DIÁRIO COMÉRCIO INDÚSTRIA & SERVIÇOS G QUARTA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 2017
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Legislação e Tributos O Tribunal de Justiça do Ceará condenou uma grande seguradora de saúde a pagar reajustes que não foram concedidos às companhias de diagnósticos no período de 2013/2014 e 2014/2015
Operadora deve pagar reajuste a laboratório DIVULGAÇÃO
EMPRESARIAL Ricardo Bomfim São Paulo ricardobomfim@dci.com.br G O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) condenou uma grande operadora de planos de saúde a pagar reajustes que não foram concedidos aos laboratórios em 2013/2014 e 2014/2015. O reajuste anual é obrigatório, mas nem sempre é feito, dizem especialistas. De acordo com o defensor da Associação dos Hospitais do Estado do Ceará (Ahece) na Justiça, o sócio do Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, Rogério Scarabel, as empresas de planos de saúde exercem poder de mercado por formarem um oligopsônio, e muitas prestadoras de serviços acabam com receios de discutirem esses temas na Justiça. “Como há uma concentração muito forte na mão do comprador, há pressão de encerramento do contrato. A operadora ameaça não comprar mais o serviço por conta do litígio
A decisão do tribunal cearense foi favorável ao pleito das clínicas
judicial”, explica o especialista. O caso chegou ao Judiciário após a Ahece, representando as clínicas de diagnóstico por imagem, entrar com ação alegando que a seguradora não reajustava os contratos há dois anos, o que estaria causando defasagem nos equipamentos de exames. O plano de saúde argumentou que só não fez o reajuste porque não se chegou a um acordo nas negociações
STJ: Contrato de transporte não caracteriza relação de consumo JUSTIÇA Da Redação São Paulo redacao@dci.com.br G O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) não pode ser utilizado em contratos de transporte de insumos porque o serviço não pode ser caracterizado como uma relação de consumo. Com esse entendimento, os ministros da Terceira Turma afastaram a aplicação do código em um caso que envolveu o transporte de peças automotivas da China para a exposição em uma feira realizada no Brasil. No processo analisado, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) julgou o pedido de indenização pelo extravio da mercadoria aplicando as normas do CDC, por entender que o contrato de transporte era distinto (outra relação jurídica) do contrato principal, que foi o de compra das peças por uma empresa brasileira junto à chinesa. Segundo o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, o tribunal de origem deverá proferir novo acórdão, sem aplicar as normas do CDC para solucionar o caso. O ministro explicou que a jurisprudência do STJ, após a instituição do código, adotou a teoria finalista na definição das relações de consumo, passando a considerar a destinação final do produto. “A condição de destinatário final de um bem ou servi-
ço constitui a principal limitação estabelecida pelo legislador para a fixação do conceito de consumidor e, consequentemente, para a própria incidência do CDC como lei especial”, afirmou o relator do processo. Sanseverino lembrou que a jurisprudência do STJ admite uma flexibilização da aplicação da teoria finalista, nos casos em que se constata a vulnerabilidade do consumidor profissional ante o fornecedor. No entanto, no recurso em julgamento, essa mitigação nem sequer foi cogitada, pois a empresa autora da ação não alegou vulnerabilidade.
O TRIBUNAL DE ORIGEM DEVERÁ PROFERIR UM NOVO ACÓRDÃO Para o ministro, é evidente no caso que as peças constituíam insumos para a compradora, o que afasta a relação de consumo prevista no CPC. “Uma vez que a carga transportada é insumo, o contrato celebrado para o transporte desse insumo fica vinculado a essa destinação, não havendo necessidade de se perquirir acerca da destinação econômica do serviço de transporte”, disse ele, acrescentando que há julgados do STJ que já definiram que “o contrato de transporte de insumo não se caracteriza como relação de consumo”, acrescentou.
com os laboratórios. De acordo com a empresa, as prestadoras de serviço estavam livres para rescindir o contrato já que estavam descontentes com o pagamento. A 31ª Vara Cível da Comarca de Fortaleza (CE), julgou improcedente o pedido da associação, acatando a defesa da operadora. A justificativa foi de que para ser realizado o reajuste, seria necessária uma pac-
tuação entre as partes que não ocorreu. No entanto, o TJCE reformou a decisão. A relatora do processo, desembargadora Lira Ramos de Oliveira, entendeu que apesar do Código Civil de 2002 defender a liberdade dos contratos privados, a Lei 9. 656/1998 trouxe uma restrição a essa autonomia contratual ao obrigar os planos de saúde a fazerem reajustes anuais. O sócio-fundador do Dagoberto Advogados, Dagoberto Steinmeyer Lima, explica que apesar da Constituição vedar a interferência em contratos privados, foi colocado que caso não haja acordo entre plano de saúde e prestadora de serviço, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode estabelecer uma taxa mínima de reajuste. “Tem que ter o reajuste. Se as partes não chegarem a um acordo nos primeiros 90 dias do ano, a ANS já regulamentou que o valor mínimo é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que é o indicador oficial de inflação do governo”, acrescenta. Essa tese foi acolhida pela relatora. Ela apontou no acórdão que se a parte recorrida
não “transaciona” sobre o assunto com as suas prestadoras de serviço e não aplica o índice de reajuste da ANS após os noventa primeiros dias do ano, “não há outro entendimento senão o de que a demandada está mantendo o valor nominal do serviço contrato e, consequentemente, praticando conduta vedada pela ANS”.
Precedente Scarabel destaca que o juízo foi importante para não deixar as clínicas de diagnóstico à mercê das administradoras de planos de saúde. “Aqui no estado do Ceará, essa falta de pagamento de reajuste é comum. Nós temos inclusive ações contra outras operadoras de planos de saúde no estado pelo mesmo motivo, e tencionamos usar essa decisão como precedente”, garante. Para o advogado, também foi importante o fato da desembargadora ter reconhecido que a seguradora de saúde incorreu em enriquecimento ilícito ao não conceder os reajustes nos limites mínimos previstos pela norma da ANS. “É um grande avanço”, diz.