Entre(atos) do Ofício II - Narrativas do "chão da escola"

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Entre (atos) do Ofício II NARRATIVAS DO “CHÃO DA ESCOLA”

Carmélia Maria Aragão Fernando Henrique Rodrigues de Lima José Edvar Costa [ Organizadores ]

Sobral Gráfica e Editora Sobral-Ceará 2017


Todas as informações constantes na obra são de responsabilidade dos organizadores e autores. Todos os direitos reservados aos organizadores e autores. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização dos organizadores e autores. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal. Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de Sobral Capa Impressão e Acabamento: Sobral Gráfica e Editora Tiragem: 300 unidades

A659e

Aragão, Carmélia Maria, 1983 Entre (Atos) do Ofício II/ Carmélia Maria Aragão, Fernando Henrique Rodrigues de Lima e José Edvar Costa (organizadores). – Sobral: Sobral Gráfica e Editora, 2017. 180 p.; 21 cm.

1. Educação 2. Narrativas I. Título

CDD: 370 CDU: 37.06/37.07 CIP BRASIL – Catalogação na Fonte Ficha Catalográfica feita pela editora


“Toda palavra, sim, é uma semente.” Raduan Nassar


Os relatos foram orientados pelo professor José Edvar Costa de Araújo e co-orientados pelos professores Carmélia Maria Aragão e Fernando Henrique Lima. Todos os textos têm os direitos reservados aos seus respectivos autores, sua reprodução é permitida apenas para fins didáticos e não lucrativos, desde que devidamente citados autor e fonte. Este projeto é uma parceria da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional/ESFAPEGE e da Secretaria de Educação/SEDUC como parte do Programa “Olhares: Ofício de Educar”. Ivo Ferreira Gomes Prefeito de Sobral Christianne Marie Aguiar Coelho Vice-prefeita Francisco Herbert Lima Vasconcelos Secretário de Educação Francisca Valdízia Bezerra Ribeiro Diretora da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional Carolina de Oliveira Campos Diretora Pedagógica da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional Maria José Cordeiro Carlos Diretora Administrativa e Financeira da Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional


Prefácio Inicialmente gostaria de parabenizar e cumprimentar a todos os educadores que tiveram seus artigos publicados nesta obra. Essa produção científica e acadêmica relata experiências educacionais e práticas pedagógicas de ensino que confirmam e reforçam a qualidade e eficiência do trabalho de professores, gestores e educadores da rede pública Municipal de Sobral. Ressalto ainda que, ao longo dos últimos 20 anos, Sobral tem passado por transformações significativas. Na educação oferecida nas nossas escolas municipais, essas mudanças foram percebidas de forma mais acentuada. Desde o fim dos anos 1990, a gestão municipal tem feito um investimento longevo, racional e coerente em capital humano e em recursos educacionais, com foco no aprendizado dos estudantes e no enriquecimento de sua experiência acadêmica escolar. Com uma rede pública de educação avaliada como a melhor do Brasil, Sobral é exemplo para outros municípios e estados de como boa gestão e políticas públicas educacionais com planejamento e foco podem proporcionar um salto de qualidade para a educação pública. A valorização do magistério é um dos eixos da política educacional de Sobral, que incluí as ações do “Olhares”. A publicação deste livro é de extrema importância por registrar parte da história da educação de Sobral e nos ajudar a refletir sobre os desafios do futuro. Mesmo já tendo alcançado os mais altos resultados medidos pelos indicadores educacionais usados como parâmetros no Brasil, continuamos trabalhando para melhorar ainda mais a qualidade da nossa rede de ensino. Por isso o Município está implementado novos currículos de Língua Portuguesa e Matemática, tendo como princípios norteadores: alcançar a excelência acadêmica, garantir equidade, promover o pleno desenvolvimento da pessoa e formar cidadãos críticos e bem-sucedidos profissionalmente.


Também iniciamos o processo de elaboração do novo currículo de Ciências, tendo como referências as melhores experiências internacionais. Desenvolvido em parceria com a Universidade de Stanford, o currículo de Ciência está aliado com a implantação de laboratórios utilizando a metodologia FabLearn Labs, que envolve práticas de Ciências e Engenharia de forma interdisciplinar, valorizando a criatividade e o empreendedorismo do estudante com o uso de tecnologia, robótica e programação. Numa iniciativa pioneira, Sobral participou do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - Pisa for Schools. Cerca de 1.300 estudantes de 15 anos de idade, do 1º e 2º ano do ensino médio, fizeram avaliação com questões de Ciências, Matemática e Leitura. Com o resultado será possível obter um panorama real de como está a educação de Sobral, quando comparada aos melhores sistemas educacionais do mundo. Nossa meta é elevar o patamar da rede de ensino de Sobral ao de uma das três melhores da América Latina, além de torná-la uma referência em educação na região latino-americana. Mas ao mesmo tempo que trabalhamos o desenvolvimento do aprendizado dos estudantes também estamos preocupados com as competências socioemocionais: autogestão, engajamento com os outros, amabilidade, resiliência emocional e abertura para o novo. Temos e vamos seguir em frente superando os desafios e buscando ainda mais qualidade na política pública municipal de Sobral. #ocupaSobral Sobral, 15 de dezembro de 2017.

Francisco Herbert Lima Vasconcelos Secretário Municipal de Educação de Sobral


Olhares sobre a Educação Após quase vinte anos de uma consistente política educacional, Sobral alcançou, em 2015, a primeira posição no podium da educação brasileira. Seus 8,8 pontos no IDEB içaram a cidade a um patamar de destaque nacional e, desde então, gestores, professores e entusiastas da educação vindos de vários lugares do mundo passaram a lançar olhares de curiosidade e admiração pela Princesinha do Norte. Em seus anos de existência, muita coisa aconteceu nessa Escola de Formação. Tivemos diversos gestores, mudamos de ESFAPEM para ESFAPEGE, passamos a ter formadores fixos com experiência de sala de aula, assumimos tarefas que jamais havíamos imaginado e, sobretudo, nos profissionalizamos. Ainda temos grandes desafios pela frente, mas uma coisa é certa: nosso cuidado com a formação docente segue o mesmo desde o primeiro dia. E isso porque, se antes queríamos fazer o melhor para avançar, hoje queremos seguir avançando em qualidade porque somos modelo. Sabemos o tamanho da nossa responsabilidade, afinal não é raro o dia em que, sentadas na sala que dá de frente para as margens do Rio Acaraú, somos surpreendidas com gestores públicos dos lugares mais inacessíveis do Brasil e do mundo, batendo nas nossas portas e pedindo ajuda para transformar seus municípios na “próxima Sobral”. Alunos de mestrado e doutorado, que estudam nas universidades mais prestigiosas do globo, também se recorrem à nós, por email e presencialmente, para que possamos dizer o que Sobral tem, o que Sobral fez e o que Sobral pensa para o futuro. Nossas respostas costumam ser simples: “fizemos o dever de casa”. Vontade política, fortalecimento da ação pedagógica, valorização do magistério e fortalecimento da gestão educacional são os nossos “segredos”. Foi graças à vontade política dos nossos gestores públicos, somada ao respeito pelas políticas públicas que vem sendo implementadas nesses 20 anos, que mantiveram o trabalho consistente. Dessas ações surgem nossos três pilares: fortalecimento da


ação pedagógica, fortalecimento da gestão escolar e valorização do magistério. A Escola de Formação dos Professores de Sobral se insere em cada um desses pilares: • Primeiro, no fortalecimento da gestão escolar, cabe à ESFAPEGE executar o processo de seleção de gestores. • Segundo, no fortalecimento da ação pedagógica, a ESFAPEGE dá conta da formação permanente (e não continuada) de cerca de 1700 professores da nossa rede pública, divididos em 58 escolas. Formamos professores do Infantil Bebê até o EJA, passando por todo o Ensino Fundamental I, II e programas como Atendimento Educacional Especializado, Agentes de Leitura, Luz do Saber e Hora de Aprender. À nós, cabe também formar os Coordenadores Pedagógicos, profissionais indispensáveis para que uma escola se mantenha firme e em pleno funcionamento; • Por fim, na valorização do magistério, último pilar da política educacional de Sobral, a ESFAPEGE é responsável pelo programa “Olhares: o ofício de educar”. Durante meses, levamos acolhidas artísticas aos nossos professores. Além disso, no Grande Encontro de Educadores, que ocorre todos os anos nos meses de outubro, nossos docentes ampliam seus horizontes culturais com histórias inspiradoras, palestras e oficinas. É também durante o Olhares, que nossos professores são convidados a escreverem seus relatos de experiências em sala de aula, que agora materializamos no segundo volume do “Entre (atos) do ofício”. Amartya Sen, Nobel de Economia em 1998, já disse que “a pobreza não é simplesmente a falta de renda de uma pessoa, mas sim a privação de suas potencialidades”. As potencialidades expressam uma ideia de igualdade de oportunidades, de modo que as pessoas possam levar suas vidas do jeito que quiserem e de lutarem pelo alcance dos seus objetivos. As oportunidades envolvem não apenas as disponibilidades em recursos, mas também o acesso das pessoas a esses recursos. Depois de quase um ano à frente da ESFAPEGE, podemos dizer


que em Sobral levamos a sério a conclusão de Sen: aqui, lutamos para que todas as pessoas tenham acesso à melhor educação possível. Em Sobral, sabemos que pobreza é privar alguém de uma escola de qualidade. E é exatamente por sabermos disso que lutamos diariamente para que nossos professores sejam melhores, para que nossas escolas se empoderem, para que nossas crianças aprendam. Queremos que todos e todas tenham igualdade de oportunidades, acesso aos serviços públicos de qualidade e que possam lutar para alcançar seus objetivos. Acreditamos no poder transformador da educação e no “desenvolvimento como liberdade”. Exatamente como descreveu o Nobel. Avante!

Carolina de Oliveira Campos Diretora Pedagógica da ESFAPEGE Francisca Valdízia Bezerra Ribeiro Diretora Presidente da ESFAPEGE


Olhares sobre a publicação O exame dos movimentos internos e externos que produzem e são produzidos por um sistema educacional escolar contemporâneo, na busca de alcançar os resultados esperados e desejados, revela a existência de processos de alta complexidade. Aqui a expressão alta complexidade ressalta a intensidade alcançada por ocorrências que estão presentes nos mais simples gestos do que chamamos educação, onde quer que aconteça. Conforme o raciocínio exposto, o sistema escolar municipal de Sobral é um organismo que produz, em suas atividades rotineiras, movimentos complexos. Uma das consequências deste fenômeno é a multiplicidade quase infinita de processos em curso, de motivações e percepções, de iniciativas e aprendizados que geram e são gerados pelos diversificados atores presentes em todos os níveis de atuação. Assim, são múltiplas as possibilidades de narrativas e interpretações. Ainda que as versões mais registradas, disseminadas e absorvidas acabem sendo aquelas mais próximas do poder institucional. Sem negar que estas interpretações têm o seu lugar e sua legitimidade, existem as produzidas por outros atores. Entre as versões diversas das institucionais estão aquelas que são produto do olhar das subjetividades, que é diferente do subjetivismo, que tecem um tanto anonimamente o sistema. A Escola de Formação, ontem ESFAPEM, hoje ESFAPEGE, tem assumido, através de mecanismos variados, o honroso papel de estimular a reflexão por parte dos educadores da rede municipal de Sobral. Ela tem criado oportunidades para que façam, de modo mais rebuscado e fundado na sua mais visceral experiência de vida, um trabalho que realizam no cotidiano de suas escolas – o registro e a reflexão. A mais recente iniciativa resultou nos textos que compõem esta publicação. Seus autores e autoras produzem e são produzidos por este or-


ganismo complexo, que é o projeto educativo desenvolvido na rede escolar municipal de Sobral de modo contínuo desde o ano 2000. Nele exerceram e experimentaram a interação entre diferentes funções: a gestão da sala de aula, a coordenação pedagógica, a gestão da unidade escolar, o trabalho técnico de acompanhamento e supervisão, a formação de seus pares. Cada relato produzido conta a história do chão de Escola de cada um. Desde o encantamento ou o “chamado” pela profissão até a primeira vez em que pisaram em uma sala de aula e se viram enquanto professores. Os relatos falam de paixão, empatia e respeito. Não são apenas experiências exitosas para serem aplicadas como exemplo, são as respostas aos seus afetos, o sentido de suas vidas: como o professor que encontra na dança o espaço para dialogar com seus alunos; a professora que quer desenvolver a oralidade em seus alunos ainda descobridores de palavras, despertando neles outras formas de dizer o mundo por meio de uma maleta cheia de histórias; há o caso de outro professor que tenta desfazer o estigma de “os alunos especiais” recontando contos de fadas; entre essas histórias há também uma sobre três gerações de mulheres da mesma família que tinham na palavra “estudo”, parafraseando Adélia Prado, e no “sentimento” o maior tesouro da vida; entre outras histórias emocionantes. Partimos da escolha de 15 professores da rede municipal de Sobral que dividiram conosco seus afetos, através de relatos produzidos a partir de oficinas de escrita sob nossa orientação, cujo resultado é este livro que chega em suas mãos. O objetivo dessa publicação é que estes profissionais possam mostrar ao mundo, através de suas vivências, que a “escrita” é coisa séria e fica para sempre, que é possível, além de ensinar os conteúdos programáticos, amar, criar, ser justo e ético, apesar das adversidades cotidianas. O ofício de ensinar é árduo, cansativo e nem sempre tão reconhecido, mas quando se desenvolve essas atividades com vocação e se acredita no projeto proposto pela gestão municipal, os frutos colhidos são vistos por todos e podem ser degustados aqui. Agradecemos à Prefeitura Municipal de Sobral e à Escola de


Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (ESFAPEGE) pelo convite nos feitos e experiências vividas na elaboração do Entre(atos) do Ofício II. Esperamos que vocês gostem da leitura e se sintam afetados por estas experiências. Carmélia Maria Aragão Fernando Henrique Rodrigues de Lima José Edvar Costa ( Organizadores )


Sumário Experiência Vivenciada no Campo da Educação. . . . . . . . . . . . . . . 15 A descoberta de ser professora e formadora frente a dois públicos protagonistas: discentes e docentes da rede municipal de ensino Ana Fábia Barbosa Aragão “Direita ou esquerda? Por qual caminho sigo?”: descobrindo a lateralidade brincando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Ana Letícia dos Santos Canuto do Nascimento Histórias Cruzadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Ana Paula Bastos Ressignificando a Prática Pedagógica no Processo de Alfabetização, sob a Ótica da Gestão . . . . . . . . . . . . . . 58 Antonia Mílvia Carvalho Soares Siqueira “Tio, ele é especial?”: Discutindo a deficiência com outras crianças do ensino fundamental. . . . . . . . . . . . . . . . 68 Christopher Moura Montezuma Conto em família: um caminho para o desenvolvimento da oralidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 Denize Bernardo da Silva Aguiar orientador da eja: lições da experiência pedagógica com o projeto escola da noite. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Prof. Francisco Régis Cordeiro da Silva do ato de olhar ao ato de mudar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Francisco Vilar Vasconcelos Um relato de experiência: da descoberta da educação à vivência como educador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105 Francisco Welton Gomes Damasceno


a gestão escolar no contexto das relações interpessoais e sociais, para além dos muros da escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117 Jóina Maria do Espírito Santo O caminho do reconhecimento: como me compreendi ao compreendê-los José Wellington Rodrigues de Lima . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 relato de experiência na perspectiva do contexto sócio cultural nos espaços escolares. . . . . . . . . . . . . .. . . 135 Maritânia Cardoso de Oliveira Os saberes docentes e a gestão pedagógica . . . . . . . . . . . . . . . . 146 Rita Alcina Monteiro Silva O Resgate (ou o Ofício de Educar) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 157 Sílvia Maria Monteiro Lima Conselho escolar como instrumento de gestão democrática e participativa: a experiência vivida no centro de educação infantil dolores lustosa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164 Ticiane Maria de Sousa Silva Sobre os Autores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 Sobre os Organizadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179


Experiência Vivenciada no Campo da Educação A descoberta de ser professora e formadora frente a dois públicos protagonistas: discentes e docentes da rede municipal de ensino ___________________ Ana Fábia Barbosa Aragão

A docência para mim era algo distante, uma vez que morava em Canindé, exercia a função de secretária da Câmara dos Dirigentes Lojistas, tive que vir embora para a cidade de Sobral, passando-se algum tempo, minha mãe inscreveu-me no curso de Letras, ainda tentei resistir por não almejar lecionar, mas aceitei, cursei Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú, no processo do curso fui aceitando a ideia. No ano de 2005, na Escola Dinorah Tomaz Ramos, fui contratada como professora de apoio, ficava observando a rotina da escola, e aquilo foi chamando minha atenção, ficava com as crianças do 1º ano que estavam no processo da alfabetização, atendia a essas crianças individualmente, ficava feliz quando percebia a sua evolução. Ver aquelas crianças lendo e escrevendo era muito gratificante. Passando-se alguns anos, fui pegando o gosto pelo ofício de educar, mesmo sabendo que tinha muito a aprender. Tempos depois, fui para outra escola: Raimundo Pimentel Gomes – CAIC, uma escola grande e com muitos desafios, mais uma vez fui lotada no primeiro e segundo ano, como professora de apoio. Eu via aquelas crianças lendo e escrevendo, era para mim uma magia. “Como a educação de Sobral era de qualidade”, pensava ao observar as crianças no processo do ensino-aprendizagem, fui construindo na minha cabeça algo palpável, “é aqui que eu quero ficar, transformando e mediando o conhecimento”. Na mesma escola, fui convidada a ser professora da antiga Entre (atos) do Ofício II

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“Meta II”, alunos fora da faixa etária e que não tinham o domínio da leitura e a escrita, o desafio foi grandioso, pois seria a minha primeira experiência como professora titular, teria que tornar-me protagonista do saber. O desafio foi intenso, mas valeu a pena quando, ao final do ano, os alunos passaram por uma avaliação de leitura e a diretora Sâmia Linhares disse-me que a minha sala obtivera o melhor resultado, aquilo foi muito satisfatório, pensei, “ser professor é um desafio, mas vale a pena ver o resultado do seu trabalho e o futuro de muitos sonhos semeados”. No ano seguinte, fui convidada para atuar novamente como professora do 3º ano do Ensino Fundamental na mesma escola. O desafio progredia, eu tinha que estar à frente de um público diferente do anterior, com novas perspectivas de aprendizagem, naquele ano, o resultado das crianças foi atingido com percentual de 100% nas competências e habilidades de linguagem, escrita e matemática. No entanto, uma exigência legal e pedagógica impediu-me de continuar lecionando nos anos iniciais do Ensino Fundamental, pois minha graduação era em Letras, precisaria estar cursando Pedagogia para continuar. Como era realmente a minha pretensão lecionar para aquele público, logo que terminei o curso de Letras, ingressei no curso de Pedagogia pelo PAFOR. O desafio continuava e a paixão pelo magistério só aumentava, principalmente por poder ver aquelas crianças aprendendo diante de um processo em que a qualidade do ensino era realizada em contextos de uma política de educação em que o discente era, e ainda é até hoje, o protagonista, apoiado por diversos fatores como: rotina; acompanhamento pedagógico pautado na aprendizagem satisfatória; material didático estruturado; além de professores participantes de uma formação continuada com ênfase no fazer pedagógico e aprendizagem dos alunos. Lembro-me de cada rostinho das crianças do 3º ano da Meta II, e vê-los dizer: “tia Fábia, lembro-me de como você ensinava a tabuada cantada, das brincadeiras que a senhora fazia conosco”, este tipo de declaração era o melhor presente que um professor poderia 16

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ganhar. Com o passar do tempo, foram acontecendo tantas coisas importantes: uma delas foi o reconhecimento de um coordenador, quando este chegou até minha sala e entregou-me um certificado de professora destaque. Como foi prazeroso saber que participei daquele ano, vencendo desafios, construindo sonhos e deixando marcas. Ainda na escola CAIC, fui aprendendo, crescendo, revivendo e consolidando o que realmente eu queria ser: professora! Passou-se mais um ano, já ficava na expectativa sobre qual turma iria lecionar, pois tive a experiência no 6º ano, mas pensava no público do Ensino Fundamental I. Ficava imaginando como criar possibilidades de aprendizagem, como fazer com que as crianças gostassem de estar na sala de aula todos os dias. E então, fui para o 5º ano, no ano de 2007, lecionei por dois anos consecutivos na mesma escola onde tudo havia começado, Raimundo Pimentel Gomes – CAIC. Os laços de amizade foram crescendo, o grupo de professores era parceiro, a alegria tomava conta dos corredores quando nos dirigíamos para sala antes e após os intervalos, a troca de experiência era bem consistente, faço questão de mencionar os caros colegas: Prof. Vandeir, Fatinha, Camila Farias, Nara Irma. As trocas de experiências entre nós no intervalo eram apenas sobre os nossos alunos, de como ensinávamos determinados conteúdos, onde um trapézio poderia assemelhar-se a um “jarro e/ou uma saia” dependendo da posição que ficava. Essas conversas pedagógicas fortaleciam o nosso fazer, nosso encanto de ensinar. Como é bom poder ficar na memória todos que passam por nossas vidas, nos fazendo crescer e poder ver o mundo de várias formas. Vale lembrar aqui de uma amiga que muito contribuiu para com minha experiência, Valéria Mendes, uma pessoa que com sua alegria encantava meu dia, falava de coisas que me fazia viajar, falava de coisas que me fazia refletir, aprendi muito com essa grande companheira e amiga. Com as diretoras Sâmia Linhares e Lucivância Soares, fui percebendo a grandeza da gestão de ambas, o contexto da escola e tinha ainda mais certeza de que a escola precisa de caminhos para se chegar a um objetivo comum: a aprendizagem dos discentes. Entre (atos) do Ofício II

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Ficava imaginando como de uma simples secretária, passei a ser uma professora e condutora de sonhos, porque foi em Sobral que encontrei a minha paixão, ser professora, fazer desse universo que é a sala de aula um mundo feliz, desde a acolhida, o bom dia, a rotina, os desafios que era fazer aquele/a aluno/a com dificuldade em aprendizagem, aprender, e quando isso acontecia, eu pensava em como eu fui tendo mais certeza que estava na profissão certa. A cada experiência, uma dádiva, a certeza de que era o chão da sala de aula que eu queria pisar, sentir a terra molhada do saber, a inspiração brotar na mente de nossos educandos, era uma viagem por essa estrada, onde encontrei paisagens verdes de grandes esperanças. E foi assim, na caminhada desse além, que em 2007 a 2009, conheci o público do 5º ano, alunos que estavam consolidando sua educação básica, participando de avaliações importantes para seus currículos acadêmicos como: avaliação externa, Spaece e Prova Brasil, percebi quão grande era a dimensão do meu desafio, desenvolver nos alunos competências e habilidades de Linguagem e Matemática. Encontrei uma estrada e nela eu tinha muito a percorrer, desafiando meus objetivos, a qualidade do ensino da rede municipal de Sobral, em específico, na Escola Raimundo Pimentel Gomes - CAIC, como era mágico descobrir metodologias que atingissem as metas de aprendizagens de nossos discentes. Nessa descoberta, encontrei pessoas importantes na estrada: Socorro Martins (coordenadora), Socorro Aguiar (vice-diretora), Sâmia Linhares (diretora), Marcelo Teófilo (coordenador), Lira Augusta (coordenadora), pessoas as quais eu admirava e me inspirava vislumbrando um futuro satisfatório na minha profissão de professora. Quero falar dessa viagem, das paradas que fazia para refletir a minha prática, dos quilômetros percorridos face aos objetivos a serem alcançados, então fazia assim: junto aos colegas professores e coordenadores dentro de uma rotina pensada para contribuir com a aprendizagem dos alunos, criávamos estratégias, tais como: aulas dinamizadas, parceria no sentido de lecionar por disciplina, sendo eu, a professora de Língua Portuguesa, Redação, o vínculo dessa unidade 18

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do grupo de professores fortalecia muito a nossa prática, era uma diversão, os alunos estavam em sintonia com essa diversidade. Para dar um tom colorido às aulas e de acordo com o currículo, ia pintando com os alunos as lacunas existentes, uma delas eram os gêneros textuais. Naquele momento, precisava melhorar a gama existente dos discursos e suas funções sociais, para isso, criava músicas e, no encanto das letras, selecionava os textos com os mais variados gêneros, lembro-me que elaborava com os alunos a receita culinária, trazida de casa escrita pela mamãe deles. Para os pequenos, a atividade era uma verdadeira delícia. O chão da sala virava uma cantiga de roda, ali eram expostos seus pensamentos em relação aos seus aprendizados. Mais que isso, era interessante ver as crianças lendo os seus próprios textos, a produção era algo que se criava nas suas imaginações, os sonhos das crianças expressavam seus sentimentos e emoções, podendo lançar depois dos escritos o livro de ouro de suas histórias. No final do ano letivo, era feito um momento onde a família contemplava num simbólico evento preparado pela coordenação e professores/as, os textos que os discentes produziam, momento de relevância para todos. Morava no espaço da sala de aula, as personagens mais encantadoras, a cada atividade realizada surgia uma reflexão, uma autoavaliação da prática docente. Os dias foram passando, a cada reflexão, algo novo para contar, para fazer e gostar e de querer fazer diferente. Era a minha pretensão fazer diferente: uma brincadeira da batata-quente, uma acolhida com contação de história, um relato pessoal oralizado por um aluno. Inserir os conteúdos de forma lúdica era muito gratificante, além de poder ver o amanhecer e o entardecer dessas vivências. No entanto, havia aquele aluno que ao olhar percebia que algo tinha acontecido, e com o coração fitava os olhos e diziam no pensamento, ele/ela está precisando de uma palavra amiga, de preocupação, de amizade, e assim, sucedia, procurava de um jeito discreto e singelo, dialogar com os desafios e fortalecer a afetividade, depois de Entre (atos) do Ofício II

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conhecer os fatos ocorridos, sentia exatamente como esse aluno/a chegava à sala de aula, triste, mas com a esperança de encontrar seus sonhos no universo encantado que era a escola, era exatamente nisso que eu tinha a certeza de fazer desses sonhos uma ponte de perspectivas futuras, plantando sementinhas de amor, de esperança, de felicidade. Para estas experiências, a viagem teve duração de quatro anos, estando no percurso da sala de aula da referida Escola Raimundo Pimentel Gomes – CAIC, a escola alcançou bons êxitos nas avaliações externas: Spaece e Saeb. No ano de 2009, tive a oportunidade de ir para a Escola Emílio Sendim, recebi o convite para atuar como coordenadora pedagógica, experiência que me fez entender um universo vasto e complexo de magias e encantos, de tempestades, trovões e uma chuva de aprendizado. Nas cores do arco-íris, fui aprendendo a desvendar os mistérios da aprendizagem, do fazer pedagógico. Nessa trajetória da caminhada, encontrei vários personagens para minha vivência, uma delas, a diretora Lucivância Soares, Jóina Maria do Espírito Santo, Valderice Farrapo, pessoas estas que me ensinaram a entender melhor o contexto da coordenação pedagógica. Nesta mesma estação do ano, recebi o convite pela Escola de Formação Permanente do Magistério (Esfapem) na pessoa da Rosana Parente, para atuar como formadora dos anos (3º ao 5º) compreendia que estar à frente dos professores era um aprendizado fortalecedor para minha prática, de poder realizar ações voltadas para a sala de aula, podendo contribuir ainda mais com a aprendizagem dos discentes. A cada agenda planejada, um novo aprendizado. Pensava em cada detalhe em cada ação que pudesse ir de encontro aos anseios dos profissionais da Educação. Era muito feliz com o grupo de formadores: Márcia Mendes, Ana Paula Bastos, protagonistas que já percorriam os caminhos das formações em serviço, com elas eu compartilhei ideias, vivenciei, aprendi valores e metodologias que contribuíram para com minha participação no chão das formações. 20

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Passando-se os anos, compreendia mais ainda o chão da sala de aula em duas vertentes: formação e coordenação, mas era no aroma da classe escolar que minha essência se irradiava no ar, caminhava pelas estradas do conhecimento e aplainava os meus passos, podendo ter visões múltiplas de olhares. A disciplina que minha paixão se envolvia com mais encantamento era a Língua Portuguesa, por que não falar dela com muita euforia?! Ah, como gosto de passear pelas letras e conhecer os mistérios que elas têm. De estar na interação com o outro. E foi na linguagem que minha viagem alargou-se por caminhos de muita aprendizagem. Realizava ações metodológicas procurando colocar os discentes como os protagonistas, criando possibilidades favoráveis de aprendizagem. Gostava de vê-los interagindo, oralizando seus sentimentos e anseios. Como diz o autor Vygotsky: “A transição do pensamento para a palavra tem de passar pelo significado, e, como sempre, há algo oculto no que dizemos (vontades, necessidades, emoções), a compreensão que envolve o verbal e o não verbal, que se encontram somente na interação com o outro”. E nessa interação que o autor apresenta que fizeram de mim o melhor que posso ser. Para falar e dar ênfase a essa viagem, em minúcias contarei o que de fato ocorreu a partir do ano de 2010, quando voltei para sala de aula do 5º ano. Fiz uma grande parceria com a professora Tatyana Moraes, lecionávamos dividindo as turmas, (ela com as disciplinas de Matemática, Geografia e Ciências, eu, com Língua Portuguesa, História e Redação), nessa parceria e compromisso, fazíamos um trabalho de unidade, construímos uma história junto à equipe de gestores: Lucivância Soares (diretora), Isabel de Sousa Moraes (coordenadora pedagógica). As aulas eram bem dinamizadas, planejávamos em comum acordo para alinhar os conteúdos e estratégias de ensino. Percebendo os desafios nessa viagem, procurei adequar-me às inovações e debruçava-me nos estudos para melhor qualificar o ensino-aprendizagem das crianças. E vendo cada avanço, propunha-me a criar novas metodologias e as existentes procurava dar uma nova roupagem as minhas aulas, como era prazeroso ver os educandos Entre (atos) do Ofício II

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envolvidos no processo. A cada nível de crescimento eu tinha mais vontade de buscar metodologias que atendessem as expectativas de aprendizagem. Recordo-me quando perguntava aos discentes: Qual o gênero desse texto? E respondiam: “narrativo, professora”, era comum encontrar respostas assim, minha inquietação levou-me a criar uma história de forma que explicasse a diferença entre aspectos tipológicos e suportes textuais. E assim, pude perceber a compreensão mais sólida. Escrevia músicas para envolver os conteúdos e, para cada dificuldade existente, as histórias iam aparecendo até mesmo de improviso, de uma situação emergente a história era criada, quando terminava de contar, era satisfatório ouvir o “sim”, as janelas se abriam, entravam por minha sala, um vento suave e cheio de esperança, de aprendizado. Nessa viagem, nas estações de inverno e verão (2011-2017), as minhas paradas eram no chão da sala de aula frente aos alunos e no chão das formações de professores (Sobral), mas no ano de 2011, um convite me fez conhecer muitas cidades do estado do Ceará, pois fora convidada a participar do Programa de Alfabetização na Idade Certa – PAIC MAIS, atualmente, MAIS PAIC. Poder compartilhar com muitas pessoas de universo que o chão da sala e passear por grandes ações que contribuíram para o processo e crescimento da aprendizagem no âmbito geral do estado. As vivências eram para mim algo de muita riqueza, interagia e contemplava grandes projetos e práticas inovadoras. Dessa formação eu trago comigo, grandes referências e de uma equipe: Rosana Parente, Bethu, Artais, Maria Cordeiro, Sonilânia Sousa, Rosa Paiva. E uma história do Programa de Alfabetização na Idade Certa – PAIC MAIS foi escrita na minha vida. Essa experiência assim como todas, trouxeram para minha vida um aprendizado relevante, desde as reuniões de alinhamentos, planejamento de ações que resultavam no chão da sala de aula.

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O crescimento profissional, ao percorrer por essa estrada, só aumentava a minha vontade de fazer o melhor que pudesse no meu mundo, pois, conciliava a sala de aula com a formação e fortalecia cada vez mais o meu fazer pedagógico, entendia os processos de ensino-aprendizagem, na fundamentação teórica e que estes respaldavam consideravelmente a minha caminhada. Dando sequência aos processos da minha viagem, encontrei pessoas as quais muito deram-me a mão amiga, em acreditar que era possível contracenar em dois cenários: sala de aula/discentes e da formação de professores. E na humildade, pude compreender que Entre (atos) do Ofício II

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os caminhos que percorria eram desafiadores, porém, construtivos e prazerosos. Contava com duas grandes parceiras na formação do MAIS PAIC: Carolina Farias e Iris as quais tenho um grande carinho, “Carol” como assim a chamamos, esteve comigo numa viagem desafiadora e de muito aprendizado (construímos e alcançamos juntas muitas metas). Foi na Escola Emílio Sendim que fiz a minha parada, quando passei no concurso em 2012, lecionando no 5º ano, com a professora Tatyana, passava horas pensando juntas como realizar melhor a nossa prática pedagógica para se chegar a uma equidade de ensino, então fazíamos: gincanas das cores, seminários para envolver os conteúdos estudados, oficinas. Os discentes eram nossos sem distinção de turma e de professora, não sabíamos de quem era exatamente, eles eram os nossos discentes, os que faziam parte da Escola Emílio Sendim, foi nessa parceria que atingimos dados relevantes, e o mais importante, poder ver nos rosto de nossas crianças, o melhor presente que um professor pode ganhar, a felicidade das crianças em dizer: “eu não sabia, agora entendi...”, para expressar melhor essa paixão de ensinar, as experiências alcançadas, eram de fato o melhor resultado de um trabalho feito com amor, dedicação e muita parceria. Recordo dos educandos como se fosse hoje, refaço minhas memórias revivendo, no mesmo contexto, o mesmo ano (5º ano), novo público, mas a mesma vontade de realizar um trabalho de grandes conquistas e vitórias. E como diz o grande autor Paulo Freire: “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria. A educação qualquer que seja ela, é sempre uma teoria do conhecimento posta em prática.” Em uma dessas viagens, no ano de 2015, junto à equipe, Mílvia Carvalho (diretora), Isabel de Sousa Moraes (coordenadora) pessoa de muita sabedoria, e professoras, Tatyana Moraes, Andressa Kelle, Hillana, recebíamos uma turma linda de discentes, no início do ano letivo, grandes sonhos, grandes expectativas, no mesmo ritmo de trabalho, de unidade, vestindo a camisa do amor, da esperança, do 24

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aprender, realizávamos mais uma vez, um trabalho de formiguinha, carregando juntas, aquela folhinha verde a fim de fazer com que as crianças aprendessem de forma prazerosa, agregando valores para sua formação cidadã. O maior dos empenhos vinha de todas as formas, da Secretaria de Educação, da formação, do acompanhamento pedagógico, da força de vontade de ver o nosso papel escrito com letras douradas. Como era sólido todo o contexto desse percurso, dessa viagem. Depositaram em mim desafios, acreditaram que era possível, e como fazia isso? Todos os dias no chão da sala de aula e mais uma vez frente às formações do Programa de Alfabetização – MAIS PAIC. Considerando que as duas pontes do conhecimento fortaleciam as minhas metodologias. Aprendia, crescia e vencia os desafios com muito sucesso. Com as crianças eu via um mundo melhor, mas precisava dar subsídios para elas, mas como? Na mesma parceria de sempre, no planejamento e ações estruturantes, como diz o admirável, Júlio César, ex-secretário de educação de Sobral. Fazia assim, diante das dificuldades enfrentadas, traçávamos metas, jogávamos com a mesma intensidade para ganhar o jogo, juntas, em prol da vitória comum, o aprendizado de nossos discentes. Como o sucesso vinha? Não sei ao certo, mas via que era no equilíbrio e inovação das metodologias criadas, vezes com a música, outras com histórias, mas na interação sempre com o outro nas atividades de grupo, realizando atividades que tivesse com principal fonte de aprendizado a leitura, criei Projeto “Gibiteca”, que por sua vez era uma leitura prazerosa para o público do 5º ano, foi com esse projeto que consegui elevar um resultado da avaliação externa de escrita, atingindo 100% da turma ao final do ano letivo.

