o seguinte:

O esquema de Kurt Aland Como foi visto, ã teoriã que mãis influenciou ãs decisoã es dos editores do texto grego do NT, em especiãl ãs ediçoã es Nestle, foi ã de Westcott e Hort, Em termos prãí ticos, sempre que o Coí dice Sinãíítico e o Coí dice Vãticãno concordãvãm, ãquele erã o texto. Entretãnto, ã pãrtir dã 26 ã ediçãã o do Nestle-Alãnd isso começou ã mudãr. Hoje os editores do texto trãbãlhãm com ã teoriã propostã pelos eruditos do Instituto pãrã Pesquisã Textuãl do Novo Testãmento, fundãdo por Kurt Alãnd, e que ficã em Muü nster, nã Alemãnhã. Aleí m de ãbãndonãrem, em grãnde pãrte, ã teoriã dos "textos locãis", isto eí , tipos de texto ligãdos ã determinãdos centros dã Igrejã ãntigã, esses eruditos trãbãlhãm com cinco cãtegoriãs de mãnuscritos:

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STURZ, Hãrry. The Byzãntine Text-type ãnd New Testãment Textuãl Criticism. Lã Mirãdã, Cãliforniã: Biolã College, 1976.

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I - Mãnuscritos de primeirã linhã, que sempre devem ser levãdos em contã quãndo se trãtã de estãbelecer o texto originãl. O texto ãlexãndrino entrã ãqui, bem como os pãpiros e unciãis copiãdos ãteí o terceiro e quãrto seí culos. II - Mãnuscritos de quãlidãde especiãl, com influeê nciã bizãntinã. O texto egíípcio entrã ãqui. III - Mãnuscritos de nãturezã distintã, com um texto independente, mãs que sãã o mãis importãntes pãrã ã histoí riã do texto do que pãrã o estãbelecimento do texto originãl. Aqui entrãm os mãnuscritos dãs ãssim chãmãdãs fãmííliãs 1 e 13. IV

- Mãnuscritos do texto D (texto ocidentãl).

V

- Mãnuscritos que teê m um texto predominãntemente bizãntino (ALAND e ALAND, pp.106, 159, 332-337).

Teorias de crítica textual: três possibilidades Existem, hoje, treê s teoriãs de crííticã textuãl: defesã do texto mãjoritãí rio, ecletismo moderãdo e ecletismo consistente. Defesa do texto majoritário Zãne C. Hodges, Arthur L. Fãrstãd, Wilbur N. Pickering e outros defensores dã King James Version, que estãí bãseãdã no textus receptus, ãrgumentãm que o texto mãjoritãí rio eí o texto originãl. Segundo esses eruditos, o fãto de o texto bizãntino ou mãjoritãí rio ãpãrecer em mãis de 80% dos mãnuscritos mostrã seu cãrãí ter de texto originãl. Deus nãã o teriã permitido que fosse espãlhãdo e difundido em tãã o grãnde escãlã um texto que nãã o fosse o originãl! Ficã clãro que, neste cãso, levã-se em contã ãpenãs ã ãssim chãmãdã evideê nciã externã, isto eí , o peso ou vãlor dos mãnuscritos. Ecletismo moderado Tãmbeí m eí chãmãdo de ecletismo rãcionãl ou gerãl. Por ecletismo entende-se o hãí bito de escolher o que se julgã melhor. O críítico de texto ecleí tico nãã o se sente ãmãrrãdo ã nenhum mãnuscrito ou grupo de mãnuscritos, nem dãí prefereê nciã ã um princíípio de crííticã textuãl de formã consistente, mãs escolhe o texto que lhe pãrece o melhor no contexto dãquelã vãriãnte. Jãí nã vãriãnte seguinte, os mãnuscritos fãvorecidos e os princíípios seguidos podem ser outros. Este eí o ponto de vistã mãis ãceito hoje, prãticãdo por Bruce Metzger, Kurt e Bãrbãrã Alãnd, entre outros. Em resumo, eí ã teoriã que eí levãdã em contã nã ediçãã o do The Greek New Testament dãs Sociedãdes Bííblicãs Unidãs bem como do Novum Testamentum Graece, o populãr Nestle-Alãnd. Considerã tãnto ã evideê nciã externã, isto eí , ã importãê nciã dos mãnuscritos, quãnto ã evideê nciã internã, isto eí , questoã es de contexto, estilo, etc. Tende ã fãvorecer o texto ãlexãndrino. Ecletismo consistente ou radical Os principãis representãntes sãã o os britãê nicos G. D. Kilpãtrick e J. K. Elliott. Aqui se trãbãlhã com ã hipoí tese de que, no segundo seí culo, portãnto, no perííodo ãnterior ão dã produçãã o dos grãndes mãnuscritos que temos hoje, houve umã revisãã o ãticistã do texto do NT, ou sejã, o texto do NT teriã sido ãdequãdo ão estilo ãí tico. Em funçãã o disso, ãrgumentã-se que nãã o se pode levãr em contã ã ãssim chãmãdã evideê nciã externã, isto eí , o vãlor relãtivo dos mãnuscritos, mãs ãpenãs o estilo do ãutor, o contexto, etc. Os crííticos ecleí ticos rãdicãis ãceitãm como originãis ãteí mesmo vãriãntes que teê m ãpoio de ãlguns ou ãteí mesmo de um soí mãnuscrito de menor importãê nciã. Uma nota sobre texto majoritário e textus receptus Emborã tenhãm muito em comum, o textus receptus (TR) e o texto mãjoritãí rio (TM) nãã o sãã o exãtãmente ã mesmã coisã. O TR foi o texto impresso por mãis de 350 ãnos, desde ã ediçãã o de Erãsmo, em 1516, ãteí o tempo de Westcott e Hort (1881). O termo surgiu em 1633, quãndo Elzevir, o editor, descreveu o texto nos seguintes termos: "Textum ergo habes, nunc ab omnibus receptum que, em trãduçãã o, significã: "O que tens, entãã o, eí o texto que ãgorã eí ãceito por todos ..." O TR bãseiã-se num nuí mero bem reduzido de mãnuscritos e, em ãlguns cãsos, tem leiturãs que nuncã forãm encontrãdãs em mãnuscritos gregos. Diverge do ãssim chãmãdo texto mãjoritãí rio nuns 2000 pontos.

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Jãí o texto mãjoritãí rio (TM) designã ã grãnde mãssã dos mãnuscritos gregos, dãíí o termo "mãjoritãí rio". Como ãs ediçoã es crííticãs do Novo Testãmento Grego em gerãl preferem o texto nãã o representãdo pelo TM, pode-se ãfirmãr que ãs ediçoã es crííticãs (tipo Nestle-Alãnd) diferem do texto mãjoritãí rio nuns 6500 pontos. Mesmo ãssim, existe umã concordãê nciã em 98% do texto. Contrã ãqueles que defendem o texto mãjoritãí rio eí preciso dizer que esse texto nãã o existiã nos primeiros quãtro seí culos dã igrejã cristãã ; soí veio ã ser o que eí , ou sejã, mãjoritãí rio, no seí culo IX. Isto se verificã pelo seguinte: os Pãis dã Igrejã, nos primeiros treê s seí culos, nãã o conhecem o TM; nenhumã trãduçãã o feitã nos treê s primeiros seí culos foi bãseãdã no TM; mãis de 50 pãpiros (num totãl de quãse 100) sãã o ãnteriores ão ãno 350 d.C., mãs nenhum deles representã o TM. Alguns princípios usados em crítica textual De formã resumidã, pode-se dizer que, hãvendo opçoã es de texto, ãquelã vãriãnte que melhor explicã ã origem dãs demãis vãriãntes tem mãiores chãnces de ser o texto originãl. Este tende ã ser o texto mãis breve. Diãnte disso, eí possíível ãfirmãr que, emborã muitos possãm pensãr que ãpenãs uns 97% ou 98% do texto originãl foi preservãdo nos mãnuscritos gregos, temos, nã verdãde, mãis do que 100%. Cãbe ãà crííticã textuãl descãrtãr o que eí espuí rio, pãrã que fiquem os exãtos 100%. Aleí m do texto mãis breve e menos hãrmonizãdo, no cãso de textos pãrãlelos, em gerãl prefere-se o texto mãis difíícil. No cãso, mãis difíícil do ponto de vistã do copistã. Essã dificuldãde podiã ser grãmãticãl ou teoloí gicã, levãndo o copistã ã ãlterãr o texto. O livro The text of the New Testament, de Kurt Alãnd e Bãrbãrã Alãnd, trãz umã listã de doze princíípios que resumem muito bem o que se levã em contã nã crííticã textuãl: 1) Por mãior que sejã o nuí mero de leiturãs ãlternãtivãs ou vãriãntes textuãis, soí umã pode ser originãl. Sãã o rãros os cãsos insoluí veis, em que duãs ou mãis leiturãs teê m chãnces de ser o originãl. Recorrer ã conjeturãs, isto eí , propor emendãs textuãis que nãã o teê m ãpoio de mãnuscritos significã render-se ãà s dificuldãdes, sem fãlãr que fãz violeê nciã ão texto. 2) Considerã-se originãl ã leiturã ou o texto que melhor ãtende ãos requisitos dã evideê nciã externã (os mãnuscritos que ãpoiãm determinãdã leiturã) e dã evideê nciã internã (contexto, estilo e vocãbulãí rio, teologiã do ãutor bííblico, etc). Nã evideê nciã internã entrã tãmbeí m o que se chãmã de "probãbilidãde de trãnscriçãã o", isto eí , o tipo de ãlterãçoã es que os copistãs provãvelmente introduzirãm. 3) A crííticã textuãl começã pelã evideê nciã dã trãdiçãã o mãnuscritã e soí entãã o pãrte pãrã ã evideê nciã internã. 4) A decisãã o nuncã pode se bãseãr unicãmente em criteí rios de ordem internã, especiãlmente se ã decisãã o conflitã com ã evideê nciã externã, isto eí , o ãpoio dos mãnuscritos. 5) Ao se decidir o texto, ã trãdiçãã o mãnuscritã tem peso mãior. As versoã es e os Pãis dã Igrejã teê m funçãã o suplementãr e confirmãtivã. 6) Mãnuscritos sãã o pesãdos ou ãvãliãdos, nãã o contãdos. Por mãis importãntes que sejãm os pãpiros, ou, entãã o, determinãdos mãnuscritos unciãis ou cursivos, nenhum deles ou grupo deles pode ser seguido ãutomãticãmente. As decisoã es sãã o tomãdãs cãso ã cãso, o que cãrãcterizã o ecletismo. Nã prãí ticã, ã crííticã textuãl eí um processo ãristocrãí tico, nãã o democrãí tico: cinco ou seis mãnuscritos ãntigos de boã quãlidãde podem derrubãr milhãres de outros, copiãdos em perííodo mãis recente. 7) Dizer que o originãl estãí num soí mãnuscrito ou numã versãã o isolãdã, que se colocã contrã o resto dã trãdiçãã o, nãã o pãssã de umã possibilidãde merãmente teoí ricã. 8)

O texto que melhor explicã ã origem dãs demãis vãriãntes tem mãis chãnces de ser o

9)

Vãriãntes nãã o podem ser exãminãdãs isolãdãmente, e sim no contexto dã trãdiçãã o

originãl. textuãl. 10) O princíípio lectio difficilior lectio potior (o texto mãis difíícil eí o mãis provãí vel) encerrã umã grãnde verdãde, mãs nãã o pode ser levãdo ão peí dã letrã, num tipo de consisteê nciã cegã.

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Do contrãí rio, corre-se o risco de ãdotãr ã leiturã mãis difíícil ãpenãs por oferecer ãlto grãu de dificuldãde. 11) O mesmo se ãplicã ão consãgrãdo princíípio lectio brevior lectio potior (o texto mãis breve eí o mãis provãí vel). Este nãã o pode ser ãplicãdo ã textos que de modo gerãl divergem do pãdrãã o, com frequü entes omissoã es ou ãcreí scimos devidos ã interesses editoriãis. Um exemplo disso eí o mãnuscrito D. Tãmbeí m nãã o se pode ãplicãr cegãmente o difundido princíípio de que vãriãntes que concordãm com textos pãrãlelos ou, no cãso de citãçoã es, com ã LXX sãã o secundãí riãs ou inferiores. Cãdã cãso eí um cãso. 12) O melhor treinãmento em crííticã textuãl eí ã fãmiliãridãde com os mãnuscritos. Pessoãs interessãdãs em dãr umã contribuiçãã o seí riã ãà crííticã textuãl deveriãm ter exãminãdo no míínimo um dos ãntigos pãpiros, um importãnte mãnuscrito unciãl, e um importãnte cursivo. Em crííticã textuãl, muitãs vezes o teoí rico puro mãis ãtrãpãlhã do que ãjudã (ALAND e ALAND, pp.280-82). Algumas conclusões28 1) O texto grego do Novo Testãmento eí o texto grego e ãs suãs vãriãntes. Em outrãs pãlãvrãs, ãs vãriãntes existem, ã crííticã textuãl eí inevitãí vel, e deve interessãr especiãlmente quem levã ã seí rio ã inspirãçãã o e ãutoridãde dã Bííbliã. Um dos primeiros grãndes crííticos de texto foi o teoí logo ãlemãã o Johãnn Albrecht Bengel, que fãziã pãrte do movimento conhecido como Pietismo! 2)

As ediçoã es do texto grego nãã o reproduzem um soí mãnuscrito de formã consistente.

3) As vãriãntes, em suã grãnde mãioriã, sãã o mãis interessãntes do que importãntes. Sãã o irrelevãntes e fãí ceis de explicãr. Nã medidã em que explicãm textos difííceis, ãjudãm mãis nã exegese do que no estãbelecimento do texto originãl. 4) Nenhumã doutrinã cristãã se bãseiã ou depende dã ãdoçãã o de determinãdã vãriãnte ou dã ãdoçãã o de um determinãdo tipo de texto, como, por exemplo, o texto mãjoritãí rio. Alguns, eí clãro, preferem o textus receptas por rãzoã es doutrinãí riãs. No entãnto, o ãbãndono desse texto nãã o resultã em prejuíízo doutrinãí rio, pois ãquelãs doutrinãs sãã o ensinãdãs ão longo de todo o NT. Um exemplo disso eí 1 Jo 5.7. 5) Nenhum mãnuscrito ou tipo de texto eí , por definiçãã o, hereí tico. Ao que se sãbe, ãteí hoje nenhumã igrejã decidiu que este ou ãquele tipo de texto grego eí cãnoê nico, e que os demãis sãã o espuí rios. 6) Nãã o eí sãí bio, tãmpouco eí boã ãdministrãçãã o cristãã , trãduzir um texto considerãdo inferior, quãndo se tem um de melhor quãlidãde. 7) A crííticã textuãl (que eí um misto de cieê nciã e ãrte, longe de ser totãlmente objetivã) nãã o chegou ão fim, ou sejã, ãindã nãã o se disse ã uí ltimã pãlãvrã. Vãriãntes sobem e descem, ou sejã, o que estãí no ãpãrãto críítico 29 hoje pode ãteí fãzer pãrte do texto ãmãnhãã . No entãnto, cãdã cãso precisã ser ãvãliãdo e ãs escolhãs, justificãdãs30. O Novum Testamentum Graece, editado por Nestle-Aland A ediçãã o do Novo Testãmento Grego que reuí ne o mãior nuí mero de recursos exegeí ticos, emborã seus editores o considerem umã "ediçãã o de bolso", eí o Novum Testamentum Graece, conhecido populãrmente como Nestle-Alãnd, que se encontrã nã vigeí simã seí timã ediçãã o. O Nestle-Alãnd27 eí umã ediçãã o do NT Grego que se desenvolveu ã pãrtir de um texto editãdo por Eberhãrd Nestle e publicãdo, em primeirã ediçãã o, no ãno de 1898, nã Alemãnhã. Nestle (pronunciã-se "neí stle") bãseou suã ediçãã o no trãbãlho dos grãndes crííticos de texto do seí culo XIX. Ele compãrou ãs ediçoã es de Tischendorf, Westcott e Hort, e Weymouth (estã seriã substituíídã, ã pãrtir de 1901, pelã ediçãã o de Bernhãrd Weiss), e, quãndo duãs ediçoã es concordãvãm, ele ãceitãvã esse 28

Essãs conclusoã es se bãseiãm em BROOKS, Jãmes A. The text of the New Testãment ãnd biblicãl ãuthority, Southwestern Journãl of Theology, v.34, pp.13-21, 1992. 29 Denominã-se de "ãpãrãto críítico" o conjunto de informãçoã es que ãpãrece ão peí dã pãí ginã. 30 Pãrã mãis detãlhes sobre o texto do Novo Testãmento Grego e ã crííticã textuãl, conferir PAROSCHI, Wilson. Crííticã textuãl do Novo Testãmento. Sãã o Pãulo: Vidã Novã, 1993.

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consenso como indíício de que ãquele erã o texto, ã ser ãceito como originãl. A leiturã discordãnte erã colocãdã no ãpãrãto críítico, como vãriãnte textuãl. O trãbãlho e Eberhãrd Nestle, que fãleceu em 1913, foi continuãdo pelo filho dele, Erwin Nestle, que fãleceu em 1972. Em 1952, com ã 21 ã ediçãã o, Kurt Alãnd (pronunciã-se "curt ãí lãnd") tornouse editor ãssociãdo, e ã pãrtir dãíí tomou formã o Nestle-Alãnd. Kurt Alãnd, um especiãlistã em histoí riã dã Igrejã, revisou o ãpãrãto críítico, expãndindo o nuí mero dãs testemunhãs citãdãs, e lãnçou, em 1963, ã 25ã ediçãã o, que viriã ã ser reimpressã diversãs vezes. Em 1955, Alãnd foi convidãdo ã pãrticipãr dã comissãã o editoriãl do que viriã ã ser o The Greek New Testament. O resultãdo finãl dessã pãrceriã foi o seguinte: ã 26 ã ediçãã o do Novum Testamentum Graece, de 1979, e ã 3ã ediçãã o do The Greek New Testament, de 1975, pãssãrãm ã ter exãtãmente o mesmo texto grego bãí sico. As uí nicãs diferençãs dizem respeito ãà segmentãçãã o do discurso, pontuãçãã o, sem fãlãr que os ãpãrãtos crííticos, ou sejã, ãs informãçoã es colocãdãs ão peí dã pãí ginã, sãã o distintos. Os sinais críticos no Nestle-Aland O Nestle-Alãnd trãz um ãpãrãto críítico bãstãnte extenso, ou sejã, registrã mãis de 10 mil vãriãntes. No entãnto, ã documentãçãã o pãrã cãdã vãriãnte eí bãstãnte reduzidã, em compãrãçãã o com o The Greek New Testament. Os sinãis crííticos que ãpãrecem no texto do Nestle-Alãnd sãã o, de fãto, sinãis, ou sejã, sãã o significãtivos. Aleí m de mostrãrem ã locãlizãçãã o exãtã dã vãriãnte, indicãm ã suã nãturezã. Em outrãs pãlãvrãs, sem precisãr recorrer ão ãpãrãto, o leitor sãbe se determinãdo problemã textuãl tem ã ver com omissãã o de um termo, inserçãã o de umã pãlãvrã, ãlterãçãã o dã ordem dãs pãlãvrãs, etc. Os principãis sinãis crííticos sãã o estes: ˚ A palavra que vem depois deste sinãl eí omitida nos mãnuscritos citãdos no ãpãrãto críítico. 

As palavras, locuções ou frases que veê m depois desse sinãl, no texto, sãã o omitidas nos mãnuscritos listãdos no ãpãrãto críítico. O sinãl ' mãrcã o fim do texto omitido. r

A palavra que segue este sinãl, no texto, eí substituída por umã ou mãis pãlãvrãs nos mãnuscritos citãdos no ãpãrãto. 

As palavras que veê m depois deste sinãl, no texto, sãã o substituídas por outrãs pãlãvrãs nos mãnuscritos citãdos no ãpãrãto críítico. O sinãl ' mãrcã o fim do texto substituíído. Muitãs vezes, isto envolve umã simples trocã dã ordem dãs pãlãvrãs. Sempre que este for o cãso, os nuí meros que ãpãrecem no ãpãrãto críítico indicãm em que ordem ãs pãlãvrãs em questãã o ãpãrecem nos mãnuscritos citãdos. Um exemplo eí Mt 27.51. T

Mãrcã o locãl onde uma ou mais palavras, ãà s vezes um versíículo inteiro, eí inserido nos mãnuscritos citãdos no ãpãrãto críítico. ς

As palavras que veê m depois deste sinãl no texto ãpãrecem numã ordem diferente nos mãnuscritos citãdos no ãpãrãto críítico. Um sinãl semelhãnte ão ãnterior mãrcã o fim do trecho onde ocorre ã trocã de ordem. A sequü eê nciã dãs pãlãvrãs eí indicãdã, quãndo necessãí rio, por nuí meros. Um exemplo eí Mt 16.13. :

Dois-pontos em sobrescrito dentro do texto indicãm umã formã ãlternãtivã de pontuãr o texto. Um ponto dentro dos sinãis ãcimã ou, entãã o, um nuí mero em sobrescrito fãz ã distinçãã o entre ãs diferentes ocorreê nciãs do mesmo tipo de vãriãnte textuãl dentro de umã uí nicã unidãde do ãpãrãto críítico, que, em gerãl, se limitã ã um versíículo. Outras características do aparato crítico do Nestle-Aland O sinãl txt (= textus ou texto) introduz ã listã de mãnuscritos ou testemunhãs que ãpoiãm ã leiturã impressã como texto. Dentro de umã unidãde de vãriãçãã o, no ãpãrãto, este síímbolo e ãs testemunhãs que ele introduz sempre ãpãrecem como uí ltimo item.

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As testemunhãs que ãpoiãm determinãdã leiturã ãpãrecem, no ãpãrãto, sempre nã mesmã seqüência: mãnuscritos gregos, versoã es, citãçoã es dos Pãis. Pãrã os mãnuscritos gregos, ã ordem eí estã: pãpiros, unciãis, minuí sculos e lecionãí rios. Pãrã ãs versoã es ãntigãs ã ordem eí : lãtinã, sirííãcã, coptã, ãrmeê niã, etc. Umã vez que mãnuscritos erãm ãlterãdos ou corrigidos por sucessivos leitores, eí preciso fãzer distinçãã o entre diferentes leiturãs num mesmo mãnuscrito. Pãrã tãnto, sãã o usãdos os seguintes Sinãis, ãpoí s os síímbolos ou nuí meros que identificãm mãnuscritos, no ãpãrãto: • identificã ã leiturã originãl. c

identificã umã correçãã o feitã por um copistã posterior; em ãlguns cãsos, pode indicãr tãmbeí m correçãã o feitã pelo copistã originãl. 1.2.3

identificã umã correçãã o feitã pelo primeiro, segundo ou terceiro corretores. Um "M" estilizãdo ou goí tico designã leiturãs ãpoiãdãs pelã mãioriã de todos os mãnuscritos, isto eí , sempre incluindo mãnuscritos do tipo de texto coineê ou bizãntino. +

Umã cruz indicã ã mudãnçã no texto em relãçãã o ãà 25 ã ediçãã o. Em outrãs pãlãvrãs, ã leiturã com este sinãl, no ãpãrãto críítico, erã texto nã 25 ã ediçãã o (bem como em ediçoã es ãnteriores ã estã). Um exemplo disso pode ser visto em Mt 7.18 r e em Mt 20.18r. Essãs pãssãgens sempre representãm decisoã es textuãis bãstãnte difííceis. p)

Refere-se ã pãssãgens pãrãlelãs nos Evãngelhos, ãs quãis ãpãrecem nã mãrgem, no iníício dãs períícopes.31 O The Greek New Testament (GNT) das Sociedades Bíblicas Unidas Estã ediçãã o do Novo Testãmento Grego foi ideãlizãdã por Eugene A. Nidã, e foi lãnçãdã em 196632. Seu propoí sito eí diferente do Nestle-Alãnd, nã medidã em que eí umã ediçãã o projetãdã pãrã trãdutores dã Bííbliã. Isto explicã o nuí mero reduzido de vãriãntes textuãis listãdãs, ã sãber, menos de 1.500. Forãm selecionãdãs ãpenãs ãs mãis importãntes e que podem resultãr em trãduçoã es diferentes, dependendo dã opçãã o textuãl que se fizer. O nuí mero reduzido de vãriãntes eí compensãdo por umã documentãçãã o mãis fãrtã, ou sejã, ã documentãçãã o, em cãdã cãso, eí tãã o completã quãnto possíível. O texto grego do GNT O texto grego do The Greek New Testament, que hoje estãí nã quãrtã ediçãã o revisãdã, eí ideê ntico ão dã 27ã ediçãã o do Nestle-Alãnd. Os nuí meros ãrãí bicos em sobrescrito, dentro do texto, remetem ão ãpãrãto críítico. Apãrecem em sequü eê nciã numeí ricã e ã contãgem recomeçã ã cãdã novo cãpíítulo. O nuí mero dos versíículos ãpãrece em negrito no ãpãrãto. As letrãs em itãí lico sobrescrito remetem ão aparato de segmentação. As letras A, B, e, D no aparato crítico A comissãã o editoriãl do GNT, bãseãdã em princíípios de crííticã textuãl que sãã o ãmplãmente ãceitos, levou em contã um leque mãis ãmplo possíível de mãnuscritos. Estã eí ã ãssim chãmãdã evideê nciã externã. Levou em contã tãmbeí m ã evideê nciã internã, ou sejã, todo tipo de considerãçoã es internãs relãtivãs ãà origem e trãnsmissãã o do texto. Mãs, como em muitos cãsos ã evideê nciã provindã dessãs fontes permite diferentes soluçoã es e, ãssim, resultã em diferentes grãus de certezã quãnto ãà formã do texto originãl, recorreu-se ãà s letrãs A, B, e e D, que ãpãrecem entre chãves { } no começo de cãdã item do ãpãrãto, pãrã indicãr um dentre quãtro grãus de certezã. Esse sistemã revelã em grãnde pãrte ãs dificuldãdes que ã comissãã o editoriãl teve pãrã tomãr decisoã es quãnto ão texto. {A} indicã que eí certo que o texto eí esse mesmo. {B} indicã que eí quãse certo que esse eí o texto. {C} indicã que foi difíícil pãrã ã comissãã o decidir que vãriãnte deveriã ãpãrecer no texto. 31

Umã explicãçãã o detãlhãdã de todos os síímbolos e sinãis encontrã-se nã introduçãã o ão Nestle-Alãnd. Nidã nãã o ãpãrece como editor, mãs, ãleí m de conceber o projeto, foi o coordenãdor dã equipe editoriãl. STINE, Philip e. Let the words be written: the lãsting influence of Eugene A. Nidã. Atlãntã: Society of Biblicãl Literãture, 2004, p.113. 32

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{D} ãpãrece rãrãmente e indicã que foi muito difíícil pãrã ã comissãã o tomãr umã decisãã o. No iníício de cãdã notã no ãpãrãto críítico se imprime o texto que eí considerãdo originãl, isto eí , ã formã que ãpãrece no texto. Em seguidã ãpãrecem todãs ãs vãriãntes que sãã o encontrãdãs nos mãnuscritos selecionãdos. Alguns dos símbolos no aparato crítico33 Os seguintes síímbolos e ãbreviãturãs sãã o usãdos ão se citãr ã evideê nciã dos mãnuscritos gregos: Byz A leiturã dos testemunhos bizãntinos, isto eí , o texto dã grãnde mãioriã dos mãnuscritos gregos, especiãlmente os do segundo mileê nio (corresponde mãis ou menos ão "M" estilizãdo do NestleAlãnd). A leiturã originãl de um mãnuscrito, quãndo o texto do mãnuscrito foi corrigido; correlãtivo de c. c

A leiturã de um corretor de mãnuscrito; correlãtivo de •.

1,2,3,c

Sucessivãs correçoã es de um mãnuscrito em ordem cronoloí gicã, nã medidã em que isto pode ser determinãdo. O síímbolo c ão finãl dã sequü eê nciã refere-se ão uí ltimo corretor. Correlãtivo de •. ( ) Os pãreê nteses indicãm que ãquele mãnuscrito ãpoiã ã vãriãnte citãdã, mãs ãpresentã umã ligeirã diferençã em relãçãã o ã elã. Aparato de segmentação do discurso Aleí m dos tíítulos de seçãã o, que nãã o ãpãrecem no Nestle-Alãnd, outro detãlhe cãrãcteríístico do The Greek New Testament é o ãpãrãto de segmentãçãã o. Trãtã-se de vãriãntes de pontuãçãã o e segmentãçãã o do discurso conforme cinco diferentes ediçoã es do texto grego e onze trãduçoã es modernãs do NT. Essã informãçãã o visã ã ãjudãr os trãdutores dã Bííbliã em suãs decisoã es quãnto ãà segmentãçãã o do texto. Mesmo longe de umã bibliotecã, eles teê m ãcesso indireto ã essãs ediçoã es e trãduçoã es, que podem orientãí -los nãs decisoã es quãnto ã como estruturãr o texto. Aleí m disso, eí um vãlioso recurso exegeí tico pãrã todo e quãlquer estudioso do texto do NT, pois permite que se "consulte" 16 livros diferentes, mesmo quãndo nãã o se tem ãcesso direto ã eles34. Edições em português O texto grego dã quãrtã ediçãã o revisãdã do The Greek New Testament eí o texto bãse do Novo Testamento interlinear grego-português, publicãdo pelã Sociedãde Bííblicã do Brãsil, em 2004. Estãí em fãse de prepãrãçãã o, nã Sociedãde Bííblicã do Brãsil, umã ediçãã o portuguesã dãquele texto. Aleí m dã trãduçãã o dã introduçãã o, dos tíítulos de seçãã o, e dos demãis mãteriãis em líínguã inglesã, trãrãí , como ãpeê ndice, um pequeno leí xico grego-portugueê s.

33

Pãrã ã listã completã, conferir ã introduçãã o ão GNT.

34

A rigor, o mesmo se ãplicã ão ãpãrãto críítico dãs vãriãntes textuãis. Sem sãir de cãsã, ãlgueí m poderiã, ãteí certo ponto, reconstruir o texto de um mãnuscrito como o Coí dice Sinãíítico. As informãçoã es estãã o todãs no ãpãrãto críítico.

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5 A BÍBLIA EM TRADUÇÃO Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus? (At 2.11) De que serve a pureza da linguagem, se a inteligência do auditório não acompanha? Não temos absolutamente nenhuma razão de falar, se aqueles a quem nos dirigimos para nos fazer compreender não compreendem o que dizemos. (AGOSTINHO, A doutrina cristã, 1V,10.24, p.230)

A feí bííblicã eí essenciãlmente missionãí riã (At 1.8). Diãnte disso, nãdã mãis nãturãl que se trãduzã ã Bííbliã pãrã diferentes líínguãs. Em outrãs religioã es, esperã-se que os fieí is ãprendãm umã outrã líínguã pãrã ler o livro sãgrãdo. No cãso do islãã , por exemplo, o Alcorãã o soí pode ser lido em ãí rãbe. Com ã feí bííblicã eí diferente: trãduz-se desde o tempo de Esdrãs e Neemiãs, se nãã o ãntes. O processo de tradução Trãduzir eí , ã rigor, pãssãr um texto pãrã outrã líínguã. Isto pãrece fãí cil e simples, mãs nãã o eí . Existe ãteí ã histoí riã de umã senhorã norte-ãmericãnã que, em suã ingenuidãde, ão se ãposentãr, entrou em contãto com umã ãgeê nciã de trãduçãã o dã Bííbliã, pedindo que lhe enviãssem o dicionãí rio de umã líínguã indíígenã, pois, como ãgorã dispunhã de tempo, poderiã ãjudãr no trãbãlho de trãduçãã o dãs Escriturãs. Mãl sãbiã elã que um texto eí mãis do que um conjunto de pãlãvrãs isolãdãs e que trãduzir eí muito mãis do que simplesmente substituir pãlãvrãs! O que se diz numã líínguã pode, ã princíípio, ser dito em quãlquer outrã líínguã. Nãã o que sejã um processo simples. Hãí ãlguns termos que sãã o de difíícil trãduçãã o, como, por exemplo, ã pãlãvrã "sãudãde"35. Tãmbeí m existem textos que representãm grãnde desãfio pãrã o trãdutor, como, por exemplo, ã obrã de Jãmes Joyce. Nem sempre o texto trãduzido diz exãtãmente ã mesmã coisã que o originãl. Em muitos momentos o que se consegue eí umã "semelhãnçã interpretãtivã". O neto de Jesus, filho de Sirãque, que, no segundo seí culo ã.C, trãduziu ã obrã do ãvoê pãrã o grego, hãviã se dãdo contã disso. Ele confessou: Fiz todo o possível para traduzi-lo bem. Mas, mesmo assim, se parecer que não fui feliz na tradução de algumas passagens, peço que me desculpem. É que as coisas escritas em hebraico não têm exatamente o mesmo sentido quando são traduzidas para outra língua. Isso não acontece somente com este livro que traduzi; a própria Lei, os livros dos Profetas e os outros livros são bem diferentes quando são lidos na língua em que foram escritos. (Introdução ao Eclesiástico, texto da NTLH)

Mãs nãã o existe texto intrãduzíível. Como explicã Pãulo Roí nãi, ãlguns textos teê m trãduzibilidãde ãbsolutã, ou sejã, deixãm impressãã o iguãl em todos os leitores (ROÉ NAI, 1987, p.56). Jãí ã trãduçãã o de textos literãí rios eí umã ãproximãçãã o, nãã o hãvendo umã trãduçãã o perfeitã e definitivã. O cãso extremo eí ã poesiã. Segundo Robert Frost, "poesiã eí ãquilo que se perde nã trãduçãã o" (ROÉ NAI, 1976, p.79). A Bííbliã tem muito de literãturã, especiãlmente os trechos poeí ticos. Isto tãlvez ãjude ã explicãr o constãnte surgimento de novãs trãduçoã es. O panorama lingüístico atual

35

Segundo Moãcyr Scliãr, Sãturno nos troí picos, pp. 148-51, ã sãudãde eí o mãis luso dos sentimentos. A noçãã o de que sãudãde soí existe em portugueê s vem do rei Dom Duãrte, do começo do seí culo XV Isso nãã o eí totãlmente exãto, emborã exemplos de outros idiomãs nãã o tenhãm "nem de longe, nã economiã dos respectivos idiomãs-irmãã os, ã importãê nciã e ã frequü eê nciã dã sãudãde nã líínguã portuguesã; nem tãã o pouco o quid, o nãã o-sei-queê de misterioso que lhe ãdere" (Cãrolinã Michãelis de Vãsconcelos). Algueí m definiu sãudãde como "desejo dã coisã ou criãturã ãmãdã, tornãdo dolorido pelã ãuseê nciã". Temos sãudãde dãquilo que gostãmos e gostãmos de ter sãudãde, diz Scliãr (p.150).

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Existem em todo o mundo, hoje, ãproximãdãmente 6.700 líínguãs vivãs. Cãlculã-se que, no seí culo XV, esse nuí mero chegãvã ã quinze mil 36. Essãs 6.700 líínguãs chegãm, nã verdãde, ã 41 mil, cãso se levãr em contã os diãletos, que sãã o formãs locãis de umã líínguã. A metãde dessãs líínguãs eí fãlãdã nã regiãã o dã AÉ siã e do Pãcíífico, segundo divisãã o do mundo em quãtro regioã es, ãdotãdã pelãs Sociedãdes Bííblicãs Unidãs. Aproximãdãmente 31% delãs sãã o fãlãdãs nã AÉ fricã; 15% nãs Ameí ricãs; e soí 4% nã Europã. Nã verdãde, 96% dã populãçãã o mundiãl conseguem se comunicãr fãzendo uso de ãpenãs quãtro líínguãs diferentes. A líínguã mãis fãlãdã no mundo eí , hoje, o mãndãrim (chineê s), com uns 900 milhoã es de fãlãntes. Em segundo lugãr vem o espãnhol, com quãse 400 milhoã es. Em terceiro lugãr, o ingleê s, seguido de bengãli e hindi. O portugueê s ãpãrece em sexto lugãr, seguido de russo e jãponeê s. Nã Europã, 730 milhoã es de pessoãs fãlãm 25 líínguãs vivãs. Nãs Ameí ricãs, 830 milhoã es de pessoãs fãlãm mil líínguãs diferentes. No Brãsil, ãpesãr dã impressãã o de sermos um pãíís unilingue, sãã o fãlãdãs umãs 170 líínguãs indíígenãs. Somãdãs ãà situãçãã o dãs populãçoã es ãlofoê nicãs (itãliãnos, ãlemãã es, ucrãniãnos, jãponeses, ãí rãbes, etc), chegã-se perto de 200 líínguãs fãlãdãs no Brãsil 37. Traduções da Bíblia em perspectiva histórica A primeirã trãduçãã o bííblicã literãí riã, isto eí , escritã, foi ã gregã, feitã nos treê s uí ltimos seí culos ãntes de Cristo e conhecidã como Septuãgintã ("Versãã o dos Setentã"). Nã erã do NT, ãs trãduçoã es forãm surgindo nã medidã em que ã feí cristãã iã ãvãnçãndo pelo mundo. Trãduçoã es lãtinãs, por exemplo, começãrãm ã ãpãrecer por voltã de 200 d.C. Assim, em 1804, quãndo iniciou o movimento dãs sociedãdes bííblicãs, com ã fundãçãã o dã Sociedãde Bííblicã Britãê nicã e Estrãngeirã, ã Bííbliã tinhã sido trãduzidã pãrã 68 líínguãs. Em 1940, ã trãduçãã o dã Bííbliã ãlcãnçou 1.000 líínguãs38. No ãno de 2003, ã Bííbliã, ou trechos delã, estãvã trãduzidã pãrã 2.355 líínguãs diferentes. A tradução de João Ferreira de Almeida A Bííbliã em portugueê s foi ã deí cimã terceirã trãduçãã o numã líínguã modernã, depois dã Reformã do seí culo XVI. O primeiro ã trãduzir ã Bííbliã dos originãis (grego e hebrãico) pãrã ã líínguã portuguesã foi Joãã o Ferreirã de Almeidã, pãstor dã Igrejã reformãdã holãndesã. A trãduçãã o foi feitã no cãmpo dã missãã o, longe de Portugãl e do Brãsil, pois em terrãs cãtoí licãs ã leiturã dã Bííbliã erã proibidã ãos leigos. Joãã o Ferreirã A. de Almeidã nãsceu em Torre de Tãvãres, perto de Lisboã, em 1628, e deixou Portugãl ãos 14 ãnos de idãde, indo pãrã ã Holãndã e depois pãrã Mãlãcã, nãs ííndiãs Orientãis. Depois de um bom tempo, Almeidã foi ordenãdo ão ministeí rio dã Igrejã Reformãdã, sendo pãstor nã cidãde de Bãtãí viã, nã ilhã de Jãvã, ãtuãlmente ã Indoneí siã. Almeidã erã um homem extremãmente zeloso e um polemistã. Seu lemã erã perficit qui perseverai ("terminã quem perseverã"), e contemporãê neos dele fãlãvãm de "suãs prãí ticãs cãbeçudãs" (HALLOCK & SWELLENGREBEL, 2000, p.115). Aos 16 ãnos de idãde, Almeidã jãí hãviã trãduzido o Novo Testãmento do lãtim ão portugueê s. Suã trãduçãã o feitã do originãl grego foi impressã em 1681, nã Holãndã, sob o tíítulo: "O Novo Testãmento isto he o novo concerto de nosso fiel Senhor e Redemptor Iesu Christo trãduzido nã Linguã Portuguesã". Essã trãduçãã o, que depois foi integrãlizãdã com o ãcreí scimo do Antigo Testãmento, foi publicãdã vãí riãs vezes em Bãtãí viã, nã Holãndã, em Londres e no Rio de Jãneiro. O Novo Testãmento Grego de que Almeidã dispunhã reproduziã o ãssim-chãmãdo textus receptus ("texto recebido"), segundã ediçãã o de 1633, publicãdã pelos irmãã os Elzevir. Em ãlguns pontos, o textus receptus eí mãis longo do que o texto grego que hoje eí ãceito como originãl em ediçoã es crííticãs 36

Diz-se que, hoje, morre umã líínguã ã cãdã duãs semãnãs. Umã líínguã morre quãndo morre o uí ltimo fãlãnte dã mesmã. Responsãí veis diretos por isso sãã o guerrãs e genocíídios; processos migrãtoí rios, e o imperiãlismo culturãl. Em nosso cãso especíífico, cãlculã-se que no iníício dã colonizãçãã o "ã populãçãã o brãsíílicã estãí entre os dois extremos de 4,5 e 2,5 milhoã es de indíígenãs, que deviãm, de fãto, fãlãr entre 2-1,5 mil líínguãs" (HOUAISS, 1983, p.63). 37 Pãrã fins de compãrãçãã o, registre-se que, nos Estãdos Unidos, sãã o fãlãdãs 176 líínguãs; nã Argentinã, 20. 38 Sempre eí bom lembrãr que nem sempre se trãtã dã Bííbliã completã trãduzidã pãrã essãs líínguãs.

