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SEBENTAS DE AÇÃO SOCIAL
BOAS PRÁTICAS DE PREPARAÇÃO DA CRIANÇA PARA A ADOÇÃO INFÂNCIA E JUVENTUDE
Ficha Técnica COLEÇÃO SEBENTAS AÇÃO SOCIAL TÍTULO BOAS PRÁTICAS DE PREPARAÇÃO DA CRIANÇA PARA A ADOÇÃO DIREÇÃO Rita Valadas AUTORES Clara Gonçalves, João Reis, Margarida Cruz, Sandra Costa Silva EDITOR Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/ Centro Editorial REVISÃO Sara Veiga DESIGN GRÁFICO E PAGINAÇÃO Cristina Cascais (gingerandfredesigners@gmail.com) DATA OUTUBRO DE 2016 ISBN 978-989-8712-54-7
Sumário
1. INTRODUÇÃO
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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
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2.1. Conceito de Família
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2.1.1. A Família ao longo dos tempos
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2.1.2. Concetualizações sobre a Família
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2.1.3. Características das famílias e desenvolvimento de representações nas crianças
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2.2. Criança e Sistema de Proteção
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2.3. Acolhimento residencial e impacto na criança
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2.4. Transição da instituição para a família adotiva
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3. ESTUDO EMPÍRICO
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3.1. Objetivo do estudo
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3.2. Acolhimento residencial
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3.2.1. Metodologia
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• Preparação prévia à recolha dos dados
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• Seleção da amostra (crianças e adultos)
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• Caracterização da amostra
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• Instrumentos utilizados
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3.2.2. Tratamento dos dados
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3.2.3. Apresentação e análise de dados
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3.3. Adoção 3.3.1. Metodologia
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• Preparação prévia à recolha dos dados
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• Seleção da amostra (crianças e adultos)
51
• Caracterização da amostra
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• Instrumentos utilizados
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3.3.2. Tratamento dos dados
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3.3.3. Apresentação e análise de dados
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3.4. Discussão de resultados
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4. PROPOSTA DE BOAS PRÁTICAS – PREPARAÇÃO DA CRIANÇA INSTITUCIONALIZADA PARA A VIDA FAMILIAR
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4.1. Elaboração da situação de acolhimento
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4.1.1. Vivência familiar /dinâmica vivencial na Casa de Acolhimento
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4.1.2. A importância da relação individualizada
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4.1.3. Posicionamento técnico dos cuidadores face ao tema
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4.1.4. Privilegiar a construção de uma representação de “família” enquanto espaço de proteção e desenvolvimento pleno de todos os seus membros
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4.2. Decisão judicial – Afastamento face à família biológica
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4.3. Preparação para aceitação de novos modelos relacionais
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4.3.1. Representação de família
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4.3.2. Representação de família adotiva
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4.4. Preparação para a fase de transição/período de integração
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5. PERÍODO DE INTEGRAÇÃO
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6. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS FACE A SITUAÇÕES PARTICULARES
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6.1. Adoção de crianças mais velhas e de jovens
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6.2. Adoção internacional
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7. CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
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“Chegar e partir são só dois lados da mesma viagem O trem que chega é o mesmo trem de partida A hora do encontro é também despedida”
(“Encontros e despedidas”, música de autoria do cantor e compositor Milton Nascimento)
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BOAS PRÁTICAS DE PREPARAÇÃO DA CRIANÇA PARA A ADOÇÃO
INFÂNCIA E JUVENTUDE
Boas Práticas de Preparação da Criança para a Adoção
1. INTRODUÇÃO No ano de 2013 foi colocado um desafio aos técnicos das Unidades de Acolhimento e Desenvolvimento de Infância e Juventude e de Adoção, propondo-lhes uma reflexão sobre o tema da família na história de vida de cada criança institucionalizada e a sua importância enquanto quadro identitário de referência e orientação para a vida, com vista à elaboração de um Manual de Boas Práticas de Preparação da Criança Institucionalizada para a Vida Familiar. Assim, era objetivo deste grupo de trabalho perspetivar, elaborar e propor uma boa prática facilitadora da inserção das crianças e jovens em contexto familiar, nomeadamente para crianças com Projeto de Vida de Adoção. Dada a complexidade e dimensão do objeto analisado, em 2013 privilegiou-se a pesquisa bibliográfica, a reflexão teórica e o desenvolvimento do trabalho de campo (construção dos instrumentos, aplicação, recolha e tratamento de dados) que iriam suportar posteriormente a elaboração da proposta de boas práticas. A investigação de campo subdividiu-se em duas partes: 1. Estudo empírico em contexto de acolhimento, permitindo identificação do constructo/representação de família das crianças e jovens acolhidos nas Casas de Acolhimento da SCML, com idade compreendida entre os 3 e os 14 anos, com projeto de vida de adoção definido, bem como dos adultos cuidadores destes equipamentos (trabalho desenvolvido pelos colaboradores da UAICJ). 2. Contributos de famílias com crianças em pré-adoção e adotados relativamente às perceções destas sobre o conceito e vivências em família (trabalho desenvolvido pelos colaboradores da UAACAF). Relativamente ao estudo empírico, foi, assim, possível apurar resultados, analisá-los, interligá-los e utilizá-los como suporte da proposta de processo de preparação da criança para a adoção.
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Então, com base nos dados recolhidos surgiu uma proposta de processo de preparação para a vida futura, numa visão transversal a todo o acolhimento, e que culmina na concretização do projeto de Vida de adoção. Considerámos as seguintes etapas: • Elaboração da situação de acolhimento; • Decisão judicial/ afastamento face à família biológica; • Preparação para a aceitação de novos modelos relacionais; • Preparação para a fase de transição/ período de integração. Na continuidade do trabalho realizado em 2013, efetuou-se o aprofundamento e rentabilização dos dados apurados nos estudos empíricos desenvolvidos em contexto institucional e em adoção, que culmina na presente proposta de manual de Boas Práticas de Preparação da Criança para a Adoção. Completa-se, assim, um ciclo iniciado em 2013 que se espera virtuoso e não vicioso, em que os dados obtidos e as reflexões que foram ocorrendo se integram e se consolidam num conhecimento mais vasto, cujos diversos significados e ações emergem por forma a enquadrar o presente documento na perspetiva teórico-prática que o mesmo encerra, olhando-o como modelo orientador de uma intervenção, que, ainda que já se realize, importa tornar mais sistematizada e dotada de maior intencionalidade.
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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO 2.1. CONCEITO DE FAMÍLIA 2.1.1. A FAMÍLIA AO LONGO DOS TEMPOS Originalmente, nos tempos mais remotos, a família era vista como um meio de reprodução social e de produção económica, com existência de um pobre investimento em termos afetivos. Com o surgimento da industrialização, ocorreram mudanças sociais significativas, as quais se refletiram na organização dos sistemas familiares e, consequentemente, na educação das crianças. A revolução industrial trouxe consigo uma crescente movimentação das famílias para zonas urbanas, assistindo-se igualmente a uma valorização da família nuclear e a uma separação entre o local de trabalho e o local da residência familiar, passando a família a constituir-se enquanto espaço privado. Tanto nos bairros periféricos (onde se concentravam as famílias mais desfavorecidas) como nos centros urbanos, foi-se desenvolvendo um novo tipo de família constituído “por um núcleo parental único e um número variável de filhos” (Linares, 1997, p. 24). A metáfora característica desta época industrial era a da produção, enquadrada na adaptação da família à cidade e a uma “organização restritiva do espaço” (Segalen, cit. por Linares, 1997, p. 24). Desta forma, a família tradicional constituída por uma rede alargada de relações familiares baseada em deveres e obrigações começa a dar lugar a um sistema familiar constituído por uma rede de relações mais reduzida e individualista. Alguns autores consideram que se assiste nesta altura a uma perda de funções da família, na medida em que algumas das funções que antes lhe eram atribuídas, como por exemplo a educação das crianças, passam a ser asseguradas pelo Estado. Pelo contrário, outras teorias referem, antes, que a família se foi tornando cada vez mais especializada, passando a constituir-se enquanto espaço privilegiado de afeto e de socialização das crianças, que deixam de ser vistas como adultos em potência ou em miniatura (Àries, cit por Cunha, S., 2005).
2.1.2. CONCEPTUALIZAÇÕES SOBRE A FAMÍLIA As várias exigências com as quais as famílias se foram deparando, decorrentes das mudanças sociais que se acentuaram a partir da industrialização, e a consequente importância de dar resposta às necessidades relacionais dos seus membros contribuíram para que a análise e o estudo da família tenha passado a constituir uma área de crescente interesse. Em termos científicos, foram-se desenvolvendo novas abordagens na área da psicologia, as quais dedicaram uma crescente atenção aos fenómenos relacionais e ao estudo do indivíduo integrado no meio envolvente (por exemplo, os trabalhos de Bowlby, M. Mahler, R. Spitz e D. Winnicott, que vieram salientar a importância de se estudar a relação mãe-bebé) (Relvas, 1998). Desta
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forma, assistiu-se, por volta de finais dos anos 50, nos Estados Unidos da América, a uma mudança de paradigma em que o pensamento analítico, centrado no estudo do indivíduo como uma entidade isolada, foi dando lugar ao pensamento sistémico, no qual indivíduo e meio passaram a ser vistos como entidades que evoluem e mudam reciprocamente e que, como tal, são impossíveis de separar (Relvas, 1999). Uma das constatações decorrentes desta mudança no objeto de estudo, do indivíduo para as relações entre este e o meio envolvente, originou aquele que pode ser considerado como o primeiro axioma sistémico (Alarcão, 2000) – “o todo é mais do que a soma das partes”. De acordo com este axioma, apenas quando nos focalizamos nas transações entre os indivíduos conseguimos aceder às propriedades presentes no todo, as quais não são iguais à soma das propriedades de cada objeto descrito isoladamente. A família passa, assim, a ser considerada como algo mais do que a soma das pessoas que a compõem: “a família é um conjunto organizado e interdependente de unidades ligadas entre si por regras de comportamento e por funções dinâmicas, em constante interação entre si e em intercâmbio permanente com o exterior” (Andolfi, cit. por Rodrigo & Palacios, 1998, p. 46). A partir desta altura, o indivíduo passou assim a ser concetualizado como parte de sistemas mais vastos. Ao nível da concetualização teórica da família, procurou-se definir as suas características funcionais e estruturais, bem como os mecanismos de funcionamento e desenvolvimento do sistema familiar (Relvas, 1999). Surgem diversas definições de família, que têm por base o conceito central de sistema (“Conjunto de unidades em interrelações mútuas”, Bertalanffy, cit. por Gameiro, 1992, p. 20). Enquanto sistema, a família é constituída por um “conjunto de elementos ligados por um conjunto de relações, em contínua relação com o exterior e mantendo o seu equilíbrio ao longo de um processo de desenvolvimento, percorrido através de estádios de evolução diversificados” (Sampaio cit. por Sampaio e Gameiro, 1998). Com o desenvolvimento do pós-modernismo nas últimas décadas do século passado (o qual questiona as ideias de verdade e objetividade, valorizando o pensamento pluralista), foram ocorrendo modificações significativas nos modelos familiares, nomeadamente através de uma maior relativização dos vínculos matrimoniais, com o consequente aumento de divórcios e de núcleos familiares reconstituídos. Perante as diversas transformações que têm vindo a surgir nos sistemas familiares ao longo do tempo, é frequente considerar-se que a família se encontra em crise e a desaparecer. No entanto, estas reestruturações não implicam necessariamente uma situação de desagregação dos sistemas familiares, surgindo com frequência da necessidade de mudanças no funcionamento e organização dos núcleos familiares, associada a transformações sociais e ao ajustamento a novos contextos. Nas palavras de Almeida, J. Ferreira (1995), “se há instituição que se tem adaptado às diferentes formas de viver em sociedade, demonstrando a plasticidade e flexibilidade das suas formas de organização, ela é certamente a
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família” (p. 117). Decorrentes destas mudanças, têm vindo a surgir “novas formas de famílias”, as quais foram inicialmente consideradas como um desvio face ao funcionamento familiar normal e que, ainda no presente, são muitas vezes vistas como configurações atípicas. Entre estas contam-se, por exemplo, as uniões de facto, as famílias monoparentais, reconstituídas, adotivas ou homossexuais. No entanto, apesar de alguns autores continuarem ainda a considerar que o modelo de família nuclear permanece dominante (como, por exemplo, Segalen, 1999), tem-se vindo atualmente a assistir a um abandono de definições demasiado simplistas, passando o conceito de “família” a ser substituído pelo de “famílias”. Desta forma, considera-se que as diferentes configurações familiares são igualmente válidas enquanto espaços de afeto e desenvolvimento dos seus membros, pelo que nenhuma forma familiar deve ser privilegiada em detrimento de outra(s). Cada sistema familiar assume, assim, uma estrutura característica, que se constitui enquanto rede de necessidades funcionais que organiza as interações entre os seus membros, os quais, por sua vez, assumem papéis específicos. Esta diversidade e transformação dos sistemas familiares trouxe consigo uma maior dificuldade em delimitar o conceito de “família”, pelo que, nas palavras de Gimeno (2003, p.43), “se nos referirmos aos laços biológicos, diferenciamos os termos de utilização frequente como a família nuclear, família alargada, família de origem, família de procriação… Se ligamos aos vínculos familiares psicossociológicos diferenciamos entre família adotiva e família educadora, e atendendo à sua estrutura poderemos falar de estrutura nuclear intacta, monoparental ou reconstruída”. Segundo Sampaio e Gameiro (1998), “família designa um conjunto de elementos emocionalmente ligados, compreendendo pelo menos três gerações, mas não só: de certo modo consideramos que “fazem parte da família” elementos não ligados por traços biológicos, mas que são significativos no contexto relacional do indivíduo...”. Não obstante as diversas configurações familiares, a família continua a ser considerada como um espaço de afetos e a ocupar um lugar central nas sociedades (Cunha, S., 2005). A sua função essencial é “dar suporte social e emocional aos seus membros e criar e educar os filhos, ajudando-os a lidar com as crises próprias do desenvolvimento” (Salvaterra, 2007, p. 15). Dentro da mesma perspetiva, Szymanski (cit. por Silva, S., 2009) refere-se à família como “um grupo de pessoas que convivem entre si numa relação duradoura, ocupando o mesmo espaço físico e social, com um tipo especial de relações interpessoais, com indivíduos que se respeitam, mantém vínculos afetivos, em que mães e pais educam os seus filhos conjuntamente, ou com pessoas que mantêm um cuidado com os membros mais jovens ou mais idosos ou, ainda, cuidados mútuos entre si independentemente dos parentescos”. Os sistemas familiares desempenham, nesta medida, uma função de nível interno relacionada com a proteção dos seus membros, e outra de nível externo, relativa ao contexto social, cultural e económico em que estão inseridos. A família deve permanecer como uma referência para os seus membros, dando resposta às
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mudanças internas e externas sem perder a continuidade (Minuchin, 1990). Duvall & Miller (cit. por Silva, S., 2009) identificaram como funções da família: – gerar afeto; – proporcionar segurança e aceitação pessoal; – proporcionar satisfação e sentimento de utilidade; – assegurar a continuidade das relações; – proporcionar estabilidade e socialização; – assegurar a autoridade e transmitir o sentimento do que é correto. As diferentes funções desempenhadas pelos sistemas familiares podem assumir um papel mais central de acordo com a fase do ciclo de vida que a família atravessa. Na família tradicional ocidental, considera-se a existência das seguintes fases do ciclo vital, embora possam ocorrer algumas variações (Sampaio e Gameiro, 1998): – união de dois elementos para constituição de uma nova família; – nascimento dos filhos; – educação e crescimento dos filhos; – adolescência e saída de casa dos filhos; – casal novamente só; – velhice e morte. Assim, se, na primeira fase, as tarefas do sistema familiar estarão preferencialmente direcionadas para o desenvolvimento e fortalecimento do subsistema conjugal, com o nascimento dos filhos surgem novas necessidades relacionadas com o ajustamento às funções relativas à parentalidade. No que diz especificamente respeito às funções relativas ao desenvolvimento e educação das crianças, a família constitui geralmente o primeiro mediador da socialização, desempenhando um papel essencial na aquisição de valores, regras, hábitos, normas e condutas. É na relação de afetividade que a criança estabelece com os adultos cuidadores que vai desenvolvendo competências de relacionamento com os outros e de socialização face ao contexto envolvente. Sampaio e Gameiro (1998) reforçam este aspeto, considerando que “sem o afeto de um adulto a criança não desenvolve a sua capacidade de confiar e de se relacionar com os outros”. Do mesmo modo, Bronfenbrenner (1979) considerou que a criança “se desenvolve psicologicamente em função das interações recíprocas com aqueles que a amam” (pp. 767). Já anteriormente Bowlby (1969, 1973, 1980), através do desenvolvimento da Teoria da Vinculação, enfatizou a importância da relação precoce entre a criança e uma figura cuidadora preferencial, habitualmente a mãe, para as representações que a criança vai construindo sobre si, sobre os outros e sobre o mundo que a rodeia (modelos internos dinâmicos). De acordo com este autor, as experiências relacionais da criança desempenham um papel central no seu desenvolvimento psicológico. Desta forma, a vinculação que se estabelece entre a criança e figuras cuidadoras preferenciais em etapas precoces do desenvolvimento influenciarão significativamente a capacidade da criança para formar vínculos afetivos ao longo da vida. Apesar disto, mesmo mantendo-se a influência das vivências
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mais precoces, a possibilidade de a criança experienciar novos relacionamentos com figuras emocionalmente satisfatórias, com alguma duração, continuidade e consistência, pode contribuir para a mudança da representação que constrói sobre si e sobre os outros.
2.1.3. CARACTERÍSTICAS DAS FAMÍLIAS E DESENVOLVIMENTO DE REPRESENTAÇÕES NAS CRIANÇAS Tendo em conta que muitas das crianças institucionalizadas viveram, no período anterior à institucionalização, integradas em famílias tradicionalmente designadas por “multiassistidas” ou “multiproblemáticas” (Minuchin et al., 1967; Cancrini et al.,1997), será importante olhar de forma breve para as principais características que têm vindo a ser atribuídas a estas famílias, na medida em que poderão exercer uma influência no desenvolvimento, por parte das crianças, de representações sobre si, os outros e o mundo que as rodeia e, consequentemente, sobre o próprio conceito de “família”. É de salientar que qualquer tentativa de atribuição de uma denominação a estas famílias é sempre redutora, pelo que a referência a conceitos como “famílias multiproblemáticas” ou “famílias multiassistidas” se justifica unicamente pelo facto de os diversos autores utilizarem tradicionalmente estas denominações. Vários estudos têm procurado identificar as principais características de famílias que apresentam múltiplos problemas, as quais provêm frequentemente de grupos socialmente desfavorecidos e que se encontram a ser apoiadas por vários serviços sociais. De uma forma geral, poderá considerar-se que as experiências destas famílias apresentam um caráter transitório, aleatório e inconsistente. A qualidade das experiências, associada à forma como as crianças lidam com o mundo circundante, compreende vários fatores, entre os quais: • uma perceção do mundo como algo que as estimula e face ao qual são recetores passivos; • uma experiência de agressividade do tipo “tudo-ou-nada”, associada a uma incapacidade de integrar diferentes experiências afetivas; • um repertório de respostas verbais limitado e pouco flexível; • uma dificuldade de focalização num acontecimento, com vista ao armazenamento e posterior recuperação dessa experiência. A instabilidade e imprevisibilidade do meio familiar e da própria organização do espaço da casa, nomeadamente no que se refere à qualidade transitória dos objetos e dos acontecimentos, contribuem para que a criança desenvolva uma
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perceção sobre si e sobre o meio envolvente que poderá ser traduzida através da expressão “não tenho um lugar próprio no mundo”, dificultando a definição de si própria em relação com o seu mundo. Ao nível da socialização, as respostas parentais aos comportamentos das crianças são muitas vezes erráticas e inconsistentes, não seguindo um padrão previsível. Os estilos educativos das figuras parentais baseiam-se, sobretudo, no controlo e inibição comportamentais, em vez de na orientação. O estilo de comunicação desenvolvido nestas famílias passa por uma focalização na posição hierárquica da pessoa com a qual se está a interagir, mais do que no conteúdo da mensagem. As trocas comunicacionais são utilizadas para uma constante definição de relações entre os elementos da família, muitas vezes de forma independente do significado do conteúdo das mensagens. Geralmente não existe recurso à comunicação verbal para negociar e gerir conflitos. Ao nível da afetividade, nestas famílias a expressão das emoções ocorre com grande intensidade e pouco controlo, podendo verificar-se uma alternância ou mesmo a ocorrência simultânea da expressão de emoções opostas (Linares, 1997; Minuchin et al., 1967). Face a um padrão de socialização caracterizado pela imprevisibilidade e inconsistência, a criança reage com ansiedade perante qualquer situação nova. Ao não conseguir relacionar as suas experiências com o seu comportamento, a criança não desenvolve o sentido de participação nos acontecimentos. A indiferenciação e o caráter global das experiências dificulta a avaliação, pela criança, de si própria e dos seus comportamentos, impedindo, consequentemente, que esta conheça e se mantenha em contacto com os seus sentimentos. No que se refere à dimensão da estrutura familiar, observam-se frequentemente dificuldades ao nível do subsistema conjugal, que se encontra vagamente delimitado, o que influencia a definição do papel de cada um dos membros da família, bem como nas transações que se estabelecem entre estes. As dificuldades a nível conjugal refletem-se, com frequência, no desempenho das funções parentais (Minuchin et al., 1967; Sousa, 2005). Os conflitos na área parental relacionam-se, muitas vezes, com um esforço de definição inacabado numa esfera conjugal. De acordo com Linares (1997), a deterioração da parentalidade nestas famílias repercute-se fundamentalmente no desempenho das funções afetivas e de socialização dos seus membros. As dificuldades ao nível afetivo afetam a segurança das crianças, impedindo o desenvolvimento, por parte destas, de um sentimento de que são amadas e valorizadas. Estas crianças apresentam, com frequência, falhas ao nível da segurança básica, interiorizando um modelo inseguro de vinculação, o que dificulta uma adequada exploração do meio envolvente e, consequentemente, uma autonomização plena (Alarcão, 2000; Sousa, 2005).
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Por outro lado, nestas famílias, o poder encontra-se geralmente centralizado na figura materna, estando o papel desempenhado pela figura masculina dependente da posição que a mãe assume no sistema familiar. A participação da figura masculina na família é mais provável quando a mãe assume uma posição de maior desligamento do que quando esta se encontra mais envolvida com as crianças e revela uma forte necessidade de funcionar como mãe. O pai parece, pois, assumir uma posição secundária nestas famílias, tanto a nível afetivo como económico. Ele tem, de uma forma geral, um baixo nível de instrução, encontrando-se desocupado ou tendo um trabalho precário. Por outro lado, encontra-se frequentemente envolvido, desde muito jovem, em problemas com a justiça, vendo-se muitas vezes obrigado a ausentar-se de casa durante um longo período, situação que se reflete na relação precária que estabelece com os filhos (Cancrini et al., 1997). Apesar dos vários problemas que estas famílias apresentam, vários autores têm vindo a identificar as suas competências e recursos, através da compreensão dos “processos através dos quais as famílias são capazes de se adaptar e funcionar de forma competente após a exposição a adversidade ou crises significativas” (Patterson, cit. por Sheridan, Eagle & Dowd, 2005, p. 166), processos esses que correspondem ao conceito de “resiliência familiar”. Por exemplo, Weitzman (1985) considera que, apesar de todos os problemas que estas famílias apresentam, se verifica frequentemente a existência de um forte sentimento de lealdade e de afeto entre os seus membros, o qual deverá ser explorado com vista ao envolvimento da família num processo de mudança. A existência de vínculos afetivos entre os membros das famílias multiproblemáticas é, de igual modo, reconhecida por Minuchin et al. (1998). Num estudo realizado por Sousa, Ribeiro e Rodrigues (cit. in Sousa, Hespanha, Rodrigues & Grilo, 2007) sobre as competências das famílias multiproblemáticas, o forte vínculo afetivo entre pais e filhos surge como um aspeto positivo identificado quer pelas famílias, quer pelos profissionais.