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Até hoje, esse projeto perpassa os caminhos da minha sala, ele desenvolve muito bem as competências e as habilidades em leitura, compreensão e escrita, fora o eixo da oralidade e a criatividade que consigo deslumbrar nos discentes. Entre idas e vindas nessa viagem do ensino e aprendizagem tanto minha quanto dos educandos, via novos horizontes, o sol brilhava e reluzia a aprendizagem, mas para isto, precisei estar em constante busca, alinhar os processos, ajustar de forma interdisciplinar os conteúdos. E nessa estrada encontrei algumas trepidações, mas era sem parar o transporte das ações estruturantes, da qualificação do processo da aprendizagem. Cheguei numa das paradas, em 2015, com a sensação de ter feito o melhor, a empolgação era tamanha, a turma deixava transcender também isso, era prazeroso ver o crescimento acadêmico de nossos pequenos. Finalizávamos mais um ciclo. Lembro-me com muito carinho a fala de cada ao final do ano letivo: “obrigado por ensinar-me coisas que nunca imaginei aprender, obrigado por ser essa 26

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professora dedicada.” Em cada fala uma demonstração de carinho de satisfação. Hoje, sei que continuam com os mesmos sonhos, isso não tem preço, tem o que há de melhor. Observando as paisagens da educação de Sobral, via que fazer parte de todo o processo só me fazia acreditar que era exatamente o contexto que escolhi para minha trajetória profissional, que para os meus caminhos serem percorridos com sucesso, precisava de humildade, de apoio, de pessoas que construíssem comigo este relato de experiência. Os projetos e ações na sequência eram ajustados ao público novo, com equipe diferente, compartilhando o conhecimento. As atividades que desenvolvia em sala de aula perpassava os muros da escola, porque com grandes inovações e diante da realidade lancei o projeto, compartilhando um pouco de mim, então, todos os dias eu solicitava que na acolhida trouxessem algo novo “de bom para contar”, exposição oral, o momento era de grande relevância, pois os discentes sentiam-se valorizados em poder compartilhar suas vivências, era uma forma de envolvê-los nessa magia que é contexto escolar, que os leva para a vida. A dinâmica era a mesma dos anos anteriores mais arraigadas, as relações de afetividade eram fortes, vencendo os desafios que encontrei, podia partilhar lado a lado com a coordenação, um deles era a aprendizagem de alguns discentes, adotava meios que pudessem ajudá-los, a motivação era o um dos caminhos, em meios a turbulência, o destino era nosso foco. Como na escola é criado um grito de guerra para acolhida para efeito motivacional: “EU QUERO, EU POSEntre (atos) do Ofício II

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SO, E NESSE ANO É TUDO NOSSO, PROVA BRASIL E SPAECE, É NOSSO FOCO, É NOSSO FOCO.” Assim como as avaliações de larga escala, o foco era principalmente a formação cidadã, o conhecimento o que dele é transformado. Nesse mesmo ano, a Escola Emílio Sendim, junto a todos os profissionais da escola, professores do 1º ao 4º ano que tiveram participação efetiva na aprendizagem, gestores e em específico o grupo do 5º ano nas pessoas da diretora: Mílvia Carvalho, Isabel Moraes (coordenadora), professora Tatytana Moraes, Hillana, Luana e Andressa Kelle, assim como todos os profissionais das escola, colhemos os frutos de um trabalho de unidade, amor, parceria, dedicação, empenho e muita determinação, o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica registrou a média 9.8, deixando a escola em primeiro lugar do país. Foram as ações estruturantes e o fortalecimento da gestão e demais funcionários que juntos, chegamos ao ápice desse sucesso. Muitas emoções nós vivemos, muitos desafios enfrentamos, os protagonistas discentes nos fizeram acreditar mais e mais nas possíveis mudanças, nos sonhos, na formação para a vida. Esse resultado assim como as demais escolas da rede municipal do ensino de Sobral, resultou na média do município em 8.8. Que viagem maravilhosa, poder contar com tantos profissionais durante ao longo da caminhada, aprender, acreditar, inovar, compartilhar ideias, semear sonhos, plantar e colher os frutos do amor, da educação que os nossos discentes precisam, foi e será sempre assim, para termos uma educação de equidade, é preciso contar com tanto apoio das personagens protagonistas e secundários, poder fazer desse enredo, a melhor das versões da aprendizagem, da construção do ser com estratégias inteligentes, buscando aprender mais, errando, acertando, mediando o conhecimento, e sendo o melhor autor para histórias de excelência e que elas continuem... E como diz o autor Mahatma Gandhi: “Você nunca sabe que resultados virão da sua ação. Mas se você não fizer nada, não existirão.” Atualmente, no ano de 2017, concluindo o escrito deste relato, sinto-me feliz, porque já posso vislumbrar grandes sonhos, ainda li28

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gados à construção dessa história palpável e feliz que é fazer parte da melhor rede de ensino de Sobral-Ceará. Gostaria de registrar a presença de pessoas que muito contribuem para com o meu crescimento profissional e pessoal: a diretora: Lira Augusta (atual diretora da Escola Emílio Sendim); Welton Damasceno (coordenador) – pessoa com que muito aprendi e pude compartilhar experiências exitosas para uma boa prática de sucesso; não posso esquecer do meu esposo, Francimilton Bezerra Aragão que sempre está comigo, incentivando e acreditando no meu potencial. Sinto-me motivada e realizada em relação à minha vida profissional, enquanto professora, fazendo parte de uma sociedade que almeja um futuro melhor para nossos discentes.

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“Direita ou esquerda? Por qual caminho sigo?”: descobrindo a lateralidade brincando ___________________ Ana Letícia dos Santos Canuto do Nascimento

Sempre me desafiou enquanto professora de Educação Infantil levar meus alunos a vivenciarem o conteúdo de lateralidade de uma forma prazerosa e significativa, pois o assunto quando não é bem trabalhado na infância arrasta-se como um conflito pela vida toda, ao ponto de encontrarmos adultos que têm dificuldades nessa área. Em diversas situações podemos identificar estes adultos em dúvida sobre qual seria o seu lado esquerdo/direito e com dificuldades em tempo e espaço em determinadas ações. É interessante perceber que a lateralidade na vida das crianças vai além de direito/esquerdo, ela é também a porta para diversas outras aprendizagens. Pensando nisso, percebi que não poderia trabalhar este assunto apenas de maneira formal e tradicional, mas entendi que o melhor caminho para chegar a uma aprendizagem significativa, aquela que nunca se esquece, é utilizar as estratégias mais criativas que se pode imaginar, seja ela tradicional, formal, informal, lúdica. Enfim, a vivência de lateralidade precisa ser entendida de forma concreta pelas crianças para que se tornem eficazes as estratégias sugeridas. Minha experiência aconteceu no CEI Prof.ª Maria José Carneiro, localizado no bairro Sumaré, no ano de 2017, onde atuo como professora do Infantil V, com uma turma de 30 crianças no turno da manhã, recebendo crianças nesse nível com idades de 5 e 6 anos, idade em que está se definindo seu lado predominante, momento em que sua lateralidade está se manifestando. Não se sabe ao certo como se dá esse processo, mas acredita-se em herança genética nesta definição. 30

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Logo no início do ano letivo, após o primeiro diagnóstico de aprendizagem da minha turma, percebi que a maior dificuldade deles naquele momento seria a lateralidade. Dessa forma, observei que só as atividades escritas ou as dinâmicas sugeridas no plano sendo parte do formato adotado para vivenciar o assunto não estava satisfatório, era necessário algo a mais, pois estas ações que vinham sendo realizadas não estavam conduzindo os alunos para uma aprendizagem significativa em relação à lateralidade, então percebi que era hora de parar, refletir a prática e pensar novas estratégias acerca do assunto. O principal objetivo dentro de sala é proporcionar oportunidades de aprendizagens para as crianças e saber que naquele momento não estava atingindo o objetivo, inquietou-me a buscar novas maneiras de oportunizar conhecimento para as crianças. Foi então que percebi que a todo momento poderia estar oportunizando os alunos a experimentar concretamente a lateralidade, não precisando de uma ocasião específica para abordar o assunto, pois toda hora é hora de adquirir conhecimentos. Então iniciei aprofundando um estudo sobre a lateralidade, pesquisando e dialogando com outros professores sobre o assunto. Deparando-me com um conhecimento sobre o tema que vai além de direita/esquerda, pois uma lateralidade corretamente trabalhada tem relevância em todo o processo de aprendizagem, foi então que cheguei à definição de Fonseca (1988, p. 69), “a lateralidade constitui um processo essencial às relações entre a motricidade e a organização psíquica intersensorial. Representa a conscientização integrada e simbolicamente interiorizada dos dois lados do corpo, lado esquerdo e lado direito, o que pressupõe a noção da linha média do corpo. Desse radar vão decorrer, então, as relações de orientação face aos objetos, às imagens e aos símbolos, razão pela qual a lateralização vai interferir nas aprendizagens escolares de uma maneira decisiva.” Na lateralidade, a criança expõe predileção por uma das mãos em seus afazeres. Esta ação é dirigida pelo cérebro. Neste procedimento, os lados opostos do corpo comandam uns aos outros – o esquerdo estimula o direito e vice-versa. Quando a parte esquerda Entre (atos) do Ofício II

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predomina, a pessoa é destra; do contrário, ela é canhota. Isso diz respeito também aos olhos, aos pés, a certos pares de órgãos. Nisto consiste a capacidade de controlar ambos os lados do corpo juntos ou separadamente. É imprescindível que haja a percepção da diferença entre direita e esquerda, é preciso também que se tenha noção de distância entre elementos posicionados tanto do lado direito como do lado esquerdo. Esta competência é de grande relevância para formação de conceitos complexos como de espaço. Certo dia, caminhando junto com a turma para o refeitório, comecei a imaginar maneiras de levar o assunto para os meus alunos e torná-lo um amigo ao invés de um inimigo. O que me veio à cabeça primeiramente foi brincar com o assunto, então estaria ali oportunizando o conhecimento acerca do assunto da maneira que mais me encanta e dá prazer: através da ludicidade. Reconhecendo que a ludicidade vem de forma relevante e persistente cercando minha vida profissional, porque me recordo que meu artigo de conclusão da universidade foi voltado para a ludicidade e as emoções que cercam as brincadeiras, nisto iniciava uma deliciosa relação entre teoria e prática. Continuando no percurso para o refeitório, ali mesmo no corredor, iniciei uma brincadeira com as crianças que consistia no seguinte: eu iria sugerir um lado para onde as crianças iriam caminhar, questionei quem gostaria de brincar e instantaneamente todos concordaram e verbalizei “todos agora irão caminhar para sua direita” e naquele momento foi um misto de adrenalina e euforia, pois uns foram para direita, outros caminharam para esquerda, outros continuaram em seus lugares para decidir em qual lado seria melhor, ficando meio confuso no começo, mas era nítida a vontade de caminhar para o lado sugerido e reconhecer seu lado direito e assim segui até o refeitório. Chegando ao refeitório, observei o seguinte referente à brincadeira do corredor: havia despertado neles o interesse e atenção em reconhecer seu lado direito ou esquerdo, mas precisava de algo mais, algo que fosse pessoal e individual. 32

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Naquele momento percebi que precisava focar nessa estratégia de trabalho que é a brincadeira, pois o jogo e a brincadeira estão presentes em todas as fases da vida dos seres humanos, tornando especial a sua existência. De alguma forma, o lúdico se faz presente e acrescenta um ingrediente indispensável no processo de aprendizagem e o relacionamento entre as pessoas. A brincadeira representa um fator de grande importância no processo de desenvolvimento e de socialização da criança, proporcionando-lhe novas descobertas a cada momento – refletindo, inclusive, o contexto no qual está inserida e suas emoções. Relembrei tudo aquilo que cercava o mundo encantado das atividades lúdicas, lembrando que elas são todo e qualquer movimento que tem como objetivo produzir prazer quando de sua execução, ou seja, divertir o praticante. A atividade lúdica também é conhecida como brincadeira. São atividades que não têm como objetivo principal a competição, mas a realização de uma tarefa de forma prazerosa; existe sempre a presença de motivações para se atingir os objetivos. Oferecem exercícios físicos sadios feitos com muito entusiasmo, quase sempre socialmente aceitos com o intuito de explorar as próprias possibilidades e de descobrir o mundo; propiciam desabafo de dificuldades emocionais e sentimentos confusos de conflitos e de agressividade, fortalecendo, dentre outras coisas, a auto-estima e a segurança. O alemão Friedrich Froebel (1782-1852) foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância decisiva na formação das pessoas. Para ele, as brincadeiras são o primeiro recurso no caminho da aprendizagem. Por isso segundo Froebel (1912, p. 55), brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana Entre (atos) do Ofício II

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enquanto um todo - da vida natural interna no homem e de todas as coisas. Ela dá alegria, liberdade, contentamento, descanso externo e interno, paz com o mundo... A criança que brinca sempre, com determinação, autoestima, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um homem determinado, capaz de auto sacrifício para a promoção do seu bem e de outros. Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. Através da atividade lúdica, as crianças aprendiam brincando de uma maneira agradável, o que estava favorecendo o desenvolvimento e o aprendizado tanto cognitivo quanto emocionalmente, tornando esse aprendizado em algo mais prazeroso e divertido. A criança aprende de maneira concreta e leva esse conhecimento para vida toda; o brinquedo, ou brincadeira, gera para a criança uma exposição do seu ser para além do comum, pois ali a criança não tem medo de ser ela mesma. O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) atribuía um papel preponderante às relações sociais no processo de aprendizagem, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo, pois segundo Vygotsky (1991, p. 134-135), no brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual da sua idade além de seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade. Como foco de uma lente de aumento, o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ela mesma, uma grande fonte de desenvolvimento. Logo naquela ocasião em que a brincadeira do corredor foi criada, identifiquei que não era apenas uma atividade lúdica que levaria experiências de lateralidade, mas que oportunizam as crianças às diversificadas vivências que contribuem para o desenvolvimento cognitivo, emocional, psicológico e social, concretizando o art. 29 da LDB 9394/96 que diz: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança 34

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até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. Assim percebi que tinha encontrado o caminho para proporcionar uma aprendizagem significativa para os meus alunos. Nos dias seguintes ao da brincadeira do corredor que acabou se tornando parte da rotina, surgiu uma nova ideia e apresentei para as crianças, a proposta era que nesse momento para adentrar ao refeitório eles teriam que adquirir uma senha, foi impactante ver a ansiedade e a expectativa para descobrir que “senha” seria essa e fazendo um grande suspense, naquele momento precisei organizar as crianças em fila e só então revelei que a senha seria um movimento a ser feito, quem conseguisse entrava e quem não conseguisse voltava para o final da fila para ganhar uma nova oportunidade de adquirir sua senha, foi uma festa, pois eles ficaram muito animados para conseguir sua senha, então chegou o primeiro da fila e a senha dele era pular com a perna direita, o segundo da fila deveria levantar o braço esquerdo, o terceiro já deveria levantar a perna direita, o quarto pegar no joelho esquerdo e assim seguiu a sequência, alternando os movimentos e os lados sugeridos.

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Naquele momento, consegui perceber que a simples brincadeira do corredor estava atingindo seu objetivo e com o acréscimo do jogo da senha era emocionante ver a descoberta que eles estavam fazendo através daquelas ações que não utilizavam grandes e caros materiais físicos, mas que através das brincadeiras trouxeram grandes conhecimentos para a vida daquelas crianças. É interessante perceber que essa simples brincadeira não trouxe apenas um bem cognitivo, mas acredito também nos laços afetivos que ela despertou, como o companheirismo e a solidariedade entre eles, pois sempre aquele que visualizava o colega indo na direção contrária ao que havia sido sugerido ajudava o outro até que todos tivessem no lado direcionado, algo tão simples, mas que trouxe a diferentes experiências de forma significativa. Nisto vi com a possibilidade de conviver e se relacionar com outras crianças presentes nas atividades lúdicas um fator propício que estimula as emoções, favorecendo a manifestação de emoções positivas ou negativas, dependendo da relação que fosse estabelecida com o outro, mas geralmente estava propiciando emoções posi36

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tivas. Assim a brincadeira foi possibilitando às crianças a aprender a lidar com suas emoções também. As brincadeiras permitiram às crianças a socialização, bem como a transformação de algumas condutas. Nas atividades lúdicas propostas, as crianças começaram a pensar sobre o que faziam durante o percurso até o refeitório. Sendo assim, vi o lúdico como parceiro fundamental e utilizei-o amplamente para oportunizar o desenvolvimento emocional e a aprendizagem das crianças, já que as crianças amam brincar e dedicam muito tempo ao mesmo. A ludicidade é de utilidade para o ser humano em qualquer faixa etária e não pode ser vista apenas como passatempo. Na experiência vivida verificamos essa afirmativa, pois aquilo que a princípio para algumas pessoas que estivessem olhando parecesse ser passatempo aquela brincadeira, demonstrou ser fonte de conhecimento. A evolução do aspecto lúdico favorece a aprendizagem, o progresso pessoal, social, emocional e cultural, contribui para uma boa saúde mental e simplifica os processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento. Logo a brincadeira ganhou os corredores da escola e os demais professores começaram a adotar a estratégia com suas crianças. Nisto já percebemos as diferenças nos diagnósticos de aprendizagem, principalmente no que se refere ao processo de desenvolvimento dessa habilidade, pois foram notórios os avanços e a identificação no próprio corpo em relação à lateralidade. A nossa grata surpresa foram os avanços conquistados em várias outras habilidades, segundo os diagnósticos de aprendizagem seguintes, como a noção de espaço, desenvolvimento da coordenação motora fina e grossa, a construção do processo de escrita e o equilíbrio. E não nos acomodamos, pois tínhamos sede por aprimorar em outras situações a noção de direção, foi então que surgiu outra brincadeira para vivenciar concretamente a lateralidade e perceber as crianças em outro contexto que exigiria delas agilidade, percepção e concentração, e nos daria mais uma chance de compreender as crianças em sua individualidade. Entre (atos) do Ofício II

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Assim descobrimos as brincadeiras de competição como mais uma ferramenta para nos ajudar neste caminho de descoberta da lateralidade e outras habilidades também, a brincadeira era organizada da seguinte maneira: dividia-se a turma em duas equipes, em cada rodada participava um ou uma de cada equipe para competir, a frente deles era colocada duas cadeiras uma do lado direito e outra do lado esquerdo, ao sinal da professora, as crianças iriam correr ao encontro da cadeira que estivesse do lado sugerido pela professora, por exemplo: DIREITA, a criança que senta se primeiro na cadeira da direita ganharia ponto para sua equipe. Assim seguia a brincadeira até que todos participassem. Nessa brincadeira, a atenção e a concentração deles era impressionante, a explosão de emoção quando eles conseguiam ou não acertar e ganhar pontos para sua equipe, percebia-se muita emoção envolvida por parte deles o que motivava ainda mais a busca por diferentes maneiras de levar de forma concreta e significativa aquele conteúdo.

O mais estimulante era perceber o prazer das crianças a cada brincadeira, os olhos brilhantes em cada descoberta e a intenção de agradecimento por estar sendo proporcionado a eles aprendizagens de forma divertida e marcante. Acredito que estas experiências sejam inesquecíveis para eles. As atividades lúdicas me ajudaram a proporcionar uma aprendizagem significativa e prazerosa para os meus alunos, de acordo com os diagnósticos realizados com as crianças foi perceptível e ve38

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rificado a eficácia das práticas adotadas em comparação com outras turmas que não adotaram ou apoiaram sem a intencionalidade requerida, mesmo que ainda estejamos percebendo algumas crianças em processo de descoberta, a maioria já está consolidando essa aprendizagem de lateralidade e carregando para o futuro uma bagagem de conhecimento vivenciado e cheia de significados para sua vida. O resultado dessa prática tem sido colhido dia após dia, pois percebemos os avanços nas crianças com a segurança de estar se apropriando em diferenciar qual é seu lado direito/esquerdo e no desenvolvimento da noção espacial que são habilidades de relevante importância nesta fase é essencial para um futuro exitoso. O entendimento da direita/esquerda em si e nos outros antes da alfabetização é de valor relevante. Consistente nisso, compreendemos que as crianças passam por etapas para perceber e diferenciar o seu lado direito e esquerdo, e por isso temos que estimular desde pequenos com jogos e atividades que lhes mostrem, sem forçar, essa diferença. Assim no ano seguinte será desenvolvido seu processo de alfabetização, sendo que a criança que domina essa habilidade terá facilidade em atingir as expectativas de aprendizagem para o 1º ano (alfabetização). Progredindo na sua experiência com a escrita, as crianças que não adquiriram esses conceitos, poderão ter conflitos na noção espacial, e assim, a criança poderá enfrentar sérios obstáculos para reconhecer letras que se diferem pela posição espacial, como “p” e “q”; e assim por diante. Além desse obstáculo, poderão aparecer outras situações como a “escrita espelhada” e no sentido direcional da leitura e escrita, pois na nossa cultura elas se dão da esquerda para a direita, e, sendo assim, a criança que não tem noção de lateralidade, não respeita esse sentido. Sendo assim, vamos percebendo a importância do assunto na vida e no futuro das crianças. É importante que os professores, desde Educação Infantil até o Ensino Fundamental, trabalhem a questão da lateralidade em seus alunos, juntamente com o esquema corporal, pois serão eles que ajudarão no futuro das crianças. Nesse processo Entre (atos) do Ofício II

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de descoberta da lateralidade, acabei me deparando com outras descobertas através dos estudos, pesquisas e experiências com os meus alunos vivenciadas através das brincadeiras como a importância da lateralidade para a escrita e para a noção de espaço. E mais uma vez a ludicidade me ajudou a compreender melhor o universo em que envolve esse assunto. Realizando o acompanhamento dos alunos é que se percebe a importância da vivência que traz significado para o que se está experimentando e consolidando em termos de aprendizagem. Ou seja, a brincadeira é fonte de experiências cognitivas, emocionais e psicológicas, contribuindo para o desenvolvimento integral da criança. Portanto, acredito que brincando se aprende bem mais e se tem a oportunidade de uma aprendizagem significativa.

Referências Bibliográficas FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade. São Paulo: Martins Fontes, 1988. Disponível em: https://www.infoescola.com/psicologia/ lateralidade/ Acesso em: 23 de novembro de 2017. Disponível em:https://novaescola.org.br/conteudo/96/friedrich-froebel-oformador-das-criancas-pequenas. Acesso em: 23 de novembro de 2017. ARCE, A. (2004). O jogo e o desenvolvimento infantil na teoria da atividade e no pensamento educacional de Friedrich Froebel. Caderno CEDES, São Paulo, v.24, n.62, pp.9-25. VIGOTSKI, L. S. O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes. 1998. Disponível em: https://novaescola.org.br/ conteudo/382/lev-vygotsky-o-teorico-do-ensino-como-processosocial Acesso em : 23 de novembro de 2017. BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. 40

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Histórias Cruzadas ___________________ Ana Paula Bastos

Final de uma manhã comum na sala de alfabetização da Tia Ely em uma escola pequena de um bairro de periferia. O sinal toca anunciando o final da aula. Enquanto os outros alunos correm para encontrar seus pais, eu me apresso para pegar o restante do giz que a professora deixa próximo a lousa num ritual quase diário. A professora, que normalmente estava um semblante sisudo, despede-se dos alunos um a um e, de vez em quando, olha para mim com um leve riso de bondade como se suspeitasse onde minha mania poderia me levar... Gosto de pensar que ela deixa alguns pedacinhos a mais de propósito. Eu tinha um verdadeiro fascínio pelo giz. Representava um objeto de poder. Só alguém importante tinha giz nas mãos, eu pensava. Ao catar cada pedaço de giz já sentia duas alegrias: imaginar amarelinhas desenhadas na calçada de casa e desenhar, com minhas mãos pequenas, nas paredes da casa da minha avó materna, fingindo ser uma professora. E assim acontecia. Quase toda tarde eu tentava convencer meu irmão mais novo a ser meu aluno, e nos dias em que ele não concordava, o que acontecia com frequência, eu enfileirava umas bonecas de pano feitas pela minha avó e dava aula para elas, tentando reproduzir o que eu havia estudado naquela manhã. Minha mãe não concordava muito com a ideia de eu riscar paredes. Mas minha avó, agricultora desde menina, achava incrível! Ela me contava histórias de quando era criança e seu pai não a mandava para escola para que ela não aprendesse a escrever cartas para garotos. Ainda aprendeu algumas letras escondida de seu pai. Mas tinha ciência de que havia bem mais a aprender. Ela vivia repetindo que achava lindo quem sabia ler e escrever. E essa oportunidade lhe foi tirada por motivos que eu não compreendia. Aquilo me incomodava. Prometi então que tudo que eu aprendesse na escola ensinaria a ela Entre (atos) do Ofício II

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também. Então assim acontecia. Sempre que possível, brincávamos de escola com toda a seriedade que uma brincadeira deve ter. E minha avó foi o que eu posso chamar de minha primeira aluna.

Vez ou outra, flagrava minha avó quietinha num canto como se tivesse que se esconder para, num esforço concentrado, ficar rabiscando seu nome nas folhas amareladas dos seus livretos de oração. Essa é uma das lembranças mais doces que tenho. Eu tinha descoberto então, aos cinco anos de idade, mais um sentido para aprender a ler e a escrever: a missão de ensinar a alguém tudo o que eu conseguisse aprender! Esse foi meu mais remoto contato com a ideia de que o saber era algo valioso. E que ser um instrumento para oportunizar a alguém o contato com esse saber era algo muito nobre. E revisitando essas memórias hoje, percebo que foi exatamente no emaranhado dessas histórias que me foi plantada a semente do que mais tarde se tornaria uma professora. Agora eu me sentia importante. O poder não estava 42

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apenas no giz, eu concluí. Cresci ouvindo que minha mãe só tinha feito até a 4ª série. E curiosamente repetido esta série algumas vezes. Não por ter sido reprovada, mas como alternativa para não parar de estudar, já que no grupo escolar do distrito onde ela vivia quando criança não havia outra série além dessa e as condições financeiras não eram favoráveis para se deslocar e estudar num distrito vizinho. Então, como solução, as crianças da região repetiam a última série ofertada ou encerravam ali seus estudos. Minha mãe perseverava como podia. Isso deu a ela, ainda adolescente, o direito de alfabetizar outras pessoas que estavam nas séries iniciais, num programa chamado Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), que tinha como propósito alfabetizar adultos. Essa parte da história ficou ainda mais ilustrada em minha mente quando, em meio a brincadeiras de vasculhar caixas antigas num quartinho de guardados, descobri velhas cartilhas e fichas com as letras do alfabeto escritas em várias fontes e guardadas cuidadosamente em saquinhos plásticos, recursos utilizados por minha mãe para alfabetizar seus alunos. Claro que isso foi um convite para sentar no chão, diante dos saquinhos cheios de letras e cartilhas e ouvir sobre a origem daquela parte da história de minha mãe, que até então era desconhecida para mim. Minha mãe sentada com um semblante saudoso, folheava as páginas das cartilhas com bordas amareladas pelo tempo enquanto contava, com orgulho, da sua experiência de ensinar pessoas a ler. Seus alunos eram, em sua maioria, agricultores e donas de casa da Entre (atos) do Ofício II

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região que nunca puderam ir à escola antes. Ficava dizendo os nomes dos conhecidos na tentativa de dar um rosto às suas lembranças. Ela fez parte de uma missão nobre que talvez nem ela mesma sabia o quanto. Meu olhar estava atento a cada movimento de suas mãos que iam abrindo os saquinhos amassados e retirando fichas alaranjadas com letras pretas impressas. Ela sorria com serenidade ao revisitar esse momento de seu passado e continuava a contar histórias da época como quem olha para uma fotografia. Contou também que algumas sílabas que minha avó conhecia, foram ensaiadas com ela. Soava bonito ver uma filha ensinar a mãe. Ao ouvir tudo aquilo, minha reação de criança foi pedir as fichas para mim. Minha mãe usou uma de suas filosofias prediletas: que ia guardá-las porque um dia poderiam ser úteis. Ela diz isso até hoje com quase tudo! Eu entendi. Afinal tratava-se de recordações. Logo ela reorganizou tudo de volta aos saquinhos e os guardou numa caixa de papelão retornando ao lugar de onde achei como se findasse uma viagem no tempo. Com a curiosidade típica de uma criança, perguntei à minha mãe por que não continuou a ser professora. Ela justificou com uma resposta óbvia. Casou aos 17 anos e foi mãe aos 19. E como era esperado das mulheres na época, dedicou-se a ser esposa, mãe e dona de casa, motivo mais do que aceitável para encerrar a possibilidade de uma carreira naquele contexto. Deixou escapar que tinha sonhos de ser costureira, trabalhar numa fábrica de confecção, ganhar e administrar seu próprio dinheiro. Mas não ter completado o ensino fundamental e ter se casado com um homem que discordava de ela estudar e/ou trabalhar fora, acabou a afastando de outras possibilidades de desenvolver talentos que ela mesma nunca descobriria que tinha, até que a vida provasse o contrário. Seguindo o que ela acreditava ser seu destino, mudou-se para a capital onde as oportunidades de trabalho eram mais favoráveis para seu marido. E durante os anos seguintes, vi minha mãe se comunicar com minha avó através de cartas. Como minha avó ainda não dominava a leitura e a escrita, pedia para uma amiga, vizinha e professora 44

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na época, para ser sua escriba. A chegada de uma carta em minha casa era celebrada com euforia. Minha mãe nos reunia em volta dela e ia decifrando as mensagens em voz alta. Algumas vezes ela lia silenciosamente porque, segundo ela, era coisa de adulto. Meu irmão e eu ficávamos esperando ansiosamente o momento em que nosso nome seria citado na carta, seja para mandar um beijo, para perguntar sobre a escola ou para nos abençoar. Eu achava aquilo mágico! Saber o que acontece com uma outra pessoa que está tão longe por meio daquele papel escrito sempre me pareceu algo, no mínimo, interessante. Um dia aconteceu algo bem diferente: minha mãe me deu a oportunidade de passar a redigir as cartas para minha avó. Lembro que eu ficava nervosa e tentava caprichar na letra mais do que o normal. Minha mãe queria que minha avó soubesse que sua neta já sabia escrever bem. Entendi que eu havia conquistado o direito de ser escriba. Era como se, à medida que eu fosse progredindo na escola, mais poderes me eram confiados. Percebia a importância desses rituais para elas. E isso fazia muito sentido para mim. ... O capricho da professora que me alfabetizou, as paredes rabiscadas de giz, a adoração que minha avó tinha pelo ato de ler e escrever, as histórias que minha mãe contava do tempo em que foi alfabetizadora, as cartas trocadas entre mãe e filha na tentativa de diminuir a distância, todos esses elementos contribuíram para que eu atribuísse um valor imenso ao conhecimento escolarizado. Além de tudo isso, de alguma forma eu sabia que essas mulheres, por terem sido privadas de acesso ou da permanência na escola, também foram impedidas de vivenciar oportunidades que só um mundo letrado oferece. Algo me dizia que mulheres nasciam em desvantagem. Consolidavam-se ali os meus primeiros “porquês”. Ia se desenhando diante de mim o desejo óbvio de estar conectada com a possibilidade ilimitada de aprender e de ensinar. De oportunizar ao máximo de pessoas o acesso ao conhecimento e aos benefícios que Entre (atos) do Ofício II

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ele proporciona. Ser professora passou a estar no topo da lista das resposta àquela tão famosa questão: “O que você quer ser quando crescer?”. ... Enquanto esse desejo de infância era alimentado por esses motivos nobres, meu cotidiano de pré-adolescente tomava um rumo inesperado. Durante as férias de julho de 1991, minha avó faleceu repentinamente. O impacto foi devastador tanto na instância emocional quanto estrutural para minha família. Na tentativa de dar um novo significado a essa fase, voltamos a morar no sertão, no distrito onde minha mãe nasceu. Além de todo o processo de adaptação, que uma mudança desse porte pode trazer, pouco tempo depois, com a separação de meus pais, minha mãe, que só havia estudado até a 4ª série, não tinha nenhuma qualificação profissional, passou a assumir sozinha a missão de criar dois filhos adolescentes num sertão, onde as opções de renda e perspectivas de um futuro promissor eram extremamente raras. Diante desse cenário não muito incomum para muitas crianças e adolescentes, tivemos que, precocemente, aprender várias atividades alternativas que gerassem algum sustento para nossa família, além de manter um bom rendimento na escola, pois o contrário era inaceitável pela minha mãe que sempre fez o possível para garantir nosso acesso à educação. Repetia incansavelmente que, além de um bom caráter, o estudo era a única coisa de valor que ela poderia nos dar. Ela zelava por isso com todas as suas forças. Vi minha mãe fazer coisas incríveis para nos manter na escola. Eu me sentia no dever de honrá-la. Atravessamos um longo período de dificuldades, inclusive no que diz respeito ao acesso à escola. A escola pública mais próxima era localizada a mais de 15 quilômetros de onde morávamos. Além das vagas serem imensamente disputadas, as condições do transporte, quando este era ofertado, eram extremamente inadequadas, colocando em risco até mesmo a segurança dos alunos. Só isso já era motivo suficiente para muitos dos meus colegas desistirem de estudar 46

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na época. É importante também levar em consideração todos os outros aspectos que tornavam a escola pouco atrativa, como a precariedade de livros didáticos e de quaisquer recursos audiovisuais, aulas baseadas em cópias, na predominância quase que absoluta da fala do professor, questionários para a prova, avaliações pautadas em memorização de informações, rodízio constante no quadro de professores, ausência de projetos interdisciplinares, dentre outras limitações. Nessa época, cheguei a desenvolver uma visão um tanto quanto pessimista sobre o que era ser professor. Não me identificava muito com o que eu tinha como referência. Cheguei a pensar que haviam disciplinas para as quais eu não tinha muita afinidade ou aptidão. Mas hoje percebo que muitas de nossas potencialidades podem ser tanto despertadas ou simplesmente bloqueadas pela influência da atuação de um professor. Eram raros os professores que tinham a sensibilidade de abordar as disciplinas de forma contextualizada ou significativa. Provavelmente por lhes faltar a devida formação tendo em vista que o contexto da localidade não favorecia o acesso a cursos que possibilitassem a reflexão da prática e a descoberta de novos mecanismos de ensino. Eles realmente estavam fazendo o que acreditavam ser o melhor. Seguindo as tradições. Contudo, cursei as séries finais do ensino fundamental nessas condições até ingressar no Ensino Médio Pedagógico ainda na mesma escola. E por razões óbvias, eu era muito feliz e agradecida pela oportunidade de estar nesse curso que era destinado a preparar para o exercício da docência. Esforçava-me para ter o melhor desempenho possível como aluna e sonhava com a ideia de um dia pôr em prática tudo o que era discutido em sala de aula. Eu pouco me dava conta de que, por mais preparatório que o curso pudesse ser, a metodologia dos professores ainda estava impregnada da antiga filosofia na qual a escola vinha reproduzindo há anos e que pouco me atraía enquanto aluna do ensino fundamental. Ainda no Ensino Médio, por falta de recursos mínimos, era comum passarmos horas copiando longos textos de didática e o tempo para o estudo e a reflexão dos mesmos acabava ficando compromeEntre (atos) do Ofício II

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tido. Eu havia idealizado bem mais. Lembro que formei uma equipe com alguns colegas que também tinham uma sede maior por inovação e acabávamos revolucionando as apresentações de trabalhos e seminários. Nossa equipe contagiava todo o curso e procurava difundir a ideia de que era possível pensar a educação fora dos moldes preestabelecidos, garantindo que prazer e aprendizagem poderiam caminhar juntos. Começou ali meu fascínio pela ludicidade aplicada à pratica pedagógica. Meu desejo de atuar como professora e de me sentir realizada com isso, foi resgatado. Além de fazer ressurgir meus ideais, o outro maior ganho desse curso foi a certeza de que eu poderia e deveria criar uma identidade enquanto educadora. Havia espaço para a liberdade e para a criatividade. E eu estava na área certa. ... E justamente quando as necessidades financeiras estavam ficando ainda maiores em minha casa, tive a sorte de ter surgido uma demanda na escola da comunidade, a mesma onde minha mãe havia estudado e lecionado quando jovem. O antigo grupo escolar passou a ser reconhecido como escola de ensino fundamental primário e também atendia crianças de localidades vizinhas. Pela carência de professores formados na região, fui convidada pelo diretor da escola a participar de um período experimental como professora bolsista da 3ª série com remuneração de R$60. Ainda não existia nenhum tipo de orientação e/ou suporte pedagógico profissional ofertados pela escola. Nenhum dado sobre a aprendizagem das crianças que iriam compor minha turma nem livros didáticos sequer para o professor. Apenas o desafio. Mas isso era tudo o que eu precisava. Dadas às circunstâncias, aceitei prontamente o convite. Era uma hora da tarde de um dia ensolarado de março de 1997 quando entrei em uma sala de aula como professora pela primeira vez. Lembro com nitidez do olhar arisco das crianças de idade e estaturas variadas, a correria para disputar as poucas carteiras inteiras da sala, e logo em seguida, um silêncio que anunciava a hora em que eu deveria falar alguma coisa. Meu corpo tremia. Eu tinha apenas 15 anos de idade e um coração que saltava no peito num misto de or48

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gulho e medo. Mais tarde eu entenderia que estes dois sentimentos estariam presentes em toda nova etapa da carreira docente, a cada nova turma que nos é confiada, a cada projeto que se possa almejar. O frio na barriga me acompanharia eternamente enquanto eu dimensionasse o tamanho dessa missão. Passei vários dias ansiosa imaginando como seria o primeiro contato com os alunos, tomando como referência as lembranças que eu tinha dos primeiros dias de aula e os estudos de didática que fazíamos no Ensino Médio Pedagógico. Posso garantir que naquele dia pouco me serviram esses padrões mentais. Eu havia levado vários livros que eu conhecia enquanto aluna daquela série na perspectiva que estes me ajudassem a nortear a minha aula e que tudo fluísse semelhante de quando eu estudava na 3ª série. A sala de aula em que eu acabara de entrar tinha paredes vazias cobertas por uma tinta bem gasta pelo tempo, quando muito, riscadas pelos alunos na tentativa de afinar as pontas de seus lápis. Como recursos principais, apenas um antigo quadro negro e um punhado de giz branco num cantinho da lousa. O giz colorido ficava guardado na direção para ser utilizado somente no caso de o professor um dia precisar destacar algo importante ou para aqueles dias de festividade, o que parecia não ser o caso. O diretor da escola me apresentou aos alunos com palavras bem diretas, mas carregadas de expectativa. Ele realmente apostava em mim. E logo saiu me deixando com um pouco mais de vintes alunos que expressavam um olhar vago. Não demorou muito para eu diagnosticar, em poucos minutos de conversa, que a maioria dos alunos não tinha os conhecimentos e habilidades mínimas para cursar aquela série e um repertório de mundo extremamente reduzido. Disfarcei para que eles não percebessem minha frustração ao notar que a aula que eu havia planejado não aconteceria de fato. Convidei-os a organizar a sala em círculo enquanto, em meus pensamentos acelerados, eu ganhava tempo para redefinir a rota. Estava diante de outro elemento que todo bom professor deve dominar: a arte do improviso. Porém, vale ressaltar que a eficácia dessa técnica só se consolida Entre (atos) do Ofício II