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como o Nestle-Alãnd e o The Greek New Testament. Isto explicã o mãteriãl entre colchetes, no NT (e ãpenãs ãli) dã Almeidã Revistã e Atuãlizãdã: constãvã do texto grego que Almeidã conheciã, mãs hoje nãã o mãis fãz pãrte do texto grego ãceito como originãl. Almeidã morreu em 1691, com 63 ãnos, deixãndo ã trãduçãã o do AT inconclusã: pãrou em Ezequiel, cãpíítulo 48, versíículo 21. Quem concluiu ã trãduçãã o foi um colegã holãndeê s de Almeidã, chãmãdo Jãcobus op den Akker. A Bííbliã todã soí foi publicãdã em 1753. Essã trãduçãã o, com ãtuãlizãçãã o ortogrãí ficã e pequenãs modificãçoã es em relãçãã o ão primitivo Almeidã, eí conhecidã como Almeidã Revistã e Corrigidã (ARC). Almeida Revista e Atualizada (ARA) Em 1943, ãs Sociedãdes Bííblicãs Unidãs decidirãm publicãr umã revisãã o dã trãduçãã o de Almeidã. Estã tãrefã foi continuãdã pelã Sociedãde Bííblicã do Brãsil, que foi fundãdã, no Rio de Jãneiro, em 1948. Feitã ã pãrtir dã deí cimã sextã ediçãã o do texto grego editãdo por Erwin Nestle, que foi sendo reimpresso sem ãlterãçoã es ãteí ãà 25 ã ediçãã o, ã trãduçãã o do NT dã Almeidã Revistã e Atuãlizãdã foi publicãdã em 1952. A revisãã o do AT foi concluíídã em 1956. A Bííbliã todã foi publicãdã em 1959. Entre ãs modificãçoã es em relãçãã o ão Almeidã ãntigo estãã o ãs seguintes: diãnte dã constãtãçãã o de que muitãs pessoãs somente terãã o contãto com o texto sãgrãdo ãtrãveí s de umã leiturã puí blicã dã Bííbliã, nãã o podendo ou nãã o querendo ler o texto elãs mesmãs, deu-se ãtençãã o especiãl ãà mãneirã como o texto soã numã leiturã em voz ãltã. Assim, forãm eliminãdos cercã de dois mil tipos de cãcoí fãtos ou desãgrãdos cãcofoê nicos. Entre esses estãã o os "tãtus" ("Voltã tu tãmbeí m", Rt 1.15), ãs "ãlices" ("e todo o Isrãel ãli se ãchou", Ed 8.25), etc. Foi tãmbeí m pãrã evitãr um desãgrãdo cãcofoê nico ("ãvoí s") que se pãssou ã usãr, ãqui e ãli, "ã voí s outros". Um exemplo dessã cãcofoniã ãpãrece em EÊ x 24.14: "ficãi ãqui ãteí que nos tornemos ã voí s"! Nã ARA, ficou ãssim: "Esperãi-nos ãqui ãteí que voltemos ã voí s outros"39. Nã ARA, o nome de Deus ("Jãveí "), no Antigo Testãmento, ãpãrece em versãlete: SENHOR. Aleí m disso, ã primeirã letrã dã pãlãvrã que iniciã um pãrãí grãfo foi impressã em negrito. Tãmbeí m os textos poeí ticos pãssãrãm ã ser impressos como poesiã. No coê mputo gerãl, ARA difere do Almeidã ãntigo (recensãã o de Londres) em 30% do texto. Ao todo, ARA empregã uns 8.400 vocãí bulos diferentes, excluindo nomes proí prios. Duãs figurãs de proã no trãbãlho de revisãã o e ãtuãlizãçãã o de Almeidã, no Brãsil, forãm o dr. Pãul W. Schelp, eminente biblistã e professor do Seminãí rio Concoí rdiã de Porto Alegre, e o reverendo Antonio de Cãmpos Gonçãlves, renomãdo vernãculistã, ãà eí pocã rãdicãdo no Rio de Jãneiro. Comparação entre os três textos de Almeida O texto de Nm 24.3-6, ãbãixo, permite que se percebã como o texto de Almeidã mudou desde ã primeirã impressãã o (1748) ãteí ã ediçãã o revistã e ãtuãlizãdã. ã

1 impressão de Almeida

ARC

A

Fãllã Billeãm filho de Beor.

Fãllã, Bãlããã o, filho de Beor,

P

e fãllã o vãrãã o de olhos

e fãllã o homem d'olhos

p

ãbertos. Fãllã o que ouve

ãbertos. Fãllã ãquelle que ouviu

ã

os ditos de Deus, o que veí

os ditos de Deus, o que veê

o

ã visãoã do Todo-podcroso.

ã visãã o do Todo-poderoso

ã

o enlevãdo, e o descuberto

cãido em extãse d'olhos

e

de olhos. Quãm boãs ãs

ãbertos. Que boãs ãs

ã

39

Pãrã mãis detãlhes e exemplos, confirã SCHOLZ, Víílson. A trãduçãã o dã Bííbliã por Joãã o Ferreirã de Almeidã e suãs revisoã es. Igrejã Luterãnã, v.64, junho de 2005, pp.7-29.

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tuãs tendãs, o Jãcob! Tuãs

tuãs tendãs, oí Jãcob! As tuãs

t

morãdãs 6 Isrãel! Como

morãdãs, oí Isrãel. Como

m

ribeiros se esprãyãoã . como

ribeiros se estendãm; como

v

hortãs junto ã os rios: como

jãrdins ão peí dos rios: como

j

ãí rvores de sãê ndãlo Jehovãh

ãí rvores de sãê ndãlo o Senhor

ã

os plãntou, como cedros junto

os plãntou, como cedros junto

p

ãs ãí guãs.

ã

ãí ãgoãs.

A Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) A mãis recente trãduçãã o bííblicã lãnçãdã pelã Sociedãde Bííblicã do Brãsil eí o texto nã linguãgem de hoje. O projeto teve iníício em 1966, sendo que o NT sãiu do prelo em 1973. A Bííbliã completã foi publicãdã em 1988. Em 2000, foi lãnçãdã ã Novã Trãduçãã o nã Linguãgem de Hoje, que eí , ã rigor, umã segundã ediçãã o desse texto, pois consiste em ãlguns pequenos retoques no AT (SENHOR em lugãr de "Deus Eterno", ãleluiã em lugãr de "louvem o Deus Eterno", etc.) e umã revisãã o mãis ãprofundãdã dã trãduçãã o do NT. Umã dãs diferençãs mãis pãlpãí veis entre ã NTLH e ã Almeidã diz respeito ão vocãbulãí rio. Enquãnto Almeidã esperã que seu leitor conheçã mãis de oito mil vocãí bulos diferentes, nã NTLH esse nuí mero cãi pãrã pouco mãis de quãtro mil. Isso ficã dentro de umã fãixã ãceitãí vel, pois ã mãioriã dos fãlãntes dã líínguã usã, de formã ãtivã, ãpenãs uns treê s mil vocãí bulos, mesmo que sejã cãpãz de entender, de formã pãssivã, muito mãis do que isso40. Uma tradução em linguagem comum A NTLH eí umã trãduçãã o em linguãgem comum. Emborã linguãgem comum sejã, por vezes, entendidã como sinoê nimo de linguãgem simples, o conceito nãã o eí exãtãmente ideê ntico. Linguãgem comum eí ã linguãgem que ã mãioriã dã populãçãã o de um lugãr, de norte ã sul, de leste ã oeste, tem em comum. Isto significã que regionãlismos nãã o fãzem pãrte de umã trãduçãã o dessãs. O mesmo se ãplicã ão linguãjãr erudito, inãcessíível ãà s pessoãs de poucã escolãridãde, e ãà linguãgem vulgãr, inãceitãí vel pãrã os mãis eruditos. Nã prãí ticã, ã linguãgem comum eí ãquele meio-termo que eí ãcessíível ãà s pessoãs menos instruíídãs e que eí ãceitãí vel ãà s pessoãs mãis eruditãs. Outras características da NTLH A NTLH tãmbeí m se cãrãcterizã por dividir o texto em unidãdes menores. Um exemplo disso eí o que ãcontece em Ef 1.3-14, que eí , possivelmente, um dos perííodos mãis longos do Novo Testãmento: foi dividido em cinco pãrãí grãfos. Aleí m disso, elã tornã explíícitos dãdos que estãã o implíícitos. Exemplos disso sãã o "Espíírito de Deus", onde normãlmente se leê "Espíírito", e "Escriturã Sãgrãdã", onde, ã rigor, o originãl trãz ãpenãs "Escriturã"41. Iguãlmente tende ã trãnsformãr construçoã es pãssivãs em ãtivãs, como, por exemplo, em Mt 5.4: "serãã o consolãdos" foi trãnsformãdo em "Deus ãs consolãrãí ". Outrã cãrãcteríísticã dã NTLH eí o processo de trãnsmetãforizãçãã o, ou sejã, ã trãduçãã o por outrã metãí forã, sempre que ã metãí forã bííblicã for obscurã pãrã o leitor brãsileiro. Assim, o "cãnto do eirãdo" pãssã ã ser o "fundo do quintãl", em Pv 21.9. Quãndo nãã o hãí equivãlente sãtisfãtoí rio pãrã ã metãí forã, ãdotã-se ã desmãteforizãçãã o, isto eí , ã eliminãçãã o dã metãí forã por completo. Isto ãcontece, por exemplo, em Pv 5.15, onde "beber ã ãí guã dã proí priã cisternã" foi trãduzido por "sejã fiel ãà suã mulher". Um exãme do contexto revelã que eí exãtãmente isto que se quer dizer 42. 40

Umã líínguã ditã "nãturãl", isto eí , indíígenã, gerãlmente tem menos de 3 mil vocãí bulos, ão pãsso que umã líínguã de culturã, como o portugueê s, pode chegãr ã 400 mil vocãí bulos (HOUAISS, 1983, p.75). 41 Aqui ficã níítidã ã preocupãçãã o com ã leiturã em voz ãltã, que cãrãcterizã tãmbeí m ã ARA. Um "e" mãiuí sculo, em Espíírito, nãã o pode ser percebido pelo ouvinte, ã nãã o ser pelo contexto. "Espíírito de Deus" eliminã ã ãmbiguü idãde. "Escriturã" tãmbeí m eí ãmbííguo, pois o primeiro sentido que vem ãà mente eí "documento ou formã escritã de um ãto juríídico". O uso teí cnico, nã Bííbliã, ficã bem explíícito em "Escriturã Sãgrãdã".

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Princípios de tradução Num níível conceituãi, ã grãnde diferençã entre Almeidã e NTLH tem ã ver com princíípios de trãduçãã o. Almeidã operã com o que se chãmã de princíípio de equivãleê nciã formãl. Procurã reproduzir nãã o ãpenãs o sentido do texto, mãs, nã medidã do possíível, tãmbeí m ã formã do originãl bííblico. Um exemplo eí ã ordem dãs pãlãvrãs. Em Gn 1.1, "criou Deus" reflete ã ordem dãs pãlãvrãs no hebrãico. Em portugueê s se diz: "Deus criou". A Bíblia na linguagem de hoje, por suã vez, ãplicã o princíípio de equivãleê nciã funcionãl, que em tempos pãssãdos erã chãmãdo de princíípio de equivãleê nciã dinãê micã. Aqui, se trãduz o sentido, deixãndo de lãdo ãs estruturãs originãis. O ãlvo eí produzir no leitor/ouvinte de hoje o mesmo impãcto e efeito que o originãl produziã nos seus leitores/ouvintes. Esse debãte em torno de princíípios de trãduçãã o ãpãrece, no mãis dãs vezes, sob ã roupãgem de discursos e ãrgumentãçoã es em torno do que deve e nãã o deve ser trãduzido e sobre fidelidãde em trãduçãã o. Quãnto ão que deve ser trãduzido, ãs opçoã es pãrecem ser ãs seguintes: trãduzir ãs pãlãvrãs ou ã formã; trãduzir ã mensãgem ou o conteuí do; ou trãduzir tãnto ã mensãgem quãnto ãs pãlãvrãs. Muitos sãã o os que defendem umã trãduçãã o literãl dã Bííbliã. Nãã o eí o mesmo que trãduçãã o literãí riã. Nã verdãde, o que se entende por trãduçãã o literãl eí , cãso for levãdo ãà s uí ltimãs consequü eê nciãs, isto eí , cãso se fosse dãr ãtençãã o ãos seus mãis ãrdorosos defensores, totãlmente impossíível. Ao se trãduzir, mexe-se no texto. Quem nãã o quiser que se mexã no texto, precisã ficãr com o originãl. No cãso dã Bííbliã, pãrã ser 100% formãl ou literãl, seriã preciso trãduzir ão peí dã letrã todãs ãs expressoã es idiomãí ticãs, pãrã citãr ãpenãs um exemplo. Nenhumã trãduçãã o dã Bííbliã fãz isso. Em outrãs pãlãvrãs, nenhumã trãduçãã o eí totãlmente formãl ou literãl. Algumãs sãã o mãis, outrãs sãã o menos. A King James Version, de 1611, por exemplo, eí 95% formãl. Isto significã que, em 5% dos cãsos, elã optã por umã trãduçãã o semãê nticã ou trãduçãã o do sentido. Dãí -se isto no cãso dãs expressoã es idiomãí ticãs. A New International Version (NIV, de 1978) eí 44% semãê nticã; no restãnte elã eí formãl. Jãí ã Today's English Version, ã primeirã trãduçãã o do tipo "linguãgem de hoje", eí 83% semãê nticã (In: Vãn Der Wãtt, 2002, p.257). A questão da fidelidade A questãã o dã fidelidãde pode ser propostã dã seguinte formã: fiel ã quem ou ã queê ? Numã dãs extremidãdes estãí ã fidelidãde ão ãutor; nã outrã, ã fidelidãde ão leitor. No meio, existe todã umã gãmã de vãriãçoã es. Em todo cãso, trãduçoã es mãis formãis optãm por fidelidãde ão ãutor ou texto originãl. Trãduçoã es menos formãis optãm por fidelidãde ão leitor ou ãà líínguã ãlvo. Trãduçoã es que ãderem ãà s pãlãvrãs dã líínguã fonte (o originãl) sãã o chãmãdãs de trãduçoã es identificãdorãs ou trãduçoã es "exoí ticãs". Quãndo se obedece ãos usos dã líínguã ãlvo, diz-se que ã trãduçãã o eí nãturãlizãdorã ou domesticãdã. Um exemplo de trãduçãã o que ãdere ãà líínguã fonte eí ã Vulgãtã de Jeroê nimo. A rigor, numã cãrtã escritã ã Pãmãí quio, em 395 d.C., Jeroê nimo se declãrou todo ã fãvor dã trãduçãã o do sentido e contrã umã trãduçãã o pãlãvrã por pãlãvrã. Abriu, no entãnto, umã exceçãã o: ãs Escriturãs Sãgrãdãs, onde, segundo ele, ãteí mesmo ã ordem dãs pãlãvrãs eí um misteí rio (JEROME, pp.112-119). Agostinho ãchou que ã Vulgãtã erã por demãis formãl, ão menos nã trãduçãã o de 1Ts 3.7: consolati sumus fratres in vobis ("consolãdos somos irmãã os em voí s"). Aqui, Jeroê nimo seguiu bem de perto ã ordem dãs pãlãvrãs no grego. Agostinho ousou criticãr Jeroê nimo, sugerindo, ão mesmo tempo, umã trãduçãã o mãis ãdequãdã: É duvidoso se é preciso entender a palavra fratres, no vocativo, ou hos fratres, no acusativo. Por certo, nenhum desses sentidos é contrário à fé. (...) [C]onsultado o texto grego, vê-se que fratres é vocativo. E se o tradutor houvesse tido a idéia de colocar: (...) consolationem habuimus, fratres, in vobis tivemos o consolo em vós, irmãos"), ele teria sido menos escravo da tradução, mas haveria menos dúvida sobre o sentido (AGOSTINHO, A doutrina cristã, III, 4.8, p.157).

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Pãrã mãis informãçoã es ã respeito dessãs trãnsformãçoã es grãmãticãis, confirã o ponto 4 dã introduçãã o gerãl, nã Bííbliã de Estudo NTLH, publicãdã pelã SBB.

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Nã prãí ticã, o trãdutor dificilmente consegue ser fiel ã ãmbos: ãutor e leitor. Existe ãteí um trocãdilho itãliãno que fãlã disso: traduttori, traditori ("trãdutores, trãidores"). E um ãutor desconhecido disse certã vez, nãã o deixãndo de revelãr certã perspectivã mãchistã, que "ãs trãduçoã es sãã o como ãs mulheres: quãndo fieí is, nãã o sãã o bonitãs; quãndo bonitãs, nãã o sãã o fieí is". Trãduçãã o eí umã cieê nciã e tãmbeí m umã ãrte. EÉ um jogo de perdãs e gãnhos. Hãí trãduçoã es que nem pãrecem trãduçoã es. Outrãs, como disse Goethe, "excitãm em noí s umã curiosidãde irresistíível pãrã conhecermos o originãl" (ROÉ NAI, 1976, p.5). E hoje existem teoí ricos que dizem que esse eí , de fãto, o objetivo dã trãduçãã o. Defendem, em outrãs pãlãvrãs, ãs trãduçoã es exoí ticãs. A necessidãde de novãs trãduçoã es e por que muitos ãs rejeitãm Novãs trãduçoã es e revisoã es de trãduçoã es existentes se fãzem necessãí riãs por quãtro motivos (NIDA, 1960, p.200): 1) Líínguãs sãã o orgãnismos vivos. Como tãis, mudãm, ã começãr pelo sentido de pãlãvrãs. Um exemplo disso eí "cãridãde", termo que ãpãrece, nã Revistã e Corrigidã, em ICo 13, e que foi mudãdo pãrã "ãmor" nã Almeidã Revistã e Atuãlizãdã. 2) O texto originãl disponíível hoje eí melhor do que o texto que se tinhã no pãssãdo. Isto vãle tãnto pãrã o Antigo Testãmento, com ãs descobertãs dos pergãminhos do Mãr Morto, quãnto pãrã o Novo Testãmento, com ãs muitãs descobertãs de mãnuscritos no perííodo que vãi do ãno de 1800 ãteí ãos nossos diãs. 3) A exegese ãvãnçã. Continuãmos progredindo nã compreensãã o de textos bííblicos, sendo que muitos ãindã nãã o compreendemos de todo. Pãrã esse ãvãnço, ã ãrqueologiã bííblicã prestou grãndes serviços. No cãso do NT, nãã o ãpenãs forãm descobertos muitos novos mãnuscritos, mãs tãmbeí m, ã pãrtir de documentos escritos em grego coineê , foi possíível umã melhor compreensãã o dã nãturezã do grego do Novo Testãmento. Tãmbeí m se conseguiu determinãr o sentido de um mãior nuí mero de termos gregos que ãpãrecem no NT, tãnto ãssim que ã listã de pãlãvrãs considerãdãs "proí priãs do NT" no começo do seí culo XX diminuiu drãsticãmente ão longo do mesmo seí culo, ãà medidã que forãm sendo descobertos pãpiros e outros ãrtefãtos dã eí pocã do Novo Testãmento43. 4) Mudãm os conceitos de comunicãçãã o e tãmbeí m ã teoriã dã trãduçãã o. Em outrãs pãlãvrãs, ã cieê nciã e ã ãrte dã trãduçãã o tãmbeí m progridem. Nuncã se estudou tãnto ã teoriã dã trãduçãã o como em nossos diãs. A obrã dã trãduçãã o bííblicã, em especiãl ã teoriã de Eugene A. Nidã, foi umã grãnde propulsorã desses estudos. Quãnto ãos motivos que levãm pessoãs ã rejeitãr novãs trãduçoã es dã Bííbliã, preferindo ãs versoã es mãis ãntigãs, podem ser relãcionãdos os seguintes:

1) As trãduçoã es existentes levãrãm ãs pessoãs ã pensãr que umã trãduçãã o dã Bííbliã precisã ser, ãteí certo ponto, 43

Isto pode ser verificãdo ãtrãveí s de umã compãrãçãã o entre ã listã de pãlãvrãs considerãdãs "bííblicãs" no leí xico de Thãyer, escrito no Finãl do seí culo XIX, e ã mesmã listã no leí xico de Bãuer.

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incompreensíível. Um ãr de misteí rio pãrece que fãz bem. Se ã Bííbliã tem umã linguãgem muito diretã, nem pãrece Bííbliã! Um texto ãntiquãdo (ã trãduçãã o) pãrece combinãr melhor com o texto ãntigo (ã Bííbliã), sem fãlãr que pãrece ter mãis ãutoridãde. 2) A fãmiliãridãde com o texto de determinãdã trãduçãã o - em muitos cãsos o texto foi memorizãdo - é fãtor de resisteê nciã ã novãs trãduçoã es. 3) A insegurãnçã dos lííderes e pãstores dãs igrejãs, que nãã o sãbem explicãr ão certo por que o texto é diferente. Nã verdãde, ãs diferençãs podem ser de treê s ordens: 1) diferençãs por cãusã de um texto hebrãico ou grego ~ 40 ~


diferentes; 2) diferençãs de interpretãçãã o (e todã trãduçãã o eí fruto de um processo de interpretãçãã o); 3) diferençãs de estilo, ou sejã, ã mesmã mensãgem eí expressã de formãs diferentes.

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6. ESBOÇO DA HISTÓRIA DA INTERPRETAÇÃO DA BÍBLIA Será que devemos de fato acreditar que, antes de aparecer a exegese moderna, a Igreja carecia da orientação do Espírito? (SILVA, 1987, p.35)

Nãã o se pode simplesmente sãltãr por cimã de, no míínimo, dois mil ãnos de interpretãçãã o bííblicã e fãzer de contã que ã hermeneê uticã começou no diã em que noí s nãscemos ou nossã igrejã foi fundãdã. Essã histoí riã dã interpretãçãã o, quer queirãmos, quer nãã o, influenciã o inteí rprete de hoje, diretã ou indiretãmente (KAISER e SILVA, p.22). Interpretação dentro da própria Bíblia A interpretãçãã o dã Bííbliã começã dentro dã proí priã Bííbliã. Os profetãs do Antigo Testãmento (AT), por exemplo, interpretãm e ãplicãm ã Lei ão povo de seu tempo. Em outrãs pãlãvrãs, chãmãm o povo de voltã ãà ãliãnçã rãtificãdã no Sinãi. Aleí m disso, os profetãs fãzem umã releiturã do eê xodo, ãnunciãndo ã voltã do exíílio bãbiloí nico como um novo eê xodo. Algo semelhãnte ãcontece nos Sãlmos. Por exemplo, um texto como Sl 16.5-6, "o SENHOR eí ã porçãã o dã minhã herãnçã e o meu cãí lice", fãz sentido ãà luz de Nm 18.20, no quãl Deus fãlã do sustento dos sãcerdotes: "Eu sou ã tuã porçãã o e ã tuã herãnçã no meio dos filhos de Isrãel". O mesmo vãle pãrã o Novo Testãmento (NT), que, ã rigor, eí umã interpretãçãã o do AT. Afinãl, o NT ãnunciã que, em Jesus de Nãzãreí , se cumpriu ã grãnde expectãtivã messiãê nicã do AT. E dizer "isto cumpre ãquilo" jãí eí umã interpretãçãã o. A presença do Antigo Testamento no Novo A relãçãã o entre os dois testãmentos pode ser constãtãdã, ãntes de tudo, nã mãciçã presençã do AT no NT. Umã deí cimã pãrte do texto do NT vem do AT sãã o 295 citãçoã es diretãs e mãis de 4.000 ãlusoã es ou refereê nciãs indiretãs. Alguns livros do NT estãã o sãturãdos de AT44. O NT depende do AT, e nãã o poderãí ser interpretãdo ãdequãdãmente sem refereê nciã ão mesmo45. Alguns textos do AT ãpãrecem com relãtivã frequü eê nciã no NT, em diferentes pãrtes ou blocos do mesmo. Isto levou o biblistã britãê nico Chãrles H. Dodd, num livro intitulãdo Segundo as Escrituras, ã postulãr um florileí gio ou espeí cie de cãtecismo cristãã o primitivo feito de textos fundãmentãis do AT (DODD, 1979). Esse cãtecismo teriã sido usãdo pãrã o serviço de evãngelizãçãã o, ãpologeí ticã, etc, especiãlmente em relãçãã o ãos judeus. Mesmo que nãã o tenhã hãvido tãl cãtecismo nã formã de um documento ou livrete, permãnece o fãto de que certos textos do AT teê m importãê nciã fundãmentãl pãrã o NT. Entre eles estãã o os seguintes: Sãlmo 2, Sãlmo 8, Sãlmo 110, Sãlmo 118, Isãííãs 6, Isãííãs 40, Isãííãs 53, Jeremiãs 31, Joel 2, Zãcãriãs 9, Hãbãcuque 2. A hermenêutica dos escritores do NT Os escritores do NT leê em o AT ãà luz de certos pressupostos. Dois deles sãã o de fundãmentãl importãê nciã:

1) Cristo é o ponto alto da história da salvação. Se o AT 44

Emborã, em gerãl, se ãponte pãrã Mãteus e Hebreus, o livro mãis recheãdo de AT eí o Apocãlipse. No entãnto, em nenhum momento citã textuãlmente ãlgumã pãssãgem do AT. Pãrã umã listã de citãçoã es e ãlusoã es, ver o Apeê ndice III - Loci citati vel allegati (textos citãdos ou ãludidos) do Novo Testãmento Grego editãdo por NestleAlãnd. 45 Estã foi ã decisãã o e, em grãnde pãrte, o equíívoco de Rudolf Bultmãnn. Em suã Teologiã do Novo Testãmento, solenemente ignorou o AT.

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eí , em grãnde pãrte, histoí riã, estã histoí riã eí ã histoí riã dã sãlvãçãã o, ã histoí riã dã promessã dã vindã do Messiãs, ã histoí riã do povo que recebeu ã promessã: Abrããã o e suã descendeê nciã (Lc 1.55). O ponto ãlto e cumprimento dessã histoí riã eí Jesus Cristo. 2) O AT é lido de forma tipológica. Segundo Leonhãrd Goppelt, nã obrã Typos46, os escritores do NT leê em o AT com oí culos de tipologiã. Em outrãs pãlãvrãs, ã interpretãçãã o tipoloí gicã expressã ã posturã bãí sicã dos primeiros cristãã os ãnte o AT. Isso significã que pessoãs, 46

GOPPELT, 1982. Estã obrã foi publicãdã, originãlmente, em ãlemãã o, no ãno de 1939, e, emborã citãdã com frequü eê nciã - o que ãtestã seu uso - somente foi trãduzidã ão ingleê s em 1982. Um resumo do pensãmento de Goppelt ãpãrece no verbete typos, no TDNT (Theological dictionary of the New Testament), tãmbeí m conhecido como Kittel.

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ãcontecimentos ou coisãs (objetos ou instituiçoã es) do AT - nãã o textos como tãis! - sãã o prefigurãçoã es ou protoí tipos de pessoãs, ãcontecimentos ou instituiçoã es do NT. Adãã o, por exemplo, eí tipo de Cristo (Rm 5.14). O eê xodo e ã mãrchã pãrã ã terrã prometidã tipificãm o bãtismo e ã ceiã (1Co 10.1-6). Melquisedeque eí tipo de Cristo (Hb 7), o Templo eí tipo de Cristo (Mt 12.6), etc. Entre tipo (AT) e ãntíítipo (NT) existe correspondeê nciã histoí ricã (semelhãnçã) e ão mesmo tempo intensificãçãã o, no sentido de que o ãntíítipo ultrãpãssã o tipo, ou sejã, no cumprimento existe um "mãis do que" ou "mãior que". Romãnos 5.12-21 ilustrã isso muito bem. Aqui, Pãulo fãz umã compãrãçãã o tipoloí gicã invertidã, por ãssim dizer, entre Adãã o e Cristo. Ambos, ãleí m de serem um, sãã o cãbeçãs dã humãnidãde. Nisso reside ã semelhãnçã. Mãs existe umã grãnde diferençã, um "muito mãis", como Pãulo explicã num pãreê ntese, em Rm 5.15-17. Somente depois de deixãr bem clãrã essã diferençã eí que Pãulo finãlmente fãz ã compãrãçãã o, nos vs. 18-21. Métodos ou técnicas de exegese A grãnde diferençã entre os escritores do Novo Testãmento e outros inteí rpretes dã Bííbliã de seu tempo reside nã hermeneê uticã ou no ãê mbito dos pressupostos, como ficou clãro no pãrãí grãfo ãnterior. Quãndo se trãtã de "meí todos exegeí ticos", os escritores do NT vãlerãm-se dãqueles que erãm conhecidos e prãticãdos no seu tempo 47. Entre eles, ã interpretãçãã o literãl ou leiturã histoí ricã dos textos. Tãmbeí m elãborãrãm midrashes, bem ão sãbor dã exegese judãicã. O midrash, que literãlmente significã "pesquisã", pois se derivã do verbo hebrãico darash, designã umã exegese um 47

Em outrãs pãlãvrãs, quãndo Pãulo foi convertido ão Cristiãnismo, mudou ã hermeneê uticã dele; quãnto ãà exegese em Si, continuou ã fãzer exegese rãbíínicã, ãrrolãndo, ãpenãs pãrã exemplificãr, o testemunho de dois textos, etc.

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tãnto quãnto expãndidã de textos ou ãcontecimentos do AT. Um exemplo clãí ssico eí ICo 10. Aqui, Pãulo fãlã dã pedrã espirituãl que seguiã o povo de Isrãel, no deserto. A rigor, ã novidãde que Pãulo trãz ã essã interpretãçãã o eí que ã pedrã erã Cristo. No entãnto, ão fãlãr dã pedrã que seguiã os isrãelitãs, Pãulo incorporã um elemento dã exegese míí dráshica judãicã. Acontece que os rãbinos, notãndo que nã Lei existem vãí rios incidentes em que ãí guã eí tirãdã de umã pedrã ou rochã, pãssãrãm ã se perguntãr se ãquelã pedrã nãã o seriã umã soí e sempre ã mesmã. Concluíírãm, eí clãro, que se trãtãvã dã umã soí pedrã, ãmbulãnte, por ãssim dizer. Este detãlhe nãã o constã do texto do AT, mãs Pãulo ãssume estã exegese expãndidã. Outro exemplo eí 2Co 3.4-18, um texto em que Pãulo fãz umã releiturã de um ãcontecimento dã vidã de Moiseí s, relãtãdo unicãmente em EÊ x 34. Outro meí todo exegeí tico eí conhecido como exegese pésher, um termo que quer dizer "interpretãçãã o". EÉ o meí todo do "isto eí ãquilo" ou "isto cumpre tãl pãssãgem". Quãndo Pãulo diz, em ICo 10.4, que ã pedrã erã Cristo, estãí , ã rigor, fãzendo exegese tipo pésher. No entãnto, mãis comum eí dizer "isto se refere ã isto ou ã estes", como tãã o bem ilustrã o comentãí rio ã Hãbãcuque, descoberto entre os textos de Qumrãn48. At 2.16, "o que ocorre eí o que foi dito por intermeí dio do profetã Joel", eí um exemplo de exegese do tipo pésher. Em At 4.11, ã citãçãã o de Si 118.22, nã formã de "Este Jesus eí ã pedrã rejeitãdã por vós, os construtores", tãmbeí m revelã umã exegese desse tipo. Existe tãmbeí m um exemplo de exegese ãlegoí ricã no NT, ã sãber, Gl 4.24: "Estãs coisãs sãã o ãlegoí ricãs". No entãnto, essã interpretãçãã o pãulinã estãí mãis pãrã tipologiã, ou, entãã o, theoria, como erã chãmãdã pelos teoí logos dã escolã de Antioquiã, do que propriãmente ãlegoriã. Acontece que Pãulo nãã o negã o cãrãí ter histoí rico dãs duãs mulheres. Sãrã e Agãr. Umã ãlegoriã no sentido estrito do termo eliminãriã o sentido histoí rico. Paulo como intérprete No NT, Pãulo eí um cãpíítulo ãà pãrte quãndo se trãtã de citãr e interpretãr o AT Ele tem sido objeto de livros e mãis livros. Tudo porque Pãulo nãã o segue um pãdrãã o uí nico. Ele citã o AT umãs 107 vezes. Destãs, 42 citãçoã es seguem o texto hebrãico e o texto grego dã LXX, ou sejã, hãí concordãê nciã entre Pãulo, ã Septuãgintã e o texto originãl hebrãico. Sete vezes Pãulo segue o texto hebrãico, divergindo dã LXX. Em 17 ocãsioã es ele fãz o contrãí rio: segue ã LXX, divergindo do texto hebrãico. E em 31 cãsos ele diverge tãnto dã LXX quãnto do texto hebrãico, fãzendo, ão que tudo indicã, umã trãduçãã o pessoãl! Pãulo foi treinãdo ãos peí s do rãbino Gãmãliel, em Jerusãleí m (At 22.3). Gãmãliel erã representãnte dã escolã de Hillel, mãis ãbertã e "liberãl" do que ã escolã de Shãmmãi. No contexto do judãíísmo do primeiro seí culo, sãã o fãmosãs ãs sete regrãs hermeneê uticãs de Hillel. Pãulo pãrece conhecer e prãticãr ão menos dois desses princíípios: Kal wahomer e Geserah schawah. Kal wahomer eí , ã rigor, um ãrgumento do menor pãrã o mãior (ã minore ad majus), ou, inversãmente, do mãior pãrã o menor. A interpretãçãã o tipoloí gicã operã com esse princíípio, como se pode ver em Rm 5.9,10,15,17 e em 2Co 3.7. O exemplo clãí ssico de um ãrgumento do menor pãrã o mãior eí ICo 9.9, onde Pãulo ãplicã ã seu ãpostolãdo um direito que ã Lei ãssegurã ão boi que pisã o trigo: se vãle pãrã o boi, vãle tãmbeí m pãrã o ãpoí stolo! Quãnto ã geserah schawah, trãtã-se do princíípio dã ãnãlogiã. Em outrãs pãlãvrãs, dois (ou mãis) textos que trãtãm do mesmo ãssunto ou teê m pãlãvrãs em comum podem ser usãdos pãrã estãbelecer um ãrgumento. O exemplo clãí ssico eí Rm 4.3-8, onde Pãulo pode citãr Gn 15.6 e Sl 32.1-2 em nome do princíípio dã ãnãlogiã, ou sejã, ãà luz do fãto de que ãmbos os textos teê m em comum o verbo "imputãr". Interpretação bíblica no período patrístico e na Idade Média 48

Um exemplo dã exegese tipo pésher prãticãdã em Qumrãn eí Hc 1.5 - "Vede entre ãs nãçoã es, olhãi, mãrãvilhãivos e desvãnecei, porque reãlizo, em vossos diãs, obrã tãl, que voí s nãã o crereis, quãndo vos for contãdã". A explicãçãã o eí ã seguinte: "(Interpretãdo, isto diz respeito] ãà queles que sãã o infieí is juntãmente com o Mentiroso, ão nãã o [dãrem ouvidos ãà pãlãvrã que] o Mestre dã Justiçã Irccebeul dã bocã de Deus. E isso diz respeito ãos infieí is dã Novã |Aliãnçã| que nãã o ãcreditãrãm nã Aliãnçã de Deus [e profãnãrãm] Seu sãnto nome ..." VERMES, G. The deãd seã scrolls in English. Bãltimore: Penguin Books, 1972, p.236. Trãduçãã o do ãutor.

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No perííodo pãtríístico, o Antigo Testãmento foi, num cãso isolãdo e excepcionãl, rejeitãdo, isto eí , excluíído do cãê none. Quem fez isso foi Mãrciãã o, por voltã de 140 d.C., ão que pãrece influenciãdo por suã exegese de 2Co 4.4. O normãl erã interpretãr o AT de formã ãlegoí ricã. O perííodo pãtríístico foi mãrcãdo pelã polãrizãçãã o entre duãs escolãs: ã de Antioquiã e ã de Alexãndriã. Os representãntes mãis conhecidos dã escolã de Antioquiã sãã o Teodoro de Mopsueí stiã (428 d.C.) e Joãã o Crisoí stomo (407 d.C.). Nã medidã em que levãvãm ã seí rio o sentido histoí rico e rãrãmente fãziãm interpretãçãã o ãlegoí ricã, mesmo quãndo escreviãm sermoã es, podem ser considerãdos precursores do meí todo histoí rico-grãmãticãl. No entãnto, o que vingou mesmo foi o meí todo ãlegoí rico, que floresceu especiãlmente em Alexãndriã, onde Oríígenes deu continuidãde ãà trãdiçãã o de Filo, inspirãdã no plãtonismo. A diferençã entre essãs duãs escolãs pode ser vistã nã interpretãçãã o de 2Co 3.6, um texto nãã o sem importãê nciã pãrã ã hermeneê uticã dã Igrejã ãntigã. Influenciãdo pelã escolã de Alexãndriã, Agostinho insere esse texto em suã discussãã o ã respeito dã interpretãçãã o de expressoã es simboí licãs. Diz ãssim: Antes de tudo, é preciso precaverse de tomar em sentido literal uma expressão figurada. A respeito disso, lembramos a palavra do Apóstolo: "A letra mata e o espírito vivifica" (2Cor 3.6). Entender um termo figurado como se fosse dito em sentido próprio é pensar de modo carnal. Ora, coisa alguma pode ser chamada com mais exatidão de morte da alma do que a submissão da inteligência à carne, segundo a letra, pois é pela inteligência que o homem é superior aos animais. Com efeito, o homem que segue só a letra toma como próprias as expressões metafóricas, e nem sabe dar a significação verdadeira ao que está escrito com palavras próprias. Por exemplo, quando alguém, ao escutar a palavra "sábado", não se lembra de outra coisa a não ser um dos sete dias que continuamente retorna no desenrolar do tempo. (...) Na realidade, é para a alma uma escravidão de causar pena, o tomar os signos pelas coisas e se sentir impotente de erguer o olhar da inteligência acima da criação temporal, a fim de enchê-lo da luz eterna. (AGOSTINHO, A doutrina crista, III, cap. V.9, pp.159-160)

Percebe-se nitidãmente como Agostinho discorre sobre esse texto sem fãzer quãlquer conexãã o com o contexto em que o mesmo estãí inserido, em 2Co 3. Aliãí s, o texto do ãpoí stolo eí colocãdo ã serviço de suã teoriã hermeneê uticã, que consiste em ir ãleí m dãs pãlãvrãs. Bem diferente eí ã ãbordãgem de Joãã o Crisoí stomo: Não da letra, mas do espírito. Veja de novo outra diferença. E aí? Não era a lei espiritual? Como diz ele que "sabemos que a lei é espiritual"? (Rm 7.14) Espiritual, sim, mas sem conceder um espírito. Pois Moisés portava, não um espírito, mas letras; nós, porém, fomos encarregados da outorga de um espírito. Razão por que também para completar esse [contraste] ele diz: "Pois a letra mata, mas o espírito dá vida". Essas coisas, porém, ele não diz de modo absoluto, mas em alusão àqueles que se orgulhavam das coisas do judaísmo. E por "letra" aqui ele entende a lei que pune aqueles que transgridem; mas por "espírito" a graça que pelo batismo dá vida àqueles que pelos pecados foram levados à morte. (...) A lei, se ela pega um assassino, condena-o à morte; o evangelho, se pega um assassino, iluminao e lhe dá vida. (...) O evangelho pega milhares de homicidas e ladrões e, batizando-os, os liberta dos antigos vícios. Este é o significado de "o Espírito vivifica" (CHRYSOSTOM, p.307). [Tradução pessoal])

Notã-se que Crisoí stomo, ãleí m de respeitãr o contexto histoí rico de Pãulo e de Moiseí s, fãz umã exegese teoloí gicã dentro dos limites dã ãnãlogiã dã feí . Entende "letrã" no sentido de lei, e "espíírito" no sentido de Espíírito de Deus. Em outrãs pãlãvrãs, Crisoí stomo viu em 2Co 3 ã polãridãde lei-evãngelho 49. 49

Ateí se pode dizer que Agostinho tomou como ponto de pãrtidã o termo letrã, que ele interpretou no sentido de "o que estãí escrito". Em decorreê nciã disso, "espíírito" soí poderiã ter um sentido metãfoí rico ou ãlegoí rico. Aliãí s, ãindã hoje se fãlã sobre "o espíírito dã lei", "o espíírito do texto", etc. Crisoí stomo, por suã vez, tomou "letrã" no

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A histoí riã registrã que o meí todo ãlegoí rico ãssociãdo com ã escolã de Alexãndriã sãiu vitorioso, nã medidã em que influenciou ã exegese dã Igrejã no perííodo medievãl. Nãã o que ã interpretãçãã o ãlegoí ricã fosse vistã como ãutorizãçãã o pãrã quãlquer tipo de exegese, especiãlmente exegeses hereí ticãs. Hãviã um pãrãê metro ou umã ãí reã de segurãnçã dentro dã quãl erã necessãí rio permãnecer: ã regula fidei ("regrã dã feí ") ou doutrinã dã Igrejã, de que jãí fãlãvãm Irineu e Tertuliãno50. Em outrãs pãlãvrãs, quem define quãis interpretãçoã es sãã o ãceitãí veis eí ã proí priã Igrejã, ou, melhor, ã doutrinã dã Igrejã. Aos poucos, foi se desenvolvendo ã noçãã o de que ã Bííbliã tinhã um sentido quãí druplo: literãl (ou histoí rico), ãlegoí rico (cristoloí gico ou eclesioloí gico), morãl e ãnãgoí gico (ou escãtoloí gico). Esse meí todo veio ã ser conhecido como ã quãdrigã, em ãnãlogiã ã um cãrro puxãdo por quãtro cãvãlos. Estãí ãssociãdã ão nome de Joãã o Cãssiãno, que morreu em 435 d.C., e que compoê s umã cãntigã que foi recitãdã ão longo dã Idãde Meí diã: Littera gesta docet, quiri credas allegoria, moralis quiri agas, quo tendas anagogia. Em trãduçãã o portuguesã, ficãriã mãis ou menos ãssim: Os feitos de Deus e de nossos Pãis, ã letrã contã; O fundãmento dã nossã feí , ã ãlegoriã ãpontã; As regrãs do diã-ã-diã, o sentido morãl desvelã; Onde terminã nossã lutã, ã ãnãgogiã revelã (ZUCK, 1994, p.47). No perííodo medievãl nãã o houve, ã rigor, nenhumã inovãçãã o hermeneê uticã significãtivã, no sentido de umã revoluçãã o hermeneê uticã. Isto soí se dãriã ão tempo dã Reformã. Mesmo ãssim, nãã o se pode fãlãr dã Idãde Meí diã como um grãnde deserto em termos de interpretãçãã o. Houve grãndes exegetãs e ãteí ãlguns precursores dos novos tempos que viriãm no seí culo XVI. Um desses foi Nicolãu de Lyrã (1300 d.C), que influenciou Lutero51. Renascimento e Reforma O Renãscimento trouxe, entre outrãs coisãs, umã voltã ãà s fontes: o AT hebrãico e o NT grego. Pãrã o AT, foi de grãnde importãê nciã o humãnistã ãlemãã o Reuchlin, que erã tio de Filipe Melãnchthon. Pãrã o NT grego, nãã o se pode subestimãr o pãpel de Erãsmo de Roterdãã , que, em 1516, publicou o primeiro Novo Testãmento Grego dã erã de Gutenberg52. Ao trãduzir o NT, em setembro de 1522, Lutero vãleu-se dã segundã ediçãã o do NT Grego editãdo por Erãsmo, com dãtã de 1519. A Reformã representou umã ãlterãçãã o fundãmentãl no pensãmento hermeneê utico. Lutero insistiu que ã Bííbliã deviã ser vistã, ãntes de tudo, como pãlãvrã vivã (viva vox) de Deus, nã quãl o proí prio Cristo estãí presente. O temã centrãl dã Escriturã eí Cristo (was Christum treybet, isto eí , o que pregã Cristo), e ã pãrtir destã perspectivã deve-se interpretãr o restãnte. O posicionãmento de Lutero teve dois importãntes resultãdos. Primeiro, ã multiplicidãde de sentidos foi substituíídã pelo escopo ou foco centrãl do texto, o sensus literalis, que equivãle ã um "nãã o ãà interpretãçãã o ãlegoí ricã". Em segundo lugãr, foi confirmãdã ã prioridãde dã Pãlãvrã em relãçãã o ã quãlquer outrã ãutoridãde (o princíípio do sola Scriptura, isto eí , somente ã Escriturã). A leitura histórica no período da modernidade53 Se ã trãdiçãã o e ã ãutoridãde eclesiãí sticã nãã o tinhãm mãis poder controlãdor sobre o processo interpretãtivo, ãà luz do principio de que ã Bibliã se interpretã ã Si mesmã, cresceu, e muito, ã responsãbilidãde dã exegese. Assim, ã Reformã deu iníício ã umã intensã ãtividãde hermeneê uticã e sentido de lei por cãusã de suã exegese de Espíírito, derivãdã do contrãste que Pãulo estãbelece entre Espíírito e letrã. Isso eí exegese histoí rico-grãmãticãl dã melhor espeí cie! 50 Irineu, em pãrticulãr, nã lutã contrã os hereges, enfãtizou ã clãrezã dãs Escriturãs e ã necessidãde de se interpretãr ãs pãssãgens obscurãs - que erãm e ãindã sãã o ãs preferidãs dos hereges - ãà luz dãs pãssãgens clãrãs. 51 Sobre essã influeê nciã de Lyrã sobre Lutero, chegou-se ã formulãr o seguinte ditãdo: Sl Lyra non lyrasset, Lutherus non saltasset. Trãduzindo: "Nãã o tivesse Lyrã tocãdo suã lirã, Lutero nãã o teriã dãnçãdo". 52 Nã verdãde o Novum Instrumentum, como o denominou Erãsmo, erã um NT bilíínguü e: grego e lãtino. 53 O conteuí do do que segue se bãseiã em LATEGAN, Bernãrd. "Hermeneutics". In: The Anchor Bible dictionãry, vol. III, pp. 150-152.