2.2. CRIANÇA E SISTEMA DE PROTEÇÃO Encontrar a definição mais correta do que é uma criança e do que é uma criança em situação de risco ou perigo é uma tarefa complexa, uma vez que estão implicadas diversas variáveis socioculturais. O atual conceito de criança só pode ser verdadeiramente entendido se tivermos em conta uma análise conceptual da criança ao longo dos tempos: • Na sociedade medieval, a criança era olhada como um adulto em miniatura que participava, a partir dos sete anos, nos trabalhos e nos jogos da vida quotidiana. A par da elevada mortalidade, existia também um conjunto de práticas que implicavam a separação física, geográfica e emocional. • Nos séculos XVI e XVII, desenvolve-se uma nova forma de olhar a criança, com a sentimentalização da família e a sua organização em torno das noções de afeição e de privacidade.
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• Após esta data, a educação e a saúde da criança emergiram como as principais preocupações da família e da própria sociedade. A partir desta altura, assiste-se a um crescente interesse pela criança e pelo seu futuro, passando a família a ser considerada como um espaço de privacidade e de afeto. • Atualmente, a criança é pensada como “um bem de consumo afetivo” (Becker, 1960). As funções desempenhadas pelas crianças, para os pais, não são propriedades objetivas, mas sim uma construção social. Também para uma melhor compreensão da temática das crianças em situação de risco ou perigo, a variável temporal e consequente contextualização histórica são importantes. Determinados comportamentos ao longo tempo nem sempre foram criminalizados, pelo que subsistem ainda hoje influências culturais e sociais (fatores socioculturais) que “inquinam” os diferentes olhares sobre esta matéria. Por vezes, as vítimas não identificam os comportamentos como abusivos. Alguns profissionais e a sociedade em geral, sem certeza quanto à legalidade ou ilegalidade de certos comportamentos, não os sinalizam às entidades competentes, para além da prevalência da ideia de que nada legitima a intromissão em assuntos familiares. Começou a ser dada visibilidade às situações de maus-tratos em documentação médica do século XX, mas apenas na década de 60 se evoluiu no sentido do reconhecimento e denúncia das mesmas. Diferentes áreas profissionais interessaram-se por este assunto, começando o mesmo a ser enriquecido com os contributos das perspetivas psicológicas, sociológicas, jurídicas e socioculturais. Em Portugal, a questão dos maus-tratos de crianças começou a ser debatida em 1911 (Lei de Infância e Juventude), mas só na década de 80 esse tema se tornou alvo de intervenção e investigação científicas. Entre as expressões mais significativas do reforço da afirmação da criança como sujeito autónomo de direitos, salientam-se: • Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1969. • A Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela O.N.U. em 1989 e ratificada por Portugal em 12/09/1990, impondo aos estados deveres relativos ao reconhecimento e efetivação dos direitos da criança declarados na convenção, sem prejuízo da aplicação e dispositivos mais favoráveis à realização dos direitos da criança. • No que respeita à Constituição da República Portuguesa, topo da hierarquia das leis, o reconhecimento da criança como sujeito autónomo de direito encontra consagração e reflexo a dois níveis: – ao nível dos direitos, liberdade e garantias pessoais; – ao nível dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.
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• A legislação ordinária é muito abundante, sendo de salientar: – As disposições de direito civil relativas ao direito de família, de que se destacam as do código civil – filiação; poder paternal; tutela e administração de bens; adoção; alimentos; – Diversas leis, das quais se destacam, pela sua pertinência, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo e a Lei Tutelar Educativa (tendo como objetivo a educação do menor com idade compreendida entre os 12 e os 16 anos que pratica facto qualificado como crime). Em termos da perspetivação e modelos de análise teórica deste fenómeno, nos anos 80 é introduzida uma visão ecológica do desenvolvimento do indivíduo, procurando estes modelos ecossistémicos introduzir explicações interativas e de causalidade múltipla. Tal com referido anteriormente, a partir deste momento considera-se que os indivíduos estão imersos em diversos sistemas que interagem entre si e que têm influências no comportamento. Os maus-tratos infantis são analisados como o resultado da interação de múltiplos fatores, associados dentro de distintos níveis ecológicos: o individual, as relações familiares, as transações familiares com os sistemas extrafamiliares e as variáveis culturais (Alves e Quintela, 1997). Compreender o que é ou não situação de maus-tratos face a uma situação concreta exige a produção de um diagnóstico correto, construído interdisciplinarmente e de forma articulada. A sua formulação encerra sempre uma elevada responsabilidade: a possibilidade de uma falha pode implicar a continuidade dos maus-tratos e um falso positivo pode desagregar uma família e/ou causar danos irreparáveis a nível individual e grupal a todos os envolvidos na situação. Tal exige uma abordagem interdisciplinar, sistémica e global, quer no domínio do estudo do fenómeno, quer no das ações para o prevenir ou no das respostas aos casos que não foi possível evitar. Esta interdisciplinaridade pressupõe que cada uma das ciências perca a unilateralidade da sua perspetiva específica a favor de uma visão mais global, integrada, e, assim, mais próxima da realidade. O próprio conceito de maus-tratos, apesar de não ser ainda absolutamente consensual, tem vindo a sofrer alterações que se prendem, tal como já foi referido, com aspetos culturais e sociológicos. No entanto, a comunidade académica tem feito um esforço no sentido de estabelecer alguma uniformidade quanto à definição do conceito, baseado no princípio de que uma criança será sempre uma criança com as suas necessidades e interesses próprios, independentemente do lugar e cultura em que se insere e, deste modo, os acontecimentos que coloquem em causa ou violem as suas necessidades e interesses constituem maus-tratos. Sem entrar em detalhe, a definição apresentada por Teresa Magalhães (2004) permite-nos, de forma atualizada, um posicionamento nesta problemática: “Qualquer forma de tratamento físico e/ou emocional, não acidental e inadequado, resultante de disfunção e/ou carência nas relações interpessoais, num contexto de
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uma relação de dependência (física, emocional, psicológica), confiança e poder. Podem manifestar-se por comportamentos ativos (físicos, emocionais ou sexuais) ou passivos (omissão ou negligência nos cuidados ou afetos). Pela forma reiterada como geralmente acontecem, privam a vítima dos seus direitos e liberdades, afetando, de forma concreta ou potencial, a sua saúde, desenvolvimento (físico, psicológico ou social) ou dignidade. Tais comportamentos deverão ser analisados tendo em conta a cultura e a época em que têm lugar”.
2.3. ACOLHIMENTO RESIDENCIAL E IMPACTO NA CRIANÇA Como refere Alberto (2003, p. 227), “Falar da institucionalização das crianças e jovens vítimas de maus-tratos é um desafio, é trilhar caminhos ainda “escondidos” pela “neblina do esquecimento”. De facto, se a temática dos maus-tratos infantis se assumiu desde os anos 60 como um domínio relevante a nível social, cultural e científico (Azevedo & Maia, 2006), as referências à institucionalização de menores são relativamente raras. Como refere Helena Silva, a problemática dos efeitos da institucionalização em crianças, jovens e adultos está intimamente ligada à problemática da importância do relacionamento interpessoal no desenvolvimento humano. No entanto, a colocação de crianças em acolhimento residencial assume-se como uma necessidade dos serviços sociais e do Estado em promover e proteger os direitos das crianças vítimas de abandono, negligência e maus-tratos, recolocando-as no curso saudável do seu desenvolvimento psicossocial. Muitas destas crianças não sucumbem às suas consequências desenvolvimentais negativas, mostrando-se resilientes, ou seja, capazes de, face à adversidade, desenvolver mecanismos positivos de adaptação (Luthar, Cicchetti & Becker, 2000). Espera-se, desta forma, que as instituições que acolhem crianças vítimas de maus-tratos sejam capazes de fornecer novos ambientes e novas relações significativas capazes de modificar os padrões relacionais disfuncionais e, consequentemente, impedir a transmissão dos padrões intergeracionais de violência (Zurita & Fernández del Valle, 2005), ou, como referem Mucha e Cruz (2000), promovendo a reconversão dos ciclos viciosos de pobreza, marginalidade e exclusão. Tal implica que sejam capazes de criar condições para o desenvolvimento e realização pessoal das crianças, superando, deste modo, os contextos desfavoráveis em que elas viveram e as suas estruturas pessoais, muitas vezes fragilizadas.
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Para alguns autores (Raymond citado por Alberto, 2003), tal depende da capacidade das instituições propiciarem um ambiente “securizante, contentor de angústias e promotor da construção da identidade”. Apela-se a um ambiente marcado pelo estabelecimento de regras e rotinas, com uma definição clara de limites materiais que funcionem como barreiras de proteção do exterior e que, internamente, ajudem a diferenciar os espaços e os objetos pessoais. A capacidade empática e o investimento emocional contínuo dos profissionais que contactam diariamente com estas crianças é também essencial, assim como a capacidade de estas instituições fornecerem condições que permitam a (re)construção do eu, quer pela (re)formulação do passado, quer pela construção de projetos de futuro, que se faça acompanhar, no presente, de uma (re)estruturação do auto-conceito (Arpini, 2003; Lasson, 2002). Tal salienta o papel fundamental da instituição na construção da história de vida da criança, pois “Elaborar o passado é uma das maneiras de se livrar da mera repetição” (Arpini, 2003, p. 23). Outros autores (Zurita & Fernandéz del Valle, 2005) destacam, por sua vez, a importância fundamental de colocar no eixo central de organização e intervenção nestes contextos as necessidades das crianças acolhidas. Neste sentido, apelam à consideração de diferentes grupos de necessidades, frequentemente interrelacionadas, tais como: (a) necessidades comuns a todas as crianças (e.g. funcionais, educativas e socioemocionais); (b) necessidades relacionadas com a separação da criança da sua família, uma vez que, com o acolhimento, a criança sofre perdas físicas e materiais (e.g. objetos e lugares), psicossociais (e.g. contacto com a família biológica, figuras de vinculação primária, e com pessoas que formam parte da sua rede social) e socioculturais (e.g. valores, rotinas, normas), que afetam os seus sentimentos de segurança e pertença (Murray & Crowe, 2005); (c) necessidades derivadas da situação de desproteção/maltrato, sendo necessário que a instituição adote um enfoque “reparador”, uma vez que deve responder e compensar os aspetos deficitários do desenvolvimento da criança vítima de maus-tratos aos seus diversos níveis, nomeadamente físico, cognitivo, social e emocional (Alberto, 2006; Azevedo & Maia, 2006; Magalhães, 2005). Contudo, para além das necessidades consideradas por Zurita e Fernández del Valle (2005), e que decorrem da separação das crianças da sua família e da experiência de maus-tratos, devemos considerar que o próprio processo de institucionalização pode implicar efeitos negativos. Vários estudos (Smyke, Koga, Johnson, Fox, Marshall, Nelson, Zeanah, & BEIP Core Group, 2007; Marques, 2006; Damião da Silva, 2004; Maclean, 2003; Sloutsky, 1997) salientam esses efeitos em diversos domínios de desenvolvimento. No que se refere ao domínio cognitivo, é referido, frequentemente, um atraso geral no desenvolvimento cognitivo (Sloutsky, 1997; MacLean, 2003), assim como dificuldades em competências cognitivas específicas, como as linguísticas e atencionais (Manso, Méndez & Garcia-Baamonde, 2006; Roy & Rutter, 2006). No domínio socioafetivo, a literatura evidencia também
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os efeitos negativos da institucionalização, tanto a curto como médio prazo (MacLean, 2003). Destaca-se a presença de perturbações de vinculação (e.g. crianças acolhidas apresentam, na sua maioria, padrões de vinculação insegura; Zeanah, Smyke, Koga, Carlson & The Bucharest Early Intervention Project Core Group, 2005), assim como dificuldades de regulação emocional e na interação com pares, exibindo, reiteradamente, comportamentos de ligação indiscriminada e tentativas superficiais de estabelecer relações sociais com “estranhos” (Tarullo, Bruce & Grunnar, 2007). Neste caso, o comportamento da criança caracteriza-se por uma “amizade indiscriminada”, em que assume comportamento afetivos e de proximidade com todos os adultos. Parece que qualquer adulto é suficientemente bom para a criança desde que as suas necessidades sejam satisfeitas (MacLean, 2003). Por outro lado, importa destacar o funcionamento relacional contrário, no qual muitas crianças, em defesa de novas perdas, se protegem, não se ligando afetivamente aos outros. Os problemas comportamentais, quer externalizantes, quer internalizantes, são também frequentemente referidos quando analisamos os efeitos da institucionalização no domínio socioafetivo (MacLean, 2003; Marques, 2006). Estes efeitos e a sua natureza são associados, nos estudos mais recentes sobre institucionalização, quer às diferenças nos contextos de desenvolvimento da criança, quer às diferenças nos padrões de cuidado desenvolvidos nas instituições, em comparação com a família. De facto, assumindo uma perspetiva contextualista, o contexto e, consequentemente, o processo de desenvolvimento das crianças integradas em meio institucional são diferentes dos das crianças integradas em meio familiar, uma vez que as instituições diferem das famílias quer em termos de organização, quer em termos dos papéis dos seus elementos. A instituição é um local de trabalho para a equipa e, espera-se, a casa da criança. Por sua vez, a família é um sistema aberto em que cada membro participa noutros contextos. Como sistema, a família integra um número de díades e multíades que determinam os papéis dos seus membros, papéis estes ativados em contextos específicos, enquanto nas Casas de Acolhimento o papel da equipa é predeterminado por regras institucionais e sociais (Sloutsky, 1997). O padrão de cuidado é, também, variável, destacando-se, no caso das crianças institucionalizadas, um menor cuidado individualizado, mudanças de cuidadores mais frequentes, maior número de mudanças no próprio sistema com entradas/saídas frequentes de crianças da instituição; e contacto irregular, inconsistente e, muitas vezes, ansiogénico com os progenitores (Roy, Rutter, & Pickles, 2000; Smyke et al., 2007).
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2.4. TRANSIÇÃO DA INSTITUIÇÃO PARA A FAMÍLIA ADOTIVA Muitas destas crianças, em função da incapacidade da sua família biológica se reorganizar para as receber, acabam por ver satisfeito o seu direito a viver em família mediante a integração numa família adotiva. A adoção pode ser vista como o encontro de duas histórias: a história dos adultos que querem crianças como filhos e a das crianças que precisam de pais. Pode parecer uma questão simples, mas, como todas as relações humanas, a adoção envolve uma grande complexidade de emoções e necessidades, um encontro de expetativas, receios e carências de ambas as partes. A adoção de uma criança é um processo gradual e complexo e integra alguns riscos. Hoje em dia, é ponto assente que as famílias adotivas apresentam algumas especificidades com as quais é preciso saber lidar, nomeadamente a necessidade de preparação prévia de todos os intervenientes no processo. Enquanto numa família tradicional só os pais se preparam para a chegada do filho, na constituição de uma família por adoção também a criança tem de ser alvo de uma preparação cuidada e atempada. Como referem Relvas e Alarcão (2007), “os fatores que influenciam o sucesso ou não dessa experiência (adoção) prendem-se, sobretudo, com o modo como é preparado o processo de adoção” (p. 126). De um modo geral, tende a haver um consenso de que os candidatos à adoção necessitam de preparação/formação sobre as especificidades do processo no sentido de minimizar os riscos – e daí o Plano Nacional de Formação para a Adoção, que tem vindo a ser implementado a nível nacional desde 2010. Maior ênfase é dado a esta necessidade de preparação prévia no caso das chamadas adoções tardias (tendo em conta que a definição de adoção tardia não é unânime, em muitos países utiliza-se este termo para a adoção de crianças com mais de dois anos de idade, enquanto em Portugal se associa a crianças mais velhas, acima dos cinco ou seis anos). Muito menos se discute a necessidade de a criança ser preparada para a inserção numa família adotiva, bastando uma breve pesquisa bibliográfica para perceber que pouco se tem publicado sobre este tema. Também perante uma situação de insucesso na adoção a tendência geral é focarmo-nos nos adotantes, como se o sucesso da formação da família adotiva dependesse exclusivamente destes. Tal como no adulto é fundamental haver um trabalho prévio ao nível das suas motivações, expetativas (por vezes irrealistas), receios e carências (em particular nos casos de infertilidade), também do lado das crianças as expetativas, receios e carências afetivas devem merecer uma atenção especial por parte dos técnicos. A preparação da criança é de fundamental importância para garantir o sucesso da
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sua integração numa família adotiva, sendo esta preparação tão mais importante quanto mais idade a criança tenha e mais “bagagem” de experiências de rejeição e abandono. Deste modo, “o acompanhamento e a preparação da criança para a adoção é uma actuação profilática – na medida em que tenta evitar os riscos de novos rompimentos e de insucessos – apoiada na busca do melhor momento e da maneira mais adequada de reintegrá-la à convivência familiar” (Paiva, 2004). O tempo necessário para a preparação da criança varia de caso para caso, em função de um sem-número de variáveis, como sejam a idade da criança, o tempo de vivência na família biológica, o tempo de institucionalização e a data do “corte” das visitas. Nem sempre a criança está devidamente “preparada” ou emocionalmente “pronta”, em determinado momento, para ser adotada. A este propósito, há referências bibliográficas aos diferentes tempos a ter em consideração neste processo (Paiva, 2004): • Tempo Jurídico – referente à sentença de adoção transitada em julgado com corte de visitas. • Tempo Psíquico – a criança está pronta psicologicamente para uma nova família? • Tempo Cronológico – referente ao período de tempo durante o qual a criança está privada de ter uma vida familiar. Assim, quando nos questionamos se a criança está ou não preparada para a adoção, estamos a referir-nos ao tempo psíquico – a criança está psicologicamente pronta para ser integrada numa nova família? Mesmo que o tempo cronológico durante o qual a criança esteja privada de um meio familiar possa parecer relativamente longo, tal não significa que a criança esteja psicologicamente preparada para estabelecer novos vínculos. Desta forma, é importante atender às dimensões do tempo jurídico e cronológico, mas o tempo psíquico da criança deve ser sempre priorizado no processo de preparação para o estabelecimento de novos vínculos. No sentido de consolidar a nossa proposta de Boas Práticas no âmbito da preparação da criança para a adoção, apresentamos de seguida dois modelos/ programas mais recentes de intervenção nesta área. Um dos modelos que influenciou o desenvolvimento de diferentes abordagens e programas de preparação da criança para adoção é o Modelo 3-5-7 de Henry (2005), o qual será referido brevemente, dada a sua importância. Este modelo oferece uma abordagem para ajudar as crianças a explorar e contar as suas histórias de vida, com o objetivo de as apoiar na resolução da dor associada às suas experiências prévias e a compreender a permanência nas relações. O Modelo especifica três tarefas, cinco questões e sete elementos críticos. No que se refere às três tarefas a realizar com as crianças, são contempladas as seguintes:
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(1) Clarificação dos acontecimentos da história de vida; (2) Integração de todos os elementos e papéis da família; (3) Atualização da pertença à nova família. A criança trabalha sobre estas tarefas, explorando cinco questões conceptuais. Um artigo de 2011 de Henry and Manning (cit. por www.childwelfare.gov) sugere atividades para apoiar o trabalho da criança nas três tarefas e itens relacionados com as cinco questões. (1) O que me aconteceu? (item: perda) (atividade: criar com a criança uma linha temporal de perdas, sobre as quais ela pode falar e mesmo classificar de acordo com o impacto emocional desse acontecimento) (2) Quem sou eu? (item: identidade) (atividade: fazer um mapa ou um trajeto de vida, por exemplo, numa folha de papel cenário onde constem os principais acontecimentos da vida da criança) (3) Para onde estou a ir? (item: vinculação) (atividade: rever fotografias e memórias) (4) Como vou lá chegar? (item: relações) (atividade: criar uma colagem ou um álbum) (5) Quando vou saber que pertenço? (item: segurança) (atividade: tirar uma fotografia de família) Neste âmbito, a construção do livro de vida/história de vida com a criança é algo fundamental para este trabalho, na medida em que a ajuda a lembrar-se e a manter ligações com o seu passado, bem como a integrar as suas experiências passadas na sua vida presente. O Modelo 3-5-7 contempla, ainda, os sete elementos essenciais, que podem variar de acordo com a idade da criança. Estes elementos identificam os princípios e capacidades dos profissionais que trabalham com as crianças ao longo do seu processo de luto e de preparação para novas relações: 1. Envolver a criança no processo; 2. Ouvir as palavras da criança; 3. Quando se fala, dizer a verdade; 4. Validar a criança e a sua história de vida; 5. Criar um espaço seguro para a expressão de sentimentos pela criança; 6. Nunca é tarde demais para recuar no tempo; 7. Reconhecer a dor como parte do processo. Um outro modelo de intervenção desenvolvido nesta área, no âmbito da dissertação de mestrado de Margarida Domingues (2011), propõe um Programa de Preparação da Crianças para a Adoção (PPCA). Este consiste num conjunto de procedimentos de intervenção psicológica que pretendem facilitar na criança a integração da sua história de vida até ao momento e torná-la mais disponível para projetos futuros. Este Programa tem influência do Modelo Construtivista e assenta nos pressupostos do Modelo Teórico da Vinculação.
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De acordo com a autora, para o sucesso deste programa é essencial: • A existência de uma relação com a criança dominantemente do tipo colaborativo; • Que seja desenvolvido por um psicólogo da Instituição, em estreita colaboração com os técnicos do Serviço de Adoção; • Que exista um modelo de comunicação, que se pretende aberto e responsabilizador, por parte de todos os elementos envolvidos; • Que seja aplicado logo desde o primeiro momento em que é decretada a medida de adoção; • Que a criança tenha mais de três anos de idade. A estrutura do Programa integra nove etapas de intervenção, que correspondem a nove fases diferentes por que a criança deverá passar no decorrer da intervenção, nomeadamente: 1. A notícia; 2. Sei onde estou e para onde vou; 3. Este projeto também é meu; 4. Construo a minha identidade; 5. O luto da família biológica; 6. Preparo o primeiro encontro; 7. A minha integração na nova família; 8. Preparo a despedida da instituição; 9. Visito a Instituição (follow-up). A aplicação deste Programa pressupõe a realização de 10 sessões (no mínimo) de intervenção individual, sendo fundamental que o psicólogo saiba adaptá-lo à individualidade de cada criança e ao contexto em que esta se insere. Como principais estratégias, são utilizadas: a construção de uma narrativa de vida; a carta/telefonema imaginários de despedida e outras estratégias específicas de luto; e a identificação de expetativas da criança em relação à nova família. Sintetizando, o Processo de Preparação de crianças para adoção deverá assentar nos seguintes princípios (com base em www.childwelfare.gov): • A todas as crianças e jovens devem ser proporcionadas relações afetivas permanentes. • Tal como os pais adotivos, as crianças também precisam de ser preparadas para as novas relações que irão estabelecer. • O processo de preparação da criança para adoção requer tempo, consistência e uma atitude genuína e centrada no interesse da criança por parte dos profissionais envolvidos. • A preparação da criança deve ser assumida, em primeira instância, pelos seus principais cuidadores e pessoas de referência, devendo envolver-se os vários contextos que fazem parte da vida da criança, tais como, por exemplo, a escola, os amigos, médicos ou terapeutas. • O trabalho com a criança deverá ser um processo permanente desde o
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início do seu acolhimento, devendo a sua preparação para a vida familiar ser realizada inicialmente em sentido mais lato e, caso venha a ser decretada a medida de adotabilidade, direcionar-se especificamente para a integração em família adotiva. • O planeamento da integração da criança numa família adotiva (o processo legal) é distinto do trabalho de preparação da criança (processo relacional), devendo verificar-se, de acordo com a idade e recursos cognitivos e emocionais da criança, o seu envolvimento nas diferentes estratégias delineadas (por exemplo, a elaboração do livro de vida; o trabalho sobre as histórias de vida; a elaboração do álbum para a família). • O trabalho da criança é fazer o luto das relações anteriores a fim de avançar para o estabelecimento de novas relações. O trabalho dos profissionais é preparar a criança e apoiá-la ao longo de todo o processo. Decorrentes destes princípios, identificam-se como os principais objetivos na preparação de crianças para adoção os seguintes: • prevenir insucessos; • proporcionar à criança um contexto de previsibilidade e de segurança; • assegurar à criança uma perceção de continuidade entre as várias etapas da sua vida; • promover uma transição suave entre as fases referentes à vida institucional e à integração numa nova família; • preparar o encontro com a família adotiva; • criar condições para que se construa um vínculo afetivo permanente. O processo de preparação da criança para adoção implica ajudá-la a olhar para o seu passado, permitindo-lhe (re)construir a sua história pessoal e fazer o luto daquilo de que se irá separar (vivências com a família de origem, a esperança de voltar a viver com a sua família de origem, a sua vida na instituição), ajudando-a igualmente a imaginar o seu futuro, nomeadamente no que diz respeito à sua vida com a sua futura família.
