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Empreender para os novos idosos

O NOVO MERCADO DA TERCEIRA IDADE Envelhecimento da população abre oportunidades de negócios voltados a idosos, como serviço de acompanhamento e até games para estimular o raciocínio.

Envelhecimento da população abre oportunidades de negócios voltados a idosos, como serviço de acompanhamento e até games para estimular o raciocínio. O aumento da população acima de 60 anos cria oportunidades para empresários que oferecem produtos e serviços específicos para a terceira idade. Leia a matéria completa em:

Diego Braga Norte

Brasil está envelhecendo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que, entre 1940 e 2017, a expectativa de vida no País aumentou em mais de 30 anos, atingindo os atuais 76 anos. Hoje, 15% da população brasileira é formada por idosos. Em 2050, o Brasil já terá mais pessoas acima dos 60 anos do que jovens, com idades entre 15 e 24, enquanto que, em 2060, o índice de idosos atingirá 25%.

Diante desse fato demográfico, surgem necessidades para consumidores e abrem-se oportunidades para empreendedores. Quem

souber captar os anseios, entender os hábitos de consumo e os perfis de comportamento dos idosos vai encontrar um mercado em crescimento nos próximos anos.

A empresária Marcia Sena buscou inspiração em sua atividade profissional e pessoal para criar uma empresa prestadora de serviços para pessoas com mais de 70 anos que precisam de suporte para manter a qualidade de vida e a organização da rotina. Ela sempre trabalhou em marketing na área da saúde e, dentro de casa, tinha de se desdobrar para cuidar dos filhos e da mãe. “Minha mãe era bem doentinha, suas dificuldades tiveram impactos grandes na minha vida”, conta.

Como a mãe dela precisava de atenção constante, Marcia sempre teve de lidar com cuidadores de idosos, mas as ofertas limitavam-se a contratos de 12 ou 24 horas, sem flexibilidade nenhuma. “Quando eu ou minha irmã estávamos em casa, mamãe não precisava de mais um cuidador. Eu vi nessa dificuldade a oportunidade de ofertar serviços mais flexíveis, personalizáveis”, diz.

Criada em 2015, a Senior Concierge foi uma das pioneiras em introduzir no Brasil o conceito de “aging in place”, já utilizado nos Estados Unidos, Japão e Europa. Essa postura garante aos idosos a possibilidade de seguirem vivendo em suas casas, com acompanhamento

apenas pontual e para determinadas funções. “Muitos idosos de até mais de 80 anos têm condições de morar sozinhos. Eles precisam apenas de suporte, não de cuidados 24 horas”, explica.

A empresa trabalha tanto com prevenção de acidentes, adaptando espaços domésticos, como com cuidadores. Marcia, aliás, evita usar o termo ‘cuidador’. “Há preconceito e temor com a palavra, muitos idosos não gostam. Com razão, eles dizem: ‘não estou doente, não sou criança’”. Assim, os acompanhantes treinados criam atividades lúdicas, promovem estímulos físicos, sociais, mentais e ajudam a manter a organização da residência. “Alguns

velhinhos querem e precisam de companhia, alguém que converse, ouça, ria junto. Esse convívio social ajuda na cognição e na parte física.”

Como conselho para quem deseja investir em um negócio na área, a empreendedora diz que seu arrependimento foi não ter feito um plano de negócios profissional e consistente desde o início. “Comecei a empresa em casa e bati muito a cabeça, poderia ter feito diferente e sofrido menos.” Hoje, a Senior Concierge tem seis funcionários contratados e cerca de 40 colaboradores, entre enfermeiros e acompanhantes.

DE PORTA A PORTA

O empreendedor Gabriel Barbosa é outro que experimentou na pele as dificuldades em lidar com

pessoas que precisam de cuidados especiais ou que têm mobilidade reduzida. “Minha mãe tem esclerose múltipla e sempre precisou de ajuda para se locomover. Também tenho um avô internado em instituição psiquiátrica, que precisa de cuidados constantes”, afirma.