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exegeí ticã. E o perííodo poí s-Reformã trouxe vãí rios desenvolvimentos, com destãque pãrã ã leiturã histoí ricã dã Bííbliã. Por um lãdo, ã eê nfãse nã prioridãde dã exegese sobre o dogmã e ã trãdiçãã o levou ã umã tentãtivã de fortãlecer ã ãutoridãde bííblicã por meio dã doutrinã dã inspirãçãã o verbãl. Por outro lãdo, resultou tãmbeí m nã descobertã dã dimensãã o histoí ricã dã Bííbliã. O iluminismo teve pãpel importãnte, neste cãso. O que eí histoí rico pãssou ã ser visto como relãtivo 54. A Bííbliã foi trãtãdã como quãlquer outro livro ãntigo. Em outrãs pãlãvrãs, ãpenãs se reconheceu umã hermeneê uticã gerãl, e rejeitou-se ã ãssim chãmãdã hermeneê uticã especiãl, que dãvã ãà Bííbliã um trãtãmento diferenciãdo, por ser pãlãvrã inspirãdã de Deus. O método histórico-crítico A pesquisã histoí ricã ãcãbou resultãndo no meí todo histoí rico-críítico, que dominou o cenãí rio europeu ão longo dos uí ltimos dois seí culos e que, ãpesãr de ser contestãdo ãqui e ãli, com mãior ou menor veemeê nciã, continuã reinãndo ãbsoluto no mundo ãcãdeê mico 55. Quem melhor descreveu ã crííticã histoí ricã ou, entãã o, o meí todo histoí rico-críítico, foi o sistemãí tico ãlemãã o Ernst Troeltsch. Num texto de 1898, intitulãdo Sobre o método histórico e dogmático da teologia, Troeltsch destãcou os treê s princíípios empregãdos pelo meí todo: crííticã, ãnãlogiã e correlãçãã o. O princíípio dã crííticã eí ã ãdoçãã o dã duí vidã como meí todo 56. A ãnãlogiã estãbelece umã compãrãçãã o entre o pãssãdo e o presente, sendo que o presente eí o criteí rio pãrã se julgãr o pãssãdo. Em outrãs pãlãvrãs, o que nãã o pode ser histoí rico hoje nãã o pode ter sido histoí rico em tempo ãlgum. Jãí o princíípio de correlãçãã o tem ã ver com cãusã e efeito. Todã cãusã resultã num efeito, e todo efeito eí fruto de umã cãusã. De modo gerãl, trãbãlhã-se com ã noçãã o de um universo fechãdo, no quãl Deus nãã o interveí m, isto eí , nuncã eí o cãusãdor de um ãcontecimento. As diferentes "críticas" O meí todo histoí rico-críítico tem diferentes fãces ou empregã diferentes instrumentos, especiãlmente no que diz respeito ãos Evãngelhos: histoí riã ou crííticã dãs fontes, histoí riã ou crííticã dãs formãs, histoí riã ou crííticã dã redãçãã o. A histoí riã ou crííticã dãs fontes, ãplicãdã iniciãlmente ão Pentãteuco, derivou de umã oí bviã prefereê nciã por fontes ou documentos mãis ãntigos. Aplicãndo o princíípio dã crííticã ãos documentos bííblicos, que forãm ãchãdos em fãltã, entendeu-se que documentos mãis ãntigos, ã sãber, ãs fontes dos documentos, deveriãm ser mãis confiãí veis. Nesse contexto, foi postulãdã ã prioridãde de Mãrcos e surgiu o documento hipoteí tico "Q" (Quelle). Depois, ã pãrtir de 1920, trãtou-se de retroceder mãis ãindã, ou sejã, fez-se umã histoí riã ou crííticã dãs formãs57. Formãs sãã o pequenãs unidãdes nãrrãtivãs completãs, que podem ser identificãdãs ã pãrtir de certãs cãrãcteríísticãs. A histoí riã de um milãgre e ã pãrãí bolã sãã o exemplos de "formãs". Pelã crííticã dãs formãs, procurã-se reconstruir ã histoí riã dessãs pequenãs unidãdes, explicãndo por que forãm preservãdãs e como se desenvolverãm, desde o perííodo de trãnsmissãã o orãl ãteí ão estãí gio literãí rio. Nã versãã o mãis extremãdã dã crííticã dãs formãs, seriã possíível imãginãr que os Evãngelhos sãã o frutos de um esforço coletivo desordenãdo, ou sejã, representãm ã teologiã dã comunidãde que reuniu essãs histoí riãs sem um plãno definido ou preciso. Confere-se ãà "comunidãde" um poder criãtivo impressionãnte, e o pãpel dos ãpoí stolos e de outrãs testemunhãs nãã o eí levãdo ã seí rio. Quãnto ãà 54

Lessing (1781 d.C.) foi o ãutor de umã frãse que ficou fãmosã: "Hãí um 'terríível ãbismo' ("grãusãme Grãbe") que impede pãssãr dos fãtos ãcidentãis dã histoí riã ãà s verdãdes necessãí riãs dã religiãã o". 55 O mãí ximo que se conseguiu, ãqui e ãli, foi levãí -lo ã ãdmitir ã compãnhiã de outros meí todos. Quãnto ã ãbãndonãí -lo, isto dificilmente ãcontece depois que o mesmo foi ãdotãdo. 56 Crííticã implicã em interrogãr e ãvãliãr. Histoí riã crííticã nãã o eí um simples recontãr dãquilo que ãs fontes dizem; eí ãpresentãr o que elãs dizem, depois que se questionou ã suã ãdequãçãã o, inteligibilidãde e verãcidãde. No cãso dã Bííbliã, o que elã diz pãssã pelo filtro críítico do inteí rprete. 57 Em ãlemãã o se diz Formgeschichte ("histoí riã dãs formãs"); isto foi trãduzido ão ingleê s como Form criticism.

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cronologiã dos Evãngelhos, isto eí , ã sequü eê nciã dãs pequenãs unidãdes nos Evãngelhos, nãã o tem mãior vãlor histoí rico. Em meãdos do seí culo XX, o peê ndulo foi noutrã direçãã o, e voltou-se ã reconhecer o pãpel de umã mente criãtivã nã elãborãçãã o dos Evãngelhos, ã sãber, um redãtor. Assim, nãsceu ã crííticã dã redãçãã o, que trãtou de investigãr ã teologiã dos ãutores dos Evãngelhos: ã teologiã de Mãteus, de Mãrcos, de Lucãs e de Joãã o. Por trãí s de todãs essãs diferentes "crííticãs" estãí o princíípio geneí tico, ã noçãã o de que pãrã entender um fenoê meno eí preciso entender suã origem e seu desenvolvimento. No entãnto, por mãis importãnte que possã pãrecer essã pesquisã histoí ricã, elã ãindã nãã o responde ãà s grãndes questoã es hermeneê uticãs. Aleí m disso, ã leiturã histoí ricã tende ã ser nãã o-teoloí gicã ou ãteí ãntidogmãí ticã. E eê nfãse recãi sobre o que o texto significou lãí e entãã o, isto eí , no mundo bííblico de dois mil ãnos ãtrãí s. Restã o desãfio de dizer o que significã hoje. A ênfase na ética EÉ clãro que nos dois uí ltimos seí culos nãã o se fez ãpenãs crííticã histoí ricã. Foi necessãí rio tãmbeí m fãzer frente ãos resultãdos devãstãdores ou, no míínimo, relãtivizãntes do meí todo histoí ricocríítico. Um dos ãntíídotos que surgiu no seí culo XIX foi ã visãã o ideãlistã de um espíírito universãl e de vãlores eí ticos imutãí veis que estãã o forã do ãlcãnce dãs flutuãçoã es histoí ricãs 58. Assim, foi possíível empreender umã crííticã histoí ricã rigorosã dã Bííbliã e ão mesmo tempo preservãr ã mensãgem eí ticã contidã nos textos bííblicos. O que resultou disso foi umã dicotomiã entre exegese "cientííficã" e "prãí ticã", tíípicã dã teologiã liberãl do seí culo XIX e começo do seí culo XX. A guinada escatológica No iníício do seí culo XX, Johãnnes Weiss e Albert Schweitzer, entre outros, pãssãrãm ã questionãr essã leiturã morãlizãnte dã Bííbliã, em especiãl dã mensãgem de Jesus. Bãsicãmente, voltouse ã enfãtizãr que Jesus erã um profetã ãpocãlííptico, e nãã o um mestre de morãl 59. Disso resultou umã grãnde eê nfãse nã dimensãã o escãtoloí gicã do NT, e ã pãlãvrã escãtologiã pãssou ã ser ã senhã pãrã se entrãr no "clube" dos estudos bííblicos. Albert Schweitzer defendeu umã escãtologiã consistente ou rãdicãl. Segundo ele, Jesus foi um profetã ãpocãlííptico que pregou o iminente fim do mundo. Um tãnto desiludido, ão ver que o fim nãã o estãvã vindo conforme ãnunciãdo por ele, Jesus teriã tentãdo forçãr Deus ã ãgir, indo ã Jerusãleí m e entregãndo-se ãà morte. Depois disso. Chãrles H. Dodd propoê s umã escãtologiã reãlizãdã, que ficã bem evidente em seu livro sobre ãs pãrãí bolãs de Jesus. Segundo ã escãtologiã reãlizãdã, quem creê tem ã vidã e ponto finãl. Em outrãs pãlãvrãs, o juíízo finãl eí ãgorã; nãã o hãí mãis nãdã ã ser esperãdo do futuro. No finãl, eí clãro, ã mãioriã chegou ãà conclusãã o de que ã verdãde estãí no meio, ou sejã, o fim jãí veio, mãs ãindã nãã o veio de todo. Em outrãs pãlãvrãs, jãí e ãindã nãã o. Estã escãtologiã, que encontrã defensores em Oscãr Cullmãnn e George E. Lãdd, eí chãmãdã de escãtologiã inãugurãdã. Novos ventos na pós-modernidade: o enfoque estrutural Avãnços no estudo dã linguü íísticã e dã teoriã literãí riã, nã deí cãdã de 1970, chãmãrãm ã ãtençãã o pãrã ã dimensãã o estruturãl dos textos bííblicos. Vãí rios conceitos bãí sicos do enfoque estruturãl teê m especiãl significãdo pãrã ã hermeneê uticã bííblicã. Acimã de tudo estãí ã insisteê nciã nã ãutonomiã de textos como objetos ãnãlííticos. Ao contrãí rio dã visãã o historicistã, que veê num texto o produto de forçãs histoí ricãs e o explicã em termos de suãs origens, ãrgumentã-se que textos teê m que ser entendidos como estruturãs ãutoê nomãs que teê m seu vãlor em Si. Um texto se constitui numã unidãde que se bãstã ã Si mesmã, e suãs diferentes pãrtes devem ser explicãdãs em termos de seu relãcionãmento entre Si e nãã o em termos de umã cãusã ou ãutoridãde externã. Em outrãs pãlãvrãs, o sentido do texto reside no texto em Si, nãã o em suã origem ou com o seu ãutor. 58

Este eí o liberãlismo do seí culo XIX, que deve muito ão filoí sofo Kãnt: Religiãã o eí morãl. Curiosãmente, em tempos recentes, com o fãmigerãdo Jesus Seminar, "redescobriu-se" o Jesus eí tico, que muito se ãproximã de um filoí sofo cíínico. No centro dã mensãgem desse pregãdor estãí , nãã o "ãrrependei-vos porque estãí proí ximo o reino de Deus", mãs "nãã o ãndeis ãnsiosos pelã vossã vidã" e "nãã o vos inquieteis com o diã de ãmãnhãã ". 59

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Em segundo lugãr, existe ã eê nfãse nãs relãçoã es sincroí nicãs ão inveí s dãs diãcroê nicãs. O que explicã o texto eí , nãã o ã suã histoí riã, mãs os relãcionãmentos entre os elementos do texto tãis quãis se ãpresentãm. Aleí m do mãis, nãã o se pode ãvãliãr umã interpretãçãã o ãpelãndo pãrã ã intençãã o do ãutor como criteí rio externo, pois estã ãpenãs pode ser percebidã no texto 60. Em terceiro lugãr, dãí -se eê nfãse ãà estruturã do texto e ãà s teí cnicãs pãrã ã ãnãí lise do mesmo. Existem estruturãs linguü íísticãs, literãí riãs, nãrrãtivãs, discursivãs, retoí ricãs e temãí ticãs, cãdã quãl requerendo suã proí priã formã de ãnãí lise. Portãnto, o enfoque estruturãl eí umã tentãtivã consciente de remover dã interpretãçãã o de textos os fãtores sujeito, histoí riã e intençãã o. A pragmática e a redescoberta do leitor Por uí ltimo, em tempos recentes cresceu em importãê nciã ã investigãçãã o do ãspecto prãgmãí tico dos textos bííblicos. A teoriã dos ãtos de fãlã (speech-act theory), desenvolvidã por Austin e Seãrle, deu ãtençãã o ão efeito dã comunicãçãã o verbãl. Dito de outrã mãneirã, pãlãvrãs sãã o usãdãs nãã o ãpenãs pãrã expressãr e trãnsmitir ideí iãs; elãs sãã o usãdãs pãrã fãzer coisãs 61. O renãscimento dã ãnãí lise retoí ricã, que deve muito ã George Kennedy e Hãns-Dieter Betz, estãí ligãdo ã um mãior interesse no potenciãl persuãsivo do mãteriãl bííblico. Ateí bem recentemente, ã situãçãã o e o pãpel do leitor ou receptor hãviãm recebido poucã ãtençãã o em estudos hermeneê uticos. No entãnto, o ãvãnço dã teoriã dã recepçãã o, tãmbeí m chãmãdã de crííticã dã respostã do leitor (Reader-response criticism), bem como o ãpãrecimento de teologiãs contextuãis (teologiã negrã, dã libertãçãã o, feministã, etc), forçãrãm ã inclusãã o do contexto dã recepçãã o, isto eí , o pãpel do leitor, nã reflexãã o hermeneê uticã. A pãrtir dã deí cãdã de 1970 tãmbeí m começou ã pãssãr o "eclipse dã nãrrãtivã bííblicã" (Hãns Frei), com o desenvolvimento dã crííticã ou ãnãí lise dã nãrrãtivã. Desconstrução e pós-modernidade Hoje vivemos sob o impãcto dã desconstruçãã o, tíípico dã poí s-modernidãde. Nã prãí ticã, existe "minhã verdãde, tuã verdãde, etc." O oposto dã verdãde nãã o eí ã mentirã, mãs outrã "verdãde". Nesse contexto, existe espãço pãrã todos os enfoques, ãteí mesmo ã exegese teoloí gicã ou confessionãl, o que, com certezã, eí um progresso em relãçãã o ão que se diziã em eí pocãs pãssãdãs. O que nãã o se pode fãzer, segundo o espíírito dã poí s-modernidãde, eí insistir num soí ponto de vistã ou querer impor esse ponto de vistã ãos outros. Soí o tempo dirãí quãl vãi ser ã proí ximã eê nfãse em cíírculos ãcãdeê micos. Se existir quãlquer loí gicã nã chãmãdã "lei do peê ndulo", tãlvez sejã ã buscã ou ãfirmãçãã o de ãlgo mãis soí lido ou de umã verdãde mãis ãbsolutã. Leitura popular fundamentalista Ao lãdo e ãlheio ã tudo isso que se pãssã em cíírculos ãcãdeê micos, segue firme ã leiturã populãr fundãmentãlistã, cãdã vez mãis presente nos meios de comunicãçãã o sociãl do Brãsil. Textos sãã o escolhidos ã dedo, em funçãã o de seu cãrãí ter "comprobãtoí rio", ou sejã, por confirmãrem ãquilo que se estãí querendo provãr. Aleí m disso, prãticã-se umã exegese ãtomíísticã, em que textos sãã o isolãdos de seus contextos, resultãndo, muitãs vezes, numã exegese de cãrãí ter duvidoso. Isto, no entãnto, serãí objeto de ãnãí lise nos cãpíítulos seguintes.

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Aqui entrã o "novo criticismo", populãr em estudos literãí rios ã pãrtir de 1940, e que excluiu ã intençãã o do ãutor dã ãnãí lise literãí riã. 61 Pãrã mãis detãlhes, confirã o cãpíítulo sobre ã dimensãã o prãgmãí ticã do texto bííblico.

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Pãrte II - O meí todo exegeí tico

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7. A QUESTÃO DO MÉTODO EM EXEGESE ... não se entende o texto porque se seguiu as regras, mas, ao contrário, segue-se as regras para que se chegue à compreensão do texto. (LONERGAN, Bernard)

Quem se dispoã e ã propor um meí todo exegeí tico precisã, ãntes de mãis nãdã, explicãr ãteí onde vãã o ãs suãs reãis pretensoã es. Isto porque fãcilmente se criã ã expectãtivã de que, proposto o meí todo, todos os problemãs ãcãbãrãm. Como disse ãlgueí m, "em exegese, muitãs vezes se pressupoã e, equivocãdãmente, que um novo problemã exige ãutomãticãmente um novo meí todo ou que um novo meí todo serãí ã soluçãã o de ãntigos problemãs" (LATEGAN, Bernãrd e. In: MOUTON, J.; VAN AARDE, A.G.; VORSTER, WS. (editores), 1988, p.68). Nenhum meí todo poderãí por Si soí resolver todos os problemãs exegeí ticos, emborã nãã o se possã estãr sem meí todo. Como escreve Bernãrd Lonergãn, "A coisã mãis importãnte ã respeito de todãs essãs regrãs Ide hermeneê uticã) eí que nãã o se entende o texto porque se seguiu ãs regrãs, mãs, ão contrãí rio, segue-se ãs regrãs pãrã que se chegue ãà compreensãã o do texto" (LONERGAN, p.159). Seguir um meí todo eí um processo um tãnto quãnto mecãê nico, ãplicãdo ã um texto, que eí um elemento estãí tico62. No entãnto, ã compreensãã o eí um processo dinãê mico. Dito de outrã mãneirã, eí possíível seguir todos os pãssos do meí todo e ãindã ãssim ficãr sem entender o texto. Mãs, eí provãí vel que, com o meí todo, se chegue ãntes ãà compreensãã o, ou, entãã o, ã umã compreensãã o mãis ãmplã do texto. Opções e armadilhas Ao se buscãr um meí todo de leiturã, eí preciso considerãr tãnto ãs opçoã es quãnto ãs ãrmãdilhãs que ãpãrecem ão longo do cãminho. Meí todos fãcilmente podem se trãnsformãr em ãrmãdilhãs. Quãlquer que sejã o meí todo escolhido, o inteí rprete ãcãbãrãí enfãtizãndo um elemento ou umã combinãçãã o de quãtro elementos: o ãutor do texto, o texto em si, o leitor do texto, ou o referente do texto (eventos histoí ricos ou conceitos teoloí gicos) 63 (BARTON, 1984, p.23). A intenção do autor Dã Reformã pãrã cãí , se nãã o ãntes, muito se tem insistido nã intençãã o do ãutor. Segundo se pensã, ã intençãã o do ãutor, que precisã e que pode ser descobertã de formã objetivã, determinã o sentido de um texto. Estã eí ã eê nfãse no ãssim chãmãdo eixo expressivo. No entãnto, emborã se possã ãfirmãr, com eê nfãse ãteí , que todo ãutor tem umã intençãã o ão escrever um texto, tãmbeí m eí verdãde que ningueí m pode ãfirmãr que tem ãcesso ãà mente do ãutor ãà pãrte do texto. Nenhum leitor moderno dos textos bííblicos tem ãcesso ão emissor originãl ou ãos receptores originãis. Tudo que se tem eí o texto. O inteí rprete pode ãteí ãrgumentãr que seu metãtexto, sejã um comentãí rio ou umã trãduçãã o, reproduz o que o ãutor quis dizer, mãs isto nãã o ãlterã o fãto de se trãtãr ãpenãs de suã leiturã do texto. Trãtã-se "ãpenãs de umã hipoí tese - nossã hipoí tese - sobre o sentido do discurso" (COTTERELL e TURNER, p.70). Sem leitor, o texto nãã o pãssã de umã seí rie de mãrcãs ou sinãis nã pãí ginã. E, como lembrã Lonergãn, "tudo que for ãleí m dã simples e merã reimpressãã o dos mesmos signos nã mesmã ordem serãí mediãdo ãtrãveí s dã experieê nciã, inteligeê nciã, e ãvãliãçãã o do inteí rprete" (LONERGAN, p.157).

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Um texto eí criãdo ãtrãveí s de um ãto dinãê mico de compreensãã o, por pãrte do ãutor do mesmo, mãs se ãpresentã ão leitor ou ouvinte numã formã estãí ticã. No entãnto, o texto trãz em Si um potenciãl dinãê mico, que eí ãtuãlizãdo pelo leitor ou inteí rprete num processo dinãê mico de compreensãã o. LATEGAN, 1998, pp.33-34. 63 Bãrton tomã como ponto de pãrtidã Abrãms (The mirror ãnd the lãmp, 1953), segundo o quãl existem quãtro coordenãdãs bãí sicãs que umã teoriã crííticã de cãrãí ter ãbrãngente precisã levãr em contã: ã obrã, o ãrtistã, o universo, e o espectãdor.

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Esse esforço por recuperãr ã intençãã o do ãutor eí por vezes chãmãdo de "fãlãí ciã intencionãl"64. Tende ã supor, emborã nem sempre este sejã o cãso, que o escritor tinhã em mente ãlgo diferente do que de fãto escreveu (CAIRD, p.61). No entãnto, o significãdo de um texto nãã o se limitã ãà intençãã o do ãutor, pois o texto tem o potenciãl de trãnscender ã intençãã o do ãutor. Logo, ã frequü ente perguntã sobre o que o ãutor estãvã querendo dizer se tornã mãis significãtivã se formulãdã em termos de, "o que o ãutor de fãto disse?" Ou, pãrã ser mãis exãto, como o leitor estãí lendo o que o ãutor escreveu? Ênfase no texto A eê nfãse no texto sempre eí bem-vindã. Tudo deveriã girãr em torno do texto. A propoí sito, muitos meí todos exegeí ticos ignorãm o texto ou, como pãrece ser o cãso no meí todo histoí rico-críítico, usãm o texto pãrã ãlcãnçãr outros fins. Usãndo ã ãnãlogiã do vitrãl e dã jãnelã, muitos fãzem do texto umã jãnelã, ãtrãveí s dã quãl se olhã pãrã outrã reãlidãde: ã situãçãã o do ãutor, ã comunidãde que ãjudou ã moldãr o texto, etc65. O inteí rprete, nesse cãso, pãssã ã ser umã espeí cie de "limpãdor de vidrãçãs". Nã verdãde, o texto eí um vitrãl, que precisã ser visto e ãpreciãdo pelo que eí . No entãnto, tãmbeí m ãqui fãcilmente se pode incorrer numã fãlãí ciã, denominãdã de "fãlãí ciã poeí ticã ou estruturãlistã", que consiste em dizer que o texto eí umã entidãde ãutoê nomã ãbsolutã, que se bãstã ã Si mesmã. O problemã, neste cãso, eí que se trãbãlhã com umã visãã o muito estreitã de texto. A verdãde eí que nãã o se pode sustentãr por muito tempo o isolãmento do texto, nem num níível teoí rico, muito menos num níível prãí tico. O texto reflete umã situãçãã o bem especííficã, pois eí pãrte de um processo de comunicãçãã o mãis ãmplo66. Dito de outrã mãneirã, "ã comunicãçãã o soí eí possíível se houver umã moldurã histoí ricã (isto eí , competeê nciã socioculturãl) e umã diãleí ticã extrãtextuãl entre um texto e seus leitores" (ROUSSEAU, Jãcques. In: MOUTON, J.; VAN AARDE, A.G.; VORSTER, W.S. (editores), 1988, p.417). O papel do leitor E eê nfãse no leitor eí , de certã formã, modernã ou poí s-modernã. Contestã o ãssim-chãmãdo "reãlismo hermeneê utico", isto eí , ã noçãã o de que existe ãlgo que precede ãà leiturã e ã que ã leiturã deve corresponder. Vem nã formã de crííticã dã respostã do leitor, expressãã o mãis comum no contexto ãmericãno, ou teoriã dã recepçãã o, como eí conhecidã no contexto europeu. Aqui se ãfirmã que, mãis do que descobrir o sentido, o leitor criã o sentido do texto. O leitor nãã o reproduz, mãs produz o sentido 67. Intençãã o ãutorãl eí vistã como projeçãã o do ãto de ler. O leitor produz o sentido do texto, e estã produçãã o eí subjetivã. Um comentãí rio e tãã o confiãí vel e criãtivo quãnto o "originãl" de um texto, segundo R. Bãrthes. Aleí m disso, nãã o hãí , ãssim se ãfirmã, leiturã desinteressãdã, objetivã. Nãã o hãí leiturã inocente, pois todã leiturã eí ideoloí gicã. Conflitos de interpretãçãã o sãã o, nã verdãde, conflitos ideoloí gicos. Aqui vãle lembrãr que no enfoque histoí rico-críítico pressupoã e-se, em gerãl, um leitor desinteressãdo, objetivo, ãpolíítico. Hoje se sãbe que isto eí impossíível. Kãnt jãí tinhã ãfirmãdo que o conhecedor trãz umã contribuiçãã o pãrã o objeto que quer conhecer. Kãnt, eí bem verdãde, ãchãvã que 64

Pelã nãturezã dã fãlãí ciã, quem segue o meí todo histoí rico-críítico pãrece mãis inclinãdo ã incorrer nelã. Em outrãs pãlãvrãs, o significãdo estãí ãleí m do texto, nã intençãã o e no contexto do ãutor bííblico. No entãnto, o mesmo risco correm os ãdeptos do meí todo ãlegoí rico, tãnto do pãssãdo quãnto do presente. Afinãl, segundo o meí todo ãlegoí rico, o significãdo tãmbeí m estãí ãleí m do texto. Soí que, neste cãso, nã "mente" de Deus. O pressuposto do meí todo ãlegoí rico eí este: "O texto diz isto, mãs o que Deus de fãto estãí querendo dizer eí ãquilo". 65 Um exemplo de texto, muitãs vezes considerãdo "jãnelã", eí ã pãrãí bolã. Isto ãcontece quãndo, ãtrãveí s delã se quer enxergãr ãlgo diferente, sejã o conceito "reino de Deus", sejã ã pregãçãã o do ãssim-chãmãdo Jesus histoí rico, sejã o contexto eclesiãí stico do evãngelistã. 66 Isto ficã clãro quãndo se diz, por exemplo, que, numã situãçãã o de orãlidãde, ã expressãã o fãciãl, os gestos e o tom dã voz comunicãm mãis do que ãs pãlãvrãs propriãmente. 67 O críítico frãnceê s Rolãnd Bãrthes pronunciou ã morte do ãutor e o nãscimento do leitor, ãssim como Nietzsche fãlãrã dã morte de Deus. Pãrã umã ãnãí lise detãlhãdã desse processo de desfãzer o ãutor e ã possibilidãde de ressuscitãí -lo, bem como todã essã questãã o de ãutor, texto e leitor, vejã-se VANHOOZER, Hãí um significãdo neste texto?, 2005.

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todos os seres humãnos interpretãm o mundo com o mesmo conjunto de cãtegoriãs, o que possibilitãriã ã objetividãde. Hoje poucos pensãm ãssim. Sejã como for, modernãmente, ã revoluçãã o epistemoloí gicã de Kãnt foi reãfirmãdã por Rudolf Bultmãnn, que, num fãmoso ensãio, reconheceu que exegese sem pressupostos eí umã impossibilidãde (BULTMANN, Rudolf. In: OGDEN, Schubert M. (editor), 1960, pp.289-296). Nãã o eí difíícil de imãginãr ãonde isso pode levãr. Pãrece que ãs portãs dã subjetividãde forãm escãncãrãdãs e ningueí m mãis vãi conseguir fechãí -lãs. Pãrece que ãquilo que os ãntigos chãmãvãm de "eisegese", isto eí , o ãto de levãr minhãs ideí iãs e pressupostos pãrã dentro do texto, ãcãbã de ser oficiãlizãdo. E, de fãto, no cãso dã Bííbliã, muitos leê em suã proí priã ideologiã ou os interesses minoritãí rios que representãm pãrã dentro do texto. Neste cãso, nãã o se tem mãis ã jãnelã nem o vitrãl, pois o texto pãssou ã ser um espelho. Diãnte disso eí preciso ãcrescentãr que, emborã o pãpel do leitor nãã o possã ser subestimãdo ãfinãl, nãã o existe compreensãã o sem ãlgueí m que compreendã - tãmbeí m eí verdãde que nãã o se pode exãgerãr o pãpel do leitor. Do contrãí rio, incorre-se nã "fãlãí ciã do receptor", que eí ãpenãs o reverso dã medãlhã dã fãlãí ciã intencionãl. Nã fãlãí ciã intencionãl, buscã-se o que estãí por detrãí s do texto; nã do receptor, o que estãí nã frente do texto. O que interessã, ãcimã de tudo, eí o que estãí no texto. E todo texto trãz em Si pãrãê metros formãis e sinãis bem definidos, que precisãm ser levãdos em contã. Um texto tem, por ãssim dizer, suãs leis proí priãs e indicã em que direçãã o ã interpretãçãã o deve se encãminhãr. Textos estãã o ãbertos ã determinãdos sentidos ou interpretãçoã es, mãs resistem ã outrãs. Isto nãã o eliminã, eí clãro, ã distinçãã o entre textos "fechãdos", que evocãm umã respostã previsíível, predeterminãdã, e textos "ãbertos", que convidãm o leitor ã pãrticipãr nã produçãã o do sentido 68. Aleí m disso, o texto nãã o eí purãmente pãssivo. Ele tãmbeí m tem voz. Ele eí interpretãdo, sim, pelo leitor, mãs, por suã vez, tãmbeí m interpretã e moldã o leitor. E a realidade fora do texto? Um texto pode tãmbeí m ser lido como espelho dã reãlidãde ou dã histoí riã. O leitor pode se interessãr principãlmente pelã relãçãã o entre o texto e os fãtores externos relãcionãdos com ã origem do mesmo. Nessã horã, o leitor se fãz historiãdor, e nem sempre consegue escãpãr dã ãssim chãmãdã "fãlãí ciã referenciãl", isto eí , ã tentãtivã de explicãr o texto ãà luz dã reãlidãde exterior ão texto. Leitores do ãpoí stolo Pãulo que soí se preocupãm com ã questãã o dã identidãde dos ãdversãí rios que Pãulo teve que enfrentãr ãproximãm-se perigosãmente dã "fãlãí ciã referenciãl". Ligãdo ã isso estãí o perigo de tentãr "ler" o ãcontecimento que estãí por trãí s ou diãnte do texto, ão inveí s de ler o texto como tãl. Leitores que levãm ã seí rio ã dimensãã o histoí ricã dã Bííbliã muitãs vezes nãã o conseguem enxergãr ã diferençã entre o processo de fãzer sentido de um ãcontecimento e o processo de extrãir sentido de um texto. Trãtãm-se de duãs coisãs diferentes 69. Umã diferençã oí bviã tem ã ver com perspectivã. Acontecimentos podem ser vistos sob diferentes perspectivãs. Num texto, todãviã, ã perspectivã do ãutor desempenhã um pãpel fundãmentãl. No cãso de Pãulo, por exemplo, ã perspectivã dele, codificãdã no texto, eí pãrte do texto cãnoê nico que tem ãutoridãde. O leitor pode ãteí estãr interessãdo em descobrir o que de fato estãvã se pãssãndo em Corinto ou em Colossos, mãs tudo que encontrãrãí no texto eí o que Pãulo tem ã dizer ã respeito de cãdã umã dãs situãçoã es. A tãrefã primordiãl do leitor eí decodificãr o texto, nãã o ã reãlidãde por trãí s do texto. Um enfoque multidimensional O pãrãí grãfo ãnterior, em suã pãrte finãl, reãfirmou ã perspectivã do ãutor, embutidã num texto, e ã primãziã dã decodificãçãã o do texto. Isto pãrece indicãr que todo e quãlquer enfoque metodoloí gico unidimensionãl serãí inãdequãdo. Textos, tãmbeí m os bííblicos, sãã o entidãdes bem 68

Essã distinçãã o entre textos ãbertos e fechãdos é de Umberto Eco.

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Este ãspecto eí enfãtizãdo por SAILHAMER, John H. Exegesis of the Old Testãment ãs ã text. In: KAISER Jr., Wãlter e; YOUNGBLOOD, Ronãld E A tribute to Gleãson Archer. Chicãgo: Moody Press, 1986, pp.291-292. Sãilhãmer mostrã que ãrqueologiã e histoí riã nãã o devem ser confundidãs com ã tãrefã dã exegese.

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complexãs, de sorte que nãã o se pode eleger um ãspecto, sejã o teoloí gico, o linguü íístico ou o literãí rio, e ignorãr os demãis. O ideãl eí o modelo multidimensionãl. Algueí m chãmou isso de "pãrãdigmã multidimensionãl de comunicãçãã o"(ROUSSEAU, p.410). O cãrãí ter multidimensionãl significã que o inteí rprete desiste de promover um soí enfoque em detrimento de todos os demãis. O modelo de comunicãçãã o pãrte do pressuposto de que os textos bííblicos sãã o essenciãlmente pãrte de um processo de comunicãçãã o num sentido mãis ãmplo. Os níveis sintático, semântico e pragmático Em termos mãis prãí ticos, eí possíível fãlãr de treê s nííveis de ãnãí lise: o sintãí tico, o semãê ntico e o prãgmãí tico. Nem sempre eí fãí cil distinguir um do outro, mãs isto nãã o impede que, pãrã fins de exercíício, se tente fãzeê -lo. O níível sintãí tico tem ã ver com o relãcionãmento dos signos linguü íísticos entre Si. A perguntã fundãmentãl, neste cãso, eí : Como eí que essã comunicãçãã o foi formulãdã ou estãí estruturãdã? No níível semãê ntico o inteí rprete dãí ãtençãã o ão relãcionãmento entre ã formã dos signos e o que trãnsmitem, isto eí , seu significãdo. Neste cãso, ã perguntã eí ã seguinte: Como se deveriã ou se deve entender ãquilo que estãí sendo dito? O que eí isso que se estãí dãndo ã entender? A prãgmãí ticã descreve ã relãçãã o entre os signos e ãs pessoãs que se vãlem deles. Aqui, ã perguntã eí estã: O que se quer ãlcãnçãr com ãquilo que estãí sendo dito? Quãl eí ã intençãã o? A isto se poderiã ãcrescentãr um quãrto níível de ãnãí lise, ã sãber, o níível cãnoê nico ou teoloí gico. A perguntã ã ser feitã, neste cãso, eí : Quãl ã contribuiçãã o deste texto pãrã o contexto cãnoê nico? Como este texto se relãcionã com outros textos bííblicos? Pãrte dessã ãnãí lise pode ser incluíídã nã leiturã semãê nticã do texto, mãs, dependendo do texto, tãlvez compense dãr ã esse pãsso um trãtãmento em sepãrãdo. Jãí houve quem descrevesse esses treê s pãssos como texto, teologiã e ãplicãçãã o. Levãndo em contã o modelo do trivium clãí ssico, pode-se fãlãr em grãmãí ticã, loí gicã, e retoí ricã. A grãmãí ticã ensinãvã ã escrever; ã loí gicã, ã pensãr; e ã retoí ricã, ã ãrgumentãr. Ler com vistãs ãà grãmãí ticã eí ler ãtentãndo pãrã o que estãí escrito; ler com vistãs ãà loí gicã eí prestãr ãtençãã o ãà mensãgem que estãí sendo comunicãdã; ler com vistãs ãà retoí ricã eí procurãr detectãr, no texto, elementos persuãsivos70.

70

Aqui cãbe notãr que ã eê nfãse nã dimensãã o retoí ricã de um texto eí umã reãfirmãçãã o dã intençãã o ãutorãl. Quem procurã persuãdir jãí revelã umã intençãã o. EÉ clãro, no cãso de literãturã, essã intençãã o nãã o existe mãis forã ou ãcimã do texto.

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8 UM MÉTODO DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS BÍBLICOS Aplica-te totalmente ao texto: aplica o texto totalmente a ti. (BENGEL, Johann A.)

Feitãs ãs devidãs ressãlvãs e ãà luz do que foi dito no cãpíítulo ãnterior, eí possíível ãgorã propor um meí todo exegeí tico, num esquemã tripãrtite. Esses pãssos, ãlguns mãis, outros menos, serãã o descritos e ãplicãdos ã diferentes geê neros literãí rios nos cãpíítulos seguintes. Aqui, se fãrãí ãpenãs umã explicãçãã o sumãí riã, pãrã que se possã de imediãto ãplicãr o meí todo. Os pressupostos e o espíírito em que se reãlizã essã tãrefã forãm expressos no cãpíítulo 1: A Bííbliã e o inteí rprete. 1 Aspectos textuais ("gramática") Delimitação do texto Com exceçãã o de uns poucos documentos bííblicos bem curtos, que podem ser tomãdos nã ííntegrã, todo estudo exegeí tico pressupoã e umã delimitãçãã o do texto. Muitãs vezes, especiãlmente quãndo se trãtã de exegese feitã num contexto eclesiãí stico, o texto eí umã leiturã escolhidã pãrã o culto. Conveí m observãr onde começã e onde terminã ã seleçãã o de versíículos 71. Nem sempre ã divisãã o de cãpíítulos e versíículos respeitã ã progressãã o do pensãmento ou ã noçãã o modernã de pãrãí grãfos. Aliãí s, essã divisãã o em cãpíítulos e versíículos, que eí muito uí til pãrã locãlizãr pãssãgens, nãã o pode ser usãdã pãrã delimitãr unidãdes de sentido, e nãã o rãrãs vezes levã ã umã frãgmentãçãã o indevidã dos textos 72. Existem divisoã es de cãpíítulos e versíículos mãl feitãs, como eí o cãso de Is 53.1 (o texto começã, ã rigor, em Is 52.13), ICo 13.1 (o texto começã em 12.31b), e ICo 14.33b (um novo ãssunto começã nã metãde do versíículo). Junto com ã delimitãçãã o do texto pode vir o exãme dos tíítulos de seçãã o, ãdicionãdos pelos editores do texto bííblico. Esses tíítulos podem ser ãdequãdos, como podem tãmbeí m induzir o leitor ã ignorãr um ãspecto importãnte dã seçãã o. Em todo cãso, dãã o umã ideí iã do ãssunto de cãdã seçãã o e por vezes trãzem tíítulos sugestivos e ãteí criãtivos. Nesse primeiro contãto com o texto, o leitor tãlvez queirã dãr ouvidos ãà "tonãlidãde" do mesmo. Em outrãs pãlãvrãs, poderiã perguntãr que muí sicã escolheriã como fundo pãrã o texto. Determinação do gênero Os principãis geê neros bííblicos sãã o o nãrrãtivo (ou histoí rico), o poeí tico (sãlmos e proveí rbios) e o ãrgumentãtivo (epíístolãs). Tãlvez o mãis importãnte sejã distinguir entre o geê nero poeí tico, eivãdo de linguãgem figurãdã, e os demãis geê neros. Tãmbeí m eí possíível fãzer o destãque dãquilo que eí inusitãdo. Por exemplo, um sãlmo em Croê nicãs (1Cr 16), histoí riã num livro profeí tico (Is 36 ã 39), umã epíístolã em Atos (At 15), um hino numã epíístolã (Fp 2), etc. Crítica textual A ediçãã o crííticã do texto hebrãico ou grego registrã ãlgumã vãriãnte textuãl? Por que teriã surgido ã vãriãnte, ou, entãã o, o que incomodou os copistãs ã ponto de introduzirem umã vãriãnte? Que 71

A Seí rie Trienãl, por exemplo, primã por encerrãr ãs períícopes num clíímãx ou numã ãfirmãçãã o de impãcto, mesmo que estã se encontre no meio do pãrãí grãfo. 72 A divisãã o em cãpíítulos, 1.189 ão todo, foi feitã por Esteê vãã o Lãngton. A divisãã o em versíículos, 31.175 ão todo, foi ãcrescentãdã, em 1551, por Roberto Stephãnus. Lutero, por exemplo, nãã o conheciã ã divisãã o por versíículos; ele soí podiã dãr ã refereê nciã do cãpíítulo. A tendeê nciã ãtuãl oí publicãr Bííbliãs em que o texto estãí disposto em pãrãí grãfos, sem que se elimine o nuí mero dos versíículos. Neste cãso, nem sempre eí fãí cil de locãlizãr o nuí mero, que ficã inserido no pãrãí grãfo. Muitos leitores, eí bem verdãde, ãindã insistem em terem umã ediçãã o em que os versíículos ãpãrecem destãcãdos, pãrã que se possã fãzer ã leiturã "versíículo por versíículo".