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quando o professor também tem um vasto repertório didático. E isso, de fato, era o que eu menos tinha naquele momento. No entanto, eu negava-me a ignorar a realidade e apenas seguir com o diagnóstico e atividades previamente planejados para um nível muito diferente do que eles apresentavam no momento. Não funcionaria. Frente ao desconhecido, o que se faz? Normalmente nos agarramos aos modelos que temos e que julgamos ser os mais seguros. Lembro que, em frações de segundo, decidi imitar os melhores professores que eu havia tido até ali. Pensava a todo instante: “O que meus melhores professores fariam ou diriam em meu lugar?”. Procurei entender como me conectar com cada um deles. Eu precisava de elementos que me dessem um ponto de partida real. Fiz o que poderíamos chamar de entrevista com eles. De um jeito ordenado, mas bem informal sobre coisas que simplesmente achassem interessantes ou cotidianas, sobre o que aprenderam na escola no ano anterior e até sobre histórias de terror do lugar onde moravam. Tudo isso oralmente mesmo, pois nem todos ali dominavam a escrita, então dialogamos quase que a tarde toda. Eu ia listando na lousa sobre cada assunto que ia sendo abordado como se fosse a pauta da nossa entrevista. Como atividade, propus que desenhassem sobre si mesmos e sobre o que havíamos conversado. Alguns arriscavam escrever frases ou textos tímidos sobre seus desenhos, mas a maioria ou copiava o que eu havia escrito na lousa ou se limitava em pôr apenas seu nome. Recolhi os desenhos, prometi que no dia seguinte eu levaria algo para que os colassem nas paredes. Eles reconheceram na minha fala a importância daquele registro. Naquele dia, não posso dizer que explorei conteúdos, ou que os alunos aprenderam algo novo comigo. Mas posso dizer que consegui o direito de ser ouvida pelo simples fato de lhes dar o direito de falarem de si. Eu sentia a necessidade de conhecê-los para poder afetá-los. Aprendi muito mais do que ensinei naquela tarde. Entendi que noção de tempo numa sala de aula muda conforme as circunstâncias e que este é um dos principais recursos a serem administrados com zelo pelo professor. Percebi que os alunos viam a escola como mera 50

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obrigação, como um momento de fuga da realidade difícil que vivenciavam em casa, como a única possibilidade de manter um convívio social ou como a chance de se alimentar de forma mais decente naquele dia. Poucos reconheciam até então a chance de emancipação social, de oportunidade para se desenvolver. Seus motivos eram urgências e nada muito além disso. ... No caminho de volta para casa eu estava relativamente exausta, mas as ideias borbulhavam em minha mente. Tinha em mãos um desafio gigantesco. Não só de tentar reparar os danos causados pelas falhas do sistema na vida escolar daqueles alunos, mas de ajudálos a perceber um sentido maior como me havia sido apresentado desde muito cedo. Eu tinha medo de não estar à altura do desafio, mas eu não tinha muitas opções. De um lado, a necessidade urgente em conquistar de vez a vaga no emprego e contribuir de forma mais digna para o sustento da minha família. Do outro, meu compromisso político de oportunizar a eles o que tive a sorte de ser incentivada a perceber ainda muito criança: o poder de emancipação contido no conhecimento escolarizado. O propósito me animava e me inquietava ao mesmo tempo. Como fazer tanto em tão pouco tempo e em condições tão limitadas? Essa questão era mais que suficiente para que muitos professores experientes desistissem de tentar mudar quaisquer paradigmas. Afinal aquela era de fato uma justificativa plausível para dar a mesma aula que vinham dando ano após ano. Seguiam suas referências, a forma como também haviam sido ensinados. Acreditava-se que sempre funcionou do jeito que vinha acontecendo. Isso ficava sempre muito claro nos bate-papos de corredores antes das aulas ou durante os intervalos. Na época não havia na escola sequer fontes de pesquisas disponíveis, nem acesso à internet ou mesmo a literatura que favorecesse a elaboração de aulas inovadoras. E, quando era encontrado algo a respeito, as sugestões envolviam recursos completamente inviáveis para nossa realidade escolar da época. Como eu não tinha a experiência dos veteranos e nem resulEntre (atos) do Ofício II

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tados que respaldassem minhas aspirações, vivia criando situações diferentes para tornar as aulas um momento não apenas interessante, mas também significativo. Meus colegas diziam que era normal eu demonstrar entusiasmo porque estava começando a carreira. Também era comum eu ouvir de alguns que não adiantava se esforçar tanto já que a remuneração continuaria a mesma. E de fato era assim mesmo. As condições eram desencorajadoras, não haviam vínculos empregatícios, o pagamento era pouco e sem dia certo para acontecer, e a missão era enorme. Decidi, então, que eu iria pelo menos aprender a ser professora e, sempre que possível, me divertir no percurso. Durante muito tempo eu continuei recebendo o mesmo valor. Mas rapidamente colhi frutos de valor inestimável com minha turma. As aulas eram regadas de curiosidades, jogos, desafios, músicas e contação de histórias. Desenvolvi habilidades de desenho e ilustrava tudo o que fosse possível. Até um barquinho de papel virava recurso didático. Definíamos rotinas e metas para cada semana. Celebrávamos resultados e até possibilidades. Procurava contextualizar cada conteúdo com algo de real que acontecia ou que, porventura, pudesse acontecer em suas vidas. Não demorou muito para que os índices de frequência da minha turma fossem os mais elevados fazendo fluir resultados de aprendizagem consideráveis. Além de atrair alunos de outras turmas que, vez ou outra, fugiam de suas salas e vinham à nossa porta ver o que estava acontecendo em nossas aulas. Evidente que nem todos os alunos concluíram o ano com todas as habilidades recuperadas em virtude de tantos aspectos desfavoráveis já mencionados, mas era notável a evolução no nível de interesse e de aprendizagem daquelas crianças que, assim como eu, haviam dado seu melhor e estavam muito felizes com isso. Os resultados, agora mensuráveis, chamavam a atenção de todos os envolvidos na escola, inclusive de algumas mães que vinham relatar que seus filhos passaram a comentar em casa sobre o que estavam aprendendo. Até hoje encontro meus ex-alunos e eles ainda comentam do quanto nossas aulas eram agradáveis. Apesar da pouca experiência e da formação apenas num estágio inicial, o feedback era, em sua maioria, posi52

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tivo e percebi que eu estava no caminho certo. Eu não me conformava com a mediocridade de permanecer limitada às mesmas estratégias e às mesmas desculpas. ... Estar conectada com pessoas e evoluir constantemente passaram a ser premissas imprescindíveis para mim. No ano seguinte, iniciei minha trajetória acadêmica em Pedagogia também em uma universidade pública. Isso me trouxe mais perguntas do que respostas para cada uma das minhas inquietações como professora. Foi uma vivência de extrema importância para que eu confrontasse meus padrões e refletisse sobre a efetividade das minhas práticas. Finalmente eu estava imersa num universo de questionamentos constantes, autores renomados e de liberdade de pensamento. Tive a oportunidade de unir teoria e prática concomitantemente e ir aprimorando ainda mais conceitos e técnicas. Com o êxito na experiência docente do ano anterior, garanti minha vaga no quadro de professores da escola no ano seguinte e depois, ano após ano. Logo que possível, me tornei professora efetiva da Rede Municipal de Sobral por 200 horas. E aproveitava cada oportunidade de participar de todos os cursos e eventos disponíveis para educadores, onde conheci pessoas que impactaram positivamente na minha formação profissional. Essas experiências me fizeram perceber que falar com estranhos é uma das melhores coisas que podemos fazer para ampliar nosso universo de ideias e vivências. Considero esse um dos hábitos mais favoráveis à criatividade. Os riscos de assumir desafios sempre foram uma constante em minha trajetória na Educação. Com a troca frequente de gestores escolares, a cada nova gestão eu era desafiada a lecionar em uma nova série, ministrar uma nova disciplina ou assumir um novo projeto. O orgulho de ser cotada para a missão e o medo de não corresponder às expectativas estavam sempre lá. Mas tenho uma verdadeira queda por situações que me desafiem a aprender e sempre procurei contagiar meus alunos com esse desejo. Então fui professora em todas as séries do Ensino Fundamental. Entre (atos) do Ofício II

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Experiências variadas não apenas aumentam as chances de desenvolver novas habilidades, como favorecem exponencialmente as oportunidades de momentos memoráveis com a trajetória. E, num dado período, tive a honra de ter, entre meus alunos adolescentes, uma aluna imensamente especial: minha mãe, que havia decidido voltar a estudar e fazer o Fundamental II. Esse foi um dos momentos mais valorosos da minha carreira e um orgulho mútuo tomava conta de nós duas. Costumo dizer que todo meu empenho para me tornar professora já havia valido a pena pela oportunidade de vê-la se superando e desfrutando do fruto do seu esforço em ver a filha atuando como professora. Era como um presente diário. Poucos ali sabiam do que aquele ato representava. Uma mulher com o dobro da idade dos demais alunos retomando seus estudos depois de anos de privação àquele mundo. Vez em quando nossos olhares se cruzavam e nossos olhos sorriam. Como eu já mencionei, soava bonito uma filha ensinar a sua mãe. Queria que minhas aulas fossem repletas de sentido. Todas elas. Era uma regra para mim. Sempre planejei partindo das seguintes questões: “Se eu fosse aluna, como eu gostaria de aprender esse conteúdo? Como eu entenderia mais rápido? E como eu utilizaria isso em minha vida?”. A partir dali, elaborava meu plano de aula e confeccionava meus recursos artesanalmente. Tinha que ser divertido, inclusive para mim. A ludicidade e significância regiam minhas estratégias. Com as mudanças estruturais na política de alfabetização do município, por volta do ano de 2001, logo fui convidada a compor o time de professores das séries de foco, onde tive a oportunidade de desenvolver ao máximo as minhas habilidades como alfabetizadora. Na época, já tínhamos acesso às formações, acompanhamento pedagógico, material estruturado e rotinas que qualificavam o tempo pedagógico e avaliações externas periódicas que norteavam e validavam nosso trabalho. Mas, mesmo com todo o suporte pedagógico ofertado pelo programa adotado, eu mantinha minha identidade como educadora que defendia a ludicidade como estratégia. Lá es54

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tava eu utilizando os mais variados recursos, dinâmicas e técnicas, inclusive aquelas fichas do alfabeto que minha mãe mencionou que um dia seriam úteis. Ela tinha razão. Após um trabalho que mais parecia uma força tarefa e contrariando anos de baixos resultados, conseguimos, enquanto equipe docente, elevar os índices em praticamente todos os indicadores de sucesso e levar a escola a uma categoria nunca antes conquistada: a de Escola Alfabetizadora. Foi uma vitória coletiva memorável e fazer parte disso muito me honra. Vivemos momentos tão intensos naqueles anos, que verdadeiras amizades foram construídas e estão vivas até hoje. De certa forma, meu sonho de infância se consolidara. Eu, enfim, era uma professora e tinha construído uma marca, uma identidade: que defendia que toda aula deve estar inundada de sentido e/ou de prazer/emoção. Eu tinha facilidade de atuar bem em qualquer série que me fosse confiada, havia passado por todas elas no decorrer dos anos. Mas tinha uma verdadeira paixão pelo processo de alfabetização. Característica que minha memória emocional talvez tenha herdado geneticamente. E ainda havia reconhecido o desejo de expandir meu olhar, minha consciência em relação ao que eu já dominava. Era momento de seguir adiante, sair do espaço conhecido. Meu mundo ansiava por mudança. Surgiu, naquele momento, um processo seletivo para gestores escolares e com isso a chance de eu me tornar uma Coordenadora Pedagógica. A ideia de liderar uma equipe de professores me instigava. O processo seletivo já foi edificante. Ao ser selecionada e passei a vivenciar uma das experiências mais valiosas para minha formação como professora: estar nos bastidores do ensino me abriu um leque de percepções inéditas. Costumo dizer que depois de me tornar Coordenadora Pedagógica que passei a entender melhor quem eu era enquanto professora. É realmente uma visão privilegiada do que é ensino e de como a aprendizagem ocorre de forma mais eficaz. Nas formações para Coordenadores Pedagógicos eu compartilhava com entusiasmo os aprendizados e experiências exitosas Entre (atos) do Ofício II

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que nossa equipe vinham vivenciando. Um dia tive também a honra de receber o convite para compor a equipe de Formadores da Escola de Formação do Magistério, onde atuei como Formadora de Professores por, aproximadamente, três anos. É impossível mensurar o quanto essa vivência proporcionou de aprendizado para mim. Embora eu estivesse conduzindo e tentando contribuir para o processo de formação dos professores, os conhecimentos compartilhados nos encontros me serviam como uma verdadeira imersão num universo que, como Coordenadora Pedagógica, ainda era inacessível. É lógico que, como Formadora de Professores, também procurei manter viva a minha identidade de educadora que acredita numa rotina cheia de propósito, ludicidade e de noção de aplicabilidade do que estava sendo proposto. Eu reconhecia ali como um dos momentos de maior realização profissional para mim. A Educação me proporcionou sentido, pessoas e ferramentas para que eu pudesse evoluir e, no processo, contribuir com o mundo que eu conhecia. Durante a trajetória, percebo quantas histórias se cruzaram para formar a minha história como educadora: Pude ensinar minha avó. Fui professora da minha mãe. Fui Coordenadora de professores que eram meus colegas quando iniciei minha carreira. Fui Formadora dos meus ex-professores do ensino fundamental e médio. Exalunos tornaram-se professores, segundo eles, influenciados por mim. Hoje, ao ministrar palestras dividindo histórias como essa com uma plateia de professores que buscam manter vivo o seu 56

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propósito de educar, aqueles dois sentimentos, que senti ao entrar pela primeira vez numa sala de aula como professora, ainda tomam conta do meu coração: orgulho e medo. O orgulho mantém-me realizada e o medo, inquieta, buscando evolução. Afinal é disso também que um professor é feito: de orgulhos e medos; de porquês e de sonhos; de urgências e dúvidas; de tentativas e erros; de modelos e aprendizados; de afetos e de recomeços. Gosto, principalmente, dos recomeços. Porque é exatamente aí que a vida continua. Assim como um professor continua em cada vida que ele conseguiu afetar. “As florescências de Outono, eu as acho mais bonitas que as florescências de Primavera. As florescências de Primavera são ‘por causa de’. As florescências de Outono são ‘a despeito de’”. Rubem Alves

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Ressignificando a Prática Pedagógica no Processo de Alfabetização, sob a Ótica da Gestão ___________________ Antonia Mílvia Carvalho Soares Siqueira

Letrar vai além de alfabetizar, é ensinar a ler e escrever dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam conexão com a vida do aluno. Ao chegar à escola, senti que enquanto gestora precisava observar o que acontecia com outro olhar, mais sistêmico, assistir às aulas das diferentes séries, detendo-me a observar como se dava o processo de incentivo à leitura em todos os anos, como os professores trabalhavam essa competência com seus alunos, quais metodologias usavam, que instrumentos disponibilizavam para os discentes despertarem o hábito da leitura e em quais espaços se dava tal prática. Com as observações realizadas nas turmas do 1º ano, série onde acontecia o início do processo de alfabetização de crianças com 6 anos de idade, fiquei um tanto surpresa com as estratégias metodológicas que as professoras vinham, por muito tempo aplicando, realizei uma sondagem sobre a realidade histórica dessas turmas e investiguei com as docentes o olhar que elas tinham sobre as suas práticas e percebi que tinham a crença que aquela maneira seria absolutamente a correta, porque durante o processo e no final do ano sempre apresentavam resultados satisfatórios. Aquele contexto me chamou atenção, fiquei intrigada e instigada, indaguei-me: “o que posso fazer para a escola tornar-se um ambiente acolhedor e propício para o despertar da leitura?”. Acredito que a leitura não é apenas decodificação nem apreensão de um sentido previamente estabelecido, que as primeiras experiências de “leitura” que a criança vive não se limitam certamente às convenções do sistema alfabético. Ela “lê” o que acredita que está 58

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escrito. Pensando assim, a leitura significa a porta de entrada para aquisição de qualquer outro conhecimento, o incentivo à leitura deveria ser fortalecido. Partindo dessa concepção, comecei a buscar projetos e fazer intercâmbio com outras escolas do município, tratando a questão com zelo e sempre me pautando no diálogo com as professoras. Já que a clientela da escola não tinha em seu domicílio o fácil acesso a ambientes letrados, fazia-se necessário a Escola melhor capacitá-los, principalmente nas primeiras séries do seu processo escolar. O meu grande desejo era que os alunos se envolvessem em práticas sociais de leitura e escrita, mesmo que ainda não fossem alfabetizados, mas pudessem folhear livros, fizessem de conta que lessem, brincassem de escrever, contassem e escutassem histórias, músicas, tivessem acesso à maior variação de leituras... adentrando no mundo do letramento. Apesar de saber que a aprendizagem da língua escrita envolve o desenvolvimento da consciência fonológica e o domínio do princípio alfabético, imprescindível para que a criança tome consciência da fala como sistema de sons e compreenda o sistema de escrita como um sistema de representação desses sons, e a aprendizagem das relações fonema-grafema e demais convenções de transferência da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita. Inquietei-me e comecei a provocar reflexões nas professoras em relação ao ensino descontextualizado, tendo em vista que não basta dominar o sistema de funcionamento do código linguístico, é necessário ter competência para ir além, já que o contrário caracteriza analfabetismo funcional, isto é, a falta da capacidade de utilizar a linguagem, principalmente oral e escrita, em circunstâncias cotidianas. Concordando com Paulo Freire, nada de “memorização mecânica das sentenças, das palavras, das sílabas, desvinculadas de um universo existencial” (Freire, 1979, p. 72) e partindo do princípio que o conceito de alfabetização e letramento, vai além do domínio de técnicas de leitura e escrita, acreditei que com mudanças metodológicas, através de aulas desafiadoras, contextualizadas e significativas para o aluno poderia ser um caminho novo a ser trilhado. Comecei então a Entre (atos) do Ofício II

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implantar projetos de incentivo à leitura, como trabalho com gêneros textuais na sala de aula com culminância semanal, visitas à biblioteca, empréstimo de livros para as crianças e suas famílias, contação de histórias e tenda de leitura no momento do recreio.

Foto 1 – Leitura deleite na biblioteca.

Contribuir mais para a vida daquelas crianças, portanto, era meu objetivo, queria em ir além das metas estabelecidas, ampliar o universo social em consonância com o enriquecimento do repertório cultural. Na busca de propagar a leitura, implantamos o projeto de música, já vivenciado em outra escola do município, mas reorganizado com nossas adequações. O projeto foi implementado em todas as turmas do 1º ao 5º ano, que desenvolviam as atividades previamente planejadas pelas professoras, adequando-se a cada série. Com essas mudanças no cotidiano escolar deles, percebemos que os alunos sinalizaram que as atividades eram divertidas, eles começaram a tomar mais gosto pelo processo de leitura. Naquele momento, passei a refletir sobre a importância de momentos formativos para as professoras, tendo como pilares duas ações estratégicas: Formar para Avançar [i], e Conhecer para Acompanhar[ii]. Partindo da afirmação de Paulo Freire de que mudar é difícil, mas é possível, que enquanto seres humanos, não estamos prontos e acabados, que precisamos estar abertos a novas aprendizagens 60

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e, consequentemente, para novos desafios. Começamos, no momento do planejamento, a direcionar estudos sobre letramento, trazendo na pauta a literatura sobre a temática e exibição de vídeos sobre diversas metodologias, fomentando a geração de altas expectativas nos alunos, provocando reflexões sobre a prática educativa. Sem pressões, a coordenadora pedagógica e eu fomos delineando uma nova ótica das professoras em relação ao enriquecimento de seu fazer pedagógico junto aos alunos. Processualmente, com cuidado e zelo, coletivamente com as professoras modificamos a rotina, antes com abordagem metodológica do programa adotado e focada na decodificação, predominantemente tradicional e mecânica, foi transformada numa rotina integrada, articulada com situações de letramento. Foi a partir dali, que as crianças entraram em contato com material escrito real. As professoras incluíram atividades com gêneros textuais diversificados, como: receitas, poesia, música, bilhetes, convites, rótulos de produtos, listas, entre outros. Trabalhavam durante toda a semana um gênero, e na sexta-feira, realizavam a culminância, com a confecção do mesmo, por exemplo: se fosse uma receita de brigadeiro, os alunos e professores iam realizar a receita no refeitório e saboreavam a sobremesa. Não demorou para vermos a vivacidade do ambiente escolar, a alegria de aprender e ensinar. O desenvolvimento das habilidades no uso competente da língua escrita, nas práticas sociais, envolvendo as crianças no contexto, onde ela fazia conexão entre os diferentes tipos de textos e o mundo em que viviam.

Foto 2 – Atividade na quadra na sexta-feira - Culminância do trabalho realizado durante a semana com gêneros textuais. Entre (atos) do Ofício II

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Considero ser de extrema importância a utilização da diversidade textual nas salas de aula, para conexões entre as atividades discursivas propostas pela escola e a vida do aluno na sociedade, vê-se a utilização de gêneros textuais diversificados como uma forma de aproximar o discente das situações de produções de textos orais e escritos, contribuindo efetivamente para o aprendizado significativo de prática de leitura, produção e compreensão. Ao mesmo tempo, constata-se no contexto geral que ainda é tímido o conhecimento teórico relativo ao ensino com a utilização dos gêneros textuais, o que dificulta sua inserção nas práticas pedagógicas do professor em sala de aula, muito embora se reconheça que a leitura e a escrita são pontes incontestáveis para a construção do conhecimento. Destaca-se aqui, a necessidade da inserção dos gêneros textuais nas aulas do Ensino Fundamental, iniciando principalmente no 1º ano, visando a uma articulação com a prática social do aluno, de forma a alcançar resultados exitosos com relação à leitura dentro e fora da escola. Diante do contexto, podemos afirmar que o professor alfabetizador, com suas propostas de ensino, tem um papel fundamental não apenas na aprendizagem do aluno, mas, sobretudo, na construção de sua cidadania. Vale salientar que um trabalho bem realizado com o uso de gêneros textuais pode propiciar o uso adequado da linguagem em determinadas situações, já é muito gratificante e significativo à prática docente e inserção social do aluno. Embora não houvesse orientação em relação ao trabalho com estas questões, a escola tinha autonomia pedagógica para implantar seus projetos, com isso, foi possível observar um avanço significativo no aprendizado das crianças, este fato revela que na simples aplicação do programa adotado, de livros didáticos ou métodos pré-definidos não garantiam a efetiva aprendizagem dos alunos. A prática se embasava prioritariamente em métodos sintéticos (alfabético, fônico e silábico), centrada no ensino nas partes que compõem as palavras (letras, sons e sílabas), privilegiando o processo de codificação e decodificação, assim como a redundância sem sentido de palavras e frases descontextualizadas. 62

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De modo evidente, os professores articularam e integraram as metodologias, superando a tendência tradicional, com uma visão mais abrangente sobre o processo de alfabetização. Nesta nova postura dos professores, vimos que o processo de alfabetização parte da utilização de significantes (índices, sinais, símbolos), em seguida do texto e da apresentação de palavras, colocadas em um determinado contexto que amplia seu significado. As palavras são retiradas do contexto real da criança. A atividade de leitura tem início com o processo operacional de análise-síntese, quando a criança “monta e desmonta” a palavra escrita. Sendo assim, o ponto de partida para alfabetização não são as letras e sílabas. Por outro lado, podemos constatar que o uso de materiais padronizados pode retirar a oportunidade de situações mais interessantes, como por exemplo: vivenciar atos de leitura e de escrita, explorar semelhanças e diferenças entre textos escritos, emitir opiniões sobre textos, fazer perguntas e oferecer respostas conforme as hipóteses disponíveis, tentar produzir um texto, explorar os diferentes portadores de texto existentes no ambiente. Neste sentido, concordo com CURTO (2000), em sua afirmação de que ensinar não é apenas transmitir informações a um ouvinte. É ajudá-lo a transformar suas ideias. Para isso, é preciso conhecê-lo, escutá-lo atentamente, compreender seu ponto de vista e escolher a ajuda certa de que necessita para avançar: nem mais, nem menos. Enfatizo também aqui a importância dos momentos formativos que aconteciam na ocasião do planejamento a cada quinze dias na escola. Primeiro, se fez a percepção da prática tradicional através das observações formais e informais na sala de aula, nas conversas com as professoras, o que denomino aqui de diagnóstico. Depois, a coordenação traçou e definiu algumas temáticas de estudo, que foram lidas, exploradas, exibidas em vídeos e discutidas no grupo de professoras, essa ferramenta foi essencial para se chegar ao objetivo pretendido, fato que transformou a abordagem metodológica do professor na sua ação pedagógica. Assim sendo, adotamos como estratégia a formação em serEntre (atos) do Ofício II

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viço das professoras, mas também como espaço de comunicação e reflexão com o coordenador pedagógico, partindo das experiências por eles vivenciadas na escola. As temáticas abordadas foram: O que é letramento e poema letramento – de Magda Soares, Aula nota 10 – Exercícios para atingir proficiência nas 49 técnicas e maximizar o aprendizado; Estratégias de Leitura; Psicogênese da Língua Escrita; Instrumentos de Avaliação; Sequência Didática; Rotina de Sala. As oficinas foram realizadas durante os encontros quinzenais de aprofundamento teórico-prático, concomitantes aos momentos de estudo. Este feito deve-se à concepção de que a atividade da experiência, sozinha, não forma ninguém. Mas é a reflexão que fazemos de nossas experiências que vão nos formando em um dado contexto de reflexão. Desse modo, compreendemos que não basta transformar o conhecimento em prática pedagógica, e sim, transformar a prática em conhecimento profissional. Pensando com Magda Soares, necessitamos saber que há distinção entre alfabetização e letramento, entre aprender o código e ter a habilidade de usá-lo. Ao mesmo tempo, que é fundamental entender que eles são indissociáveis e têm as suas especificidades, sem hierarquia ou cronologia: pode-se letrar antes de alfabetizar ou o contrário. Para ela, essa compreensão é o grande problema das salas de aula e explica o fracasso do sistema de alfabetização na progressão continuada. “As crianças chegam ao segundo ciclo sem saber ler e escrever. Nós perdemos a especificidade do processo”. Considero que os resultados são muito importantes para a gestão, na verdade é o resultado que revela para a rede e para a comunidade escolar se a escola tem qualidade ou não. Porém, precisamos refletir como teremos qualidade, como esse resultado será gerado, o processo para se chegar a ele é muito significativo para os alunos, pais ou responsáveis, núcleo gestor e principalmente para os professores que são os protagonistas da mediação da aprendizagem dos alunos. Diante desta capacidade humana de transformação, é imprescindível uma reflexão acerca de como o indivíduo se constrói “profes64

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sor”. Tendo em vista que este não é um ser isolado, nem dos demais seres, nem das facetas que carrega em si; construir-se como professor é uma atividade conjunta, integrada e igualmente constante na vida daqueles que escolhem esta carreira. Quanto a isso, ressalto aqui os depoimentos que ouvi e registrei no final do ano de 2016, havia nas falas das professoras uma emoção contagiante: “...minha prática foi qualificada e percebi a alegria de aprender dos meus alunos. Percebi o quanto a turma cresceu na aprendizagem de forma prazerosa e significativa.“ (Professora A) “ O trabalho com os gêneros textuais foi muito importante, houve muito avanço na leitura e na escrita. Esse ano comecei a trabalhar no segundo semestre, no próximo ano vou iniciar logo no primeiro semestre, vamos superar nossas metas, pode ter certeza.” (Professora B) “ …(...) aprendi que trabalhar de forma dinâmica com significados para eles, não interfere no aprendizado, pelo contrário, é uma maneira de auxiliar no desenvolvimento da leitura e escrita.” (Professora C) Vi o brilho no olhar e o contentamento nas realizações das descobertas no âmbito pedagógico. Além disso, possibilitou que os professores assumissem o papel de sujeito do processo de aprendizagem significativa dos alunos, perceberam as marcas positivas deixadas através de suas contribuições. Acredito que aprender significativamente implica atribuir significados em consonância com componentes pessoais. Aprendizagem sem atribuição de significados, sem ligação com o conhecimento preexistente, é mecânica, não é significativa. Na aprendizagem mecânica, o novo conhecimento é armazenado de maneira arbitrária e literal na mente do indivíduo. Entre (atos) do Ofício II

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A relação do professor com a aprendizagem mecânica é proveniente de sua formação acadêmica, e a quebra desse paradigma é um importante passo para reeducar a escola na aplicação de um processo de construção de conhecimento significativo. Nas minhas caminhadas pedagógicas na escola, vejo que as maiores dificuldades em promover a aprendizagem, é remover do contexto escolar o conteudismo e instrucionismo que está absorvido na prática pedagógica do professor, haja vista que aprender em sala de aula não possui relação com aulas expositivas, com repetição de frases elaboradas isoladas do contexto, transmissão de informações prontas e acabadas, nem com as cópias ou reproduções de atividades e modelos estipulados pelo professor e muito menos possui relação com a quantidade de aulas dadas. Constato diariamente que a aprendizagem precisa acontecer de forma desafiadora, prazerosa e significativa, dessa maneira a apropriação do conhecimento não pode partir do nada, mas sim do conhecimento prévio, dos interesses e das experiências dos alunos. A aprendizagem torna-se significativa quando o novo conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento dos alunos passando a adquirir significado para ele ao manter relação com a sua vivência. Como afirma Gómez (1998, p. 38), ao comentar sobre a aprendizagem significativa de Ausubel, dizendo que “a aprendizagem significativa está na vinculação substancial das novas ideias e conceitos com a bagagem cognitiva do indivíduo”. Quando ocorre o inverso e o conteúdo a ser aprendido na escola não possui relação com o contexto do aluno, o mesmo acaba por “decorar” as informações, e com o passar do tempo esquece tudo que foi trabalhado. Como reforça Antunes (2002, p. 29): ___________________ [i] Estratégia que consistia na qualificação e formação dos professores, tendo por base sua prática em sala de aula. [ii] Esta estratégia era direcionada aos pais dos alunos, fomentávamos a seguinte premissa: os pais precisam conhecer a escola, os professores de seus filhos, o coordenador que acompanha, como está o desempenho de seu filho na escola, o acompanhamento das atividades de casa, realização de leitura com a família, entre outros. 66

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[...] os saberes não se acumulam, não constituem um estoque que a agrega à mente, e sim há a transformação da integração, da modificação, do estabelecimento de relação e da coordenação entre esquemas de conhecimento que já possuímos, em novos vínculos e relações a cada nova aprendizagem conquistada.

Referências Bibliográficas ANTUNES, Celso. Novas Maneiras de Ensinar – Novas Formas de Aprender. Rio de Janeiro: Artmed, 2002. CURTO, L. e AL. Escrever e Ler – Como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler. Vol. I. Porto Alegre: ARTMED, 2000. FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. SACRISTÁN J. G. e Gómez, A. I. P. Compreender e Transformar o Ensino. Porto Alegre: Artmed,1998. SOARES, Magda. Letramento – Um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. ________ Magda Becker. As muitas faces da alfabetização. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, 52, p. 19-24, 1985.

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“Tio, ele é especial?”: Discutindo a deficiência com outras crianças do ensino fundamental ___________________ Christopher Moura Montezuma

O presente relato tem como objetivo refletir a importância da inclusão de pessoas com deficiência no espaço escolar a partir de intervenções realizadas numa turma de 1º ano da Escola de Ensino Infantil e Fundamental José da Matta e Silva, despertando em nós o sentimento de amor ao próximo, a solidariedade e o respeito à diversidade. Faz-se necessário enfatizar que a referida instituição de ensino faz parte do sistema público municipal da cidade de Sobral. Era uma quinta-feira como qualquer outra, organizava minha sala para receber meus alunos que iriam chegar para mais uma tarde de Atendimento Educacional Especializado (AEE), “um serviço da Educação Especial que identifica, elabora recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para plena participação, considerando suas necessidades específicas” (SEESP/MEC, 2008). O primeiro aluno agendado para o atendimento nesse turno possui Síndrome de Down e tem seis anos, chega inseguro, nervoso e muito agitado. Recebo-o com alegria e grande entusiasmo. Durante o atendimento, outro aluno entra na sala e se surpreende com o fato de seu colega estar nessa ação, olha atentamente parecendo não compreender o jeito de ser do colega e pergunta: “Tio ele é especial? Ele não faz nada na nossa sala, não sabe falar, nem brincar, chora o tempo todo e atrapalha a nossa aula”. O que pude dizer naquele momento, assustado com a forma de como ele percebia seu colega, foi: Somos todos especiais! Aquela pergunta acompanhou-me por muito tempo, fiquei inquieto, imaginando qual era a visão que os alunos tinham de seu companheiro de sala. O que mais me incomodou foi a utilização do 68

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termo “Especial” no sentido de transparecer uma certa incapacidade, maximizando as características da deficiência, quando na verdade, deveria potencializar as qualidades e peculiaridades de forma positiva. Baseando-se na Lei Nº 13.146 de 2015, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência, sendo este destinado a assegurar e promover condições de igualdade, bem como o exercício dos direitos e liberdades fundamentais pela pessoa com deficiência, objetivando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015), bem como na definição de inclusão proposta pela Declaração de Salamanca (UNESCO (1994), ao afirmar que inclusão pressupõe que todas as crianças e alunos tenham um resposta educativa num ambiente regular que lhe proporcione o desenvolvimento de suas capacidades, houve a necessidade de repensar na inclusão dos alunos com deficiência dentro do ambiente Escolar no qual me encontrava. A inclusão dos alunos com deficiência na Escola não é uma tarefa fácil! Deve acontecer de forma gradual, devendo ser respeitada e compreendida como tal, cabendo ao professor de AEE orientar alunos e professores para a aceitação do outro, conscientizando-os que condutas preconceituosas só reforçam a degradação das relações e a exclusão. Além disso, deve reavivar sentimentos, valores e atitudes que promovam a inclusão e o respeito à diversidade. A partir daquele momento, passei a acompanhá-lo em sua rotina de sala de aula e pude perceber a dificuldade com que as pessoas lidavam com a sua presença na Escola, devido sua grande dificuldade em expressar seus sentimentos, desejos e opiniões, usando sempre de agressividade para resolver conflitos existentes. Os profissionais ali existentes não compreendiam seu jeito de ser, de ver e desenvolver suas atividades. Dessa forma, era excluído e “mais parecia um ser estranho” não conseguindo integrar-se nesse espaço, onde a diversidade é uma das principais características. Eu precisava encontrar um meio para que aquela turma compreendesse a importância da inclusão, conforme preconiza a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos Humanos (2013) ao afirmar Entre (atos) do Ofício II

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que alunos com deficiência são pessoas como todas as outras, com seus protagonismos, peculiaridades, contradições e singularidades, seres que lutam por seus direitos, dignidade e igualdade de oportunidades. Evidenciando, portanto, que a deficiência é só mais uma característica da condição humana. Conversei com a professora da turma e planejei três intervenções semanais de 50 minutos cada, voltadas a essa temática, trazendo reflexões sobre ações importantes desenvolvidas na escola, o conceito de deficiência, suas características, pessoas com deficiência, seus direitos e igualdade de oportunidades, solidariedade e respeito à diversidade. Iniciei a primeira intervenção com uma roda de conversa na turma onde ele estudava, com a permissão da professora de sala regular. Conversamos sobre a importância da Escola na vida de cada um deles, o que estudavam naquele período de tempo, quais as disciplinas, o que mais gostavam e como faziam uso do conteúdo explicado pela professora no dia a dia. Permiti um pequeno momento para que pudessem se expressar depois de tantos questionamentos, disseram-me que faziam uso em casa de tudo que a professora ensinava: ler, escrever, contar histórias, efetuar continhas e como usar o dinheiro que ganhavam dos pais. Senti-me feliz por ter conseguido com que compreendessem algumas das funções da Escola em suas vidas. Perguntei ainda em qual série eles estudavam e prontamente responderam-me que faziam o 1º ano do Ensino Fundamental. A partir daquela resposta iniciei uma pequena reflexão de maneira bem informal, porém direcio70