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3. ESTUDO EMPÍRICO 3.1. OBJETIVO DO ESTUDO Identificar o conceito/constructo/representação de família nas crianças acolhidas cujo projeto de vida é a adoção, com idade compreendida entre os três e os 14 anos, permitindo perspetivar e implementar uma boa prática facilitadora de uma inserção em contexto familiar.
3.2. ACOLHIMENTO RESIDENCIAL 3.2.1. METODOLOGIA PREPARAÇÃO PRÉVIA À RECOLHA DOS DADOS O presente estudo iniciou-se pela identificação dos participantes, selecionando-se, por Casa de Acolhimento, as crianças e jovens que reuniam os critérios de inclusão previamente definidos. Estas listas foram enviadas a cada um dos Diretores, visando a confirmação dos elementos recolhidos, apresentando-se aos mesmos um esboço do trabalho que se pretendia desenvolver. Num segundo momento, foram remetidos os protocolos e respetivas orientações de aplicação, solicitando-se o envolvimento ativo dos Psicólogos de cada equipamento. Solicitou-se, ainda, a participação dos elementos das equipas educativas, aos quais foi remetido um questionário construído de acordo com a especificidade desta amostra. A análise dos dados recolhidos foi realizada em três momentos: definição de categorias a analisar; constituição de base de dados a partir das categorias definidas e, por fim, análise de conteúdo integrada numa abordagem essencialmente qualitativa. SELEÇÃO DA AMOSTRA (CRIANÇAS E ADULTOS) O processo que nos conduz à amostra é orientado por um princípio não probabilístico, recorrendo a uma amostragem não aleatória, composto por dois grupos distintos: GRUPO 1 – criança ou jovem acolhido em Casas de Acolhimento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com idade compreendida entre os três e os 14 anos e cujo projeto de vida definido internamente é o de adoção. GRUPO 2 – Educadores e auxiliares de educação que exerçam funções em Casas de Acolhimento onde estejam integradas as crianças/jovens pertencentes ao grupo 1.
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CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA A amostra do presente estudo relativamente ao grupo 1 é constituída por 41 crianças e jovens, que se encontram integrados nas seguintes Casas de Acolhimento: Santa Teresinha; Nossa Senhora de Fátima; Casa dos Plátanos; Menino Jesus; Novo Rumo; Rainha Santa; Santo António e São Francisco de Assis. No que respeita à idade, a nossa amostra distribui-se de acordo com a figura 1. São crianças/jovens com idades compreendidas entre os três e os 14 anos numa distribuição uniforme, se considerarmos dois grandes grupos etários definidos (0-6 anos, n=20; e dos 7 aos 14 anos, n=21). Importa, ainda assim, considerar que, em termos qualitativos, as respostas obtidas no grupo das crianças com mais de seis anos se revelou mais pertinente, com uma maior capacidade para analisar e responder adequadamente ao solicitado no questionário. Paralelamente, este grupo demonstrou uma menor disponibilidade, comparativamente com o das crianças com idades inferiores aos seis anos, no que reporta ao instrumento “desenho da família”.
51% 7 – 14 anos
49% 3 – 6 anos
A amostra utilizada, considerando o género, distribui-se conforme a figura 2. Em termos percentuais, 70% da composição da amostra são crianças do sexo masculino e 30% crianças do sexo feminino.
30% Feminino
70% Masculino
O grupo 2 é constituído por 43 elementos da equipa educativa, tendo participado 13 Educadores (de infância e sociais) e 30 Auxiliares de Educação.
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INSTRUMENTOS UTILIZADOS Neste estudo exploratório, foram utilizados vários instrumentos de recolha dos dados, nomeadamente três questionários concebidos para o efeito (um para crianças até aos cinco anos, outro para crianças entre os seis e os 14 anos e o terceiro para os adultos cuidadores), o mapa da rede social e o desenho da família para crianças entre os seis e os 14 anos). A acompanhar este protocolo, foi elaborada uma ficha de dados sociodemográficos relativa aos sujeitos do grupo 1 que visava o enquadramento sustentado e caracterização da amostra recolhida. Foi através destes instrumentos que se obtiveram as representações que estas crianças têm da sua família e de como se perspetivam perante ela, avaliando-se paralelamente as representações dos adultos cuidadores sobre a família.
a) Questionários Estes instrumentos foram construídos tendo por base a investigação desenvolvida por Cunha, S. (2005) e adaptados tendo em conta os objetivos do presente estudo. As questões incluídas no questionário aplicado aos adultos cuidadores são semelhantes àquelas que constam dos questionários dirigidos às crianças/jovens, permitindo proceder a uma avaliação comparativa das respostas obtidas. Foi dada a instrução de que a aplicação deste instrumento às crianças/ jovens deveria ser feita pelo psicólogo que apoia a casa de acolhimento onde eles se encontram acolhidos. A aplicação do questionário aos adultos cuidadores teve em conta o facto de se considerar que o processo de construção/reconstrução das representações mentais dos elementos da família, em especial nas crianças institucionalizadas, está inevitavelmente relacionado com os adultos cuidadores que desenvolvem a sua ação educativa junto delas.
b) Mapa da rede Social A inclusão do Mapa da Rede Social teve como objetivo perceber a importância e o espaço relacional que a família e figuras significativas ocupam na rede social das crianças institucionalizadas.
c) Desenho da família A utilização do desenho da família neste trabalho constitui-se como um apoio aos questionários, e não puramente numa perspetiva analítica/psicodinâmica de análise individual.
INFÂNCIA E JUVENTUDE
3.2.2. TRATAMENTO DOS DADOS QUESTIONÁRIOS Tratando-se os instrumentos aplicados de questionários compostos por perguntas abertas e fechadas, por forma viabilizar o apuramento de resultados, foi utilizada uma metodologia de análise de conteúdo. Desta forma, para cada pergunta aberta foram criadas categorias, permitindo a sistematização da informação recolhida.
Assim, para os questionários dirigidos às crianças/jovens, o tratamento da informação teve em conta as seguintes categorias e dimensões:
REPRESENTAÇÕES DE FAMÍLIA
CATEGORIAS
DIMENSÕES
Palavras associadas a Família
-
O que é uma família
- Tipologias constantes do questionário
O que é que as famílias fazem juntas
- Atividades lúdicas/prazer - Atividades Operacionais (tarefas e rotinas) - Outras
Imagem de Família Ideal
-
Importância da família
- Nada - Importante - Muito importante
Para que serve uma família (funções)
- Função recreativa - Apoio emocional - Satisfação de necessidades básicas - Função educativa e socializadora
Pai e Mãe (Importância)
- Igualmente importante - Mais ou menos importante
Figuras Familiares Sentimentos positivos União/Estar juntos Sentimentos negativos
Família Feliz Família Nuclear Família Alargada União/Todos juntos
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CATEGORIAS
REPRESENTAÇÕES DE FAMÍLIA
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Papéis Familiares
Expetativas futuras
DIMENSÕES Mãe - Atividades indiretamente ligadas à criança - Atividades diretamente relacionadas com a criança • Atividades instrumentais • Atividades de cariz emocional Pai - Atividades indiretamente ligadas à criança - Atividades diretamente relacionadas com a criança: • Atividades instrumentais • Atividades de cariz emocional - Integração em família - Construção da própria família - Outros
INFÂNCIA E JUVENTUDE
REPRESENTAÇÕES DE FAMÍLIA
Os resultados obtidos no questionário utilizado junto dos elementos das equipas educativas obedeceram à seguinte categorização:
CATEGORIAS
DIMENSÕES
Palavras associadas a Família
-
O que é uma família
- Tipologias constantes do questionário
O que é que as famílias fazem juntas
Atividades lúdicas/prazer - Atividades Operacionais (tarefas e rotinas) - Trocas afetivas / interajuda - Outras
Imagem de Família Ideal
-
Importância da família
- Nada - Importante - Muito importante
Para que serve uma família (funções)
Figuras Familiares Sentimentos positivos União/Estar juntos Regras/Disciplina Outras
Família Feliz Família Nuclear Família Alargada União/Todos juntos Outras
- Função recreativa - Apoio emocional - Satisfação de necessidades básicas - Função educativa e socializadora
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CATEGORIAS
REPRESENTAÇÕES DE FAMÍLIA
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Papéis Familiares
Conceito de Família
DIMENSÕES Mãe - Atividades indiretamente ligadas à criança - Atividades diretamente relacionadas com a criança - Atividades instrumentais - Atividades de cariz emocional Pai - A Atividades indiretamente ligadas à criança - Atividades diretamente relacionadas com a criança - Atividades instrumentais - Atividades de cariz emocional - Nuclear - Alargada - Com laços de sangue - Sem laços de sangue -Vivem juntos - Laços afetivos/união dos membros - Outros
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MAPA DA REDE SOCIAL A análise dos resultados deste instrumento teve por base o modelo Antonucci, que define a rede social como uma estrutura protetora dinâmica em constante evolução. Como estrutura em evolução, incorpora todas as relações percebidas como próximas e importantes para o indivíduo à medida que a criança é introduzida em diferentes contextos sociais. Neste modelo da rede social, inicialmente, é solicitado à criança que pense nas pessoas que considera significativas e importantes. Posteriormente, tendo por base um diagrama concêntrico em que ela ocupa a posição central (EU), e com três círculos de proximidade, a criança deve colocar no círculo interno do diagrama as pessoas mais próximas e importantes/de que ela gosta mais. Teoricamente, os elementos colocados neste círculo de proximidade são considerados funcionalmente equivalentes a figuras de vinculação (Lewis, 2005). Nos círculos externos, por sua vez, deve colocar pessoas que não são tão próximas. O mapa da rede social utilizado está dividido em quatro quadrantes (Família/ Casa de acolhimento/Comunidade/Escola). O mapa da rede social permite a análise das propriedades de caráter estrutural e funcional da rede social. No que se refere às propriedades estruturais, estas incluem o tamanho da rede [e.g. o número de pessoas que fazem parte do mapa, tendo como referência os dados de vários estudos realizados em Portugal – uma rede social pequena: 0-12 elementos; rede social média: 13-20 elementos e rede social grande: mais de 21 elementos (Alarcão & Sousa, 2006; Oliveira, 2007)], sendo igualmente analisado o apoio total fornecido por cada categoria relacional.
DESENHO DA FAMÍLIA Para análise dos resultados obtidos neste instrumento, em que foi dada a instrução “desenha uma família”, foram constituídas várias categorias de observação, nomeadamente se representa o pai, a mãe, a família alargada ou irmãos; se desenha a sua própria família representando-se a si, se introduz formações reativas (corações, flores…) e que tipo de narrativa associa ao desenho.
3.2.3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS QUESTIONÁRIOS ÀS CRIANÇAS Tal como já foi referido anteriormente, com o objetivo de se clarificar o constructo de família apresentado pelas crianças acolhidas, foi aplicado o questionário, sendolhes pedido que dissessem palavras que associavam ao conceito de família, que identificassem famílias e as suas funções, bem como os papéis de cada uma nesse contexto. Posteriormente, foi pedida uma valoração da família e dos progenitores e, por último, que se projetassem no futuro.
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– Palavras associadas a família A maioria das crianças respondeu a esta questão referindo-se a figuras familiares (16): “mãe”, “pai”, “irmãos”, “filhos”, “tios”, “avós”. Treze crianças associam à família sentimentos positivos: “amor”, “confiança”; “carinho”, “amizade”. Duas crianças associam à família o estar juntos: “Nós todos juntos somos uma família” e “Todos em casa somos uma família”. Identifica-se em cinco crianças uma associação de sentimentos negativos à família: “de uma certa forma penso em infelicidade…”, “tristeza”, “a família está toda a morrer…”, “raiva”, “inveja”, “chatice”. O surgimento desta associação, que acontece em crianças/jovens mais velhos, decorre, no nosso entender, das vivências tidas em contexto familiar e conducentes à sua atual situação de acolhimento.
– O que é uma família (Tipologias) Esta questão tinha como objetivo identificar as configurações que as crianças caraterizavam como sendo famílias. Na entrevista dirigida às crianças mais novas (três aos cinco anos) a questão era colocada recorrendo-se ao suporte de imagens. As configurações ou tipologias utilizadas foram: casal com filhos, casal sem filhos, pai a viver com filho, mãe a viver com filho, avós a viverem com netos, avós a viverem com pais e filhos, família reconstituída, irmão mais velho que vive sozinho, duas amigas a viverem juntas. A totalidade dos sujeitos com respostas válidas considera como família a primeira tipologia – casal com filhos. A existência de filhos é um fator significativo para se considerar família, pelo que a tipologia “casal sem filhos” foi considerada como família apenas por 21 inquiridos num total de 38. Estes dados são coincidentes com os apurados noutros estudos sobre o conceito de família em crianças – Brannenen, Heptinstall e Bhopal (2000), no seu estudo, indicam que, para a maior parte das crianças entrevistadas, uma família sem crianças não era bem uma família. Quanto às configurações familiares com crianças, “mãe a viver com filho” teve 26 respostas, tal como “pai a viver com filho”; a configuração “avós a viver com netos” teve 27 respostas. Curiosamente, a configuração em que se integra a coabitação de várias gerações, “ avós a viverem com pais e filhos”, teve 33 respostas. Um familiar isolado é considerado família apenas por 10 sujeitos e as amigas são consideradas família por 12 sujeitos. Nas famílias monoparentais, independentemente de os sujeitos as considerarem como famílias ou não, um número significativo faz apelo ao facto de faltar um elemento – mãe ou pai.
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Relativamente à família reconstituída, também independentemente de ser ou não considerada família, surgem conteúdos referentes à rutura da família anterior e à ausência dos elementos dos anteriores casais. – O que as famílias fazem juntas Permitindo uma concretização do conceito de família, foi solicitado que as crianças ou jovens indicassem o que as famílias fazem juntas, tendo sido criadas três dimensões para avaliação das respostas. Assim, 29 dos 38 sujeitos associam as atividades desenvolvidas em família a momentos lúdicos e de prazer. Onze sujeitos privilegiam as atividades operacionais (tarefas e rotinas diárias) e o mesmo número identifica outros tipos de atividades. Nas atividades com caráter lúdico surgem algumas como as que indicamos a título exemplificativo: “Jogar à bola”, “brincar”, “comer um gelado”, “ir passear”, “ir às compras”, “ver televisão”. Na dimensão “outras” surgem respostas associadas a tarefas decorrentes da vivência escolar: “ensinarem-se uns aos outros”, “estudar”, levar à escola”; e são referidos o apoio e o suporte entre os elementos da família: “apoiarem-se”, “fazem companhia”.
– Imagem da família ideal A análise inicial destas respostas permitiu identificar quatro categorias distintas: família feliz (referência a sentimentos positivos), família alargada (referência a diversos elementos da família); família nuclear (pai, mãe e irmãos); e, por último, todos juntos (privilegia a união entre os elementos da família). É de referir que esta questão surge apenas nas entrevistas dirigidas às crianças com idades compreendidas entre os seis e os 14 anos, num total de 26. Claramente, o conceito de família feliz surge associado a sentimentos positivos (19): “sem brigas nem discussões”, “paz”, “carinho”, “respeito entre pais e filhos”, “família calma, não se bater, não chamar nomes”, “famílias que tratam bem os meninos”. É ainda referida por oito crianças a vivência conjunta, valorizando-se o papel da família nuclear em seis crianças e apenas uma delas refere outros elementos da família. Curiosamente, em estudos semelhantes realizados com crianças e jovens não acolhidos, o “viver juntos” surge como o principal critério para a definição de família ideal (Gilby e Pederson, 1982), o que não acontece nesta amostra. Os sentimentos positivos associados ao conceito de família ideal podem decorrer de uma imagem idealizada que existe da família.
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– Importância da família Foi solicitado às crianças e jovens que indicassem se consideravam que a família era “nada importante”, “importante” ou “muito importante”. Independentemente das suas histórias de vida, da idade em que foram institucionalizados e do tempo de institucionalização, apenas duas crianças a consideraram “importante”; as restantes 24 consideraram a família “muito importante”. Um dos sujeitos que considera a família “importante” reporta apenas para a necessidade da família como resposta às necessidades básicas: “O bebé não pode ficar sozinho”. O outro valoriza o papel da família enquanto veículo de informação e de algum suporte. A interajuda, a união e o suporte afetivo são os principais motivos apresentados como critério para as respostas em que o “muito importante” surge. A ideia, ou melhor, o conceito de família ideal, feliz e funcional surge como muito importante para estas crianças, independentemente das experiências que estas tiveram nos contextos familiares antes de serem acolhidas.
– Para que serve uma família Partindo das respostas obtidas e suportado por resultados semelhantes, foram consideradas quatro categorias de respostas: função recreativa (passear, conviver, brincar, etc.), apoio emocional (experiências emocionais positivas como carinho, amor, dar apoio…), satisfação de necessidades básicas (alimentação, vestuário, cuidados básicos…) e função educativa e socializadora (educar, ensinar, aconselhar). Os sujeitos deste estudo claramente percecionam como função principal da família o apoio emocional. Ela é destacada por 19 dos 26 sujeitos considerados. Resultados semelhantes foram obtidos noutros estudos sobre as conceções familiares das crianças, que concluem que as crianças mais velhas tendem a definir e a pensar a família em termos afetivos e de relações emocionais (O’Brien, Alldreed e Jones, 1996, e Morrow, 1998). É ainda de salientar que, na questão referente ao que as famílias fazem juntas, os aspetos lúdicos foram preponderantes. No entanto, quando é colocado o enfoque na função da família, este cariz mais lúdico perde significado, sendo que a função recreativa é apenas identificada por quatro crianças. A resposta de satisfação das necessidades básicas como principal função da família é desvalorizada sendo apenas mencionada por um jovem. Já a função educativa e socializadora é reconhecida por seis crianças e jovens. A família surge como um espaço privilegiado de afetividade, independentemente das experiências vivenciadas nos seus contextos familiares. O contexto familiar é idealizado nesta vertente do suporte emocional e afetivo. Podem colocar-se
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algumas hipóteses: a desvalorização da vertente da resposta às necessidades básicas decorre do facto de muitas destas crianças terem como problemática subjacente ao seu acolhimento a negligência a este nível; uma vez que as suas necessidades básicas se encontram supridas ao nível da Casa de acolhimento, tal não é identificado como uma função da família. – Importância dos pais Pretendia-se com este item perceber se existia uma perceção muito diferente da valoração que é feita entre as figuras materna e paterna. Dos 26 sujeitos questionados, 19 consideraram que a importância é igual, apelando maioritariamente ao facto de que uma família completa e consequentemente feliz, no plano idealizado, é uma família que tem os dois progenitores. Um dos sujeitos considera o pai mais importante, porém, não são claros os motivos pelos quais o faz. Os restantes seis consideram que a mãe é mais importante, referindo: “supostamente e naturalmente a mãe é a pessoa que mais fica connosco porque amamenta-nos e ficamos ligados”, “A mãe é muito mais importante porque o pai não vem às visitas e a mãe vem sempre”, “A mãe é mais importante porque tem filhos e o pai não”, “Porque a mãe vai ao parque e o pai está a trabalhar”, “A mãe é mais importante porque é a primeira pessoa que nos pega, a que vemos quando saímos da barriga, que trata de nós e nos dá comida”. Esta maior importância da mãe surge associada à atual experiência de acolhimento em que a mãe é o elemento da família com o qual o sujeito mantém contacto, ou, então, associada à maternidade, ao dar à luz e ao facto de ser o primeiro elo de ligação com o mundo.
– Papéis familiares Depois de identificadas as tarefas diárias da rotina familiar, as crianças foram questionadas sobre se deviam ser realizadas pela mãe, pelo pai ou por ambos. Na entrevista dirigida às crianças mais novas (entre os três e os cinco anos) a questão era colocada recorrendo-se ao suporte de imagens. As tarefas foram divididas pelas seguintes categorias: atividades indiretamente ligadas às crianças (trabalhar, tratar da roupa e da casa, fazer comida, executar reparações em casa); atividades diretamente ligadas à criança, umas de natureza instrumental (dar a semanada, levar ao médico, levar à escola, ajudar nos trabalhos de casa), outras com cariz emocional (brincar com a criança, dar mimos, ralhar, disciplinar). Não se verificaram diferenças significativas relativamente à execução das tarefas diretamente ligadas à criança, optando as crianças por uma postura igualitária perante o género. Ainda assim, são as tarefas com um cariz mais emocional que um menor número de crianças associa à figura paterna (29).
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No entanto, no que se refere a tarefas indiretamente ligadas às crianças, claramente, as posturas assumidas assentam nos estereótipos de género, ou seja, as atividades domésticas, como fazer comida, limpar a casa e tratar da roupa são vistas como tarefas da mãe, enquanto as reparações em casa surgem como tarefas do pai. – Expetativas futuras A cada criança e jovem da faixa etária dos seis aos 14 anos foi solicitado que perspetivasse o seu futuro no espaço de cinco anos. Sete crianças perspetivam o seu futuro reintegrando a sua família biológica. Relativamente à possibilidade de virem a constituir a sua própria família, apenas três fazem essa referência. A perspetivação dos restantes passa por projetos pessoais assentes nas suas competências e conquistas individuais: “A viver no lar”; “Ter boas notas”; “Numa casa minha a viver sozinho”; “Imagino-me a ser um matulão”; “Posso estar numa família adotiva”; “Tirar um curso profissional para poder ser futebolista”; “Tirar um curso”; “Continuar a morar no lar”; “Vai ser mal… Vamos ficar velhos e morrer”.
MAPA DA REDE SOCIAL No que concerne à análise dos dados obtidos no Mapa da Rede Social, importa destacar que, relativamente às propriedades estruturais (dimensão da rede), os resultados apontam, na grande maioria, para redes sociais grandes (56% dos participantes), ainda que o contexto de desenvolvimento adicional – instituição – se assuma como o responsável por este resultado, tal como Arteaga & Fernández del Valle já referiam em 2003. De facto, se, na situação observada, retirarmos os elementos relativos ao contexto institucional, o tamanho da rede social situar-se-ia a um nível médio (24% dos participantes)/pequeno (20% dos participantes), pois a categoria relativa à Instituição de Acolhimento representa, neste sentido, mais de metade do número total de elementos da rede, o que atesta a capacidades de estes elementos, quer por imposições organizativas, quer por procurarem ativamente desenvolver relações privilegiadas com as crianças pelas quais são responsáveis, se assumirem como elementos de referência/apoio para a criança. No que se refere à categoria Amigos/Comunidade, muitas crianças escolhem pessoas relacionadas com o acolhimento (32%) e os voluntários (24%), que, no seu conjunto, assumem preponderância sobre os amigos/pares não relacionados com o acolhimento (32%), o que coloca questões relativamente à capacidade de “abertura” das casas de acolhimento à comunidade e à inclusão destas crianças em diferentes contextos sociais. Estudos realizados em Portugal (Oliveira, 2007) salientam que, nas crianças da população geral, os amigos pertencem, tendencialmente, a contextos de desenvolvimento variáveis (e.g. escola, atividades extracurriculares, catequese).