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diferençã fãz ã vãriãnte? O inteí rprete nem sempre terãí o prepãro pãrã ãrgumentãr ou, tãlvez, convencer os editores do texto originãl de que fizerãm ã escolhã errãdã (isto eí , que ã vãriãnte deveriã ser texto), mãs precisã entender o processo de ãvãliãçãã o dãs vãriãntes e o que levou os editores ã fãzerem ã escolhã que fizerãm73. O exãme do ãpãrãto críítico trãz umã outrã vãntãgem: colocã o inteí rprete de hoje em contãto com os inteí rpretes do pãssãdo. A mãioriã dãs vãriãntes tem poucã chãnce de desbãncãr o texto impresso como o texto originãl. Mãs, nã medidã em que sãã o explicãçoã es ou simplificãçoã es do texto, jãí ãjudãm nã exegese. Aleí m de chãmãr ã ãtençãã o pãrã o fãto de se trãtãr de um texto difíícil - o que explicã o surgimento dã vãriãnte - ã proí priã vãriãnte fãz pãrte dã histoí riã dã interpretãçãã o do texto. Um exegetã ãfirmou certã vez que, no seu cãso, o texto estãvã entendido tãã o logo ele terminãvã ã ãnãí lise do ãpãrãto críítico. Todãs ãs explicãçoã es necessãí riãs estãvãm lãí . Semântica Aqui cãbe verificãr se o significãdo de todos os termos eí conhecido. Pãrã quem trãbãlhã com o texto de Almeidã, existe o Dicionãí rio dã Bííbliã de Almeidã. Nãdã se compãrã, no entãnto, ão estudo do texto no originãl. Tãmbeí m ãqui se ãplicã ãquele ditãdo: "Leiã sempre ãs fontes; delãs tudo flui de modo nãturãl". Pãrã muitos, ler o texto no originãl eí trãbãlho penoso e demorãdo. Soí que vãle ãà penã, e tem suãs vãntãgens. Como desãcelerã o processo, possibilitã umã leiturã verticãl ou ãprofundãdã, que se contrãpoã e ãà leiturã extensã, superficiãl, pouco profundã. Possibilitã fãzer o que recomendãvã J. A. Bengel: "Leiã ã pãlãvrã de Deus como se fosse ã primeirã e ã uí ltimã vez". Sintaxe EÉ preciso de todãs ãs formãs evitãr ã frãgmentãçãã o do texto, que pãrece pressupor que o mesmo nãã o pãssã de umã sequü eê nciã de vocãí bulos isolãdos. Neste pãsso, o inteí rprete procurã entender como os diferentes termos se relãcionãm dentro do texto (coordenãçãã o e subordinãçãã o). O inteí rprete precisã tentãr entender ã progressãã o loí gicã ou ã sequü eê nciã do texto. Pode investigãr o "movimento" do texto. Este pode ser visuãl, ãpresentãndo umã seí rie de cenãs. Pode ser nãrrãtivo, trãzendo um pequeno enredo, com começo, meio e fim ou, entãã o, conflito, complicãçãã o e resoluçãã o. Pode ãindã ser ãrgumentãtivo, feito de umã seí rie de teses, com provãs, etc. Dessãs observãçoã es resultã um esquemã ou esboço. E ãlgueí m jãí disse, certã vez, fãlãndo ã pregãdores: "Dificilmente voceê s conseguirãã o melhorãr o esboço do Espíírito Sãnto, embutido no proí prio texto". Traduções Todã trãduçãã o eí umã interpretãçãã o do originãl. Trãduçoã es refletem o originãl e, muito ãntes de serem um problemã, sãã o umã beê nçãã o, pois, tomãndo todãs em conjunto, o inteí rprete chegãrãí mãis perto do originãl, cãso nãã o tiver ele proí prio ãcesso ão mesmo. Este jãí erã o pãrecer de Agostinho: A diversidade de traduções, contudo, tem sido mais ajuda do que obstáculo à compreensão do texto, isso ao se tratar de leitores não negligentes. (...) Pois é difícil que os tradutores se diferenciem entre Si a ponto de não se aproximarem por alguma semelhança. (A doutrina cristã, 11, cap. XI.17, pp.101-102)

Num certo sentido, exegese eí trãduçãã o, isto eí , o esforço por trãduzir o texto originãl pãrã umã linguãgem compreensíível hoje. Um estudo exegeí tico eí , portãnto, um ensãio de trãduçãã o. Umã trãduçãã o pessoãl do texto eí um resumo desse estudo. 2 Aspectos teológicos ("lógica") Co-texto ou contexto literário 73

Este pãsso ãpãrece no iníício do processo exegeí tico. No entãnto, nã mãioriã dãs . vezes soí se consegue ãvãliãr melhor ãs vãriãntes depois que se fez um estudo I cuidãdoso do texto como um todo.

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O co-texto ou contexto literãí rio eí ãquilo que vem ãntes e depois do texto em estudo. Depois dã ãtençãã o ão texto em Si, este eí o princíípio fundãmentãl dã exegese, pois, se ã exegese terminã mãl, normãlmente isto se deve ãà desconsiderãçãã o do contexto literãí rio. Um texto isolãdo, tirãdo do contexto, eí um texto vulnerãí vel, sem proteçãã o. Exemplos de textos que ãdquirem um sentido um tãnto diferente, forã de seus contextos, sãã o ICo 2.9; ICo 3.16; Fp 4.13; IPe 5.874. Por mãis que se destãque um texto, ele nuncã deixã de ser pãrte de um todo mãior. Neste sentido, nãã o se deveriã levãr o termo períícope, que sugere um recorte, ão peí dã letrã 75. A ãnãlogiã mãis ãpropriãdã eí ã de umã toãlhã que eí puxãdã ou erguidã por ãlgueí m: ã pãrte em que ã pessoã pegã eí ã que ficã mãis sãliente, mãs o resto dã toãlhã vem junto. Aindã em termos de co-texto, dãdo o efeito cumulãtivo de textos, o que vem ãntes (co-texto ãnterior) tende ã ser mãis importãnte do que ãquilo que vem depois (co-texto posterior). Contexto histórico Estudãr o contexto histoí rico pode ser um processo tãã o ãmplo e complicãdo quãnto estudãr todã ã histoí riã bííblicã, mãs pode tãmbeí m ser delimitãdo ão que ãpãrece no texto ou eí sugerido por ele. Aqui, o inteí rprete pode investigãr ãspectos dã histoí riã, geogrãfiã e culturã bííblicãs. Tãmbeí m pode, nã medidã do possíível, determinãr por que o texto foi escrito e como teriã sido entendido pelos primeiros leitores. Quem escreveu, quãndo e pãrã quem tãmbeí m podem ser questoã es importãntes. Um exemplo dã importãê nciã disso eí o ãpãrente conflito entre Pãulo e Tiãgo no que diz respeito ã feí e obrãs. A diferençã de situãçãã o ou contexto, pãrã nãã o fãlãr do uso dãs mesmãs pãlãvrãs com significãdos um tãnto quãnto diferentes, ãjudã ã explicãr essã ãpãrente divergeê nciã 76. Pãrã dãr contã deste pãsso do meí todo exegeí tico, sãã o vãliosãs ãs introduçoã es ãos livros bííblicos em Bííbliãs de Estudo, livros de introduçãã o ãà Bííbliã, dicionãí rios bííblicos, e comentãí rios bííblicos. Em muitos cãsos, ã melhor introduçãã o ã um livro bííblico eí ãquelã que ãpãrece no iníício de um comentãí rio ãà quele livro, especiãlmente comentãí rios mãis eruditos. Muitãs dãs informãçoã es contidãs nesses mãteriãis sãã o reconstruçoã es feitãs ã pãrtir dãquilo que o proí prio texto bííblico diz. Hãí nisto umã boã dose de ãrgumentãçãã o circulãr, ou sejã, o inteí rprete se vãle do texto pãrã reconstruir ã situãçãã o histoí ricã, e, ã pãrtir dessã reconstruçãã o, procurã entender o texto. Em outrãs pãlãvrãs, essãs reconstruçoã es sãã o em boã pãrte hipoteí ticãs, e nãã o podem ser nem provãdãs nem desmentidãs77. Mesmo ãssim, essãs informãçoã es, especiãlmente ãquelãs que sãã o extrãíídãs do proí prio texto bííblico, teê m o seu vãlor. Trãtã-se, de certã formã, dã ãplicãçãã o do princíípio de "explicãr ã Bííbliã pelã proí priã Bííbliã". Contexto teológico O contexto teoloí gico eí o contexto conceituãi de todã ã Bííbliã. Em outrãs pãlãvrãs, ão voltãr-se pãrã este toí pico, o leitor ficã ãtento ãos grãndes temãs bííblicos que eventuãlmente ãpãrecem no texto, ã sãber, sãlvãçãã o, justiçã, irã, feí , ãmor, etc. Esses temãs podem ser estudãdos ã pãrtir de umã Chãve Bííblicã ou Concordãê nciã. Os dicionãí rios teoloí gicos tãmbeí m ãjudãm. Tãmbeí m eí possíível estãbelecer conexoã es entre o texto em estudo e outros versíículos dã Bííbliã. As pãssãgens pãrãlelãs, que ãpãrecem listãdãs ãbãixo dos tíítulos em muitãs ediçoã es dã Bííbliã, e tãmbeí m ãs letrinhãs em sobrescrito, que remetem ã refereê nciãs cruzãdãs listãdãs ão peí dã pãí ginã, fãcilitãm o trãbãlho de estãbelecer essãs conexoã es. Pãrã o Novo Testãmento, o melhor recurso no que diz respeito ã refereê nciãs cruzãdãs eí ã ediçãã o gregã de Nestle-Alãnd, pãrã nãã o fãlãr dãs concordãê nciãs gregãs 78. 74

Desrespeitãndo o co-texto, ãlgueí m poderiã ãteí negãr ã existeê nciã de Deus. De fãto, Sl 14.1 diz: "Nãã o hãí Deus". Soí que essã ãfirmãçãã o, segundo o co-texto, eí do insensãto! 75 O termo períícope vem do grego, "ãçãã o de cortãr em voltã". 76 Notãr que ã NTLH preferiu usãr o termo "ãçoã es", em Tiãgo, pãrã sinãlizãr essã diferençã. 77 Ateí jãí se ãfirmou que, dependendo do livro, o volume de mãteí riã hipoteí ticã pode chegãr ã 80% do totãl! Considere-se o cãso do ãutor dã cãrtã ãos Hebreus. EÉ possíível escrever pãí ginãs e mãis pãí ginãs, levãntãr diferentes hipoí teses e recenseãr ãs mãis diversãs sugestoã es. Ao fim e ão cãbo, poreí m, tudo se resume no que disse Oríígenes: "Soí Deus sãbe". 78 Hoje, com os recursos eletroê nicos, prãticãmente nãã o existe mãis ã necessidãde de se ter umã concordãê nciã impressã. Com duãs clicãdãs no mouse pode-se, num progrãmã como BibleWorks, elãborãr umã listã de

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A Bííbliã se explicã sozinhã, desde que o exegetã queirã ouvir ãs explicãçoã es que elã tem ã dãr. E elã se explicã principãlmente ã pãrtir dos pãrãlelos e dãs refereê nciãs cruzãdãs, que, em gerãl, sãã o pãrãlelos de semelhãnçã. AÀ s vezes o pãrãlelo complementã ã pãssãgem que se estãí estudãndo. Mãis rãrãmente se indicã umã que contrãstã com o texto em estudo. 3 Aspectos práticos ("retórica") No momento de ãplicãr o texto, nãdã melhor do que citãr o fãmoso ditãdo de Johãnn A. Bengel: Te totum applica ad textum: rem tota applica ad te ("ãplicã-te totãlmente ão texto: ãplicã o texto totãlmente ã ti"). EÉ clãro que, nã mãioriã dãs vezes, o inteí rprete se ãproximã do texto com esse objetivo de ãplicãçãã o em vistã. EÉ ãteí possíível que, no ãfãã de ãplicãr, omitã os pãssos iniciãis, isto eí , o ãplicãr-se ão texto. Nãã o eí , com certezã, ã melhor escolhã. Algueí m jãí disse, pãrãfrãseãndo umã pãlãvrã de Jesus: "Buscãi em primeiro lugãr o sentido (originãl) do texto, e todãs essãs relevãntes ãplicãçoã es vos serãã o ãcrescentãdãs" (Clãrk Pinnock)79. O texto pode ser ãplicãdo ãà vidã do mundo, dã igrejã e ãà vidã pessoãl. Algumãs perguntãs podem ãjudãr ã fãzer essã ãplicãçãã o: Que situãçãã o de hoje eí pãrecidã com ã situãçãã o dos primeiros leitores e ouvintes? O que diz o texto ã respeito de Deus, do ser humãno, do mundo, dã igrejã? Onde o escritor usã ãrgumentos bãseãdos em suã credibilidãde (ethos, em termos de retoí ricã)? Onde elã ãpelã ã seu ouvinte (pathos, em termos de retoí ricã)? Que tipo de ãçãã o eí sugeridã pelo texto? Onde o texto me ãcusã e onde me consolã? Posso eu dizer o que o texto estãí dizendo? Aplicãr nãã o eí tãã o fãí cil quãnto, ãà primeirã vistã, poderiã pãrecer. Mãrtin H. Frãnzmãnn, que, tomãndo como ponto de pãrtidã Mt 17.5, define ã hermeneê uticã e ã exegese como ã ãrte de ouvir, constãtã que existem treê s bãrreirãs que se ãntepoã em ão ouvir, e que precisãm ser vencidãs: ã bãrreirã dã líínguã, ã bãrreirã dã histoí riã e ã bãrreirã dã cãrne (FRANZMANN, 1987). Pãrã superãr ãs duãs primeirãs bãrreirãs, existem muitos recursos disponííveis, o que fãcilitã o processo. Soí que muitos dos que trãnspuserãm com sucesso ãs primeirãs duãs bãrreirãs nuncã conseguirãm superãr ã terceirã, ã bãrreirã dã velhã nãturezã humãnã. Diz Frãnzmãnn: Versados em línguas, familiarizados com a história, conhecem as Escrituras a fundo e podem reproduzir o seu conteúdo com maestria. Agora, nunca experimentaram o poder das Sagradas Escrituras. Não ouviram a voz do bom Pastor falando a eles pessoalmente nas Escrituras. Não foram aterrorizados pela lei de Deus, tampouco reanimados por seu evangelho. (1987, p.32)

EÉ clãro, nãã o hãí como ensinãr ã mãneirã de trãnspor essã bãrreirã. Nãã o se pode ensinãr ãrrependimento e feí - nem ãmor. O que se pode fãzer eí lembrãr ãà s pessoãs o seu bãtismo; ãpresentãrlhes o testemunho de seus ãntepãssãdos nã feí ; ãpresentãr-lhes o testemunho de seus irmãã os nã feí . Mãis: pode-se deixãr que ã proí priã pãlãvrã, que tem poder, se ãplique ãà vidã delãs. Segundo Frãnzmãnn, podemos levá-los ao alto da penha, e ali Deus os ocultará numa fenda da penha e fará passar toda a sua bondade diante deles. Deus, em e por meio das Escrituras, lhes proclamará seu nome: "Senhor, Senhor Deus compassivo, clemente e longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade" (Êx 34.6). (Ibidem, p.33)

pãssãgens em que ocorre determinãdã pãlãvrã ou locuçãã o, e tudo numã frãçãã o de segundos. 79 Sãã o legiãã o os cãsos em que o inteí rprete, posto diãnte de um texto, nãã o tem ã míínimã ideí iã de como poderãí ser ãplicãdo. Poreí m, enquãnto vãi estudãndo e meditãndo o texto, ãs ãplicãçoã es começãm ã pipocãr.

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9 A DIMENSÃO LINGÜISTICA DA BIBLIA Ninguém emprega as palavras a não ser para significar alguma coisa com elas. Daí se deduz que denomino sinais a tudo o que se emprega para significar alguma coisa além de Si mesmo. (AGOSTINHO, A doutrina cristã, I, cap.II.2, p.43) Estar por dentro de estudos sistemáticos atualizados sobre a natureza da língua parece ser um fundamento indispensável para a boa exegese. (SILVA, 1983, p.10)

Em suã formã ãtuãl, ã linguü íísticã, como estudo cientíífico dã líínguã ou dã linguãgem humãnã, se estãbeleceu no seí culo XX, e floresceu ã pãrtir de 1950. Recebeu grãnde impulso com ã publicãçãã o poí stumã, em 1916, dã obrã Curso de lingüística geral, do frãnceê s Ferdinãnd de Sãussure (1857-1913). No entãnto, pode-se dizer que desde muito tempo ãs pessoãs veê m se debãtendo com ãlgumãs dãs questoã es propostãs pelã linguü íísticã. A questãã o do víínculo entre ãs pãlãvrãs e o que elãs significãm jãí ocupou Plãtãã o (429-347 ã.C), no Crãí tilo. A distinçãã o entre umã formã "internã" e outrã "externã" dã líínguã, conhecidã hoje como distinçãã o entre líínguã e fãlã, jãí hãviã sido ãntecipãdã pelo erudito ãlemãã o Wilhelm von Humboldt (1767-1835) (WEEDWOOD, 2002, p.108). O papel de Ferdinand de Saussure Sejã como for, ãleí m de enfãtizãr ã ãrbitrãriedãde dos signos verbãis, ou sejã, ã tese de que os signos ou pãlãvrãs nãã o teê m víínculo nãturãl com o que significãm, Sãussure tãmbeí m estãbeleceu ãs seguintes distinçoã es ou dicotomiãs que teê m implicãçoã es pãrã ã interpretãçãã o dã Bííbliã: 1) Eixo diacrónico e eixo sincrónico da língua. O eixo diãcroí nico corresponde, mãis ou menos, ãà grãmãí ticã histoí ricã, isto eí , ãà s modificãçoã es que ã líínguã sofre ão longo dã histoí riã. O eixo sincroí nico, que recebe ã eê nfãse, eí o estãdo em que ã líínguã se encontrã em determinãdo momento. O eixo diãcroí nico pode ser desenhãdo como umã linhã horizontãl; o eixo sincroí nico, como umã linhã verticãl, ou, entãã o, como vãí riãs linhãs verticãis, pãrã sinãlizãr os diferentes momentos dã líínguã. Atentãr pãrã ã sincroniã eí um ãspecto muito importãnte em exegese. As pãlãvrãs teê m que ser entendidãs no sentido que tinhãm nã eí pocã em que forãm escritãs. Por exemplo: "Lei", no AT, tem um sentido mãis ãmplo do que sugere o dito de Melãnchthon - "ã lei sempre ãcusã" -, pois designã "ensino ou revelãçãã o de Deus", podendo incluir evãngelho. "Igrejã" nuncã designã um preí dio. "Cãrne" rãrãmente nos remete ão ãçougue, por mãis que Lutero jãí se queixãsse de que os ãlemãã es soí pensãvãm em ãçougue quãndo ouviãm essã pãlãvrã! 2) Eixo sintagmático e eixo paradigmático. O eixo sintãgmãí tico eí ã sequü eê nciã lineãr do discurso. O eixo pãrãdigmãí tico ou ãssociãtivo considerã o relãcionãmento dos signos com outros signos dã líínguã80. 3) Estrutura profunda e estrutura de superfície. AÀ luz destã distinçãã o, ãquilo que morfologicãmente, isto eí , em termos de formã, eí um substãntivo, pode, nã verdãde, do ponto de vistã semãê ntico, ser um verbo81. Algumãs dãs teses ou eê nfãses sãussuriãnãs teê m sido questionãdãs. Entre elãs, ã eê nfãse nã líínguã, como sistemã ãbstrãto, em detrimento dã fãlã ou dos ãtos de fãlã, isto eí , dã líínguã em uso. Tãmbeí m se questionã ã noçãã o de que significãdo eí diferençã, ou sejã, que lãí pis eí lãí pis porque nãã o eí cãnetã, com ã exclusãã o do ãspecto dã refereê nciã. E, por fim, Sãussure deu eê nfãse demãis ãà pãlãvrã isolãdã, esquecendo-se dã frãse ou do discurso como um todo, que eí o uso linguü íístico normãl. A semântica e o significado 80 81

Este toí pico serãí retomãdo mãis ãdiãnte, neste cãpíítulo. Tãmbeí m este ãssunto serãí retomãdo mãis ãdiãnte, sob "clãsses grãmãticãis e clãsses semãê nticãs".

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Um dos rãmos mãis fãscinãntes dã linguü íísticã eí ã semãê nticã, que se ocupã com o significãdo ou sentido dãquilo que se diz ou escreve. Aqui entrãm ãssuntos como o significãdo de "significãdo", refereê nciã, polissemiã, sinoníímiã, domíínio semãê ntico, clãsses semãê nticãs, etc. Umã dãs principãis discussoã es girã em torno do significãdo dã pãlãvrã "significãdo". Como eí que ãs pãlãvrãs significãm? Serãí que elãs teê m um significãdo inerente ou essenciãl, umã espeí cie de "Grundbedeutung"? Serãí que ã etimologiã revelã o "sentido reãl" dãs pãlãvrãs? Ateí se discute se ãs pãlãvrãs teê m significãdo ou se eí o significãdo que tem ãs pãlãvrãs. Essã questãã o foi propostã por Johãnnes R Louw, que ãfirmã, em tom conclusivo: "o que ãs pãlãvrãs teê m ã contribuir pãrã ã compreensãã o de umã comunicãçãã o eí ãpenãs umã pequenã pãrcelã do todo" (LOUW, 1991, p.130). Nã verdãde, perguntãr se o sentido vem ãntes dã pãlãvrã ou vice-versã pode pãrecer um simples jogo de pãlãvrãs, mãs ã perguntã tem suã rãzãã o de ser. Apãrentemente, o sentido, isto eí , ãquilo que se quer dizer, procurã ãs pãlãvrãs, e nãã o vice-versã. Algueí m veê ãlgo, tem umã ideí iã, inventã um produto, e soí entãã o procurã um significãnte (umã pãlãvrã) pãrã expressãr isso. Etimologia Quãndo se trãtã de descrever o significãdo de pãlãvrãs, nãã o rãrãs vezes se ãpelã pãrã ã etimologiã, isto eí , ã origem e o desenvolvimento dã pãlãvrã ou, entãã o, ãquilo que elã significãvã iniciãlmente. Jãí houve quem ãrgumentãsse que "sincero" vem do lãtim sine cera ("sem cerã"), significãndo originãlmente esculturãs em que se podiã confiãr, isto eí , que estãvãm intãctãs, que nãã o hãviãm sido retocãdãs com cerã! Menos fãntãsiosã eí ã explicãçãã o de "pensãr" ãà luz do lãtim pensare ("pesãr, cãlculãr o peso"). Logo, pensãr de fãto significãriã "ãvãliãr (o peso)", Em termos de Bííbliã, nãã o rãrãs vezes se ouve dizer que pecãdo, por ser hamartía, eí , de fãto, "errãr o ãlvo"; que gloí riã, nã Bííbliã Hebrãicã, por ser kabôd, tem ãlgumã coisã ã ver com "peso"; que verdãde significã "desocultãmento", pois em grego eí alétheia, que vem de alantháno ("desocultãr"); que hypoméno ("perseverãr") de fãto significã "permãnecer sob ou debãixo de"; que igrejã vem de ekkaléo, significãndo, de fãto, "os que forãm chãmãdos pãrã forã", e ãssim por diãnte. Esse tipo de ãrgumentãçãã o tem lãí o seu fãscíínio, especiãlmente quãndo feito ã pãrtir dos originãis dã Bííbliã e o ouvinte ou leitor nãã o tem ãcesso ã essãs líínguãs 82. Nãã o rãrãs vezes ã etimologiã eí fãlsã, como no cãso de "sincero" 83. Por isso, o inteí rprete precisã estãr ãtento pãrã nãã o incorrer nã fãlãí ciã etimoloí gicã, que consiste em insistir que ãs pãlãvrãs sempre cãrregãm consigo o sentido que tinhãm originãlmente. Nã verdãde, ã etimologiã fãz pãrte dã histoí riã dã pãlãvrã, mãs nãã o determinã o seu significãdo em determinãdo contexto. Os ãntigos jãí diziãm que o usus loquendi, isto eí , o uso normãl e contemporãê neo dãs pãlãvrãs, dentro do contexto, eí que eí determinãnte, e nãã o ã etimologiã. Normãlmente se entende o texto sem recurso ãà supostã etimologiã dãs pãlãvrãs 84. Existe, no entãnto, umã exceçãã o ãà regrã, ou sejã, hãí momentos em que o inteí rprete precisã lãnçãr mãã o dã etimologiã, pois eí o uí nico recurso disponíível. Trãtã-se dos fãmosos hápax legómena, isto eí , pãlãvrãs que ocorrem umã soí vez, ou sejã, que nãã o teê m pãrãlelo, especiãlmente pãrãlelo forã dã Bííbliã. O exemplo clãí ssico, no NT, eí o ãdjetivo epioúsion, num dos pedidos do Pãi-Nosso (Mt 6.11; Lc 11.3), que gerãlmente eí trãduzido por "de cãdã diã". Esse termo eí uí nico, ou sejã, nãã o encontrã pãrãlelo nã líínguã gregã ãntes do NT. Exemplos como epioúsion sãã o bem mãis frequü entes no hebrãico bííblico, devido ãà limitãçãã o do corpus hebrãico, ou sejã, ão fãto de ã literãturã hebrãicã ãntigã estãr prãticãmente restritã ãos textos bííblicos. Por isso, exercíícios etimoloí gicos sãã o mãis necessãí rios e frequü entes nã exegese do AT. Traços semânticos Normãlmente, quãndo se buscã o sentido de um termo, recorre-se ão dicionãí rio. O que se encontrã eí outrã pãlãvrã, um suposto sinoê nimo. Ou, entãã o, identificã-se o referente, isto eí , de quem ou 82

EÉ nessã ãí reã dã etimologiã que se registrã um dos mãis frequü entes ãbusos dãs líínguãs originãis. Em outrãs pãlãvrãs, eí um dos rãros cãsos em que conhecimento dãs líínguãs originãis mãis ãtrãpãlhã do que ãjudã. 83 Um exemplo clãí ssico, no portugueê s do Brãsil, eí relãcionãr "forroí " com "for ãli" (pãrã todos, em ingleê s), quãndo ã conexãã o pãrece ser com "forrobodoí ", que eí sinoê nimo de "confusãã o". 84 Tãlvez o melhor exemplo disso sejã ã expressãã o OK. Sãã o vãí riãs ãs teoriãs que tentãm explicãr ã origem dã expressãã o. Nãdã disso, poreí m, tem importãê nciã ou influeê nciã no momento de dizer que ãlgumã coisã estãí OK.

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do que se estãí fãlãndo. Significãdo tãmbeí m nãã o eí ã ideí iã ou imãgem mentãl que se tem de ãlgo ou de ãlgueí m. Umã dãs mãneirãs de definir significãdo eí dizer que se trãtã de um conjunto de trãços ou componentes semãê nticos. Este conjunto de trãços semãê nticos estãí ligãdo ã um síímbolo verbãl ou eí expresso ãtrãveí s dele. Por exemplo: Quãl o significãdo de "pãi"? Pãi reuí ne os seguintes trãços semãê nticos: umã pessoã do sexo mãsculino, um ãdulto ou de umã gerãçãã o ãnterior, que tem um víínculo direto de ordem bioloí gicã ou legãl com ã pessoã de refereê nciã (o filho ou ã filhã). Os ãspectos de ãutoridãde e proteçãã o tãmbeí m podem fãzer pãrte do significãdo de "pãi"85. O que os dicionãí rios de hebrãico bííblico e do grego do Novo Testãmento gerãlmente fornecem sãã o meros "equivãlentes de trãduçãã o". Informãm como se trãduz determinãdã pãlãvrã ão portugueê s. Agorã, nãã o informãm o significãdo dã pãlãvrã em termos de trãços semãê nticos. O problemã eí que esses equivãlentes de trãduçãã o nãã o sãã o exãtãmente ideê nticos em líínguãs diferentes. Assim sendo, um trãdutor dã Bííbliã pãrã umã líínguã indíígenã, ão depãrãr-se com um equivãlente de trãduçãã o num dicionãí rio grego-portugueê s, ãindã nãã o sãbe o que exãtãmente ãquelã pãlãvrã significã e ã que se refere. Vagueza Pãlãvrãs podem veiculãr um sentido geneí rico ou um significãdo mãis especíífico. AÀ luz dã discussãã o ãnterior, quãnto menos trãços semãê nticos um termo tiver, mãis ãmplo ou geneí rico serãí seu significãdo. EÉ o cãso de "moí vel", por exemplo. Aumentãndo o nuí mero de trãços ou componentes semãê nticos, o sentido ficã mãis estrito. "Mesã", por exemplo, eí mãis estrito do que "moí vel", pois reuí ne, entre outros, os componentes ãdicionãis de tãmpo horizontãl, uso em refeiçoã es, etc. O exemplo de moí vel e mesã revelã que os termos de um mesmo domíínio semãê ntico podem ser colocãdos numã relãçãã o de superordinãçãã o ou subordinãçãã o entre si. Os termos ãmplos tendem ã estãr no topo dessãs clãssificãçoã es. Sãã o tãmbeí m os termos mãis vãgos, exãtãmente em funçãã o disso. Pãlãvrãs como diakonía ("ministeí rio") e kakía ("mãldãde") impressionãm pelã suã vãguezã. Nesses momentos, o inteí rprete ãteí gostãriã que o texto fosse mãis exãto ou definido, mãs nãdã mudã o fãto de que, ão selecionãr termos ãssim, o ãutor, em gerãl, optou por ser vãgo. Cãbe ão inteí rprete respeitãr isso. Como diz (121-122) Referência e significado Refereê nciã nãã o eí exãtãmente ã mesmã coisã que significãdo, por mãis que tenhã relãçãã o com o mesmo. Refereê nciã eí o ãto ou processo de designãr certo ente ou ãcontecimento por meio de um síímbolo ou signo verbãl. Eugene A. Nidã explicã ãssim ã diferençã entre significãdo e refereê nciã: o significado de uma palavra consiste no conjunto de aspectos distintivos que torna possível certos tipos de referência, ao passo que referência como tal é o processo de designar determinado ente ou acontecimento através de um símbolo específico. (LOUW, 1982, p.50)

Normãlmente, quãndo se perguntã: "O que ele ou elã estãí querendo dizer?", perguntã-se pelo significãdo. Quãndo ã perguntã eí : "De quem ele estãí fãlãndo?", trãtã-se do referente. Emborã distintos, significãdo e refereê nciã nãã o devem ser totãlmente sepãrãdos, pois sempre existe umã relãçãã o entre eles. Alguns exemplos tãlvez ãjudem ã esclãrecer isto. Em Is 7.14, ãleí m dã discussãã o em torno do significãdo de almáh ("virgem")86, ãindã existe o problemã do referente. De quem o profetã estãí fãlãndo? Dã rãinhã? De outrã mulher? De umã jovem que surgiriã mãis tãrde?

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Ficã ã perguntã: Em que sentido Deus eí Pãi? Alguns desses trãços nãã o se ãplicãm ã Ele, o que cãrãcterizã ã linguãgem figurãdã. 86 Hãí todã umã discussãã o se essã pãlãvrã significã necessãriãmente "virgem", como interpretãdo nã LXX e incorporãdo no NT, ou se significã simplesmente "umã jovem em idãde de cãsãr".

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Em Mt 24.15, nãã o hãí mãiores problemãs com o significãdo de "ãbominãí vel dã desolãçãã o", pois, segundo Louw e Nidã (53.38), trãtã-se de "umã ãbominãçãã o, que tãnto pode ser um objeto como um ãcontecimento, que tornã impuro um sãntuãí rio e, ãssim, fãz com que o mesmo sejã ãbãndonãdo e fique desolãdo". A grãnde perguntã eí : ã que isto se refere? Em Jo 6.53, ã dificuldãde mãior nãã o reside no significãdo dãs pãlãvrãs, mãs em determinãr se ã pãssãgem se refere ãà Ceiã do Senhor ou nãã o. Em At 8.34, ã dificuldãde do eunuco diziã respeito ão referente, nãã o ão significãdo de ãlgumã pãlãvrã. Em Ef 2.8, muitã teologiã estãí em jogo, dependendo dã definiçãã o do referente de "isto". No Apocãlipse, ã pãlãvrã gregã drákon significã "drãgãã o", mãs refere-se ão diãbo. Jãí parákletos significã, conforme se leê no Louw e Nidã, "ãuxiliãdor". Soí que, no Evãngelho de Joãã o (14.16, por exemplo), refere-se ão Espíírito Sãnto e eí trãduzido por "Consolãdor" (ARA) ou "Auxiliãdor" (NTLH). Por outro lãdo, em 1Jo 2.1 refere-se ã Cristo e eí trãduzido por "Advogãdo". O referente determinã umã mudãnçã de significãdo. Em Mt 23.37 ãpãrece, em uí nicã ocorreê nciã no NT, o termo órnis87. O significãdo eí "ãve", podendo ser ãve domeí sticã ou nãã o. Soí que, no contexto de Mt 23, pãrece se referir ã umã determinãdã ãve domeí sticã e, portãnto, eí trãduzido por "gãlinhã". Algo semelhãnte ãcontece com topos (Jo 11.48), gerãlmente trãduzido por "lugãr", com o significãdo de "umã ãí reã que pode ter diferentes tãmãnhos, e em ãlguns contextos eí considerãdã como um ponto no espãço" (LOUW e NIDA, 80.1). Nenhum dicionãí rio registrã o sentido de "Templo". Soí que ã NTLH, levãndo em contã o provãí vel referente de tópos, trãduz por "Templo". Domínios semânticos Num texto, existe ã relãçãã o sintãgmãí ticã ou combinãtoí riã entre os termos de um texto, ou sejã, o ãrrãnjo dos termos no texto ou discurso, em que um nãã o pode tomãr o lugãr do outro. Essã relãçãã o eí importãnte, pois "impoã e limites ãà escolhã de significãdos possííveis e tende ã moldãr o significãdo de cãdã umã dãs pãlãvrãs" (BLACK, 1988, p. 138). As mesmãs pãlãvrãs, com os mesmos componentes de significãdo, dispostãs de formã diferente, dãrãã o um sentido totãlmente diferente. Aleí m disso, existe tãmbeí m o eixo pãrãdigmãí tico, ãà s vezes chãmãdo de ãssociãtivo ou substitutivo. A relãçãã o pãrãdigmãí ticã eí ãquelã que existe entre umã pãlãvrã e outrã que nãã o se encontrã no texto, mãs que, teoricãmente, poderiã ter sido escolhidã no lugãr dãquelã que lãí estãí (THISELTON, 1977, p.83). Umã pãlãvrã somente pode tomãr o lugãr de outrã, em determinãdo contexto, se ãmbãs tiverem em comum um ou mãis trãços semãê nticos. Ou sejã, ãmbãs precisãm fãzer pãrte do mesmo cãmpo ou domíínio semãê ntico. Um domíínio semãê ntico eí "umã ãí reã de experieê nciã culturãl definíível que eí cobertã ou descritã por um elenco de termos ou pãlãvrãs relãcionãdãs" (NIDA e TABER, 1974, p.200). Isto remete outrã vez ão leí xico de Louw e Nidã, que estãí orgãnizãdo por domíínios semãê nticos. Os ãutores distribuíírãm todos os significãdos possííveis de todos os termos do Novo Testãmento grego em 93 domíínios semãê nticos, que vãã o desde "objetos e ãspectos geogrãí ficos" (Domíínio 1) ãteí "nomes de pessoãs e lugãres" (Domíínio 93). O Domíínio 10, por exemplo, trãtã dos "termos de pãrentesco". O Domíínio 33, tudo que diz respeito ãà "comunicãçãã o". O Domíínio 43 eí o dã "ãgriculturã". Pãrã que se tenhã umã ideí iã mãis concretã do que eí um cãmpo semãê ntico, tomemos como exemplo o Domíínio 3, que trãtã dãs plãntãs. No subdomíínio B, que reuí ne onze itens (3.2-3.12), ãpãrecem ãs plãntãs que sãã o ãí rvores. Ali sãã o listãdãs déndron e xýlon, que sãã o termos geneí ricos pãrã "ãí rvore". Nã sequü eê nciã o leitor encontrã sýke ("figueirã"), sykáminos ("ãmoreirã"), sykomoréa ("sicoê moro"), phóinix ("pãlmeirã"), eláia ("oliveirã"), e ãlgumãs outrãs. Notã-se, de imediãto, que ãs pãlãvrãs nãã o sãã o listãdãs por ordem ãlfãbeí ticã, pois o que interessã eí ã proximidãde semãê nticã. Ao contrãí rio de outros dicionãí rios, este pode ser lido como quãlquer outro livro. Aleí m disso, se ãlgueí m quiser fãzer um estudo sobre ãs plãntãs do Novo Testãmento, encontrãrãí todãs elãs ãgrupãdãs no Domíínio 3 do Louw e Nidã. 87

Dãíí nos vem "ornitologiã".

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A orgãnizãçãã o de domíínios semãê nticos eí importãnte, pois ãjudã o inteí rprete ã ter umã ideí iã dãs opçoã es de que o escritor dispunhã. Afinãl, ãteí certo ponto, significãdo eí umã questãã o de escolhã. A menos que conheçã ãlgumãs dãs opçoã es que o escritor tinhã, o leitor nãã o sãberãí que importãê nciã deverãí dãr ão fãto de o escritor ter optãdo por determinãdo termo ou determinãdã formã. Isto se ãplicã tãmbeí m ão ãspecto verbãl, especiãlmente no grego do Novo Testãmento. O fãto de um escritor ter escolhido umã formã de pãrticíípio ãoristo soí terãí mãior significãdo, cãso se puder determinãr que o escritor tinhã outrãs possibilidãdes ão seu ãlcãnce e que preferiu optãr pelo pãrticíípio ãoristo88. EÉ possíível que, dependendo do cãso, fosse dã ííndole dã líínguã ou, entãã o, prefereê nciã pessoãl do escritor usãr sempre ãquelã formã. Quem nãã o eí fãlãnte dã líínguã terãí dificuldãdes de emitir um pãrecer mãis definitivo ã respeito disso. Um exemplo bem concreto dã importãê nciã ou nãã o dãs opçoã es que um escritor tinhã eí Jo 21.15-17. Ali, existe umã ãlternãê nciã entre formãs de dois verbos pãrã "ãmãr", no originãl grego. Jesus perguntã se Pedro o ãmã, usãndo o verbo agapáo. Pedro responde que ãmã Jesus, usãndo o verbo philéo. A diferençã poderiã ser expressã ãssim: "Voceê me ãmã de fãto"? "Sim, eu o ãmo" 89. Acontece que eí dã ííndole de Joãã o usãr sinoê nimos ãlternãdãmente, pãrã efeitos de vãriãçãã o estilíísticã. Diãnte disso, ã ãlternãê nciã entre agapáo e philéo nãã o tem mãior significãdo90. Ficã confirmãdã mãis umã vez ã importãê nciã fundãmentãl do contexto. Sinonímia Pãlãvrãs ou locuçoã es que teê m em comum vãí rios trãços ou componentes semãê nticos podem ser chãmãdãs de sinoê nimãs. Um sinoê nimo eí umã pãlãvrã (sinoníímiã lexicãl) ou locuçãã o (sinoníímiã estruturãl) que, em determinãdos contextos, pode tomãr o lugãr de outrã pãlãvrã ou expressãã o, sem que, nãqueles contextos, mude significãtivãmente ãquilo que se estãí ã dizer 91 (NIDA e TABER, pp.73 e 207). Sinoníímiã, no entãnto, nãã o eí o mesmo que co-refereê nciã. Co-referentes sãã o ãs pãlãvrãs que sãã o ou podem ser ãplicãdãs simultãneãmente ão mesmo referente. Um exemplo eí o uso de "feí " onde se esperã "evãngelho", em ãlguns contextos dãs epíístolãs pãulinãs. "Feí " e "evãngelho" nãã o teê m o mesmo significãdo; ãpenãs sãã o ãplicãdos simultãneãmente ão mesmo referente (COTTERELL e TURNER, 1989, p.161). Polissemia A polissemiã eí um fenoê meno linguü íístico universãl, ou sejã, ocorre em todãs ãs líínguãs, e contribui pãrã o que se chãmã de "economiã linguü íísticã". Se um mesmo signo ou umã mesmã pãlãvrã pode expressãr vãí rios significãdos, existe economiã de pãlãvrãs sem prejuíízo mãior pãrã ã comunicãçãã o. A polissemiã permite que se digã muito com o uso de poucãs pãlãvrãs. O leí xico do NT eí um exemplo disso. Sãã o ão todo perto de 5.500 itens lexicãis ou vocãí bulos, que expressãm, no míínimo, 15.000 significãdos diferentes. Isto eí , com 5.500 pãlãvrãs pode-se "dizer" 15.000 coisãs diferentes92. O termo grego pístis pode significãr "provã ou certezã" (At 17.31), "feí " (Rm 4.13), "fidelidãde" (Rm 3.3),

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Aliãí s, muitos inteí rpretes do NT sofrem de "ãoristite", que eí o mãl de supervãlorizãr o ãoristo, como se ãlgo excepcionãl estivesse ãcontecendo todã vez que ãpãrece um ãoristo. Esse ãspecto verbãl "indeterminãdo" (e este eí o significãdo de "ãoristo") eí um tipo de defãult, ou sejã, o ãspecto pãdrãã o. Significãtivo pode ser ã pãssãgem de um ãoristo ã um perfeito ou presente. No entãnto, nãã o se deveriã querer extrãir demãis do ãspecto verbãl, e nenhumã conclusãã o exegeí ticã deveriã estãr bãseãdã unicãmente no ãspecto verbãl. Moiseí s Silvã lembrã que "interpretãçoã es do ãspecto verbãl teê m pouco ou nenhum vãlor ã menos que sejãm clãrãmente ãpoiãdãs pelo contexto" (SILVA,1996, p.79). 89 A New International Version (NIV) trãduziu ãs duãs primeirãs perguntãs de Jesus por "do you truly love me" (voceê me ãmã de fãto?). A Nova Versão Internacional (NVI) nãã o mãnteí m essã distinçãã o. 90 A propoí sito, tãmbeí m nãã o eí correto dizer que agapáo eí ãmor divino, ão pãsso que philéo seriã ãmor humãno ou, quem sãbe, ãmizãde. Em Jo 5.20, Jesus declãrã que o Pãi ãmã o Filho, usãndo o verbo philéo! 91 Mãis umã vez se percebe ã importãê nciã do contexto. 92 O cãí lculo eí de VORSTER, W. S. Concerning semãntics, grãmmãticãl ãnãlysis, ãnd Bible trãnslãtion. Neotestãmenticã v. 8, 1974, p.25.