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nada ao objetivo, sobre o que significava a palavra “fundamental”, eles pensaram por um instante e logo conseguiram dizer, da forma como entendiam, que fundamental era algo necessário, preciso, importante. Conseguimos chegar a uma conclusão: estar na escola, aprender e fazer novas amizades era para todos nós fundamental, preciso, necessário e importante. A segunda intervenção iniciou resgatando a compreensão dos alunos de fundamental e objetivou abordar as deficiências, suas características e o processo de inclusão das pessoas com deficiência na escola. Desse modo, lançamos mão novamente da conversa em círculo com a turma para conversarmos sobre o que seria deficiência e como era a vida dessas pessoas, como viviam, trabalhavam, relacionavam-se com o mundo e outras pessoas, como conseguiam desenvolver suas atividades de vida diária, escovar os dentes, alimentar-se, pentear os cabelos, ir à escola, entre outras atividades. No início perguntei se eles conheciam a palavra deficiência, percebi que conheciam muito pouco, disseram que “são pessoas especiais”, “é quando não conseguimos fazer alguma coisa”, “quando falta alguma coisa do nosso corpo”. Questionei se eles tinham alguém na família com algum tipo de deficiência e disseram-me que não, perguntei com muita curiosidade se conheciam na Escola colegas com deficiência e responderam claramente que sim, apontaram nomes. Não satisfeito, perguntei se eles eram amigos dessas pessoas e responderam que não. Perguntei o porquê e responderam que são pessoas que não sabem conversar e brincar. Concluídas as duas primeiras intervenções, estava muito clara a compreensão de que, enquanto educador, precisava primeiramente sensibilizar e conscientizar a turma de que temos os mesmos direitos, de que a diversidade existe, devendo ser respeitada e valorizada, compreendendo que a busca pela equidade e pela qualidade da educação em um mundo tão desigual não é uma tarefa fácil, precisamos investir numa cultura inclusiva, onde as pessoas com deficiência tenham plena participação e inclusão na sociedade. À medida que ia desenvolvendo as intervenções em sala, tamEntre (atos) do Ofício II

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bém fui conquistando a amizade, o carinho e o respeito dos demais alunos, conseguíamos sempre resolver conflitos existentes através de uma abordagem dialógica. Nossas conversas iam ficando cada vez mais agradáveis, era bastante terapêutico, pois, naquele momento, as crianças tinham liberdade de expressão. O ser humano precisa falar do que sente, vive, pensa, sonha, seus anseios, seus medos, são sentimentos que precisam ser compartilhados e durante esses momentos íamos dividindo a vida ali naquele espaço de tempo, costurando a vida, ampliando a nossa visão de mundo, sensibilidade e senso crítico. No meu terceiro momento com a turma, informei que iríamos assistir um filme, ficaram bastante curiosos, queriam saber qual, eu respondi que eles já conheciam o filme, porém não revelei de imediato o título, deixando-os ainda mais curiosos. Disse ainda que os meus professores de quando era criança contaram-me essa história inúmeras vezes, era uma de minhas histórias preferidas, mas que queria fazer um pedido, que prestassem bastante atenção, ouvissem e observassem o comportamento dos personagens para depois conversarmos um pouco. Como são crianças que estão em processo de alfabetização e estão nas séries iniciais, os clássicos infantis fazem parte de suas vidas, por diversas vezes na escola ou em casa ouviram essas histórias e para eles tem um grande significado, pois foram sem dúvida o seu primeiro contato com a leitura, ainda que tenham a história na ponta da língua, sempre param para ouvi-las. Enquanto eu ia organizando e montando o material para a exibição do filme, eles foram se expressando, dizendo as histórias que mais gostavam de ouvir, percebi que o clássico da Chapeuzinho Vermelho foi o mais falado, a turma inteira conhecia a história, não perdi tempo, fui logo iniciando as minhas intervenções, perguntando na verdade o que eles aprenderam dessa história, de forma bem unânime a sala toda respondeu, “Aprendemos que de maneira alguma podemos falar com pessoas estranhas”, fui explorando e mais falas foram surgindo, “Devemos manter sempre as portas fechadas, para 72

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que pessoas que não conhecemos possam entrar em nossas casas”, “Devemos cuidar dos doentes”, “Doces não são comidas que fazem bem à nossa saúde”, percebi naquele instante que aquela metodologia de usar a contação de história para sensibilizar, desenvolver a solidariedade, respeito e empatia seria a ideal para esse objetivo. O filme que assistimos naquele dia foi o clássico “Patinho Feio”. Percebi que gostaram, uma vez que assistiram até o fim em silêncio e bastante concentrados. Ao final do filme, minha primeira pergunta foi se eles conheciam aquela história, responderam que sim, informaram quem eram os personagens daquela história, fomos fazendo o reconto da mesma de forma gradual, de início perguntei por que o patinho foi chamado de feio, quase todos os alunos disseram que “É porque ele era grande e branco, e os outros eram amarelos e pequenos”, um era um pato e o outro era um ganso, perguntei quem tinha uma resposta diferente dos demais colegas e eis que surge o que eu mais queria ouvir naquele instante, um aluno quase no final da sala responde, “Ele era diferente!”. A partir dali, fomos chegando a uma conclusão juntos de que na verdade esse patinho não era feio, ele era DIFERENTE. Questionei às crianças sobre a maneira pela qual os demais personagens tratavam esse patinho por ser diferente, disseram-me que ele foi maltratado, que não queriam a sua companhia, pois ele andava e grasnava de forma diferente, era lento e por essa razão sempre ia ficando para trás. Os alunos foram se expressando aleatoriamente, eu valorizava e explorava cada vez mais a visão de cada um sobre os acontecimentos da história, relataram ainda que o mesmo foi desprezado e rejeitado. Perguntei ainda como eles achavam que o personagem da história estava se sentindo com relação a todas essas situações desagradáveis, eles pensaram um pouco e logo começaram a se expressar, “Tio, eu acho que ele se sentiu chateado, triste, envergonhado”, fui explorando cada vez mais as respostas, desejando que as crianças tivessem empatia, que desenvolvessem a habilidade de se colocar no lugar dos outros, essa experiência foi bastante positiva, o sentimento que tive naquele instante era que aos poucos meus objetivos iam Entre (atos) do Ofício II

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sendo alcançados, naquele momento os alunos conseguiam se colocar no lugar dos outros, o que não é uma tarefa fácil. Redirecionei a nossa conversa, perguntei para toda a turma se eles poderiam me informar como as pessoas com deficiência se sentiam quando passavam pelas mesmas situações ou situações semelhantes à do personagem. Responderam-me prontamente que se sentiam muito mal, ofendidas, humilhadas, desprezadas e, principalmente, desrespeitadas. Indaguei se esses sentimentos eram importantes em nossas vidas, se nos traziam paz, alegria, felicidade. Responderam que não, pelo contrário, traziam um forte sentimento de tristeza e desrespeito ao ser humano. Aos poucos as crianças iam adquirindo um olhar mais humano, solidário e de respeito às diferenças. Reafirmei que as pessoas com deficiência precisam do nosso respeito, amor e motivação para conseguirem superar suas limitações, para terem seus direitos garantidos e conquistarem seu espaço na sociedade. Desse modo, aquela turma de alunos e sua professora adquiriam uma nova forma de olhar a vida, compreenderam a função do outro enquanto uma figura de grande importância no convívio social, compreensão essa construída através das relações de amizade que provém da convivência pacífica entre todos, independentemente da origem e da história de cada um. Passaram a ver seu colega de sala, como alguém que pode aprender os conteúdos da aula, a conversar e a brincar, desde que este seja estimulado em suas potencialidades e respeitado nas suas singularidades, respeitando e valorizando as diferenças.

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Conto em família: um caminho para o desenvolvimento da oralidade ___________________ Denize Bernardo da Silva Aguiar

O CEI TEREZA RODRIGUES DOS SANTOS, onde trabalho como coordenadora pedagógica é uma escola linda, colorida e bem atrativa. Foi inaugurada a pouco tempo (2013) e pensada para atender às crianças da Educação Infantil com qualidade e conforto. Está inserida num bairro dividido entre alunos com famílias bem humildes e com um nível de escolaridade entre o analfabetismo e poucas instruções e os alunos com um maior poder aquisitivo e com irmãos e/ou pais cursando uma universidade e/ou cursos técnicos. Durante a “Hora da contação de histórias”, em alguns momentos de observação de sala e atividades específicas, envolvendo a linguagem oral, via as crianças apenas balbuciando palavras e dizendo algumas frases com a ajuda da professora a partir de comando pedidos nas atividades realizadas, frases essas condizentes com a história contada, porém muito distante do que seria um reconto ou a própria história. Então, percebendo a dificuldade no desenvolvimento da oralidade em muitos alunos do Infantil V, após pensar e repensar em várias estratégias para ajudálos a superar essa dificuldade surgiu a ideia da “Maleta da leitura”, que na verdade é um projeto que já existe, porém pensei num diferencial para que ele realmente acontecesse de forma efetiva para o meu objetivo: desenvolver a linguagem oral e a imaginação para a contação de história. Entre (atos) do Ofício II

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O perfil dos alunos também foi decisivo para a escolha da melhor estratégia porque ao mesmo tempo em que deveria atender aquele aluno que não tem acesso ao mundo leitor ele também deveria ser interessante para quem conhecia inclusive histórias contadas em CD-ROM/DVD. A oralidade é muito importante na Educação Infantil e esse contato com o mundo da leitura faz com que as crianças desenvolvam essa oralidade, a imaginação, o faz-de-conta, possibilitando novas descobertas e uma melhor compreensão do mundo em que estão inseridas. Elas se comunicam e se expressam a todo o momento e o uso da linguagem favorece a interação social. E é na Educação Infantil onde acontece o momento ideal para o desenvolvimento de habilidades e de novos hábitos. E por isso o interesse pelo hábito da leitura deve ser desenvolvido não apenas na escola como também em casa com a família. E o projeto pretende sistematizar o gosto pelas histórias, sejam elas lidas, cantadas e/ou ouvidas na escola e continuando assim em casa e pela vida afora. De acordo com o Referencial Curricular Nacional, uma das tarefas da educação infantil é ampliar, integrar e ser continente da fala das crianças em contextos comunicativos para que ela se torne competente como falante. Isso significa que o professor deve ampliar as condições da criança de manter-se no próprio texto falado. Para tanto, deve escutar a fala da criança, deixando-se envolver por ela, ressignificando e resgatando-a sempre que necessário. (1998, vol. 3, p. 135). 76

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Os alunos do infantil V, crianças de 5 (cinco) anos, ainda não são leitores; até podem chegar ao final do ano lendo palavras, frases e/ou textos simples, mas essa não é uma regra, pois cada criança aprende no seu tempo e começar a ler chega a ser uma consequência do trabalho realizado. E como mandar textos numa maleta para os alunos não leitores? Então pensei nas diferentes formas e estratégias de se contar histórias. E nelas, a utilização de palitoches1 aliados à escolha de histórias conhecidas pelas crianças e de fácil entendimento, pois a criança precisa estar familiarizada com a história para poder reproduzi-la, por este motivo precisam ser previamente selecionadas. Assim irão recontar histórias já conhecidas por elas e esta já é uma condição para deixá-las mais seguras e confiantes, aumentando assim a probabilidade de conseguir desenvolver bem o reconto. A criança que ainda não sabe ler convencionalmente pode fazê-lo por meio da escuta da leitura do professor, ainda que não possa decifrar todas e cada uma das palavras. Ouvir um texto já é uma forma de leitura. (RCNEI. VOL. 3, p. 141).

A ideia é que sejam trabalhados contos da literatura infantil e assim facilitar o reconto para a família. Exemplos de contos trabalhados: Os três porquinhos, João e Maria, Branca de Neve e os sete anões, Chapeuzinho vermelho, João e o pé de feijão, entre outros. Dentro da maleta, além dos palitoches, vai ainda a história escrita de forma resumida para que todos tenham conhecimento da história levada. A apresentação da “Maleta da leitura” em sala provocou encantamento e curiosidade nas crianças, elas queriam pegar nos personagens, já queriam levar todos para casa naquele dia, já foi preciso explicar que cada um teria sua vez. Seu manuseio foi orientado pelas professoras em sala no momento específico da rotina que seria a “A Hora da contação de história”. Então, duas vezes por _________________________________ 1 Palitoches são bonecos feitos de materiais diversos, presos em palitos de picolé ou churrasco, usados para representar os personagens da história.

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semana sorteia-se o nome de uma criança que irá levar a maleta para casa. Ainda em sala a professora conta a história e pede para que ela reconte, no dia seguinte aproveita-se o momento da rodinha e é pedido para que a criança relate como foi a atividade em casa. A história da maleta só é trocada depois que todos levarem. Na verdade, esse projeto trabalha bem mais do que a oralidade, trabalha a questão da responsabilidade de levar a maleta para casa e cuidar para que ela volte da mesma forma; trabalha a autoestima, pois coloca a criança como participante ativo da história (narrador) e trabalha a afetividade, uma vez que no momento em que ela, a criança, busca juntar a família para assisti-la, aproxima-os. Quem convive com crianças sabe o quanto elas gostam de escutar a mesma história várias vezes, pelo prazer de reconhecê-la, de aprendê-la em seus detalhes, de cobrar a mesma sequência e de antecipar as emoções que teve da primeira vez. Isso evidencia que a criança que escuta muitas histórias pode construir um saber sobre a linguagem escrita. (RCNEI, VOL. 3, p. 143).

A partir do retorno dado pelas famílias que relataram como os filhos contavam a história em casa, pode-se perceber que os objetivos pensados estavam aparecendo. Comentários como: “Tia esse menino colocou todo mundo da casa sentado no sofá para ver ele contando história com aqueles bichinhos”; e ainda os que diziam: “Achei muito interessante a ideia de contar história com os personagens”. Isso reforça a ideia de que o projeto pos78

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sibilita, além do desenvolvimento da oralidade, o estreitamento dos laços afetivos em família e o interesse da família pela atividade. Cria um momento em que todos se juntam e conversam e riem e se aproximam. Se voltarmos um pouco no passado, vemos que a criança desde o berço escuta a mãe cantando, ou contando histórias antigas, ou mesmo lendo um livro. Criando assim um laço de afeto; mas se formos nos atentar à realidade, percebemos que quando ela começa a crescer essa atividade não é tão comum assim. E pensando nesse laço afetivo que se fortalece nessa interação, que surgiu essa estratégia de levar a história para dentro de casa, levando novamente a história para o convívio familiar e dessa forma proporcionar um ambiente integrador e estimulador, onde a própria criança teria o papel principal no seu processo de desenvolvimento da sua oralidade tanto no ambiente escolar quanto familiar. Sendo a família a primeira referência da oralidade na vida da criança, é de fundamental importância que ela e escola andem de mãos dadas, pois fortalece assim os laços afetivos já construídos. Sei que esse projeto não vai funcionar como a solução desta dificuldade, mas é um excelente meio para a construção e desenvolvimento da linguagem oral além dos muros da escola e percebemos

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sim a grande contribuição que ele deu nesse processo de crescimento na habilidade de contar histórias e que resultou numa melhora também na criação de histórias através de gravuras, pois ajuda a criança a soltar a imaginação. Também ele não funciona sozinho, é apenas um aliado nas diversas estratégias pedagógicas inseridas na rotina e nos conteúdos como as rodinhas de conversas, os momentos de contação de história, os demais projetos desenvolvidos pela escola. Como explica o Referencial Curricular Nacional para a educação Infantil, entre os 4 e 6 anos as crianças usam a língua para brincar, expressar desejos, opiniões, ideias, sentimentos ou fazer relatos de acontecimentos. Esse projeto pode desencadear com ele uma série de outras ações que contribuam com o mesmo propósito, o desenvolvimento da oralidade.

Referências Bibliográficas BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Infantil. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, Vol.3. Brasília: MEC/SEF, 1998.

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orientador da eja: lições da experiência pedagógica com o projeto escola da noite ___________________ Prof. Francisco Régis Cordeiro da Silva

A Educação de Jovens e Adultos, ao longo das últimas décadas, tem sido um sonho de projeto inconcluso de políticas públicas que buscam superar os atrasos da educação no Brasil. Falo aqui de uma escola para poucos, que vive e sobrevive de fato nas mãos daqueles que se encorajam na missão de alfabetizar, numa tentativa arraigada de superação pela escolarização. E é sobre esta experiência, de alguém que trilhou nos caminhos da EJA, que situo o meu relato de vivência pedagógica como orientador na Yedda Frota, escola pertencente à rede municipal de ensino, localizada no bairro Terrenos Novos em Sobral – CE. A figura do orientador da EJA surgiu como uma experiência pioneira em Sobral por ocasião de um projeto denominado “Escola da Noite”. O projeto previa redesenhar o turno da noite nas escolas da rede municipal. Para alcançar este objetivo necessitava a presença de alguém em condições de acompanhar pedagógica e presencialmente, pois os gestores que trabalhavam durante os turnos diurnos não tinham condições para dar o devido apoio ao turno da noite. Nesta narrativa, apresento um pouco do meu trabalho e os saberes adquiridos com a Educação de Jovens e Adultos, no turno da noite, sob três perspectivas: o olhar sobre minha formação como educador da EJA, através do conhecimento teórico das ideias pedagógicas de Paulo Freire, aliado à prática enquanto agente de ensino; o olhar sobre os sujeitos da EJA, jovens e adultos, face aos seus diversos aspectos e identidades; por fim, um olhar sobre os aprendizados, uma síntese dos conhecimentos e saberes adquiridos por mim durante os anos de exercício da função. Entre (atos) do Ofício II

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O olhar para formação a partir das vivências Posso afirmar que minha formação na educação de jovens e adultos se deu a partir do encontro de duas experiências, distantes no tempo, que de alguma forma, foram complementares na constituição de um saber maior: minha experiência profissional como orientador da EJA. Para que se entenda este encontro formativo é necessário voltarmos no tempo, ao ano de 2001, para relembrar um momento importante de minha vivência formativa como professor de adultos no Programa Alfabetização Solidária. Depois, irmos até o ano de 2012, quando participei de uma seleção e fui contratado para atuar como Orientador da Noite, uma espécie de coordenador dos professores da Educação de Jovens e Adultos de Sobral. Estes dois momentos foram relevantes, pois eles se fundem no que posso chamar de minha formação. Reflito aqui que esse pensamento do formar através da prática, da aquisição de competências em instâncias não acadêmicas, talvez não seja reconhecido em pôr determinados setores do campo científico. Perrenoud (2001) em seu estudo sobre as “Dez novas competências para uma nova profissão”, em destaque a de professor, já nos alerta sobre esse aspecto. Mas ele próprio é dos que aceitam a vivência prática como um aprendizado positivo da formação. Voltemos a 2012. Naquele ano, ao ingressar como docente do ensino noturno na rede municipal de Sobral, já havia trabalhado com turmas de Ensino Fundamental II, sala multisseriada. Mas tinha pouca experiência com o ensino de EJA. Apenas seis meses como professor desta modalidade de ensino, vivenciado numa pequena comunidade do interior de Groaíras, cidade próxima à Sobral, no início do ano de 2001. Era uma turma de pouco mais de 15 alunos, na maioria adulta. A situação desafiante levou-me a recordar o aprendizado que tivera no começo da daquela década, durante o treinamento para a alfabetização de jovens e adultos. A formação teórica que tive para ensinar e a experiência em sala, apesar de ser um contexto mais rural e 82

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o público adulto, me ajudaram muito no trato com as primeiras orientações recebidas para ser professor, agora na Escola Yedda Frota. O aprendizado a que me refiro deu-se na capacitação realizada em São Paulo na Universidade Vale do Paraíba – UNIVAP por conta do projeto Alfabetização Solidária, o qual me somou bons conhecimentos sobre como alfabetizar jovens e adultos. Posso testemunhar que ela possibilitou-me conhecer um autor que foi fundamental para minha vivência com a alfabetização. Conheci e estudei um pouco das ideias e da prática pedagógica de Paulo Freire, renomado educador brasileiro. O entendimento de Freire, que os jovens e adultos fazem parte de um contexto social e cultural que precisa ser compreendido e trabalhado em sua realidade, foi de grande importância para me orientar neste período inicial. Ainda que não houvesse tido contato com as ideias deste educador, a vivência com a EJA fez-me entender que sua pedagogia é atual e necessária para o público da EJA. A descoberta que ela poderia nortear o trabalho que ora eu iniciava, a partir de então, só foi ganhando mais importância para a reflexão que fui fazendo no seguir dos anos. Esse crescimento deveu-se a outras leituras do autor e hoje não há como desligar a experiência por mim vivida da transposição de seu pensamento para a educação de adultos, com o devido atendimento à realidade e condições possíveis nas escolas. Assim fica demonstrado como a experiência formativa inicial no Programa Alfabetização Solidária veio ao encontro e somou com a segunda, como professor-orientador ou orientador da noite, a partir de 2012 na rede municipal de Sobral.

O Projeto “Escola da Noite” Segundo a apresentação feita pelo Secretário de Educação Prof. Júlio César da Costa Alexandre aos orientadores selecionados para atuar nas escolas de Sobral, o Projeto “Escola da Noite”, lançado em 2012, era uma pauta antiga da educação. Ele concretizava um Entre (atos) do Ofício II

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sonho gestado em gestões anteriores, eclodia na forma de renovação da política voltada à educação de jovens e adultos e objetivava um modelo mais organizado do ensino noturno. Para entendermos melhor a referência, é necessário compreender esse redesenhar a EJA. Durante décadas, o ensino noturno ficou delegado ao encargo dos professores e funcionários que atuavam no ensino regular. Isso representa uma realidade facilmente identificada em vários municípios brasileiros. Em Sobral, não era diferente. Por conta desta situação, havia uma diferença qualitativa entre o ensino diurno e a educação de adultos, à noite. Recordo-me o quão era considerado normal falar do abandono por parte da clientela noturna, como se fosse uma condição natural. Quase tudo funcionava como uma extensão do ensino diurno. Por exemplo, os planos e atividades eram adaptações do turno da manhã ou tarde, o que evidentemente não correspondia satisfatoriamente ao perfil da EJA. Para enfrentar esta distorção, o Projeto propunha qualificar o ensino de EJA, criar uma identidade através de proposta de atendimento compatível à realidade do ensino noturno. Este esforço incluía conter o fluxo de alunos desistentes já no primeiro semestre do ano, regularizar e controlar o fornecimento de recursos materiais, providenciar um lanche diferenciado, proporcionar acompanhamento aos profissionais da noite com a mesma qualidade dos demais turnos. Eram demandas urgentes e desafiadoras. Foi com o olhar de um município que possuía uma educação com altos índices de sucesso nas séries iniciais que o Projeto assumiu a responsabilidade de dar uma atenção especial aos mais de 20 mil alunos jovens e adultos a serem alfabetizados. Representava o ideal de superar esses dados negativos, de suprir a necessidade dos estudantes da noite. Uma das primeiras iniciativas do Projeto foi investir na ampliação das matrículas. Fazer um movimento de captação de alunos que estavam há vários anos fora da escola. Para isso, foram realizadas diligências, reuniões, ações diretas de chamada para matrículas. Outra providência foi repensar a formação dos professores, alinhando a 84

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proposta da Secretaria de Educação com os gestores. A aproximação com a equipes gestoras possibilitaria o diálogo sobre as necessidades das turmas da noite, a garantia de qualificação dos espaços e das atividades (iluminação, biblioteca, laboratório, lanche). Para concretizar esta meta a figura do orientador seria relevante. Ele devia ser alguém capaz de dar seguimento às atividades pedagógicas. Quando da implantação do Projeto emergiram os desafios da função de orientador da noite. Creio que atingiu a todos os orientadores. Assumíamos uma função de gestor, com a perspectiva de alterar rotinas e hábitos. Uma das coisas que muito me fazia refletir era que, quando tratávamos da mudança de rotinas para os alunos da noite, os profissionais encarregados só acatavam após confirmar com a diretora da escola. Achava confusa aquela situação. Eles ficavam inseguros quanto “a quem obedecer?”. Foi um período de muito aprendizado, principalmente por ter sido necessário ouvir os colegas professores até ganhar confiança deles. Enfrentei algumas inseguranças quanto à função de que estava investido. Não estava clara ainda a maneira que poderíamos agir, pois a referência que os alunos tinham era a mim, como um “diretor” da noite. À época, conversei com a Diretora da Escola Yedda Frota, a Profª. Dolores da Gama, para combinar como eu poderia direcionar alguma intervenção necessária, já que assumia algumas funções que dizia respeito ao gestor. Nesse sentido o diálogo de alinhamento era importante. A Profª. Lúcia Balica, coordenadora geral do projeto, nunca deixou de nos apoiar neste processo. Ela estava sempre mediando o diálogo entre Secretaria, Orientadores e Diretores. Isso foi de grande valia, pois a comunicação entre estas instâncias foi fundamental para que o projeto caminhasse com a segurança que necessitávamos naquele momento. Já o trato como Coordenador, conversando e alinhando com os professores, era mais fácil, pois havia bastante confiança entre nós. A experiência formativa anterior me dava essa firmeza; Restava apenas ir aos poucos superando as outras barreiras da função, entre elas a mais desafiadora: manter os alunos estudando. Conhecer os alunos, Entre (atos) do Ofício II

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em suas diversidades e identidades, para que pudesse pensar estratégias junto aos professores foi uma das minhas inquietações. Uma proposta interessante da “Escola da Noite” foi a possibilidade de oferecer a formação profissional, através de cursos, oficinas, com a possibilidades de aproximar os alunos do mercado trabalho. Muitas das propostas, porém, ficaram apenas na expectativa de serem colocadas em prática, pois muito do que foi ofertado não condizia com a realidade de vida dos alunos. As formações ofertadas quase sempre eram nos turnos da manhã ou da tarde, o que impossibilitava que a grande maioria participasse. Percebeu-se que a política de atendimento não tinha condições de assegurar oferta de cursos no turno da noite. Não havia material humano suficiente ou transporte para a realização das atividades na escola ou para levar os alunos até os locais em que ocorriam os cursos e as oficinas. Percebi também que essas atividades empolgavam muito os alunos, mas logo que eles descobriam que não havia como participar em razão do choque de horário com o trabalho ou as ocupações domésticas, logo desistiam de tentar. É necessário refletir que neste ponto a proposta para a noite ignorava ou desconsiderava essa especificidade do público jovem e adulto. Ressalvo que muitas ações eram ideias que estavam sendo pela primeira vez colocadas em prática. Entendia que por ser algo novo, era necessário um pouco de calma e resiliência, visto que o projeto dava seus primeiros passos, e carecia de mais ajustes e recursos para atender a essa demanda. Em posterior reflexão sobre as práticas vivenciadas, percebi que muitas coisas melhoraram entre 2012 e 2016, em virtude das adaptações feitas durante sua implementação. Uma primeira mudança foi a afirmação do público da noite. Passou-se a discutir, a haver um debate mais alinhado em torno da EJA, do reconhecimento do trabalho desenvolvido. A referência do orientador também foi marcante, pois professores e outros profissionais da noite (vigias, merendeiras) conseguiam reconhecer que havia ali alguém que poderia apoiá-los. A distribuição de responsabilidades entre os profissionais também foi outro fator importante de mudança. Eles reconheciam que a pre86

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sença do Orientador da Noite ajudava na manutenção da disciplina, no bom funcionamento da educação da noite. Outra mudança verificável foi a percepção dos professores sobre o que deveria ser filtrado e adaptado das formações que recebiam. O material didático adotado era insuficiente para o perfil dos alunos, ou em muitos casos, inadequado por estar além do nível de aprendizagem deles. Diga-se de passagem, que anteriormente ao Projeto, o professor definia suas próprias estratégias, sem uma reflexão coletiva em torno dos escassos materiais usados em sala. Agora, com a presença de alguém coordenando de perto era possível um alinhamento, ou pelo menos, uma reflexão sobre as práticas, já que em sala cada profissional poderia adaptar sua metodologia ao seu público. Sempre trabalhei com esse olhar para a autonomia do professor, pois é ele quem sabe “dosar” a estratégia do ensino, o que são coisas bem específicas de cada sala, o que se adapta a cada indivíduo. Por outro lado entendo haver a necessidade de ter uma base comum. Era isso que entrava na orientação dos profissionais.

O olhar sobre os sujeitos da EJA: Jovens e Adultos e suas identidades Um destaque especial do aprendizado que adquiri e que registro aqui é com relação aos sujeitos, jovens e adultos, da EJA. Pude conhecer um pouco do perfil dos alunos na observação de sua convivência na escola e com isso pude dialogar, intervir, ajudando os professores na orientação pedagógica e prática no trato com eles. Recordo bastante da professora Suinária Oliveira, professora da EJA IV, que sempre me chamava para conversar sobre os alunos, sobre os problemas relatados por eles, histórias de vida, sobre o que via como um entendimento da realidade. Por ocasião das reuniões de planejamentos, debatíamos com os demais professores esses relatos: que poderíamos planejar, considerando o perfil dos alunos, o que poderia ir ao encontro às suas necessidades? Entre (atos) do Ofício II

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Posso afirmar que na EJA não há como você ensinar sem conhecer a história de vida dos alunos, pois elas estão muito aparentes na maneira como adentram a escola e também na motivação pela qual continuam frequentando e estudando. Sempre que ouvimos falar dos estudantes da noite, não é difícil perceber o discurso quase unânime das pessoas em geral, até mesmo dos professores, de que são alunos difíceis, que “não querem estudar” ou que “está apenas querendo um certificado”, “um ingresso para trabalhar”. Isso sempre me incomodou e incomoda. Diante de tal afirmação, me vem em mente: o que quer ou não quer o aluno da EJA? Sempre retornei esse questionamento aos professores por mim orientados, de forma que refletissem sobre tal afirmação. Em outras palavras, essa afirmativa revela muito do desconhecimento que temos dos sujeitos estudantes da noite, dos múltiplos perfis que temos a conhecer. Digo sujeitos por considerar que se torna difícil encontrar um perfil que defina todos os alunos nas suas identidades. Em linhas gerais, o máximo que podemos aproximar são duas categorias: alunos adultos e alunos jovens. Essa linha divisória que faço do perfil dos alunos em jovens e adultos me permitiu, com mais propriedade, olhá-los em suas particularidades, tanto nas conversas e troca de experiências com outros orientadores e os professores nos planejamentos, quanto na conversa direta com eles ou na observação de seus comportamentos e ações.

Os alunos jovens Os alunos da Escola Yedda Frota, arrisco dizer, não se diferenciaram muito dos demais jovens e adultos do turno noturno das escolas de Sobral; apresentam como indivíduos com desejos e inquietações semelhantes à maioria de sua fase etária. Pude perceber, ao longo dos cinco anos de vivência com os vários grupos de alunos que passaram pela “Escola da Noite”, que os jovens são, na maioria, sujeitos que foram mal alfabetizados ou que 88

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permaneceram por longo tempo ausentes da escola, criando uma classe que hoje é denominada de analfabeto funcional. Boa parte deles possui um longo histórico de repetência e desmotivação para o estudo. Muitos deles não possuem perspectiva de ascensão social na vida. Creio que dada à situação de conflitos na família, e vícios, entre outros motivos, e por não visualizarem no estudo uma oportunidade de ascensão profissional, eles deixam de acreditar que podem ir além, melhorar. O perfil que destaco acima é dos alunos que fazem parte do público da EJA III e IV. Os sujeitos deste ciclo de estudo geram o maior índice de abandono da escola. As várias estratégias que são pensadas para a manutenção destes na escola falham. São muitos os fatores que interferem na decisão do aluno de abandonar os estudos: trabalho, vícios, família, etc. Acredito que a solução para esta problemática esteja em um contexto mais amplo que o da escola. Não temos políticas, nem estratégias suficientes para garantir sua permanência. O máximo que conseguimos é acolher e aconselhar na busca do convencimento de que a educação é um caminho possível. Como orientador, fazia esse movimento de diálogo constante. Nas muitas vezes, o papel era mais de ouvir e tentar entender o porquê da ausência ou negação do estudo. E, ao ouví-los, encontrei muitas respostas para essas questões.

Os alunos adultos Já o perfil dos adultos se diferencia em alguns pontos. Muitos sequer chegaram a frequentar uma escola regular. Relatam que, em seus tempos de juventude, não tiveram oportunidade de estudar, ficando apenas nos estudos de alfabetização na casa de professores autodidatas. Pode-se confirmar essa realidade quando estudamos e conhecemos a História da Educação no Ceará. Entre (atos) do Ofício II

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Os alunos dessa faixa etária, senhores e senhoras de origem pobre que desde cedo, na infância ainda, tiveram que optar pelo trabalho, pela sobrevivência, em vez da “sorte” de ir para a escola estudar, buscam recuperar um pouco do sonho que deixaram para trás. Eles são mais persistentes, às vezes, porém descrentes do próprio aprendizado, pois a família, o trabalho e o estudo têm outro valor para eles. Orientar o ensino para estas duas faixas etárias de estudantes foi constantemente desafiador. O primeiro impacto desse desafio é que todos os anos perdemos alunos por conta deste “choque etário”. Para se compreender melhor, basta dizer que o ritmo de aprendizagem e perspectiva de estudos dos dois perfis não se equilibram. Tantas foram as vezes de se ouvir as “queixas” de orientadores e professores que não sabiam lidar com a desistência de alunos adultos que não toleravam a “indisciplina” dos mais novos. Já os jovens ignoravam o ritmo dos adultos, considerando-os atrasados e antiquados, pois não se encaixavam na energia efusiva deles. Nas reuniões de orientadores, não era raro ouvir apelos por soluções para o(s) seu(s) problema(s): conflito de idades. As propostas voltadas para a formação para o trabalho tinham a intenção de atingir esse público mais maduro, especificamente. De fato, ele tem outras necessidades. Enquanto o jovem busca um emprego, o adulto geralmente já tem seu meio de subsistência. Para ele um curso de qualificação não é prioridade. A prioridade para eles é a alfabetização, já que outras questões já estão mais ou menos acomodadas (família, desejos de ascensão, etc.). A disciplina e o ritmo de aprendizagem exige que o professor conheça de perto o que lhes prende aos estudos, o que lhe mantém querendo estudar e com certeza, seus objetivos não são os mesmos dos jovens. É necessária uma compreensão disso para que não haja desestímulo por conta da aplicação indiscriminada de novas metodologias. É possível testemunhar que eles aprendem melhor “do jeito deles”. Fazem muitas vezes essa referência para dizer que no passado eles tinham uma maneira de aprender na escola e que isso ainda agora facilita a sua alfabetização. 90

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O olhar sobre os aprendizados da vivência Um dos aprendizados ricos que posso testemunhar quanto à minha formação é que nos formamos em todos os momentos e as pequenas experiências que, às vezes, ignoramos ou não damos muita importância, somam-se a outras experiências para gerar o que chamamos de sabedoria. Quando experienciei o ensino da educação de adultos jamais imaginaria que o que aprendi seria tão necessário para outros momentos da vida profissional. Talvez o que aprendi ali não seria tão firme se tivesse vivido apenas a experiência de ler e conhecer, teoricamente, sobre a educação de adultos. A prática reforçou o que hoje sei. Nunca me imaginei seguindo a carreira de professor da EJA, pois sempre me identifiquei com o público adolescente. Por outro lado, sempre gostei de desafios, de conhecer pessoas. Talvez isso justifique estar querendo aprender sobre os processos desenvolvidos no Projeto “Escola da Noite”, sobre os sujeitos. Escrever sobre tudo isso como um aprendizado importante. A respeito do Projeto “Escola da Noite”, aprendi muito sobre os desafios que a educação de adultos precisa vencer. A implementação de um projeto para os alunos da noite vai muito além de questões pedagógicas e administrativas. Inclui conhecer o contexto e o perfil de seus alunos para que a proposta atinja seu objetivo de modo mais preciso, ou seja, educar e ensinar os alunos naquilo que dá sentido às suas vidas, aos seus projetos de vida. Muitas das ações do Projeto não foram colocadas em prática como deveriam, como foi o caso da parceria entre escola e instituições formativas profissionais. Abriram-se caminhos para que isso acontecesse, mas a acessibilidade aos cursos e treinamentos não atendeu à maioria, visto que os horários ofertados não correspondiam à realidade dos alunos. Isso prova que é necessário um entendimento melhor sobre as atividades que são propostas aos alunos e sobre as necessidades deles, naquilo que eles pensam para a construção de um projeto de vida. O fator tempo disponível para o estudante de EJA Entre (atos) do Ofício II

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é um elemento importante. Destaco por outro lado, um aspecto importante do Projeto, que funcionou como um facilitador de todo processo de discussão destas questões durante os cinco anos em que se buscou mais ativamente colocar as ideias em prática: a comunicação constante, a busca por diálogo entre as partes interessadas: Escola, Secretaria e Orientadores. Muitos caminhos foram abertos para a formação, para as ações qualificadas, ainda que houvessem muitas limitações, financeiras e estruturais. Outro aprendizado diz respeito ao conhecimento dos sujeitos da EJA, jovens e adultos em alfabetização. Em todos os momentos de trabalho com os alunos e professores tive o cuidado de lembrar que à noite, devemos ser mais educadores que professores. O olhar sobre a vida dos alunos, o cuidado com a linguagem, com a disciplina, tudo exige um zelo, afetividade. A alfabetização funciona muito mais como uma ferramenta para a criação de uma cultura da palavra. Os alunos trazem suas culturas, suas vivências, seus traumas e desejos para dentro da sala de aula e isso precisa ser refletido, analisado. Não tem como encararmos o jovem e o adulto como alguém que “não quer nada”. Nisto Paulo Freire tem toda razão. É preciso conhecer os educandos em suas especificidades para a partir daí pensar, adequar nossa prática. Sei que isso provoca na gente uma inquietação. Sempre queremos agir como alguém que já sabe e que conhece o aluno e que ele tem que obedecer, mas com a EJA não funciona assim. Temos seres com desejos distintos e vivências distintas que quebram com a expectativa regular do ensino. Hoje, continuo com o ensino de EJA. O Projeto sofreu algumas mudanças de gerência, de nome, mas creio que continua como ideia. Creio que, qualquer que seja o novo desenho da educação de adultos para Sobral, deve ser repensado a partir dessas experiências com os alunos, os orientadores, os professores e formadores, entre outros. É preciso pensar a essência das particularidades, pois para mim, todo esse saber que adquiri, que muitos orientadores adquiriram, só foi possível na percepção dessas particularidades por meio do Projeto “Escola da Noite” e de outras experiências mais. 92