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Realce ainda, na análise das categorias relacionais, para o facto de as categorias relativas à Família serem as que menos contribuem para o tamanho total da rede, aspeto este que contrasta com os dados veiculados nos estudos com crianças em idade escolar, que salientam precisamente a importância desta categoria e a sua contribuição preferencial para o tamanho da rede social (Levitt et al., 2003). No entanto, e apesar da contribuição mínima da categoria familiar para o tamanho da rede social, a importância desta para a criança assume-se como fundamental. Especificamente, quando analisamos a distribuição dos elementos e das respetivas categorias relacionais pelos círculos de proximidade/ importância, verificamos que, no círculo interno, cujos elementos equivalem, teoricamente, a figuras de vinculação, é onde a criança regista as figuras da família nuclear e alargada. Considerando ainda a distribuição dos elementos no círculo interno do diagrama, a sua análise fornece outros resultados importantes, nomeadamente que esse é o círculo mais povoado em detrimento dos círculos periféricos, traduzindo que, mentalmente, a criança reconhece internamente os que são efetivamente significativos para si. No que se refere às propriedades funcionais, de todas as categorias relacionais apenas a relativa à Instituição de Acolhimento, e principalmente os elementos da equipa educativa, acumulam o desempenho das diferentes funções de apoio da rede social (e.g. apoio emocional, ajuda-direta e autoafirmação). Tal reforça o papel central que os elementos da instituição ocupam na vida destas crianças, exigindo, concomitantemente, que estes profissionais se assumam como um modelo identificatório positivo. A sua centralidade na vida destas crianças e o desempenho simultâneo de diversas funções apelam, também, a que sejam estes profissionais a facilitar a elaboração do passado e a construção da história de vida pela criança. Porque, de facto, a perda, a ausência e a separação podem não ser em si o problema para a formação da identidade destas crianças, podem até ser os determinantes. Porém, o que importa é a possibilidade da significação destas experiências e o desenvolvimento de condições para a sua simbolização (Arpini, 2003). Paralelamente, a categoria relativa à Família acaba, em termos funcionais, por ter uma contribuição diminuta, pois, por um lado, as famílias acabam por se desresponsabilizar (menos envolvidas, mais ausentes física e emocionalmente até face ao projeto de vida em causa) e, por outro, o próprio sistema de acolhimento, por vezes, conduz a uma desqualificação gradual da família e do seu meio, do seu papel e da sua confiança no futuro, das suas competências, da suas responsabilidade educativas e da sua própria capacidade em assumir tais funções, o que conduz a um afastamento da família em relação à criança. Ainda assim, a família continua a revelar-se como uma parte determinante na vida emocional destas crianças, ocupando a área de relação preferencial, pelo que importa não perder de vista o trabalho sobre o constructo de família, quer numa intervenção relativa às origens/passado, como na orientação de forma consistente e suportada para o futuro – afinal de contas, estas crianças construirão, elas próprias, as suas famílias.
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Outra nota que importa considerar está relacionada com o facto de os resultados demonstrarem que as crianças identificam perfeitamente quem são os elementos da sua família, contrariamente aos restantes quadrantes, nos quais misturam elementos de outros grupos.
DESENHO DA FAMÍLIA Da análise global dos desenhos podemos constatar que a grande maioria das crianças perceciona o conceito de família mediante a existência de um Pai (67%) e de uma Mãe (62%), seguindo-se a referência a Filhos (33%) e a restantes elementos da Família Alargada, como sejam os Tios (24%). Outro dado importante obtido prende-se com o facto de apenas 19% das crianças participantes terem optado por desenhar a sua própria família. Desses, apenas três se representaram a si próprios nesse desenho, o que pode significar, por um lado, que a institucionalização os retirou daquela família ou, por outro, que não se consideram suficientemente bons para dela fazer parte. Na realização do desenho, muitas crianças optaram por desenhar corações, flores, arco-íris (vulgarmente conhecidas por formações reativas), que visam atribuir uma carga afetiva positiva adicional à representação, não surgindo em nenhum dos desenhos quaisquer narrativas de caráter negativo. Por outro lado, o desenho da família motivou, em algumas crianças, narrativas positivas traduzindo a assunção de valoração/significado emocional ao conceito de Família. Por norma, estas narrativas remetem para atividades lúdicas, como “estão no jardim”, “a passear no parque”, “juntos a comer pizza”, “na praia”. Existem outras referências mais relacionadas com a importância da família como instituição de apoio afetivo, harmonia e autoafirmação, como “estão num mundo de arco-íris, existe muita alegria, amizade, amor e muita cor”, “adoram-se todos, ajudam-se todos”, “várias pessoas que se dão bem, serem todos da mesma raça” e “ as famílias têm de se amar umas às outras”.
QUESTIONÁRIOS AOS ADULTOS – Palavras associadas a família Nesta questão, solicitou-se aos adultos que participaram neste estudo que, de forma aberta, referissem palavras que consideravam estar associadas ao conceito de família. A maioria dos participantes considerou que o conceito de “Família” se encontra associado a sentimentos positivos. Assim, dos 43 sujeitos apenas três não relacionaram o conceito de família com esta dimensão. Dentro dos sentimentos positivos mencionados contam-se, por exemplo,
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“amor”, “amizade”, “afeto”, “carinho”, “mimar”, “cuidar”, “vínculo”, “proteção”, “pertença”, “segurança”, “confiança”, “respeito”, “estabilidade”, “entreajuda”, “partilha”, “gratidão”, “cumplicidade”, “harmonia”, “bem estar”, “conforto”. A segunda dimensão mais referida relaciona-se com a união entre os membros da família (“todos juntos”), a qual foi mencionada por 17 participantes. Oito dos adultos associaram a palavra família à dimensão “regras/disciplina”, referindo, nomeadamente, a importância da existência de limites. A dimensão “figuras familiares” foi considerada por seis sujeitos, especificamente, “mãe”, “pai”, “filhos”, “irmãos”, “avós”, “tios”, “padrinhos”. O predomínio de respostas que associam a palavra família a “sentimentos positivos” vai ao encontro da evolução que este conceito tem vindo a sofrer ao longo dos tempos, sendo atualmente considerado um espaço de afetos entre os seus membros (Cunha, S., 2005; Sampaio e Gameiro, 1998; Szymanski, cit. por Silva, S., 2009). O facto de apenas seis respostas remeterem para a dimensão “figuras familiares” pode indicar a existência de uma relativização face à necessidade de se verificar um grau de parentesco para que um conjunto de pessoas seja considerada uma família, sendo antes dado um papel central à ligação afetiva. – Configurações de Família Tendo por base uma série de tipologias predefinidas, pediu-se aos participantes que assinalassem aquelas que consideravam como uma família e que justificassem a sua escolha. Dos 43 adultos, 13 consideraram todas as tipologias como sendo uma família. Algumas das justificações apresentadas para esta escolha apontam para o facto de que, mais importante do que as pessoas que compõem uma família, são os laços afetivos que constroem entre si: • “o que torna a palavra família são os laços... família é quem tu escolhes e quem tu queres...” • “...não terá necessariamente a ver com laços sanguíneos, mas, mais importante que isso, com aquilo que se sente” • “qualquer união que seja forte e baseada na amizade e confiança pode ser considerada família” • “em todas as situações há partilha de vida, de sentimentos, de cuidar, de afeto e de pertença” • “partilhar a vida com quem nos sentimos bem” • “depende do grau de intimidade e partilha” • “família mais do que uma coabitação ou partilha de laços genéticos, é uma ligação de confiança e segurança – é quem cuida de mim e quem me permite cuidar dele”.
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As configurações “irmão mais velho que vive sozinho noutra casa” e “duas amigas a viverem juntas” foram aquelas que com maior frequência não foram consideradas como uma configuração familiar, por 30 participantes: • • • • •
“família é sempre mais do que um membro” “onde coabitem duas ou mais pessoas” “existe um grau de parentesco” “pelo menos duas pessoas unidas por laços de sangue na mesma casa” “duas ou mais pessoas que partilham, coabitam o mesmo espaço... com um compromisso inicial de longa duração”.
Apesar de, à semelhança da questão anterior, a existência de vínculos afetivos ter sido referida por muitos dos participantes como critério para a definição de uma tipologia familiar, a maioria das respostas considerou ser necessário verificar-se uma “coabitação”, “grau de parentesco” e/ou “existência de duas ou mais pessoas” para que uma determinada tipologia seja definida como família. Dos resultados, há ainda a salientar o facto de três dos participantes terem considerado que a tipologia “casal com filhos” é a única que corresponde a uma família, apresentando como justificação, por exemplo: “porque é o conceitobase”; “família é constituída por pai, mãe e filhos”; “se for possível... com o pai/ mãe seria ótimo, pois é deles que precisamos”. Um dos participantes, apesar de ter assinalado outras configurações, como correspondendo a uma família referiu que “a configuração casal com filhos é aquela que considero mais estável”. Estas respostas vão ao encontro de uma definição tradicional de família (Segalen, 1999) e não contemplam a evolução que este conceito tem sofrido, a partir da qual se passou a considerar as diferentes configurações familiares como igualmente válidas enquanto espaços de afeto e desenvolvimento dos seus membros (Sampaio e Gameiro, 1998).
– O que as famílias fazem juntas Através de uma pergunta aberta, pediu-se aos participantes que descrevessem coisas ou situações que as famílias costumam fazer juntas. A quase totalidade dos sujeitos (40) foi da opinião que as famílias realizam atividades lúdicas/prazer, tais como: “brincar”, “sair para passear”, “atividades exteriores”, “saídas ao parque infantil”, “momentos de lazer”, “passar férias”, “passear na praia”, “comer fora”, “ver TV”, “entretenimentos (cinemas, espetáculos, musicais, piqueniques...)”, “refeições em conjunto”, “viagens”, “fazer desporto”, “festas”, “rir”, “conviver”, “festejar acontecimentos”.
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Desses 40 adultos, 33 consideraram em simultâneo a realização de atividades operacionais: “cozinhar”, “arrumar a casa”, “organizar a casa e as despesas”, “tarefas partilhadas”, “rotinas”, “estudar”, “acompanhamento às consultas da criança”, “levar/trazer a criança à escola”, “arrumação, higiene, segurança, conforto”, “montagens”, “ir às compras”, “assistência a cada membro da família, quer na saúde quer na doença”. Para além destas duas dimensões, 22 participantes fizeram referência a situações partilhadas pelas famílias e que remetem para uma dimensão mais emocional/ afetiva: “conversar”, “interajuda”, “cuidar”, “partilhar”, “demonstrar afetos”, “planear o futuro”, “proteger”, “aconselhar”, “partilha entre gerações”, “colocar-se no lugar do outro”, “o que for feito com amor e em conjunto”, “partilha de bons e maus momentos”, “chorar”, “discutir construtivamente”, “resolver problemas”, “estar presente”, “atenção individualizada”, “viver”. As respostas indicam que, para além das dimensões de âmbito mais lúdico e instrumental, a dimensão emocional/afetiva é, mais uma vez, considerada por metade da amostra como central na interação que se estabelece entre os membros de uma família.
– Imagem da Família Ideal No que se refere à opinião dos participantes sobre o que consideram ser uma “boa” família ou uma “família ideal”, as respostas a esta questão feita de forma aberta situaram-se maioritariamente na dimensão “outras”, sendo que das restantes dimensões, “família feliz”, “família alargada”, “família nuclear”, “todos juntos”, esta última foi a mais mencionada, em 17 respostas, remetendo para a união entre os membros da família: “estar sempre presente”, “mantém-se unida contra qualquer obstáculo”, “estão juntos”, “grupo de pessoas inseparável”, “unida e solidária”, “coesa”, “unida... mas respeitando a individualidade de cada membro”. Dentro da dimensão “família feliz”, três participantes referiram como caraterística de uma família ideal: “uma família que seja feliz”; “onde nos sintamos felizes”; “aquela em que nos sintamos integrados, felizes e protegidos”. A dimensão “família alargada” foi mencionada apenas por um adulto: “quando penso numa família idealizo um pai, uma mãe com os seus filhos, os avós maternos e paternos, numa boa convivência e em harmonia”.
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Igualmente, um participante mencionou a dimensão referente à família nuclear: “é aquela que é formada pelo pai e mãe e por um ou mais filhos”. Na dimensão “outras”, a maioria das respostas direciona-se para a existência de: • ligações afetivas entre os membros da família (“amor”, “amizade”, “afeto”); • boa comunicação (“diálogo”, “comunicação”); • valores (“respeito”, “honesta”, “verdadeira”); • práticas educativas (“bons exemplos”, “educação”, “regras”, “dar resposta às necessidades da criança”, “que possa educar e não dê tudo – bens materiais”); • apoio entre os membros da família (“corrige defeitos”, “ultrapassar obstáculos”, “valorização”, “interajuda”, “partilha”, “respeito pela individualidade”, “sentimo-nos integrados e protegidos”, “pensar no outro”, “que conte sempre uns com os outros”, “coesa”, “união entre as figuras parentais”, “compreende as dificuldades em vez de julgar”, “alguém a quem recorrer nos bons e a maus momentos”); • prestação de cuidados (“assegurar necessidades básicas”); • perspetiva face ao futuro (“preocupação com o futuro”). De salientar que dois dos participantes consideraram não existir uma “família boa ou ideal”.
– Importância de “ter uma família” Nesta questão, foi pedido aos participantes que assinalassem se consideravam que ter uma família é “nada importante”, “importante” ou “muito importante”. À exceção de três pessoas que assinalaram a resposta “importante”, todos os restantes foram da opinião de que ter uma família é “muito importante”, não tendo a opção “nada importante” sido considerada. O papel desempenhado pela família no desenvolvimento e socialização dos seus membros, enquanto espaço de pertença, apoio emocional “nos bons e maus momentos”, “porto de abrigo”, “pilar”, “base”, “alicerce” e “modelo”, é referido na generalidade das respostas. Dentro da importância atribuída à família, alguns participantes consideraram mesmo que “é a parte mais importante da nossa vida” ou que “é a principal causa da nossa existência”.
– Para que serve uma família Tendo por base as respostas dos participantes à pergunta aberta “Na sua opinião, para que acha que serve uma família?”, identificaram-se quatro dimensões correspondentes às funções familiares, já referidas nos questionários das crianças/ jovens. Com exceção de quatro participantes, todos os restantes referem funções da família que se situam ao nível do apoio emocional, tais como:
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“apoio para a construção da personalidade”; “para nunca nos sentirmos sozinhos”; “aprender a cuidar e a ser cuidado”; “resguardar e cuidar dos mais velhos”; “é o nosso suporte”; “para crescer com estabilidade emocional”; “abrigo nos maus momentos e partilhar os bons momentos”; “para nos proteger, apoiar, fazer crescer”; “sentido de pertença e apoio a todos os níveis”; “amor especial que se vive e que se sente”; “podermos partilhar com alguém tristezas, preocupações, sucessos e felicidade”; • “proteção, segurança, estabilidade”. A segunda categoria mais referenciada pelos participantes foi a função “educativa e socializadora” da família, sendo que as respostas de 18 participantes se situam nesta área: • “Transmitir valores éticos e civismo”; • “uma família serve para nos ensinarem, educarem...”; • “nos incutirem um conjunto de valores”; • “adquirir conhecimentos, regras, valores”; • “para transmitir ensinamentos básicos – andar, falar, comer, tomar banho, etc.”; • “educar os mais novos”; • “responsável por promover a educação dos filhos e influenciar o comportamento no meio social”, “transmitir valores morais e sociais”; • “socialização”; • “formar valores numa criança, ajudando-a a moldar ideias, pensamentos, desejos e emoções”. A resposta de um participante situou-se na dimensão “função recreativa” (“saber brincar”), o mesmo acontecendo com a dimensão “satisfação das necessidades básicas”. De salientar que dois adultos consideraram que a família serve “para tudo”. Tal como ocorreu no questionário respondido pelas crianças acolhidas, também nas respostas dos adultos se verifica que os aspetos lúdicos, referidos pela quase totalidade dos sujeitos na questão relativa ao que as famílias fazem juntas, deixa de assumir um papel relevante quando se abordam diretamente as funções da família. Para além do lugar central que a família desempenha enquanto espaço de partilha de afetos, segurança e satisfação pessoal (Duvall & Miller, cit. por Silva, S., 2009), a dimensão educativa e socializadora ocupa igualmente um papel relevante, o que poderá estar associado às funções profissionais atribuídas aos adultos que participaram neste estudo, no qual a vertente educativa/socializadora assume um papel central.
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– Importância do pai e da mãe para a criança Através de uma pergunta aberta, questionou-se os participantes sobre se consideravam que o pai e a mãe são igualmente importantes para a criança ou se existem diferenças, solicitando-se que justificassem a sua resposta. Dos 43 sujeitos, 39 foram da opinião de que o pai e a mãe são igualmente importantes, referindo nomeadamente que: • “são igualmente importantes. Na falta de um (do pai ou da mãe), a criança não terá menos educação... Apenas terá uma infância talvez diferente”; • “são iguais... No caso em que as crianças são “criadas” só pelo pai ou pela mãe, aí pode ser um mais importante”; • “embora o papel de cada um seja diferente, completam-se”; • “são igualmente importantes, porque ambos podem ter papéis diferentes na educação dos filhos”; • “são igualmente importantes, porque amam de uma forma única... Não atribuo importância à palavra “pai” e “mãe”, mas sim à função e às experiências que poderão proporcionar à criança, porque essas diferentes funções poderão ocorrer quando dois homens educam uma criança ou duas mulheres o fazem”; • “ambos devem desempenhar o mesmo papel”; • “devem desempenhar os dois as mesmas funções”. Dentro das respostas que atribuem igual importância ao pai e à mãe, alguns participantes referem-se especificamente à presença simultânea de referências masculinas e femininas, afirmando nomeadamente que: • “ambos são imprescindíveis no desenvolvimento e na educação da criança”; • “ é importante para o sexo masculino sentir-se integrado na sociedade tendo como referência o modelo masculino, assim como em relação ao sexo feminino”; • “são igualmente importantes mas existem diferenças, porque a criança necessita de referências femininas e da masculina para crescer saudável e equilibrada”. Dos dois participantes que consideraram que existem diferenças na importância do pai e da mãe para a criança, ambos são da opinião de que a mãe é mais importante na fase inicial do desenvolvimento da criança: • “a mãe é mais importante do que o pai, por exemplo, na fase de amamentação”; • “nos primeiros anos de vida, a mãe é mais importante do que o pai”. Dois sujeitos consideraram que a importância atribuída ao pai ou à mãe “varia muito do tipo de pai ou do tipo de mãe, há casos em que há diferenças, noutros não” e que “existem diferenças porque são pessoas diferentes. A diferença faz parte do crescimento”.
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– Papéis Familiares Com o objetivo de avaliar a atribuição que os participantes fazem do desempenho de determinados papéis pelo pai, pela mãe ou por ambos, solicitou-se que assinalassem, entre diversas tarefas “indiretamente relacionadas com a criança”, tais como trabalhar para ganhar dinheiro, tratar da casa e da roupa, fazer a comida, fazer reparações; e “diretamente relacionadas com a criança” – instrumentais (dar a mesada, ir ao médico ou à escola com a criança, ajudar nos trabalhos da escola) e de cariz emocional (brincar ou passear com a criança, dar mimos ou disciplinar e ralhar com a criança), as que deveriam ser realizadas apenas pelo pai, apenas pela mãe ou por ambos. A quase totalidade dos sujeitos (39) foi da opinião de que tanto o pai como a mãe deverão realizar as tarefas consideradas. As diferenças situam-se na tarefa “fazer reparações (quatro opiniões de que deve ser o pai a realizar esta tarefa), tratar da casa e da roupa (uma opinião de que deve ser a mãe a ocupar-se desta tarefa) e dar a mesada à criança e ir ao médico/escola com a criança (uma opinião de que deve ser a mãe a desempenhar estes papéis). As diferenças de género não são, pois, consideradas como relevantes pelos participantes para o desempenho de papéis familiares, estejam estes direta ou indiretamente relacionados com a criança.
– Definição do conceito de família Nesta questão foi pedido, através de uma pergunta aberta, que os participantes definissem “família” em termos globais. Na análise dos resultados tiveram-se em conta várias dimensões, especificamente: - família nuclear, tradicionalmente considerada como sendo composta por pai, mãe e filhos; - família alargada, constituída por membros da família extensa; - com /sem laços de sangue, ou seja, existência ou não de consanguinidade; - vivem juntos, partilhando o mesmo espaço; - desempenho de funções na educação das crianças; - laços afetivos; - outras, não incluídas nas dimensões anteriores. Dois participantes atribuem a definição de família à dimensão “família nuclear”, considerando família como “um casal com filhos” – “família é constituída por pai, mãe e filhos”. A dimensão família alargada é, igualmente, considerada por dois sujeitos: “família é um todo composto pelo pai, mãe, avós, filhos, netos...”; “pai, mãe, filhos, avós, tios, padrinhos”. No que diz respeito à existência ou não de laços de sangue, três participantes atribuem a definição de família a esta dimensão: “desde que haja pelo menos duas pessoas unidas por laços de sangue”; “conjunto de pessoas... que partilham laços
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de sangue”; “grupo de pessoas com laços de consanguinidade”. Pelo contrário, 12 sujeitos consideram que a existência de laços de sangue não constitui uma dimensão necessária na definição de uma família: • “família não tem de ser só pessoas do nosso sangue; uns pais adotivos também são a família da criança adotada”; • “família é aquela que tu valorizas, independentemente do sangue ou laços familiares”; “grupo de pessoas que podem ser ou não de sangue”; • “onde coabitem duas ou mais pessoas com laços sanguíneos e/ou que se amem”; “algumas vezes não é a biologia, mas sim aquela que vamos construindo”; • “não interessa ser familiares de sangue, mas sim um conjunto de sentimentos”; • “mais do que... partilha de traços genéticos, é uma ligação de confiança e segurança”. A coabitação é uma dimensão referida por nove participantes na definição de família, os quais são da opinião de que, para se considerar uma família enquanto tal, os seus membros partilham a mesma casa. Nove participantes consideram a existência do desempenho de funções na educação das crianças na definição de família, referindo nomeadamente a importância da “disciplina e educação”, “formação das crianças”, “agente de socialização da criança”, “potenciar um processo de socialização salutar”, afirmando que família “é aquela que te acompanha, educa e ralha, que te passa os valores”. A existência de laços afetivos enquanto dimensão associada à definição de família é referida por 26 participantes, sendo a dimensão que surge com maior frequência. Das referências feitas, destacam-se as seguintes: • “laços que perduram para a vida”; • “as pessoas que nos amam”; • “pessoas que estão ligadas a nós por laços emocionais e afetivos... Queremos tê-las perto de nós e delas temos saudades”; • “conjunto de pessoas que nutram sentimentos de amor, carinho e amizade”; • relações que nos ajudam durante a vida e com as quais partilhamos ideias e sentimentos”; • “rede íntima de afetos”; • “relações fortes, que nos fazem sentir bem e nos trazem equilíbrio para uma vida feliz”. Da dimensão “outras” fazem parte todas as referências que não se encontram incluídas nas dimensões anteriores, tendo sido consideradas as respostas de 20 pessoas direcionadas nomeadamente para a partilha de valores (“respeito”, “confiança”, “honestidade”), desempenho de papéis e presença de grau de parentesco ou relações de afinidade.
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3.3. ADOÇÃO 3.3.1 METODOLOGIA PREPARAÇÃO PRÉVIA À RECOLHA DOS DADOS Tendo em conta os objetivos do estudo, construiu-se um questionário a ser preenchido pelos pais que abordasse questões tais como o conhecimento da criança acerca do que é uma família, um pai, uma mãe, as suas funções, relações de parentesco, entre outros.
SELEÇÃO DA AMOSTRA E PROCEDIMENTOS PARA A RECOLHA DE DADOS Na amostra recolhida em 2013, foram contempladas as situações de crianças em pré-adoção ou recentemente adotadas, acompanhadas pelo serviço de adoção da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa/UAACAF. A idade da criança considerada foi a partir dos três anos de idade, à data de integração na família. Para tal, inicialmente contactámos as famílias telefonicamente, enviando posteriormente um email, expondo o objetivo do estudo e solicitando a colaboração para o preenchimento do questionário enviado em anexo e, de seguida, o respetivo reenvio. Nesta sequência, é de referir que a recolha da amostra esteve dependente da colaboração das famílias, sendo que a maioria se mostrou interessada, todavia, a amostra é mais pequena do que o inicialmente previsto por falta de participação de algumas das famílias.