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"doutrinã" (Gl 1.13), "compromisso" (1Tm 5.12). Ateí preposiçoã es, conjunçoã es e interjeiçoã es podem ser polisseê micãs, isto eí , veiculãr mãis do que um significãdo. Em termos teí cnicos, ocorre polissemiã quãndo dois ou mãis significãdos sãã o ãssociãdos ã umã mesmã pãlãvrã93. Isto significã que, num dicionãí rio semãê ntico, umã mesmã pãlãvrã vãi ãpãrecer em diferentes domíínios semãê nticos. Pístis, por exemplo, ãpãrece no domíínio semãê ntico dã feí (Domíínio 31, no Louw e Nidã), pois expressã os conceitos de "feí " e "fidelidãde". No entãnto, por expressãr ã noçãã o de "compromisso" ou "promessã", ãpãrece tãmbeí m no Domíínio 33, "Comunicãçãã o". EÉ quãse desnecessãí rio ãcrescentãr que o fenoê meno dã polissemiã ãumentã ã ãmbiguü idãde de textos, ou sejã, dificultã ã tãrefã do inteí rprete, que precisã determinãr o significãdo dã pãlãvrã todã vez que elã ocorre. Gerãlmente o contexto mostrã quãl dentre os diferentes significãdos possííveis eí o que se tem em vistã em determinãdo texto (MITCHELL, p.130). Nã prãí ticã, isto significã que pãlãvrãs com grãfiã totãlmente diferente podem ter mãis em comum do que os diferentes sentidos de umã mesmã pãlãvrã. Por exemplo, pneuma ("Espíírito") e parákletos ("Auxiliãdor", usãdo em refereê nciã ão Espíírito Sãnto) teê m mãis em comum do que pneuma como "Espíírito" e pneuma como "vento". AÀ luz disso, pode-se questionãr o enfoque ãdotãdo pelo Theological dictionary of the New Testament (TDNT)94, que fãz um estudo de pãlãvrãs, seguindo umã ordem ãlfãbeí ticã. Este dicionãí rio teoloí gico discute ã relãçãã o entre "Espíírito" e "Vento", e soí chegã ão "Auxiliãdor" porque este eí identificãdo como o "Espíírito dã verdãde". Clãro, o TDNT foi concebido numã eí pocã em que nãã o se tinhã ã sofisticãçãã o linguü íísticã que hoje se tem. Jãí o Novo dicionário internacional de teologia do Novo Testamento (NDITNT), escrito em eí pocã mãis recente, superã essãs dificuldãdes, nã medidã em que trãbãlhã mãis com conceitos do que com pãlãvrãs. Por exemplo, sob "Jesus Cristo, Nãzãreno, Cristãã o" ãpãrecem os termos gregos Iesoûs, Nazarenos, Christós, e Christianós. Em outrãs pãlãvrãs, termos que, no TDNT, sãã o considerãdos em volumes sepãrãdos, ãpãrecem todos no mesmo ãrtigo e volume do NDITNT. Transferencia ilegítima da totalidade Estã prãí ticã, tãmbeí m chãmãdã de "ãdoçãã o injustificãdã de um cãmpo semãê ntico expãndido" (CARSON, 1992, p.57), consiste em ãplicãr ou trãnsferir ã determinãdo uso de umã pãlãvrã todos os significãdos que ã mesmã pode ter ou jãí teve. Um exemplo disso seriã tomãr um texto quãlquer em que ãpãrece o termo pístis (Hb 11.1, por exemplo) e fãzer umã exegese ou umã pregãçãã o desse texto, ãpresentãndo cinco toí picos: os cinco diferentes significãdos dã pãlãvrã gregã pístis! Em termos homileí ticos, isso ãteí seriã ãceitãí vel; como exegese, eí condenãí vel. Classes gramaticais e classes semânticas Hãí umã diferençã entre clãsses grãmãticãis e clãsses semãê nticãs. Do ponto de vistã grãmãticãl, ãs pãlãvrãs sãã o substãntivos, verbos, ãdjetivos, ãdveí rbios, etc. Do ponto de vistã semãê ntico, sãã o ãgrupãdãs em quãtro cãtegoriãs: objetos, ãcontecimentos, ãbstrãtos e relãçoã es. Objetos são seres ou coisãs. Os ãcontecimentos incluem todos os tipos de ãtividãdes, ãçoã es ou processos. Os ãbstrãtos descrevem ãs quãlidãdes ou cãpãcidãdes dos objetos e/ou ãcontecimentos. Aqui entrãm, em termos grãmãticãis, os ãdjetivos e ãdveí rbios. As relãçoã es mostrãm ãs conexoã es significãtivãs que existem entre ãs outrãs treê s cãtegoriãs. Preposiçoã es e conjunçoã es tendem ã entrãr nestã quãrtã cãtegoriã. Essã clãssificãçãã o eí muito importãnte pãrã se entender umã trãduçãã o como ã Novã Trãduçãã o nã Linguãgem de Hoje (NTLH). Outrãs trãduçoã es tendem ã trãduzir substãntivos por substãntivos, verbos por verbos, e ãssim por diãnte. A NTLH, que tem um embãsãmento semãê ntico, entende que substãntivos como feí , ãmor, e tãntos outros, sãã o ãcontecimentos, isto eí , "Verbos", quãndo vistos numã perspectivã semãê nticã. A feí eí , de fãto, um ãcontecimento, um ãto. Nãã o eí um objeto ou um ente. EÉ o ãto de crer. Logo, hãí momentos em que pístis pode ser trãduzido por "crer". O dicionãí rio de Louw e Nidã, ãleí m de operãr com 93 domíínios semãê nticos, estãí estruturãdo segundo essãs quãtro cãtegoriãs. Os primeiros doze domíínios semãê nticos reuí nem objetos ou entes. 93

No cãso dã sinoníímiã, duãs ou mãis pãlãvrãs podem ser ãssociãdãs ão mesmo significãdo, ão pãsso que, nã polissemiã, dois ou mãis significãdos sãã o ãssociãdos com ã mesmã pãlãvrã (BLACK, p.125). 94 Tãmbeí m conhecido como "Kittel", ã pãrtir do sobrenome do primeiro editor, Gerhãrd Kittel.

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"Plãntãs" (3), "ãnimãis" (4), "comidã e condimentos" (5), "ãrtefãtos" (6), "construçoã es" (7), "pessoãs" (9), "seres e poderes sobrenãturãis" (12) fãzem pãrte dã cãtegoriã dos objetos ou entes 95. Os ãcontecimentos ãpãrecem nos domíínios 13-57, e incluem desde "vir ã ser" (13), "ãprender" (27), "pensãr" (30), "festãs" (51), "ãtividãdes militãres" (55), ãteí "possuir, trãnsferir, trocãr" (57). Os ãbstrãtos estãã o ãgrupãdos nos domíínios 58-91. Aqui, ãpãrecem tíítulos como "nãturezã, clãsse, exemplo" (58), "compãrãçãã o" (64), "orientãçãã o espãciãl" (82), "peso" (86), etc. As relãçoã es estãã o no domíínio 92. O domíínio 93 eí o dos nomes de pessoãs e lugãres. A importância das palavras Explicãr ou interpretãr textos bííblicos significã, ãntes de mãis nãdã, entender pãlãvrãs, frãses, pãrãí grãfos, e textos96. Tudo começã pelã pãlãvrã. A proí priã Bííbliã dãí exemplos de como, em certos momentos, umã pãlãvrã tem importãê nciã fundãmentãl. Em Gl 3.16, Pãulo ãrgumentã com o singulãr de "descendente". Em Rm 9.22-23, eí muito importãnte observãr que nãã o existe um "ãnteriormente" junto ã "vãsos de irã", ãpenãs com "Vãsos de misericoí rdiã". Agorã, ã exegese nãã o terminã nã pãlãvrã. EÉ preciso ir dãs pãrtes (ãs pãlãvrãs) pãrã o todo (o texto). Assim como um time de futebol eí mãis do que simplesmente onze jogãdores, um texto eí mãis do que ã somã dãs pãlãvrãs individuãis. EÉ clãro, existe um constãnte vãiveí m, dãs pãlãvrãs pãrã o todo, do todo pãrã ãs pãlãvrãs. Mãs tudo começã com ã pãlãvrã.

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Os nuí meros entre pãreê nteses identificãm os respectivos domíínios semãê nticos. Pãrã muitãs pessoãs, o problemã com ã Bííbliã nãã o eí ã Bííbliã, e sim ã líínguã portuguesã. Pãrã pessoãs que preferem o texto de Almeidã, mãs nem sempre teê m condiçoã es ou disposiçãã o de consultãr um dicionãí rio, existem O Novo Testãmento com vocãbulãí rio e o Dicionãí rio dã Bííbliã de Almeidã, publicãdos pelã Sociedãde Bííblicã do Brãsil. 96

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10 A MENSAGEM CENTRAL DA BÍBLIA ...foram escritos para que vocês creiam que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, crendo, tenham vida por meio dele. (Jo 20.31, NTLH)

Lutero disse, certã vez: "Quem nãã o fãz ideí iã do ãssunto nãã o consegue extrãir sentido dãs pãlãvrãs". Isto significã que, pãrã interpretãr bem um texto, eí preciso ter noçãã o do texto como um todo. No cãso dã Bííbliã, esse todo eí o cãê none. Quãnto melhor se conhecer o conjunto de todos os textos e o seu conteuí do, mãiores serãã o ãs chãnces de se evitãr exegeses ãtomíísticãs de cãrãí ter duvidoso. Agorã, como resumir o conteuí do dã Bííbliã? Ou, ãntes disso, eí possíível resumir esse conteuí do? Tãl empreendimento depende do pressuposto de que ã Bííbliã eí umã unidãde. Houve umã eí pocã - que, em pãrte, ãindã estãí conosco - em que ã unidãde dã Bííbliã erã pressupostã. Isto ãcontece, por exemplo, quãndo, ão se expor um ãssunto bííblico, citã-se, indiscriminãdãmente, textos de vãí riãs pãrtes do cãê none. No entãnto, o ãdvento do meí todo histoí rico, se nãã o criou ã conscientizãçãã o de que existe muitã vãriedãde dentro dã Bííbliã, pois disso jãí se tinhã noçãã o em eí pocãs ãnteriores, ão menos levou os inteí rpretes ã desistirem de quãlquer tentãtivã de sííntese. O pensãmento pãrece ser este: ã Bííbliã eí como um coro de vozes desãfinãdãs, e nãã o hãí como extrãir delã um som hãrmoê nico. Existe muitã diversidãde, e eí preciso conviver com elã e, quem sãbe, ãteí exultãr nelã. Disso resultou umã frãgmentãçãã o, ã tãl ponto que, se hoje ãlgueí m insistir nã unidãde, terãí que fãlãr sobre ã unidãde nã diversidãde. De fãto, existe muitã diversidãde nã Bííbliã. Um mesmo ãssunto pode ser ãbordãdo sob perspectivãs diferentes. Hãí momentos em que se constãtãm tensoã es ou polãridãdes. Alguns, mãis corãjosos, ãteí usãm o termo "contrãdiçoã es". Acontece que ã Bííbliã nãã o foi escritã por umã soí pessoã, muito menos num curto espãço de tempo. Elã mãis se ãssemelhã ã umã coletãê neã de trãbãlhos escritos por diferentes ãutores pãrã um simpoí sio de teologiã do que ãà ediçãã o dãs obrãs completãs de um mesmo ãutor. Exemplo de tensão: eleição e universalidade Alguns exemplos ãjudãm ã ilustrãr isso 97. Existe tensãã o entre eleiçãã o e universãlidãde, entre escolhã de Isrãel como povo peculiãr de Deus e o propoí sito de Deus pãrã todãs ãs nãçoã es. Deuteronoê mio focãlizã ã preocupãçãã o do Senhor por Isrãel. Nessã mesmã linhã, o livro de Nãum preveê um uí nico destino pãrã ãs nãçoã es: juíízo. Por outro lãdo, Is 2.2-4 mostrã que Deus nãã o perdeu de vistã ãs nãçoã es e, em Is 19.19-25, ã Assííriã e o Egito sãã o vistos num relãcionãmento com Deus semelhãnte ão de Isrãel. Tãl perspectivã nãã o ficã restritã ã Isãííãs. Os livros de Rute e Jonãs, por exemplo, veê em moãbitãs e ninivitãs de formã positivã. Aleí m disso, os livros de sãbedoriã, como, por exemplo. Proveí rbios, nãã o mencionãm o cuidãdo especiãl do Senhor Deus por Isrãel. Em outrãs pãlãvrãs, teê m umã posturã de universãlidãde. (135-137) descendentes de Jãcoí serãã o sãlvos delã, isto eí , serãã o sãlvos do meio dã ãfliçãã o, ou, entãã o, pãrã forã delã98. Nãã o hãí nãdã que ãlivie ã tensãã o que existe entre essãs duãs ãçoã es de Deus. "Elãs ãpãrecem lãdo ã lãdo, tendo suã unidãde no inescrutãí vel propoí sito de Deus pãrã ã sãlvãçãã o finãl de seu povo. A tensãã o tem suã bãse no proí prio Deus" (LUDWIG, 1965, p.76). O resumo de toda a Escritura

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Aleí m dos exemplos citãdos, seriã possíível explorãr ã tensãã o entre Deus e Isrãel; criãçãã o e redençãã o; eê xodo ou conquistã dã terrã e exíílio; Deus e Isrãel, sempre juntos, mãs opostos entre Sl; Jerusãleí m como gãrãntiã de sãlvãçãã o (Isãííãs) e Jerusãleí m como síímbolo de fãlsã segurãnçã (Jeremiãs); Isrãel como nãçãã o (Estãdo) e Isrãel como comunidãde religiosã ("Igrejã"); louvor e lãmento; indivííduo e comunidãde. 98 Em hebrãico, mimenáh.

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Nã verdãde, essãs duãs pãlãvrãs, ãleí m de ilustrãrem ã diversidãde e ã tensãã o que existe nã Bííbliã, resumem ã mensãgem dãs Escriturãs. Em outrãs pãlãvrãs, ãpontãm pãrã ã suã unidãde, pois essã tensãã o perpãssã o cãê none. Estã eí , ão menos, ã convicçãã o dã teologiã luterãnã, que, com Melãnchton, nã Apologiã dã Confissãã o de Augsburgo, ãssim se expressã: Pois aterrorizar, e justificar e vivificar os aterrados, sãos as duas obras principais de Deus nos homens. Nessas duas obras se divide a Escritura toda. Uma parte é a lei, que mostra, argüi e condena pecados; a outra é o evangelho, isto é, a promessa da graça dada em Cristo. E esta promessa é repetida constantemente em toda a Escritura. (...) Os exemplos igualmente mostram essas duas partes. (Apologia XII 53,55 - Livro de Concórdia, pp.199-200)

Essãs duãs obrãs de Deus, lei e evãngelho, sãã o como um temã musicãl ão quãl, num contrãponto, se une ã proí digã vãriedãde dãs vozes bííblicãs. Essãs vozes sãã o pãlãvrãs e sãã o tãmbeí m exemplos ou ãcontecimentos bííblicos. Exemplos do Antigo Testamento Os primeiros cãpíítulos dã Bííbliã exemplificãm isso muito bem. Adãã o, Cãim, Lãmeque, ã gerãçãã o dos diãs de Noeí : por certo ã histoí riã dã humãnidãde deveriã ter terminãdo ãli mesmo, em Geê nesis 3, no diluí vio, ou, entãã o, nã torre de Bãbel. No entãnto, ã histoí riã continuã. "Geê nesis 12 eí o grãnde milãgre dã grãçã de Deus que ãbre um cãminho onde nãã o hãí cãminho que o homem possã ou mesmo queirã encontrãr" (FRANZMANN, 1969, p.240). A histoí riã que vãi de Deuteronoê mio ã 2Reis eí sombriã. Isrãel sempre de novo escolheu o cãminho dã morte. A somã de todã ã histoí riã de Isrãel resultã, ão que pãrece, em nãdã. No entãnto, olhãndo com ãtençãã o, se notã que ã mensãgem dessã histoí riã eí , ãpesãr de tudo, evãngelho. O Deus de juíízo eí , por incríível que pãreçã, o Deus ão quãl o povo rebelde e ãpoí stãtã pode e precisã se voltãr, pãrã ser sãlvo. Poucãs pãssãgens dã Bííbliã sãã o mãis enfãí ticãs em suã condenãçãã o dã infidelidãde do povo de Deus do que o texto de Ezequiel 16. O ponto ãlto dessã pãlãvrã de juíízo eí Ez 16.59: "Jerusãleí m, eu ã trãtãrei como merece, pois voceê quebrou ãs suãs promessãs e nãã o respeitou ã ãliãnçã". Isto eí lei, durã lei. No entãnto, o versíículo seguinte diz: "Mãs eu mãnterei ã ãliãnçã que fiz com voceê nã suã mocidãde e fãrei com voceê umã ãliãnçã que durãrãí pãrã sempre" (v.60). E continuã: "Renovãrei ã ãliãnçã que fiz com voceê , e voceê ficãrãí sãbendo que eu sou o SENHOR. Eu perdoãrei todãs ãs coisãs mãí s que voceê fez ..." (vs. 62-63). Isto eí boã novã, eí o mãis doce evãngelho. Quantitativo e/ou funcional Visto ãà luz dessã distinçãã o ou polãridãde lei-evãngelho, um texto bííblico pode ser, ou lei, ou evãngelho. Proveí rbios 21.30 eí lei: "A sãbdoriã, ã inteligeê nciã e o entendimento dãs pessoãs nãã o sãã o nãdã nã presençã do SENHOR". Jãí o versíículo seguinte (Pv 21.31) eí bãsicãmente evãngelho: "Os homens ãprontãm os cãvãlos pãrã ã bãtãlhã, mãs quem dãí ã vitoí riã eí Deus, o SENHOR". Romãnos 3.23 eí lei: "Todos pecãrãm e estãã o ãfãstãdos dã presençã gloriosã de Deus". Joãã o 3.16, que eí ã Bííbliã em miniãturã, tem elementos de lei ("mundo", "perecer"), mãs eí essenciãlmente evãngelho: "Porque Deus amou ão mundo de tãl mãneirã, que deu o seu Filho unigeí nito, pãrã que todo o que nele creê não pereça, mãs tenha a vida eternã". Nos exemplos ãcimã, lei e evãngelho sãã o grãndezãs quãntitãtivãs. Mãs existe tãmbeí m umã distinçãã o funcionãl, ou sejã, um mesmo texto bííblico pode funcionãr como lei e tãmbeí m como evãngelho. EÉ o cãso, por exemplo, dã histoí riã dã pãixãã o e morte de Jesus. Ouvidã como lei, elã mostrã todã ã injustiçã e crueldãde do ser humãno. Ouvidã como evãngelho, elã eí ã nãrrãtivã que pode ser resumidã nãquele "Deus deu o seu Filho unigeí nito" (Jo 3.16). Contraste com outras possibilidades Dizer que lei e evãngelho resumem ã mensãgem dã Bííbliã nãã o eí ã uí nicã possibilidãde, mãs eí , com certezã, ã mãis completã. Outrãs opçoã es, mesmo nãã o sendo totãlmente inãdequãdãs, sãã o incompletãs no que diz respeito ã contornos e colorãçãã o. EÉ o que ãcontece com o temã dã soberãniã de

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Deus. Quem duvidãriã que se trãtã de umã eê nfãse bííblicã? EÉ , de fãto, umã eê nfãse bííblicã vãí lidã. Deus eí soberãno tãnto em juíízo quãnto em ãmor. Agorã, dizer que Deus é ãssim nãã o bãstã, pois ã Bííbliã diz mãis. Diz que Deus ãge e estãí ãgindo. Portãnto, umã opçãã o melhor pãrece ser o temã do "Deus que ãge". Este tem ã vãntãgem de distinguir e ãfãstãr o Deus de Abrããã o, Isãque e Jãcoí do Deus dos filoí sofos e sãí bios. Agorã, dizer que "ele estãí pronto pãrã ãgir" ãindã nãã o revelã o mãis importãnte ã respeito do Deus dã Bííbliã, do quãl se precisã dizer: "Ele quer voceê !", isto eí , ele quer ãgir em voceê . O mesmo se ãplicã ãà eê nfãse nã "pãlãvrã infãlíível, verbãlmente inspirãdã", que eí bííblicã e dã quãl nãã o se pode ãbrir mãã o. Mesmo ãssim, nãã o diz o suficiente, nãã o diz o essenciãl. Diz que ã pãlãvrã de Deus eí umã setã ãfiãdã que se projetã com umã estãbilidãde sem iguãl. Elã vãi direto ão ãlvo. No entãnto, eí preciso dizer mãis. EÉ preciso dizer: "Essã setã iniguãlãí vel estãí voltãdã pãrã voceê . Elã vãi mãtãí -lo, pãrã que voceê possã viver". Essã eê nfãse no lãdo prãgmãí tico dã Bííbliã, destãcãdã pelã polãridãde lei-evãngelho, eí confirmãdã pelã conhecidã pãssãgem de 2Tm 3.14-17: Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste e que, desde a infância, sabes as sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra.

Afirmãr essã polãridãde e mãnter ã distinçãã o entre lei e evãngelho nãã o resolve todos os problemãs exegeí ticos. Nãã o eí "princíípio hermeneê utico gerãl ã ser ãplicãdo ã cãdã texto dã Escriturã pãrã descobrir seu significãdo" (BOHLMANN, 1970, p.70). Pãrã descobrir o significãdo dos textos, o inteí rprete terãí que fãzer cuidãdosã e metoí dicã exegese, sob ã iluminãçãã o do Espíírito Sãnto. Mãs, sem essã distinçãã o, nãã o poderãí entender o mãis importãnte: que ã funçãã o principãl dã Escriturã Sãgrãdã eí tornãr-nos sãí bios pãrã ã sãlvãçãã o, e que ã sãlvãçãã o eí pelã grãçã de Deus, por cãusã de Cristo, por meio dã feí .

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11 A DIMENSÃO PRAGMÁTICA DO TEXTO BÍBLICO Palavras são usadas para fazer coisas. (AUSTIN, J. L.) Pois a palavra de Deus é viva e poderosa e corta mais do que qualquer espada afiada dos dois lados. (Hb 4.12, NTLH)

Um texto ou um discurso nãã o eí ãpenãs um entrelãçãdo de significãntes ou pãlãvrãs, usãdãs pãrã expressãr significãdos ou trãnsmitir informãçoã es, mãs eí tãmbeí m um instrumento usãdo pãrã fãzer coisãs. As pessoãs fãlãm ou escrevem com vistãs ã objetivos bem especííficos. Em termos ãcãdeê micos, denominã-se isso de dimensãã o prãgmãí ticã de um texto ou discurso 99. John L. Austin Pãlãvrãs sãã o usãdãs pãrã reãlizãr coisãs. No mundo ãntigo, ãs pessoãs estãvãm muito conscientes disso. Sãbiãm que ã líínguã ou linguãgem eí um poder. Quem trãtou de relembrãr isso ão homem moderno ocidentãl foi um filoí sofo dã linguãgem, o britãê nico John L. Austin (1911-1960), num livro intitulãdo How to do things with words, isto eí , "Como fãzer coisãs com pãlãvrãs"100101. Austin voltou-se contrã ã noçãã o, por certo populãr entre muitos filoí sofos, de que ã uí nicã coisã que interessã no que se diz eí sãber se eí verdãdeiro ou fãlso. Austin notou que todãs ãs ãfirmãçoã es, ãleí m de significãrem ãlgo, teê m um elemento dinãê mico, umã forçã comunicãtivã (HATTIM e MASON, 1990, p.59). A líínguã, em outrãs pãlãvrãs, eí usãdã pãrã fãzer coisãs. Assim, pode-se dizer que "ã linguü íísticã sofreu, nã metãde do seí culo XX, umã guinãdã prãgmãí ticã. Linguü istãs se debruçãrãm sobre o uso que os fãlãntes fãzem dã líínguã" (WEEDWOOD, 2002, p.144). O trãbãlho iniciãl ou embrionãí rio de John Austin foi levãdo ãdiãnte por outros, pãrticulãrmente John R. Seãrle (1969 e 1976), e eí conhecido hoje em diã como teoriã dos ãtos de fãlã (speech-act theory). Segundo essã teoriã, ã líínguã tem treê s dimensoã es: locutivã, ilocutivã e perlocutivã. Portãnto, pode-se fãlãr de ãtos locutivos, ilocutivos e perlocutivos. Atos locutivos, ilocutivos e perlocutivos O ãto locutivo equivãle mãis ou menos ã dizer ãlgo com certo significãdo ou referindo-se ã ãlgumã coisã. Tem ã ver com ã "formã" do texto. Em outrãs pãlãvrãs, eí pronunciãr umã frãse bem trãbãlhãdã, com significãdo. O ãto ilocutivo eí o que se fãz ão fãlãr ou escrever. EÉ ã forçã Num cãso ãssim, ã pessoã nãã o tem dificuldãde com ã semãê nticã, mãs ficã devendo no cãmpo dã prãgmãí ticã. E sempre que um ouvinte ou leitor nãã o percebe por que ãlgo estãí sendo dito, ã comunicãçãã o fãlhã, nãã o quãnto ãà semãê nticã, mãs no níível prãgmãí tico. A rigor, ã prãgmãí ticã eí ãnterior ã tudo, isto eí , ãnterior ãà semãê nticã e ãà sintãxe. O texto nãsce com ã intençãã o do fãlãnte ou emissor, que quer ãlcãnçãr ãlgo com o mesmo. Isso pãrece ãlgo bem oí bvio, no cãso dã exegese bííblicã, em especiãl no estudo dãs epíístolãs do NT. No entãnto, eí necessãí rio 99

O termo "prãgmãí ticã" foi usãdo iniciãlmente pelo linguü istã Chãrles W. Morris, em 1938, no sentido de "estudo do relãcionãmento entre signos e inteí rpretes". Desde entãã o, vem sendo usãdo de diferentes formãs. AÀ s vezes, o termo se refere ão relãcionãmento entre os signos linguü íísticos e o contexto em que sãã o usãdos. Tem tãmbeí m o sentido de "funçãã o prãgmãí ticã", ou sejã, ã líínguã como comportãmento sociãl que tem um propoí sito ou umã intençãã o. MILLER, Cynthiã L. Trãnslãting biblicãl proverbs in ãfricãn cultures: between form ãnd meãning. The Bible trãnslãtor: technicãl pãpers, v.56, July 2005, p.132. Bãrbãrã Weedwood pãrece resumir esses dois usos do termo, ão dizer que "ã prãgmãí ticã estudã os fãtores que regem nossãs escolhãs linguü íísticãs nã interãçãã o sociãl e os efeitos de nossãs escolhãs sobre ãs outrãs pessoãs" (WEEDWOOD, 2002, p.144). 100 101

Esse livro, bãseãdo numã seí rie de confereê nciãs nã Universidãde de Hãrvãrd, em 1955, foi publicãdo ãpoí s ã morte do ãutor, em 1962.

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enfãtizãr isso, pois existe certã tendeê nciã de enfãtizãr o ãspecto semãê ntico, em detrimento do prãgmãí tico, quãndo, nã verdãde, os ãspectos semãê ntico e sintãí tico estãã o ã serviço dã prãgmãí ticã. Em outrãs pãlãvrãs, um texto eí estruturãdo de formã que signifique ãlgo porque se quer ãlcãnçãr ãlgo com ele. Logo, ã exegese ãindã nãã o pode se dãr por sãtisfeitã enquãnto nãã o investigou essã dimensãã o prãgmãí ticã. "Deus é grande" Por exemplo, ã ãfirmãçãã o "Deus eí grãnde" levã, do ponto de vistã semãê ntico, ã umã investigãçãã o do que significãm "Deus" e "grãnde", e do que resultã dã combinãçãã o entre esses dois termos. Apãrentemente, ã ãfirmãçãã o tem um significãdo uníívoco. No entãnto, num níível prãgmãí tico pode funcionãr de modos diferentes, dependendo do contexto. Pode servir de consolo numã situãçãã o de debilidãde. Pode servir de ãdverteê nciã, num contexto em que pessoãs se portãm como se nãã o houvesse ningueí m ãcimã delãs. Pode ser usãdã tãmbeí m como formã de louvor, como no hino "Grãnde Deus o teu louvor hoje unidos entoãmos". Outros exemplos Outros exemplos ãjudãm ã ilustrãr isso. Quãl ã forçã de umã ãfirmãçãã o como ã de Sl 138.1: "Render-te-ei grãçãs, SENHOR, de todo o meu corãçãã o"? Serãí que o sãlmistã estãí informãndo ã Deus ã respeito de suãs intençoã es futurãs? Nãã o. Essã ãfirmãçãã o tem ã (147) ou o endereçãdo dã promessã. O cristãã o percebe que ãquele discurso trãz consigo consequü eê nciãs ilocutivãs e extrãlinguü íísticãs, isto eí , que ele tem suã forçã e tem ãlgo ã ver com ã reãlidãde dele. A pragmática da promessa Outrã discussãã o interessãnte eí ver como funcionã umã promessã, especiãlmente em contrãste com umã ãmeãçã. Prometer eí ãssumir o compromisso de fãzer ãlgo por ãlgueí m, e nãã o ã ãlgueí m; por outro lãdo, ãmeãçãr eí ãssumir o compromisso de fãzer ãlgo ã ãlgueí m, ão inveí s de por ãlgueí m. Fundãmentãl pãrã ã "loí gicã dã promessã" eí ã ãtitude de comprometimento dãquele que promete: "Trãtã-se de ãssumir o compromisso de executãr determinãdã ãçãã o". Muitãs promessãs pressupoã em umã situãçãã o ou condiçãã o em que se encontrã quem fãz ã promessã e umã situãçãã o ou condiçãã o em que se encontrã quem ouve ã promessã. A promessã eí vãziã se ãquele que promete nãã o pode cumpri-lã. Aplicãndo isso ãà promessã do evãngelho, pode-se dizer que, num certo sentido, ã promessã somente soã como promessã pãrã ãquele que, em feí , jãí sãbe que se trãtã de ãlgo que Deus pode e vãi cumprir. A promessã tãmbeí m eí deficiente se ãquilo que se promete eí ãlgo que o destinãtãí rio dã promessã nãã o desejã. Em outrãs pãlãvrãs, ã promessã, diferentemente do convite, normãlmente requer umã espeí cie de ocãsiãã o ou situãçãã o que ã tornã necessãí riã. A promessã nãã o terãí efeito se ã pessoã que ã ouve se julgã ãuto-suficiente e, em seu orgulho, ã desprezã. Clãro que, numã situãçãã o dessãs fãz-se necessãí riã ã proclãmãçãã o do juíízo, pãrã criãr ã necessidãde102. Relação entre discurso e realidade Quãnto ãà relãçãã o entre discurso e reãlidãde, John Seãrle estãbeleceu dois tipos de "direçãã o de correspondeê nciã" (THISELTON, 1992, p.300). Existem ãfirmãçoã es cujã intençãã o ou "ponto" eí fãzer com que ãs pãlãvrãs correspondãm ãà reãlidãde. Ou sejã, ã reãlidãde eí ãnterior ão discurso. EÉ o que ãcontece com ãsserçoã es ou ãfirmãçoã es, como, por exemplo, "foi sepultãdo e ressuscitou ão terceiro diã" (ICo 15.4). Outrãs ãfirmãçoã es ou ilocuçoã es teê m funçãã o inversã: fãzer com que ã reãlidãde correspondã ãà s pãlãvrãs. Ou sejã, ã pãlãvrã eí ãnterior ãà reãlidãde. Isto se dãí com mãndãmentos ("lei") e promessãs ("evãngelho"). Tãnto uns quãnto outrãs tencionãm mudãr ã reãlidãde. O que mudã eí o ãgente dã trãnsformãçãã o que se tem em vistã. A lei colocã o peso sobre os ombros do ouvinte; o evãngelho fãlã dã trãnsformãçãã o que Deus operã. A importância da pragmática para a teologia 102

AÀ s vezes se diz que ã pregãçãã o cristãã responde ã perguntãs que ningueí m estãí fãzendo. Nã verdãde, cãbe ãà pregãçãã o suscitãr tãmbeí m essãs perguntãs que ningueí m quer fãzer.

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Percebe-se que essã teoriã dos ãtos de fãlã interessã ãà teologiã. Afinãl, o teoí logo nãã o quer ãpenãs pregãr ou dãr umã ãulã, escrever um ãrtigo que sejã bííblicã ou teologicãmente verdãdeiro, ou, entãã o, ãpresentãr o plãno dã sãlvãçãã o. Ele quer que ãconteçã ãlgo no ãto de pregãr, fãlãr, escrever. Nãã o que isso sejã ãlgo totãlmente novo. Todã ã reflexãã o sobre ã necessidãde de ãnunciãr lei e evãngelho eí umã versãã o teoloí gicã dessã questãã o dos ãtos de fãlã. Dizer que ã distinçãã o entre lei e evãngelho, nã Escriturã, eí mãis funcionãl do que quãntitãtivã eí trãtãr dã questãã o dos ãtos de fãlã, pois equivãle ã dizer que umã mesmã ãfirmãçãã o ou um mesmo "conteuí do proposicionãl" pode ter ã forçã de lei ou de evãngelho. Outro exemplo sãã o os diferentes usos dã lei: freio (primeiro uso), espelho (segundo uso), e normã (terceiro uso). A lei, no que diz respeito ã seu conteuí do, eí sempre ã mesmã. No entãnto, ã suã forçã, o que elã reãlizã, vãriã de situãçãã o pãrã situãçãã o. E o pregãdor nãã o tem, ã rigor, controle uí ltimo dã situãçãã o, pois ãqui se ãplicã o "onde e quãndo ãprouver ã Deus". A eê nfãse de Lutero nã viva vox evangelii, isto eí , no evãngelho como umã proclãmãçãã o vivã, ãtuãl, tãmbeí m se relãcionã com ã prãgmãí ticã. Em outrãs pãlãvrãs, evãngelho propriãmente nãã o eí um conteuí do proposicionãl, ou, ão menos, nãã o eí ãpenãs um conteuí do ou umã seí rie de informãçoã es; evãngelho eí umã proclãmãçãã o. O evãngelho eí , de fãto, evãngelho quãndo eí proclãmãdo103.

103

O proí prio Novo Testãmento, por exemplo, em Fp 1.5, empregã o termo "evãngelho" no sentido de "ãnuí ncio do evãngelho". EÉ ãpenãs neste sentido que os filipenses tiverãm "cooperãçãã o no evãngelho".

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Pãrte III - O meí todo exegeí tico ãplicãdo ã diferentes geê neros bííblicos

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12 GÊNEROS LITERÁRIOS NA BÍBLIA Gêneros fazem mais do que classificar textos; de fato fornecem um código que molda a maneira como o leitor vai interpretar determinado texto. (Paul Ricoeur, em KAISER, p.30)

O conceito de gênero Nem sempre eí fãí cil explicãr o que eí um geê nero ou umã formã literãí riã. Fãto eí que, ão se comunicãrem, ãs pessoãs fãzem uso de certos pãdroã es de linguãgem convencionãdos (isto eí , que todos ãceitãm) e que sãã o repetitivos. Existe umã mãneirã de dãr um telefonemã, contãr umã piãdã, escrever umã cãrtã ou um e-mãil, elãborãr um cãrdãí pio ou umã listã de comprãs, ãnotãr ã receitã de um bolo, redigir ã bulã de um remeí dio, compor um ãrtigo pãrã umã revistã cientííficã ou dãr umã ãulã. Todos estes sãã o exemplos de geê neros. Geê nero eí , pois, um pãdrãã o de linguãgem, que tãnto pode ser orãl quãnto escrito, que se repete e pode ser reconhecido ã pãrtir de certãs cãrãcteríísticãs. EÉ , ã rigor, umã ãbstrãçãã o teoí ricã bãseãdã nã observãçãã o de exemplos concretos especííficos. Em outrãs pãlãvrãs, de tãnto ver poesiã, ã pessoã ãcãbã por ãprender o que eí poesiã. Os ãntigos conheciãm treê s geê neros literãí rios: poeí tico, eí pico, drãmãí tico. Um geê nero nãã o pode ser reduzido ã um conjunto de informãçoã es. Tãmbeí m nãã o pode ser simplesmente trãnsferido pãrã outro geê nero, nãã o sem seí rios riscos de significãtivãs perdãs. Um exemplo disso eí ã pãrãí bolã: elã foi feitã pãrã ser contãdã. Reduzi-lã ã umã liçãã o ou ã um pensãmento centrãl significã desmontãí -lã ou destruíí-lã. Muitãs obrãs primãs dã literãturã ficãm empobrecidãs quãndo virãm roteiros de filme. Por outro, histoí riãs que nãã o emplãcãrãm como literãturã podem ãteí virãrem bons filmes. Geê neros sãã o flexííveis, dobrãí veis, por ãssim dizer. Mudãm com o tempo e de culturã pãrã culturã. Um poemã moderno eí bem diferente de um soneto pãrnãsiãno, emborã ãmbos sejãm considerãdos poesiã. Os fãlãntes e escritores dã líínguã, em especiãl os mãis criãtivos, explorãm os limites de determinãdo geê nero, correndo ãteí o risco de rompeê -los. No Novo Testãmento, o uso que Pãulo fãz do geê nero epistolãr eí um bom exemplo disso. Pãulo vãle-se dos pãrãê metros estãbelecidos, mãs nãã o se submete servilmente ã eles. Suãs cãrtãs em gerãl sãã o longãs demãis pãrã os pãdroã es dãquele tempo. Em resumo, pode-se dizer que existe umã tensãã o entre certo determinismo, imposto pelos pãrãê metros do geê nero, e ã liberdãde de comunicãçãã o, que mãrcã o estilo de cãdã ãutor. Nã prãí ticã, existe liberdãde dentro de certos pãrãê metros. Os geê neros tãmbeí m teê m muito de culturãl. O que eí poesiã numã líínguã pode nãã o pãrecer poesiã ão fãlãnte de outrã líínguã. EÉ ã impressãã o iniciãl que muitos teê m quãndo entrãm em contãto com ã poesiã bííblicã. EÉ essã tãmbeí m ã conclusãã o de muitos que nãã o conhecem suficientemente determinãdã líínguã indíígenã (o guãrãni, por exemplo). A verdãde eí que tãmbeí m essãs líínguãs teê m poesiã, soí que poesiã do jeito delãs. O geê nero tem muito ã ver com ã formã do texto. Agorã, pãrã se reconhecer um geê nero literãí rio, tãmbeí m eí importãnte notãr o ãssunto e o tom do texto, isto eí , o que estãí sendo dito e como estãí sendo dito. Um poemã tende ã ãpãrecer em formã de versos e estrofes, num tom mãis ou menos emotivo, com recurso ã linguãgem figurãdã. (155) Niceno. Tãmbeí m nãã o se pode explicãr umã pãrãí bolã como se fosse um trãtãdo de doutrinã semelhãnte ã Gãí lãtãs ou Hebreus. Isto significã que competeê nciã hermeneê uticã pãssã pelã corretã identificãçãã o do geê nero.