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do ato de olhar ao ato de mudar ___________________ Francisco Vilar Vasconcelos

Situações vivenciadas trazem consigo obstáculos, lutas e dificuldades, mas o prazer de tê-las nos proporcionam aprendizados e ainda mais quando são experiências que nos marcam e nos fazem ser melhores, com ações que contribuem para a formação de um novo ser. Diante de minhas vivências peculiares gostaria de compartilhar essa com vocês. Lembro-me bem daquela tarde, reunião de núcleo gestor, daquelas decisivas, não me parecia como as demais que aconteciam durante toda semana para alinhar estratégias e encaminhamentos pedagógicos. Pelo o olhar da convocação feita pela gestora senti algo estranho, um cheiro de mudança e foi exatamente o que acontecera. Ao iniciar a reunião, o pronunciamento da diretora veio com a certeza do que eu estava sentindo: “Precisamos tomar decisões e mexer como o quadro de professores” – declarou ela. A partir daquele momento senti que uma grande missão estaria à minha espera, pois nessa vida o que não nos faltam são razões que nos provam o quanto podemos nos tornar pessoas melhores através de razões que evidenciam e feliz aquele que passa por elas e se torna uma pessoa melhor. Entre escritos, borrões e rabiscos começamos a lotação, analisando o perfil de cada profissional e encaixando cada profissional da melhor maneira, para que a escola pudesse atender de forma qualitativa o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos. Depois de muitas análises e estudos referentes aos perfis de turmas e professores chegamos a um consenso, pois acreditávamos que estava na hora de priorizar algumas dificuldades e lançar desafios aos profissionais da instituição, assim, como também a oportunidade de novas experiências e mudanças de práticas, deixando de lado aquele paradigma de especificidade em uma determinada área ou turma. Mas como sabemos que toda mudança traz movimentos, estávamos dispostos a Entre (atos) do Ofício II

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enfrentá-las, pois tínhamos a certeza que seria a melhor forma para atender realmente o que era prioridade naquele momento, garantir a aprendizagem das crianças. Montado o novo quadro de lotação, precisou-se fazer um remanejamento de alguns professores diante das situações vivenciadas e observadas no processo de ensino aprendizagem dos alunos, para alguns foram conversas bem tranquilas, nas quais os professores se disponibilizaram e adotaram a ideia com muito entusiasmo. Mas tudo na vida que é desafiador nos remete a um certo entrave e resistência. Aqui então começa a minha saga sobre essa bela história de transformação, diante de um grande desafio que me foi concedido para quebrar essa resistência e transformá-la em uma experiência exitosa que marcou de forma significativa minha caminhada na gestão como coordenador. Pois o verdadeiro líder não terá liderados perfeitos, assim, como não existe um líder perfeito, tudo acontece de como o processo é conduzido, acompanhado e avaliado. Diante de todas mudanças, conversas e orientações feitas, apresento a personagem principal desse relato, Maria, professora efetiva do município de Sobral. Por muitos anos atuando na rede, durante muito tempo lecionou uma disciplina específica, era uma professora dedicada, porém sua especificidade não fazia mais parte daquele novo contexto, a partir de um novo olhar de gestão para as novas demandas ocasionadas com os avanços atuais precisaria se refazer e a partir de um novo desafio mudar sua prática e se atribuiu a mim, enquanto coordenador pedagógico, ser a ponte para essa descoberta, tendo a responsabilidade de fazê-la acreditar que seria capaz de ter sucesso nessa nova fase da sua vida profissional, estaria nas minhas mãos a formação e a mudança de prática para o bem comum dos alunos e o equilíbrio de toda escola, como também para seu próprio crescimento e acompanhamento, trabalhando assim a questão da tecnologia que foi uma das principais dificuldades diagnosticadas. Chamamos então a professora para repassarmos a notícia, aconteceria meu contato direto com ela. Estava meio apreensivo, sem saber o que falar, pois antes era acompanhada por outra coordenação 94

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e seria a partir daquele momento que teria a grande missão de acolhê-la no meu grupo, fazendo agora, parte da minha responsabilidade acompanhá-la, com o desígnio que pudesse conquistá-la e mostrá-la o que iriamos conseguir superar juntos todos os obstáculos e dificuldades. Ao entrar na sala, um clima tenso se espalhou no ar, o frio do ar condicionado trouxe mais tensão e as ideias na minha cabeça não pareciam se organizar. Ao receber a proposta seus lindos olhos verdes tremeram, por um momento achei que iriam lacrimejar, como se não estivesse gostando do convite feito. Houve uma pausa, baixou a cabeça, foi aí que percebi um certo medo, mas não uma resistência ao que propomos, pois como todo ser humano, mudanças são complicadas e difíceis, o processo de adaptação a mudanças é para muitos, momentos de tortura e quebra de laços. Depois de alguns segundos apresentou seu posicionamento, colocou de forma bem realista suas dificuldades em relação aos conteúdos com os quais não estava acostumada, sendo de forma plausível sua maneira de se posicionar mediante a situação, realmente não estamos aptos a mudanças e principalmente quando elas vêem de surpresa, neste momento ficou claro o motivo da resistência na aceitação de acordo suas falas, me comoveu mais ainda tamanha humildade e como as palavras foram ditas, o reconhecimento de suas falhas e acredito que a partir daquele momento me vi no dever de fazer um trabalho de capacitação, acompanhamento e formação a partir de sua escolha. Ao aceitar a proposta, afirmou com os olhos cheios de esperança: “Precisarei muito de ajuda, sei que irei conseguir, sei que irá dar certo”. Naquele momento, diante de tamanha humildade da professora, a mente trouxe-me lembranças de quando comecei como professor, das grandes dificuldades que sentia e que foram superadas a partir de pessoas que contribuíram significativamente para meu processo de formação, e que aquele momento seria a oportunidade de poder retribuir, de alguma forma, o que foi feito por mim. Assim, através de um posicionamento firme e seguro apertei sua mão e lhe Entre (atos) do Ofício II

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dei um forte abraço dizendo que ela iria sim conseguir, e que daria minha palavra que estaria ao seu lado, disposto a ajudá-la no que precisasse. Às vezes estamos tão acostumados ao comodismo que não nos enxergamos no futuro, acabamos parando no tempo e precisamos sim passar por situações difíceis para se refazer em qualquer campo da vida. Necessitamos de um olhar de fora, para que possamos nos ver e perceber diante de falhas cotidianas. A autoavaliação é para muitos um grande entrave, não conseguimos nos permitir errar, mas a partir do momento que nos reconhecemos falhos, temos grandes chances de buscar nas reflexões feitas por um olhar de fora a mudança e a renovação tanto profissional como pessoal. A mudança deve vir de um reconhecimento que ela precisa acontecer e isso deve partir de uma reflexão das nossas ações ou pensamentos que precisam ser mudados, só assim estaremos abertos a novas experiências, nos desligando de tudo o que não estava mais nos contribuindo ou atrapalhando nossa evolução e desenvolvimento. A primeira etapa então teria sido quebrada, quando a professora reconheceu suas dificuldades e falou abertamente em ajuda comecei a partir dali uma grande parceria e um relacionamento confiável entre professora e coordenador, situação em que víamos um ao outro como parceiros que iriam enfrentar juntos os obstáculos e chegar ao bem comum de todos e, o principal objetivo: o aprendizado dos alunos. Passamos a acreditar em um ideal e juntos lutaríamos para que fosse superado. No final da tarde, sentamos para que fossem passados encaminhamentos e propostas de rotina para a primeira semana de aula, suas sugestões me deixavam bastante feliz, pois acreditava que estava comprometida em realmente agarrar esse grande desafio e sair de forma renovada nessa experiência profissional que estava abraçando. No dia seguinte, de manhã muito cedo a professora já estava na escola quando cheguei, dava para perceber a grande ansiedade em conhecer seus novos alunos, a dinâmica de apresentação dos alunos 96

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construída. Era o momento mais esperado. Mesmo sendo professora há muitos anos percebia-se o nervosismo pelo momento tão esperado. Ao entrar na sala, a conversa com os meninos foi bem tranquila, apresentei-lhes a professora e os olhinhos deles ficaram contagiados com a doçura que Maria passava através de sua voz suave e seu jeito meigo. Aos poucos foi se estreitando uma relação entre eles, a descoberta dos nomes e a rotina se encarregaram disso. A relação professora-aluno traz grandes possibilidades para que tenha um processo de aprendizado prazeroso para ambos. É através das relações interpessoais que conseguimos mudar o comportamento dos alunos, a conquista dos alunos é essencial para que se possa chegar aonde queremos com eles, quanto mais o aluno gosta da escola, da professora, ele estará feliz na escola e isso faz com que adquira gosto pelo aprendizado. E isso ela tinha de sobra: uma professora bastante amorosa com os alunos, tratando de forma igualitária a todos. Eu ficava muito satisfeito com a relação que ela tinha com seus educandos: uma relação de respeito, em que o aprendizado através do amor ganhava espaço para o bom andamento de suas aulas, outra conquista da professora. Antes, sabíamos de uma certa dificuldade com o domínio de sala com alunos antes atendidos, embora não exista e nunca existirá uma sala homogênea em aprendizado e comportamento, e esses impasses sempre acontecem, mas cabe então a conquista do professor aos alunos, a partir de uma convivência saudável e isso só acontece quando o professor está disposto e bem consigo mesmo, realizado e gostando do seu espaço de trabalho. Assim, começou minha busca pelo aprendizado, pois antes de ensinar é preciso aprender e estar aberto ao conhecimento, através da pesquisa e aprimoramento de práticas para o repasse, onde seria necessária a construção de um aprendizado mútuo, o objetivo proposto seria o mesmo, o aprendizado de todos numa extensão coordenador-professor refletido na relação professor-aluno. O aspecto afetividade influi no processo de aprendizagem e o facilita nos momentos informais, os alunos aproximam-se do professor, trocando Entre (atos) do Ofício II

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ideias e experiências, expressando opiniões e criando situações para, posteriormente, serem utilizadas em sala de aula. O relacionamento baseado na afetividade é, portanto, um relacionamento produtivo, auxiliando professores e alunos na construção do conhecimento e tornando a relação entre os dois menos conflitante, pois permite que ambos se conheçam, se entendam e se descubram como seres humanos e possam crescer. O chão da sala de aula é o lugar onde damos início ao aprendizado, aonde abrimos a porta para a construção e desenvolvimento do processo de aprendizagem que refletirá de forma significativa no futuro dos alunos, onde a teoria dá lugar para a criatividade, onde nossas habilidades intelectuais se tornam nossa companheira inseparável e onde fazemos das nossas dificuldades o novo aprender do dia a dia. O professor é a ferramenta fundamental no aprendizado de um indivíduo, ele é o grande responsável por levar aos seus alunos conhecimento e dar a eles todo suporte necessário que eles precisam. O aprendizado em sala de aula é algo importante e muito bom, porém, nem sempre o aprender é uma tarefa fácil, pois muitos alunos encontram diversas dificuldades, seja no conteúdo, na explicação ou até mesmo no comportamento individual de cada um. Para isso, a observação em sala de aula é um fator importante para ajudar o professor em suas dificuldades, um olhar de fora quando bem apurado e com uma intervenção bem feita trará ao professor um grande aprendizado e uma transformação importante na sua prática, mas para isso acontecer o professor deve estar aberto ao ouvir, se autoavaliar através de reflexões feitas, sendo elas bem fundamentadas e convincentes. Antes de qualquer intervenção, precisamos de evidências concretas e fundamentadas, resolvi começar então o acompanhamento, detectando as fragilidades através das observações de sala que me trouxeram ajudas importantíssimas para um olhar focado em cada aula observada. A partir de registros pude diagnosticar onde deveria fazer as devidas intervenções necessárias, as observações me levaram a 98

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curiosidade pela busca de novas estratégias de ensino, metodologias e formas de didáticas, contribuindo também para minha formação e aos poucos através de planejamentos e feedbacks fomos nos tornando mais próximos e logo se criou uma relação mais consolidada, confiável, que me dava inteira autonomia para fazer intervenções diretas e as quais eram ouvidas com muita determinação e obediência. A cada semana, fazia o acompanhamento podia ver a grande evolução que o processo de formação estava agindo em posturas, práticas, metodologias e na sua própria didática, acredito que antes de tudo partiu de uma força de vontade dela, pois acredito que quando estamos dispostos a mudar ou aprender não medimos esforços para se chegar onde queremos, assim vi na professora uma garra e força de vontade que estavam atreladas na vontade de vencer aquele desafio que lhe tinha sido proposto. Era perceptível o amor e o zelo pela profissão que exercia, ela se mostrava uma professora extremamente responsável, que estava traçando uma luta contra seus medos a fim de um reconhecimento profissional, cheguei então a um pensamento acerca da oportunidade e motivação que estavam precisando para que ela pudesse aflorar todos seus dons. Veio-me à conclusão que ela precisava de um olhar diferenciado, talvez a sua resistência inicial fosse um escudo de proteção para a falta de reconhecimento enfrentado, assim pude perceber em algumas de suas falas nos momentos de conversas informais que passamos a ter. A confiança ainda deve ser o grande pilar de qualquer relação na vida, precisei através de uma série de tentativas explorar aquela fala tímida que apresentava, onde aos poucos foram deixadas de lado e deram espaço a falas que relatavam uma nova forma de pensar e agir, a cada dia ficava surpreso com atitudes espontâneas que estavam surgindo, mostrando que quando queremos algo, não medimos esforços para consegui-los. Despertamos nossas habilidades ao exercitá-las, e isso só é possível quando descobrimos que somos capazes de realizá-las, onde são reconhecidas através de estímulos que são transmitidas através de algo ou alguém por meio de uma liEntre (atos) do Ofício II

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gação direta ou mesmo indireta. Necessitamos acreditar em nós, percebemos através de um reconhecimento interno do ser que somos capazes. O trabalho com a autoconfiança começou a ter efeito quando pude ver atitudes louváveis em relação a cada metodologia nova aplicada em sala, antes direcionadas por mim, e ao longo do tempo feitas por ela própria, para mim era uma alegria poder ver ações tão espontâneas, e o simples ato de elogiá-las conseguia ver a grande satisfação em ter seu trabalho reconhecido. A sua insegurança já não existia mais, nos planejamentos quinzenais tratávamos de construção de rotinas, atividades a serem desenvolvidas e práticas lúdicas e ela sempre trazendo novas formas e buscando através de pesquisas um olhar voltado para o seu desenvolvimento cada vez mais cheio de vontade de acertar e mostrar que o sucesso seria possível. Cada sugestão trazia consigo a vontade de fazer o melhor para os alunos, especificando o que eles estavam precisando para consolidar seu processo de desenvolvimento da aprendizagem, fazia com grande cuidado cada detalhe, seu caderno de plano sempre organizado e seguindo de maneira fiel toda a rotina proposta construída e adaptada para o bom desempenho e aproveitamento do tempo pedagógico em sala de aula. Após um curto período de tempo, tivemos a necessidade de realizar trocas de experiências e vivências, começamos a fazer um planejamento com todas as professoras do mesmo segmento juntas, já que antes eram de turnos diferentes e tínhamos alguns impasses. Veio então a belíssima doação da professora para vir no horário do contraturno, fora do seu horário de aula para que pudéssemos ter esse alinhamento coletivo de tão grande importância para o trabalho em equipe e o sucesso de todos em busca do aprendizado das crianças. Foi uma cartada de mestre, o envolvimento das professoras no trabalho em equipe foi tão significante que era perceptível os avanços no processo de formação de todos, que se criou uma parceria de ajuda mútua, contribuindo para uma nova roupagem do grupo, dando oportunidade a uma transformação e trocas de saberes que 100

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refletiram numa ação positiva dentro da sala de aula, com uma nova ambiência, podendo destacar um mutirão para a organização da sala, antes sem vida, passou a ganhar um lindo colorido, com belos cartazes e uma decoração que promoveram o despertar dos alunos para o gosto do aprender, contribuindo de forma positiva para um efetivação da rotina diária com o auxílio dos mesmos ao conteúdo. Já podia perceber que estávamos indo pelo caminho certo, e a cada dia um “bom dia” radiante, seguido de um sorriso, eram as marcas que realmente estava tudo dando certo e que mesmo com as dificuldades enfrentadas anteriormente foi possível se fazer uma nova forma de se relacionar com todos, não sendo mais aquela professora tímida, que entrava de cabeça baixa, mas sim uma professora capaz de expressar pelo seu olhar a alegria de estar na escola todos os dias. Cada vez mais desconhecia o perfil daquela professora de antigamente, trazendo à tona uma nova profissional que dava orgulho em se ter no meu grupo. Das estratégias pensadas em grupo para a consolidação do aprendizado dos alunos, vem-me à cabeça uma gincana programada no planejamento como revisão de conteúdos de forma bem descontraída para a avaliação do meio do ano, uma competição onde todos saíram ganhando. Para a concretização da ideia não foram medidos esforços para a confecção do material, em plena sexta-feira no turno da noite, lá estávamos nós, preparando tudo, a fim de garantir a realização da gincana no sábado pela manhã. Poderíamos estar em nossas casas como dia de folga, mas quando o amor pela profissão fala mais alto, não se escolhe dia para fazer a diferença. As carinhas felizes das crianças ao se depararem com toda aquela estrutura preparada, fizeram-nos perceber o quanto valeu a pena os esforços feitos. Partindo do que foi exposto, entende-se que o processo de formação da professora tem sido beneficiado pela a troca de experiências e o trabalho em equipe trouxe possibilidades para o desenvolvimento de habilidades antes adormecidas, dividindo responsabilidades, ampliando a participação, tomando decisões em conjunto pode-se viabilizar um salto qualitativo na forma de conduzir o proEntre (atos) do Ofício II

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cesso de aprendizagem dos alunos, pois, evita-se o desgaste e elaboram-se soluções mais criativas e eficazes. O entrosamento da equipe estava maravilhoso, mas a necessidade da escola veio mais uma vez à tona, estávamos precisando de uma professora em outro segmento, e como sabia de toda relação de afinidades construídas entre as professoras sabia que iria ser uma grande quebra para ela, pois teria que abrir mão de sua parceira – existia uma união muito grande com a colega de trabalho que teria que ir para outro ano. O segundo semestre começaria com mais uma notícia de mudança, foram duas semanas a procura de outra professora que estivesse a altura para conseguir manter o mesmo nível de rendimento. Quando dei a notícia da saída da professora Nanda, Maria ficou triste, percebi em algumas falas que me trouxeram até uma certa dúvida, mas sabia que iria encontrar alguém que se desse tão bem com ela como a companheira. Foram trocas de professores, Maria chegou até o ponto de perguntar a gestora com um olhar de misericórdia: “Preciso de uma companheira, estou me sentindo só”. Essa frase me tocou, precisava resolver logo a questão, pois a grande descoberta e processo que ela passou poderia ser fracassado com algum impacto negativo e o que menos queria era um retrocesso de tudo o que fora conquistado a partir de muitos investimentos. Depois de três professores passados pela outra turma, decidi optar por uma moça que se encaixava com o perfil de Maria. Ana tinha uma vasta experiência, mas nunca tinha lecionado a turma que lhe propus. Chegou então o dia do planejamento quinzenal, Maria viu aquela nova pessoa no grupo, Nanda já não estava ali para o compartilhamento de experiências, seleção de atividades e troca de estratégias. Na sua cadeira estava uma nova professora, bem jovem, poderia ter idade de ser sua filha. Ao apresentá-las, um sorriso se abriu e a recepção de boas-vindas veio como uma ligação de que estava disposta a abraçá-la como colega de trabalho. De propósito, pedi para Maria passar e explicar a rotina de sala proposta para a turma. Assim pude perceber a partir de suas falas a 102

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propriedade de como estava fazendo o repasse da rotina, seus detalhes e como ela usava cada horário, me fez perceber a grande evolução que Maria tinha passado, sendo o mais detalhista possível para que a outra professora pudesse se apropriar da mesma para a utilização. De forma bem tranquila se disponibilizou a ajudar no que precisasse, reconheceu que também começou apenas com a força de vontade em aprender e que tinha certeza que ela também iria conseguir. Ao terminar sua fala lhe parabenizei pela disponibilidade e elogiei por todas as belíssimas reflexões e naquele momento vi sim uma nova postura de educadora, uma evolução significativa. A partir dali, ela estava disposta a ajudar sua colega com tudo o que tinha aprendido. Em outubro daquele ano, Maria estava cada mais feliz com seus alunos, percebia-se a grande relação de cumplicidade entre eles, era perceptível a alegria de estar na escola, como reflexo de suas boas práticas sua turma era muito assídua, sendo uma das melhores salas de frequência da escola. Já que estamos falando do mês em que se comemora o dia do professor, a escola preparou com muito carinho e amor, um café da manhã em homenagem para todos e recebemos os profissionais com lindas rosas naturais. Fiz questão de entregar pessoalmente a rosa de Maria, agradeci por tudo que me ensinou, falei de como me sentia orgulhoso de tê-la em meu grupo. Com um forte abraço ela me deu um agradecimento recíproco, ali findou mais um ciclo no qual passamos juntos pelo processo e cujos desafios enfrentados tornaram nossa caminhada em aprendizado. Ainda ao longo daquele mês, aconteceram muitas emoções, mas a maior de todas foi a alegria das crianças na comemoração do dia delas. Maria preparou-se toda para a festa, a escola decidiu encantar as crianças e os professores deveriam estar fantasiados de personagens infantis. “Quem diria” – disse Maria – “em toda minha trajetória de professora depois de muitos anos irei me fantasiar” e diante de vários pedidos de sim, ela disse que estaria disposta e que valeria a pena se fosse para ver a alegria e a satisfação das crianças. A festa se concretizou no sábado, Maria se preparou toda para o grande dia, mandou fazer fantasia e tudo, estava linda de mágica, Entre (atos) do Ofício II

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todos lhe deram muitos elogios da belíssima fantasia. Pelo cuidado e o amor com que preparou suas lembrancinhas, era notório o quanto ela fez com carinho. No entanto, depois de decorrer várias vivências que contribuíram para meu relato, não poderia deixar de encerrá-lo com a atitude que para mim foi a mais louvável possível. No final do ano letivo, sabemos que por não termos uma sala homogênea sempre terão alguns alunos que por algum motivo não conseguem consolidar habilidades necessárias para prosseguir para a próxima etapa escolar, Maria teve a belíssima iniciativa de se propor e doar três dias na semana do seu tempo no contraturno para atender às dificuldades daqueles alunos. Fica provado o quanto seu senso de responsabilidade contribui para a grande profissional que se tornou, teve a sensibilidade de atender seus alunos para que pudessem a partir de um reforço, conseguir acompanhar seus colegas de sala e poderem ter a oportunidade de um atendimento individualizado para conseguir sanar suas dificuldades e consolidá-las. Assim, encerro meus relatos, espero que ainda tenha a oportunidade de conhecer muitas Marias, assim como a que puder ser formador e condutor para um caminho de ressignificação da profissão, como se seu perfil estivesse escondido e só estava esperando para ser desvendado, sendo possível por conta de sua humildade em reconhecer que precisava de ajuda e a busca constante pelo aprendizado. Hoje, relatos feitos pela professora sobre seu processo de formação trazem-me todo um resgate das ações que juntos desenvolvemos para essa grande descoberta. Foi um trabalho que resultou em um aprendizado extraordinário para meu processo de qualificação, pois foi assim que puder ver que não podemos julgar ninguém por estereótipos, precisamos conhecer e ouvir o outro antes de nos posicionar diante de qualquer situação. Tenho certeza que saio um novo profissional a partir dessa experiência. A oportunidade de poder torná-la pública me enraíza o desejo de que a partir dessa leitura possa tocá-los, despertando uma curiosidade do que possuímos oculto, precisando apenas de um novo olhar para se mudar. 104

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Um relato de experiência: da descoberta da educação à vivência como educador ___________________ Francisco Welton Gomes Damasceno

Sentado lá fora, no batente de casa, avistando as crianças mais velhas indo em sua maioria uniformizadas e com mochila nas costas, ou com um caderno em baixo do braço, protegidos por sacos reaproveitados de arroz, estava eu alimentando uma curiosidade que só aumentava. Para onde eles iam tão felizes, sorrindo, conversando, brincando uns com os outros? Assim era o trajeto diário daquelas crianças, em direção a um lugar até então desconhecido para mim: a escola. Logo questionei a minha mãe, Professora, sobre o que havia de tão interessante nessa tal de escola, pois sempre presenciava um grande número de crianças indo em direção a esse lugar. Foi então que a minha mãe me disse que na escola aprendemos a ler e escrever, desenhar e pintar, correr e brincar e tudo mais que eu pudesse imaginar. A partir de então, eis que surge meu encantamento pela educação. O que fazer para estudar? Pedia insistentemente a minha mãe: você precisa me levar até esse lugar. Posteriormente, logo ao iniciar os estudos, pude conhecer e constatar que aquele lugar, que a mim tanto interessava, era realmente propício à felicidade. Não eram à toa todo meu encantamento, minha curiosidade. Sempre tive grande respeito por meus professores. Admirava a maneira como lecionavam. Tia Lúcia, ainda na alfabetização, e suas chamadas individuais de leitura ao modo tradicional, mas nem por isso inadequado, muito pelo contrário. Eu, por exemplo, me sentia na obrigação de ler bem para atender as expectativas da professora que tanto amava e que reconhecia meu esforço enquanto educando. AluEntre (atos) do Ofício II

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no por aluno, ela chamava todos à sua mesa, com toda a paciência e doçura que nós precisávamos, e nos orientava, chamava nossa atenção quando necessário, mas sempre nos parabenizando e nos incentivando a melhorar. No segundo ano, antiga primeira série, a mais incrível e marcante de todas as minhas professoras: Tia Zeneida, que também era chamada por mim de mamãe, principalmente em casa. Pois bem, a mulher que eu mais amava, e mais amo nessa vida, a responsável pelo meu encantamento inicial pela escola e pela educação, a quem eu sempre admirei e respeitei dentro de casa, agora tornava-se também minha professora. Era estranho e ao meu tempo mágico observar como ela, dia após dia, conquistava as crianças uma por uma, sem exceção, de olho em suas especificidades. E conseguia educar com amor a todos, inclusive a mim. Tia Zeneida sempre demonstrava o desejo de conhecer seus pequenos, suas dificuldades e potencialidades, desenvolvendo uma conexão humana de amor e respeito sem igual, mostrando-se conhecedora e consciente do quanto cada aluno seu era importante, sempre nos apoiando em nosso crescimento, mesmo que este fosse pequeno, pois o tamanho da conquista não importava. O que importava mesmo era que ela acontecesse para todos de alguma forma, respeitando o tempo e o que cada um poderia dar em cada momento, em cada atividade. Recordo-me que chegava em casa e a questionava sobre o porquê dela não me dar toda a atenção que eu recebia em casa, sendo que eu era seu filho e não somente seu aluno. E ela, com muita firmeza, sempre deixava claro que ali na sala de aula eu era, antes de qualquer coisa, um dos seus alunos; a cobrança ao aluno que também era seu filho seria ainda maior. Foi assim que eu aprendi desde muito cedo e cresci sabendo que não teria privilégios por ter uma mãe professora, e sim ainda mais obrigações por carregar tamanha responsabilidade. Tia Zeneida era uma mãezona. Ver aquele monte de crianças amando-a tanto, os pais sempre muito carinhosos e gratos a ela, só me enchia de mais e mais orgulho e felicidade. Eu tinha o privilégio de ter 106

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aquela tia ali da frente, de todos enquanto professora, sendo só minha mãe ao chegar em casa. Nos anos seguintes vieram outras grandes educadoras que contribuíram significativamente para minha formação. Entre elas Martinha, que insistia em nos ensinar inglês visando nosso futuro, mesmo estando na quarta série; tia Betânia e seu alto astral inconfundível. Talvez esse respeito e grande admiração tenham sido os responsáveis pela escolha da minha atual profissão, ou, quem sabe, eu apenas quisesse ser marcante na vida das pessoas como os meus professores foram na minha. Mas como nem tudo são flores, mais tarde, com o decorrer dos anos, algo passou a me incomodar: as aulas onde as professoras exigiam que as respostas fossem iguais às suas. Escrever com as próprias palavras era considerado incorreto, inadequado. Era algo que não entendia e muito menos aceitava, afinal, isso não condizia com a escola que eu idealizara. O que nos era proposto: decorar as respostas do questionário. Sempre em período de prova recebíamos um questionário, uma revisão. Quando uma das questões caía na prova, tínhamos que responder exatamente da mesma forma que havíamos copiado no caderno, ou seja, qualquer detalhe esquecido era motivo para a questão ser considerada errada. Sempre me questionava: como nossa criatividade, nossa vontade de dar identidade ao que fazemos pode ser considerado algo inapropriado? Tempos depois descobri que em sua obra Pedagogia do Oprimido, o educador Paulo Freire discorre sobre o caráter bancário existente na educação, um tipo de procedimento que acredita que educar limita-se a um ato de depositar um saber pré-fabricado. Neste caso, o aluno é visto como uma espécie de banco, onde é possível depositar o conteúdo; feito o depósito, o objetivo do professor foi alcançado. Esta reflexão levanta questões bastante profundas sobre esta concepção de educação e sobre a situação do aluno perante ela. Quando os alunos recebem do professor, através do ensino, apenas um depositar contínuo de informações que possuem sempre um Entre (atos) do Ofício II

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mesmo caminho, uma metodologia onde o repassar para que se memorize é o foco, eles se tornam “objetos pacientes, ouvintes”. (FREIRE, 1987, p. 33). A educação bancária é um conceito que explicita uma postura segundo a qual alguns são muitos sábios (professores) e outros ignorantes (alunos). Os primeiros por serem os sábios, detentores do conhecimento, precisam transmiti-lo porque se julgam superiores aos demais, perpetuando o que o autor classifica de “ideologia da opressão, absolutização da ignorância e alienação da ignorância”. (Idem, ibidem, p. 33). Obviamente que tal maneira de trabalhar não é a mais eficaz, pois ao ser obrigado a somente decorar certo conteúdo exposto pelo professor, o aluno pode inclusive acabar se desestimulando. Acreditar que enquanto educador o seu papel seja preencher os alunos, como se eles fossem recipientes, acaba por prejudicar ambos, educadores e educandos. Em uma perspectiva contrária a esta, os alunos devem ser reconhecidos como os que fazem, que criam. Eles devem se transformar durante as relações com o professor, pois, caso contrário, “não há criatividade, não há transformação, não há saber”. (Idem, ibidem, p. 33). Paulo Freire conclui que a prática da troca recíproca de saberes adquiridos e o crescimento do indivíduo como ser pensante ficam impossibilitados quando a “educação bancária” é adotada. Os anos foram passando mas a vontade de sair da escola não. Apesar da descoberta daqueles aspectos incômodos. E aí, o que fazer? Precisava dar um jeito de permanecer. O ano era 2011. No interior de Sobral, mais precisamente no distrito de Aprazível, surgia a minha primeira oportunidade de trabalhar como professor. Oportunidade única, ofertada pela então coordenadora - atualmente minha diretora - Rosa Maria e a diretora Roberta César, ambas de grande importância na minha trajetória na educação em Sobral. Lá estava eu, agora do outro lado da sala, em pé, instigando os alunos a sonharem, a aprenderem. Todo o percurso que eu fizera até agora me transformara no educador que ali estava perante 108

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a turma. As leituras e as vivências que tive durante minha trajetória de estudante foram essenciais para a constante construção do que sou. Aprendemos e nos modificamos a cada nova experiência, inclusive no nosso processo de formação enquanto educadores. Acredito que o professor também coordena processos de ação educativas, enquanto o educando é o agente sujeito participante fundamental e a escola é capaz de exercer um currículo de cultura significativo em variadas realidades. A escola deve ser um espaço de trabalho, ensino e aprendizagem. Creio que tudo o que vivemos e aprendemos durante nosso percurso de formação profissional e pessoal são essenciais para o nosso trabalho, inclusive em sala de aula. Ao ter uma boa formação, o professor também se torna capaz de perceber quais conteúdos são “ideais” para uma determinada realidade. Quando o professor traz conteúdos que não se relacionam com o cotidiano dos alunos, o mesmo está esquecendo-os, pois traz para a sala de aula conteúdos que em nada condizem com a realidade deles. Para que as aulas sejam interessantes e participativas, os questionamentos devem ser frequentes. Torna-se indispensável que o professor conheça a realidade em que a escola está inserida, pois é a partir do conhecimento sobre a realidade local e de seus alunos que ele será capaz de produzir materiais que despertarão o interesse, gerando, inclusive uma participação significativa da sua turma. As crianças estão entediadas de tanto ouvirem realidades que não se relacionam ao cotidiano delas, ao que elas esperam vivenciar. Existem assuntos que se bem abordados podem ser relacionados e debatidos de acordo com a realidade dos alunos, sem que se deixe de lado o propósito das disciplinas, mas sim contribua de forma bastante significativa para ir ao encontro da aprendizagem buscada. Quando nós professores cobramos de nossos alunos participação e dizemos que bons alunos são os “participativos”, pois enriquecem as aulas ao interagirem com o conteúdo abordado, estamos fazendo parte, creio eu, de uma minoria. Basta analisarmos o nosso Entre (atos) do Ofício II

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meio, onde o que está sendo valorizado não é esse posicionamento questionador, e sim um posicionamento mais calmo, no sentido de ser levado em conta o comportamento, a obediência etc. Grande parcela dos professores faz parte de um sistema de pensamento que acredita que o bom aluno É aquele que é asseado, estudioso, atencioso e, principalmente, obediente, o que quase sempre significa ser submisso. Ora, com isso pode-se estar criando um indivíduo automatizado, sem iniciativa que será sempre dominado. Se ele não pode ter iniciativas, por mais sensatas que possam ser, no ambiente da escola, possivelmente se sentirá tolhido em fazer isso em outras situações, em outros lugares, e a escola torna-se portanto um local de reforço de tal comportamento. (TOMAZI, 1997, p. 44).

Para se contrapor este modelo o que é realmente importa é criar em sala de aula um ambiente onde o diálogo tenha um papel fundamental, à altura de sua importância. O diálogo entre professor e aluno deve ser fortalecido, fazendo com que as opiniões, de ambos, sejam valorizadas. Ao trazer um conteúdo para sala de aula, o professor deve abordá-lo através de metodologias que sejam capazes de envolver os alunos, fazendo com que eles interajam, participem. Referente a esse assunto, o educador Paulo Freire diz que O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e refazem (...) refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a seguir, atuar criticamente para transformar a realidade (...). O diálogo é a confirmação conjunta do professor e dos alunos no ato comum de conhecer e reconhecer o objeto de estudo (...). Não existe num vácuo. Não é um “espaço livre” onde se possa fazer o quiser. O diálogo se dá dentro de 110

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algum tipo de programa e contexto. Para alcançar os objetivos da transformação o diálogo, implica responsabilidade, direcionamento, determinação, disciplina, objetivos. (FREIRE, 1996, p. 23, 124 e 127).

Para este posicionamento, o papel da educação é bem maior do que o de ensinar a ler e a escrever. Cabe a nós professores notarmos e intervirmos para que ela não se resuma a isso. O diálogo vai contra um ensino onde o “ouvir” e “calar-se” é o mais importante. Devemos ter a capacidade de notar que nessa relação de poder, onde o aluno apenas escuta e concorda, existe um modelo “disciplinador” arbitrário que não condiz com o que buscamos enquanto educadores, haja vista defendermos a troca de saberes entre professor e aluno, educando e educador. Seguindo esta linha, Paulo Freire lembra que os professores devem estar aptos a aprenderem; e se entende por aprender a capacidade de transformar toda uma realidade e não simplesmente adaptar-se a ela. Conforme este entendimento, somente depois do professor ter aprendido, é que ele poderia intervir de forma satisfatória na realidade onde está inserido. Tomemos uma sala da aula qualquer. Ela é composta por uma diversidade de personalidades. Os professores devem aprender a trabalhar com essa diversidade trazida pelos alunos, sempre estando atentos para a importância do respeito às diferenças encontradas ali. Por sua vez, o aluno deve ser sensibilizado para conviver com as diferenças, pois elas estarão presentes em toda a sua vida. Acontece, entretanto, que Muitos professores se dirigem, ou ministram aulas, a um tipo “imaginário” de aluno, que não existe na realidade, mas somente na cabeça de quem ensina. Os docentes, na maioria das vezes, não conseguem trabalhar com a diversidade e a heterogeneidade de classes, raças ou etnias no inteEntre (atos) do Ofício II

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rior da sala de aula, e procuram homogeneizar o que não pode ser homogeneizado, criando assim uma camisa-de-força que enquadra todos num mesmo padrão, quando nos melhores sistemas educacionais e nas propostas pedagógicas mais contemporâneas é fundamental esta diversidade, para que as crianças possam desde cedo viver num mundo real, e não imaginário, desenvolvendo antes de tudo o senso de respeito para com os outros. (TOMAZI, 1997, p. 44).