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA Na recolha da amostra, de acordo com a figura 1, responderam aos questionários seis casais, um dos quais com um filho biológico e três singulares. Figura 1. Tipologia das famílias que responderam ao questionário
TIPOLOGIA DA FAMÍLIA
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A amostra é constituída por nove crianças. No que respeita à idade, a amostra distribui-se de acordo com a figura 2, e, assim, crianças com idades compreendidas entre os quatro e os oito anos. Considerando o género, conforme figura 3, seis crianças são meninas e três são meninos. Figura 2. Idade das crianças
IDADE
Figura 3. Sexo das crianças
SEXO DAS CRIANÇAS
As crianças da amostra, à data do início da pré-adoção, estavam acolhidas em instituições da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e outras, conforme distribuição na figura 4. Figura 4. Local de acolhimento das crianças
LOCAL DE ACOLHIMENTO
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3.3.2 TRATAMENTO DOS DADOS QUESTIONÁRIOS ÀS FAMÍLIAS A partir do questionário construído com perguntas abertas, foi utilizada a metodologia de análise de conteúdo, que teve em conta as seguintes categorias e dimensões:
CATEGORIAS
DIMENSÕES
Palavras associadas à família
União/Estar juntos
Sentimento de apropriação O QUE É UMA FAMÍLIA
Figuras familiares Espaços da casa Outros
Para que serve (funções)
Educativa
Quem faz parte
Família nuclear Família alargada Animais
Desconhecimento
Vazio
CATEGORIAS
DIMENSÕES
Sentimento de apropriação
- Importante para si - Importante para apresentar aos outros
Imagem de mãe
- Família biológica - Abandono - Ambivalência
Para que serve (funções)
- Satisfação das necessidades básicas - Função de proteção - Função educativa - Apoio emocional
Expetativas futuras
- Outros
Desconhecimento
- Vazio
O QUE É UMA MÃE/ SER MÃE
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CATEGORIAS
O QUE É UM PAI/ SER PAI
Sentimento de apropriação
- Importante para si - Importante para apresentar aos outros
Imagem de pai
- Família biológica - Incerteza - Outros
Para que serve (funções)
- Satisfação das necessidades básicas - Função de proteção - Função educativa - Apoio emocional
Desconhecimento
- Vazio
CATEGORIAS
O QUE É UM FILHO/ SER FILHO
DIMENSÕES
Palavras associadas a filho
- Condição de criança - Necessidade de pertença
Papéis familiares
- Direitos - Deveres
Sentimento de apropriação
- Apoio emocional - Ligação
Desconhecimento
- Vazio
CATEGORIAS QUAIS AS DIFERENTES RELAÇÕES DE PARENTESCO?
DIMENSÕES
DIMENSÕES
Família alargada
- Avós - Tios - Primos
Papéis familiares
- Casal - Filho
Desconhecimento
- Vazio
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CATEGORIAS
Papéis familiares
-
Para que serve (funções)
- Atividades de cariz instrumental - Apoio emocional
Desconhecimento
- Vazio
COMO É VIVER EM FAMÍLIA?
CATEGORIAS
O QUOTIDIANO DE UMA FAMÍLIA
Família tradicional Família nuclear Desconhecimento Família alargada Pais e outros Direitos Deveres Outros
DIMENSÕES
Como é o quotidiano
- Rotinas - Tarefas domésticas - Tarefas fora de casa
Espaços de casa
- Cozinha
Desconhecimento
- Vazio
CATEGORIAS
AS DIFERENTES FUNÇÕES DE UMA FAMÍLIA
DIMENSÕES
DIMENSÕES - Apoio emocional • Segurança • Insegurança
Para que serve (funções)
- Função educativa • Relatos - Outros
Desconhecimento
- Vazio
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3.3.3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS QUESTIONÁRIOS ÀS FAMÍLIAS Tal como já referido anteriormente, a aplicação deste questionário teve como objetivo clarificar, a partir do levantamento efetuado pelas famílias, a noção que a criança tinha de diferentes dimensões relacionadas com a vivência em família. Desta forma, foi pedido aos pais que fizessem uma descrição acerca do assunto, colocando-se uma pergunta aberta: “que noção tem o seu filho sobre…?” – O que é uma família Algumas respostas das famílias a esta questão inserem-se na categoria palavras que lhe estão associadas, na dimensão de união/estar juntos, referindo, por exemplo, «grupo de pessoas» e «relacionadas entre si». Algumas respostas das famílias a esta questão inserem-se nas diferentes dimensões da categoria sentimento de apropriação: • figuras familiares: «a minha mãe»; • espaços da casa: «o meu quarto», «o meu lugar», «o quarto dos meus pais», «a nossa casa», «casa do papá», «casa da ma» (nome da criança), «casa da gatinha», «casa de todos»; • outros uma família respondeu a esta questão referindo que a criança diz «passar a ter uma família». Na categoria para que serve uma família (funções), as respostas inserem-se na dimensão educativa: «as pessoas que tomam conta» e «racionalmente, sabia que tinha regras». Na categoria quem faz parte de uma família, as respostas inserem-se em três dimensões: • a família nuclear: «eu, pai, mãe, irmão/irmã», sendo que, na apropriação do termo, surge em jeito de exemplo «pai e mãe eram os nossos nomes», remetendo para confusão/desconhecimento; • a família alargada: surgindo como exemplo «tios», «avô ou avó significava pessoas de cabelos brancos»; • a presença de animais: «cão», «gato». Na categoria desconhecimento as respostas enquadram-se numa dimensão de vazio: «não tinha uma noção clara», «não tinha qualquer noção», «ausência de resposta» e «noção quase inexistente».
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– O que é uma mãe/ser mãe Na categoria sentimento de apropriação, as respostas inserem-se: • é importante para si:: «alguém que é especial porque é só sua», «a minha mãe», «a minha mamã», • é importante para apresentar aos outros:, «dizer aos colegas da escola», «dizer aos colegas que é a mãe», «não tinha mamã; agora tenho». Na categoria imagem de mãe as respostas inserem-se: • família biológica: «comparada com a família biológica», «uma pessoa que vem visitar durante as tardes e traz comida e brinquedos». • relacionada com o abandono: a criança questionou «porque é que a mãe não ficou com ele», «onde é que ela está agora», «se a mãe tem uma casa», «o que é que ela não sabia fazer». Surge ainda a imagem de mãe «ligada aos desenhos animados e aos filmes» • Na dimensão de ambivalência, falando a criança de «mães boas e mães más». Na categoria para que serve uma família (funções), as respostas são enquadradas nas dimensões: • satisfação das necessidades básicas: «é quem dá de comer, banho» e «é alguém que trata»; • função de proteção: «é quem protege»; • educativa: «brincar», «passear», «ralhar», «ir buscar à escola e levar para casa»; • apoio emocional: «é quem dá beijinhos», «é uma amiga» e «dar carinho». Na categoria expetativas futuras, são exemplos de respostas: «todos os seus desejos seriam satisfeitos» e «para satisfazer todas as vontades». No que se refere à categoria desconhecimento as respostas enquadram-se numa dimensão de vazio: «não havia noção», «não tinha noção».
– O que é um pai/ser pai Na categoria sentimento de apropriação, as respostas integram-se nas seguintes dimensões: • importante para si: «papá Ricardo», «pai ou papá porque lhe tinham dito que era assim»; • importante para apresentar aos outros: «é o meu papá, dizia aos colegas da escola». Na categoria imagem de pai consideram-se as seguintes dimensões de resposta: • família biológica: «contou ter visto fotografias de um namorado da mãe e de ela ter dito que era o pai». • incerteza: «no início era mais desconfiado com o pai», «se se atrasava no trabalho parecia achar que ele não voltaria»; • outros: «ao que ouvia na televisão» e ao que «ouvia na escola».
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Na categoria para que serve um pai (funções) identificam-se as seguintes dimensões: • satisfação das necessidades básicas: «é dar banho», «é fazer comida», «é cuidar», «aos poucos foi percebendo que ele sabia cuidar dela tanto quanto eu e acho que valorizou muito»; • função de proteção: «o pai tem que ser forte», «e tem que ser alto», «o pai sai para trabalhar», «o pai protege»; • educativa: «hoje gosta de fazer coisas com o pai», «estava à espera de muita brincadeira, diversão, agitação», «ser pai é contar histórias, brincar», «ser pai é levar à escola, a passear e dar colo»; • apoio emocional: «tem que pegar muito ao colo», «ser pai é dar colo». Na categoria desconhecimento as respostas enquadram-se numa dimensão de vazio, tais como «algo mais abstrato», «não tinha noção» e «o conceito era vago».
– O que é um filho/ser filho Na categoria palavras associadas a filho, as respostas enquadram-se nas dimensões: • condição de criança: «associado à condição de criança»; • necessidade de pertença: «a ideia de que os filhos são de alguém», «o que é normal é as crianças terem uma mãe», «o filho brinca e estuda para um dia arranjar um emprego», «um filho é uma criança de quem os adultos devem cuidar». Na categoria papéis familiares, são identificadas duas dimensões: • direitos: «um filho deve respeitar os pais», «eu sou uma criança, não posso trabalhar», «as crianças não vão para a prisão mesmo que se portem mal», «eu mando em mim e no meu corpo», «as crianças precisam de brincar muito», «o pai tem que me dar muita comida, porque senão eu morro e o pai fica sem filho» • Deveres; «ajudar os pais» e «ajudar a família». Foram identificadas respostas na categoria sentimento de apropriação, nas dimensões • apoio emocional: «um filho tem miminhos da mãe», «que a condição de filho estaria associada a uma relação profunda», «os pais têm que gostar dos filhos», «quando eu era pequenina e vivia na casa com os outros meninos, eu gostava mesmo de ter uma mamã e um papá só para mim, agora já tenho e para sempre». Foi ainda referido um exemplo em que a criança, em contexto lúdico, «utiliza bonecos de peluche e chama-lhes filhos, dando-lhes abraços e beijinhos», «alguns bonecos eram filhos por serem pequenos». • ligação: «eu sou tua filha», «nos primeiros tempos tanto ficava bem com os novos pais como ficava com outra pessoa que já tivesse visto algumas vezes» e «ainda não estavam criados os laços de afetividade».
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Outras famílias responderam a esta questão da categoria desconhecimento com respostas que se enquadram na dimensão de vazio, tais como «não tinha noção» e «não tinha qualquer noção».
– Quais as diferentes relações de parentesco? Na categoria família alargada, as respostas integram-se nas seguintes dimensões: • avós: «tinha noção da existência de avós numa família, mas o facto de serem pais da mãe ou do pai foi uma verdadeira revelação – afinal os pais também têm pais», «atualmente já consegue distinguir que os avós são mais velhos, depois os tios e a seguir os primos»; • tios/primos: «ainda hoje é de difícil apreensão e motivador de alguma perplexidade e diversas confusões» «a complexidade desta teia de relações familiares está ainda a ser lentamente entendida e assimilada»; «apenas quando conheceu a restante família foi conhecendo os diferentes laços». Na categoria papéis familiares, as dimensões de resposta foram: • casal, «não sabia o que era o casamento», «não compreendia que o casamento acontece entre pessoas que no início não fazem parte da mesma família mas que depois se conhecem e ficam juntas»; • filho: «cedo percebeu que era a mais pequena, o mais novo elemento»; «que as atenções eram todas para ela e que ocupava o lugar central na família». Outras famílias responderam a esta questão, na categoria desconhecimento, com respostas que se enquadram na dimensão de vazio, como «não tinha mesmo nenhuma noção», «não tinha qualquer noção», «ainda não sabe», «não sabia», «era total o desconhecimento sobre parentesco», «tinha pouca ou quase nenhuma noção de que existiam famílias, em que cada pessoa ocupava um lugar, havendo laços de parentesco entre eles, não sabia como isso funcionava no dia-a-dia» ou «levou algum tempo a perceber quem era quem, quem tinha nascido primeiro, quem descendia de quem».
– Como é viver em família Na categoria papéis familiares, identificam-se respostas nas seguintes dimensões: • família tradicional: «acho que tinha uma ideia muito “tradicional” do que é uma família”», «o pai trabalhava, a mãe cuidava da casa, o pai conduzia o carro e decidia as coisas» • família nuclear: «há um primeiro núcleo familiar pai-mãe-filha», «apenas sabia que éramos as pessoas que tratavam dela». • desconhecimento: «desconhecia a maioria dos papéis desempenhados por cada um», «desconhecia», «não tinha referências» e «não percebia que cada grupo de família mora em sua casa e não todos juntos na mesma casa» • família alargada: «sabe que a avó pode cuidar dela quando necessário»; «foi-se apercebendo que os avós têm tarefas que a mãe não tem» e «foi percebendo
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que os avós têm tarefas que eu não tenho»; «serve especialmente para brincar» e «para lhe deixar fazer coisas que habitualmente não faz em casa»; «o tio é companheiro de brincadeira e de gulodices» e «a tia brinca e toma conta quando é necessário». • pais e outros: «revelou alguma confusão entre o papel feminino e a figura de mãe», «quando conheceu a pessoa que vem a casa tratar da roupa e da limpeza da casa, chamou-a de mãe»; «quando estava distraído/divertido, também era frequente chamar pai a outros do sexo masculino». • Direitos: «não tinha uma ideia muito clara dos direitos e deveres», • deveres; «percebeu que há regras». • outros; «sempre viveu numa comunidade em que cada um, adultos e crianças têm papéis, transitou e aplicou com facilidade ao transitar para a família». Na categoria para que serve (função), consideram-se duas dimensões: • apoio emocional: «percebeu que tem uma atenção dos pais só para ela», «quando está a família toda junta, se houver algum problema, vai logo ter com a mãe» e «sabe o que pedir e a quem (pai/mãe) e a maneira como cada um reage»; • atividades de cariz instrumental: «os adultos não dormem, dizendo ‘lá na outra casa são sempre quatro, todas meninas e não dormem nunca’». Outra família respondeu a esta questão, integrada na categoria desconhecimento, na dimensão “vazio”: «nunca tinha tido a oportunidade de viver em família até à adoção».
– O quotidiano de uma família Na categoria Como é o quotidiano, as respostas enquadram-se nas dimensões: • rotinas: «desconhecia», «de início, não sabia», «este ponto foi um bocado complicado, não estava habituada a nada» e «grande parte eram completamente estranhas»; «mostrava-se à vontade apenas nos momentos que coincidiam com a rotina que conhecia no lar», «depois quase de imediato percebeu qual eram as rotinas» e «depois passou a integrá-las como se tivesse vivido connosco desde sempre». • tarefas domésticas: «era participativa com empenho (limpezas, arrumações, fazer a cama, aspirar)», «deslumbrou-se com muitas atividades, especialmente o cozinhar», «apesar da tenra idade queria fazer sempre aquilo que estávamos a fazer», «desde sempre o hábito de arrumar as suas coisas», «sabia o que era arrumar»; • tarefas fora de casa: «deslumbrou-se com muitas atividades e ir às compras», «a primeira vez que foi ao supermercado foi connosco», «no início revelava desconhecimento», «supermercado, lojas suscitava uma enorme curiosidade», «como era novidade tudo merecia ser observado de perto e em pormenor» e «sempre que havia alguma coisa que merecesse atenção aproximava-se e ficava absorto».
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Na categoria espaços de casa, destaca-se a dimensão “cozinha”: «era tudo novidade, especialmente o fogão», «não sabia o que era uma cozinha», «não tinha qualquer noção do que era arroz, esparguete e legumes crus – “eu não posso comer assim?”, “isto depois não fica igual ao que comemos?”».
– As diferentes funções de uma família Na categoria para que serve (funções), são identificadas diversas dimensões: • apoio emocional: segurança: «mamã, gosto dos teus abracinhos», «mamã, papá, quero ficar contigo para sempre, nunca vou sair desta casa», «cuidas de mim até eu ficar boa?», «precisava de ter a certeza de que nós estávamos dispostos a enfrentar todos os desafios para cumprir essas funções»; apoio emocional – insegurança: «tu agora vais ficar comigo para sempre?», «quando cheguei aqui gostava mais dos meus pais biológicos; hoje gosto muito, muito mais de vocês»; • função educativa: «quem manda são os adultos, eles é que são grandes e sabem»; «tu já sabes fazer (pintar, desenhar, cozinhar, arrumar) porque andaste na escola e aprendeste e agora ensinas-me»; «apenas queria que todos participassem nas brincadeiras dele» e «penso que esperava muito mais diversão e agitação na nova família»; • relatos: «se conhecia algumas destas funções foi seguramente por lhas terem relatado» e «acho que ela veio muito bem preparada do centro e sabia quais as funções de uma família»; • outros: «tinha a ideia de que ia ter tudo novo» e «estava sempre a perguntar “esta roupa é nova?”, “estes sapatos são novos?”». Outras famílias responderam a esta questão, integrada na categoria “desconhecimento”: «não tinha noção», «penso que desconhecia em absoluto o que é uma família» ou «uma coisa é ela saber como é uma família porque vê nos filmes e porque viu também com os colegas da escola; outra é na realidade».
3.4. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Dos dados obtidos no estudo empírico, e numa perspetiva transversal às duas amostras, surge reforçada a necessidade de se trabalhar o conceito de família nas crianças acolhidas, tornando-o num fator efetivo de suporte à elaboração da situação de acolhimento, bem como à perspetivação e concretização dos seus projetos de vida, sejam eles quais forem, nomeadamente a adoção. Como principal conclusão do estudo realizado, sublinha-se que: “A representação do conceito de família, tanto pelos adultos cuidadores como pelas crianças/jovens, surge desligada dos aspetos práticos e concretos, assentando sobretudo numa idealização construída abstratamente, sobrevalorizada face a outros aspetos vivenciais e relacionais.”
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Para além desta conclusão, importa destacar outros resultados considerados pertinentes para a nossa proposta. Assim, • o conceito de família assenta quase exclusivamente nos aspetos emocionais e relacionais, surgindo com maior evidência na amostra de crianças integradas em família de adoção, que os identificam procurando a sua apropriação; • para as crianças/jovens em acolhimento, a existência de grau de parentesco assume maior importância do que para os adultos cuidadores, quando se pensa no conceito de família. Decorre dos dados obtidos que a noção de parentesco, sendo conhecida, é de difícil entendimento e concretização, ficando mais explicitada esta dificuldade na amostra da adoção, onde lhes é exigido um posicionamento nesta teia relacional; • o conceito de família aparece claramente idealizado em ambas as amostras de crianças, sendo tal evidenciado pela referenciação de sentimentos positivos; • relativamente às tipologias familiares, na amostra do acolhimento, os aspetos da coabitação e da existência de duas ou mais pessoas aparecem a par da existência de laços afetivos. Este dado é consubstanciado quando se analisam os desenhos das crianças acolhidas, nos quais a representação gráfica da família é composta quase exclusivamente por um “pai”, uma “mãe” e “filhos”. Nos questionários assiste-se ao reforço desta ideia, com especial incidência no que respeita à existência de “filhos(s)”; • outro estereótipo associado à família prende-se com a definição dos papéis, quando demonstram, nas suas brincadeiras, figuras masculinas a desempenhar tarefas que pressuponham mais a componente técnica e as figuras femininas a desempenhar tarefas relacionadas com a lida doméstica; • na amostra da adoção, a construção da imagem de pai/mãe surge também por comparação com a família biológica; • as atividades lúdicas surgem como uma das principais ocupações que a família desenvolve em conjunto. No entanto, a função familiar privilegiada, pelas amostras dos dois grupos, é a de suporte/segurança e apoio emocional, e não a dimensão com cariz lúdico; • a função familiar relativa à satisfação das necessidades básicas é desvalorizada pelas crianças acolhidas, sendo quase esquecida, ao contrário do que acontece na amostra da adoção, onde é percecionada pelas crianças como uma importante função da família; • é atribuída muita importância à família pela esmagadora maioria dos elementos das amostras do estudo do acolhimento e do estudo da adoção.
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4. PREPARAÇÃO DA CRIANÇA PARA A ADOÇÃO – PROPOSTA DE BOAS PRÁTICAS Na presente proposta de boas práticas, e tendo por base a investigação e os decorrentes resultados obtidos, propomos uma estratégia de ação concertada, intencionalmente orientada, que visa dotar as crianças e jovens de uma noção aproximada do conceito de família, contornando os constrangimentos decorrentes de um processo de acolhimento institucional. De forma a sistematizar as estratégias, consideramos quatro momentos distintos, cronologicamente sequenciais num registo de intercomplementaridade.
ELABORAÇÃO DA SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO DECISÃO JUDICIAL: AFASTAMENTO FACE À FAMÍLIA BIOLÓGICA
NOVOS MODELOS RELACIONAIS
PREPARAÇÃO PARA A INTEGRAÇÃO
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4.1. ELABORAÇÃO DA SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO O processo de elaboração da situação de acolhimento assume-se como uma das principais áreas de intervenção em contexto institucional, quer na perspetiva de contribuir para a adaptação da criança/jovem a esta nova condição de vida, quer como elemento facilitador do seu processo global de desenvolvimento. Neste sentido, a criança deve ser ajudada a integrar o momento do acolhimento na sua história de vida, enquanto momento importante na construção/reforço da sua identidade, situação essencial para o seu crescimento estruturado. De facto, para uma criança/jovem a quem é aplicada uma medida de acolhimento residencial, perder o mundo que conhece e as suas referências (a família, amigos, casa, vizinhos, comunidade, bem como os seus brinquedos, hábitos, comida, cheiros e rotinas) constitui uma vivência singular, que pode ser experienciada por cada criança/jovem de diferentes formas, que deve ser incorporada na sua história. O passado, o presente e o futuro são quebrados, perdendo a criança a sensação de segurança e controlo em relação ao que lhe vai acontecer. Tratando-se de uma experiência de perda, a adaptação a essa nova situação envolverá a vivência de um processo de luto, tendo a criança de lidar com a rutura de vínculos, sentindo abandono e insegurança, além da rutura na continuidade da sua história. No processo adaptativo da criança, devem, assim, ser abordados aspetos que remetem para estes abandonos/perdas da família biológica, para a culpabilidade face ao acolhimento/afastamento do ambiente em que vivia e para a representação da sua origem/família (que, inevitavelmente, se manifestará durante todo o processo de crescimento, numa eventual integração em contexto familiar e, futuramente, no momento de constituição da sua própria família). Paralelamente, e como ficou plasmado nos resultados obtidos no estudo empírico realizado, identifica-se um processo de idealização do conceito familiar face à incapacidade da criança se perspetivar enquanto descendente de figuras maltratantes, dificilmente suportável pela sua estrutura psíquica. Face a esta situação, importa trabalhar num processo intencional o conceito interno/representação de família, quer através de dinâmicas que as aproximem das realidades vivenciais (institucional/familiar), quer através de metodologias de ação orientadas para o efeito.