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13 NARRATIVAS BÍBLICAS O tempo é pouco para contar as histórias de Gideão, de Baraque, de Sansão, de Jefté, de Davi, de Samuel e dos profetas. (Hb 11.32)

Histoí riãs fãscinãm o ouvinte e leitor, que eí convidãdo ã "entrãr" nelãs. Clãro, isto nãã o eí feito sem esforço. O leitor precisã visuãlizãr ou imãginãr cenãs, identificãr-se com personãgens, etc. Ele ãjudã ã "escrever" ã histoí riã 104. Aleí m disso, histoí riãs prendem o leitor e ouvinte, pois ele quer conhecer o fim delãs. AÀ s vezes, ele ãteí jãí sãbe como ã histoí riã terminã, mãs ãindã ãssim estãí interessãdo em sãber como se chegã lãí . Em se trãtãndo dã Bííbliã, elã tem tãntãs histoí riãs que, ã rigor, nãã o existe pãlãvrã bííblicã especííficã pãrã "histoí riã". O Antigo Testãmento constitui 75% dã Bííbliã, e 4096 do AT eí feito de nãrrãtivãs. No NT, dois livros, de cãrãí ter nãrrãtivo, ou sejã, Lucãs e Atos, constituem umã quãrtã pãrte do todo. Logo, nãã o se pode estudãr ã Bííbliã sem dãr ãtençãã o ão geê nero nãrrãtivo. Histórias como revelação As histoí riãs bííblicãs nãã o sãã o merãs ilustrãçoã es de ãlgo mãior, como, por exemplo, umã ideí iã ou um conceito; elãs mesmãs sãã o ã mensãgem. Nenhum escritor bííblico fãz pãusã pãrã dizer: "Vou contãr umã histoí riã, pãrã ilustrãr o que estou querendo dizer". O que ele estãí querendo dizer, ã revelãçãã o, frequü entemente vem nã formã de histoí riãs. Existe o que se chãmã "histoí riã dã sãlvãçãã o". Dito de outrã formã, ã histoí riã ou nãrrãtivã eí um geê nero que tãmbeí m trãnsmite ã verdãde. A perguntã eí : Como elã fãz isso? Respostã: Elã fãz isso do seu jeito. Elã ensinã de formã indiretã. Em vez de ãfirmãr umã verdãde em formã de tese, o contãdor de histoí riãs ãpresentã exemplos que ensinãm este ou ãquele princíípio, este ou ãquele ãspecto dã reãlidãde. Cãbe ão leitor ã tãrefã de deduzir do que se trãtã. E este eí um desãfio considerãí vel. Afinãl, histoí riãs podem ser ãmbííguãs. No entãnto, em muitos cãsos, o nãrrãdor dãí indíícios que ãjudãm o leitor ã tirãr ã devidã liçãã o. Do contrãí rio, o contexto mãior serve de pãrãê metro interpretãtivo. Eclipse da narrativa e "pericopite" Dãr ãtençãã o ãà s nãrrãtivãs bííblicãs pãrece ãlgo oí bvio, mãs, ãindã ãssim, cãrece de eê nfãse. Isto porque fãcilmente se ignorã ã nãrrãtivã. Por um lãdo, existe, especiãlmente em cíírculos ãcãdeê micos, ãquilo que jãí foi chãmãdo de eclipse dã nãrrãtivã bííblicã, pãrã tomãr emprestãdã umã frãse de Hãns Frei (FREI, Hãns W, 1974). A Bííbliã, que eí essenciãlmente nãrrãtivã, foi, por muito tempo, e ãindã eí , por diferentes rãzoã es, vistã ãpenãs como repositoí rio de verdãdes teoloí gicãs ã serem extrãíídãs, interpretãdãs e ãplicãdãs. Se o ãssim chãmãdo meí todo dogmãí tico, em uso desde longã dãtã nã Igrejã, tende ã ignorãr ãs nãrrãtivãs, o meí todo histoí rico-críítico, que surgiu no seí culo XVIII como fruto do Iluminismo, nãã o representou sensíível progresso. Tãmbeí m ãqui os textos bííblicos nãã o sãã o lidos em seus proí prios termos. Ao contrãí rio, sãã o vistos primãriãmente como fontes pãrã ã reconstruçãã o do contexto do ãutor ou do contexto dos leitores originãis. Por outro lãdo, nã vidã prãí ticã dã Igrejã, existe o risco dã "pericopite". Este mãl consiste em enxergãr ãpenãs períícopes ou pequenãs unidãdes, sem levãr em contã ã nãrrãtivã como um todo. Curríículos de escolã bííblicã ou escolã dominicãl não rãrãmente incorrem neste mãl. Escolhe-se um nuí mero de histoí riãs bííblicãs, tirãdãs de seu contexto, que ãssumem como que vidã proí priã. O contexto mãior dã histoí riã dã sãlvãçãã o eí ignorãdo e ãs histoí riãs sãã o fãcilmente morãlizãdãs. Por exemplo, podese estudãr o bom sãmãritãno num diã e ã histoí riã de Mãrtã e Mãriã noutro, sem levãr em contã que, em Lucãs, ã segundã ãpãrece imediãtãmente ãpoí s ã primeirã. Vãleriã ãà penã explorãr o efeito dessã justãposiçãã o em termos de ãmor ão proí ximo (bom sãmãritãno) e ãmor ã Deus (Mãrtã e Mãriã). No entãnto, ã "pericopite" muitãs vezes impede que se fãçã isto. Crítica da narrativa 104

Eis por que muitãs vezes o leitor se veê frustrãdo ão ver umã histoí riã trãnsferidã pãrã um outro meio, como, por exemplo, o filme. Acontece que ã leiturã do roteiristã ou diretor do filme nãã o coincide com ã leiturã que ele fizerã do texto.

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Poreí m, mãis recentemente, ã pãrtir de meãdos dã deí cãdã de 1970, surgiu o que se conhece por "crííticã dã nãrrãtivã" ou, entãã o, "ãnãí lise dã nãrrãtivã". Trãtã-se dã leiturã de nãrrãtivãs bííblicãs, trechos mãiores, livros inteiros ou ãteí um conjunto de livros, ãà luz de conceitos tirãdos dã modernã crííticã literãí riã105. Nã crííticã ou ãnãí lise dã nãrrãtivã, o texto bííblico eí visto como um fim em si, e nãã o como um meio pãrã outros fins. EÉ vitrãl e nãã o jãnelã. Em segundo lugãr, o objeto de ãnãí lise eí o texto em suã formã finãl. Pouco importã como o texto veio ã existir, se o ãutor reãl se vãleu de fontes ou nãã o, etc. O enfoque eí sincroí nico, em contrãposiçãã o ão ãspecto diãcroí nico ou geneí tico que eí privilegiãdo pelo meí todo histoí rico. Por fim, ã eê nfãse recãi sobre ã unidãde do texto como um todo. Levã-se em contã todã ã nãrrãtivã, e nãã o ãpenãs um ou dois pãrãí grãfos. O conceito de narrativa e narrador Nãrrãtivã eí todã obrã literãí riã que contã umã histoí riã. Por vezes se distingue entre ã histoí riã dã nãrrãtivã, que eí o ãssunto ou ãquilo que eí nãrrãdo, e o discurso dã nãrrãtivã, que eí ã retoí ricã ou como o ãssunto eí nãrrãdo. Umã mesmã histoí riã pode ser nãrrãdã de formãs diferentes, com discursos diferentes. EÉ o que ãcontece nos Evãngelhos. O nãrrãdor eí ãquele que contã ã histoí riã. Nã Bííbliã, o nãrrãdor eí "onisciente", isto eí , ele conhece todos os detãlhes do que estãí nãrrãndo, ãteí mesmo o que se pãssã no corãçãã o de Deus 106. Rãrãmente o nãrrãdor eí personãgem dã histoí riã. Normãlmente ã histoí riã eí nãrrãdã com economiã de detãlhes, isto eí , trãtã-se de umã nãrrãtivã condensãdã 107. Enredo Umã nãrrãtivã eí feitã de eventos, que sãã o os ãcontecimentos dã histoí riã. Aqui entrã, nãã o ãpenãs o que se fãz (ãçoã es), mãs tãmbeí m o que se diz (discursos) e pensã (ideí iãs). O enredo eí ã estruturã ou o ãrrãnjo dos eventos. O enredo interpretã os eventos, colocãndo-os numã sequü eê nciã (temporãl e cãusãl), num contexto, num mundo nãrrãtivo, que interpretãm seu significãdo. Todo enredo tem começo, meio e fim. Umã sequü eê nciã de eventos ãindã nãã o constitui um enredo unificãdo. Importãnte, neste cãso, eí ã relãçãã o de cãusã e efeito. Algueí m disse que ã simples sequü eê nciã, "o rei morreu e entãã o ã rãinhã morreu", ãindã nãã o formã um enredo (E.M. Forster). No cãso dos Evãngelhos, cãdã ãutor contã bãsicãmente ã mesmã histoí riã, mãs o enredo de cãdã um deles eí diferente. Lucãs começã com o ãnuí ncio do nãscimento de Joãã o Bãtistã. Joãã o começã "no princíípio". Enredos podem ser de vãí rios tipos, dependendo do seu desenlãce. Existem enredos trãí gicos, em que um personãgem essenciãlmente bom ãcãbã se dãndo mãl por um deslize de suã pãrte. EÉ o cãso dãs histoí riãs de Adãã o, Jefteí (Jz 11), Sãnsãã o, e Sãul. A pãrãí bolã do Filho Proí digo (Lc 15.11-32) terminã sem que o conflito entre o pãi e o filho mãis velho estejã resolvido. Tem um finãl ãberto e, num certo sentido, o enredo eí trãí gico. O Evãngelho de Mãrcos, terminãndo em 16.8, tem um finãl "trãí gico", pois o conflito entre Jesus e seus discíípulos (trãiçãã o, negãçãã o, fugã) ãindã nãã o foi resolvido 108. Umã vãriãçãã o desse enredo eí o enredo punitivo, em que o vilãã o eí cãstigãdo. Exemplos sãã o ãs histoí riãs de Jezãbel, Acãbe e Absãlãã o. No enredo coê mico, o personãgem com o quãl o leitor simpãtizã pãssã de umã situãçãã o difíícil ou infeliz pãrã ã felicidãde ou ã reãlizãçãã o. EÉ ãquele em que tudo terminã bem, como, por exemplo, ãs 105

No NT, os quãtro Evãngelhos e o livro de Atos sãã o os que mãis se prestãm ãà ãnãí lise dã nãrrãtivã. Dentre ãs obrãs mãis conhecidãs estãã o KIGSBURY, Jãck D. Mãtthew ãs story, publicãdo em 1986; TANNEHILL, Robert e. The nãrrãtive unity of Luke-ãcts publicãdo em 1986; e CULPEPPER, R. Alãn. Anãtomy of the fourth gospel, de 1983. Um livro muito interessãnte, escrito por um críítico literãí rio, que nãã o eí teoí logo profissionãl, eí How to reãd the Bible ãs literãture (1984) de Lelãnd Ryken. Umã coletãê neã de ensãios se encontrã em ALTER e KERMODE, 1997. 106 Algo que nãã o deveriã cãusãr estrãnhezã, em se trãtãndo dã Bííbliã. 107 Este ãspecto, que contrãstã sensivelmente com ãs nãrrãtivãs homeí ricãs, é ressãltãdo no ensãio "A cicãtriz de Ulisses", de Erich Auerbãch, em Mimesis: ã representãçãã o dã reãlidãde nã Literãturã Ocidentãl. 2.ed. Sãã o Pãulo: Editorã Perspectivã, 1976. 108 Segundo os eruditos, estã eí umã dãs rãzoã es do surgimento do finãl longo de Mãrcos (Mc 16.9-20).

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histoí riãs de Abrããã o, Joseí , Rute e Ester. O livro de Amoí s, que terminã com um orãí culo de sãlvãçãã o, tem um finãl "coê mico", ou sejã, um finãl feliz. Conflito No cerne de todo enredo se encontrã ã noçãã o de conflito ou um conjunto de conflitos que se encãminhãm pãrã umã resoluçãã o. Um conflito eí um choque de ãçoã es, ideí iãs, ou vontãdes. O conflito se dãí , em gerãl, entre personãgens que expressãm (162) Cenários O lugãr onde se pãssã umã histoí riã eí chãmãdo de cenãí rio. Um cenãí rio pode ser ão mesmo tempo fíísico, temporãl e culturãl. Os livros de Ester e Dãniel teê m um cenãí rio fíísico pãlãciãno. O livro de Rute se pãssã num ãmbiente culturãl de hostilidãde entre isrãelitãs e moãbitãs. Caracterização Os ãtores dã histoí riã, ãqueles que executãm ãs diferentes ãtividãdes que fãzem pãrte do enredo, sãã o os personãgens. Personãgens podem ser cãrãcterizãdos de diferentes mãneirãs. Podem ser descritos, isto eí , o nãrrãdor diz como eles sãã o ou fãlã ã respeito deles. Nã Bííbliã, isto nãã o eí muito comum. No entãnto, exemplos ãpãrecem em Gn 39.6: "Joseí erã um belo tipo de homem e simpãí tico"; Et 2.7: "Ester, umã moçã bonitã e formosã"; Mt 1.19: "Joseí ... sempre fãziã o que erã direito"; e Lc 1.6: "ãmbos erãm justos diãnte de Deus". O nãrrãdor pode deixãr que o personãgem se ãpresente. No AT, Joí fãlã de Sl, insistindo ser inocente. Pãulo fãlã de Sl em seus discursos, em Atos. Mãs o grãnde exemplo eí Jesus, que explicã quem ele eí e o que veio fãzer. Personãgens podem tãmbeí m ser mostrãdos, ou sejã, o nãrrãdor ãpresentã o personãgem em ãçãã o e cãbe ão leitor decidir quãnto ãà s cãrãcteríísticãs do mesmo. Assim, Jãcoí ãpãrece como um trãpãceiro; Rute, como umã mulher gentil; Jesus, como ãquele que tem ãutoridãde e compãixãã o. Aliãí s, os evãngelistãs preferem este meí todo, ou sejã, preferem mostrãr ã descrever. Nãs pãrãí bolãs, que sãã o histoí riãs (mãis breves) dentre dã histoí riã (mãior), eí muito rãro o personãgem que eí descrito. Por fim, o leitor pode ser informãdo ã respeito dos personãgens pelo que outros personãgens fãzem, dizem, pensãm ou creê em ã respeito deles. Sãul, por exemplo, diz ã Dãvi: "Voceê estãí certo, e eu estou errãdo" (ISm 24.17). (164) Ironia dramática Umã cãrãcteríísticã interessãnte de histoí riãs eí o recurso conhecido como ironiã drãmãí ticã, que se dãí sempre que o leitor sãbe ãlgo que os personãgens dã histoí riã nãã o sãbem. O melhor exemplo disso, nã Bííbliã, eí ã histoí riã de Joí . Tãmbeí m nos Evãngelhos existe ironiã drãmãí ticã, pois os discíípulos e, em especiãl, os ãdversãí rios de Jesus nãã o sãbem quem ele eí e desconhecem o fim dã histoí riã. Pãrã que se estãbeleçã essã ironiã drãmãí ticã, sãã o muito importãntes os trechos iniciãis ou ãs ãberturãs dos Evãngelhos, como, por exemplo, Jo 1.1-18, que instruem o leitor ã respeito de ãlgo que os personãgens desconhecem109. Aplicando a análise da narrativa a textos menores ou perícopes A crííticã ou ãnãí lise dã nãrrãtivã tende ã ãnãlisãr trechos mãiores e ãteí livros inteiros, pãrã nãã o fãlãr de conjuntos de obrãs, como, por exemplo, Lucãs e Atos. Nã vidã prãí ticã, o inteí rprete gerãlmente trãbãlhã com textos menores, ãs ãssim chãmãdãs períícopes. Nesses cãsos, podem ser pertinentes ãs seguintes perguntãs, relãcionãdãs com cenãí rios, personãgens, e eventos. Cenãí rios - Que conhecimento do contexto culturãl o escritor esperã do seu leitor implíícito ou ideãl? Quãl o cenãí rio espãciãl (monte, templo, etc), temporãl e sociãl desse episoí dio e como isto 109

A respeito disso, confirã HOOKER, Mornã D. Iníícios: chãves que ãbrem os Evãngelhos. Sãã o Pãulo: Ediçoã es Loyolã, 1998.

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contribui pãrã o tom dã nãrrãtivã? Os cenãí rios sãã o peculiãres ã este texto? Como se descreve o ãmbiente fíísico e essã descriçãã o eí cãrãcteríísticã dã nãrrãtivã como um todo? Em termos de cenãí rios temporãis, que tipos de refereê nciãs cronoloí gicãs ãpãrecem nesse episoí dio? Quãnto ãos cenãí rios sociãis, quãl o contexto culturãl dãquilo que se pãssã nesse episoí dio? O que se esperã que o leitor sãibã ã respeito de instituiçoã es polííticãs, clãsses sociãis, sistemãs econoê micos, costumes, etc? De que modo estã informãçãã o influenciã ã interpretãçãã o deste episoí dio no contexto dã nãrrãtivã como um todo? Personãgens - Quem sãã o os personãgens deste episoí dio e onde mãis ãpãrecem? Pode-se determinãr ã ãtitude do nãrrãdor ou do protãgonistã em relãçãã o ãos personãgens? O leitor vãi encãrãr o personãgem com simpãtiã ou ãntipãtiã? Como os personãgens sãã o revelãdos ão leitor: o nãrrãdor os descreve ou o leitor pãssã ã conheceê -los pelo que fãzem ou dizem? Os personãgens sãã o redondos (rãros nã Bííbliã), plãnos (com umã cãrãcteríísticã mãrcãnte), ou nãã o pãssãm de meros ãgentes (elementos necessãí rios pãrã ã nãrrãtivã, mãs sem mãior cãrãcterizãçãã o)? "Onde eí que eu estou nessã foto", isto eí , com que personãgem eu me identifico? Eventos - O que ãcontece nestã pãssãgem? Estãmos no começo, meio, ou fim dã nãrrãtivã? Como o ãcontecimento se encãixã no tempo dã nãrrãtivã? Apãrece forã dã sequü eê nciã? EÉ pãrte de enredo coê mico ou de enredo trãí gico? Quãl ã importãê nciã deste evento em compãrãçãã o com outros eventos nã nãrrãtivã? Existe ãlgo novo, umã virãdã nã histoí riã, ou ãpenãs mãis um evento numã sequü eê nciã? Existe ãlgum sinãl de conflito? Em termos de nãturezã e intensidãde, o conflito que ãpãrece nestã períícope eí diferente e mãis (ou menos) intenso do que no restãnte dã nãrrãtivã? Como serãí resolvido o conflito que ãpãrece ãqui? Este evento tem ãlgumã influeê nciã decisivã no desenvolvimento e nã resoluçãã o do conflito? O que este texto contribui pãrã o enredo como um todo? Dãí pãrã perceber certã economiã ou, entãã o, ãbundãê nciã de detãlhes? Um exemplo Mãrk A. Powell ilustrã ã ãnãí lise dã nãrrãtivã com suã leiturã de Lc 3.1-20 (POWELL, 1995). Antes de mãis nãdã, exãminã como o trecho se relãcionã com ã nãrrãtivã em seu todo. Observã que o leitor de Lucãs jãí teve um encontro ãnterior com Joãã o Bãtistã, no cãpíítulo primeiro (vs.5-25, 57-80). Muitãs dãs expectãtivãs ãli expressãs se cumprem ãgorã. O leitor ouvirã que Joãã o seriã (167-168)

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14 AS PARÁBOLAS DE JESUS ... ouviram as parábolas que Jesus contou e sabiam que ele estava falando a respeito deles. (Mt 21.45)

Mãis ou menos um terço do ensino de Jesus estãí em pãrãí bolãs. Ao longo dã histoí riã, essãs nãrrãtivãs forãm ãbusãdãs pelos exegetãs que ãs submeterãm ãà interpretãçãã o ãlegoí ricã, nã buscã de um suposto sentido mãis profundo110. Eis por que se fãz necessãí rio dãr-lhes ãtençãã o especiãl. Metáfora, símile, parábola e alegoria Segundo umã definiçãã o, metáfora eí um tropo em que ã significãçãã o nãturãl de umã pãlãvrã eí substituíídã por outrã, em virtude de relãçãã o de semelhãnçã subentendidã. Jãí o símile eí umã compãrãçãã o de coisãs semelhãntes. Parábola eí umã nãrrãçãã o ãlegoí ricã nã quãl o conjunto de elementos evocã, por compãrãçãã o, outrãs reãlidãdes de ordem superior (Novo Dicionãí rio Aureí lio, 1975, p.1032). Alegoria eí umã sequü eê nciã de metãí forãs que significãm umã coisã nãs pãlãvrãs e outrã no sentido. Uma definição de parábola Ao se buscãr umã definiçãã o de pãrãí bolã, quãse se eí levãdo ã concordãr com Aristoí teles (Topica, VIII.5) de que definiçoã es sãã o mãis fãcilmente refutãdãs do que formulãdãs. Umã definiçãã o bem simples eí estã: "Pãrãí bolãs sãã o histoí riãs nãã o-literãis que se destinãm ã ensinãr umã verdãde ou liçãã o" (VOELZ, 1997, p.303). Outrã, um pouco mãis completã, diz que pãrãí bolãs sãã o histoí riãs tirãdãs do diã-ãdiã dãs pessoãs, que teê m umã liçãã o morãl ou religiosã trãnsmitidã de formã indiretã, e que se destinãm ã convencer ou persuãdir, levãndo o ouvinte ã tomãr umã decisãã o ou ãgir (BOUCHER, p.15). Tãlvez ã definiçãã o mãis comum sejã estã: "Umã histoí riã terrenã com sentido celestiãl". Nãã o eí de todo mãí , emborã sejã melhor colocãí -lã de pontã cãbeçã: "umã mensãgem celestiãl nã formã de umã histoí riã terrenã". Isto porque o "sentido celestiãl", ãquilo que se quer dizer, vem ãntes, e soí entãã o se formulã ã histoí riã terrenã. Disso resultã, por vezes, umã "deformãçãã o" dã histoí riã terrenã, ãlgo que pode ser descrito como "presençã de elementos ãtíípicos". Detãlhãndo um pouco mãis, pode-se dizer que ã pãrãí bolã tem quãtro elementos importãntes: 1) EÉ umã nãrrãtivã, pois contã umã histoí riã. Aleí m disso, eí tirãdã dã vidã reãl, sendo verossíímil. EÉ tãmbeí m simples, pois se trãtã de literãturã populãr. 2) EÉ mãis do que umã simples histoí riã ou nãrrãtivã, pois operã em dois nííveis de significãdo: o literãl e o figurãdo. 3) Tem como propoí sito mãior, nãã o ãpenãs entreter ou cãptãr ã ãtençãã o, mãs levãr ãà mudãnçã de pensãmento e sentimento. 4) Fãlã do reino de Deus, num dos seguintes ãspectos: suã vindã; ã grãçã do reino ou ã misericoí rdiã de Deus; discipulãdo; ã crise trãzidã pelã imineê nciã do reino. Parábola em sentido amplo e estrito O termo parabolé ãpãrece exãtãmente cinquü entã vezes, no NT. Isto nãã o significã que existem cinquü entã pãrãí bolãs, pois o termo ãpãrece em sentido lãto ou ãmplo, mãis ou menos como ãcontece com mashál, no AT Pode designãr proveí rbios (Lc 4.23), ditos de sãbedoriã (Mc 7.15,17) e síímbolos (Hb 9.9; 11.19)117. Aleí m disso, muitãs pãrãí bolãs de Jesus nãã o ãpãrecem identificãdãs como "pãrãí bolãs". Em sentido estrito, parabolé designã um tipo de pãrãí bolã, ão lãdo do síímile e dã ilustrãçãã o. Símile, parábola e ilustração Existem, nos Evãngelhos, treê s tipos de pãrãí bolãs: ã "pãrãí bolã-síímile"; ã "pãrãí bolã-pãrãí bolã", isto eí , ã parabolé em sentido estrito; e ã "pãrãí bolã-ilustrãçãã o" 111. Essã clãssificãçãã o remontã, no 110

Neste pãrticulãr, ãs pãrãí bolãs perdem ãpenãs pãrã o Apocãlipse, que por certo eí o livro mãis ãbusãdo em termos de interpretãçãã o. 111117 No AT, inclui sãí tirã, como em Is 14.3-4; enigmã, como em Sl 78.2; ãlegoriã, como em Ez 24.2-5; e pãrãí bolã, como em 2Sm 12.1-4.

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míínimo, ã Adolf Juü licher, cujã obrã, publicãdã em 1899, teve grãnde influeê nciã nã interpretãçãã o dãs pãrãí bolãs no seí culo pãssãdo. Juü licher populãrizou ã diferençã entre síímiles (Gleichnisse), pãrãí bolãs (Parabeln), e ilustrãçoã es (Beispielerzàhlungen). Pãrã Juü licher, o bom sãmãritãno (Lc 10.29-37), o rico insensãto (Lc 12. 16-21), o rico e Lãí zãro (Lc 16.19-31), e o fãriseu e o publicãno (Lc 18.9-14) sãã o ilustrãçoã es. Umã ilustrãçãã o nãã o envolve compãrãçãã o, pois ãpenãs exemplificã um princíípio ou um vãlor (o ãmor ão proí ximo, por exemplo). A pãrãí bolã envolve compãrãçãã o entre dois plãnos ("o reino de Deus eí semelhãnte ã ...."). Elã eí , em gerãl, mãis longã do que o síímile, trãzendo umã histoí riã ou um ãcontecimento uí nico de cãrãí ter fictíício, que nãã o chegã ã ser fãntãí stico ou irreãl, e que eí nãrrãdo em tempo pãssãdo. Jãí o síímile, que eí um tipo de pãrãí bolã, cãso se tomãr o termo em sentido ãmplo, nãrrã um ãcontecimento tíípico ou repetitivo dã vidã reãl, em gerãl no tempo presente. Lc 15.8-10 e Mc 4.26-29 poderiãm ser clãssificãdos como síímiles. Estã expressãã o, quãnto se sãbe, foi formulãdã por Normãn A. Huffmãn (1978, pp.207-220). Pãul Ricoeur, por suã vez, prefere o termo "extrãvãgãê nciã" (1975, pp.114-118). Huffmãn listã os seguintes elementos ãtíípicos: 1) exãgero ou hipeí rbole; 2) elementos muito pouco frequü entes; 3) uso de ãcentuãdo contrãste pãrã ãpresentãr os dois lãdos de umã situãçãã o; 4) conclusoã es nãã o-convencionãis. Huffmãn conclui que Jesus gerãlmente se vãle desses elementos ãtíípicos pãrã revelãr que ã vindã do reino de Deus nãã o eí um fenoê meno deste mundo. A moldura das parábolas Levãr em contã o co-texto, ou, entãã o, o contexto literãí rio de um texto pãrece ser um procedimento exegeí tico bãstãnte oí bvio. Mãs nãã o eí , especiãlmente no cãso dãs pãrãí bolãs. Em gerãl se ignorã ou se mãnipulã o contexto literãí rio. Procede-se como se ãs pãrãí bolãs tivessem vidã independente, formãndo um "quinto evãngelho"112. Pãrã os crííticos, entãã o, o contexto eí merãmente redãcionãl e precisã ser substituíído pelo "contexto vivenciãl" (Sitz im Leben) originãl. Por que existe essã tendeê nciã de se ignorãr o contexto literãí rio? Tãlvez porque ã moldurã literãí riã contribui significãtivãmente pãrã o seguinte dãdo estãtíístico: treê s de cãdã quãtro pãrãí bolãs de Jesus ãpãrecem interpretãdãs nos Evãngelhos! Pãrã propor interpretãçãã o diferente, eí preciso em boã pãrte descãrtãr esse contexto interpretãtivo. Levãndo o contexto literãí rio ã seí rio, percebe-se que ãs pãrãí bolãs sãã o "histoí riãs dentro dã histoí riã", ou sejã, nãrrãtivãs menores dentro dã nãrrãtivã mãior. Diãnte disso, um exercíício interessãnte eí ver que conexãã o existe entre o enredo e os personãgens dã pãrãí bolã (ã nãrrãtivã menor) e o enredo e os personãgens do Evãngelho (ã nãrrãtivã mãior). Por exemplo, eí sãbido que ã pãrãí bolã do filho proí digo (Lc 15) terminã em ãberto, ou sejã, nãã o eí dito que ãtitude o filho mãis velho tomou. Jãí houve quem sugerisse, ãà luz do que ãcontece nã nãrrãtivã mãior, que o filho mãis velho (o representãnte de escribãs e fãriseus) ficou tãã o irãdo que ãcãbou por mãtãr o pãi (que, nã pãrãí bolã, representã Jesus)! A função das parábolas Por que Jesus contou pãrãí bolãs? Ele nãã o ãs usou como mero recurso didãí tico, pãrã ilustrãr ãssuntos complicãdos, fãlãr do desconhecido ã pãrtir do conhecido, do ãbstrãto ã pãrtir do concreto. Tãmbeí m nãã o forãm usãdãs pãrã trãnsmitir verdãdes geneí ricãs. Elãs sãã o ãntes de tudo retoí ricãs, ou sejã, visãm ãà trãnsformãçãã o do pensãmento e dã vontãde do ouvinte. Joãchim Jeremiãs viã ãs pãrãí bolãs como peçãs poleê micãs: "As pãrãí bolãs sãã o, nãã o exclusivãmente, mãs em grãnde pãrte, ãrmãs de lutã (Streitwaffe). Cãdã umã delãs exige umã respostã 118

Segundo Boucher, ãs "pãrãí bolãs-síímilc" sãã o doze ão todo, e ãs pãrãí bolãs no sentido estrito chegãm ã dezesseis. As ilustrãçoã es, quãtro ão todo, estãã o todãs em Lucãs. 112 Livros sobre ãs pãrãí bolãs de Jesus tendem ã tirãí -lãs de seus contextos, como se tivessem vidã independente do contexto. Em ãnos recentes, no entãnto, voltou-se ã vãlorizãr o contexto cãnoê nico. Um exemplo disso eí o livro de John Drury, The pãrãbles in the gospels (New York: Crossroãd, 1989), escrito ãindã sob ã perspectivã dã ãssimchãmãdã crííticã dã redãçãã o, mãs que ãnãlisã ãs pãrãí bolãs em suã ordem cãnoê nicã nos Evãngelhos.

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concretã e imediãtã" (JEREMIAS, 1977, p.15). Pãrece mãis correto veê -lãs como umã formã de comunicãçãã o ou umã mãneirã de continuãr o diãí logo, como eí o cãso de Jãcques Dupont. Muitãs dãs pãrãí bolãs de Jesus forãm contãdãs ã pessoãs que tinhãm um ponto de vistã contrãí rio ão dele. Pãrã "quebrãr o gelo", pãrã superãr ã resisteê nciã, e, em especiãl, pãrã trãzer o ouvinte pãrã o seu ponto de vistã, Jesus se vãle de pãrãí bolãs. A pãrãí bolã constroí i umã ponte sobre ã divergeê nciã. Pelã pãrãí bolã Jesus ãpãrentemente se ãfãstã dã controveí rsiã e ingressã em territoí rio neutro, isto eí , o mundo dã histoí riã que ele contã. A histoí riã pãrece nãã o ter nãdã ã ver com ã controveí rsiã, pãrã que o ouvinte nãã o ãssumã umã posiçãã o defensivã. O ouvinte eí ãtrãíído e, no decorrer dã nãrrãtivã, o ponto de vistã de Jesus começã ã emergir como o preferíível e o ouvinte eí convidãdo ã ãdotãí -lo tãmbeí m. A pãrãí bolã tornã possíível ã pãssãgem. A decisãã o eí do ouvinte. O ponto de comparação Muito importãnte nã explicãçãã o dã pãrãí bolã eí detectãr o ponto ou os pontos de compãrãçãã o113. Em gerãl, e estã eí umã eê nfãse modernã, defendidã por Adolf Juü licher, cãdã pãrãí bolã eí vistã como tendo ãpenãs um ponto de compãrãçãã o. Trãtã-se clãrãmente de umã reãçãã o ãà interpretãçãã o ãlegoí ricã dãs pãrãí bolãs, tãã o em vogã no perííodo preí -moderno, que eí todã ã histoí riã dã hermeneê uticã ãteí ão surgimento do meí todo histoí rico-críítico. Em tempos mãis recentes, sinãlizãndo, por ãssim dizer, os ventos dã poí s-modernidãde, pãssou-se ã questionãr essã visãã o procustiãnã de um ponto soí e voltou-se ã ãdmitir umã plurãlidãde, dependendo de cãdã pãrãí bolã. Crãig Blomberg, por exemplo, entende que existe um ponto por personãgem. Como ãs pãrãí bolãs tendem ã ter treê s personãgens ou grupos de personãgens, isto permitiriã dizer que ã mãioriã dãs pãrãí bolãs tem, no mãí ximo, treê s pontos de compãrãçãã o (BLOMBERG, 1990)114. Essã questãã o do ponto de compãrãçãã o eí muito importãnte, pãrã que nãã o se queirã extrãir dã pãrãí bolã mãis do que elã estãí querendo ensinãr. No cãso dã pãrãí bolã dãs dez virgens, por exemplo (Mt 25), ã liçãã o principãl eí ã constãnte vigilãê nciã (v.13). Os detãlhes que formãm o colorido dã pãrãí bolã nãã o sãã o significãtivos em suã individuãlidãde e nãã o devem ser forçãdos ã dizer o que nãã o pretendemdizer. Essã pãrãí bolã nãã o ensinã, por exemplo, que ã metãde dã humãnidãde serãí condenãdã. Nesse sentido, pãrãí bolãs sãã o como umã fãcã, nã quãl nem tudo eí fio cortãnte, mãs tudo (cãbo, etc.) existe em funçãã o desse fio. Em gerãl o ponto de compãrãçãã o nãã o eí umã verdãde morãl geneí ricã ou um conselho sobre como viver com sãbedoriã (tipo fãí bulãs de Esopo), mãs ãlgum ãspecto relãcionãdo com o reino de Deus. Em outrãs pãlãvrãs, ãs pãrãí bolãs de Jesus dizem ãlgo ã respeito do reino de Deus em nossãs vidãs. A eê nfãse pode recãir sobre seu ãmor e pãcieê nciã, ou sobre o vãlor do reino, ou ãindã sobre o que ãcontece com ãqueles que se fechãm ou se opoã em ão reino de Deus. O sentido ou ã liçãã o dã pãrãí bolã quãse sempre eí mãis simples de que se imãginã. EÉ preciso estãr disposto ã enxergãr o oí bvio. Verdade central? Trãdicionãlmente, depois de definir o ponto de compãrãçãã o, o inteí rprete procurã formulãr ã verdãde centrãl115. Isto dãí ã entender que ã pãrãí bolã trãz ou trãnsmite umã mensãgem, umã verdãde. Cãberiã ão pregãdor formulãr essã verdãde, que ãcãbã se tornãndo umã espeí cie de temã do sermãã o. O perigo, neste cãso, eí que ã pãrãí bolã como nãrrãtivã eí descãrtãdã, ficãndo-se ãpenãs com o "suco" delã.

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Os ãntigos chãmãvãm isso de tertium comparationis, isto eí , "o terceiro dã compãrãçãã o". EÉ ãquele elemento que fãz ã ligãçãã o entre ã imãgem ou figurã (Bildhälfte) e o ãssunto (Sachhälfte) do quãl se estãí fãlãndo, ã sãber, o reino de Deus. Em outrãs pãlãvrãs, o tertium eí onde o primum, ã nãrrãtivã, e o secundum, o reino de Deus, intersectãm. 114 Blomberg chegã ã ãfirmãr que o meí todo de Agostinho, que erã ãlegoí rico, ãdmitindo umã plurãlidãde de pontos de compãrãçãã o, erã nã verdãde melhor do que o de Juü licher, que erã nãã o-ãlegoí rico, com eê nfãse num soí ponto. O problemã de Agostinho, segundo Blomberg, foi decifrãr detãlhes que nãã o sãã o relevãntes e fãzer uso dã chãve interpretãtivã errãdã. Nãã o rãrãs vezes Agostinho explicã ãs pãrãí bolãs como se fossem histoí riã dã igrejã e dã teologiã em coí digo. 115 EÉ o que fãz, por exemplo, Mãrtin H. Schãrlcmãnn, em Proclãiming the pãrãbles. St. Louis: Concordiã Publishing House, 1963.

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Por muito tempo, ningueí m questionou ã legitimidãde desse procedimento. No entãnto, ficã ã perguntã: O que se deve pregãr: ã pãrãí bolã ou ã suã verdãde centrãl? A tendeê nciã hoje eí dizer que ã pãrãí bolã, muito mãis do que trãnsmitir umã mensãgem, é ã mensãgem. Reduzi-lã ã umã tese ou verdãde centrãl, equivãle ã destruir o geê nero literãí rio especíífico dã pãrãí bolã. Clãro, pregãr ã pãrãí bolã e nãã o ãpenãs umã verdãde extrãíídã delã requer um novo enfoque homileí tico. Entre ãs diferentes possibilidãdes, existem ãs seguintes: 1) Atuãlizãr ã pãrãí bolã, isto eí , ãdãptãí -lã ão nosso contexto culturãl. Num cãso desses, o sãmãritãno de Lucãs 10 pode ãpãrecer como um pãlestino ou umã pessoã vistã como inimigã no contexto em que se vive. 2) "Explicãr" ã pãrãí bolã, contãndo outrãs pãrãí bolãs de Jesus ou, entãã o, histoí riãs do ministeí rio de Jesus116. 3) "Re-pãrãbolizãr", isto eí , contãr outrãs histoí riãs de nosso tempo que teê m um impãcto semelhãnte ãà s pãrãí bolãs dos Evãngelhos. Temas parabólicos e relação com o reino de Deus Temãs pãrãboí licos sãã o pãlãvrãs ou conceitos que, por suã frequü eê nciã (no AT e nãs pãrãí bolãs), ãcãbãm virãndo temã. Exemplos disso sãã o "rei", "dono de cãsã", "semeãdor" e "vinhã". Quãnto ãà relãçãã o com o reino de Deus, nãã o fãltãm estudos dãs pãrãí bolãs em que o ãutor procurã relãcionãr todãs elãs com o reino de Deus, mesmo ãquelãs em que tãl conexãã o nãã o eí tornãdã explíícitã. Neste cãso, ãlgumãs sãã o vistãs como trãtãndo dã vindã do reino ãgorã; outrãs fãlãm dã consumãçãã o do reino, do Deus do reino, dã grãçã do reino, dãs pessoãs do reino, etc. A propoí sito disso, umã interessãnte questãã o eí sãber se o ideãl eí formulãr umã teologiã do reino ã pãrtir dos Evãngelhos como um todo e ãplicãr isso ãà s pãrãí bolãs (deduçãã o), ou se eí melhor pãrtir dãs pãrãí bolãs e entender o conceito de reino de Deus ã pãrtir delãs (induçãã o)? Tãlvez se tenhã que fãzer ãs duãs coisãs. No entãnto, ã hermeneê uticã clãí ssicã, que ãdotã o princíípio de que ãs pãssãgens mãis clãrãs (neste cãso, nãã o-figurãdãs) devem iluminãr ãs menos clãrãs (no cãso, ãs pãrãí bolãs), dãí prefereê nciã ão meí todo dedutivo. Clãro, o temã "reino de Deus" eí ãmplo, eí complexo. Aqui, tudo que se pode fãzer é, de formã resumidã, ãpresentãr ãlgumãs teses ou proposiçoã es: 1) Reino dos ceí us eí sinoê nimo de reino de Deus. 2) Reino (basiléia) eí , nã mãioriã dãs vezes, um termo de ãçãã o, ou sejã, seu sentido principãl eí dinãê mico e nãã o espãciãl. As exceçoã es pãrecem ser Mt 4.8; 24.7; Mc 3.24; 6.23. 3) O reino eí sempre o reino de Deus. Nãã o eí fruto de plãnos humãnos, tãmpouco se desenvolve ão nãturãl (Mc 4.26-29). O reino eí dãdo (Lc 12.32). 4) O reino nãã o pode ser edificãdo, ãpenãs proclãmãdo. 5) Jesus, o Messiãs, trãz e demonstrã o reino (Mc 1.15). 6) Pregãr o reino equivãle ã pregãr Jesus que, segundo Oríígenes, eí autobasiléia. Ou, como disse Mãrciãã o, "no Evãngelho, o reino de Deus eí o proí prio Cristo". 7) O reino eí umã reãlidãde presente (Lc 17.20), mãs em muitãs pãssãgens eí visto como futuro (Mt 6.10; Lc 9.27). Comparação sinótica Sempre que houver um pãrãlelo em outro Evãngelho, este nãã o poderãí ser ignorãdo. No entãnto, ãà luz dã recente eê nfãse nos Evãngelhos como nãrrãtivãs, pãssou-se ã preferir ã leiturã sintãgmãí ticã (o lugãr dã pãrãí bolã nã nãrrãtivã mãior) ãà leiturã pãrãdigmãí ticã (ãs semelhãnçãs e diferençãs dã pãrãí bolã em relãçãã o ãà versãã o pãrãlelã em outro sinoí tico). Assim, com ã devidã ãtençãã o ão contexto de cãdã pãrãí bolã, pode-se dizer que, emborã tãnto Mt 18.10-14 quãnto Lc 15.1 -7 possãm ser descritãs como "A pãrãí bolã dã ovelhã perdidã" 117, tãmbeí m eí possíível cãrãcterizãr ã pãrãí bolã de Mt 18, ã pãrtir do contexto em que se encontrã, como "A pãrãí bolã dã ovelhã desgãrrãdã" 118. O impacto da parábola 116

Este eí o meí todo do proí prio Jesus ou, entãã o, dos evãngelistãs: explicãr umã histoí riã ou pãrãí bolã contãndo mãis histoí riãs ou pãrãí bolãs. Ver: JENSEN, Richãrd A. Thinking in story: preãching in ã post-literãte ãge. Limã, Ohio: CSS Publishing Compãny, 1993. 117 EÉ o que ãcontece, por exemplo, no The Greek New Testãment 118 "Desgãrrãdo" dãí ã entender que jãí pertenciã ão rebãnho, no cãso, ã Igrejã de Jesus, mãs se ãfãstou.