A escola não pode ser considerada e vista como um local de “adestramento”, onde o papel do adestrador ficaria a cargo do professor. Tal pensamento é ainda mais inadmissível em tempos atuais. Nada de repetição. A escola deve ser um local, onde a construção do conhecimento seja o essencial para a formação dos indivíduos. É ainda Paulo Freire (1996, p. 32) quem lembra: “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”. O educador chama a atenção também para a importância da escola criar no aluno possibilidades para que este consiga reconhecer sua própria presença no mundo, enquanto sujeito que, acima de tudo, é capaz de avaliar e transformar o seu meio. Os professores devem fazer com que o aluno pense, mas para que isso seja instigado em sala de aula, eles precisam saber como e o que deve ser levantado na hora das discussões. Para que os alunos pensem, o professor precisa saber como fazer isso. Retomando o relato. Depois de três anos em sala de aula como professor, parti para novos desafios em busca de novas experiências e consequentemente mais aprendizagem. Durante este período a imagem de uma figura específica, a do coordenador pedagógico, não me abandonava: até fazer a primeira seleção para compor o banco de gestores do município de Sobral, a primeira chance de estar mais perto daquilo que tanto me interessava. Como professor, da sala de aula eu avistava de longe e presenciava de perto as intervenções dos coordenadores. As chamadas de 112

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atenção nos “momentos certos”, o esforço para estarem atualizados e antenados às demandas dos alunos, assim eram os coordenadores. Sempre com uma postura tida como impecável, exemplar, que pouco deixava espaço para uma maior aproximação dos alunos, inclusive afetiva. Não que fosse isto por mal ou proposital; fazia parte do perfil adotado, o que por vezes inibia algumas crianças.

O papel do coordenador na escola, o que ele representava e o que podia alcançar a partir do seu trabalho me chamava atenção. Ele transitava pelas salas, acompanhava várias turmas ao mesmo tempo e dava conta de um amontoado de coisas todos os dias, tudo isso tendo como uma das principais marcas o respeito por ele e sua função. Pronto, passei a pensar que além de professor, agora queria exercer a função de coordenador pedagógico. Mas me veio a questão, acompanhado de um medo entrelaçado Entre (atos) do Ofício II

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a uma dúvida que me assombrava: como eu conseguiria incorporar um “perfil padronizado” para ser coordenador? Como ter uma postura que, por muitas vezes, exige formalidade sem me desfigurar, sem perder a essência, a ternura, os aspectos humanos? Manter-se, na maioria das vezes, com uma postura que transparecesse seriedade, inclusive perante as crianças, seria um desafio para o então “Tio Welton”. Mas quem disse que para ser coordenador pedagógico eu deveria perder minha identidade? Aliás, porque não criar um perfil próprio, tendo como base as minhas características, princípios e compreensão do meu papel enquanto educador? É possível sim manter a disciplina e a espontaneidade ao mesmo tempo, assim como endurecer sem perder a ternura com as crianças. Há como ser “adequado” para a função de coordenador de uma forma natural e autêntica, indo ao encontro do que se espera ao assumir um cargo de gestão. O coordenador pedagógico pode ser firme e flexível ao lidar com tudo que lhe é atribuído diariamente. Desmistificar a ideia dos questionários, dos exercícios exaustivos que por vezes pouco significam para as crianças, procurar estratégias e metodologias atrativas e condizentes com o universo infantil, gerar aprendizado significativo para as vidas das crianças. Tudo isso era e é um dos meus propósitos de educador da rede municipal de Sobral. Aprender com significado, seja de uma forma mais tradicional ou criativa, e fazer com que o aprendizado faça sentido na vida do educando deve ser uma de nossas metas enquanto educadores, seja enquanto professor, coordenador, ou qualquer outra função dentro da escola. Ao refletir sobre minha prática e de onde vinham as criações para os trabalhos em sala de aula, passei a me 114

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questionar sobre quais situações propiciavam as intervenções, o que ocasionavam elas. Foi então que lembrei que as práticas e metodologias sempre surgiam em momentos de “conflitos”, por conta da necessidade de aprendizagem das turmas. O dilema de estar na função de coordenador e não deixar que a proximidade do professor com os alunos fosse perdida, era algo que me desafiava e servia de estímulo para criar um perfil próprio que levasse minha identidade e essência ao assumir a função de gestor escolar. Manter-me próximo e com uma boa relação afetiva com os alunos só foi possível a partir do momento que passei a conhecê-los. Além de ser preciso me conhecer muito bem, eu necessitava conhecer a vida e a realidade de cada criança com quem eu lidava, inclusive por intermédio e contando com a parceria de seus pais e familiares. Quando sabemos quem é o aluno e entendemos suas especificidades, damos um grande passo para a construção de uma relação de sucesso que na educação culmina na aprendizagem. A intenção sempre era fazer com que as crianças aprendessem o que era necessário, exigido para o momento, mas sem deixar que nenhum tipo de pressão ou mal estar chegassem até elas. Com base neste propósito, sempre que eram aplicadas as avaliações internas ou até externas, estudava-se o que os dados diziam e aí surgiam as intervenções, com base nas fragilidades encontradas. Por exemplo, quando era identificada uma fragilidade em um conteúdo específico, pensava-se em uma dinâmica, em um jogo, em uma atividade em grupo, sempre de forma lúdica, descontraída e com um objetivo final: sanar a não assimilação encontrada e propiciar Entre (atos) do Ofício II

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aos educandos uma forma, uma possibilidade diferente de aprender. Afinal, todos estão aptos e são capazes de aprender. O uso de metodologias e materiais didáticos adequados à realidade e aos anseios dos alunos são grandes responsáveis pelo cumprimento do nosso papel de educadores. Cabe ao educador trabalhar os conteúdos de forma criativa, fazendo com que o aluno sinta vontade de descobrir, de aprender, se sinta atraído e envolvido pelos assuntos tratados em sala de aula diariamente. O professor precisa compreender que o que ele traz para seus alunos só será atrativo se for relacionado ao que os educandos anseiam e precisam. Talvez os próprios alunos não saibam, por vezes, o que esperam e almejam para si próprios em determinados momentos, mas nós, enquanto educadores, devemos e podemos fazer com que isso aconteça. A partir do momento que conhecermos a realidade em que estamos inseridos e trabalhamos, seremos capazes de desenvolver estratégias que contemplem a necessidade dos alunos, não só em relação a material didático como também na questão de expandir seus mundos e despertar diferentes formas de descobrirem a si mesmos.

Referências Bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. TOMAZI, Nelson Dacio. Sociologia da Educação. São Paulo: Atual, 1997.

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a gestão escolar no contexto das relações interpessoais e sociais, para além dos muros da escola ___________________ Jóina Maria do Espírito Santo

Cada um carrega consigo as marcas das experiências vividas, sentidas e observadas. Surge o segundo convite para mais um novo desafio. Eu, professora alfabetizadora e então coordenadora pedagógica, apaixonada pela função, rodeada de tantos episódios intensos de aprendizagem, de crescimento de amadurecimento, estava sendo privilegiada com a oportunidade de tornar-me gestora escolar da rede municipal de Sobral, uma vez que havia sido aprovada na seleção meritocrática. Era uma tarde de dezembro, daquele dezembro onde tudo parecia acontecer ao mesmo tempo, quando adentrei a sala do Prof. Júlio Cesar da Costa Alexandre, então Secretário da Educação, coração apertado e ao mesmo tempo acelerado, mais do que o habitual. Muitas dúvidas e uma única certeza: desejo oferecer o melhor de mim a este município que foi o divisor das águas, o recomeço para tantos e para mim também. Ingênuas pretensões. Hoje eu posso dizer que recebi tanto quanto ofereci, aquisições tão valiosas que nenhum preço pode ser atribuído. São ganhos e trocas tão abstratos quanto essenciais, hoje arraigados ao que me tornei e venho me tornando a cada momento, a cada conversa, a cada decisão, a cada problema a ser enfrentado, a cada vitória a ser comemorada. Muitas foram as informações recebidas numa conversa onde eu ouvia e me reportava aos passos a serem dados logo em seguida. Eram muitas mudanças que precisariam ocorrer, mas é como se, de certa forma, estivesse “arrumando a bagagem” das experiências vividas para dar a elas outras finalidades. Entre (atos) do Ofício II

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Entre perguntas e esclarecimentos algumas frases marcantes foram ditas pelo Prof. Júlio, entre elas: “Você deverá fazer um trabalho considerando o contexto comunitário, esse é o seu perfil e é isso que também esperamos de você!”. E eis que volto ao que disse no início sobre marcas vividas. Impossível não voltar ao tempo! Recordo-me da infância marcada por intensas lembranças de trabalhos comunitários, realizados pelos meus pais, pelos companheiros de trabalho dos mesmos e cúmplices nas empreitadas e nos sonhos. Por vezes estava eu lá, nas comunidades rurais (algumas inclusive sem energia elétrica, mas tão iluminadas que a ausência da luz artificial tornava-se apenas um detalhe), apreciando talvez até sem entender, a formação de associações comunitárias, o embrião do Grande Conselho Comunitário de Santana do Acaraú. Impossível não lembrar a experiência como professora da zona rural, numa região de assentamento. O que já instiga muitas percepções sobre o que pude vivenciar: professora com funções por vezes administrativas, já que a escola não tinha naquele momento funcionários como diretor, coordenador, enfim. Tínhamos que ser agentes comunitários, e isso era tão prazeroso quanto por vezes difícil. Pois deveríamos ter condutas imparciais e justas diante de situações comunitárias que respingavam no contexto escolar, como as eleições para diretoria do assentamento. Enquanto ouvia as considerações que estavam sendo feitas pelo Prof. Júlio, eu me via naquele recanto da memória, convicta do quanto as nossas experiências e a forma como as encaramos nos tornam maduros e nos ajudam nas tomadas de decisões. Radiante, grata à Deus, e não menos ansiosa com as providências a serem tomadas, a caminhada até em casa foi povoada de intensos pensamentos sobre o que me aguardava. Era minha vida e a de outros que dependiam de mim que estava sendo colocada em questão, que seguiriam novos rumos. Morava em Santana do Acaraú, com o Vinícius (meu único filho, na época com 9 anos) e a Brena, pessoa da família que veio morar co118

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nosco. Assumia o papel de cuidar do meu filho durante o dia para que eu pudesse me ausentar para trabalhar no município de Sobral. Intercalávamos o papel de mãe. Essa menina ativa, cuja companhia foi um presente de Deus para mim e para o Vinícius, foi alguém de suma importância para que eu pudesse usufruir das oportunidades na minha vida profissional, pois sem o apoio da mesma tudo teria sido bem mais difícil e adiado por mais tempo, sem dúvida. Eis o motivo dela estar presente nesse relato: é uma forma de ser grata, de reconhecer a parte que cabe a ela nessa história. Quanto a falar do Vinicius, não há palavras suficientes, é minha vida por extensão. Enfim, a responsabilidade para com os dois tornava a experiência um tanto ousada, tendo em vista as mudanças necessárias, de cidade inclusive, depois de 33 maravilhosos anos morando no mesmo lugar. A minha decisão também abarcava o mundo deles, entrelaçados ao meu. Meus pensamentos sobre isso, sobre os planos que fiz, sobre preparar tudo, estão vivos em minha memória e ficarão, tenho certeza. Passos firmes, cabeça erguida, tudo era alegria e lágrimas, pois quando é hora de partir para outros rumos há riquezas que ficam, mas ficam em parte, porque de certa forma levamos um pouco conosco, entre as lágrimas e correria a despedida e a chegada. Eis que inicia-se mais uma rica e intensa experiência profissional. Estou fazendo uso da escrita para reviver e eternizar essa experiência inicial como gestora, um grande marco na minha história. Gostaria, entretanto, que houvesse um mecanismo capaz de registrar cada palpitação, o choro meio que preso, motivado pela emoção (estamos na ESFAPEGE, Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional, eu e outros colegas, na oficina de produção deste trabalho, estou me esforçando para que as lágrimas não me denunciem, tentando esconder o riso sutil e solitário...). Foi assim que, de professora efetivada em concurso público na rede municipal de Sobral, com a experiência de maravilhosos quatro anos exercendo a função de coordenadora pedagógica, cheguei à Entre (atos) do Ofício II

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função de Diretora Escolar, compartilhando saberes e vivências com pessoas como a Professora Lucivânia Soares da Costa, a quem atribuo muito do que me tornei, e não menos a outros colegas com quem tive a honra de poder contar. Cheguei à Escola José Arimatéia Alves, no Distrito do Bonfim: olhares apreensivos, território desconhecido, tudo novo para todos os envolvidos naquele momento de reestruturação da escola para o ano letivo de 2013. Fui apresentada aos funcionários e professores em reunião na própria escola, acompanhada pelas representantes da Secretaria, entre elas a superintendente adjunta administrativa Jacira Gomes Pimentel, pessoa por quem tenho enorme carinho e respeito. Momento inicial e importantíssimo de integração com a comunidade escolar e equipe de trabalho, nervosismo à flor da pele e a decisão de não falar nada além do que minhas aspirações e força de vontade fossem capazes de realizar. Intenção de iniciar uma relação respeitosa, de escuta, de observação, sem claro abrir mão das convicções ou da autonomia para tomadas de decisões necessárias. Ouvi os que se propuseram a falar naquele momento e me senti muito acolhida por todos; tornaram-se grandes companheiros e esse registro terá essa parceria como marca. A partir da reunião, iniciaram-se as atividades preparatórias do ano letivo, o olhar precisava obrigatoriamente ser mais amplo. Antes, em momentos como este, minha maior preocupação era a dimensão pedagógica: a chegada dos professores para o encontro inicial, o acolhimento das crianças e todas essas questões inerentes ao trabalho do coordenador pedagógico. As observações que fazia então sobre o trabalho de colegas gestores, especialmente da Profª. Lucivânia Soares da Costa, muito me ajudaram. Ressalto que a parceria com essa grande diretora foi muito relevante. Inclusive veio dela e de outros colegas o incentivo para que eu participasse do processo seletivo. Vejo na Profª. Lucivânia, a quem carinhosamente chamo de “Lú”, alguém que com sua inteligência, profissionalismo e sensibilidade percebe além; sou muito grata pelo que me proporcionou, me alertando, lapidando diariamente, confiando e dando oportunidade de também 120

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conhecer algumas questões administrativas. Desse meu início como diretora escolar guardo momentos cujas lembranças despertam risos e trazem boas recordações. São momentos por vezes tão simples e comuns, mas constituídos de sentimentos marcantes, que acho só quem viveu situações similares entende o que vou escrever aqui. Um deles aconteceu por ocasião da primeira visita a uma das unidades da Escola Pólo, a Extensão Francisco Alves. Na visita estava comigo alguém muito importante, grande companheira de trabalho, excelente profissional e amiga inseparável naquele momento de chegada ao território desconhecido, Maritânia Cardoso de Oliveira, que permaneceu durante a gestão como professora, não pelo vínculo de amizade, mas pelo mérito que adquiriu diante da comunidade escolar, fruto do seu trabalho e profissionalismo. O que registro aqui, hoje provoca risos. Mas naquele momento da chegada e de tantas informações a serem assimiladas, causou-me receio e inquietação. A Extensão a que me referi encontrava-se em reforma, já muito próximo do início das aulas. Fui recebida pelo Sr. Antônio Evando, vigia. Ele fez inúmeras reivindicações. Eu as ouvia quase que simultaneamente. Para expressar com palavras o que elas representavam digo que elas meio que ecoavam aos meus ouvidos assim: “As aulas estão começando, a reforma precisa acelerar, precisamos comprar várias lâmpadas, o gás da cozinha precisa ser trocado....”. Em segundos ele ouviu de mim um dos muitos pedidos sinceros que fiz enquanto estivemos trabalhando juntos: “Não diga mais nada, senão eu corro daqui e não volto mais!”. Com isso quebramos a tensão caímos na risada!!! Ah... resolvemos tudo, com apoio de muitos, o suporte da Secretaria da Educação, as orientações da Ticiane, colega a quem eu estava sucedendo na direção naquele momento. Situações como essa ocorreram muitas, em vários contextos e eu ia aprendendo com cada uma delas. O meu jeito de resolver as coisas ia sendo apresentado, elogiado ou criticado e assim fui me estabilizando como diretora da escola da comunidade, com orgulho de quem sabe que fez a escolha certa! Entre (atos) do Ofício II

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Do muito que poderia ser relatado vou me deter nas experiências voltadas para o fortalecimento das relações interpessoais e da relação escola/comunidade como mecanismos de desenvolvimento local. Durante o ano é comum nas escolas a realização das reuniões administrativas e pedagógicas para alinhar as ações a serem realizadas, discutir resultados e intervenções. Em um determinado momento de planejamento com o núcleo gestor para um desses encontros, alguns questionamentos deram início a uma longa conversa sobre como ressignificar as ações na escola, de forma que cada um se inteirasse da sua função, sem que essa apropriação individual desconsiderasse a essência do trabalho em grupo, tão primordial para o desenvolvimento da escola e da sociedade que se quer formar.

Após relatarmos a existência de entraves, situações pontuais e adversas, como incompreensões entre colegas, dificuldade em fazer 122

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com que algumas pessoas colaborassem com atividades coletivas, lancei ao grupo - coordenadores, secretária e agentes administrativos, esses por sua vez membros também da comunidade local - a proposta de pensarmos as atividades a serem realizadas, de uma forma diferenciada, ressignificando-as, dando a elas uma “identidade”. Surgiu a ideia de conhecer mais de perto a comunidade onde estávamos inseridos, entrou em cena com força total as visitas domiciliares no início do ano letivo. Sobre a organização das visitas é importante saber que a Escola José Arimatéia Alves forma o pólo da região, junto com quatro extensões: Extensão José Rodrigues, na localidade de Várzea Redonda; Extensão Francisco Alves, situada na sede do distrito; Extensão Dr. Paulo Almeida Sanford, localizada no Setor VI-, conhecido também como Serrote do Piaba; Extensão Dr. José Júlio, situada na localidade do Estreito. Considerando a distribuição geográfica das famílias na região e a série que as Extensões atendiam, todos os alunos eram atendidos pela Escola José Arimatéia. É importante a descrição dessa distribuição do atendimento para justificar a decisão das visitas, para as quais todos os funcionários e professores foram convidados a participar. À medida que planejávamos a atividade, percebíamos que havia pessoas no contexto escolar que por mais de uma década prestavam serviço à comunidade mas não conheciam de perto algumas realidades. Essas visitas deram esta oportunidade a esses profissionais, o que já tornou-se positivo para todos os envolvidos. Essas visitas exigiam toda uma logística: desde a distribuição das pessoas para os locais que precisavam conhecer, até a abordagem que seria feita, que não deveria ser de cobrança mas sim de visita cordial, de estender a mão amiga e dizer: Nós somos a escola e você é muito importante! Ao término das visitas, compartilhávamos as vivências em um espaço onde, na maioria das vezes fazíamos um almoço de confraternização. Era muito gratificante, todos nós éramos de alguma forma surpreendidos. Lembro-me da menina Jéssica, portadora de neEntre (atos) do Ofício II

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cessidades especiais. Por ocasião de uma dessas visitas tivemos a oportunidade de conhecê-la e trazê-la de volta à escola, assim como de pleitear, juntamente com a mãe, atendimentos necessários para a condição dela, como aqueles prestados pela APAE. Foi desafiador, não resta dúvida. Trouxemos a Jéssica e com ela tivemos que repensar a escola para atendê-la, desde o cuidador, do transporte, até o espaço onde ela seria atendida. A forma como os professores e demais funcionários falavam da experiência das visitas me deixava muito feliz. Seria esse o caminho. As relações foram sendo fortalecidas, o sentimento de pertencimento era gradativamente fomentado no âmbito da escola. A comunidade aproximou-se não somente pelas visitas domiciliares mas por todas as outras ações pensadas para viabilizar essa integração. A partir das visitas foi se construindo uma teia que nos conectava, nos aproximava dos companheiros da própria escola e também da comunidade. A cada atividade mais conexões eram estabelecidas. Sempre que planejávamos as ações da escola, mais ideias surgiam ligadas pelo sentimento de unificar os objetivos e fortalecer as relações sociais e interpessoais. Foi quando criamos a identidade dos nossos encontros mensais ou bimestrais, conforme a necessidade: passou a ser chamado de “Encontro Entre Amigos”. Assim começamos a planejar nossos encontros, que para além dos encaminhamentos pedagógicos e administrativos, passaram a ser também momento de encontro e confraternização, inclusive dos aniversariantes do mês. A Escola José Arimatéia Alves, sem desmerecer nenhum dos significativos trabalhos realizados em gestões anteriores, foi se constituindo numa equipe de grandes parceiros. Todos por todos. Nossas limitações individuais, nossos pontos de reflexão eram ofuscados pelo brilho do nosso trabalho coletivo. Existia uma sintonia entre os integrantes. Particularmente eu tinha um envolvimento com cada um, de forma que chegávamos a ser cúmplices em muitos momentos nas alegrias e dores pessoais. Volto aqui ao início desse relato, fazendo uma ligação com o que disse sobre as experiências que me marcaram. A pretensão é fazer com que o leitor perceba que há muito 124

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dessas experiências pessoais na relação que foi se construindo com o grupo em que eu estava me tornando diretora; Digo me tornando porque na prática a seleção, os cursos de formação abrem caminhos, servem de alicerce, mas a verdadeira profissional é lapidada no contexto diário, “no chão da escola”. É no fazer diário que as teorias são testadas, por vezes questionadas e ampliadas. A partir do momento que fomos nos fortalecendo como equipe, ultrapassamos os muros da escola. Não da noite para o dia, não num passe de mágica, não de uma forma pontual. Mas sim, dia após dia, a cada atividade pensada, a cada projeto idealizado. Nesse aspecto a credibilidade e o respeito adquirido ao longo do tempo foram nossos aliados. A vida da escola pertencia à comunidade, a vida da comunidade pertencia à escola. Por conta dessa permuta de papeis conseguimos deixar registrado na nossa história no Distrito do Bonfim e nas demais localidades feitos que considero grandiosos. Ressalto aqui: a qualificação do processo de ensino aprendizagem; a consolidação dos resultados de aprendizagem; a ampliação do atendimento da educação infantil, para o que foi determinante a ação intersetorial com a Unidade Básica de Saúde local; o fortalecimento e ampliação do atendimento da Educação de Jovens e Adultos; a participação da escola nas atividades artístico-culturais municipais e estaduais, com recebimento de prêmios de reconhecimento, como foi o caso da participação no Projeto Peteca; o recebimento de premiações municipais e estaduais referentes ao cumprimento de Entre (atos) do Ofício II

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metas de aprendizagem; crescimento do IDEB a cada etapa da aplicação da Prova Brasil. Na condição de gestora, tive muitos desafios mas também momentos de grande alegria, como foi com o reconhecimento de um órgão federal, que possibilitou a dois alunos da escola serem condutores da tocha olímpica na solenidade em Sobral. O brilho nos olhos desses adolescentes era radiante diante da oportunidade dada. Creio que isso parece algo muito simples, mas não para um adolescente que terá uma boa história das Olímpiadas para contar. O Ministério da Educação, em carta convite, justificou que a Escola estava sendo convidada a representar o município naquele momento da Olimpíada, considerando o constante crescimento da mesma nos resultados das avaliações de larga escala. À medida que construíamos a história da escola e consequentemente a nossa história, vivenciamos muitos desafios, em vários âmbitos. Por exemplo: a necessidade de administrar com grande zelo e cuidado os recursos financeiros, a constante qualificação da formação individual e desenvolvimento dos profissionais da escola. Nesse aspecto nem sempre era tão confortável levar o outro a olhar as situações considerando as suas fragilidades. Mas com zelo e confiança foi possível caminhar e isso é muito positivo. Tendo como referência a meta de ressignificar as ações cotidianas e construir uma identidade ao longo da caminhada, percebemos o quanto houve de refinamento no olhar de cada um sobre a escola. Isso era sentido nas falas, nas ações, nas relações interpessoais. Vez por outra éramos surpreendidos por atitudes singelas de companheirismo, de cumplicidade que nos alegravam grandemente. A boa energia era sentida pelos que chegavam e isso nos deixava de certa forma envaidecidos. Aos poucos a equipe foi se transformando. Entre a chegada de alguns e a saída de outros, as mudanças de função, tudo fluxo natural das coisas, o essencial permanecia, a identidade da equipe estava impregnada, do brasão da escola desenhado na parede às atitudes de pertencimento demonstradas no cotidiano. Alguns mais proativos outros não, cada um com suas contribuições, inclusi126

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ve os prestadores de serviços. Enfatizo aqui por exemplo os nossos motoristas e colaboradores. Recordo-me das inúmeras vezes que pudemos contar com a cordialidade de amigos de outros setores, não somente da Secretaria da Educação mas, de outras secretarias. Exemplo forte é a Secretaria de Segurança e Cidadania, que sempre esteve presente nos momentos das atividades noturnas e em outros em que foram solicitados. Ressalto esses profissionais para exemplificar a importância do desenvolvimento de parcerias. Ao longo do percurso surgiram dificuldades, muitas. No ano de 2015, no mês de dezembro, um daqueles dezembros onde tudo parece acontecer - quem conhece a vida escolar sabe que esse é um dos meses muitos atribulados, por ser a finalização do ano letivo corrente e simultaneamente a preparação do ano seguinte -, tive um sério problema de saúde que me obrigou literalmente a me ausentar da escola. Fiquei sem chão. Acometida com uma trombose venosa, com inúmeras atividades a serem realizadas, testemunhei uma comprovação que ultrapassou todas as minhas expectativas: a equipe de que eu fazia parte na função de gestora conduziu com maestria o desfecho do ano letivo. E como se não bastasse, esteve ao meu lado, viveu a minha dor e me deu a força que eu precisava naquele momento. Me senti plena. Não que o meu reconhecimento do potencial de cada um só tenha acontecido nesse momento. De forma alguma. Apenas ressalto que vivi o meu momento de ausência e eles se perceberam grandes, maduros e maravilhosos parceiros. Sei que lerão este relato e sei também que se reconhecerão em cada uma das minhas palavras, evitando assim que eu cometa injustiças. Para finalizar esse relato, registro um momento dessa caminhada que se reporta aos dias atuais, quando a história contada parece recomeçar, noutro cenário e com outros personagens. Refiro-me ao período compreendido entre final do ano de 2016 e início do ano de 2017, período peculiar para quem constitui a gestão municipal, o momento em que se inicia uma nova gestão. Dúvidas, incertezas, Entre (atos) do Ofício II

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apreensões quanto ao novo formato. Felizes pelo fato de podermos dar continuidade ao nosso projeto educacional em rede, mas inseguros com as mudanças sinalizadas. Mudanças em quase todas as secretarias. A conversa com o Prof. Francisco Herbert Lima Vasconcelos, Secretário da Educação recém nomeado, incluiu o convite para continuar no quadro de gestores municipais, porém em outra escola. Conversa boa, uma aprendizagem ímpar embora dolorosa naquele momento. Chorava mais do que conseguia proferir alguma palavra de agradecimento pela nova oportunidade. Tentava explicitar as minhas razões para continuar onde estava, falava do que ainda desejava fazer, falava por aqueles que lá iam ficar, aquelas riquezas que a gente sabe que tem mas que não consegue levar consigo. Uma confusão de sentimentos sobre as providências a serem tomadas. (Percebem as marcas das experiências, vividas, sentidas e observadas?). A expectativa da ida para um novo espaço era temporariamente suprimida pelas raízes fincadas naquele chão, o Distrito do Bonfim e suas localidades, trechos e vielas. Lugar onde eu me descobri como diretora, onde me foi dada uma missão e missão dada precisa ser missão cumprida: espero humildemente ter atendido as expectativas, ter sido capaz de fazer tudo o que falei no início (na chegada à escola) e que as minhas aspirações tenham se tornado realidade. A dor da saudade e as incertezas se dissiparam quando houve o entendimento de que é preciso continuar, e de que isso seria possível. Recebi e acolhi de forma muito respeitosa a minha nova oportunidade: Escola Elpídio Ribeiro da Silva de E.F./E.I., localizada no Distrito de São José do Torto../, Tantas diferenças, tantas semelhanças e mais que isso o presente de muitas presenças boas que hoje dão continuidade a minha história de gestora municipal, a esses novos companheiros de caminhada e de tantas situações já experimentadas o meu mais profundo respeito e sentimento de gratidão. Quero deixar dito afinal que eu precisava registrar todos os detalhes acima para tornar convincente um pensamento que sintetiza 128

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Encontro entre Amigos: Despedida da Escola José Arimatéia Alves, Distrito do Bonfim - 22/01/2017.

tudo. No fortalecimento das relações está a chave para uma caminhada exitosa, em que os vários papeis necessários e importantes vão se construindo, em que não há função mais ou menos importante no contexto escolar, em que todos são protagonistas e colaboram para a garantia do essencial: o ensino e a aprendizagem dos alunos e a consequente transformação social.

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O caminho do reconhecimento: como me compreendi ao compreendê-los ___________________ José Wellington Rodrigues de Lima

“Quem quer ser professor de Língua Portuguesa da rede municipal de Sobral?” Essa foi a pergunta lançada pela professora Edinete Tomás aos acadêmicos do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. A oportunidade de ingressar na carreira docente estava batendo à porta. O jovem futuro professor arrisca-se, mesmo que receoso, e empreende um novo caminho. A escola Ivonir Aguiar Dias de Ensino Fundamental era o estabelecimento de destino. Inicialmente, os comentários acerca do futuro local de trabalho não foram os melhores. O contexto social em que a escola estava inserida não aparentava ser acolhedor e/ou seguro, entretanto foi o palco da primeira experiência que serviu como formação para o perfil do professor que hoje relata esses fatos. Ao apresentar-me ao diretor escolar, Raimundo Sales Canuto, e à coordenadora pedagógica, Luzivânia Bezerra, fui motivado e senti-me confortável, pois eles, compreendendo a situação de inexperiência na qual me encontrava, resguardaram-me, com responsabilidade, da carga de exigências que somente profissionais experientes conseguem suster com maestria. E assim, preparei-me para a aula inaugural de Língua Portuguesa em uma turma de 7º ano. A primeira aula foi um fiasco e serviu como processo reflexivo, gerando um questionamento: “Essa é, realmente, a carreira que desejo seguir?”. Ao chegar à escola como profissional novato e inexperiente, a solidariedade dos colegas veio ao encontro das necessidades. Dessa forma, surgiram inúmeros “conselhos”: “Seja rígido!”; “Não sorria! Professor que chega sorrindo faz papel de besta.”; “Mantenha os alunos ocupados. Passe a maior quantidade de questões que pu130

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der.”; entre outros. No entanto, nenhuma dessas informações surtia efeito. Dar aula na sala X ou na sala Y era motivo de desespero, pois a ausência de autoconfiança aliada à inexperiência suscitava insegurança que, provavelmente, contribuía para a desarmonização da aula. Mas, em meio a esse desconforto, uma fagulha de esperança surgia, apoio de profissionais (professores, coordenadores e diretor): “Calma, você se habitua. Todos passam por isso.”. A questão, de fato, era descobrir que tipo de professor eu desejava me tornar. De quais ferramentas devia lançar mão para criar um perfil condizente à necessidade ali solicitada. E até perceber isso, os conflitos internos só cresciam. A figura do professor almejado com a do professor ali presente não convergiam, eram antagônicas e desproporcionais. Mais uma vez o que veio em auxílio foram os momentos reflexivos acerca da prática ali aplicada, sem mencionar a atenção e apoio dos colegas. A postura austera adotada como recurso impositivo do bom comportamento até apresentava alguma eficácia em certo momento. Mas picos de bom comportamento não resumem uma boa aula, bons alunos ou bons professores. Manter os alunos ocupados com atividades do livro didático tampouco reflete um trabalho proveitoso, a não ser que o objetivo seja único e exclusivamente prender a atenção deles. Assim, qual seria a próxima etapa a ser trabalhada, vencida ou alterada? Uma visita ao intervalo dos alunos deu início a um novo processo: a compreensão de como eles eram enquanto pessoas adolescentes descobridoras e vivenciadoras de um mundo nem sempre justo ou adequado para a formação de seres humanos participantes ativos da sociedade. Estar com eles, inicialmente, lhes causou espanto ou admiração. O fato de o professor não estar na inacessível sala dos professores durante o intervalo levou a questionamentos como: “O que o senhor está fazendo aqui?”; “Por que não está na sala dos professores?”. Naquele momento o professor era um intruso, um intrometido que veio “ameaçar”, com possíveis advertências, o desenrolar das brincadeiras cotidianas. Uma segunda visita, uma terceira e Entre (atos) do Ofício II

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outras subsequentes se tornaram monótonas e solitárias. Havia uma parede invisível entre os alunos e o professor intruso. Foi então que resolvi ser realmente intruso. Tomei a atitude de interagir com os alunos em certa brincadeira. A qual era, na realidade, uma simples competição de dança entre eles, e eu, fazendo uso das habilidades que adquiri em aulas de dança, os surpreendi ao me apresentar como dançarino. Assim, a arte foi a ponte necessária para desmistificar as figuras de professor e aluno, e ali se divertiam apenas pessoas sem as distinções hierárquicas. A barreira foi rompida, não completamente, mas, de certa forma, consegui adentrar ao círculo de socialização dos alunos. Todavia isso não significa que o ambiente da sala de aula esteja conquistado ou que a partir de então os percalços serão superados. Minha aproximação com os alunos, no curto tempo do intervalo escolar, foi o que promoveu uma observação reflexiva mesmo que de forma inconsciente. Sem perceber, desatando nós e atando laços, por meio de vínculos suscitados sem intencionalidade, construí conexões que repercutirão e estarão para sempre na imagem do profissional no qual me (trans)formava. De professor intruso passei a ser o professor diferente. As intervenções durante o intervalo passaram a ser exigidas pelos alunos, os quais, nos dias em que não me encontravam nos corredores, se dirigiam até a sala dos professores exigindo minha presença. Notei que a forma como eles me viam já não era mais aquela de quando cheguei à escola. E não foi o professor dançarino que fez com que essa visão mudasse. Acredito que a percepção de um professor “gente como eu”, “que faz atividades que eu também faço”, “que gosta de coisas que eu gosto”, contribuiu para essa mudança tão importante. Através disso pude compreender e também mudar a forma como via os alunos. De alunos “mal comportados” e “não cumpridores de suas obrigações”, passei a enxergar alunos “não ouvidos”, “não tocados”, alguns desamparados ou mesmo abandonados dentro e fora do ambiente escolar. Mas a situação de abandono a que me refiro é a 132

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de que nem todos os professores enxergam os alunos como “pessoa”, da mesma forma que os alunos também os enxerga. Agindo assim, pude compreender o que atraía a atenção dos alunos e me modelei ao tipo de professor que se enquadraria nas expectativas deles. O que, consequentemente, causou também uma transformação nos alunos. A mudança tornou-se perceptível para além da sala de aula. Os constantes problemas, conflitos (entre alunos e entre alunos e professor), desatenção e mau comportamento foram aos poucos diminuindo. Mas isso não significa que houve uma resolução completa da problemática, os desafios diários de uma sala de aula continuaram. E, creio eu, que sempre estarão ali para que não nos acomodemos e não nos esqueçamos de que estamos sempre em mutação/adaptação. Já que a melhoria no comportamento estava sendo perceptível, pude, finalmente, iniciar uma verdadeira aula sem interrupções desnecessárias. A hora do intervalo não era mais, para mim, o momento de término ou pausa da aula, mas uma extensão dela. Na realidade, acredito que era nesse momento em que uma boa parte da aula se consolidava, pois o aluno que, por vergonha ou receio, não exprimia suas dúvidas na hora da aula, aproximava-se de mim e explanava sobre o que não compreendia ou lhe afligia. As aflições não se resumiam aos conteúdos escolares, mas a problemas pessoais, envolvendo um colega, algum professor ou funcionário da escola e até mesmo familiares. Essa aproximação e confiança depositada em mim permitiramme enveredar por um papel que não imaginava pudesse ser desempenhado pelo professor. O carinho dos alunos começou a despertar em mim aquilo que sempre ouvi em relação ao trabalho que desejamos tomar como profissão: prazer. Afinal, o bom trabalho, acredito, é aquele que nos proporciona satisfação em fazê-lo. Fica evidente que minha percepção acerca do meu fazer havia se transmutado. Compreender a posição do aluno diante do contexto em que nos encontrávamos foi de grande valor, assim como abrir espaço para que os alunos pudessem compreender também a minha posição enquanto professor. Tudo isso suscitou um ambiente aberto Entre (atos) do Ofício II

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a conversas sobre o andamento das aulas, o comportamento dentro e fora da escola, entre outras questões basilares para a formação deles e minha. Este processo empático entre professor e alunos configurouse como uma ferramenta poderosa para a construção de saberes, harmonização do ambiente, melhor rendimento e convivência. Contudo, é necessário enfatizar que isso não aboliu os problemas que nós professores enfrentamos cotidianamente, mas promoveu reflexão e compreensão mútua quanto aos deveres e direitos de professor e aluno. Posso resumir afirmando que a empatia é chave para solucionar diversos problemas, sejam profissionais, sejam pessoais. E, ao ser indagado, por minha atual coordenadora, Tayane Albuquerque, sobre qual é ou quais são meus medos ao iniciar um ano letivo, respondo: meu maior medo é de não conquistar meus alunos.