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4.1.1. VIVÊNCIA FAMILIAR/DINÂMICA VIVENCIAL DAS CASAS DE ACOLHIMENTO Sabendo que o processo de reparação deverá ocorrer junto de crianças que experienciaram vivência de abandono/negligência ou maus-tratos, importa considerar um grupo de crianças que nunca experienciou a vivência familiar e cuja orientação da intervenção deverá ser não no sentido da reparação do conceito, mas sim para a construção do mesmo. Na verdade, para muitas crianças, o contacto com o conceito de família acaba por se resumir à família que está na televisão, nos desenhos animados, na publicidade, numa realidade estereotipada com pais e mães próximos da perfeição, que se entrelaçam nos contos infantis dos príncipes e princesas que tiveram filhos e viveram felizes para sempre. Também os livros didáticos (para não falar nos religiosos) e a conotação de valor associada à família pela sociedade em geral (suportada por construções socialmente aceites comuns na sociedade ocidental) tendem a acentuar esta organização familiar. De sublinhar que as crianças que crescem em família também estão expostas a esta realidade estereotipada, com a salvaguarda, porém, de que vão progressivamente aferindo estes conceitos representativos por meio de comparação com a sua família, não se limitando à construção interna do constructo exclusivamente com base nesta imagem socialmente construída. Relativamente à eventual aproximação da vivência institucional à vivência familiar como reforço de contexto a um constructo interno que se pretende próximo da realidade, teremos de considerar na ação a existência de óbvias e inultrapassáveis diferenças. A título de exemplo, podemos destacar o facto de a criança institucionalizada não ver os adultos/cuidadores a tomar banho, de pijama a ir dormir, chegando as mais pequenas a questionar-se sobre se os adultos necessitam mesmo de dormir, como foi evidente na amostra de crianças integradas em família de adoção, onde este aspeto foi destacado. Como forma de minimizar esta dificuldade, deverão ser potenciados momentos em que tal ocorra, como são os períodos de passeio/colónias, onde a vivência do cuidador é mais próxima da criança e da própria realidade. Por outro lado, a vivência institucional acaba por encerrar algumas semelhanças com a vivência familiar, em especial no que reporta aos aspetos de funcionalidade. Deixando de parte outra questão central no acolhimento e transversal a todas as áreas desenvolvimentais – o processo de referenciação/vinculação –, verificamos que numa casa de acolhimento existem rotinas organizadoras do quotidiano semelhantes às que são vivenciadas numa família (e que variam de família para família): o acordar a determinada hora, o momento do pequeno-almoço (por norma, agitado, como em qualquer família tradicional), o ir para o JI/escola, o regresso a casa, o banho, o jantar e o adormecer. A grande diferença entre os dois contextos reside nas variáveis que estão associadas a estas rotinas, nomeadamente o quem
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faz, o tempo em que acontecem, a individualidade, a flexibilidade e a previsibilidade com que decorrem. Assim, importa focalizar a intencionalidade pedagógica a estas rotinas, dotando-as de outras características. Numa família, a previsibilidade de quem acorda a criança, de quem a vai levar/ buscar à escola é mais constante e contínua, sabendo a criança antecipadamente quem irá assumir esta tarefa (por norma, muito limitada em opções), sendo apenas informada do contrário quando surgem alterações nessa dinâmica. Por sua vez, na Casa de acolhimento, quem deita/adormece a criança não é a mesma pessoa que a acorda e nem sempre se consegue garantir que é a mesma pessoa a ir buscá-la à escola (até porque o leque de opções é muito mais amplo), sendo muito comum, como resultado desta situação, as crianças perguntarem, no percurso para a Casa de acolhimento: “quem está hoje em casa/serviço?” onde se procura segurança e previsibilidade. Efetivamente, a forma como a rotina decorre, por muito articulada que seja, tem a sua especificidade em função dos cuidadores presentes e a criança sabe-o. A questão da previsibilidade é, assim, uma estratégia a implementar, podendo o escalonamento dos cuidadores no horário ter também em conta o interesse das crianças, ficando a escala exposta semanalmente em local acessível às crianças. A questão de previsibilidade é extensível a outras áreas, como o ir ao médico ou as suas atividades extracurriculares, onde se poderá estrategicamente antecipar com a criança estes momentos, o que, consequentemente, lhes fornece uma noção de autocontrolo sobre o seu quotidiano/vida. Pode sugerir-se a utilização de um mapa semanal individual acessível à criança que indique as suas atividades/consultas e quem a irá acompanhar. A outra variável que importa considerar neste processo prende-se com o tempo, pois, por exemplo, numa família, a rotina do banho surge muitas vezes associada a uma rotina de descontração e de contacto privilegiado entre pais e filhos, existindo, por norma, mais adultos do que crianças para assegurar essa rotina. Na casa de acolhimento, o processo é contrário, pois é maior o número de crianças para tomar banho do que de adultos para garantir essa rotina, o que limita necessariamente este tempo de privilégio individual e personalizado. O tempo que os adultos, numa família, despendem para realizar as tarefas quotidianas é mais dilatado e transforma-se, mormente, em momentos de relação exclusiva. Este será um aspeto a considerar, devendo a dinâmica da Casa de acolhimento procurar quebrar, por exemplo, a rigidez da hora do banho (sem, com isso, colocar em causa o bom funcionamento da dinâmica), dividindo, sim, esses momentos pelo dia (uns de manhã, outros à tarde, por exemplo), de acordo com as necessidades das próprias crianças, o que permitirá ampliar o tempo de atenção individualizada na realização da rotina e introduzir individualidade na própria organização do dia (por exemplo, a adaptação dos horários em tempo de férias, a diferenciação dos horários em função das idades). A execução destas rotinas varia necessariamente de criança para criança, podendo a simples possibilidade de uma criança brincar uns
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minutos durante o banho ser decididamente marcante, num processo aproximado ao contexto familiar, em que são vivências comuns. Poderá surgir como orientação de trabalho para a equipa a necessidade de ajustar a dinâmica/rotina da Casa de acolhimento de forma a potenciar, num processo intencional, os processos de relação e previsibilidade. Dentro das rotinas, importa destacar aspetos que as crianças em instituição nem sempre acompanham – como sejam o passar a ferro, o estender a roupa, o aspirar, o coser roupa –, em particular as mais pequenas, uma vez que os jovens acabam por ser envolvidos nestas tarefas no âmbito do seu plano de autonomia. Será, assim, importante envolvê-los dentro das suas competências nestas rotinas, como, por exemplo, dar as molas enquanto o adulto estende a roupa (tarefa durante a qual se pode trabalhar a matemática, as cores, a motricidade fina). Esta implicação no cuidar da casa e dos bens (limpeza dos espaços comuns, quer sejam da família ou da Casa de acolhimento) tem igualmente uma forte componente formativa para as crianças, que passa também muito, como em toda a prática educativa intencional, pela atitude/modelo dos cuidadores, como é exemplo a simples atitude diária de escolher a roupa do dia seguinte com a criança, mas também perceber se a roupa que se usou tem mesmo de ser lavada, evitando a massificação do processo pouco pensado de “vai tudo para lavar”. Neste processo torna-se igualmente importante trabalhar os estereótipos de género associado à realização destas tarefas, muito presentes em ambas as amostras trabalhadas. Outra área em que as crianças institucionalizadas não têm um contacto tão próximo como as crianças integradas em contexto familiar está relacionada com a cozinha/confeção dos alimentos, surgindo este constrangimento de forma muito evidente aquando da integração das crianças em família de adoção. Importa, assim, contornar esta limitação, devendo estas crianças manter o contacto com os alimentos não confecionados (legumes, frutas, peixes), que poderá ser promovido em algumas “visitas” ao mercado e outras lojas que vendam estes alimentos ou no envolvimento das crianças na preparação de alguns alimentos, como a fruta, evitando-se apresentar estes alimentos já preparados. Como fica exposto, muitas vezes são gestos simples/normalizadores que aproximam a vida destas crianças à vida familiar, em especial no que reporta à funcionalidade do processo, pois, como foi anteriormente referido, existirão sempre limitações no processo face às regras de higiene e segurança alimentar que vigoram nas casas de acolhimentos (cozinheiras, impossibilidade de utilizar o frigorífico, de identificar de forma vivencial a preparação de uma refeição, etc.). Uma área passível de ser explorada prende-se com o contacto da criança com as rotinas familiares de exterior, pois nem sempre a criança acompanha o adulto nas compras – quer seja de roupa ou alimentos para confecionar –, acabando por ser uma realidade muito presente (quase diária) na família e não muito regular na casa de acolhimento.
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Destacaríamos, ainda, a importância de se evitar, dentro do possível, ações que conduzam ao reforço do referencial acolhimento de massificação, como são, por exemplo, a presença de médicos a vacinar todas as crianças, a realização de ações de formação de competências realizadas por entidades externas na própria Casa de acolhimento, a presença de muitos voluntários nas rotinas sem um papel emocional devidamente definido, onde se incluem igualmente situações de natureza mais estrutural e que não acontecem no contexto familiar, como é a utilização de livro de reclamações, extintores, papel seca-mãos.
4.1.2. A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO INDIVIDUALIZADA. Na implementação efetiva de todo este trabalho importa garantir a existência de condições que promovam a referenciação afetiva das crianças e jovens aos seus cuidadores, numa perspetiva abrangente de potenciar a disponibilidade interna para pensar e “ancorar” afetos, garantir o substrato de segurança indispensável ao desenvolvimento e, inevitavelmente, a promoção da aceitação/interiorização dos novos modelos relacionais. Este processo de referenciação afetiva, que pode passar, nas crianças mais novas, por um processo de maternage e, nas mais crescidas, pela constituição dos seus cuidadores como modelos individuais e relacionais, assume-se, assim, como indispensável no acolhimento residencial, de forma transversal a toda a intervenção desenvolvida, mesmo considerando que a tarefa de formar novas relações é um processo complexo em crianças que aprenderam a usar estratégias defensivas na sua família biológica. Tais estratégias, que nesse contexto eram adaptativas, passam a ser não adaptativas e a criar barreiras à situação de acolhimento ou adoção, nomeadamente na integração e adesão a novos modelos de relação, traduzindo-se em crianças que necessitam de refundar a sua confiança nas relações humanas. Deve, portanto, ser reduzida a probabilidade de rutura nas novas relações de adoção ou no contexto de acolhimento, reparando-se este referencial e dotando esses contextos de maior consistência afetiva.
4.1.3. POSICIONAMENTO TÉCNICO DOS CUIDADORES FACE AO TEMA Aos cuidadores a exercerem funções integrados nas equipas educativas das casas de acolhimento é feito um forte apelo não só às suas competências técnicas, mas também às suas competências psicossociais, sendo que estas estão intrinsecamente ligadas aos aspetos emocionais e vivenciais de cada um enquanto indivíduo, independentemente de se encontrar ou não no exercício de uma função, determinando o seu agir no quotidiano. O autoconhecimento e a reflexão sobre as suas vivências são fundamentais para que cada um se consiga posicionar
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adequadamente na totalidade do exercício da sua função. O mesmo acontece com o impacto que as vivências familiares, perceções e estereótipos têm na relação com as crianças e na relação das crianças com as suas famílias. Ainda que não de uma forma consciencializada, o conceito de família de cada um é transmitido às crianças que se encontram aos seus cuidados – um olhar mais crítico, a valorização de um ou outro aspeto das dinâmicas emocionais e afetivas das famílias, bem como dos aspetos funcionais, determinarão a construção do conceito nas crianças e jovens. O cuidado com este aspeto é fundamental, na medida em que as vivências no acolhimento remetem igualmente para a história pessoal de cada um dos profissionais. Por isso, estar atento às suas próprias reações e sentimentos ajuda a entender as reações e os comportamentos de cada criança. Também as perdas vivenciadas por cada um, na sua vida pessoal, condicionam os sentimentos face às mesmas. O adulto deverá assumir uma postura de serenidade e confiança, devolvendo segurança e suporte afetivo à criança, face a cada corte relacional que as mesmas experienciaram – quer quando são acolhidas, quer quando, por concretização do seu projeto de vida, saem da Casa de acolhimento. Relativamente aos referidos profissionais, apesar da grande importância do seu papel enquanto elementos de referência afetiva, reconhecida quer pelos próprios, quer pelas crianças/jovens, é fundamental consciencializar as equipas acerca do seu posicionamento, que deve ser técnico e não de substituição das figuras parentais. Este dado ficou expresso no estudo empírico referido inicialmente, em particular no instrumento “mapa da rede social”, no qual as crianças/jovens revelam senti-los como referências afetivas e não como família. Assim sendo, podemos apontar para algumas práticas que nos parecem essenciais a um posicionamento técnico e ao desenvolvimento de competências psicossociais que promovam um acolhimento de maior qualidade: • supervisão e intervisão em cada equipamento, promovendo o autoconhecimento e a consciencialização de cada colaborador para a sua própria individualidade e história de vida e para o impacto desses elementos no seu trabalho no dia-a-dia; • reflexão sobre temáticas relacionadas com o conceito de família e as vivências familiares; • capacitar os elementos das equipas educativas para enquadrarem as vivências familiares das crianças anteriores ao acolhimento; • reflexão sobre os estilos educativos dos colaboradores; • programas de autoconhecimento.
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4.1.4. PRIVILEGIAR A CONSTRUÇÃO DE UMA REPRESENTAÇÃO DE “FAMÍLIA” ENQUANTO ESPAÇO DE PROTEÇÃO E DESENVOLVIMENTO PLENO DE TODOS OS SEUS MEMBROS No que remete especificamente para a intervenção sobre o constructo de família, a abordagem pode obedecer a várias estratégias e metodologias, podendo ocorrer em contexto individualizado ou em grupo, de acordo com as idades e características das crianças acolhidas, e devendo ter por base as representações e as expetativas das próprias crianças. No que se refere a crianças até à idade escolar, algumas acolhidas precocemente, e que, por isso, nunca experimentaram uma vivência familiar, inevitavelmente a dinâmica institucional e o meio circundante assumem um papel mais marcante na forma como constroem a sua representação de família e lhe atribuem significado. Nestas crianças dever-se-á privilegiar o recurso a metodologias lúdicas e que não impliquem uma comunicação escrita (por exemplo, relatos e construções de histórias, representações através do desenho, fotografias, jogos simbólicos com representação e trocas de papéis, recurso a contos/filmes, entre outras). Em particular nestas crianças mais pequenas, o jogo simbólico/o simples brincar acabam por ser o principal elemento para avaliar e intervir na forma como a criança se perceciona a si e à família, sendo através do jogo que a criança exterioriza um misto do que vive ou viveu com aquilo que pensa, imagina e cria interiormente, e através do qual se consegue observar, entre outros aspetos, a organização cognitiva da sua experiência. Mesmo crianças que nunca viveram em família conseguem replicar rotinas muito próximas dessa realidade familiar, como o cozinhar, lavar a loiça, cuidar (mudar a fralda) dos bebés, ainda que se tratem de reproduções generalistas e segmentadas, muito ligadas à funcionalidade (como traduzem os resultados do estudo empírico) e que remetem para a dificuldade destas crianças ao nível da representação interna dos papéis de pais e mães, bem como para a dificuldade de introduzir nos enredos os aspetos essenciais da vivência familiar, como são os papéis e a hierarquia das personagens da família, que surgem muito estereotipados e predominantemente funcionais, muitas vezes esvaziados de conteúdo – em parte, pela falta da experiência vivida. Esta dificuldade tornar-se-á mais evidente num eventual momento de integração em família, em que se procurará posicionar (como filho) face a uma teia relacional que desconhece, no essencial. Nesta área do simbólico, a importância do adulto como mediador/modulador dos comportamentos é indispensável, num processo que se traduz num claro ensinar a brincar no qual se promovam momentos de brincadeira de faz-de-conta, simulando e experienciando vários papéis (“agora vamos imaginar que és tu a
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mãe… Vais cuidar de mim hoje” – deixando a criança expressar a sua perceção sobre esse papel), assim como dinâmicas tipicamente familiares, em relação às quais o Educador deverá conferir suporte – e orientar, se necessário, o decorrer destas interações. Deve aproveitar-se para introduzir a noção de hierarquização dos papéis, pois muitas famílias assumem com os filhos uma relação em que não conseguem promover a diferenciação de papéis nem a diferenciação de gerações. Após a integração da criança em contexto escolar, assiste-se à aquisição de formas mais amplas de comunicação, expressão e perceção do mundo à sua volta, pelo que os assuntos a abordar e as metodologias a utilizar terão de atender a estes aspetos, incluindo a abordagem de diferentes temáticas relacionadas com as representações e conceções de família, tais como: o que é uma família/tipologias, funções e papéis e a sua importância no processo de desenvolvimento pessoal e social. O intuito será, ainda, a desconstrução de ideias menos realistas/erradas associadas a este constructo. A noção de família por adoção, ainda que para muitas crianças/jovens seja uma realidade experienciada mediante a concretização de projetos de vida de outras crianças, constitui-se como uma temática a explorar, evitando-se um projeto dirigido/individual. É igualmente nesta fase que o trabalho começa a ganhar contornos mais complexos, numa ação orientada para o reforço da sua desculpabilização face ao acolhimento (e para a aceitação desta condição), integrando as suas origens sem as denegrir. Esta desconstrução do modelo interno da sua família, muitas vezes disfuncional, pressupõe inevitavelmente o estabelecimento de uma relação de confiança com os atuais cuidadores, assumindo-se como um processo de continuidade que se intensificará à medida que a maturidade cognitiva e emocional da criança/jovem o forem permitindo. Este trabalho com tais faixas etárias tem vantagens que passam pelo facto de estas crianças e jovens dominarem a expressão verbal, sendo possível “falar” abertamente sobre estes assuntos, considerando-se igualmente a escrita, que, por vezes, numa perspetiva mais defensiva, a criança/jovem acaba por preferir. O recurso a intermediários de tema é igualmente importante, podendo um filme/livro introduzir a temática que se pretende desenvolver. Como metodologia a considerar encontramos as reuniões de grupo, em que se abordam temas como as emoções, que ajudam a criança/jovem a lidar adequadamente com as circunstâncias, suportada por uma adequada atribuição/ gestão emocional. Uma outra forma de trabalhar o constructo de família pode conseguir-se mediante a utilização de partes do questionário da intervenção utilizado no estudo empírico, uma vez que permite explorar o imaginário infantil sobre os vários conceitos relacionados com a família, nomeadamente a forma como representam internamente os conceitos de “Pai” e “Mãe” e os papéis associados; o que é uma família, que tipos de família consideram; como acham que vão viver quando
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forem crescidos e qual a construção cognitiva e emocional/fantasia que colocam na composição da sua família futura. Importa considerar que, destes momentos, se excluem as crianças a vivenciar uma fase de luto das famílias biológicas, em que o processo deve ser orientado de forma intencional e precisa para o objetivo inerente. Este recurso foi validado no âmbito do estudo empírico realizado durante a implementação dos questionários pelos Psicólogos, que sentiram que ele poderia constituir uma mais-valia na intervenção proposta. Esta intervenção específica e mais generalista sobre a Família será, numa fase posterior, retomada e trabalhada numa vertente mais individual e orientada para a situação específica da criança em causa. Para além da intervenção específica orientada para o constructo de família, importa considerar simultaneamente outras metodologias que visam, na sua essência, a elaboração da situação de acolhimento, destacando-se, como intervenção privilegiada, a “História de Vida”. No entanto, quer no âmbito desta metodologia específica, quer como metodologia autónoma, outras atividades podem ser consideradas em função dos objetivos a que se propõem.
Histórias de Vida “A história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.” Cervantes
Uma história de vida é sempre individual e única – a história de um indivíduo em particular é contada a partir da sua perspetiva e à luz da sua experiência. Ela está, portanto, sempre imbuída da subjetividade própria de quem a conta. Assim, uma história de vida é o relato de experiências que uma pessoa viveu ao longo da sua existência. Esse relato nunca será exaustivo, uma vez que é impossível contar cada acontecimento que ocorreu na vida de uma pessoa desde o seu nascimento até ao momento presente. Ajudar a criança na reconstrução da sua história de vida é estimular a sua reflexão sobre os diferentes aspetos da sua vida, tanto passada como presente, sempre com um olhar para o futuro. O trabalho de “História de Vida” e a “Construção de Identidade” nasce da necessidade de as instituições de acolhimento proporcionarem às crianças um conjunto de atividades que lhes permitam organizar a sua narrativa identitária e promover o seu autoconceito e autoestima.
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Aquando da sua institucionalização, estas crianças e jovens ficam sem uma referência pontual com base na família, implicando este processo de separação um novo arranjo familiar que favorece a sensação de perda, fragilidade e impotência face ao futuro, dificultando o processo adaptativo ao novo sentido das suas vidas. Porém, o facto de perderem a convivência com pessoas significativas da sua história (são figuras importantes e também nunca completamente boas ou más, podendo a criança ter sentimentos ambíguos de amor/ódio) não significa que perdem os vínculos afetivos construídos com estas pessoas, objetos e lugares, que acabam por fazer parte integrante da sua história. Mesmo com a suspensão das visitas ou a destituição do poder familiar, não é possível determinar que as crianças e jovens se desliguem das suas famílias, demonstrando mesmo o estudo empírico realizado que o seu lugar na esfera emocional da criança se mantém protegido. A família, a sua origem fazem parte da sua “mochila”, que precisa de ser cuidada e organizada. Além de perderem o contacto com as suas famílias, casas, brinquedos, amigos, estas crianças e jovens podem ainda perder as suas referências e identidades, esforçando-se por ressignificar a própria existência tendo como ponto de partida uma teia de adversidades vividas, caminhando na direção da sua reconstrução. Procurarão pertencer a um grupo como referência de cuidado e proteção: uma profissão, um lugar na sociedade, uma família – seja pelo retorno à origem, na família de adoção ou na formação da sua própria família. Como se pode depreender, os primeiros tempos na casa de acolhimento configuram um período emocionalmente difícil para as crianças/jovens, eles deparam-se com um novo ambiente, pessoas desconhecidas e situações distintas das vividas nas suas casas. Trata-se de um processo que surge acompanhado de novas perceções sobre si mesmos e sobre o mundo, ideias e sentimentos desconhecidos que necessitam de ser entendidos e interiorizados, evitando-se, na intervenção, que se fixem em acontecimentos menos positivos vividos num ciclo vicioso. Neste processo de readaptação vivencial, acresce a dificuldade de as crianças e jovens acolhidos referirem as suas origens (muitas vezes sentidas de forma idealizada ou, em alternativa, perspetivadas de forma real mas angustiadamente negligente à custa de grande sofrimento interno) e de se posicionarem temporalmente no percurso de vida, projetando-se no futuro (muitas vezes devido a comprometimentos afetivos e/ou emocionais, que encontram alguma confirmação na real e na desorganizadora incerteza do futuro). Para a elaboração do processo de perda e luto, os recursos emocionais internos devem ser considerados como instrumentos importantes para enfrentarem, superarem e se adaptarem à situação de vulnerabilidade que traduz o próprio processo de acolhimento residencial. Da mesma forma, importa, paralelamente, definir de forma intencional e programada o papel da instituição em todo o processo e, mais concretamente, como tem vindo a ser referido, o posicionamento
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dos cuidadores, visando a construção de novos vínculos significativos de suporte. Neste sentido, a instituição deve conduzir da melhor forma possível as relações entre cuidadores logo após a separação da família, valorizando-se o processo de referenciação como forma de aliviar processos de superação e confrontação com situações de stress e propiciar a manutenção da autoestima e da autoeficácia num processo de coexistência permeada por atitudes de afetividade e confiança. Importa sublinhar que o impacto da institucionalização depende consideravelmente das características das instituições de acolhimento, que não conseguirão substituir uma boa família – nem a tal se propõem – , mas que, muitas vezes, reúnem condições materiais e relacionais preferíveis a uma vivência em contexto de família natural negligente/maltratante. No que reporta ao trabalho de História de Vida, deve salvaguardar-se que, por norma, em contexto residencial, o coletivo se sobrepõe ao individual, tendendo a desconsiderar a herança socio-histórica que carrega a possibilidade de pertença social. A narrativa da história de vida atua, assim, como um elemento importante de mediação, podendo amenizar a sobreposição do coletivo ao individual durante a institucionalização e facilitar a saída da instituição e a reintegração, adoção e autonomia de vida. Estas crianças e jovens precisam, portanto, de refletir sobre alguns factos do seu passado, atribuindo-lhes um significado interno mais apaziguador e de reforço positivo em relação ao que são enquanto pessoas, estabelecendo uma ligação com a sua condição vivencial atual refundadora da confiança no futuro. Como dizia Winnicott, “a criança sabe tudo o que aconteceu, mas quer ser ajudada a ter consciência do conjunto”. Por mais difícil que seja o passado de uma criança, aquela é a sua história, pelo que não conversar sobre essa História ou ter a pretensão de que a esqueçam tem consequências desestruturantes para o desenvolvimento da sua identidade. As memórias permanecem nos sonhos, nas preferências ou na personalidade de cada um, pois o passado acaba por inevitavelmente invadir de forma mais ou menos significativa o presente. Esta ligação entre passado, presente e futuro poderá ser alcançada através da exploração da sua narrativa de vida, conferindo coerência e coesão à sequência de acontecimentos das suas vidas e permitindo consolidar um sentimento de identidade – o sujeito é convocado a situar-se diante da sua História num processo de apropriação, integração e criação de novos significados para a própria existência, em que os aspetos intelectuais e afetivos estão integrados. Este sentimento de apropriação é transversal ao desenvolvimento da criança e garante a sua segurança interna, ficando exposto nas crianças integradas em família de adoção, onde sobressai o esforço interno por se apropriarem da nova família e novos espaços como seus.