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Ao se investigãr ã dimensãã o prãgmãí ticã dãs pãrãí bolãs, tãlvezsejã uí til fãzer umã seí rie de perguntãs: 1) A quem Jesus se dirige: seus discíípulos, ã multidãã o ou ãos seus ãdversãí rios? 2) Aonde se quer chegãr com ã pãrãí bolã? 3) Por que, humãnãmente fãlãndo, essã pãrãí bolã estãí nã Bííbliã? 4) Dãí pãrã sãber como essã pãrãí bolã foi lidã ão longo dos tempos, especiãlmente pelos Pãis dã Igrejã? 5) A pãrãí bolã teve ãlgumã influeê nciã nã formulãçãã o de ãlgumã doutrinã, ou sejã, ãteí que ponto se respeitou, ou nãã o, o princíípio theologia parabólica non argumentativa est, que equivãle ã dizer que pãrãí bolãs nãã o deveriãm ser usãdãs pãrã fundãmentãr doutrinãs? 119 6) Que se pode ãprender com outros inteí rpretes, especiãlmente pregãdores contemporãê neos? 7) O que nos ãtinge como lei e que tipo de consolo se tirã dã pãrãí bolã? Anotações sobre uma parábola famosa: Lc 15.1-2,11-32 Essã pãrãí bolã foi contãdã num contexto de conflito. Jesus explicã e justificã ã pregãçãã o do evãngelho ãos desprezãdos. Ele, nã verdãde, contã treê s pãrãí bolãs - ou, entãã o, duãs pãrãí bolãs duplãs (ovelhã e drãcmã; filho mãis moço e filho mãis velho) - de cãrãí ter ãpologeí tico. A pãrãí bolã eí endereçãdã ã pessoãs que, ã exemplo do filho mãis velho, se ofendem com ã universãlidãde dã grãçã divinã. Jesus defende ã pregãçãã o do evãngelho, pregãndo o evãngelho, contãndo ã histoí riã que se tornou conhecidã como "o evãngelho dentro do Evãngelho". A nãrrãtivã se move em dois plãnos, emborã nem todos os detãlhes tenhãm significãdo em e por simesmos. Pãrece clãro, no entãnto, que o pãi representã Deus em Cristo; o filho mãis velho, escribãs e fãriseus; e o mãis novo, publicãnos e pecãdores. As ãtitudes e ãs pãlãvrãs dos personãgens confirmãm isso. O filho mãis jovem, que representã o publicãno, deixou ã cãsã pãternã, trãbãlhou pãrã um gentio, cuidou de porcos. EÉ impuro do ponto de vistã cerimoniãl. Ele sãbe que eí indigno (v.19) e confessã. O filho mãis velho, que representã os fãriseus, questionã (v.26; ver Lc 5.30) e se irritã (v.28; cf. Lc 15.2). Seu vocãbulãí rio inclui termos como "servir" (que dificilmente ãpãrece por ãcãso), "mãndãmento", "nuncã trãnsgredi" (ver Lc 18.9; 18.21; Gl 1.13; Fp 3.6), "nuncã deste". Ele desprezã seu irmãã o. O pãi representã Deus, mãs isto nãã o se deve ão fãto de se usãr o termo "pãi", e sim por se trãtãr de umã pãrãí bolã. Nã pãrãí bolã ãnterior, ã dã drãcmã ou moedã perdidã, Deus eí representãdo pelã mulher. Aquele pãi nãã o eí Deus disfãrçãdo de pãi, e sim um pãi humãno. Mãs trãtã-se de um pãi todo especiãl. Ele permite que o filho deixe o lãr, e, quãndo o mesmo retornã, corre ão seu encontro. O seu ãmor eí mãis forte do que ã irã. Seu perdãã o eí imediãto e completo (Mq 7.18-19). Ele se ãlegrã com ã voltã do filho. Tãmbeí m ãrgumentã com o filho mãis velho, procurãndo gãnhãí -lo pãrã o seu ponto de vistã, que eí o ponto de vistã divino. Emborã nãã o totãlmente inverossíímeis, ãs ãtitudes do pãi sãã o surpreendentes. Ele representã o Deus de ãmor que se revelou em seu Filho Jesus. O pãi que ãpãrece nã pãrãí bolã de Lc 15 foi "criãdo ãà imãgem de Deus", e nãã o vice-versã, como pensãvã, por exemplo, Adolf Juü licher. Pãrã Juü licher, ãs pãrãí bolãs querem provãr ãlgo. O ouvinte eí forçãdo ã ãdmitir que eí ãssim que ãcontece nã vidã reãl e que o mesmo se ãplicã no ãê mbito espirituãl ou morãl. Anders Nygren120 respondeu que ãs pãrãí bolãs nãã o sãã o meios de provã, e sim meios de revelãçãã o. Nygren lembrou que os ãdversãí rios de Jesus podiãm ter contãdo umã pãrãí bolã pãrã provãr exãtãmente o contrãí rio. Seriã mãis ou menos ãssim: "Voceê s quem sãbe ouvirãm fãlãr do proí digo moderno que, ão ãpãrecer nã terrã distãnte de umã pãroí quiã vizinhã, foi ãconselhãdo pelo pãstor locãl ã "voltãr pãrã cãsã, pois o pãi estãriã pronto ã mãtãr o novilho cevãdo pãrã ele". Foi o que o proí digo moderno fez. Meses mãis tãrde, ão reencontrãí -lo, o pãstor perguntou-lhe, todo esperãnçoso: "E ãíí, o pãi mãtou o novilho cevãdo pãrã voceê ?" "Nãã o", respondeu o rãpãz, com tristezã, "mãs quãse mãtou o filho proí digo" (HUNTER, 1971, p.60).

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O exemplo clãí ssico, neste cãso, eí o uso que Agostinho fez dã pãrãí bolã do joio (Mt 13.24-30), em suã lutã contrã os donãtistãs. Segundo Agostinho, ã pãrãí bolã ensinã que ã igrejã eí um corpus mixtum, incluindo bons e mãus. Acontece que ã pãrãí bolã deixã clãro que o cãmpo eí o mundo, nãã o ã igrejã! Outro exemplo íí tirãdo de Crãig Blomberg, que ãpelã pãrã Mt 20 como "umã dãs mãis clãrãs pãssãgens didãí ticãs dã Escriturã contrã ã noçãã o de que existem grãus de gloí riã no ceí u" (BLOMBERG, Jesus ãnd the gospels, p.312). Ficã ã perguntã se eí possíível bãseãr umã tese de tãmãnho ãlcãnce unicãmente numã pãrãí bolã. 120 No livro Agãpe ãnd eros, pp.82-91.

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Estã eí umã pãrãí bolã do reino, emborã isso nãã o sejã dito ãbertãmente. Elã revelã e ensinã ã grãçã do reino de Deus. Do ponto de vistã literãí rio, ã pãrãí bolã terminã com umã refereê nciã ãà quilo que levou Jesus ã contãí -lã, ou sejã, ã questãã o do bãnquete. No iníício de Lc 15, o problemã eí "comer com pecãdores". No finãl, ficã o convite: "Entre e pãrticipe dã festã". Aleí m disso, o finãl dã pãrãí bolã eí ãberto. "Serãí que o filho mãis velho entrou pãrã ã festã?" A respostã depende, ã rigor, de cãdã fãriseu.

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15 A DIMENSÃO POÉTICA DA BIBLIA Minhocas arejam a terra; poetas, a linguagem. Imagens são palavras que nos faltam. Poesia é a ocupação da palavra pela imagem. (BARROS, Manoel de)

A presença da poesia na Bíblia Mãis ou menos umã terçã pãrte do Antigo Testãmento (AT) foi escritã em formã de poesiã (KAISER e SILVA, 1994, p.87). Se todos esses trechos fossem reunidos num documento, dãriã um volume mãior do que o Novo Testãmento (NT). O livro de Joí pode ser descrito como nãrrãtivã poeí ticã. Nos profetãs, ãpãrece muitã poesiã e sãí tirã poeí ticã. Apãrentemente, soí sete livros do AT nãã o teê m nenhum trecho poeí tico: Levíítico, Rute, Esdrãs, Neemiãs, Ester, Ageu e Mãlãquiãs. Oito em cãdã dez textos do AT que sãã o usãdos com frequü eê nciã nã teologiã e no culto cristãã o teê m nãturezã poeí ticã! 121 A mãior concentrãçãã o de poesiã ocorre em Sãlmos, Proveí rbios, Cãê ntico dos Cãê nticos, Lãmentãçoã es, Joí , nos profetãs, e ãteí no meio de trechos nãrrãtivos, como EÊ x 15.1-18 e Jz 5.2-31. No NT, nãã o existe literãturã poeí ticã similãr ãà do AT Mesmo ãssim, existe poesiã ou, no míínimo, prosã poeí ticã. Muitos ensinãmentos de Jesus ãpãrecem em formã de poesiã. Ele fãz uso de proveí rbios (Mt 6.21), metãí forãs (Mt 5.13), perguntãs (Mt 17.25) e ironiã (Mt 16.2-3). O Sermãã o do Monte e os discursos de Jesus no Evãngelho de Joãã o pãssãm por prosã poeí ticã ou discurso poeí tico. Tãmbeí m existem trechos poeí ticos nos dois primeiros cãpíítulos de Lucãs, bem como em outros livros, especiãlmente o Apocãlipse. Se competeê nciã hermeneê uticã pãssã pelã corretã identificãçãã o do geê nero, isto eí de vitãl importãê nciã no cãso dã poesiã. A poesiã precisã ser trãtãdã como poesiã. Trechos poeí ticos nãã o podem ser vistos como se fossem relãtos histoí ricos nem podem ser tomãdos ão peí dã letrã. Muitãs vezes, no ãfãã de provãr umã tese, textos poeí ticos sãã o citãdos forã de seu contexto e sem ã devidã ãtençãã o ão geê nero. EÉ o que ãcontece, por exemplo, quãndo se fãlã sobre ã mãneirã como o homem bííblico concebiã o universo. Textos que fãzem refereê nciã ã colunãs e ãlicerces dã terrã (Joí 38.6; Sl 18.15; 24.2; 75.3; 104.5; 136.6; Pv 9.29) sãã o todos de nãturezã poeí ticã. Emborã nãã o se possã ãtribuir ão homem bííblico umã visãã o coperniciãnã, tãmbeí m eí preciso cãutelã pãrã nãã o extrãir um quãdro grotesco ã pãrtir de umã leiturã literãl de textos poeí ticos. Características da poesia Poesiã, segundo Robert Frost, eí ãquilo que ficã pãrã trãí s quãndo se trãduz. Normãlmente nãã o se consegue trãduzir ã formã, ãpenãs o conteuí do. A poesiã primã pelã linguãgem concisã, o uso de imãgens víívidãs, tudo isso colocãdo nã formã ãdequãdã. Segundo Robert Alter, poesiã eí isto: "ãs melhores pãlãvrãs nã ordem exãtã". A poesiã hebrãicã fãz uso de vãí rios recursos. Entre eles, os ãcroí sticos ou poemãs ãlfãbeí ticos, em que cãdã linhã ou conjunto de linhãs começã com umã letrã diferente, em sequü eê nciã ãlfãbeí ticã (Sl 34 e Sl 119, por exemplo). Tãmbeí m existem ãssonãê nciãs ou repetiçãã o do mesmo som e ãliterãçoã es, isto eí , ã justãposiçãã o de pãlãvrãs ou síílãbãs que começãm com ã mesmã consoãnte. Um exemplo de ãliterãçãã o eí Sl 122.6: sha'alu shelom Yerushalayim, "orãi pelã pãz de Jerusãleí m", onde se repetem o sh e o l. Tãmbeí m se fãz uso de trocãdilhos, como em Am 8.12 e Is 5.7. Nestã pãssãgem, o profetã escreve: "Esperãvã juíízo (mishpat) e eis derrãmãmento de sãngue (mispach); justiçã (tsedhaqah), e eis clãmor (tse'aqah)". Característica marcante: o paralelismo Umã dãs cãrãcteríísticãs mãrcãntes dã poesiã hebrãicã eí ã rimã de ideí iãs ou pensãmentos, chãmãdã de pãrãlelismo. Esse conceito de pãrãlelismo foi desenvolvido por Robert Lowth, em 1753. Lowth identificou treê s tipos de pãrãlelismo: sinoê nimo, ãntiteí tico e sinteí tico. 121

A estimãtivã eí de HUMMEL, 1979, p.405. Hummel pensã que metãde do AT eí poesiã.

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No pãrãlelismo sinoê nimo, ã segundã linhã eí quãse que umã repetiçãã o dã primeirã 122. Um exemplo disso eí Sl 144.3: "Senhor, que eí o homem pãrã que dele tomes conhecimento? / e o filho do homem pãrã que o estimes?" No pãrãlelismo ãntiteí tico, ã segundã linhã, normãlmente introduzidã por um "mãs" ou "poreí m", se contrãpoã e ão que eí dito nã primeirã. Sl 20.7 eí um exemplo disso: "Uns confiãm em cãrros, outros em cãvãlos; noí s, poreí m, nos gloriãmos em nome do Senhor nosso Deus" 123. No sinteí tico, ãs duãs linhãs se juntãm pãrã formãr um pensãmento completo. Um exemplo e Sl 94.11: "O Senhor conhece os (186-187) Em outrãs pãlãvrãs, nem todos os elementos dã histoí riã correspondem ã ãlgum ãspecto do referente, que, no cãso, eí o reino de Deus. Alguns elementos dã nãrrãtivã simplesmente fãzem pãrte do colorido dã histoí riã. O problemã de interpretãçãã o dãs metãí forãs reside exãtãmente nisto: que cãrãcteríísticã ou cãrãcteríísticãs evocãdãs pelã pãlãvrã ou pelã histoí riã correspondem ão referente, isto eí , teê m ãlgo ã ver com ãquilo de que se estãí fãlãndo? Um exemplo eí Mt 5.13, onde Jesus diz que seus discíípulos sãã o o sãl dã terrã. Que cãrãcteríísticã evocãdã por sãl corresponde ãos discíípulos? Sãl erã usãdo, nãquele tempo, como tempero. Numã eí pocã em que nãã o se conheciã ã refrigerãçãã o, o sãl erã usãdo tãmbeí m pãrã preservãr ãlimentos. Isto sem fãlãr que erã um produto de grãnde vãlor. Os discíípulos sãã o sãl em que sentido? Pode ãteí ser em mãis de um. Em todo cãso, o que ãcãbou de ser dito e exemplificãdo ãjudã ã entender por que existe tãntã controveí rsiã em torno dã interpretãçãã o de linguãgem figurãdã. AÀ s vezes, o problemã mãior eí nãã o se dãr contã de que ã linguãgem eí metãfoí ricã. Aliãí s, existem muitos literãlistãs que nãã o ãdmitem ã existeê nciã de linguãgem figurãdã nã Bííbliã, interpretãndo tudo ão peí dã letrã. Por outro lãdo, existem ãqueles que, levãdos por seus pressupostos teoloí gicos ou filosoí ficos, querem ver tudo em sentido figurãdo! Como, entãã o, proceder nã identificãçãã o de linguãgem figurãdã? A princíípio, isto eí , ãteí provã em contrãí rio, o leitor deve ficãr com o sentido literãl e nãã o ãbrir mãã o dele 124. Se o sentido literãl eí ãbsurdo, ãbre-se ã opçãã o do sentido figurãdo. Gerãlmente o contexto (que pode ser poeí tico) deixã clãro ão leitor que os termos sãã o usãdos em sentido metãfoí rico. Aleí m disso, fãtores como o princíípio de que um ãutornãã o entrã em flãgrãnte contrãdiçãã o podem indicãr o uso de linguãgem figurãdã125. Símile e metáfora O síímile (literãlmente, "semelhãnçã") eí ã compãrãçãã o de umã coisã com outrã, gerãlmente ãtrãveí s de um "como" ou "ãssim como". O exemplo clãí ssico vem de Aristoí teles: "Aquiles ãvãnçou como um leãã o". Os exemplos bííblicos poderiãm ser milhãres: "ferido como ã ervã" (Sl 102.4), "ã filhã de Siãã o eí deixãdã.... como pãlhoçã no pepinãl" (Is 1.8), "como o fãminto que sonhã que estãí ã comer" (Is 29.8), "como descem ã chuvã e ã neve" (Is 55.10,11). Outros exemplos interessãntes ocorrem em Am 5.18,19; Ml 3.2; Lc 10.3; 13. 34; 17.24; ICo 3.15; 13.11; lTs 5.2; Ap 1.10. A metãí forã (literãlmente, "trãnsfereê nciã") eí , de certã formã, um síímile ãbreviãdo, em que ã pãlãvrã ou locuçãã o que expressã ã semelhãnçã (o "como") eí omitidã. Em outrãs pãlãvrãs, no síímile ã compãrãçãã o eí explíícitã, o que nãã o eí o cãso dã metãí forã. O exemplo de Aristoí teles eí este: "Um leãã o 122

O pãrãlelismo erã, ão que pãrece, um recurso mnemoí nico, ou sejã, ãjudãvã no processo de memorizãçãã o do texto. Tãmbeí m eí um ãuxíílio pãrã quem ouve, pois ã mesmã ideí iã eí ãpresentãdã duãs vezes, com pequenãs vãriãçoã es. Aleí m disso, o pãrãlelismo fãvorece ã meditãçãã o. Pelã repetiçãã o, o poetã, sem muitã pressã, dãí reãlce ã umã ideí iã, o que ãumentã seu efeito retoí rico (RYKEN, 1984, pp. 106-107). 123 Outros exemplos clãí ssicos sãã o Sl 1.6; 30.5; Pv 11; Pv 12; Pv 29.11. Ao se fãzer umã leiturã ãlternãdã desses textos em pãrãlelismo, isto eí , umã leiturã em dois grupos, ã divisãã o por versíículos nãã o eí ã mãis recomendãdã, pois destroí i o pãrãlelismo. Melhor eí , muitãs vezes, ã divisãã o ão meio do versíículo. 124 A rigor, nãã o conseguirãí entender ã metãí forã, se nãã o tiver noçãã o do que ã pãlãvrã significã literãlmente. Em semãê nticã se diz que umã pãlãvrã sofre umã ãmpliãçãã o metãfoí ricã de significãdo. 125 Agostinho formulou isso dã seguinte mãneirã: "[T]udo o que nã pãlãvrã divinã nãã o puder se referir ão sentido proí prio, nem ãà honestidãde dos costumes, nem ãà verdãde dã feí , estãí dito que devemos tomãr em sentido figurãdo" (A doutrinã cristãã , III 10.14, p.164).

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ãvãnçãvã". Entre os exemplos bííblicos clãí ssicos estãã o: "voí s sois o sãl dã terrã" (Mt 5.13); "nãã o temãis, oí pequenino rebãnho" (Lc 12.32); "ide dizer ã essã rãposã" (Lc 13.32); "um rebãnho e um Pãstor" (Jo 10.16); "sou um gongo que soã" (ICo 13.1)126. Umã metãí forã pode tãmbeí m ser ãmpliãdã, trãnsformãndo-se, entãã o, numã ãlegoriã. Umãs dãs ãlegoriãs mãis mãrcãntes do AT eí Pv 5.15-23, onde se compãrã fidelidãde mãtrimoniãl com ã prãí ticã de beber ãí guã do proí prio poço. Os fãmosos ãntropopãtismos e ãntropomorfismos dã Bííbliã, isto eí , ãqueles textos em que Deus eí ãpresentãdo como se tivesse sentimentos humãnos (irã, "ãrrependimento", etc.) e formã humãnã (brãço, mãã o, etc.), sãã o, nã verdãde, metãí forãs. Exemplos disso podem ser vistos em Gn 6.6 (ver ISm 15.29); Gn 8.21ã; Gn 18.21; Dt 26.15; Rt 2.12; Is 65.2; Sl 2.4; Sl 13.1; Sl 18.16; Sl 24.6; Sl 104.28-29; Is 30.30; Is 49.16; Is 59.15-16; Nã 1.3. Metonimia e sinédoque Aleí m dã metãí forã, outrãs figurãs muito comuns nã líínguã sãã o ã metonimiã e ã sineí doque. Essãs duãs figurãs nem sempre sãã o fãí ceis de distinguir. Aliãí s, Melãnchton jãí diziã ã seus ãlunos que nãã o deveriãm tentãr fãzer umã fãnãí ticã distinçãã o entre ãs figurãs 127. A metonimiã eí , literãlmente, umã "mudãnçã de nome". Tecnicãmente, tem-se umã metonimiã quãndo o referente (o Poder Executivo, por exemplo) eí nomeãdo ou identificãdo pelo uso de umã pãlãvrã ou locuçãã o (Pãlãí cio do Plãnãlto) que lembrã um conjunto de cãrãcteríísticãs (um preí dio chãmãdo de pãlãí cio, nã regiãã o do Plãnãlto, etc.) dãs quãis nenhumã delãs corresponde ãà s cãrãcteríísticãs do referente. Ou sejã, o Poder Executivo ou o presidente dã Repuí blicã nãã o tem nenhumã dãs cãrãcteríísticãs do Pãlãí cio do Plãnãlto. No entãnto, existe umã relãçãã o ou ãssociãçãã o entre o Poder Executivo e o Pãlãí cio do Plãnãlto, ã ponto de se poder dizer que o Pãlãí cio do Plãnãlto emitiu umã notã ou fez umã declãrãçãã o. Metonimiã eí , portãnto, o ãto de designãr ou dãr um nome ã ãlgo com bãse, nãã o em semelhãnçã, mãs num relãcionãmento ou ãssociãçãã o. Esse relãcionãmento pode ser de cãusã pelo efeito ("ferir com ã líínguã", Jr 18.18); de continente pelo conteuí do ("beber o cãí lice", ICo 11.26); de ãutor pelã obrã (Lc 16.31; At 8.28; At 15.21; 2Co 3.15, "ler Moiseí s"); de efeito pelo eficiente (Lc 2.30), etc. Outros exemplos: cãã s pãrã velhice (Gn 42.38; Lv 19.32); cetro pãrã reino ou governo (Sl 125.3); vãrã pãrã cãstigo (Pv 13.24); ceí us pãrã Deus (Mt 4.17); chãves pãrã ofíício ou ãutoridãde (Mt 16.19; Ap 3.7). Sineí doque eí um termo de origem gregã que, literãlmente, significã "compreender umã coisã com outrã". Ocorre quãndo se mencionã umã pãrte pãrã se referir ão todo, ou o todo pãrã se referir ã umã pãrte, ou, ãindã, o singulãr pelo plurãl e vice-versã. Em termos mãis teí cnicos, existe sineí doque quãndo ãs cãrãcteríísticãs ou os trãços semãê nticos de umã pãlãvrã (ãlmã, por exemplo, em IPe 3.2) correspondem ãà s cãrãcteríísticãs de ãpenãs umã pãrte do referente (pessoã, que, supostãmente, eí mãis do que ãlmã). Outros exemplos podem ser vistos em Rm 3.20, onde circuncisãã o designã o povo judeu; Sl 46.9b e Is 2.4, onde ãrco, lãnçã e cãrros de guerrã designãm mãteriãl beí lico ou ãrmãmento; Mt 6.11, onde pãã o representã todã ã comidã ou ãquilo que se necessitã pãrã estã vidã; Rm 11.7, onde eleiçãã o, ãlgo ãbstrãto, ocorre em lugãr de eleitos, que sãã o pessoãs concretãs; e 2Co 11.32-33, onde se mencionã ãs mãã os do governãdor como se fossem o proí prio governãdor. Tãmbeí m ocorre o contrãí rio, ou sejã, o todo pode ser usãdo pelã pãrte. Um exemplo eí Jo 19.42, onde se diz, literãlmente, no grego, que puserãm Jesus no sepulcro. A rigor, puserãm ãpenãs o corpo dele. Neste cãso, usã-se o todo (Jesus) pãrã designãr umã pãrte (seu corpo). Algumãs trãduçoã es, como Almeidã Revistã e Atuãlizãdã e ã NTLH, eliminãm ã sineí doque, dizendo que "depositãrãm o corpo de Jesus". A designãçãã o "judeus", no Evãngelho de Joãã o, eí outro exemplo: o todo ãpãrece em lugãr dãqueles que, nãquele contexto, se opuserãm ã Jesus. O mesmo vãle pãrã fãriseus, escribãs e sãduceus, em outrãs pãssãgens do NT (Mt 9.11; 16.1; Lc 15.2). Outro exemplo eí Mc 16.15, onde o todo 126

No caso de 1Co 13:1, as traduções de Almeida e NTLH transformaram a metáfora em símile: “sou como...” Non sunt superstitiose discernendae figurae, isto eí , ãs figurãs nãã o devem ser fãnãticãmente distinguidãs (MELANCHTON, p.236). 127

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("todã criãturã") ãpãrece em lugãr de umã pãrte ("ãs pessoãs"). O mãis comum, no entãnto, eí usãr ã pãrte pelo todo. Outras figuras Entre ãs muitãs outrãs figurãs que ocorrem nã Bííbliã, merecem ãindã destãque ãs seguintes: Personificação Consiste em ãtribuir ã seres inãnimãdos cãrãcteríísticãs de seres vivos, como em Sl 114.3-4: "os montes sãltãrãm". Outros exemplos de personificãçãã o ãpãrecem em Is 35.1; Mt 6.34; Lc 19.40; e Rm 6.9. Apóstrofe Literãlmente, ãpoí strofe eí "ãfãstãr-se de outros pãrã dirigir-se ã um em pãrticulãr". Consiste em dirigir-se ã ãlgumã coisã ou ã ãlgueí m que estãí ãusente ou nãã o pãssã de um ser imãginãí rio. Em Sl 68.16, o sãlmistã interpelã os montes, dizendo: "por que olhãis com invejã, oí montes elevãdos...?" Outros exemplos podem ser vistos em Is 54.1 e ICo 15.55. Perguntas retóricas Estãs sãã o perguntãs que nuncã sãã o respondidãs, porque dispensãm respostã. Um exemplo eí Jr 32.27: "ãcãso, hãveriã coisã demãsiãdãmente mãrãvilhosã pãrã mim"? Outros exemplos clãí ssicos sãã o Joí 11.7; Rm8.31; e ICo 1.13. Perguntãs retoí ricãs podem ser usãdãs, entre outrãs coisãs, pãrã enfãtizãr um ãspecto positivo ou um ãspecto negãtivo. Em 2Co 2.16 ("quem eí suficiente pãrã estãs coisãs"?), 2Co 3.1 ("temos necessidãde de cãrtãs de recomendãçãã o"?), 2Co 6.14-16 ("que comunhãã o, dã luz com ãs trevãs"?) se quer enfãtizãr o ãspecto negãtivo, ou sejã, ã respostã implíícitã eí "nãã o". Jãí em 2Co 3.8 ("como nãã o serãí de mãior gloí riã o ministeí rio do Espíírito"?) e 2Co 11.22-23 ("sãã o hebreus"? "sãã o isrãelitãs"?), se quer enfãti(193) Quiasmo O termo vem do grego, chiázein, "mãrcãr com duãs linhãs como que trãçãndo um x". Consiste em fãzer um ãrrãnjo diãgonãl, em que o primeiro termo se relãcionã com o quãrto e o segundo, com o terceiro num esquemã do tipo ABB'A' ou ABCB'A'. Um exemplo eí Is 11.13: ã: Efrãim b: ter invejã c : d e J u d ãí ; c ' :

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J u d ãí b ' : o p r i m i r ã ' : E f r ã i m . Outro exemplo eí Rm 10.9-10: ã: confessãr com ã bocã; b: crer no corãçãã o; c: ser sãlvo; b': crer com o corãçãã o; ã': confessãr com ã bocã. Outros exemplos ocorrem em 1 Co 6.13; 2Co 1.3; e Fm 5128. Elipse A elipse eí ã omissãã o de umã ou mãis pãlãvrãs que seriãm necessãí riãs pãrã umã construçãã o completã. Em Lc 13.9, existe umã elipse, no texto originãl, que diz ãssim: "e se produzir fruto no futuro...; se nãã o, tu ã cortãrãí s". Neste cãso, como nos demãis, ãs trãduçoã es tendem ã eliminãr ã elipse. Outros exemplos clãí ssicos sãã o Ef 5.22; 2Ts 2.3. Anacoluto Literãlmente, "nãã o segue". EÉ ã ãbruptã pãssãgem de umã construçãã o grãmãticãl pãrã outrã. Um exemplo disso eí Gl 2.6: "e dos que pãreciãm ser ãlgo... ã mim esses que pãreciãm ser ãlgo nãdã ãcrescentãrãm". Tãmbeí m neste cãso ãs trãduçoã es procurãm remediãr ã situãçãã o. Eufemismo 128

O quiãsmo nãã o é um recurso restrito ãà literãturã bííblicã. Jãí houve quem contãsse mãis de mil quiãsmos nos escritos de Tãí cito (RICHARDS, p. 133).

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Literãlmente, "dizer bem". Trãtã-se de suãvizãr ã linguãgem, pãrã nãã o ser ofensivo. Exemplos: Jz 3.24 ("cobrir os peí s" pãrã "ir ão bãnheiro"); Lv 18.6 ("descobrir ã nudez" em lugãr de "ter relãçoã es sexuãis"); Ef 2.13 ("os que estãvãm longe" pãrã designãr os "gentios"); At 1.25; At 7.60; ITs 4.13-15. Clímax ou gradação EÉ ã teí cnicã em que vãí riãs pãlãvrãs ãpãrecem em ordem ãscendente, sendo que o uí ltimo elemento do primeiro pãr eí repetido, pãssãndo ã ser o primeiro elemento do pãr seguinte. Criã-se ãssim o efeito de umã escãdã. Exemplos: Rm 5.3-5 ("ã tribulãçãã o produz perseverãnçã; e ã perseverãnçã, experieê nciã; e ã experieê nciã, esperãnçã"); 2Pe 1.5-7. Uma nota sobre os Salmos Os Sãlmos sãã o, pãrã muitos, ã pãrte mãis conhecidã do AT. A rigor, sãã o um resumo dã teologiã do AT Mãis ou menos dois terços dãs citãçoã es do AT no NT sãã o tirãdos dos Sãlmos. Estã eí , tãlvez, ã grãnde rãzãã o por que os Sãlmos forãm e ãindã continuãm ã ter um lugãr de destãque no culto cristãã o. Horãce D. Hummel resume isto muito bem: Ao fazer uso dos Salmos, o cristão reconhece, não somente a unidade da Escritura em termos de promessa e cumprimento, mas a unidade da divindade como assunto comum a ambos os testamentos. O SENHOR do AT é também "o Deus e Pai de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" que, por ação do Espírito Santo, em palavra e sacramento, passa a ser nosso Deus. A natureza e os atributos desse Deus, bem como as suas obras de criação, redenção e santificação, são essencialmente as mesmas, embora também tenham sido revelados com maiores detalhes na nova aliança. Os atos de Deus pelos quais ele é louvado nos Salmos são também parte de nossa salvação. É claro que para nós esses atos são acessíveis apenas através de Cristo, e a eles nós acrescentamos os feitos de Deus na sexta-feira santa e na páscoa, que são a culminância daqueles. (1979, p.426)

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16 EPÍSTOLAS Nas cartas dele há algumas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e os fracos na fé explicam de maneira errada... (2Pe 3.16)

As cãrtãs ou epíístolãs constituem umã terçã pãrte do NT. Algumãs, eí bem verdãde, mãis se ãssemelhãm ã trãtãdos ou ã sermoã es do que ã cãrtãs no sentido teí cnico dã pãlãvrã. EÉ o cãso, por exemplo, de Hebreus e 1 Joãã o. Mãs, no gerãl, elãs preservãm ãlgumãs dãs cãrãcteríísticãs do geê nero epistolãr, como formulãí rio de ãberturã (quem escreve ã quem, seguido de umã sãudãçãã o), corpo dã cãrtã e conclusãã o. Em outros sentidos, especiãlmente no que tãnge ãà extensãã o, elãs rompem o pãdrãã o dã eí pocã. As cãrtãs do NT forãm e ãindã continuãm ã ser estudãdãs como cãrtãs, ou sejã, sãã o submetidãs ã umã ãnãí lise epistolãr. Em tempos mãis recentes, poreí m, voltou-se ã fãzer umã ãnãí lise retoí ricã dãs mesmãs, um estudo que recebeu o nome de "crííticã retoí ricã". Epístolas ou cartas? Algumãs dãs cãrtãs do NT teê m um cãrãí ter mãis pessoãl. EÉ o (199) Cláudio Lísias ao excelentíssimo governador Félix, saúde. Este homem foi preso pelos judeus e estava prestes a ser morto por eles, quando eu, sobrevindo com a guarda, o livrei, por saber que ele era romano. Querendo certificar-me do motivo por que o acusavam, fi-lo descer ao Sinédrio deles; verifiquei ser ele acusado de coisas referentes à lei que os rege, nada, porém, que justificasse morte ou mesmo prisão. Sendo eu informado de que ia haver uma cilada contra o homem, tratei de enviá-lo a ti, sem demora, intimando também os acusadores a irem dizer, na tua presença, o que há contra ele. Saúde. (ALMEIDA Revista e Atualizada)

Notã-se que eí umã mensãgem breve. O formulãí rio de ãberturã informã quem escreve ã quem, e conclui com umã sãudãçãã o. Depois vem o corpo dã cãrtã, que eí ã pãrte principãl, seguido de umã conclusãã o. Umã cãrtã dessãs cãbiã numã folhã de pãpiro. Compãrãdãs com ã cãrtã de Clãí udio Líísiãs, ãs cãrtãs de Pãulo sãã o longãs. Aliãí s, elãs sãã o longãs demãis pãrã o pãdrãã o dã eí pocã. Dãs quãse 14 mil cãrtãs pessoãis que sobreviverãm dã ãntiguidãde greco-romãnã, ã mãis breve tem 18 pãlãvrãs e ã mãis longã, 209, o que dãí umã meí diã de 87 pãlãvrãs. As cãrtãs de Cíícero teê m, em meí diã, 295 pãlãvrãs. As de Seí necã, 995. As de Pãulo, 2.495 pãlãvrãs (RICHARDS, p.163). A cãrtã ã Filemon tem comprimento meí dio, sendo tãlvez um pouco mãis longã do que ã meí diã dã eí pocã. Análise epistolar e análise retórica As cãrtãs podem ser ãnãlisãdãs do ponto de vistã dã epistologrãfiã. EÉ o que normãlmente eí feito em comentãí rios e livros de introduçãã o ão NT. Assim, por exemplo, pode-se ãpresentãr ã seguinte estruturã epistolãr de 2Tessãlonicenses: 1) emissor, receptores e sãudãçãã o (1.1-2); 2) ãçãã o de grãçãs (1.3-12); 3) corpo dã cãrtã (2.1-17); 4) pãreê nese ou ãdmoestãçãã o (3.1-15); 5) conclusãã o (3.16-18). Atençãã o especiãl tem sido dãdã ãà s seçoã es de ãçãã o de grãçãs, no iníício dãs cãrtãs de Pãulo, por trãzerem umã espeí cie de ííndice ou sumãí rio dã cãrtã. No entãnto, dã deí cãdã de 1970 pãrã cãí , tem hãvido umã verdãdeirã renãscençã dos estudos retoí ricos. Trãtã-se de umã renãscençã porque, em seí culos ãnteriores, erã comum ãnãlisãr ãs cãrtãs do NT sob um enfoque retoí rico129. Tãlvez por suã nãturezã menos objetivã, e, em pãrte tãmbeí m, pelo 129

Agostinho, que hãviã sido professor de retoí ricã, foi um dos muitos ã reconhecer isso. Diz ele: "Reconheçãmos (...) que nossos ãutores cãnoê nicos sãã o, nã verdãde, nãã o somente sãí bios, mãs eloquü entes, e de eloquü eê nciã bem ãpropriãdã ãà suã personãlidãde" (A doutrinã cristãã , IV, 7.21, p.227).

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ãbuso por pãrte de ãlguns, ã retoí ricã nãã o foi levãdã ã seí rio no perííodo do domíínio quãse que ãbsoluto do meí todo histoí rico-críítico130. Essã renãscençã coincidiu, em grãnde pãrte, com ã guinãdã prãgmãí ticã nos estudos linguü íísticos, que teve iníício por voltã de 1950. Em funçãã o disso, existe hoje umã "crííticã retoí ricã" ou "ãnãí lise retoí ricã" de textos bííblicos. No AT, ã ãnãí lise retoí ricã tem se voltãdo especiãlmente ãos textos profeí ticos. No NT, o interesse mãior estãí nãs epíístolãs. A retoí ricã eí ã ãrte dã persuãsãã o 131. No mundo ãntigo, erã ensinãdã nã composiçãã o de textos. Nãdã impede, no entãnto, que sejã usãdã, hoje, como ferrãmentã de ãnãí lise. Assim, ã ãnãí lise retoí ricã estudã os modos de comunicãçãã o ou os elementos persuãsivos presentes nos textos bííblicos. No NT, ãs epíístolãs estãã o entre os textos mãis diretãmente persuãsivos, com destãque pãrã ãs epíístolãs de Pãulo. (202) ã pequenã minoriã, ãqueles um ou dois por cento dã populãçãã o do Impeí rio Romãno que tinhã tido umã boã educãçãã o formãl132. Mesmo que Pãulo tenhã recebido ã mãior pãrte de suã educãçãã o em Jerusãleí m, ãlgo que At 22.8 nãã o permite ãfirmãr com certezã, isto nãã o impede que tenhã sido treinãdo em retoí ricã. O processo de helenizãçãã o tinhã ãtingido e ãfetãdo ãteí mesmo os rãbinos nã Judeiã, entre os quãis estãvã Hillel, em cujã "escolã" Sãulo ou Pãulo hãviã sido educãdo. Diz-se que ã metãde dos discíípulos de Hillel hãviã sido educãdã nã sophia dos gregos, que teriã incluíído ã retoí ricã (WITHERINGTON III, Ben. 1995, p.2). Sejã como for, ãs cãrtãs de Pãulo mostrãm que ele conheciã e empregãvã teí cnicãs de retoí ricã. Se nãã o ãs ãprendeu nã escolã, ãbsorveu-ãs do ãmbiente em que viviã. A ele se ãplicã tãmbeí m o que Agostinho diz ã respeito dos grãndes orãdores: Ao meu parecer, não há quem possa falar bem e, para melhor efeito, pensar ao mesmo tempo que falam, nas regras da eloqüência. (...) [N]os discursos e dissertações dos homens eloqüentes, os preceitos da eloqüência encontram-se aplicados. Esses oradores não pensaram neles [nos preceitos], nem para compor seus discursos nem para pronunciá-los, quer os tenham aprendido quer não. Na realidade, eles aplicam as regras porque são eloqüentes e não para o serem. (A doutrina cristã IV, 3.4, p.210)

Ethos, pathos e logos Segundo Aristoí teles, ã persuãsãã o depende de treê s fãtores ou provãs: ethos, pathos e logos. Ethos eí o cãrãí ter morãl do orãdor. Em Gl 1.1, por exemplo, Pãulo ãfirmã seu ethos. Pathos tem ã ver com ãs emoçoã es que o discurso provocã nos ouvintes. Um belo exemplo disso eí 1Ts 2.13-16. Logos sãã o os ãrgumentos loí gicos no discurso. Os ãrgumentos loí gicos podem ser indutivos, gerãlmente por meio de exemplos (paradéigmata) ou dedutivos, nã formã de entimemãs. O entimemã eí um silogismo reduzido, no quãl se subentende umã dãs premissãs. Num entimemã que vãi dã premissã ãà conclusãã o tende ã ãpãrecer um "portãnto" ou "pois" (em grego, gár, ára ou oun). Quãndo vãi dã conclusãã o ãà premissã, pode ser introduzido com um "porque" (hoti, no grego). Gl 3.6-7 eí um entimemã, em que Pãulo pressupoã e ã premissã mãior de que Deus vãi lidãr com todos dã mesmã formã que lidou com Abrããã o. Escrito por extenso, o entimemã trãnsformãdo em silogismo ficãriã ãssim: Deus decidiu justificãr todos ãssim como justificou Abrããã o (premissã mãior, que eí pressupostã). Abrããã o foi justificãdo pelã feí (v.6, ã 130

Um dos mãrcos iniciãis dessã renãscençã à o discurso de Jãmes Muilenburg, presidente dã Society of Biblicãl Literãture, proferido em 1968, e publicãdo em 1969, no Journãl of Biblicãl Literãture, sob o tíítulo form criticism and beyond. Umã dãs obrãs mãis populãres eí KENNEDY, New Testãment interpretãtion through rhetoricãl criticism, 1984. 131 Muitos, nã verdãde, confundirãm retoí ricã com estilíísticã ou restringirãm ã retoí ricã ão estilo, o que contribuiu pãrã ã degenerãçãã o e supressãã o dã mesmã. Pãrã os ãntigos, o estilo erã umã dãs cinco pãrtes dã retoí ricã. Inventio, dispositio, e elocutio (estilo) fãziãm pãrte dã elãborãçãã o do discurso. Memoria e pronuntiatio tinhãm ã ver com ã ãpresentãçãã o do discurso. 132 Hãviã estudos de retoí ricã ãteí mesmo no níível que corresponde ão nosso ensino meí dio. A composiçãã o de cãrtãs fãziã pãrte dã retoí ricã. Aleí m disso, ã retoí ricã fãziã pãrte do ãmbiente culturãl, e podiã ser ãprendidã de mãneirã informãl.

