Porque não há dinheiro para a educação? Saulo Rodrigues de Carvalho* Recebi há algum tempo, não me recordo a data, um email que trazia como anexo um gráfico dos gastos orçamentários do país referente ao ano de 2011, com o mesmo título, o que escolhi para escrever esta breve reflexão. Há um consenso a respeito da insuficiência de verbas para a educação. As secretarias de educação ressaltam isso, os jornais estampam na capa, os políticos reclamam em suas campanhas, enfim essa informação é mais do que conhecida pelo senso comum. No entanto, não se divulga pelos veículos de comunicação e órgãos estatais, o porquê dessa falta de dinheiro. Os baixos investimentos nas esferas sociais já se transformaram numa tradição no Brasil, falta dinheiro para educação, porque sempre faltou mesmo, seguindo-se assim esta “roda viva”. Mas, apesar dos escassos investimentos em educação e demais esferas sociais o Brasil ainda consegue manter-se entre na oitava potência econômica mundial, ultrapassando países da Comunidade Europeia como a Espanha. Para tomar conhecimento, em 2010 o PIB Brasileiro atingiu a meta de 1,8 trilhão de dólares, enquanto que a Espanha não ultrapassou a quantia de 1,5 trilhão. Desses dados surgem duas questões fundamentais para entender a política econômica do nosso país destinada à educação. A primeira pergunta e mais simples delas: para onde vai todo esse dinheiro que o Brasil arrecada? Para aprofundar um pouco nossos questionamentos, laçaremos a segunda questão problematizando o desenvolvimento capitalista nos países líderes da economia mundial. Se a educação foi mesmo a responsável pela alavancagem da economia desses países de capitalismo desenvolvido1, como o Brasil, com gastos nesse setor, que chegam a ser menores do que do Paraguai, chegou à oitava posição da economia mundial? De fato a educação tem certa influência no crescimento econômico dos países de capitalismo desenvolvido, mas ela não é um fator determinante para isso, o que define o poderio econômico de uma nação no cenário mundial é a sua capacidade de produção e de angariar mercados. Como é de conhecimento de todos o Brasil tem se destacado pela sua grande produção agrícola e capitalizado muitos mercados por isso. Essa “vocação” agroexportadora do Brasil e sua colocação estratégica na economia mundial tem refletido negativamente no que tange as políticas de investimento em educação. Vamos compreender um pouco como isso acontece, partindo da compreensão dos números do 1
Comumente tem se atribuído, por estudiosos da educação e grande parte da imprensa a responsabilidade do crescimento econômico dos países, para a educação.
orçamento da União. De todo orçamento, quase que a metade é destinada para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Uma dívida que tem como credores, os bancos nacionais e estrangeiros, os fundos de pensão, os fundos de investimentos e as empresas não-financeiras. Como é possível que se reverta 45% do orçamento para o pagamento da dívida e apenas 2,89% para a educação? São quase vinte vezes mais de gastos com a bancarrota de especuladores aventureiros, do que o investimento na formação humana. Todavia, isso não acontece por um mero capricho do destino, é parte de uma política econômica que tem por objetivo alimentar o "dragão" capitalista. A organização geopolítica do processo de reestruturação produtiva e crise permanente do capital impuseram aos países subdesenvolvidos do capitalismo, funções que remontam ao período colonialista no abastecimento das metrópoles. A nova função colonial dos países Latino Americanos tornou-se basicamente o de abastecer o mercado internacional atuando como financiador da política especulatória do neoliberalismo, por meio de programas de desnacionalização da economia e manutenção de juros altos, para o pagamento da dívida. Segundo Plínio de Arruda Sampaio Júnior, vivemos um período de "reversão neocolonial", onde a política do capitalismo dependente, que outrora atingia algum tipo de desenvolvimento, mostra-se hoje limitada. As grandes empresas buscam das economias subdesenvolvidas apenas o livre acesso aos mercados, o máximo de flexibilidade para aproveitar o potencial local como base e exportações que requerem força de trabalho barata a retirada do capital nacional público ou privado, dos segmentos da economia que possam representar bom negócio. Com a transnacionalização do campo, o Estado brasileiro tem centralizado sua política econômica numa produção intensamente agroexportadora. A tendência desta política econômica é o baixo investimento em formação humana. Olhando o Brasil das últimas décadas vemos um processo de desindustrialização e reprimarização da sua economia. O país tem deixado de produzir produtos manufaturados de maior valor econômico para voltar a produzir matéria prima básica e produtos pouco elaborados. Em contrapartida, não há investimento na escola pública porque não existe interesse da política econômica brasileira em formar força de trabalho altamente capacitada num modelo agroexportador. Em face desta realidade, a política educacional que se delineou para o Brasil tem simplesmente a função de formar uma força de trabalho barata, para o tipo de produção e emprego prevalecente no país, reduzindo ao máximo, gastos estatais com essa atividade.
Isso tem sido deixado bem claro pelos governos de Fernando Henrique (FHC) do PSDB e Lula do PT. FHC iniciou um ciclo de privatização do ensino público, apresentado no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado sob o neologismo de “publicização”. Por meio da publicização tornou-se possível transferir para o setor privado atividades relacionadas à educação, que eram de natureza estritamente estatal. No ensino superior esta política beneficiou grandemente as instituições de ensino privadas que hoje chegam a ser 88% do total das faculdades do país. Em 2001 quando teve a oportunidade de aumentar o investimento na educação, FHC vetou o projeto aprovado na Câmara dos Deputados, que previa 7% de aumento do investimento do Produto Interno Bruto (PIB) (com previsão de atingir o patamar de 10% em dez anos), contra os atuais 4,5%. Lula manteve a mesma política educacional de FHC, com algumas alterações na terminologia: FUNDEF virou FUNDEB, Bolsa Escola virou Bolsa Família, o Provão virou SINAES. Contudo, o veto sobre o aumento de investimentos foi mantido, o Plano Nacional de Educação (PNE) nunca saiu da gaveta e a DRU (Desvinculação de Receitas da União) de FHC continuou tirando 20% do orçamento da educação para pagar a dívida. Com o governo Dilma a coisa parece não ser diferente. O seu governo tem agido como um rolo compressor, para aprovar o novo Código Florestal, tem aprofundado o processo de privatizações com a venda dos Aeroportos nacionais e mantido uma política superavitária para o pagamento da dívida, demonstrando uma postura subordinada ao capital estrangeiro. Enquanto isso a discussão do Plano Nacional de Educação, demonstra um retrocesso geral. Os 10% de investimentos do PIB em educação que deveriam ter sido alcançados em 2011, segundo o primeiro PNE, nem estão mais em pauta. O que o governo propõe atualmente é chegar a 7% em dez anos, com aumentos percentuais anuais irrisórios. A política econômica neocolonial demonstra muito bem por que não há dinheiro para a educação. Resta-nos saber agora é se vamos continuar a aceitar isso.
*30 anos, Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista – UNESP.