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Ao falarem das suas Histórias de Vida, as crianças/ jovens podem iluminar fragmentos de realidade vivida, propiciando um trabalho mental de recordação, ressignificando o passado, num movimento importante para superar adversidades e acentuando processos internos de resiliência. Poderá constituir, ainda, uma forma de desmistificar algumas fantasias mais idealizadas ou até “prejudiciais” acerca do seu passado, ajudando a eliminar sentimentos de culpa muito comuns neste processo de acolhimento e visando evitar a confusão (dar sequência e ordem), filtrando a componente afetiva negativa que a criança carrega e/ou associa a determinado acontecimento da sua vida e constituindo uma ferramenta terapêutica que vai claramente mexer com o mundo interno da criança e a forma como ela se relaciona com a sua perceção da realidade externa. Este tipo de trabalho é especialmente importante nos casos de crianças que sofreram traumas precoces, visto que podem vir a apresentar problemas ao nível da vinculação, assim como no caso de crianças que estão, por exemplo, em processo de preparação para adoção ou que possuem uma noção fragmentada do seu passado – tal como noutro nível, importante nos processos de reintegração e autonomia. As memórias traumáticas são mais desorganizadas do que as outras memórias, pelo que a maior parte das terapias se foca na sua organização, assumindo-se a formação de narrativas como uma estratégia muito útil na imposição desta necessária organização. A conversão das emoções e imagens em palavras muda a forma como a pessoa organiza e pensa o trauma. Ao integrar os pensamentos e sentimentos, é mais fácil construir uma narrativa coerente da experiência, diminuindo a angústia associada a acontecimentos traumáticos. No caso das crianças institucionalizadas, verifica-se que acabam por construir a sua identidade em torno de narrativas de vulnerabilidade, acreditando (de forma mais ou menos consciente) que o facto de terem sido separadas da sua família de origem significa que estão desprovidas de valor e que não são dignas de serem amadas e culpabilizando-se pelos atos e atitudes dos adultos, num ciclo vicioso de desgraça. Como dizia uma jovem adulta que viveu grande parte da sua vida institucionalizada, “como posso ser eu no presente e futuro um bom fruto se descendo de uma árvore podre?” Na sua autoperceção narrativa, este “destino trágico” surgirá algum dia, procurando no seu quotidiano e nos comuns fracassos a sua confirmação. A construção de narrativas de resiliência, mais ajustadas e flexíveis, poderá ser uma oportunidade única para que descubram por que devem ter orgulho em si mesmas, ajudando-as a construir uma identidade positiva que as afaste do sentimento de destino traumático, numa perspetiva extensível ao conceito de família. Esta metodologia pressupõe uma planificação e recurso a técnicas específicas, devendo ser coordenada pelo Psicólogo da instituição em articulação próxima com o Educador.
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Livro de acolhimento Um importante instrumento/metodologia para promover a integração da criança no contexto institucional, dando-lhe uma maior noção de autocontrolo relativamente a esta vivência, é o Livro de Acolhimento, uma vez que permite uma identificação imediata do que é o conceito institucional, funcionando como uma linha orientadora aquando da admissão da criança, fazendo paralelamente a comparação com a muito diferente vivência familiar. Neste instrumento, será importante considerar: • que esta será a sua casa durante o tempo que se considere necessário; • que existe uma Equipa Educativa e Técnica na casa de acolhimento e as suas funções; • as regras e rotinas da casa; • que poderá receber ou que receberá visitas dos seus familiares (dependendo da especificidade de cada situação); • os direitos e deveres das crianças/jovens; • os direitos e deveres das famílias; • para que servem os Tribunais; • que a equipa da casa de acolhimento elabora várias informações sobre a situação global da criança; • as principais diferenças entre o TFML e o Tribunal Criminal (no imaginário das crianças e jovens, o Tribunal surge muitas vezes associado a condenações/ crimes); • que, por vezes, serão ouvidos em Tribunal, pelo que importa trabalhar a preparação destes momentos (acompanhar os jovens na elaboração das suas cartas a Tribunal). Este documento permitirá devolver segurança à criança, fazendo-a perceber que os adultos que trabalham na casa de acolhimento não substituem a sua família, mas que, no entanto, asseguram a prestação dos cuidados básicos e educativos e assumem a responsabilidade de garantir um meio promotor de um desenvolvimento harmonioso. Livro de Vida O Livro de Vida é um instrumento já implementado nas casas de acolhimento da SCML, assumindo-se como um procedimento sistemático, organizado e personalizado em forma de Livro (com material predefinido) que permite à criança falar sobre acontecimentos significativos da sua vida de forma sequencial, clarificar a sua identidade, reconstruir a sua autoimagem de forma positiva e projetar o seu futuro. Nesta intervenção com crianças mais pequenas (menores de quatro anos), os adultos são os principais depositários da informação. À medida que a criança vai crescendo, a sua participação vai progressivamente sendo mais ativa, quer na elaboração dos conteúdos, como na produção gráfica. Em crianças mais velhas
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é recomendável começar esta intervenção quando a criança chega à casa de acolhimento. Este trabalho deve passar pela compilação de material sobre a história da criança por intermédio das várias fontes disponíveis, à qual se juntará a perceção da criança face a cada um destes momentos. Poderão ser utilizados desde desenhos a fotografias, diplomas e bilhetes – uma quantidade ilimitada de opções. Assim, o principal objetivo do Livro de Vida é o de ajudar a criança a conhecer, ordenar e compreender o seu percurso institucional, dando continuidade ao percurso vivencial de forma estruturada, favorecendo o conhecimento do seu processo, as futuras transições e o estabelecimento de vínculos com os seus cuidadores. A perspetiva implícita neste instrumento remete para a valorização de uma noção de continuidade em todo o processo (acolhimento/adoção, por exemplo), estando estruturado para que a criança/família consigam dar-lhe sequência após a saída da criança da casa de acolhimento, evitando-se, assim, a perspetiva de descontinuidade/corte entre o passado e o presente. Caixa dos segredos Este procedimento associado ao Livro de Vida permite à criança/jovem guardar objetos importantes que tenham ligação à sua história, permitindo-lhe preservar laços e vínculos construídos. Pretende-se que esta caixa tenha um significado especial para a criança/jovem, funcionando como um depósito dos seus sentimentos, experiências e recordações, o que lhe permite recordar os momentos positivos do seu acolhimento e do seu passado. Quando cheguei à casa de acolhimento Nesta atividade, a criança/jovem deverá ser ajudada a identificar os motivos do acolhimento (adequado à idade da criança), aquilo de que mais gostou e de que menos gostou, o que mais a surpreendeu, quem a ajudou. Esta atividade tem por objetivo permitir à criança/jovem refletir sobre o início do seu acolhimento, ajudando-a a elaborar esse momento. O que eu já perdi Numa folha, a criança/jovem identifica e reflete sobre o que já perdeu. A própria criança e/ou o adulto escrevem nessa folha a sua reflexão (o que perdeu, quando, o que sentiu), ajudando-a a falar sobre essa situação e a tomar consciência das perdas inerentes ao seu acolhimento. Mapa Através de mapas, a criança/jovem identifica os vários locais de referência do seu percurso de vida. Esta atividade tem por objetivo representar as mudanças geográficas das crianças/jovem através da construção de um mapa e dar à vida da criança/jovem um sentido de movimento ao longo do tempo – onde nasci, de onde vim, onde estou, para onde vou.
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Ecomapa Técnica orientada para crianças com idades compreendidas entre os seis e os 12 anos. Apresenta-se à criança um esquema em que ela se posiciona no centro rodeada pelos lugares (casa da família, casa de acolhimento, escola), pessoas (família, amigos, profissionais) e outros elementos que façam parte da sua vida (preocupações, desejos, sentimentos…) que são relevantes em determinado momento. Deve ser adaptado de acordo com as características de cada criança. Esta atividade consiste em recorrer a cada secção do esquema, por uma ordem definida, procurando analisar a atribuição que a criança faz de cada uma delas e tem por objetivo refletir sobre as principais mudanças da sua vida e relações afetivas e de parentesco, bem como os seus sentimentos, preocupações, sonhos, gostos, etc. Fluxograma ou linha da vida Consiste em elaborar um diagrama onde se vão colocando, de forma sequencial/ cronológica, os acontecimentos mais significativos da criança (nascimento, acolhimento…), relevando a importância desses mesmos acontecimentos, a idade que ela tinha à data e o lugar onde se encontrava no momento em que aconteceram. Cada diagrama deverá ser ilustrado/enriquecido com imagens, desenhos ou autocolantes, contando com o envolvimento ativo da criança. A minha identidade Nesta atividade utilizamos a certidão de nascimento para ajudar a criança/ jovem a identificar o nome e apelidos como uma das características da sua individualidade, a identificar a construção do nome através da filiação, a conhecer o local e hora do seu nascimento e todos os outros elementos nela inseridos. Esta atividade tem por objetivo permitir à criança/jovem o autoconhecimento e a perceção da sua identidade. É importante que cada um perceba que é único e especial. Árvore genealógica/genograma São duas formas de representação gráfica da família, onde são retratados os diferentes membros, os graus de parentesco e o padrão de relacionamento entre eles, ou seja, é um diagrama no qual está representada a estrutura familiar. Podem ser acrescentados dados como profissão, hábitos, grau de escolaridade e outros relevantes da família. A árvore genealógica deverá ser utilizada com crianças até aos seis anos de idade. Esta tarefa consiste em desenhar uma árvore e escrever dentro da copa os nomes e idades das pessoas da família da criança, começando de cima para baixo. Num primeiro nível são representados os avós paternos, de um lado, e, no outro, os
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maternos. Num segundo nível são representados os pais e tios e no terceiro nível são representados os irmãos e primos. Todos os elementos da família das várias gerações devem constar desta árvore, mesmo que sejam desconhecidos os seus nomes e ou idades. A utilização da árvore genealógica, ou genograma, dependerá da idade e do perfil da criança/jovem. No genograma são utilizados símbolos próprios para descrever relacionamentos, eventos principais e a dinâmica da família nas diversas gerações. Permite visualizar todo o sistema familiar nuclear e a família alargada, proporcionando uma compreensão mais aprofundada da estrutura familiar. Deverá ser utilizado com crianças a partir dos seis anos de idade, dependendo da sua maturidade.
Filho biológico
Homem Mulher Casamento
Gémeos
Separação
Divórcio
Gémeos idênticos
Intensidade da Relação d
Vivem juntos
Ligação distante Mais forte Forte Conflituosa
Morte
Fluxo de energia
Fonte: adaptado de Write; Leahey (2002).
Estas atividades têm por objetivo permitir à criança/jovem saber quem são as pessoas que fazem parte da sua família e os respetivos graus de parentesco, fazer a diferenciação entre gerações, mostrando-lhe a sua posição na família de forma gráfica, dar a conhecer a existência de família alargada e ajudar a criança/jovem a perceber alguns dos acontecimentos que fizeram parte da sua vida.
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Importa referir que muitas destas técnicas/metodologias poderão ser integradas na intervenção “História de Vida”, sendo trabalhadas de forma interligada com o principal objetivo proposto – a elaboração do acolhimento por parte da criança/jovem.
4.2. DECISÃO JUDICIAL – AFASTAMENTO FACE À FAMÍLIA BIOLÓGICA A existência de uma decisão judicial de confiança à instituição com vista à adoção ocorre no âmbito de um Processo de Promoção e Proteção, implicando o corte/afastamento com a família biológica. A criança deverá ser informada e envolvida (de acordo com a sua idade e maturidade) desta decisão judicial, face à qual uma das consequências imediatas, após trânsito em julgado, passa pelo corte de visitas, devendo neste sentido dar-se início a uma abordagem que facilite a elaboração do luto pela perda dos progenitores/família biológica, de modo a viabilizar no futuro o estabelecimento de uma nova relação filial pela adoção. Face à natureza delicada e complexa desta intervenção, tendo em conta as necessidades da crianças do ponto de vista emocional, a intervenção deverá ser planificada em contexto multidisciplinar, sendo que todos os elementos da equipa da instituição onde a criança se encontra acolhida devem ter um nível de conhecimento da situação que permita aferir a sua ação junto da criança numa linha uniforme e transversal. Nesta sequência, a instituição deverá identificar o técnico que se encontra em melhores condições para transmitir à criança a decisão judicial de corte com a família biológica e de a apoiar neste processo de luto, considerando-se, para tal, a formação do profissional, bem como a relação de referência que a criança com este estabelece. Uma vez que frequentemente a criança revela uma intensa angústia e mesmo zanga face a esta informação/notícia, poderá ser útil recorrer ao psicólogo da instituição para a transmitir, protegendo os cuidadores diretos de eventuais sentimentos de revolta da criança por os percecionar como eventuais responsáveis por tal decisão. É, no entanto, fundamental informar a criança sobre as pessoas que detêm o conhecimento referente a esta decisão, nas quais se deve incluir o diretor da instituição e o educador de referência, para que esta se sinta acompanhada e possa ter sempre alguém em quem confia e a quem possa recorrer para abordar tal temática. Esta comunicação deve ser feita num ambiente tranquilo e seguro, sem a presença de outras crianças, para que a criança em causa se sinta à vontade para poder exteriorizar os seus sentimentos. É importante legitimar os sentimentos
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demonstrados pela criança e, nesta fase, mais importante do que as palavras, deverá ser garantido o suporte emocional. A informação deve ser apresentada de forma neutra e compreensível, de acordo com a idade e características da criança, explicando, por exemplo, a crianças a partir da idade escolar, o que é um Tribunal e um Juiz de Menores e como ele toma essas decisões, referindo que o Juiz ouve todas as pessoas que considera importantes e decide sobre o melhor futuro para a criança. Poderá ser igualmente importante reforçar os motivos que levam a que os pais biológicos não possam tomar conta dela, utilizando uma linguagem neutra, sem juízos de valor e assente em evidências relacionadas com os motivos de acolhimento da criança. É, pois, fundamental prestar esclarecimentos à criança sobre as decisões jurídicas por forma a clarificar que o regresso à família biológica não é uma possibilidade viável. É importante, nesta fase, não introduzir ainda a possibilidade de integração em família adotiva, na medida em que a informação da decisão provoca uma carga emocional intensa na criança, acompanhada frequentemente por uma tristeza profunda, podendo esta culpabilizar os pais adotivos pelo facto de terem sido cortados os contactos com os pais biológicos. Nesta etapa, é, pois, fundamental que a resposta imediata à criança em termos de cuidados funcionais e afetivos seja focalizada nos cuidadores da casa de acolhimento, em especial naqueles com quem a criança tem uma relação mais próxima, transmitindo-lhe segurança. Importa, porém, destacar que muitas crianças, particularmente as mais crescidas e com maior noção do processo, fazem um apelo quase simultâneo para a temática da adoção no momento da decisão judicial em que se comunica o corte com a família biológica, devendo a intervenção neste âmbito ser muito cuidadosa e salvaguardando que não se trata de uma defesa face ao indispensável processo de luto. Após o momento de transmissão da decisão judicial, a criança deverá, assim, continuar a ser acompanhada no seu processo de luto da família biológica, proporcionando-lhe momentos de atenção individualizada durante os quais possa expressar os seus sentimentos. Deve, pois, ser proporcionado à criança um espaço com o adulto de referência em que ela possa verbalizar os seus receios e medos e aspetos que se podem relacionar com a sua família biológica, tais como “o que irão pensar os meus pais disto? Vão ficar zangados comigo? Vão saber o que me aconteceu? Será que eles pensam que a culpa é minha? Nunca mais os vou poder ver? E aos meus irmãos?” Na medida em que, na grande generalidade das situações, a criança não tem oportunidade de se despedir da sua família biológica, poderá, por exemplo, recorrer-se a metodologias como o ecomapa, que permite à criança identificar pessoas significativas antes e após o seu acolhimento, bem como escrever ou representar mensagens que gostava de transmitir às pessoas com quem não voltará a contactar, concretamente membros da sua família biológica, efetuando,
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desta forma, uma despedida simbólica. É fundamental que a criança seja apoiada neste processo e que sejam legitimados os seus sentimentos, como, por exemplo, a zanga ou tristeza. Mais tarde, este ecomapa poderá acompanhar a criança na fase de transição para a família em adoção, podendo vir a ser um instrumento útil no sentido de trabalhar a integração do seu passado. Sintetizando, o envolvimento e participação das crianças nesta fase deve contemplar as seguintes estratégias: • Explicar que quem decide sobre assuntos relacionados com o seu futuro/ projeto de vida é o Tribunal. • Reforçar que o Tribunal decide de acordo os interesses, bem-estar e segurança da criança, frisando-se, assim, o direito de a criança crescer em família. • Tranquilizar a criança e explicar-lhe que os adultos que cuidam dela estão envolvidos e a defender o seu bem-estar, perspetivando ser este o melhor projeto de vida e futuro para si. • Informar que os pais não reúnem as condições para as assumir (responder às dúvidas da crianças e não criar novas dúvidas, usando uma metodologia de devolução de questões, tais como “o que achas que uma criança como tu precisas?”, recorrendo, assim, a uma linguagem compreensível para a criança, neutra e isenta de juízos de valores, sem criticar os progenitores). • Informar que as visitas dos seus familiares terminarão, posicionando-se o adulto de referência como porto de abrigo (“Estaremos aqui para que contes connosco.”), em alternativa à família biológica. • Explicar devidamente a ideia de que a família gostava muito da criança mas não tinha competências para dela cuidar, para não originar uma equação em que amor = abandono, o que claramente dificultaria a construção/ consolidação de novas relações com receio de vir a ser de novo abandonada. • Suportar afetivamente. Como em qualquer processo de luto, mais importante do que palavras, é fornecer suporte afetivo, de forte cariz físico – colo, abraço, dar a mão. • Não fazer promessas, tais como “Irás de certeza ter uma família”.
4.3. PREPARAÇÃO PARA ACEITAÇÃO DE NOVOS MODELOS RELACIONAIS Entre o momento em que a criança sabe da decisão judicial e o momento de integração numa nova família deverá ocorrer uma etapa durante a qual sejam implementados procedimentos que visem a preparação da criança para esta mudança.
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4.3.1 REPRESENTAÇÃO DE FAMÍLIA Quando a equipa da instituição avalia que a criança está preparada para poder perspetivar a integração numa nova família e, portanto, disponível para estabelecer novos vínculos relacionais, deverão ser trabalhadas de forma específica as expetativas e representações da criança sobre a sua futura família. Paiva (2004) identifica alguns indicadores da disponibilidade interna da criança para ser integrada numa família, nomeadamente: • o desejo da criança em estabelecer novos vínculos, manifestada pela procura de contacto com o outro; • a possibilidade de elaboração de lutos face às perdas vivenciadas; • a disponibilidade para falar das vivências traumáticas e dolorosas do seu passado; • alguma compreensão sobre os motivos que levaram à separação da sua família biológica; • representações que desenvolveu sobre o conceito de pai, mãe e família; • a demonstração de ansiedade face ao encontro com os pais adotivos; • a presença de solicitações de cuidados individualizados; • curiosidade e interesse por elementos relacionados com a vida familiar. A introdução desta etapa deverá fundamentar-se numa avaliação técnica sobre a possibilidade de concretização do projeto de adoção, respeitando sempre a disponibilidade manifestada pela criança em trabalhar esta situação. Assim, e excluindo situações particulares, numa primeira fase, o trabalho sobre as representações de família deve ser feito de forma genérica, proporcionando à criança um espaço relacional onde ela possa exprimir livremente as suas representações, isto é, a forma como imagina e como gostava que a família fosse, retomando conteúdos anteriormente abordados. Nesta sequência, a criança deve ser ajudada a articular as suas expetativas em relação às seguintes áreas: • pessoas (quem faz parte, quem dá comida, quem cuida quando está doente, qual a função dos vários elementos da família); • lugares (casa, zona de residência, país, no caso da adoção internacional); • objetos (quarto, brinquedos, etc.). Nesta etapa, mais importante do que o facto de as expetativas da criança poderem ou não ser realizáveis, é a possibilidade de a criança conseguir desenvolver representações do que imagina, dando assim lugar a um espaço psicológico para uma nova vida familiar. Pretende-se, pois, preparar a criança para o estabelecimento de um lugar psicológico onde a nova família passe a ter lugar.
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A criança deverá ser, então, apoiada a exteriorizar os sentimentos que a projeção de uma nova vida familiar desencadeia, podendo fazê-lo recorrendo à linguagem verbal e não-verbal, com recurso a desenhos, caixas lúdicas ou outros objetos que facilitem e permitam a sua expressividade. Mais uma vez, este trabalho deverá ser feito pelo psicólogo e/ou educador de referência, considerando o apoio de retaguarda deste.
4.3.2. REPRESENTAÇÃO DA FAMÍLIA ADOTIVA Em todo este processo é fundamental ajudar a criança a ajustar as suas expetativas com o objetivo de as aproximar de uma representação de família de acordo com as características da família selecionada para lhe dar resposta. Partindo das representações da criança, deverão introduzir-se novas alternativas que lhe permitam amplificar estas representações. Por exemplo, no caso de a criança representar uma família com uma estrutura nuclear, devem ser introduzidas outras possibilidades, tais como famílias monoparentais masculinas/femininas; com ou sem irmãos; a viver na cidade ou no campo; entre outros. A construção da representação de família deverá incidir, então, na sua estrutura, nos papéis e funções dos seus membros, bem como na dinâmica familiar, explicando-se, por exemplo, as funções de proteção e atenção individualizada desempenhados pelos pais, bem como a existência de regras e limites, para que a criança construa uma representação mais aprofundada da realidade familiar. De seguida, e com o objetivo de tornar concretas e realistas a representações da criança, deverá ser introduzido o projeto de encaminhamento da criança para adoção, ajudando-a a clarificar desde logo o significado da palavra “adoção” e as suas implicações. Assim, devem ser abordadas questões tais como “O que significa ser adotado? Quem pode adotar? Como se identifica uma família para adotar?”, sugerindo para tal a consulta do guião de questões para crianças sobre adoção. Na abordagem do conceito de “adoção”, é importante ter em conta que a informação a dar às crianças deve ser adaptada ao seu nível de compreensão, o que depende da etapa de desenvolvimento em que se encontram. A partir do momento em que é comunicado às crianças que terão uma “nova família”, elas vivenciam novamente emoções intensas que, frequentemente, se revelam contraditórias e ambivalentes. É fundamental que, não obstante o projeto de família poder ser muito desejado pela criança, lhe seja dado espaço para poder manifestar os seus sentimentos, que muitas vezes podem passar simultaneamente por felicidade, zanga, medo, ansiedade.
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Uma das situações que importa destacar diz respeito ao encaminhamento em separado de fratrias. Caso se preveja que esse processo venha a ocorrer, é importante abordar este assunto com cada criança individualmente e/ou com a fratria em conjunto, de acordo com as idades e características das crianças. É fundamental explicar-lhes os motivos subjacentes a este encaminhamento em separado, respondendo a todas as suas dúvidas e receios, nomeadamente relacionados com a possibilidade de manter contactos no futuro, assegurando-se que esse assunto será discutido com a(s) sua(s) nova(s) família(s) e acordada a forma como esses contactos se poderão manter. Como estratégias a implementar nesta fase, importa, assim, destacar a importância de: • ajudar a criança a expressar o que sente face a esta mudança, quer em relação ao facto de deixar a instituição para ir viver com uma nova família, quer em relação a memórias sobre a sua história passada, concretamente da família biológica; • ajudar a criança a expressar livremente as suas emoções, nomeadamente em relação ao que lhe provoca maior alegria e também as suas preocupações.
4.4. PREPARAÇÃO PARA A FASE DE TRANSIÇÃO OU PERÍODO DE INTEGRAÇÃO Considerando que a representação de família em adoção está agora mais clara para a criança, prossegue-se para a introdução do álbum de apresentação da família à criança (os aspetos mais específicos relacionados com a elaboração do álbum serão referidos adiante). Este álbum deve ser apresentado à criança pela figura de referência ou pelo psicólogo, sendo que, nas situações em que se revele viável, e de acordo com a idade e características da criança, o mesmo pode ser entregue à criança por um elemento do serviço de adoção na presença da sua figura de referência. Este procedimento poderá revestir-se de maior relevância nas situações em que o seguimento do período de pré-adoção venha a ser efetuado pelos mesmos técnicos que acompanharão o período de integração (que se inicia quando a criança conhece a sua nova família e se prolonga até à saída definitiva da criança da instituição). A introdução desta metodologia visa contribuir para um melhor entendimento da criança acerca do papel dos técnicos do serviço de adoção e para o estabelecimento de uma relação de maior proximidade e confiança, que poderá vir a revelar-se fundamental no período de integração.