Ele e sua irmã – e sócia – Victória Barbosa fizeram pesquisas de mercado e decidiram criar um serviço de locomoção urbana e acompanhamento exclusivo para idosos e pessoas com mobilidade reduzida. Com o aplicativo batizado de Eu Vô, a startup criada em 2017 faz o transporte “de porta a porta, mesmo”, explica Gabriel. Ele ressalta o “mesmo” afirmando que os motoristas são também acompanhantes e, desde que avisados previamente no aplicativo, podem ajudar os passageiros

idosos em bancos, supermercados, clínicas e outras atividades.

Com sede em São Carlos, a empresa já conta com 14 motoristas e 180 usuários cadastrados. “Temos taxa de recorrência muito boa, acima do 80%. Os clientes que usam, gostam e nos procuram novamente.” Outro trunfo é o aplicativo adaptado, com cores, letras e usabilidade agradável aos idosos.

Para chegar ao modelo atual, foram feitos testes de viabilidade e hoje Gabriel orgulha-se de ter um cliente de 94 anos que utiliza o app sozinho. E mesmo se os clientes não queiram ou não saibam usar smartphone, familiares podem cadastrá-los e operarem o app a distância. Para o futuro, a empresa deseja expandir suas operações

para São Paulo e outras cidades.

Na opinião da consultora do Sebrae-SP Cristiane Sevilla, um dos pontos de atenção dos negócios voltados para os idosos é respeitar as limitações deles. “Aquelas empresas que utilizam soluções digitais precisam facilitar sempre a interface tecnológica, simplificar ao máximo”, diz. Para ela, essa questão pode ser uma barreira para captar clientes, já que muitos idosos não gostam ou mesmo não sabem usar tablets e smartphones. Mesmo assim, a consultora avalia que o mercado da terceira idade tem algumas peculiaridades positivas. “É um mercado crescente, com muita gente vivendo mais e melhor. Muitos têm um perfil ótimo para o consumo, como a renda certa da aposentadoria e a disponibilidade de tempo”, analisa.

TREINO CEREBRAL

Antes restritos às crianças e adolescentes, os videogames também estão atraindo os mais velhos. Parte dessa diversificação etária é fruto da popularização dos smartphones, mas pesquisas mostram que muitos games podem ser usados para fins pedagógicos, com reflexos positivos. De olho nos

novos jogadores e nas possibilidades educacionais e terapêuticas dos games, o empreendedor Fábio Ota criou, em 2014, a ISGame.

A empresa é uma escola de desenvolvimento de games para crianças, jovens, adultos e idosos. Durante um ano, o programador especialista em TI e sua equipe realizaram testes e pesquisas com 75 idosos separados em três grupos: jogadores, desenvolvedores e grupo de controle. O estudo científico, que teve apoio da Fapesp, foi publicado na “Science Magazine” e revelou que tanto o desenvolvimento como o ato de jogar melhoram cognição, memória, concentração, raciocínio e

sociabilidade dos idosos. Além disso, segundo o empreendedor, pesquisas apontam que é possível retardar a doença de Alzheimer com exercícios mentais, como uma “fisioterapia para o cérebro”. A iniciativa da ISGame ganhou prêmio na Startup World, evento realizado em 2015, na Escola de Negócios Sebrae-SP Alencar Burti. Depois do reconhecimento, Ota passou a ser convidado para palestrar sobre empreendedorismo na instituição.

Os jogos são indicados como terapias auxiliares, mas os idosos devem seguir algumas recomendações, como não ultrapassar duas horas seguidas jogando e intercalar as sessões com atividades físicas leves, como caminhada e alongamentos. Até o meio deste ano, Ota e sua equipe de 11 pessoas – seis são profissionais

da saúde, como neuropsicóloga, psicopedagoga, fisioterapeuta e terapeuta ocupacional – pretendem finalizar o app de games para idosos. Será uma plataforma digital com vários jogos que estimulam diferentes funções do cérebro.

Os games são desenvolvidos especificamente para pessoas mais velhas, respeitando algumas características distintas das encontradas na maioria dos jogos eletrônicos, como formas, duração, figuras, contrastes de cores, letras, personagens e estrutura narrativa. “Jogos são infantilizados. Para crianças, cores fortes, brilhantes, objetos que piscam são legais; para os idosos, não”, explica Ota.

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