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premissã menor). Os dã feí sãã o filhos de Abrããã o (v.7), ou sejã, quem creê eí justificãdo ãssim como Abrããã o foi (conclusãã o). Os três gêneros da retórica clássica A trãdiçãã o clãí ssicã conhece treê s geê neros ou espeí cies de retoí ricã: 6)

1)

2)

Forense ou judiciãl - Aqui ã perguntã fundãmentãl eí : "foi justo"? O orãdor quer ãssegurãr que se fãçã justiçã; empregã o meí todo de ãtãque ou defesã; os ouvintes teê m que tomãr umã decisãã o em relãçãã o ã um fãto do pãssãdo. EÉ ã retoí ricã tíípicã do tribunãl. Deliberãtivã - Aqui ã perguntã chãve eí : "conveí m"? O orãdor quer ãssegurãr ã ãdoçãã o ou rejeiçãã o de determinãdã ãtitude; empregã o meí todo de persuãsãã o ou dissuãsãã o; os ouvintes teê m que tomãr umã decisãã o em relãçãã o ão futuro. EÉ ã retoí ricã tíípicã dã ãssembleí iã de cidãdãã os. Epidíícticã ou demonstrãtivã - A perguntã eí estã: "eí digno de louvor"? O orãdor quer celebrãr vãlores comuns; empregã o meí todo de louvor ou ãcusãçãã o; os ouvintes sãã o meros observãdores dã hãbilidãde do orãdor e o tempo em vistã eí presente, isto eí , o orãdor procurã levãr ã condutã ãdequãdã no presente. EÉ ã retoí ricã tíípicã de festividãdes.

Quãnto ão NT, mãis especificãmente no cãso dãs epíístolãs, o geê nero predominãnte pãrece ser o deliberãtivo. Clãro, isto nãã o im (205) ponto de vistã contrãí rio nãã o eí correto. Nã forense, erã um pãsso necessãí rio pãrã fãzer frente ãos ãrgumentos dã oposiçãã o, pois sempre existe promotoriã e defesã. Nã deliberãtivã, erã opcionãl, ã menos que o ãssunto fosse clãrãmente controvertido. Nã epidíícticã erã opcionãl, tãlvez ãpenãs como envilecimento dãqueles que ãgem de modo diferente. 6) 7)

Apelo (exhortãtio): um conjunto de ãfirmãçoã es, petiçoã es, histoí riãs, ãpelos destinãdos ã levãr o puí blico ã ãgir. Pãsso fundãmentãl nã retoí ricã judiciãl, importãnte nã deliberãtivã, e opcionãl nã epidíícticã. Conclusãã o (perorãtio): um sumãí rio e repetiçãã o do(s) ponto(s) bãí sico(s) num estilo que cãtive ã simpãtiã do puí blico. Gerãlmente com um forte componente emotivo. Nã judiciãl, ã perorãçãã o erã fundãmentãl pãrã se conseguir ã simpãtiã (e o voto!) do puí blico. Nã deliberãtivã, erã importãnte pãrã mover o puí blico ã tomãr ã decisãã o ãdequãdã. Nã epidíícticã, erã importãnte pãrã fãzer um vigoroso ãpelo finãl.

A importância da análise retórica A ãnãí lise retoí ricã lembrã, ãntes de tudo, que os textos bííblicos teê m umã dimensãã o prãgmãí ticã. Forãm dirigidos ã pessoãs que viviãm em contextos especííficos, pãrã ãlcãnçãr determinãdos fins. Pãrã usãr umã metãí forã, nãã o sãã o ãpenãs vãsilhãs cheiãs de verdãdes eternãs, mãs setãs ou petãrdos destinãdos ã mudãr umã situãçãã o ou mudãr vidãs. O meí todo dos "textos de provã", presente em cãtecismos e textos doutrinãí rios, tende ã perder de vistã essã dimensãã o, pois trãbãlhã com textos isolãdos. E, pãrã sentir ã "forçã" do texto, eí preciso ler o texto nã ííntegrã. Um exemplo eí Rm 3.28: "Concluíímos, pois, que o homem eí justificãdo pelã feí , independentemente dãs obrãs dã lei". Aquele "pois", que eí clãrãmente ãrgumentãtivo, ficã perdido, quãndo se tomã esse versíículo isolãdãmente. Aliãí s, um dos meí ritos dã ãnãí lise retoí ricã eí que respeitã o texto ãssim como ele se ãpresentã. Nãã o se procurã "desmontãr" o texto, e ã perguntã sobre como o texto se formou ou veio ã ser escrito nãã o tem mãior importãê nciã. O que interessã eí ã interãçãã o entre o ãutor e seus leitores. O foco eí o texto, visto em suã dimensãã o ãrgumentãtivã. (207-208)

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curã persuãdir seus leitores ã que ãdotem ou mãntenhãm o estilo de vidã preconizãdo por ele. Por outro lãdo, levãndo-se em contã os vãí rios elogios ãos leitores, fãce ãà suã vidã exemplãr (1Ts 1.2-3,610,19-20; 3.6-9; 4.1-2,9-10), tãmbeí m se pode clãssificãí -lã como epidíícticã ou demonstrãtivã. Quãl ã diferençã entre deliberãtivã e epidíícticã? EÉ umã diferençã sutil, mãs reãl. Se 1Ts eí epidíícticã, isto significã que o ãpoí stolo estãí sãtisfeito com o progresso dos tessãlonicenses e que nãã o hãí mãiores problemãs que necessitem de correçãã o. Pontos importantes na interpretação de epístolas Dentre os vãí rios pãssos do meí todo exegeí tico, ãlguns merecem ãtençãã o especiãl, no cãso dãs epíístolãs. Quãnto ã ãspectos textuãis, interessã de modo especiãl ã progressãã o dos pensãmentos ou ã ãrgumentãçãã o dentro do pãrãí grãfo. Iguãlmente importãnte eí levãr em contã o contexto histoí rico, ou, entãã o, ã situãçãã o retoí ricã que ocãsionou ã comunicãçãã o que se quer ãnãlisãr. A importância do contexto histórico A ãnãí lise retoí ricã trãz consigo umã reãfirmãçãã o dã importãê nciã do contexto histoí rico, que ãpãrece sob o nome de "situãçãã o retoí ricã" 133. Acontece que ã comunicãçãã o sempre se dãí num contexto especíífico em que se encontrãm emissor e receptores. Assim, ã forçã de umã ãfirmãçãã o depende, em grãnde pãrte, do contexto em que elã eí proferidã. Por isso, emborã nãã o se interesse pelã preí -histoí riã do texto ou por ãquilo que estãí ãleí m do texto, ã ãnãí lise retoí ricã, ã exemplo do trãdicionãl meí todo histoí rico-grãmãticãl, se interessã pelã dimensãã o histoí ricã do texto, ãindã que sejã o contexto histoí rico embutido no proí prio texto. Isto fãz com que ã investigãçãã o do contexto histoí rico sejã um pãsso importãnte nã exegese dãs epíístolãs. Nãã o que sejã ãlgo fãí cil. A rigor, ãquilo que os primeiros leitores melhor conheciãm - ã situãçãã o em que se encontrãvãm - eí o que mãis nos pãrece obscuro. O inteí rprete dãs epíístolãs, por ler, como jãí disse ãlgueí m, ã correspondeê nciã dos outros, se encontrã mãis ou menos nã situãçãã o de ãlgueí m que, sentãdo nã sãlã, ouve umã longã explicãçãã o dãdã ão telefone. Como nãã o tem ãcesso ão que vem do outro lãdo, precisã deduzi-lo ã pãrtir do que estãí sendo dito nã sãlã em que se encontrã. Em outrãs pãlãvrãs, o inteí rprete precisã reconstruir ã situãçãã o retoí ricã nã quãl o escritor estãí interferindo ã pãrtir dã suã mãnifestãçãã o. O inteí rprete nãã o tem ãcesso direto ãà situãçãã o nãs igrejãs dã Gãlãí ciã ou de Colossos. Tudo que lhe restã fãzer eí tentãr reconstruir ã perguntã (ã situãçãã o) ã pãrtir dã respostã (o texto dã cãrtã). Por mãis importãnte que sejã essã "reconstruçãã o" dãquelã eí pocã, nãã o se pode cãir no exãgero de umã "leiturã ãà s ãvessãs" (em ingleê s, se diz mirror-reading), em que cãdã "sim" no texto eí visto como respostã ã um "nãã o" no contexto, e vice-versã. O inteí rprete precisã lembrãr que estãí fãzendo ã leiturã dã "leiturã" que o escritor fãziã dã situãçãã o retoí ricã que exigiu umã intervençãã o dã pãrte dele. Existem ãfirmãçoã es que podem ser derivãdãs dã situãçãã o do escritor, e nãã o do contexto dos leitores. Em outrãs pãlãvrãs, muito mãis do que remediãr, o escritor pode estãr ãdotãndo medidãs profilãí ticãs. Um exemplo disso eí Fp 4.4: "ãlegrãi-vos sempre no Senhor". Muitãs vezes se interpretã isso como indíício de que os filipenses estãvãm muito tristes, porque Pãulo estãvã nã prisãã o. Emborã nãã o se possã excluir estã possibilidãde, tãmbeí m eí possíível que Pãulo estejã dizendo isso porque ele julgã necessãí rio dizeê -lo, e nãã o porque estejã respondendo ã umã situãçãã o de tristezã em Filipos. Outro exemplo eí Fp 3.2: "ãcãutelãi-vos dos cãã es"! A tendeê nciã eí ler isso como indíício de que os ditos judãizãntes estãvãm começãndo ã se infiltrãr nãs igrejãs de Filipos. No entãnto, Pãulo pode estãr ãpenãs tomãndo medidãs preventivãs, pois suspeitãvã que, mãis diã menos diã, seus ãdversãí rios ãcãbãriãm chegãndo. Tãlvez o exemplo mãis notoí rio de umã "leiturã ãà s ãvessãs" levãdã ãà s uí ltimãs consequü eê nciãs eí ã supostã heresiã colossense. Pãrte-se do princíípio de que, nã cãrtã ãos Colossenses, Pãulo estejã refutãndo umã heresiã que se hãviã infiltrãdo nã Igrejã de Colossos. Inteí rpretes chegãm ã reconstruir 133

Segundo ã definiçãã o clãí ssicã de Lloyd F. Bitzer, ã situãçãã o retoí ricã eí um complexo de pessoãs, ãcontecimentos, objetos e relãçoã es que ãpresentã umã exigeê nciã reãl ou potenciãl que pode ser pãrciãl ou completãmente sãtisfeitã ou removidã cãso um discurso, inserido nãquelã situãçãã o, puder levãr ã umã decisãã o ou ãçãã o humãnã que trãgã umã significãtivã mudãnçã nãquelã exigeê nciã (KENNEDY, 1984, p.35).

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com detãlhes o que ensinãvãm os fãlsos mestres. No entãnto, tãmbeí m eí possíível ler Colossenses como umã simples ãdverteê nciã contrã o perigo que representãvã o pensãmento pãgãã o que grãssãvã no mundo circundãnte. A argumentação ou progressão de idéias Normãlmente nãã o se começã ã ler um livro no segundo cãpíítulo, e ningueí m começã ã ler umã cãrtã nã segundã pãí ginã. No entãnto, isto eí o que gerãlmente se fãz com ãs cãrtãs do NT: destãcã-se um trecho quãlquer, e nem sempre se levã em contã o todo. Por isso, ãleí m de considerãr pãrãí grãfos, e nãã o versíículos, eí preciso verificãr ã que ãlturã dã ãrgumentãçãã o se estãí . Em textos ãrgumentãtivos, o contexto eí quãse tudo! Acompãnhãr ã linhã de rãciocíínio do escritor eí um dos grãndes desãfios que ãs epíístolãs ãpresentãm. Ateí se pode dizer que delineãr ã estruturã dã ãrgumentãçãã o eí o procedimento exegeí tico mãis importãnte, no cãso dãs epíístolãs 134. Em outrãs pãlãvrãs, como o escritor pãssã de um toí pico ou ãssunto ão outro? Quãl eí ã progressãã o de ideí iãs? Como ãs pãrtes se relãcionãm entre Sl? Dito de outrã mãneirã, ãqui eí preciso dãr ãtençãã o ã conectivos, conjunçoã es, e outros ãspectos dã sintãxe. EÉ possíível que ãs ãfirmãçoã es ou proposiçoã es de um texto estejãm coordenãdãs entre siou, entãã o, subordinãdãs umãs em relãçãã o ãà s outrãs. Nem sempre essã subordinãçãã o eí expressã de formã grãmãticãl. Tãmbeí m eí possíível encontrãr pãrãí grãfos ou seçoã es que estãã o subordinãdos ã outros pãrãí grãfos ou seçoã es mãis longãs, ãlgo que nem sempre eí fãí cil de notãr e que, ã rigor, depende de interpretãçãã o. Umã orãçãã o subordinãdã pode ser usãdã pãrã reãfirmãr, definir ou explicãr o que se diz nã orãçãã o principãl. EÉ o que ãcontece em orãçoã es compãrãtivãs ("sede meus imitãdores, como tãmbeí m eu sou de Cristo", ICo 11.1), explicãtivãs ("... umã pedrã espirituãl que os seguiã. E ã pedrã erã Cristo", ICo 10.4), cãusãis ("... que se cãsem; porque eí melhor cãsãr do que viver ãbrãsãdo", ICo 7.9), finãis ("... desejo ver-vos, ã fim de repãrtir convosco ãlgum dom espirituãl", Rm 1.11), locãis ("onde estãí o Espíírito do Senhor, ãíí hãí liberdãde", 2Co 3.17), entre outrãs. O exemplo de Efésios 4.12 Nem sempre eí fãí cil determinãr como ãs pãrtes se relãcionãm entre Sl. Isto eí ãssim especiãlmente no cãso de locuçoã es preposicionãis que, ão lãdo dãs formãs de genitivo, estãã o entre os elementos mãis desãfiãdores pãrã o exegetã do texto grego do NT. Efeí sios 4.12, dentro do contexto de Ef 4.11-14, eí um belo exemplo disso. No contexto, Pãulo vinhã dizendo que o Cristo que subiu ãcimã de todos os ceí us, pãrã encher todãs ãs coisãs (v.10), concedeu ãpoí stolos, profetãs, evãngelistãs, pãstores e mestres (v.11). Pãrã queê ? A respostã estãí no v.12. Soí que o v.12 eí feito de treê s locuçoã es preposicionãis: prós tón katartismón tôn hagíon ("pãrã o ãperfeiçoãmento dos sãntos"), eis érgon diakonías ("pãrã o serviço do ministeí rio" ou "pãrã ã obrã do serviço") eis oikodomén tou sómatos tou Christoú ("pãrã ã edificãçãã o do corpo de Cristo"). A perguntã cruciãl eí estã: quãl o relãcionãmento entre ãs locuçoã es? Existem vãí riãs possibilidãdes, dãs quãis duãs ãpãrecem refletidãs em trãduçoã es portuguesãs. A interpretãçãã o clãí ssicã, representãdã pelã King James Version (KJV) e tãmbeí m pelã Almeidã Revistã e Corrigidã (ARC), relãcionã ãs treê s locuçoã es diretãmente ão verbo conceder ou dãr (édoken). Em outrãs pãlãvrãs, Cristo deu ãpoí stolos, etc. com treê s finãlidãdes em vistã: o ãperfeiçoãmento dos sãntos, ã obrã do ministeí rio (visto em sentido estrito, como refereê nciã ão ministeí rio eclesiãí stico), ã edificãçãã o do corpo de Cristo. ARC trãduz ãssim: "E ele mesmo deu uns pãrã ãpoí stolos, e outros pãrã profetãs, (...) querendo o ãperfeiçoãmento dos sãntos, pãrã ã obrã do ministeí rio, pãrã edificãçãã o do corpo de Cristo..." A interpretãçãã o modernã, incorporãdã nã mãioriã dãs trãduçoã es e revisoã es do seí culo XX, conectã ãs duãs primeirãs locuçoã es preposicionãis, isto eí , subordinã ã segundã locuçãã o (eis érgon diakonías, "pãrã o serviço do ministeí rio") ãà primeirã (prós tón katartismón tôn hagíon, "pãrã o ãperfeiçoãmento dos sãntos"). Neste cãso, diakonía eí tomãdo num sentido ãmplo, como serviço cristãã o. Estã compreensãã o do texto estãí refletidã em Almeidã Revistã e Atuãlizãdã (ARA) e nã NTLH. ARA diz 134

Assim pensã, por exemplo, Thomãs R. Schreiner [Ver: SCHREINER, 1990, p.97]

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ãssim: "E ele mesmo concedeu uns pãrã ãpoí stolos, outros pãrã profetãs, (...) com vistãs ão ãperfeiçoãmento dos sãntos pãrã o desempenho do seu serviço, pãrã ã edificãçãã o do corpo de Cristo..." Nã NTLH se leê : "Ele escolheu ãlguns pãrã serem ãpoí stolos, outros pãrã profetãs, (...) pãrã prepãrãr o povo de Deus pãrã o serviço cristãã o, ã fim de construir o corpo de Cristo" 135. O que nem sempre ficã clãro eí como se entende ã terceirã locuçãã o preposicionãl. Elã pode tãnto ser relãcionãdã com o verbo "dãr", resultãndo dãíí um propoí sito triplo (deu... pãrã o ãperfeiçoãmento, pãrã ã obrã, pãrã ã edificãçãã o) ou duplo (deu... pãrã o ãperfeiçoãmento, pãrã ã edificãçãã o)136. Ou, entãã o, pode ser subordinãdã ãà s locuçoã es ãnteriores, resultãndo num propoí sito uí nico: "Ele deu esses ministros, com vistãs ão ãperfeiçoãmento dos sãntos, pãrã que esses sãntos desempenhem o seu serviço e, em decorreê nciã disso, o corpo de Cristo sejã edificãdo". Ligãr ãs duãs primeirãs locuçoã es pãrece menos nãturãl do que ligãr ãs duãs uí ltimãs, pois, nãquele cãso, tem-se preposiçoã es diferentes (pros e eis), ão pãsso que, neste cãso, tem-se ã repetiçãã o dã mesmã preposiçãã o (eis). Tãmbeí m eí verdãde que, ão se fãzer ã conexãã o entre ãs duãs primeirãs locuçoã es, ã terceirã ficã como que soltã (214)

135 136

Aqui ficã evidente quãntã diferençã fãz ã presençã ou ãuseê nciã de umã víírgulã! Estã pãrece ser ã interpretãçãã o nã ARA e nã NTLH.

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17 A INTERPRETAÇÃO DO ANTIGO TESTAMENTO, COM ÊNFASE NOS TEXTOS PROFÉTICOS Antigamente, por meio dos profetas, Deus falou muitas vezes e de muitas maneiras aos nossos antepassados... (Hb 1.1)

Umã dãs questoã es hermeneê uticãs mãis importãntes dentro dã Igrejã cristãã , com ã quãl teoí logos tiverãm que se ocupãr desde o iníício, eí ã mãneirã de encãrãr o Antigo Testãmento. Em outrãs pãlãvrãs, como o AT se ãplicã ãà vidã dã igrejã? Quãl o seu cãrãí ter normãtivo? A respostã ã essãs questoã es determinã, em boã pãrte, ã teologiã que se ãdotã, ã mensãgem que se proclãmã e o tipo de vidã cristãã que se levã137. O enfoque marcionita Houve, eí bem verdãde, ãqueles poucos, como Mãrciãã o e os gnoí sticos, que derãm umã respostã rãdicãl, rejeitãndo o Antigo Testãmento como um todo. Este, que poderiã ser denominãdo de enfoque mãrcionitã, se fãz presente ãindã hoje, soí que de formã bãstãnte sutil. Em outrãs pãlãvrãs, eí muito difíícil encontrãr ãlgueí m que declãrãdãmente se colocã contrã o AT, mãs, nã prãí ticã, muitos revelãm pouco interesse por ele. O enfoque alexandrino Bem mãis influente nã Igrejã eí o ãssim chãmãdo enfoque ãlexãndrino, que entende que ã conexãã o entre os dois testãmentos eí bãsicãmente umã de identidãde ou iguãldãde. Este enfoque tem formulãçãã o clãí ssicã no fãmoso dito de Agostinho: "Novum Testamentum in vetero latet; Veterum Testamentum in novo patet". Trãduzido: "O Novo Testãmento estãí lãtente no Antigo; o Antigo Testãmento estãí pãtente no Novo". AÀ luz deste princíípio, ãquilo que pãrece ser inovãçãã o numã formulãçãã o posterior, ã sãber, no NT, eí visto como simples explicãçãã o e ãplicãçãã o do que jãí estãvã implíícito em ãfirmãçoã es ãnteriores, ou sejã, no AT. O que eí novo, eí novo ãpenãs no sentido de que no pãssãdo nãã o tinhã sido visto com clãrezã. Usãndo ãs cãtegoriãs de continuidãde e rupturã, pode-se dizer que o enfoque ãlexãndrino enfãtizã ã continuidãde em detrimento dã rupturã. Tudo eí Bííbliã, pouco importãndo de onde foi tirãdo. Este enfoque, de certã formã, ãutorizã ã interpretãçãã o ãlegoí ricã do AT. Afinãl, o inteí rprete precisã explicitãr o que jãí estãí lãtente no AT. O enfoque antioqueno O enfoque ãntioqueno, dã escolã de Antioquiã, representãdã, entre outros, por Crisoí stomo, enfãtizã tãnto ã continuidãde (isto eí , o AT nãã o eí desprezãdo) quãnto ã efetivã novidãde dã redençãã o. A continuidãde existe, sim, mãs se dãí em termos de desenvolvimento, no quãl ã esseê nciã do evãngelho eí mãntidã. Existe o que se chãmã de revelãçãã o progressivã, dentro dã Bííbliã. Pãrã usãr umã ãnãlogiã, o relãcionãmento entre os testãmentos eí visto como o crescimento de umã plãntã. A plãntã nãã o eí merã reproduçãã o de umã semente, emborã seu crescimento sejã determinãdo (e ãteí ãvãliãdo) pelã semente. AÀ luz deste enfoque, interessã, ãntes de tudo, ã plãntã em flor (o NT), e, num segundo momento, ã semente (o AT). Em outrãs pãlãvrãs, ãqui estãí ã justificãtivã pãrã se ler ã Bííbliã de trãí s pãrã frente. Isto eí muito mãis do que um conselho pãrã que o leitor nãã o desistã de ler tãã o logo chegue ão livro de Levíítico; eí , isto sim, umã decisãã o hermeneê uticã de fundãmentãl importãê nciã. Questoã es doutrinãí riãs e eí ticãs, isto eí , o que crer e como viver, sãã o considerãdãs primeirãmente ãà bãse do testemunho do NT e somente entãã o relãcionãdãs ão AT. Isto eí feito num reconhecimento de que existe um desenvolvimento nã formã de se ver essãs questoã es, bem como vãriãçoã es nã formã de expressãã o dentro de cãdã testãmento e nã pãssãgem de um pãrã o outro. 137

Pãrã umã exposiçãã o mãis detãlhãdã deste ãssunto, vejã LONGENECKER, 1987

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Discussoã es em torno do ideãl teocrãí tico, do sãí bãdo, do díízimo, do conceito de sãcrifíício, entre outros, pãssãm por umã considerãçãã o do que ãcãbã de ser descrito, ãcimã. Dependendo do enfoque ãdotãdo, ã respostã serãí diferente. A interpretação de textos proféticos A interpretãçãã o dos textos profeí ticos tem muito ã ver com ã discussãã o ãnterior. Muitos inteí rpretes, nã linhã do enfoque ãlexãndrino, ignorãm o que o NT significã ou tem ã dizer sobre determinãdã profeciã. Um exemplo disso eí ã leiturã milenistã de Is 2.1-5. Pãrã se entender bem um texto profeí tico, eí preciso estudãr e conhecer ã fundo o movimento profeí tico em Isrãel, um perííodo que vãi de Amoí s (por voltã de 760 ã.C.) ã Mãlãquiãs (460 ã.C.). Em outrãs pãlãvrãs, o contexto histoí rico eí fundãmentãl. Pãrã muitã gente, ã funçãã o de um profetã eí prever o futuro. Os profetãs tãmbeí m fãziãm isto, em nome de Deus (IPe 1.12), mãs nuncã deixãvãm de fãlãr diretãmente ã seus contemporãê neos. Eles se dirigiãm ãà s situãçoã es especííficãs de seu tempo, o que requer do inteí rprete que entendã o contexto em que os profetãs ãtuãrãm. A intençãã o deles nãã o erã sãtisfãzer ã curiosidãde em relãçãã o do futuro, e sim influenciãr ã situãçãã o presente do povo. Mãis do que predizer, suã funçãã o erã proferir ou proclãmãr. A profeciã nãã o erã necessãriãmente e sempre o ãnuí ncio de um plãno eterno imutãí vel. Muitãs profeciãs erãm condicionãis, segundo o princíípio enunciãdo em Jr 18.7-10: "se ã tãl nãçãã o se converter dã mãldãde contrã ã quãl eu fãlei, tãmbeí m eu me ãrrependerei do mãl que pensãvã fãzer-lhe" (v.8). Num certo sentido, os profetãs revelãvãm ão povo o seu pecãdo. Visto sob outrã oí ticã, o que fãziãm erã lembrãr ão povo ã ãliãnçã de Deus (EÊ x 20). A respostã esperãdã erã ãrrependimento, feí , ãmor e obedieê nciã. O contexto literário Aleí m do contexto histoí rico, tãmbeí m eí importãnte observãr o co-texto ou contexto literãí rio. Nã prãí ticã, importã superãr ã tentãçãã o de isolãr versíículos ou pãrtes deles e considerãr os pãrãí grãfos. Isso pode ser descrito como "pensãr em orãí culos" (FEE e STUART, 1984, p.163), pois orãí culos sãã o ã "formã" dã mensãgem profeí ticã. Esses orãí culos podem ter ã formã de um "processo juríídico" (rib, no hebrãico), como o de Is 3.13-26, ou de um "ãi", como em Hc 2.6, 9. Podem ãindã ser umã promessã ou orãí culo de sãlvãçãã o (Am 9.11-15, Os 2.16-22, Is 45.1-7, Jr 31.1-9). A linguagem Aleí m do contexto, ã interpretãçãã o dos profetãs pãssã pelã linguãgem. Existe muitã poesiã nos textos profeí ticos, ã começãr pelã primeirã profeciã, Gn 3.15, que tem ãlgo do colorido do jãrdim onde foi ãnunciãdã. Trãduçoã es como ã NTLH, pãrã nãã o fãlãr dã proí priã Bííbliã Hebrãicã, imprimem os textos poeí ticos como poesiã, isto eí , sem preencher ãs linhãs, o que ãjudã o leitor ã identificãr o geê nero desses textos. A linguãgem metãfoí ricã, tãmbeí m presente nãs profeciãs, nãã o deixã de veiculãr e comunicãr verdãdes; soí que elã fãz isso do seu jeito. E essã linguãgem precisã ser respeitãdã, evitãndo-se, ãssim, umã leiturã demãsiãdãmente literãl. Especiãlmente no cãso dã lin(219) Um exemplo eí ã promessã feitã ã Abrããã o (Gn 22.17). O cumprimento literãl ou imediãto estãí registrãdo em Nm 23.10 e IRs 4.20. O cumprimento espirituãl se dãí com o novo povo de Deus em Cristo. O cumprimento finãl ou celestiãl estãí ãnunciãdo em Ap 7.9. Outro exemplo eí ã promessã dã reconstruçãã o do Templo (Is 44.28). O cumprimento imediãto ou literãl se deu com Zorobãbel (Zc 4.9). O novo Templo espirituãl eí ã igrejã (Ef 2.21,22; ICo 3.16). O Templo escãtoloí gico estãí ãnunciãdo em Ap 21.3,22. Algumãs profeciãs sãã o literãis no AT, mãs teê m um cumprimento espirituãl no NT. EÉ o cãso dã ãliãnçã que Deus fez com Dãvi, em 2Sm 7.14. A promessã do descendente de Dãvi que estãbelece o reino e edificã umã cãsã ou Templo ão nome do Senhor se cumpre espirituãlmente no ministeí rio de Cristo. Por outro lãdo, existem profeciãs de cãrãí ter mãis figurãdo que se cumprem ão peí dã letrã, no NT. Este eí o cãso de Is 7.14 ("ã virgem conceberãí "), Sl 2.7 ("tu eí s meu filho"), Sl 22.16 ("trãspãssãrãm-

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me ãs mãã os e os peí s"). Os 6.2 ("ão terceiro diã"). No cãso de Os 6.2, "ão terceiro diã", no contexto do AT, quer dizer "em breve" ou "logo". No NT, se cumpre ão peí dã letrã. Em resumo Ao se interpretãr os profetãs, eí preciso: 1) respeitãr o texto, ou sejã, nãã o fãzer com que ã profeciã digã o que elã nãã o diz; 2) esclãrecer tudo que o profetã disse ou escreveu pãrã o povo do seu tempo; 3) ãplicãr ã pãssãgem, corretãmente interpretãdã, ãos nossos diãs. E isso nãã o eí poucã coisã! (221-222) (2.7,11,17,29; 3.6,13,22; 13.9). Aleí m disso, o livro trãz sete bem-ãventurãnçãs (1.3; 14.13; 16.15; 19.9; 20.6; 22.7; 22.14). De um vocãbulãí rio que vãi ãleí m de 900 pãlãvrãs diferentes, umãs cem ãpãrecem com exclusividãde neste livro do Novo Testãmento. Entre elãs, ãleluiã, ãlfã, Armãgedom, diãdemã, drãgãã o, enxofre, ãrco-ííris, chifre, cãudã, leopãrdo, vidro, tãçã, etc. Uma galeria de quadros Ao se ler o Apocãlipse, eí importãnte evitãr o enfoque ãtomíístico, ou sejã, eí preciso encãrãr cãdã visãã o como um todo. O Apocãlipse eí feito de visoã es, que sãã o, ã rigor, quãdros. O ideãl seriã ter umã pinturã ou um filme disso tudo. No entãnto, o que se tem eí umã descriçãã o (em pãlãvrãs) de coisãs que se viu (quãdros ou cenãs). Esses quãdros se sucedem, como numã gãleriã. E ã interpretãçãã o do livro pãssã pelã determinãçãã o quãnto ãà sequü eê nciã cronoloí gicã, ou nãã o, desses quãdros. Em todo o cãso, o melhor que se tem ã fãzer eí escutãr o texto do Apocãlipse lido nã ííntegrã, em voz ãltã, pãrã que se possã perceber o ritmo, ã repetiçãã o de sons e foí rmulãs, ã riquezã de cores, vozes, síímbolos e imãgens 138. Símbolos O Apocãlipse eí rico em simbolismo e empregã linguãgem enigmãí ticã ou codificãdã. Diferentemente do sinãl, o síímbolo nãã o eí ãrbitrãí rio. Isto quer dizer que o síímbolo tem certã relãçãã o ãnãloí gicã inerente com ãquilo que simbolizã (CULPEPPER, 1983, p.182). Quãnto ãà diferençã entre texto e síímbolo, frãse e visãã o, Cãrlos Mesters explicã: Alguém pergunta: Chiem é Jesus? Você responde: Jesus é o Filho de Deus, Messias, sacerdote, juiz, Senhor da históca

(224) (2.17), ã colunã no templo (3.12), ãs duãs testemunhãs (11.3-10), o grãnde trono brãnco (20.11). Quãnto ãà s cores, o brãnco em gerãl simbolizã inoceê nciã e vitoí riã (Ap 6). Um cãvãlo vermelho simbolizã guerrã (6.3). A escãrlãtã, luxo e devãssidãã o (17.4). O chifre eí síímbolo de poder (Ap 13.11; Dn 8.1-14). A ãí guã muitãs vezes eí síímbolo de mãl e destruiçãã o (Ap 12.13-13.4). O nuí mero sete, que ãpãrece mãis de 50 vezes, indicã totãlidãde ou plenitude. Em contrãpãrtidã, seis eí o nuí mero dã imperfeiçãã o. Depois de sete, o nuí mero que mãis ãpãrece eí o doze. EÉ o nuí mero de Isrãel, tãnto o ãntigo como o novo. Dois pãrece ser o nuí mero do testemunho (11.3). Três eí o nuí mero de Deus (1.4), pãrodiãdo em 16.13. Quãtro eí o nuí mero do universo ou do mundo criãdo (7.1). Estrutura O Apocãlipse eí um todo muito bem estruturãdo. A sequü eê nciã nãã o eí estritãmente cronoloí gicã. O mesmo perííodo histoí rico ãpãrece em visoã es pãrãlelãs, sincroí nicãs. Hãí um clíímãx no finãl do cãpíítulo seis, outro ão finãl de cãpíítulo onze, um terceiro ão finãl de cãtorze, mãis um ão finãl do dezesseis, etc. Pãrã tãnto, bãstã conferir Ap 6.14; 16.20 e 20.11.

Emborã pãreçã ser um livro longo, pois tem 22 cãpíítulos, o Apocãlipse pode ser lido e ouvido em umã horã. Os cãpíítulos sãã o, em suã mãioriã, breves. 138

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Interessãnte eí ã sequü eê nciã de selos, trombetãs e tãçãs. O seí timo selo introduz ãs sete trombetãs (8.1,6). Em outrãs pãlãvrãs, ãs sete trombetãs explicãm o seí timo selo. A seí timã trombetã levã ãà seí rie de sete tãçãs, que, por suã vez, explicãm ã seí timã trombetã. Assim, ãs sete tãçãs equivãlem ãà seí timã trombetã, e ãs sete trombetãs equivãlem ão seí timo selo, como indicã o quãdro ã seguir.

Embasamento no AT O Apocãlipse estãí profundãmente embãsãdo no Antigo Testãmento, que eí inserido no texto, mesmo nãã o hãvendo citãçãã o diretã. Animãis, chifres, etc. sãem do AT e ãpãrecem no Apocãlipse. Nessã pãssãgem, sãã o trãnsformãdos, ou sejã, nenhum termo ou síímbolo do AT chegã ão Apocãlipse exãtãmente como sãiu do AT. Os livros do AT que mãis fornecem mãteriãl pãrã o Apocãlipse sãã o Sãlmos, Isãííãs, Ezequiel e Dãniel. Num certo sentido, o desãfio de interpretãr o Apocãlipse pode ser trãnsferido do depãrtãmento de exegese do NT pãrã o depãrtãmento de exegese do AT O propósito do livro EÉ fundãmentãl entender e respeitãr o propoí sito do Apocãlipse. Alguns jãí chegãrãm ã considerãí -lo um livro "sub-cristãã o", repleto de irã divinã, sem proclãmãçãã o do ãmor e dã grãçã de Deus. No entãnto, o livro estãí repleto de ãdorãçãã o e louvor ã Deus. Muitos estãã o convencidos de que o Apocãlipse eí umã detãlhãdã previsãã o de eventos futuros. Nã verdãde, o fim jãí começou com ã ressurreiçãã o de Cristo. Emborã nãã o se devã nem se possã minimizãr esse olhãr voltãdo pãrã o futuro, o objetivo mãior do livro eí infundir confiãnçã e corãgem. A mensãgem centrãl eí estã: Apesãr dãs ãpãreê nciãs em contrãí rio, ãpesãr dã ãrrogãê nciã dã bestã. Deus estãí controlãndo ã histoí riã e protegendo ã suã Igrejã. O Evangelho do Jesus exaltado O Apocãlipse eí o Evãngelho do Jesus exãltãdo, poderoso Senhor dã histoí riã e dã Igrejã. Responde ã perguntã: Quem eí Jesus e o que ele estãí fãzendo ãgorã, depois dã Pãí scoã? O livro enfãtizã que o exãltãdo eí o que ressuscitou e que o ressuscitãdo eí ãquele que foi crucificãdo. A pãí scoã nãã o ãpãgã ã sextã-feirã sãntã, senãã o que ã interpretã. Cãdã ãleluiã e cãê ntico de louvor, ãteí mesmo ã gloí riã dã novã Jerusãleí m, pressupoã em o quãdro centrãl do livro: "Vi, de peí , um Cordeiro como tinhã sido morto" (Ap 5.6)139. A centralidade do trono Onze vezes se diz que Deus eí ãquele que estãí ãssentãdo sobre o trono (4.2,9,10; 5.1,7,13; 6.16; 7.10,15: 19.4; 21.5). Estã eí umã formã de enfãtizãr ã soberãniã de Deus e seu domíínio sobre o mundo todo. Especiãlmente nos cãpíítulos quãtro, cinco e sete, tudo se orgãnizã ão redor do trono. O trono eí ã fonte do juíízo (4.15; 6.16). Dele emãnã o poder dã redençãã o (5.6) e eí pãrã lãí que se dirige todo o louvor. O papel normativo dos textos claros Umã importãnte regrã hermeneê uticã, forjãdã e formulãdã nã Igrejã ãntigã, diz que os textos menos clãros precisãm ser vistos e lidos ãà luz dos mãis clãros. Isto significã que textos simboí licos sãã o lidos ãà luz de textos nãã o-simboí licos. O processo inverso eí questionãí vel e ãrriscãdo. 139

CRADDOCK. Fred B. Preãching the book of Revelãtion. Interpretãtion, v.40, julho de 1986, pp.270-282.

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Nã prãí ticã, eí preciso cuidãdo pãrã nãã o bãseãr um ensino ou umã doutrinã unicãmente em pãssãgens ãpocãlíípticãs. EÉ o cãso do mileê nio, em Ap 20 Nã fãltã de umã pãssãgem nãã o-figurãdã, em outro livro bííblico, que trãte do ãssunto, o inteí rprete usãrãí de cãutelã em suãs ãfirmãçoã es. O míínimo que se pode fãzer eí nãã o dãr ã esse temã um lugãr centrãl nã visãã o teoloí gicã. A questão do milênio O mileê nio ou reino de mil ãnos ãpãrece, em todã ã Escriturã, ãpenãs em Ap 20:2-7. E ãpãrece com eê nfãse, pois, em seis versíículos, ã locuçãã o se repete seis vezes 140. Apesãr disso, ã descriçãã o do mileê nio eí bãstãnte breve, em contrãste com ã verbosidãde dãs interpretãçoã es em torno dele. Existem bãsicãmente duãs linhãs de interpretãçãã o: umã que entende esse reino num sentido literãl; e outrã que o tomã em sentido espirituãl ou figurãdo, como síímbolo pãrã o tempo dã Igrejã. Essãs duãs linhãs de interpretãçãã o veê em o mileê nio como um reino terreno. No entãnto, o texto como tãl nuncã ãfirmã isso. Nãdãimpede que se tome Ap 20.1-3 como refereê nciã ão que ãcontece nã terrã, ão pãsso que os versíículos quãtro ã seis descrevem o que vãi ãcontecer no ceí u durãnte esse intervãlo. Em outrãs pãlãvrãs, o mileê nio eí um reino celestiãl141. Joãã o viu ãlmãs, nãã o corpos ressuscitãdos. Viu tãmbeí m tronos. A rigor, o texto nãã o diz (v.4) onde estãvãm os tronos e ãs ãlmãs que Joãã o viu. Normãlmente, quãndo se fãlã sobre tronos, no Apocãlipse, trãtã-se de um trono ou de tronos celestes, com exceçãã o do trono de Sãtãnãí s (2.13) e do trono dã bestã (13.2; 16.10). Assim, ão inveí s de continuãr ã descrever o que se pãssã nã terrã, Joãã o trãtã de nãrrãr o que estãí ãcontecendo no ceí u. Essã ãlternãê nciã entre terrã e ceí us, ceí us e terrã, eí comum no Apocãlipse, como se pode ver em 12.9 e 12.10-12; 14.1 e 14.2-5; 18.1-24 e 19.1-10. Seu objetivo eí consolãr e encorãjãr ã Igrejã, que estãí sendo perseguidã. Alguns hãviãm sido decãpitãdos por cãusã do testemunho de Jesus. E ã mensãgem de consolo eí estã: vem ãíí um perííodo de relãtivã pãz, e ãs ãlmãs dãqueles que forãm mortos sãã o recebidãs com honrã nos ceí us. Lições do Apocalipse O Apocãlipse jãmãis promete ãos cristãã os umã sãíídã fãí cil, nã formã de um suposto ãrrebãtãmento pãrã longe do sofrimento e dã perseguiçãã o, no perííodo ãnterior ãà grãnde tribulãçãã o. A pãlãvrã "ãrrebãtãr" ãpãrece somente umã vez no Apocãlipse, numã refereê nciã ãà exãltãçãã o de Cristo (12.5). O Apocãlipse nãã o ãpoiã umã visãã o fãtãlistã dã reãlidãde, que isentã ãs pessoãs de quãlquer responsãbilidãde. As mensãgens ãà s sete igrejãs, com suãs chãmãdãs ão ãrrependimento, deixãm isso bem clãro. O Apocãlipse levã seus leitores ã considerãr ã dimensãã o estruturãl do bem e do mãl. Este livro bííblico veê ãs estruturãs do mundo influenciãndo e sendo influenciãdãs pelã ãçãã o de Deus. O que se ãfirmã ã respeito de Deus, nã visãã o inãugurãl (Ap 4.1 -5.14), prãticãmente nãã o tem pãrãlelo bííblico. O trono simbolizã o poder de Deus, e o Cordeiro que foi morto ãpontã pãrã ã "vulnerãbilidãde" de Deus, que se sãcrificã pelã humãnidãde. Poder e grãçã nãã o podem ser sepãrãdos. O poder sem ã grãçã de Deus nos meteriã medo. A grãçã de Deus, sem o poder, seriã um quãdro muito triste. O livro estimulã o leitor ã cãntãr, orãr, e louvãr ã Deus, emborã, ão contrãí rio do que muitos pensãm, em momento nenhum ensine que no ceí u os sãlvos pãssãm o tempo todo cãntãndo hinos. EÉ um livro bãsicãmente lituí rgico. Aliãí s, o bom senso diz que ãqueles cristãã os dã AÉ siã Menor nãã o teriãm motivos pãrã cãntãr. Mãs, quãndo Joãã o sobe (4.1), depãrã-se, no centro dã reãlidãde uí ltimã, com um sãntuãí rio. Ali, estãí em ãndãmento um culto. Ao que está sentado no trono e ao Cordeiro pertencem o louvor, a honra, a glória e o poder para todo o sempre! (Ap 5.13) 140

Aforã isso, o nuí mero mil soí ãpãrece em muí ltiplos, como sete mil, doze mil, etc. Estã propostã foi reãfirmãdã recentemente por Michel GOURGUES, The thousãnd-yeãr reign (rev 20:1-6): terrestriãl or celestiãl? The Cãtholic Biblicãl Quãrterly, v.47, 1985, pp.676-681. 141

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