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relato de experiência na perspectiva do contexto sócio cultural nos espaços escolares ___________________ Maritânia Cardoso de Oliveira

Conviver com diferentes pessoas sempre foi muito peculiar ao meu ambiente familiar, pois toda minha origem é oriunda dos sítios que compõem a região do Cariri. Minha casa, na sede da cidade do Crato, funcionava como uma espécie de local de apoio e referência para parentes e amigos que dela precisavam, principalmente os que ainda residiam nos sítios distantes da zona urbana, para resolverem problemas e outras questões que necessitavam no seu cotidiano. Posso afirmar com tranquilidade que a convivência com outras pessoas, o estar a serviço sempre esteve ligado a minha formação educacional e cultural. Antes de ser inserida no cotidiano escolar, a minha aprendizagem se deu de forma intensa no contato próximo com as pessoas: parentes, vizinhança e outros com quem me relacionava nos diversos espaços sociais que eu frequentava, tais como: CEMIC ( Centro de Estudo do Menor e Integração na Comunidade ), no Bairro do Seminário ( local marcante na minha vida ). Portanto minhas experiências pessoais, desde a infância até os dias atuais, tem como marca a influência do convívio com o social, na vivência com o outro. A escola entrou na minha história de vida aos seis anos de idade, quando o Grupo Escolar Estadual José Alves de Figueiredo abriu as portas para um leque de conhecimentos importantes como: apresentação de novos saberes, amigos, rotina de tarefas e tudo o mais que faz parte de uma escola. Todavia, aquele espaço, mesmo sendo amado por mim, era pequeno demais para a interação com os colegas, então, como uma menina sapeca que tinha a facilidade de liderar a turma, a rua no entorno da escola sempre foi um espaço de enconEntre (atos) do Ofício II

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tros, conversas, brincadeiras e de construção de saberes e aprendizagens, ressalto que a escola não percebia naquele momento o quanto essa interação era importante no meu crescimento e formação, à época algumas questões sócio-culturais não eram inseridas no contexto escolar, pois a mesma ainda não percebia ou não considerava relevante a relação escola/comunidade como fator de aprendizagem. Desde muito cedo, tive a sensibilidade de entender e olhar o outro com valorização e respeito. Na adolescência as relações com as pessoas a minha volta sempre se mantinham intensas, me considerava querida por todos, companheira constante da minha mãe, com quem aprendi muito e de quem trago relevantes contribuições inclusive a grande inspiração na decisão de ser professora. Nesse período “Mainha”, como eu a chamava, expressão típica dos caririense,tem a oportunidade de lecionar numa escola municipal.Sua sala funcionava num anexo localizado no Bairro do Seminário.Ainda era iniciante na profissão e teve a missão de responsabilizar-se pela abertura do anexo para o funcionamento, desde a matrícula dos alunos para preenchimento das vagas ofertadas assim como, todas as demais demandas necessárias. Ela fazia todo o processo administrativo e pedagógico, a escola funcionava num prédio da associação de moradores do bairro, a abertura do anexo era um desafio, bairro muito pobre com

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sérios problemas sociais, mas Cleidinha ( como era por muitos chamada) era determinada, certa de que estava fazendo o melhor pela comunidade e também para garantir a oportunidade que estava lhe sendo, dada buscou na relação com os pais e moradores fortalecer a execução das ações rumo ao que desejava como professora iniciante, permitindo que estes construíssem o sentimento de pertencimento e solicitava, sempre que havia necessidade, a ajuda voluntária para ajudar a manter a escola organizada e assim garantir o bom funcionamento dela, a aprendizagem dos alunos com todo o seu jeito carismático de ser, Mainha conseguia envolver a comunidade com facilidade e senso de respeito pelo outro. Eu era ainda uma menina de 14 anos de idade acompanhando tudo aquilo com o olhar observador, impossível não ser contagiada e envolvida por toda aquela rotina de tantas tarefas ora como professora, ora como dona de casa e essa observação do que ela fazia e da forma como conduzia tão bem as nossas vidas foram importantíssima no que hoje me constitui. Ressalto que existia uma grande preocupação da parte dela, com a aprendizagem dos alunos, e as poucas condições, o suporte pedagógico fragilizado não era impedimento para suas empreitadas. Cresci aprendendo e vendo na prática como se dá a pedagogia do ato de ensinar e aprender ao mesmo tempo, o acompanhamento da minha mãe e a forma como nos ensinava, os valores que fomentava nos serviram de base, eu e meus irmãos Cardoso e Marivânia tivemos o grande privilégio de ter nossa mãe como principal mentora. Meu pai também tem contribuições na nossa educação com valores que nos constituem: disciplina, boa educação, honestidade, integridade. Por vezes fazia o papel que hoje denomina-se auxiliar de sala, na sala de aula onde mamãe lecionava, algumas tarefas eram parte da minha contribuição para ajudá-la: monitorar a frequência dos alunos; na situação de infrequência realizava visitas domiciliares e assim conseguíamos manter a frequência; auxiliar nas tarefas de sala; ajudar no recreio para evitar brigas, pois eram meninos com muita Entre (atos) do Ofício II

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energia; servir a merenda em sala acompanhada de Tia Fransquinha, a merendeira. Além dessas atividades eu também me preocupava em contribuir com as famílias, arrecadava doações de roupas e sandálias dentre outras coisas, com os conhecidos do bairro para os alunos carentes não faltarem à escola, já que a ausência de coisas tão elementares era uma das muitas justificativas usadas. Procurava junto com minha mãe dar um jeito em tudo, resgatando a confiança dos alunos e despertando o gosto para aprendizagem. Toda essa experiência foi fundamental para tornar-me a profissional que sou, com a convicção de reaprender a olhar a importância que o outro tem, com as marcas e a história de cada um. Mainha conseguiu a custo de muito investimento pessoal e intelectual unir escola e comunidade a fim de dar identidade aquele povo desacreditado. A vida segue seu curso, cresci ao lado de pessoas maravilhosas, tendo minha mãe como principal referência e porto seguro. Consegui novas oportunidades de emprego, e como toda jovem me apaixonei, casei-me. Por motivos que não serão descritos nesse relato, para não fugir do foco principal, acompanhei meu esposo Benedito José Frota, sobralense nato e de coração, para a cidade de Sobral, onde estabelecemos morada até hoje. Inicia-se a partir de então uma nova e importante etapa da minha vida. Muitas saudades. Porém, movida por um sentimento maior, mesmo em meio a insegurança pelo que me aguardava. Chegar à cidade de Sobral não foi algo muito fácil, mas foi relevante, principalmente no aspecto profissional. Em um primeiro momento, passei por um processo de seleção para lecionar a modalidade de ensino da Educação de Jovens e Adultos (EJA), fui chamada para o distrito do Caioca no ano de 2003, onde tive a felicidade de conviver com pessoas experientes e a interação na construção do conhecimento foi essencial para provocar naqueles alunos o entendimento de que é possível aprender em qualquer idade. “Acreditar” e “fazer” são ações presentes naquilo que trago de mais sagrado em mim, transformar a vida das pessoas a partir da educação sempre foi o meu maior desafio desempenhado com de138

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terminação. Escola e comunidade orientaram, através da prática vivida, o meu pensamento profissional. O entorno da escola fascina-me e complementa o que faço enquanto professora; ver além dos muros da escola é contribuir significativamente na transformação social fortalecendo laços de afeto fraterno e importantíssimos para o aluno. Quero expressar de forma honrosa, que é possível ser professora com a consciência que a prática pedagógica se refaz de forma dinâmica valorizando o lugar e o seu contexto sócio cultural na qual a escola está inserida. Trago com convicção que a experimentação na minha prática se faz fortemente presente no público da EJA. Eles eram trabalhadores rurais e as mulheres também ajudavam seus companheiros no roçado, além da lida nos afazeres domésticos e na confecção de chapéu - atividade peculiar do Distrito do Caioca, como citei anteriormente. Todo esse contexto sócio cultural e local fez-me refletir que tipo de professora quero realmente ser para meus alunos, percebi que não seria fácil, mas a vontade de contribuir de forma significativa provocou em mim repensar o meu fazer pedagógico, visando considerar todo o contexto local como elemento importante para a formação do indivíduo e sua aprendizagem. Comecei a desenhar na minha mente uma forma de prender a atenção desses alunos e encorajá-los a não desistir devido as dificuldades do cotidiano. Enquanto estratégia, usei os cordéis e as poesias de Patativa do Assaré para despertar o prazer pela leitura, bem como músicas de cantores regionais, assim como as dinâmicas de grupos que eles achavam muito produtivas. A experiência foi tão positiva na forma de ensinar os alunos que chegaram relatos ao conhecimento da diretora sobre as ativiEntre (atos) do Ofício II

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dades da nova professora, que ensinava diferente e, como resultado, quase ninguém faltava à aula. Já que a infrequência era alta e a diretora, Conceição Lino, não me conhecia, ela resolveu assistir minha aula e durante o intervalo chamou-me para conversar, durante a conversa teceu alguns comentários positivos sobre o trabalho que eu vinha realizando como professora da turma de EJA e me fez a proposta de assumir a turma do 4º ano do Ensino Fundamental, substituindo temporariamente a professora que se encontrava de licença maternidade. Fiquei lisonjeada com os elogios recebidos e aceitei com alegria a proposta, considerando que a Escola Manoel Marinho foi o primeiro grupo de pessoas com quem convivi após a chegada do Crato à cidade de Sobral, contei a novidade aos meus alunos, que eram, em sua grande maioria, pais de alunos da turma que eu iria assumir, no turno da manhã. Isso provocou em mim um senso de responsabilidade enorme. Como já conhecia um pouco sobre os alunos e a comunidade, aprofundei-me em saber mais e desenvolvi um projeto de leitura que valorizasse a vida daqueles meninos, a única pretensão era desenvolver o prazer pela leitura sem cobranças, foi muito gratificante, minha turminha do 4º ano deu um salto qualitativo na leitura, salientando que fazia isso de forma muito tranquila, mas mostrando a eles que a escola pode ser um lugar de aprender coisas boas e que a leitura pode nos levar para lugares fantásticos. Retomei tudo que aprendi enquanto menina nas minhas atividades como ajudante de mamãe, fazer visitas nas casas dos alunos tanto os da manhã como os da noite sem critério de cobrança, mas no intuito de conhecer mesmo e dizer o quanto eles eram importantes para meu trabalho, os vínculos foram se estabelecendo afetuosamente. Muitas dúvidas surgiram, fiquei questionando-me se estava correta com aquelas ações, muitas vezes recebia críticas por parte de colegas, por não acreditarem no poder que a comunidade tem, e o impacto que isso promovia no campo do ensino aprendizagem, sou muito grata aos meus alunos por abrirem seus espaços de vivências comigo, uma professora iniciante, imigrante, com sotaque forte que 140

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fazia eles rirem e confiarem no potencial de cada um. Admito que tive muito medo de errar com essa prática, posso dizer, amorosa mais próxima dos alunos, pois em conversa com alguns colegas, muitos questionamentos foram indagados como: concentre-se no programa; desenvolva a leitura fluente, desenvolva produção textual, garanta a disciplina e a concentração que assim a aprendizagem acontece, eu não acreditava numa aprendizagem sem integração sem, até pelo fato de entender a partir do que vivenciei que as questões contextuais também são importantes. Sem a percepção do entorno, há riscos de se ter lacunas e de se perder oportunidades que colaborem com o desenvolvimento do indivíduo como um todo. Achava estranho alguns colegas se surpreenderem com o meu envolvimento na vida daqueles que eu acompanhava, eu ficava pensativa e gostaria de fazer diferente para além dos conteúdos, mesmo sem experiência suficiente, sem nada sistematizado tentei fazer diferente! Ah, quantas dúvidas! E também quantas convicções. Um detalhe importante, a Professora Conceição sempre esteve me incentivando, me sentia com liberdade para realizar o que desejava. Quero aqui também dizer da satisfação em participar das formações em serviço, ofertada pelo município e das quais eu pude participar quando assumiu a turma do 4º ano, estas só contribuíram com minha ação e o meu crescimento profissional. Nesses momentos em contato com a comunidade, realizei aulas de campo com a meninada, no Rio Caioca, nas visitas a Estação Ferroviária (onde funcionava o Posto de Saúde), na praça e nos arredores. Vez por outra era convidada para compartilhar do almoço na casa de alunos, sentava-me nos horários de descanso nos alpendres das casas, adorava a simplicidade, a acolhida, onde ouvia histórias e conhecia mais e mais da vida deles, dos sofrimentos, das alegrias, das dificuldades do trabalho no roçado, das mulheres que trabalhavam na plantação e colheita da pimenta, aquilo exercia em mim um fascínio e dava-me inspiração de levar todas essas informações para sala de aula. Achava lindo elas fazendo chapéu com tanta agilidade, sem ter tido curso algum, mãos grosseiras que sabiam fazer arte como ninEntre (atos) do Ofício II

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guém, era a diversidade como parte inseparável da identidade local e conhecer a riqueza representada por gente simples que ainda preza com respeito o vínculo da amizade, reflete qualitativamente na construção do conhecimento no aprender fazer com o outro, respeitando as conquistas da comunidade, a cultura local e a relação com a escola. Acredito que o educador reflexivo que entende e consegue despertar nos seus alunos o senso de pertencimento promove a valorização do seu lugar. A escola como função social precisa ser sensível a tudo isso e entender que os espaços comunitários fazem parte de um coletivo, gestores, professores é urgente reconhecer que tudo dentro dela tem que fazer sentido para todos e assim na relação escola e comunidade é possível consolidar uma educação significativa. Minha forma de lecionar além da sala, constitui-se firmada no diálogo, com ações permanentes partindo do princípio que nós educadores devemos ser devidamente atenciosos para com os pais, alunos e toda comunidade, despertando e valorizando a identidade do lugar. Percebo que a minha ação se aproxima do que o educador Paulo Freire ressaltou no livro Pedagogia da Autonomia, Saberes necessários à Prática Educativa. Quando diz: “...Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como força formadora ou como contribuição à do educando por si mesmo…” (p. 24, 1996).

Então é isso que venho fazendo nas escolas por onde passo, procuro oportunizar aos meus alunos um caminho de identidade, conhecimento e autonomia de seguir na vida adulta, conquistando seus espaços, reconhecendo nas escolas seja ela nos distritos ou cidade a grandiosidade que a comunidade exerce na construção dos seus sonhos. Tive oportunidade em anos subsequentes de lecionar em outras escolas públicas municipais, da sede e dos distritos de cada uma 142

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tenho muitas boas recordações e aprendizagens. Nessas minhas andanças pelas escolas, tanto na sede como nos distritos quando por alguns motivos havia a ausência da aproximação com as famílias em alguns momentos, isso me inquietava. O fato de estar apenas em sala de aula sem esse vínculo mais próximo com os alunos e com a comunidade não me deixava realizada, era como se de certa forma algo faltassse. Acredito na interação com os alunos, fiz e faço isso nas escolas sempre que tenho oportunidade inclusive nos horários livres, pois isso me provoca um bem importante, o espaço escolar só funciona bem quando se estabelece referências. Por meio de relações afetivas, subjetivas, além do ensino e aprendizagem. Essa visão constitui a professora que sou. Ao chegar na Escola José Arimatéia Alves, no Distrito de Bonfim em 2013 juntamente com Diretora recém aprovado no processo seletivo para gestores das escolas municipais de Sobral, Jóina Maria do Espírito Santo, tive a oportunidade de participar da construção de uma gestão que eu acredito. Ressalto que conheci essa colega de função na Escola Manoel Marinho, vinda da cidade Santana do Acaraú para assumir, na época o concurso para o qual tinha sido aprovada, ela assim como eu no início, chegava em terras estranhas, com significativas mudanças na vida pessoal. Algumas circunstâncias nos aproximaram, o acolhimento que era próprio da minha conduta Entre (atos) do Ofício II

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(como citei no início), nosso desejo de aproximar a escola da comunidade. Enfim a chegada ao Distrito do Bonfim foi um período marcante nos encontramos e caminhamos juntas até hoje. Nessa gestão, da qual eu participava e acreditava, pois era condizente com meus anseios, a comunidade encontrou uma escola aberta e, com isso, todos nós ganhamos havia uma cumplicidade considerável, objetivando qualificar e construir uma aprendizagem de qualidade, pois todos somos importantes no processo ensino aprendizagem dos alunos, promovemos dinamismo, participação na vida da comunidade despertando em cada um o sentimento de pertencimento. Todos os eventos articulados pela escola junto com os professores e funcionários foram decisivos para que tivéssemos sucesso e a comunidade foi sempre acionada a participar ativamente. Isso foi um trabalho de início difícil, mas necessário para provar que a escola sozinha não acontece, ela só se torna palco de de desenvolvimento local quando todos estão envolvidos no processo, se sentindo parte dele. Diante desse contexto profissional em sintonia com a ação comunitária educacional venho me formando como professora, quero deixar registrado, tendo as experiências vividas para respaldar minhas palavras, que é através da ação e interação com o contexto social que o exercício do magistério é feito também. Há algo importante a ser relatado, durante esse período volto aos bancos escolares. Já formada em geografia, sinto a necessidade de ampliar meus conhecimentos. Hoje sou especialista em gestão escolar e atualmente sou graduanda do curso de Pedagogia. Sempre levo minhas vivências como elementos importantes a serem analisados na universidade. Há pontos e contrapontos, redimensionamentos de olhares a partir dos meus relatos. A experiência prática me ajuda nos momentos de estudo, é enriquecedor. Lembro-me de uma noite na UVA (Universidade Estadual Vale do Acaraú) numa palestra com o professor Babi da Universidade Federal do Ceará, encontrei-me com o Professor José Edvar Costa, com 144

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quem tenho o privilégio de mais uma vez participar desse projeto de escrita de relatos de experiências. Ele como sempre muito simpático interrogou-me sobre onde eu estaria lecionando e eu o informei sobre o novo cenário do exercício da minha docência: Elpídio Ribeiro no Torto e continuei minha fala e sorrindo disse: “- Estou cada dia mais elétrica, acho que não sei mais de nada, ele olhou e respondeu: “-Precisamos de mais professores assim como, você que tenta humanizar a escola!”. Fiquei feliz ouvir esse elogio de alguém por quem tenho tanto respeito por ser um educador exemplar. A escola sempre foi minha paixão, não sei ficar longe dela. Sinto-me realizada a cada ano reaprendendo com meus alunos e os demais da comunidade, isso me deixa feliz. Quero continuar entrando na escola como se fosse o primeiro dia como professora, desejo olhar a sala de aula como parte de um todo e ir além dos programas a serem seguidos. Acreditar que existe vida do outro lado do muro da escola, que desperta na minha caminhada vontade de aproximar a minha fala da minha prática. A experiência trabalhando nas escolas dos distritos: Escola Manoel Marinho, Distrito do Caioca e José Arimatéia Alves, Distrito do Bonfim foi muito gratificante. Principalmente pela simplicidade das comunidades do campo, tão grandiosas em muitos aspectos. Queria proporcionar o meu melhor para que dessa forma a escola pudesse ser um lugar de encontro com os colegas e aprendizagem. Fazer isso acontecer não é uma tarefa muito fácil, relacionar aula curricular e desenvolver a sensibilidade nas várias situações foi uma ideia que foi se construindo aos poucos na minha prática. Traduzir umas práxis educativa crítica, humanizada e consciente é ainda meu maior desafio, pois implica em assumir uma postura política de transformação social dentro da escola e fora dela, fazer desse espaço escolar um lugar discursivo é o meu grande desejo. Onde o indivíduo se perceba sujeito protagonista do meio em que vive.

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Os saberes docentes e a gestão pedagógica ___________________ Rita Alcina Monteiro Silva

Diante do cenário educacional do município de Sobral, onde 50% dos alunos que estavam em vias de conclusão da 2ª série do ensino fundamental, não sabiam ler. A partir do ano de 2000, um conjunto de ações sistêmicas foram implementadas convergindo para o mesmo objetivo: a melhoria dos resultados de aprendizagem de todos os alunos; dentre elas, o fortalecimento da gestão escolar, tendo como iniciativa a seleção de gestores, priorizando a meritocracia na gestão escolar como um fator importante para impulsionar a política educacional com foco na aprendizagem. Na mesma época, ingressei como funcionária pública na área administrativa, lotada na Escola Raul Monte, tendo o privilégio em conhecer a Política Educacional instituída em Sobral, deparando-me com uma realidade diferenciada na concepção da Educação Pública, o direito efetivo à aprendizagem de todos os alunos na idade certa. Iniciando essa experiência valiosa como educadora, pude vivenciar diversos cargos na escola, desde a auxiliar de secretaria, professora e coordenadora percebia que diante das aprendizagens ao longo do tempo, me constituía uma profissional com instintos para a gestão. Então, no segundo semestre de 2009 a Secretaria de Educação promoveu a seleção de gestores, submetendo-me ao processo seletivo e sendo aprovada. Ao passar, recebi o convite para assumir a Escola Francisco Monte, localizada na região de Taperuaba, a 70 km de Sobral. Um distrito, com pessoas de talentos diversos, onde o conhecimento e a arte são traços marcantes na comunidade.A escola atendia mais de 800 alunos, contemplando as modalidades de Educação infantil, Ensino Fundamental I e II e Ensino de Jovens e Adultos(EJA). Com base nos resultados das avaliações externas, ação imple146

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mentada pela Secretaria de Educação para monitoramento da aprendizagem dos alunos, os resultados da Escola Francisco Monte, de forma sistêmica, apresentavam-se um tanto preocupantes, tornando-se um desafio. Estava frente a minha primeira experiência na gestão escolar. Lembro-me com nitidez, do que senti ao ser apresentada a comunidade escolar pela superintendente Sâmia Cristina Fernandes Linhares naquele momento um misto de curiosidade e determinação tomou conta de mim e por alguns minutos fiquei sem fala, pois o desejo pela construção da aprendizagem coletiva junto à equipe sempre fora algo que muito me motivara e estar em um cargo de liderança, apesar de desafiador, era um tanto encantador. Quando enfim, me dei conta da dimensão da responsabilidade que estava em minhas mãos, percebi que garantir a aprendizagem de centenas de crianças não seria uma tarefa fácil e exigiria de mim uma postura racional, com estratégias inteligentes nos vários campos da gestão escolar. As evidências iniciais a partir de análises e observações dos resultados de aprendizagem, contribuíram para que conseguíssemos diagnosticar alguns fatores considerados entraves na aprendizagem de todos os alunos. Um deles era a crença que devia-se respeitar o processo de cada aluno no tempo deles, refletindo diretamente na equidade, na distorção idade-série e na evasão. A defesa pela aprendizagem de todos teria que ser uma linguagem única, iniciando pelo núcleo gestor. Para tanto, um alinhamento de filosofia seria imprescindível para o sucesso da equipe, porém, tinha consciência que o grupo precisava ver sentido na proposta e acreditar que era possível, mas tínhamos que nos debruçar em ações e estratégias junto aos professores e funcionários que viabilizassem os processos para que alcançássemos tais objetivos. Iniciamos com reuniões individuais e em grupos, com o intuito de refletirmos os resultados de aprendizagem de cada aluno, ouvindo cada professor, pois, precisávamos sentir e saber o pensamento sobre a educação que cada um acreditava. Ao mesmo tempo, pontuáEntre (atos) do Ofício II

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vamos e argumentávamos sobre aspectos importantes do processo de aprendizagem de cada criança: como a frequência diária de todos os alunos, identificar os alunos que apresentavam mais dificuldades nas habilidades e competências de cada série e turma, a sistemática do trabalho com as competências e habilidades de cada série, a qualidade do planejamento. Buscando junto aos professores a clareza e a objetividade sobre a principal função da escola, bem como mostrando as possibilidades de encontrarmos caminhos para sanarmos as possíveis lacunas no processo de aprendizagem de cada aluno. A Secretaria de Educação como investimento na política de incentivo à leitura, implementou nas escolas o Programa Jornada Ampliada, ação esta que contribuiu sobremaneira com a formação e comportamento leitor junto dos alunos. A partir daí, identificamos os dados de língua portuguesa onde precisávamos urgentemente intervir no sentido de promover a compreensão leitora dos alunos. Neste sentido os projetos de leitura seriam uma iniciativa importante visto que, o vocabulário restrito de alguns alunos dificultava sua compreensão leitora bem como seu conhecimento de mundo. Para tanto tivemos a contribuição da professora Agente de leitura e de professoras readaptadas que foram essenciais para que as atividades propostas fossem desenvolvidas. Iniciamos com a conscientização de toda a equipe escolar sobre a relevância da ação, paralelo elaboramos projetos de leitura com o intuito de contemplarmos todos os alunos. Aos poucos, a leitura foi sendo disseminada em toda a escola, contribuindo significativamente com a atuação dos professores e aprendizagem dos alunos. A coordenadora que acompanhava do infantil ao 2º ano, abraçou a causa com determinação, criando o projeto Pequenos Contadores de História, onde os alunos faziam a leitura dos clássicos e outras literaturas e em seguida, socializavam com os colegas em sala, as historinhas lidas por eles, a atividade durava em torno de 30 minutos por semana. Depois, os alunos estavam fazendo contação de história no pátio da escola para todos os alunos da escola. A escola foi convidada a fazer uma apresentação do projeto na 148

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CREDE 6, e consequentemente apresentamos na Bienal do livro, momento marcante e de muita satisfação para todos que compunham a Comunidade Escolar, impulsionando aos profissionais a pensarem e disseminarem outras ações de leitura e cultura dentro da escola, surgindo o evento cultural Luau da leitura, organizado pela equipe da Jornada Ampliada.

O “Luau da leitura” acontecia na praça da localidade, o evento tinha apresentações culturais com base em literaturas, inclusive oriundos de histórias contadas por pessoas da comunidade, como também, tendas com temáticas diversas. Essa ação fez com que as atividades de leitura desenvolvidas ultrapassassem os muros da escola, mostrando a importância da formação leitora a toda comunidade. Dando oportunidade aos pais de conhecerem melhor o trabalho construído pelos professores e alunos no cotidiano escolar durante o ano. Também aproveitávamos o momento para reconhecer os alunos destaques na leitura e consequentemente na aprendizagem. A Secretaria de Educação realizava o acompanhamento, através do monitoramento dos resultados de aprendizagem de todos os alunos. Aos poucos eles foram crescendo, em 2010 pela primeira Entre (atos) do Ofício II

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vez a Escola recebeu o prêmio Aprender Melhor do município. Fazíamos reuniões semanais e mensais com a comunidade escolar, sensibilizando e conscientizando a partir da análise dos resultados, fazendo comparações e conjecturando sobre o processo de cada aluno. Refletindo sobre a responsabilização e o comprometimento com a Educação Pública, como também, a mobilização das famílias para o cumprimento da responsabilidade pela frequência dos alunos às aulas e pelo acompanhamento do que ocorre na escola e sobretudo na sala de aula. Na mesma época, fomos contemplados no prêmio Escola Nota 10 do estado do Ceará, colaborando para que fizéssemos investimentos na estrutura física da escola melhorando as condições de trabalho da equipe, bem como, o atendimento a toda comunidade. Contribuindo também nos aspectos pedagógicos, dando suporte as ações de sala de aula, qualificando os processos de aprendizagem dos alunos. A partir de um conjunto de ações sistematizadas, que consequentemente geraram uma melhoria nos índices dos resultados de aprendizagem, assim como, as premiações, levando ao reconhecimento do trabalho desenvolvido com comprometimento diferenciado pelos profissionais, percebeu-se uma mudança de postura, pois, a equipe passou a demonstrar mais credibilidade e envolvimento nas estratégias propostas para qualificar os processos, motivando-os a buscarem soluções para sanarem as dificuldades de aprendizagem de alguns alunos, resignificando suas práticas e fortalecendo o discurso da garantia da aprendizagem de todos no tempo certo. Outra ação relevante no campo da gestão foi a seleção de professores temporários, como todos os profissionais residiam no distrito, ou seja, eram da comunidade local. Tínhamos a intenção de oferecer oportunidades a todas para atuarem na educação, pelo critério da meritocracia. Ressalto a importância de contribuições significativas nas ações de gestão de pares, colegas que estudam e pesquisam sobre educação, colaboraram para que muitas dessas 150

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ações fossem implementadas, inclusive essa, a seleção de professores temporários. Inicialmente, elaboramos o edital com as cláusulas consideradas importantes, diante as determinações da Secretaria de Educação. A seleção era composta por três fases: Prova escrita, aula didática e entrevista. A experiência foi muito gratificante, visto que, identificamos perfis de profissionais que no momento considerávamos importantes para assegurar os indicadores de eficácia da escola. Diante os resultados da seleção, houve uma mudança no quadro de professores, energizando ainda mais o grupo, com ideias inovadoras e contribuições relevantes com olhares externos para a melhoria das estratégias pensadas e vivenciadas pela equipe. Profissionais que conheciam a realidade da comunidade e que demonstravam bastante interesse em fazer a diferença na educação de Taperuaba. Em relação aos profissionais administrativos, fazíamos reuniões periodicamente, mostrando a importância de suas funções na dinâmica da escola. Sensibilizando e conscientizando-os a partir de situações do cotidiano, sobre todo o suporte necessário que os professores necessitavam para desenvolverem suas ações, e que eles eram os responsáveis na garantia desse apoio técnico indispensável para o sucesso escolar dos alunos. Compreendíamos que a defesa pela qualidade na educação deveria ser uma causa de todos os profissionais da escola, da portaria a cantina. A oferta pela educação diferenciada teria que ser em todos os segmentos da escola, todos deveriam ser valorizados e reconhecidos pelo envolvimento diferenciado no trabalho cotidiano. Como a maioria dos profissionais tinham parentesco com os alunos, eles identificavam o crescimento nítido dos mesmos, acreditando cada vez mais na proposta de uma educação com, para e por eles. Os índices de desempenho foram crescendo, principalmente nas séries do fundamental 1, porém, nas séries do fundamental 2, precisávamos revê as estratégias vivenciadas, pois, ainda tínhamos muitas dificuldades, a evasão e a distorção ainda eram bem frequentes. Entre (atos) do Ofício II

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Como o acompanhamento de alguns pais de alunos do fundamental 2, encontrava-se fragilizado, refletimos sobre a relevância de estreitarmos a parceria escola e comunidade, mas, com uma intervenção que de fato impactasse nos resultados, apresentando aos pais os resultados de aprendizagem por aluno, dialogando sobre a importância do acompanhamento por parte dos mesmos, na vida escolar dos estudantes. Aproveitando a oportunidade para conhecer aspectos importantes no processo de aprendizagem, como por exemplo: estrutura familiar, conflitos vivenciados na família, comportamento do aluno, interesses pessoais, etc. Discutimos a ideia junto ao núcleo gestor, então, decidimos estender a ação para os responsáveis dos alunos do 1 º ao 9º ano. Visto que acreditávamos que essa pratica seria um ganho para toda comunidade escolar. Organizamos um calendário de reuniões de pais por séries, onde nos reuníamos em pequenos grupos para conversarmos sobre a condição de aprendizagem de todos os alunos. As reuniões contavam com a presença do núcleo gestor, que direcionava o momento e todos os professores que atuavam na série e tinham a seguinte sistemática: Conversávamos sobre as Políticas de Educação, Municipal, Estadual e do Brasil, mostrando o histórico de resultados da escola; apresentávamos o resultado da série de acordo com as avaliações internas e externas, comparando com o ano e/ou semestre anterior; conversas individuais com alguns paispara conhecerem a realidade dos alunos e colher hipóteses sobre possíveis entraves no processo ensino e aprendizagem. Consideramos essa iniciativa bastante significativa para toda a comunidade escolar, pois, com a aproximação das famílias e a conscientização, o retorno de responsabilização foi gratificante. Também pudemos esclarecer algumas dúvidas sobre as políticas de resultados, contribuindo para que essa parceria se fortalecesse cada vez mais, em virtude do sucesso do aluno. Uma outra ação muito importante foi vivenciarmos o projeto “Escola vai à comunidade”, com o mesmo intuito, de conquistarmos a comunidade, em prol da melhoria dos resultados de aprendizagem, 152

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levando ao conhecimento de todos, o discurso que os profissionais, que compunham o quadro da instituição, acreditavam e demonstravam através de suas posturas. A dinâmica do projeto, aconteceu a partir do mapeamento em pontos estratégicos da localidade, priorizamos as praças e ruas mais movimentadas. No momento, a abertura acontecia com apresentações culturais, organizadas pela equipe do Projeto Jornada Ampliada e tínhamos a participação efetiva dos professores, onde acontecia um rodízio entre eles, para conversarem com a comunidade sobre a permanência dos alunos na escola,argumentando com os pais sobre os deveres da família e direitos dos alunos, como também, os deveres da escola na garantia da aprendizagem de todos os discentes e os ganhos de uma educação de qualidade na sociedade. Com essas ações junto à comunidade, estreitamos significativamente os vínculos, fortalecemos a parceria, e consequentemente melhorou o acompanhamento de algumas famílias à vida escolar de seus filhos. Contribuindo diretamente no envolvimento dos alunos nas aulas e nos resultados de aprendizagem. A equipe, por sua vez demonstrava bastante crescimento e empenho, frente as experiências vividas, pois, sinalizávamos os desafios, mas as ideias partiam do grupo e o comprometimento de fazer a diferença contagiava-os cada dia mais. As ações eram desenvolvidas por eles com muita criatividade e criticidade, refletindo no clima e na dinâmica da escola. A partir do ano de 2014 a Secretaria de Educação redesenhou a estrutura de acompanhamento as escolas, visando a formação do gestor em loco. Onde a superintendência foi constituída em duas equipes: administrativa e pedagógica. Nessa perspectiva, passamos a receber semanalmente visitas da tutoria pedagógica com o intuito de refinarmos o olhar em uma ação conjunta através da coleta de evidências e leitura de contextos do cotidiano escolar, objetivando a garantia da aprendizagem dos alunos. As estratégias de formação da tutoria davam-se através Entre (atos) do Ofício II

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das observações de sala, feedback, caminhadas pedagógicas, observações de reuniões de pais e com o núcleo gestor, estudo e análise de resultados, observações de planejamento e outras ações estendendo-se a momentos a sala da direção. Exercitando minha visão para um olhar cada vez mais criterioso para as demandas pedagógicas, possibilitando a ressignificação do meu fazer na gestão. Dando ênfase a constituição de uma gestora cada vez mais pedagógica, ampliando meus horizontes para ser uma profissional melhor. Diante das experiências já vivenciadas, desenvolvemos uma visão significativa dos aspectos importantes nos processos pedagógicos da gestão, porém, as intervenções aconteciam sem um planejamento prévio. Assim, sentimos a necessidade de organizar uma lógica de acompanhamento pedagógico mais focada, refletindo sobre a interação entre os meios e os resultados, reestruturamos o acompanhamento pedagógico sistematizando as ações. Primeiramente elencamos todos os pontos que consideramos importantes no âmbito pedagógico tais como: acompanhamento à frequência escolar; estudo e análise de resultados; análise do plano de aula e material de sala; análise e reestruturação da rotina de sala de aula; sequência didática; estudo de acordo com as fragilidades do grupo; estudo, oficinas e sistematizações com o grupo de temáticas relacionadas para ações de sala de aula; qualidade do planejamento; observações de sala; feedbacks; reuniões de pais e outros. Em seguida, elaborávamos a agenda semanal, possibilitando um melhor planejamento das atividades. Conjuntamente propomos um alinhamento às ações junto à coordenação, para fortalecer a reunião coletiva com os professores como espaço de aprendizagem entre os docentes, para o alinhamento das aulas com a orientação dos planos da escola, avaliação da prática em sala de aula e outros. Onde em alguns momentos, como: no planejamento, no feedback, nas observações, nas caminhadas pedagógicas e em outros vivenciávamos situações em pares. Ouvindo a coordenação sobre as evidências percebidas, com questionamentos 154

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que considerávamos importantes para apurarmos o olhar através das materializações. Nessa lógica investimos no campo de formação da coordenação, transbordando as ações para todo o campo docente, especialmente aos professores para qualificar sua ação em sala de aula, estimulando-o a exercitar o planejamento e a gestão de aulas, o exercício de diferentes formas de lecionar, a avaliação da aprendizagem em sala de aula. Consideramos todas as ações importantes, no entanto, as caminhadas pedagógicas dentre as outras ocasionou um movimento maior, dando mais dinamicidade aos processos, pois, conseguimos visualizar e fazer intervenções nos vários segmentos que compõe o universo escolar, pois, a partir das evidências geramos encaminhamentos que considerávamos prioritários diante da realidade. Nos reuníamos com a coordenação quinzenalmente para fazermos estudos e discutirmos sobre questões pedagógicas, nesse momento propúnhamos estudos de textos com temáticas diversas, como por exemplo: Aprendizagem de adultos, Observações de sala, os tipos de feedbacks, Liderança, Planejamento escolar e outros. Assim como individualmente uma vez por semana, para fazermos o feedback sobre a atuação e ao mesmo tempo para ouvirmos sobre o andamento dos direcionamentos feitos em conjunto. Então aproveitávamos o contexto para externar diante das percepções a partir de materializações, as habilidades que se apresentavam em grande potencial na atuação do coordenador, bem como, as que precisavam ser potencializadas. Esse contexto conspirou ainda mais para a criação de um ambiente escolar positivo na escola enfatizando a construção do fazer juntos, primando pela transparência, resiliência e comunicação clara e objetiva. Sobretudo na valorização e mobilização da sinergia da equipe em busca dos resultados de aprendizagem. Enfim, concluo meu relato com um pensamento de Heloísa Luck: “ Ser gestor, é um eterno aprendiz do fazer humano”.