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Ao longo da apresentação do álbum à criança, tudo deverá ser apresentado de forma detalhada, com especial referência ao caráter individualizado dos cuidados que a família lhe irá oferecer, em contraponto com os cuidados padronizados com que a criança está familiarizada na instituição, estimulando a criança a expressar as suas emoções face às informações que lhe vão sendo transmitidas. Posteriormente, deve ser dada possibilidade à criança de escolher onde e a quem quer mostrar o álbum e com quem quer falar sobre a sua nova família, tal como se o pretende fazer sozinha ou acompanhada pela figura de referência, no caso de crianças mais crescidas. No caso de crianças mais pequenas, que ainda não conseguem expressar-se com recurso à linguagem verbal, a apresentação da família deverá contemplar, para além das fotografias, estímulos sensoriais que possam ser mais facilmente apreendidos por parte da criança como, por exemplo, a gravação de vozes dos membros da família ou o recurso a objetos ajustados à idade da criança (por exemplo, fraldas ou peluches) que lhes sejam entregues após terem passado algum tempo com o futuro pai/mãe/pais (que poderão, por exemplo, dormir com estes objetos). O recurso a este tipo de estímulos facilita um reconhecimento por parte da criança dos seus novos cuidadores numa fase prévia ao encontro.
As estratégias a implementar nesta fase de preparação da criança deverão, assim, contemplar: – da família para a criança • Um álbum de fotografias: – sobre os elementos que pertencem ao agregado familiar; – onde devem constar fotografias das pessoas que irão viver em casa com a criança, diferenciando o grau de parentesco de cada uma com a criança (exemplo: o pai, a irmã, etc.). As fotografias de outros familiares poderão surgir no álbum inicial ou apenas posteriormente, após o encontro entre a criança e a família e quando esta sente que a criança está mais segura e preparada para conhecer outros elementos da família. Deverão igualmente ser incluídas fotografias de animais domésticos que coabitam; – com fotografias que permitam uma fácil identificação dos rostos pela criança (evitando-se, por exemplo, fotografias tiradas a grande distância ou com óculos escuros); – onde a família, caso ainda não se sinta confortável para se apresentar através dos graus de parentesco, o faça utilizando os nomes próprios que os identificam; – onde devem constar como igualmente importantes os vários espaços da casa, incluindo o quarto da criança, introduzindo-se sempre que possível elementos promotores do desenvolvimento de sentimentos de pertença por
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parte da criança ao novo contexto (por exemplo, uma moldura com fotografia da criança, uma escova de dentes que lhe pertencerá ou a mesa posta com um lugar destinado à criança); – que dê informação sobre o estilo de vida da família, com referência às principais atividades/rituais desenvolvidos e aos interesses dos seus elementos, para que a criança os conheça e se possa identificar com aspetos relativos à dinâmica da família e dos seus elementos; – que não seja demasiado extenso, em fotos e em texto, devendo ser adaptado à idade e capacidade de compreensão da criança, para que a informação seja bem apreendida e passível de ser conversada com o elemento de referência; – que seja elaborado com material resistente e maleável, que permita um manuseio continuado. • Registos escritos ou desenhos elaborados pelos elementos do agregado familiar ou registos de áudio e vídeo, caso se considere pertinente: tal como já foi referido anteriormente, em crianças mais pequenas a utilização de mensagens sensoriais adquire uma maior pertinência, na medida em que os principais canais de comunicação ocorrem sobretudo por via não-verbal, pelo que, em complemento das mensagens escritas que poderão ser lidas à criança, a família deverá apresentarse com recurso a estímulos sensoriais, tais como gravação de vozes ou de imagens.
– da criança para a família • De acordo com a idade da criança, ela deverá elaborar um desenho, escrever uma mensagem ou construir uma pequena prenda para ser entregue à família. • Deverá igualmente ser elaborado um álbum que deve conter fotografias da criança e uma apresentação das suas principais características, gostos e interesses. Sempre que a sua idade o permita, a criança deverá ser envolvida na elaboração do álbum, que deverá ser entregue à família pelos técnicos alguns dias antes da data prevista para o início da fase de integração. Este intercâmbio da família para a criança e da criança para a família permite começar a tecer vínculos entre ambos numa fase prévia ao primeiro encontro, o que facilita, por um lado, em grande parte, o desenvolvimento do mesmo e, por outro, diminui os riscos de angústia/rejeição num momento crucial. Na fase que medeia a apresentação do álbum e o início da integração, a criança deve ser acompanhada de forma próxima pelo psicólogo ou pelos elementos da equipa educativa de referência, de forma a proporcionar-lhe espaço para poder exteriorizar os seus sentimentos e os eventuais receios que esta transição poderá desencadear, devolvendo-se questões tais como “De que mudanças tens receio? Quais as mudanças que achas que vão ser positivas?”
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Antes do dia do encontro com a família é importante antecipar junto da criança a fase que se segue, de modo a proporcionar-lhe um clima de segurança e previsibilidade. Nesta preparação, a criança deverá ser informada, gradualmente, do que irá acontecer em cada dia – por exemplo, no primeiro dia encontrar-se-á com a família na instituição para a conhecer, mostrar os diferentes espaços e apresentar as pessoas que têm sido de referência e/ou a conhecem. Após este dia, os intervenientes combinarão em conjunto cada um dos dias seguintes, pelo que, na véspera de cada dia e na presença da família e dos técnicos, combinar-se-á o dia seguinte. Importa igualmente explorar sentimentos associados a este momento de maior ansiedade, permitindo à criança antecipá-lo. Esta informação deve ir sendo dada de acordo com a idade e características das crianças, ou seja, no caso de crianças mais pequenas, deve ser muito concreta e mais centrada no aqui e agora, e, no caso de crianças mais crescidas, poderá perspetivar-se a longo prazo. No caso de encaminhamento separado de fratrias, deve ser abordado com os irmãos a fase em que eles conhecerão a família da criança que será adotada.
Sintetizando, após identificação da família para adotar a criança, o trabalho deve incidir em: • dar à criança informações detalhadas sobre a nova família numa linguagem adaptada ao seu nível de compreensão, por exemplo, através do álbum ou de outros materiais preparados pela família; • ajudar a criança a colocar questões e dúvidas que possa ter sobre a nova família e a pensar e expressar aquilo que sente; • explicar à criança que a família adotiva tem informação sobre a sua história de vida; • ajudar a criança a pensar e identificar o que gostaria de levar com ela para a nova família; • informar a criança como se prevê que se processará o conhecimento da nova família e o processo de integração até esta ir viver com a família adotiva.
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5. PERÍODO DE INTEGRAÇÃO Apesar de esta etapa já não dizer diretamente respeito à preparação da criança na fase prévia à integração em família adotiva, consideramos que, durante o período de integração, deverão ser implementadas estratégias específicas que sustentem o modelo de preparação anteriormente proposto. Tendo em conta o referido anteriormente, e com o objetivo de proporcionar à criança previsibilidade e segurança no processo de integração, propõe-se como metodologia a elaboração, com a criança, de um calendário: – ilustrado de acordo com as suas preferências (por exemplo, com um herói de banda desenhada ou uma banda musical); – no qual se vão anotando os tempos à medida que vão sendo combinados durante o período de integração, deixando-se espaço para a criança fazer as suas próprias anotações; – em que, quando o domínio da escrita ainda não existe, podem fazer um desenho ou pedir a ajuda da família no preenchimento e, se necessário, a do seu elemento de referência (por exemplo, a data/o que irá acontecer/como eu me sinto). Durante o período de integração é fundamental ter em conta que a postura e as mensagens verbais e não-verbais transmitidas à criança por parte dos adultos envolvidos, em especial da figura de referência que irá acompanhar de forma mais próxima esta etapa, terão um importante impacto na forma como a criança vivenciará esta fase. Desta forma, é crucial que os adultos consigam transmitir à criança tranquilidade e segurança e a mensagem de que a concretização do projeto de adoção é aquele que defende os seus direitos e interesses. Para tal, é, pois, importante avaliar na instituição, em equipa interdisciplinar, qual o adulto que se encontra em melhor situação para acompanhar esta fase, tendo em conta a relação afetiva que estabelece com a criança e, simultaneamente, a capacidade de distanciamento que previna um excessivo envolvimento, dificultador de uma análise e intervenção objetivas. O primeiro encontro entre a criança e a sua futura família: • deverá ocorrer num espaço familiar para a criança, sempre que possível na instituição onde esta vive, numa sala preparada para este encontro, que proporcione privacidade; deve equacionar-se, em função do padrão de relacionamento da criança com a família biológica, se este encontro deverá ou não ocorrer no mesmo espaço onde anteriormente se realizaram as visitas com estes familiares; • deverá contar com a presença do elemento de referência da criança no espaço onde o encontro ocorrerá, devendo os outros elementos (da equipa da instituição, da UAACAF, do CDSS, se for o caso) observar na retaguarda, para evitar a presença de um número excessivo de elementos, o que poderá ser inibidor para a criança.
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Desde o dia do primeiro encontro, deverá realizar-se uma reunião de avaliação no final de cada dia, podendo a criança, de acordo com a sua idade, estar presente em alguns momentos desses encontros, nomeadamente para relatar com a família experiências vivenciadas em conjunto e para se perspetivar o dia seguinte. O elemento de referência deverá transmitir tranquilidade e segurança à criança, independentemente das reações que esta possa revelar nos primeiros contactos com a família. Assim, possíveis comportamentos de recusa ou rejeição da interação deverão ser enquadrados no contexto de sentimentos de insegurança da criança perante o estabelecimento de novas relações. O elemento de referência deverá igualmente potenciar o progressivo envolvimento e a interação da criança com a família, respeitando, no entanto, o seu ritmo e necessidades. Ao longo do período de integração, e à medida que a criança for ganhando maior segurança na relação com a família, os espaços de interação deverão ser alargados ao exterior da casa de acolhimento e o elemento de referência deverá afastar-se progressivamente, dando lugar a que seja a família a assumir de forma gradual a interação e os cuidados à criança, permitindo, desta forma, que a mesma vá confiando cada vez mais na família. Sempre que possível, o período de integração deverá incluir uma deslocação da criança à sua futura casa na presença do elemento de referência, situação que poderá potenciar sentimentos de segurança na criança. No final de cada dia, após o regresso à instituição, é fundamental que a criança disponha de tempo individualizado com o adulto de referência, no sentido de poder verbalizar os seus sentimentos e eventuais dúvidas e receios face às vivências com a família e à mudança que se perspetiva com a sua saída definitiva da instituição. Caso existam filhos na nova família da criança, eles deverão ser igualmente envolvidos durante o período de integração, reservando-se o primeiro encontro apenas para os pais e avaliando-se a melhor altura para eles serem introduzidos. Esta estratégia oferece à criança uma situação de privilégio e à família uma posição mais confortável, para que, num primeiro encontro, ambas estejam focalizadas em se conhecerem. Desta forma, na introdução posterior dos filhos, será a própria família a apresentar à criança os restantes elementos do agregado. Na situação de encaminhamento em separado de fratrias, deve ser combinado um dia para o(s) irmão(s) conhecerem a família da criança que vai sair, devendo esse encontro ocorrer num espaço familiar a todas as crianças, preferencialmente na casa de acolhimento, num contexto tranquilo e que lhes proporcione privacidade. Nesse encontro deve ser esclarecida a possibilidade de manutenção de contacto entre irmãos e os diferentes moldes em que poderão ocorrer, explicando-se que poderão falar sobre este assunto quando sentirem necessidade com as pessoas de referência na instituição/com a nova família.
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Dever-se-á ter especial atenção à importância de proteger o(s) irmão(s) que ficam na instituição da exposição ao progressivos contactos que vão ocorrendo entre a família e a criança que vai ser adotada, por forma a evitar acentuar sentimentos de angústia e sofrimento face à separação, tanto na(s) criança(s) que ficam na instituição como naquela que será adotada. No dia anterior à saída da criança para adoção, deve realizar-se um ritual de despedida na instituição de acolhimento, com a presença das pessoas mais significativas para a criança. Segundo Bromberg (cit. por Sousa, J. & Corrêa, T.), os rituais funcionam como importantes fatores de proteção na transição da criança da instituição para a família adotiva, permitindo o estabelecimento de uma ligação entre o passado e o futuro, além de oferecerem um sentido de segurança psicológica à criança. Este momento de despedida representa a passagem do imaginário para o real pela via da simbolização. É, no entanto, importante que este momento seja vivenciado de uma forma tranquila e que não ocorra num ambiente de excessivo entusiasmo e euforia, o que poderia, por um lado, acentuar eventuais sentimentos de ambivalência da criança, naturais nestes processos e, por outro lado, despoletar, quer nesta criança, quer nas restantes crianças, níveis de ativação emocional difíceis de gerir. A criança deverá ter oportunidade de se despedir das pessoas mais significativas ao longo da sua vida institucional, por exemplo, os amigos do equipamento de infância/escola, a educadora/professora, bem como as pessoas da instituição e voluntários. À semelhança do referido anteriormente, também estas despedidas deverão decorrer da forma mais tranquila possível, devendo evitar-se um ambiente de excessiva emotividade. De acordo com a sua idade e características, a criança deverá ser envolvida na preparação dos seus pertences que levará consigo, devendo-se respeitar o seu desejo de guardar determinados objetos com envolvimento da família. É também importante que a criança leve consigo, para além do livro de vida e do álbum de fotografias, uma “caixa dos segredos”, onde estejam guardados pequenos objetos e lembranças da sua vida na instituição, o que poderá atenuar o sentimento de rutura com a sua vida anterior e facilitar a separação. A entrega destes elementos, assim como de alguns documentos pessoais da criança que a família levará consigo, deverá realizar-se gradualmente na presença da criança. Poderão ser entregues à família adotiva fotografias da família biológica da criança, caso existam.
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6. PROCEDIMENTOS ESPECÍFICOS FACE A SITUAÇÕES PARTICULARES Não obstante o facto de os procedimentos e metodologias anteriormente descritos se aplicarem à generalidade das situações de crianças/jovens com projeto de vida de adoção, considerámos pertinente destacar situações particulares que, pela sua especificidade, exigem a implementação de medidas suplementares na preparação para a adoção. É o caso da adoção de crianças mais velhas e de jovens, bem como da adoção internacional.
6.1. ADOÇÃO DE CRIANÇAS MAIS VELHAS E DE JOVENS Ao falarmos sobre a pertinência da preparação das crianças para a adoção, é importante frisar que a adoção de crianças mais velhas e de jovens se reveste de particular complexidade, na medida em que, por norma, eles experienciaram situações de instabilidade e ruturas relacionais prolongadas no tempo, podendo apresentar maior relutância face à integração numa nova família. Com frequência, estas crianças e jovens viveram em diferentes contextos e passaram por diversas transições, podendo ter criado laços com elementos da sua família biológica, com os profissionais das instituições que deles cuidaram, com amigos ou voluntários com os quais viveram experiências afetivas mais ou menos próximas. A transição para uma família adotiva pode, assim, implicar acentuados sentimentos de perda e a necessidade de fazer o luto face à separação de figuras significativas (Brodzinsky, Schechter, & Henig, 1992, cit. por Barbosa da Cruz, 2013, Porto). Várias são as abordagens que têm vindo a identificar estratégias que permitem ajudar crianças mais velhas e jovens a ultrapassar as barreiras em relação ao projeto de vida de adoção, destacando-se os contributos da AdoptUSKids (AdoptUSKids, 2012; see http:// adoptuskids.org/_assets/files/NRCRRFAP/ resources/goingbeyond-recruitment-for-14-to-16-year-olds.pdf), que fazem referência aos principais receios dos jovens face a este projeto de vida: • não compreender o significado da adoção; • não acreditar que alguém os quer adotar; • preocupação de que a adoção não mais lhes permita ter qualquer contato com a família biológica, inclusive com irmãos; • sentimentos de deslealdade em relação à família biológica; • preocupações com a alteração do nome; • preocupação sobre a possibilidade de ir viver para longe. As estratégias para ajudar os jovens a ultrapassarem estes receios baseiam-se, de forma genérica, na disponibilização de informação factual apresentada de uma forma empática.
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Com base em entrevistas realizadas a estes jovens, o Programa Wendy’s Wonderful Kids (https://www.childwelfare.gov) refere estratégias identificadas pelos jovens como tendo sido úteis para os ajudar a ultrapassar a falta de esperança e desconfiança face ao estabelecimento de relações permanentes com uma família adotiva, nomeadamente: • enfatizar as vantagens da adoção; • ser aberto e honesto acerca do processo de adoção e dos possíveis resultados; • fortalecer os jovens ao longo do processo de adoção; • comunicar sobre questões e preocupações; • construir uma relação com o jovem. Em termos mais específicos, e tendo em conta alguns dos principais receios dos jovens anteriormente referidos, sugerem-se algumas estratégias propostas pelo Programa Wendy’s Wonderful Kids, mas adaptadas à realidade do nosso país: • Não compreender o significado da adoção - Passar tempo a conversar com o jovem sobre o significado da adoção, utilizando termos que este compreenda. Muitos jovens ouvem a palavra adoção e pensam que isso significa que serão colocados numa família adotiva e terão de esquecer a família biológica. - Possibilidade de os jovens falarem ou terem acesso a testemunhos de outros jovens que foram adotados acerca do processo de adoção. • Não acreditar que alguém o quer adotar e ter falta de esperança em ser adotado devido à sua idade, à sua história em termos comportamentais ou por fazer parte de um grupo de irmãos - Dar exemplos de jovens que foram adotados da mesma idade e em condições semelhantes. - Partilhar informação estatística acerca de jovens adotados, numa linguagem acessível e que explique o número e características dos jovens adotados. • Sentir que o facto de dizerem “sim” à adoção os impedirá de contactar com a família biológica definitivamente - Explicar de forma aberta os motivos que levaram à inibição dos contactos com a família biológica decorrente da medida jurídica de adotabilidade, clarificando os factos que fundamentam essa medida. • Sentimentos de deslealdade em relação à família biológica - Falar com o jovem sobre o lugar que as vivências com a família biológica ocupam na sua história de vida e sobre a possibilidade de falar sobre essas vivências de forma aberta e genuína com a família adotiva.
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• Receio de serem separados ou de perder o contacto com os irmãos - Explicar que, em muitas adoções, os irmãos são integrados na mesma família e, quando não o são, podem manter contacto entre si. - Explicar e discutir os moldes em que os contactos podem ser estabelecidos, nomeadamente através do planeamento de visitas, por telefone, carta, e-mail ou encontros previamente combinados. - Dar exemplos de como outros grupos de irmãos adotados mantiveram o contacto, se possível, proporcionando-lhes acesso a testemunhos.
6.2. ADOÇÃO INTERNACIONAL Quando uma criança com medida de adotabilidade não encontra resposta de família adotiva em território nacional, e caso a equipa da instituição onde esta se encontra acolhida não identifique fatores que condicionem o seu encaminhamento para uma família adotiva residente fora de Portugal, o serviço de adoção realiza pesquisa para Adoção Internacional. A preparação de crianças para um projeto de adoção internacional reveste-se de particularidades, na medida em que a sua integração nessa família implica uma alteração da residência da criança para fora do território nacional e, frequentemente, a formação de uma família multicultural, com as várias características que a definem, nomeadamente a língua de origem, geralmente desconhecida ou sem o domínio por parte da criança. De acordo com os procedimentos definidos, o período de permanência em território nacional alarga-se até que o Tribunal determine a transferência da Curadoria Provisória para a família. À semelhança do referido anteriormente, também no caso da adoção internacional a criança deve estar envolvida ao longo de todo o processo e ser informada das decisões e implicações para o seu futuro, de acordo com a sua idade e maturidade. Os procedimentos e etapas do processo de preparação da criança anteriormente referidos são válidos no caso de crianças encaminhadas para adoção internacional, existindo, no entanto, estratégias específicas a contemplar, nomeadamente a partir da apresentação da família selecionada à criança. Mais uma vez, e respeitando-se o envolvimento e devolução de informação à criança, devem ser-lhe explicados, numa linguagem simples e acessível, de acordo com o seu nível de entendimento, os motivos que levaram a que fosse identificada uma família residente num país estrangeiro. É importante que a criança se sinta à vontade para colocar todas as questões que desejar e para expressar os seus sentimentos e eventuais receios.
INFÂNCIA E JUVENTUDE
À semelhança do que acontece na adoção nacional, na adoção internacional a família deverá elaborar um álbum de apresentação para a criança. Neste álbum deverão constar palavras no idioma da criança e no idioma da futura família, para que a criança possa ir contactando com a nova língua. Alguns autores (por exemplo, Sousa, J. & Corrêa, T.) referem que, por vezes, é possível integrar estas crianças em cursos de idiomas que lhes permitam ter um conhecimento prévio da língua, mesmo que a um nível superficial, o que poderá encorajar e dar segurança à criança no contacto com a futura família. Uma outra estratégia mencionada por estes autores relaciona-se com a oferta de uma mochila à criança por parte da nova família, a qual “faz a associação simbólica com a viagem para outro país” (p. 13). Essa mochila, enviada para a criança antes do primeiro encontro, deverá conter objetos que representem o afeto da família por si e que estejam de alguma forma relacionados com o estilo de vida da família e do seu país de origem, tais como, por exemplo, um livro didático para apoio à aquisição do idioma, brinquedo ou objeto da preferência da criança, livro turístico da cidade ou mapa adaptado à idade da criança. Estes objetos poderão permitir à criança ir concretizando o seu projeto de adoção, bem como a existência de uma família para a adotar. A criança deverá igualmente ser estimulada a criar pequenos presentes para a família, tais como desenhos, fotografias e um álbum onde se apresente, fale das suas características e interesses e mencione também aspetos relativos ao seu país de origem e à sua cultura. Antes do encontro com a família, a criança deverá ser ajudada a perspetivar questões relacionadas com o país onde irá residir, nomeadamente o idioma, a cultura, os hábitos alimentares, a moeda utilizada, a localização no mapa, entre outros, para que possa antecipar as mudanças e sentir-se mais segura. Poderá igualmente realizar saídas preparatórias com o adulto de referência a locais significativos, tal como o aeroporto, recebendo a explicação de que a família chegará de avião e que, para ir para o país onde ela residirá, viajará também de avião. Através destas deslocações pretende dar-se previsibilidade e segurança à criança, proporcionando-lhe um contexto para antecipar e esclarecer todas as suas dúvidas. As informações relativas à reação da criança serão transmitidas à família por via dos serviços intermediários. Tal como acontece na adoção nacional, também aqui se deverá antecipar junto da criança a forma como ocorrerá essa fase de conhecimento entre ela e a sua futura família, podendo construir-se com ela um calendário para registo dos vários passos que vão sendo combinados.
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7. CONCLUSÃO A preparação da criança para a adoção é um tema tão importante quanto desafiante, tendo em conta, por um lado, o soberano interesse da criança e a especificidade de cada uma como ser único e, por outro, a especificidade e complexidade da abordagem de cada técnico e dos vários interlocutores envolvidos. Assim, a proposta de Boas Práticas que aqui se apresenta pretende ser um pensar conjunto e transversal sobre a criança, desde a institucionalização à adoção, numa lógica de interdisciplinaridade, centrando-se na individualidade de cada criança. O presente documento abarca estratégias que já são prática comum no acolhimento da SCML, sendo o seu objetivo, por um lado, registar as estratégias tão positivas que já vêm sendo desenvolvidas e, por outro, procurar dotá-las de maior intencionalidade e sistematização, encontrando novas estratégias que possam responder ao direito e à necessidade de a criança se sentir preparada para uma nova família, em adoção, bem como novas pistas de intervenção. Este Manual de Boas Práticas visa, assim, a identificação de um conjunto de linhas orientadoras de ação. Remete primeiramente, e numa abordagem transversal, para o constructo de família das crianças e jovens em acolhimento residencial, culminando de forma sequencial no processo de preparação da criança para a integração em família de adoção. Este instrumento deve ser entendido não como um modelo rígido de intervenção, mas sim perspetivado numa lógica de flexibilidade em função de cada criança e de todo o contexto em que a mesma está inserida. O contexto institucional não se assemelha ao familiar e, por isso, muitas das vivências da história passada da criança apenas encontram contexto para virem verdadeiramente à tona quando ela é inserida numa nova família, em adoção. Assim, a experiência mostra que a preparação da criança em contexto institucional se assume como fundamental num processo de aceitação da sua História de Vida que lhe permita conhecer e integrar internamente o seu passado, pressupondo a reparação da vivência de maus-tratos e o consequente luto da família biológica. Pretende-se que a criança encontre, desta forma, disponibilidade afetiva para outra família, tornando-se mais apta, segura e confiante para, posteriormente, se conseguir ligar e vincular à nova família.
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