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Referências Bibliográficas Vencendo o desafio da aprendizagem nas séries iniciais: a experiência de Sobral/CE.- Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2005. LÜCK, Heloísa, et al. A escola participativa : o trabalho do gestor escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

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O Resgate (ou o Ofício de Educar) ___________________ Sílvia Maria Monteiro Lima

Quando decidi ser professora não imaginava que aquela seria a mais desafiadora das profissões. O professor, além de ser possuidor de uma imensa sensibilidade, tem que desenvolver a capacidade de identificar potencialidades e limitações através de expressões faciais, gestos e palavras. Para tanto, precisamos ter uma percepção aguçada, conhecer bem cada criança, construindo um uma relação de confiança. O desafio é grande, mas cada conquista nesse nosso ofício de educar causa uma indescritível sensação de felicidade. Foi o trabalho desenvolvido em sala de aula, junto às crianças que fez com que eu me encantasse pela Educação, quando ainda cursava o último ano do Ensino Médio. Assim, na hora de escolher o curso de graduação, não tive dúvidas: Pedagogia. Alguns anos mais tarde, fiz o concurso para professora do Município de Sobral. Com a minha aprovação, fui trabalhar no distrito de Rafael Arruda, em uma turma de terceiro ano. Após a seleção de gestores, da qual participei com êxito, vivenciei a experiência educativa enquanto coordenadora pedagógica. Durante esse tempo, ampliei meu ângulo de visão acerca do processo ensino/ aprendizagem. Nesse período, tive o privilégio de ter como diretora uma educadora que estava a frente de seu tempo, que influenciou e até hoje influencia o meu estilo de gestão. Como Diretora, gosto de priorizar a gestão de pessoas, pois acredito que são elas que fazem a diferença. É valorizando e motivando as pessoas que garantimos a eficácia dos processos. Na cidade de Sobral, a Educação é tratada como prioridade absoluta. E a gestão escolar começa na sala de aula. Ainda hoje, quando me deparo com uma situação difícil de resolver, geralmente encontro a solução passando alguns minutos em uma sala de aula, observando a aprendizagem acontecer. Saio dali revigoEntre (atos) do Ofício II

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rada, com a cabeça fervilhando de ideias, tendo a clareza do caminho a seguir. Imagino que a energia vinda das crianças e daqueles que dedicam a vida a cuidar delas fortalecem qualquer gestor. Qual seria o segredo de tanta energia positiva? Creio que há muitas certezas quanto a isso. Mas cabe a cada um encontrar a sua e evoluir com ela, de uma forma construtiva. Foi numa sala de aula que aprendi a ser diretora. É para a sala de aula que eu volto, quando preciso renovar as minhas forças. Ali reencontro a fonte do meu aprendizado, onde descubro o caminho mais adequado em meio a qualquer tempestade. Para ser um bom gestor, jamais podemos esquecer quem somos: Professores, acima de tudo. Essa é a minha certeza. A Gestão Educacional no município de Sobral é sinônimo de responsabilidade e compromisso com a aprendizagem transformadora, aquela que tem o poder de modificar a vida das pessoas e da comunidade na qual estão inseridas. Essa certeza é o que tem me motivado ao longo de dez anos dedicados à Educação deste município. Foi durante o meu trabalho como coordenadora na Escola Primeiro de Maio (hoje, Escola José da Mata e Silva) que vivenciei uma das histórias mais emocionantes da minha vida como educadora, um fato que talvez tenha sido vivenciado de modo semelhante por outros educadores e que evidencia o profundo zelo e respeito que todos nós desenvolvemos ao longo de uma política educacional focada na inclusão. Um dos entraves que mais comprometem o processo de aprendizagem é a infrequência. O aluno infrequente interrompe esse processo, ocasionando uma “quebra” que origina uma série de problemas, podendo culminar, inclusive, no extremo da evasão escolar. Foram criadas pelas escolas diversas estratégias para resolver esse problema. E na Escola Primeiro de Maio não foi diferente. Quando comecei o meu trabalho como Coordenadora Pedagógica, nosso percentual de infrequência era bem elevado, girando em torno dos dez por cento. O Núcleo Gestor elaborou um plano de ação para reduzir o fenômeno e, consequentemente, melhorar nossos resultados de desempenho, que naquele momento estavam críticos. Dentre as ações propostas estava o controle diário da 158

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frequência com a realização do resgate de alunos faltosos. Funcionava assim: diariamente a secretária passava nas salas no início da manhã e no início da tarde e anotava o nome dos alunos ausentes, em seguida, separava as fichas com o endereço e a foto desses alunos, além de informações sobre os pais, como o nome, a profissão e o telefone de contato. As fichas eram entregues a mim e eu ligava para o contato registrado no documento. Quando não conseguia resolver por telefone, deslocava-me até a residência do aluno. Uma vez lá, começava o trabalho de convencimento junto à família, no sentido de evitar que a ausência daquele aluno se repetisse e, quando possível, o levava imediatamente para a escola. Além disso, a valorização da presença do aluno ao chegar na escola, o acolhimento feito pelos professores, garantia o sucesso dessa ação. Realizávamos também, mensalmente, sorteios de brindes para os alunos com cem por cento de assiduidade. Tais ações, associadas à melhoria da qualidade da aula, funcionaram muito bem e em pouco mais de dois meses reduzimos significativamente as faltas. Todavia, não bastava reduzir, nossa meta era zerar. E para isso, teríamos que nos superar e resolver todos os casos, mesmo aqueles mais desafiadores, como o caso de duas crianças que ainda não sabiam ler e que mal frequentavam a escola. Já tínhamos pedido ajuda à família, mas não obtivemos o retorno esperado. Além de não ajudar, de certo modo, eles burlavam nossas ações. O desafio era grande, mas eu tinha uma missão a cumprir e não podia falhar. Uma menina de nove anos e um menino oito anos. Irmãos que compartilhavam da mesma realidade difícil, onde havia carência de tudo, inclusive, de afeto. Eram alunos do terceiro e quarto ano. Juntos, eram detentores dos mais elevados índices de infrequência da escola. E, conforme diagnóstico realizado pela coordenação, eles não eram alfabetizados e estavam caminhando para uma possível evasão escolar. Nossa estratégia de combate à infrequência consistia em visitas domiciliares no sentido de fortalecer o vínculo com as famílias e conseguir a parceria dos pais e/ou responsáveis. Fazíamos ainda, reuniões mensais (plantões pedagógicos), onde apresentávamos daEntre (atos) do Ofício II

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dos de desempenho e frequência dos alunos, mostrando a relação que existe entre esses dois pontos, especialmente durante o processo de alfabetização. E, principalmente, tínhamos um zelo muito grande com a qualidade da aula e com a valorização da presença do aluno. Tais ações foram suficientes para resolver a quase totalidade dos casos de infrequência. Mas não o caso daquelas crianças. A responsabilidade pelas visitas domiciliares era minha, pois como coordenadora, tinha todos os elementos necessários para convencer às famílias sobre a importância da presença do aluno na escola. Tais elementos envolviam, além de muita paciência, o conhecimento do processo de aprendizagem aliado à determinação em atingir o objetivo de garantir a alfabetização dos alunos. Em reunião com as professoras e a Diretora sobre o referido caso, chegamos à conclusão de que deveríamos usar a mais forte das estratégias: o “resgate”. Naquele dia, analisamos tudo sobre eles: família, condições socioeconômicas, tempo de aprendizagem, comunicação, socialização. Essa era e ainda é uma prática constante nas nossas escolas. Acredito que há sempre uma solução para cada desafio. Trabalhamos com afinco, trocando idéias, usando a criatividade e exercitando nosso poder de articulação. A ação de “resgate” parecia ser bem simples, mas na realidade, era extremamente complexa. Consistia em todos os dias, uma vez verificada a ausência daqueles estudantes, tratar imediatamente de buscá-los em casa. E assim foi feito. A cada dia ficava mais difícil trazê-los. Acontecia de não os encontrar em casa, outras vezes, a casa estava trancada e ninguém respondia ao meu chamado insistente, pois era possível ver que a chave estava na fechadura. Outras vezes os meninos fugiam correndo. Ou ainda, não tinham roupa limpa ou chinelo para ir à escola. Eram inúmeras as desculpas para justificar o injustificável. A família que deveria ser parceira da escola, era isentava-se. E a escola ultrapassou seus muros para fazer um trabalho de conscientização, incansavelmente, até sensibilizar a família e firmar parceria. Fui eliminando cada obstáculo. Ia buscá-los em horários diferentes para manter o elemento surpresa. A vizinhança inteira parava 160

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tudo e ficava na calçada só para saber se naquele dia eu conseguiria ou não os levar à escola. Eles moravam em uma rua conhecida como “a Rua dos Cegos”. Estava sempre movimentada. Tinha torcida “contra” e a “favor” da escola. Desconfio que eles até faziam apostas! Com o tempo, conquistamos o respeito daquela comunidade, que reconheceu o esforço da escola para educar aquelas crianças. Com o apoio da comunidade, incentivando os meninos, foi ficando mais fácil. Os pais raramente estavam em casa. Na maioria das vezes eles ficavam sozinhos, sob os cuidados dos tios que moravam na mesma rua. E apesar de receber muitas mensagens desencorajadoras, nós não desistimos. No início, o menino tinha um comportamento bem agressivo na escola. Não interagia com os colegas, recusava-se a fazer as atividades. Por vezes, impedimos sua fuga, com muita dificuldade. Ele era bem resistente. Dizia que tudo aquilo que a professora fazia em sala de aula não passava de “besteira”. Com o tempo compreendemos que se tratava de um mecanismo de defesa, usado por ele para esconder dos colegas a dificuldade que tinha para resolver as atividades, devido a sua leitura deficitária. A menina era mais tranquila. Tinha um temperamento mais brando, era muito carinhosa e sorridente. Não escondia o imenso desejo de aprender a ler. Cada evolução sua resultava em um olhar de agradecimento tão intenso e sincero, que fazia a gente se emocionar. Ela nos surpreendeu, pois o seu tempo de aprendizagem era muito rápido. Em pouco tempo, ela se destacou e ficou entre as melhores alunas da sala, e o melhor, começou a ajudar o irmão. Ambos eram extremamente carentes de afeto. A autoestima era muito baixa. Foi aí que eu compreendi o verdadeiro significado da palavra “resgate”, naquele contexto: não significava apenas o resgate da presença daqueles alunos na sala de aula, mas era também a recuperação da autoestima, da dignidade, do direito de brincar, de aprender e de ser cuidado. Eu também, de algum modo, fui resgatada. Acredito que aconteceu o mesmo com cada educador que acompanhou o caso deles. Entre (atos) do Ofício II

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Nos tornamos educadores melhores, pessoas melhores, graças às lições aprendidas com aquelas crianças. A escola era a única oportunidade de mudança que eles tinham. Sentimos o peso da responsabilidade, unimo-nos. Não podíamos nem queríamos desistir, precisávamos proporcionar uma perspectiva de vida positiva para aquelas crianças tão carentes de tudo. Encaramos o desafio e redescobrimos o verdadeiro sentido da profissão mais linda do mundo que consiste em educar no sentido de transformar. Sobral desenvolveu uma política educacional, que não admite “desculpas” inconsistentes para justificar a não aprendizagem. Os estudantes têm o direito de aprender e nós educadores temos o dever de ensinar. E ainda que as famílias sejam desestruturadas, nossas escolas devem oferecer toda a estrutura necessária para que haja aprendizagem. é uma missão árdua, mas extremamente gratificante. Depois de muita luta, incansáveis diálogos com a família e uma incrível dedicação conseguimos a assiduidade daquelas crianças em tempo integral na escola. A menina aprendeu a ler bem rápido. O menino teve um pouco mais de dificuldade, demorou, mas conseguiu. A partir do momento que eles aprenderam a ler, parecia que um mundo inteiramente novo e encantador se abriu para eles. Tomaram gosto pelos estudos. Já não conseguiam ficar longe da escola. Sentiam-se acolhidos. Quando acontecia de perderem o ônibus que os transportava até a escola, ainda assim, eles não faltavam. Arrumavam-se e vinham a pé. Nada poderia impedi-los de assistir aquelas aulas tão significativas para eles. Além disso, tinham amigos que queriam encontrar para brincar e conversar. A rebeldia se transformou em pura determinação. Havia um brilho tão intenso no olhar daquelas crianças que expressava a mais profunda e espontânea alegria, capaz de contagiar a todos em volta. Aprendi muitas coisas durante o tempo dedicado a elas. Posso destacar entre as descobertas proporcionadas por eles a compreensão de que a felicidade é mais fácil de alcançar do que possa parecer e que a verdadeira educação é aquela que transforma. Crianças como aquelas são a prova de que essa transformação é possível. E nós não podemos nos deixar abalar pelos entraves do 162

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caminho, que nunca serão poucos. É na lembrança dessa conquista que recarrego as minhas energias cada vez que encontro um caso desafiador. E todas as vezes que reflito sobre aquelas crianças fico emocionada, com uma sensação de que essa luta é árdua, mas que vale muito a pena. Hoje ocupo a direção da Escola CAIC – Raimundo Pimentel Gomes. Gosto de lembrar que foi no prédio dessa escola que fiz o meu Curso de Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú e, junto com os meus professores e colegas de curso, participei de um projeto inovador, estreitando a relação entre as teorias educacionais e a prática educativa. Há esse tempo eu já era professora e questionava muito a distância que eu percebia entre teoria e prática. Mas isso era compreensível, pois eu não trabalhava ainda em Sobral. Foi apenas quando comecei a trabalhar na rede municipal que tomei a sábia decisão política de eleger a Educação como prioridade absoluta e que as teorias estudadas por mim durante a Graduação passaram a fazer todo o sentido. Casos como os que foram narrados aqui podem ser identificados em muitas escolas e, sem dúvida nenhuma, cada uma delas desenvolveu estratégias criativas para solucionar tais situações, porque o que nos move e nos une é um sentimento muito forte, que não pode ser descrito, apenas sentido por aqueles que, como eu, amam o ofício de educar.

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Conselho escolar como instrumento de gestão democrática e participativa: a experiência vivida no centro de educação infantil dolores lustosa ___________________ Ticiane Maria de Sousa Silva

Ao longo dos últimos quatro anos, como diretora do Centro de Educação Infantil Dolores Lustosa, tenho buscado vivenciar a prática de motivar seu Conselho Escolar para que seja atuante, de forma a ultrapassar a ideia predominante de que este órgão esteja voltado apenas para questões financeiras. A citada busca se fundamenta na crença que a gestão democrática e participativa é o caminho a seguir para garantir melhores resultados nas decisões tomadas. Inicialmente devo dizer que diversos são os percalços encontrados no caminho. Entre outros, a falta de tempo disponível para o Conselho por parte das famílias ou da própria equipe gestora da escola, em alguns momentos; a carência de pessoas que queiram legitimar a democracia assumindo compromissos e não apenas dando opinião. Como consequência desta convicção e destes obstáculos, como afirma a educadora Heloisa Lück (2009), cabe ao diretor liderar e garantir a atuação efetiva e participativa do Conselho Escolar, ressaltando que esta participação demanda preparação, e que é competência do diretor ser um grande mobilizador e orientador da importância desta participação. A experiência acima anunciada foi um verdadeiro rompimento de paradigmas. A começar pelo que provocou em mim. Eu mesma ficava me questionando, quando lia os artigos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, referentes à gestão democrática e participativa através do Conselho Escolar: como se aplicaria isto na prática? Questões como: que pauta trataremos? Com que frequência nos reuniremos? Será que terei tempo diante de tantas outras deman164

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das em minha agenda? E se o Conselho não aprovar as necessidades apontadas? Estas dúvidas e outras tantas outras permeavam meus pensamentos. Afinal decidi me lançar nesta experiência, que na minha opinião tem sido bastante exitosa. Sobretudo porque é percebido não apenas por mim, mas pelos outros membros do Conselho que, ao final do ano, costumam avaliar sua atuação. O que mais ouço em suas falas e vejo em seus rostos é a satisfação de se sentirem parte importante do processo gestionário do CEI Dolores Lustosa. Apresento este relato em duas sessões: começo por uma breve discussão sobre a instituição do Conselho Escolar e, a seguir, compartilho um pouco das experiências vivenciadas pelo Conselho Escolar do CEI Dolores Lustosa.

Uma breve discussão sobre o significado e o papel do Conselho Escolar A gestão democrática na educação pública é garantida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96 (LDBEN), no Art. 3º. Inciso VIII, bem como na Constituição Federal (Art. 206, Inciso VI). Um dos mecanismos de gestão democrática nas instituições escolares é a participação da comunidade escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes, ainda segundo a LDB. O caderno de estudos do Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares intitulado “Conselhos Escolares: democratização da escola e construção da cidadania”, traz a seguinte definição: Os Conselhos Escolares são órgãos colegiados compostos por representantes das comunidades escolar e local, que têm como atribuição deliberar sobre questões político-pedagógicas, administrativas, financeiras, no âmbito da escola. (BRASIL, 2004: p. 32).

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A amplitude destas atribuições tornam o Conselho Escolar uma instância fundamental na construção de uma escola de qualidade, que garanta os direitos das crianças. Importante ainda destacar esta abrangência diante do pensamento muito comum de se pensar que o Conselho Escolar está diretamente ligado apenas às questões financeiras. Para a construção da escola participativa é necessário superar esta visão restrita, reconhecendo a atuação do Conselho no conjunto das questões, pedagógicas, administrativas e financeiras. Esta visão ampliada está em consonância com a compreensão de que todos os sujeitos sociais são responsáveis pela prática educativa na escola. Aí, o Conselho Escolar pode contribuir para que todos façam um trabalho integrado, com vistas à melhoria da qualidade da educação, participando de reuniões, discutindo situações, deliberando; elaborando a proposta pedagógica, acompanhando a execução do calendário escolar, analisando os resultados das avaliações, no sentido de ajudar a qualificar as ações, acompanhar e apoiar na melhoria da infraestrutura e dos materiais pedagógicos. A presença do Conselho é fundamental em reuniões, cursos, fóruns promovidos pela Escola. Assim também na responsabilidade de discutir e executar estratégias para reduzir faltas e assegurar o cumprimento dos duzentos dias letivos e das oitocentas horas de aula anualmente previstos em lei. Como não existe fórmula pronta para garantir a qualidade na educação, para sua efetivação faz-se necessário observar aspectos importantes na construção coletiva e consciente. A educação de qualidade deve considerar não apenas a preparação para atuar no mercado de trabalho, que visa a produtividade e competitividade, mas também as condições de emancipação do sujeito, considerando as relações sociais, políticas e culturais. Deste modo, uma escola de qualidade é responsável pela aprendizagem ao mesmo tempo em que é pluralista, humanista e consciente de sua responsabilidade política. O Conselho Escolar pode e deve ajudar na construção desta qualidade no processo educativo, através de uma compreensão abrangente e precisa de suas ações. 166

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Experiências vivenciadas pelo Conselho Escolar do CEI Dolores Lustosa A gestão democrática e participativa está diretamente relacionada, entre diversos outros fatores, com a formação de um atuante Conselho Escolar. O Conselho CEI Dolores Lustosa, que de acordo com o Estatuto, deve ter representação de professores, funcionários administrativos, pais e direção, pode ser considerado como bastante atuante. Um dos indicadores desta característica é que os encontros são previamente agendados, sendo visível o interesse participativo de todos os membros, que, de uma forma geral, esforçam-se ao máximo para estarem presentes. Posso exemplificar citando a oportunidade em que um de seus membros, no caso uma mãe, chegou a solicitar liberação na empresa em que trabalha para participar de uma das reuniões. Este exemplo corrobora com a observação encontrada na reflexão da Profª. Maria Lúcia Carvalho (1979, p. 22): “... à medida que a consciência social se desenvolve, o dever vai sendo transformado em vontade coletiva”. Atualmente o Conselho Escolar CEI Dolores Lustosa é composto por dezessete pessoas, contando com a direção, secretária, seis professores, sete pais e dois funcionários administrativos, seguindo o que orienta o Estatuto quanto à representação. Quando há a necessidade de renovação, ocasionada por diferentes motivos, como a saída da criança para outra instituição, desistência, transferência de professor ou término de mandato, a Assembleia geral é convidada, por escrito, para uma reunião. Diante dos membros presentes da comunidade escolar, apresento o Estatuto da Unidade Executora CEI Dolores Lustosa, explicando a finalidade do Conselho, as vagas a serem preenchidas, os compromissos que as pessoas eleitas devem assumir, as funções de cada segmento, bem como quantas pessoas de cada representação deve ter em sua composição (pais, alunos, professores, funcionários e direção). Após esta explicação, peço que aqueles que querem se candidatar relatem para Entre (atos) do Ofício II

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os presentes os motivos pelos quais desejam participar do Conselho. Em uma destas ocasiões, um pai e uma mãe, que já eram membros há dois anos, decidiram se recandidatar, pois o mandato pode ser prolongado por mais dois anos. No discurso apresentado por eles, externaram o quanto se sentiam bem como pais fazendo parte do Conselho, porque podiam conhecer melhor a escola dos seus filhos, além de poderem também contribuir para que ela tenha mais qualidade, pois podem dar opiniões de acordo com o que consideram necessário. Falaram de forma tão convincente e emocionante, que foram eleitos por unanimidade e motivaram outros pais a se candidatarem, pois até então muitos não queriam, alegando ter receio de não darem conta. A cada ano, por ocasião do primeiro encontro, converso com os membros do Conselho sobre o calendário de reuniões, a fim de definir com que frequência iremos nos encontrar. No presente ano ficou acordado que teríamos encontros mensais, pois são muitas as necessidades da instituição, e desta forma evitaríamos longo período de hiato e acúmulo de decisões. Após este acordo, elaborei e distribui um calendário de encontros, por semestre, bem colorido, para que guardassem num lugar visível. Houve ocasiões em que, em meio a correria do dia a dia, os próprios conselheiros me lembraram da reunião; em outras eu lembrava e pedia para que a secretária telefonasse confirmando. Um dos procedimentos, por ocasião do planejamento, é abrir espaço para que todos os membros do Conselho externem assuntos que desejam conhecer, estudar, incluir na pauta. É o planejamento coletivo. Num destes planejamentos, uma mãe disse que queria conversar sobre bullying, pois seu filho mais velho havia passado por uma situação na escola que estudava e ela considerava ser necessário conversar sobre este tema, que é tão presente atualmente entre as crianças. Não conseguimos realizar o estudo ainda, mas divulgamos uma palestra sobre o assunto com um especialista na área. Eis alguns assuntos pautados nas discussões realizadas ao longo de nossos encontros deste ano: situação do acúmulo de lixo no 168

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entorno da escola, alta infrequência das crianças, casos de violência em alguns bairros atendidos, conteúdo do Estatuto da Unidade Executora, merenda escolar, controle de limpeza da caixa d’água, da cisterna e dos bebedouros – todos estes assuntos são abordados como forma de esclarecimento quanto às funções dos conselheiros. Sobre os três primeiros temas mencionados, houve momento de conversa, apresentação da situação atual, como forma de compartilhar e mantê-los informados, abrindo espaço para que possam contribuir na discussão junto à comunidade de que fazem parte, da forma como puderem. Expliquei com que frequência ocorre o controle de praga, a limpeza da cisterna, dos bebedouros e análise da qualidade da água, acompanhamentos estes que seguem os prazos legais estabelecidos pelas leis municipais, cujos certificados são expostos para a comunidade. Em relação à merenda, foi-lhes apresentado o livro “Merenda escolar é coisa séria”, de Vandemberg Lopes e Gabriela Alves Gomes (2008). Após apresentação inicial solicitei que fosse realizada a leitura em pequenos grupos. Este livro apresenta, de forma didática e ilustrada, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Expliquei que existem duas formas da escola adquirir o lanche: pode ser diretamente pela escola através do Conselho, ou via Secretaria de Educação, que é o caso de Sobral. Seguimos com a releitura realizada através de roda de conversa. Foi interessante o envolvimento de todos, conforme pode se perceber nas imagens abaixo:

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Após a leitura e discussão, foram apresentadas as seguintes informações: o cardápio elaborado por nutricionistas da Secretaria da Educação de Sobral; os horários do lanche, por turma; os gêneros alimentícios recebidos e a conferência dos itens na ocasião da entrega; o controle de estoque; as ações de realização das receitas e a hora do lanche. Percebeu-se grande curiosidade por parte de vários membros. Professores e pais muitas vezes não tem tempo no dia a dia para acompanhar todo o processo, embora se exponha o cardápio do dia, na entrada da instituição, para que a comunidade acompanhe. Neste momento, ao conversarem sobre o assunto, puderam sanar muitas dúvidas. Algumas perguntas feitas foram sobre os ingredientes usados na sopa, o que é feito quando a criança não aceita o lanche, qual a marca do leite, dentre tantas outras. Conversamos ainda sobre as visitas realizadas pelo setor da merenda escolar da Secretaria de Educação e pelo Conselho de Alimentação Escolar, que periodicamente acompanham a cozinha, observando os itens, a forma de armazenamento, além de realizarem teste de aceitação com as crianças, objetivando retirar alimentos que não são aceitos e/ou acrescentar outros, se necessário.

Visita ao Depósito de Merenda da instituição 170

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Outros pontos foram apresentados: a formação em serviço realizada para as merendeiras, o uso de toucas, farda e sapatos adequados. Após a explicação, convidei os membros para conhecerem o depósito da merenda, a cozinha, a merendeira e auxiliar de cozinha, e concluímos degustando o lanche, a fim de avaliarmos a qualidade da merenda servida às crianças, elogiada pelos conselheiros presentes. Sobre esta pauta, os conselheiros relataram o quanto foi bom entender melhor sobre a alimentação das crianças, pois tinham muitas dúvidas, principalmente os pais. É possível perceber o quanto é importante a atuação do Conselho e que seus membros tenham oportunidade de conhecer todos os setores e processos existentes na instituição, para que possam contribuir, modificar e sentir-se de fato parte do processo. Conhecendo, os conselheiros podem tomar decisões cabíveis, objetivando sempre o melhor para as crianças, além de se tornarem representantes reconhecidos da instituição junto à sua comunidade. Em uma das reuniões, enquanto conversávamos sobre matrículas, uma conselheira fez questão de falar que uma mãe que mora em sua rua havia questionado o critério de matrícula para o CEI Dolores Lustosa, dúvida que ela pode explicar direitinho. Exemplos como este evidenciam a importância do Conselho Escolar junto à comunidade. Outra pauta significativa discutida no semestre 2017.1 foi a infrequência escolar, que tem causado preocupações, pois este ano recebemos muitas crianças residentes em um novo Conjunto Habitacional, que abriga famílias oriundas de diferentes bairros da cidade. Percebia-se que muitas destas famílias não tinham o hábito de levar as crianças frequentemente para a escola. Quando íamos procurar saber o que estava havendo, nos deparamos com situações bem delicadas, a exemplo: famílias que voltaram para o bairro de origem sem dar satisfação nem aos vizinhos, outras em situação de vulnerabilidade, além daqueles casos que aparentemente não apresentavam nenhum motivo plausível. Para garantir êxito no trabalho da educação escolar, a frequência é fundamental; é por assim dizer, condição necessária para se Entre (atos) do Ofício II

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garantir o desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Na discussão da situação constatada, tornaram-se visíveis as preocupações externadas pelos membros do Conselho, ao refletirem coletivamente. Alguns que moram no citado Conjunto Habitacional se comprometeram em ajudar diretamente; outros apontaram sugestões visando contribuir com a redução da infrequência. Faz parte das atribuições do Conselho Escolar administrar/ planejar as finanças da Instituição. E nada melhor que decidir as prioridades necessárias para o bom funcionamento e atendimento às crianças tendo pais, professores e funcionários administrativos presentes: são muitos olhares, cada um com seu ponto de vista, que juntos trazem grandes benefícios para as crianças. Na pauta de uma de nossas reuniões foi inserido o debate das providências para reestruturar os banheiros infantis: havia necessidade de adquirir mais cubas para as pias de lavar as mãos e providenciar a substituição da bancada, que já era bem antiga e bastante desgastada. Haviam outras necessidades, visto que escola é vida, portanto, se bem usufruída, sempre precisará de algo mais, porém, decidimos que esta deveria prevalecer. E assim foi feito. Quando decidimos coletivamente, todos nos tornamos corresponsáveis, e como costumo dizer: se der certo ou errado, estamos juntos! E que bom que sempre dá certo!! Além das pias e bancadas, ainda deu para realizar uma linda pintura. Várias outras ações que dependiam da análise das prioridades e das condições financeiras foram decididas e realizadas junto com o Conselho. Dentre elas citamos: climatização da Secretaria, visto que não tinha como atender com qualidade os pais devido ao barulho externo; pintura, reparo dos bancos do refeitório, divisão de espaços para garantir que a coordenação e professor tivessem suas salas, manutenção predial, compras de materiais e equipamentos. Em relação à necessidade de fortalecimento do Conselho, divulguei para seus membros o Curso de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, promovido pelo Ministério da Educação (MEC) em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), presencial e à distância. 172

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Três membros se inscreveram e concluíram o curso, que trouxe mais qualidade às ações através dos conhecimentos adquiridos. Como parte da função de acompanhar e avaliar a Instituição, propus a realização de um encontro de avaliação, utilizando como referência os critérios do manual “Indicadores da Qualidade na Educação Infantil” (MEC, 2009), em que observamos o ambiente educativo e as práticas pedagógicas. O encontro transformou-se em rico momento de discussão, avaliação e encaminhamentos através da elaboração de um plano de ação, em que cada membro assumiu um compromisso quanto a sua execução. Alguns encaminhamentos foram: realização de palestras para os pais sobre limite e disciplina numa dimensão afetiva; encontros mensais entre professores, proporcionando mais lazer e entretenimento, visto que foi mencionado o dia a dia corrido, havendo pouco tempo para conversar e ampliar amizades. Foi por conta deste plano que surgiu a necessidade de promover um encontro com os pais para se fazer a revisão e se necessário, mudanças, na proposta pedagógica. Quanto à proposta pedagógica, expliquei as necessidades de mudanças, advindas por diferentes circunstâncias, principalmente pela ausência de informações sobre a comunidade e a Instituição no texto dos projetos em vigor, bem como de adequação às novas Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (2010). Adentramos no universo da pesquisa: alguns membros foram buscar informações sobre o bairro: número de habitantes, como era a instituição antigamente, quem era Dolores Lustosa, a pessoa homenageada no nome do CEI, quais os serviços oferecidos, fontes de renda e características culturais da comunidade. Após pesquisas e discussões, reuni as informações obtidas, escrevendo os primeiros textos da proposta pedagógica: I – História da instituição e de sua Proposta Pedagógica, II - características da população a ser atendida e da comunidade na qual se insere. Os textos foram revisados pelo Conselho, que ainda fez vários acréscimos e observações, como: “Falta colocar aí a Fábrica de sorvete, tem pais dos alunos que trabalham lá”; “Ah, a Associação do Bairro tem aula de Entre (atos) do Ofício II

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capoeira gratuita”. Observar o quanto o Conselho Escolar do CEI Dolores Lustosa já caminhou me faz ter a certeza de que estamos no caminho certo, pois construir toda esta participação trouxe grandes contribuições não apenas para a instituição, mas para minha vida profissional e pessoal. Tenho certeza de que já não sou mais a mesma e que de fato, juntos somos muito mais e que a escola é feita por todos.

Referências Bibliográficas BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. – Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. _______. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB : Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. – 5. ed. – Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Conselhos Escolares: democratização da escola e construção da cidadania. Elaboração Ignez Pinto Navarro...[et al.]. Brasília: MEC, SEB, 2004. 56 p. (Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, caderno 1). _______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil /Secretaria de Educação Básica. – Brasília : MEC, SEB, 2010. _______. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Indicadores da qualidade na Educação Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2009. 64 p. CARVALHO, Maria Lúcia R. D. Escola e democracia. São Paulo: EPU, 1979. 174

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LÜCK, H. et al. A escola participativa: o trabalho do gestor escolar. 8.ed. Rio de Janeiro, RJ: Vozes, 2010. VANDEMBERG, Lopes e GOMES, Gabriela Alves. Merenda Escolar é coisa séria. Fortaleza: Littere Editora, 2008.

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Sobre os Autores Ana Fábia Barbosa Aragão Graduada em Letras e Pedagogia. Leciona nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Está em fase de conclusão da Especialização em Gestão Educacional. Foi formadora do Programa de Alfabetização na Idade Certa – MAIS PAIC (2001-2017), e da Escola de Formação nos anos de 2009 a 2014. Atualmente, trabalha da Escola Emílio Sendim, onde construiu uma história profissional de grande relevância, sendo professora do 5º ano (2011-2017), alcançando junto à equipe escolar, professores, gestores, comunidade e os protagonistas discentes no ano de 2015 o IDEB – 9.8. Ana Letícia dos Santos Canuto do Nascimento Professora efetiva no CEI Professora Maria José Carneiro. Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) no ano de 2010, especialista em gestão, coordenação, planejamento e avaliação escolar pelo Instituto Superior de Teologia Aplicada (INTA) no ano de 2016. Atuou como professora-formadora da Educação Infantil pelo município em 2015. É coautora em dois artigos publicados no ebook intitulado por “A Educação sob múltiplos olhares: inquietações e buscas” e autora em um artigo publicado no ebook intitulado por “A Educação sob a ótica da transdisciplinaridade”. Ana Paula Bastos Ana Paula Bastos, filha de Veridiana Rodrigues Bastos, neta de Lindaura Rodrigues Bastos. Apaixonada pelo poder de emancipação causado pela Educação e atuante na área educacional desde 1997, seja como professora, coordenadora pedagógica, formadora de professores ou palestrante. Antonia Mílvia Carvalho Soares Siqueira Diretora Escola José da Matta e Silva, professora efetiva da rede municipal, especialista em Gestão Escolar e Língua Portuguesa. Foi superintendente Escolar adjunta da Secretaria de Educação de Sobral 176

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por 10 anos, de 2003 a 2013. Diretora da escola Emílio Sendim de 2014 a 2016. Atualmente é diretora da Escola José da Matta e Silva. Christopher Moura Montezuma Graduado em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica. Professor do Centro de Educação Infantil Domingos Olímpio e de Atendimento Educacional Especializado na Escola José da Matta e Silva. Membro do grupo de Estudos “AEE em modelagem” que tem como objetivo discutir e estudar temas referentes à Educação Inclusiva no município de Sobral. Denize Bernardo da Silva Aguiar Graduada em Pedagogia e Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú -UVA. Atua como Coordenadora Pedagógica no CEI Tereza Rodrigues dos Santos. Francisco Régis Cordeiro da Silva Graduado em Letras. Especialista em Língua e Literatura (UVA). Especialista em Gestão Escolar(UFC). Atua como professor Orientador de EJA – Sobral-CE. Professor do ensino regular Fund. II em Forquilha-CE. Professor do Ensino Médio e Professor de institutos de ensino superior. Um apaixonado pela educação. Francisco Vilar Vasconcelos Graduado em pedagogia; especialista em Gestão Escolar; professor efetivo do município de Sobral. Atualmente está na função de coordenador pedagógico na Escola Coronel Francisco Aguiar. Francisco Welton Gomes Damasceno É professor efetivo da rede pública de Sobral. Atualmente, ocupa a função de coordenador pedagógico na Escola Leonília Gomes Parente, localizada no distrito de Jaibaras, Sobral-CE. Jóina Maria do Espírito Santo Graduada em Pedagogia pela URCA e graduada em Letras pela UVA. É Diretora da Escola Elpídio Ribeiro da Silva no distrito de São José do Torto (Sobral-CE). Entre (atos) do Ofício II

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José Wellington Rodrigues de Lima Formado em Letras pela Universidade Estadual Vale do Acaraú-UVA. Professor de Língua Portuguesa da rede municipal de Sobral na Escola Professora Maria José Santos Ferreira Gomes. Maritânia Cardoso de Oliveira Graduada em geografia pela URCA. Especialista em Gestão Educacional pela UVA. Atualmente, é professora do ensino regular fundamental II no distrito de São José do Torto – Sobral – CE. Na Escola Elpídio Ribeiro da Silva. Uma apaixonada pela educação. Rita Alcina Monteiro Silva Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual Vale do Acaraú. Especialista em Didática da Matemática pelo Instituto Superior de Teologia Aplicada.Professora efetiva da Rede Municipal de Sobral. Formadora de Matemática das séries iniciais do Ensino Fundamental. Diretora da Escola Senador Carlos Jereissati. Sílvia Maria Monteiro Lima Graduada em Pedagogia pela UVA. Especialista em Gestão Escolar e Metodologia do Ens Fund e Medio, pela UVA. Professora da Rede Publica Municipal de Sobral. Foi coordenadora pedagógica. Foi Diretora das escolas 1° de Maio (atual José da Matta), Maria José Santos Ferreira Gomes e Raul Monte. Hoje é Diretora da Escola Caic Raimundo Pimentel Gomes. Ticiane Maria de Sousa Silva Pedagoga. Especialista em Educação Infantil e em Gestão Escolar, ambas pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Professora da Rede Municipal de Sobral – CE e atualmente Diretora do Centro de Educação Infantil Dolores Lustosa. Atuei por 2 anos na coordenação pedagógica de um Centro de Educação Infantil Municipal. Professora Pesquisadora pelo Plano Nacional de Formação de Professores PARFOR, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

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Sobre os Organizadores Carmélia Maria Aragão Graduada e Mestre em Letras pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Doutora em Literatura, Cultura e Contemporaneidade com ênfase em formação do leitor pela PUC-Rio. Atualmente trabalha com assessoria pedagógica na Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (ESFAPEGE), em Sobral. Fernando Henrique Rodrigues de Lima Graduado em Letras e Mestre em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) e doutorando em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor efetivo da rede de ensino estadual do Ceará. Atualmente trabalha com assessoria de Produção Textual na Escola de Formação Permanente do Magistério e Gestão Educacional (ESFAPEGE), em Sobral. José Edvar Costa Graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), Mestre e Doutor em educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e professor adjunto do curso de Pedagogia da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA).

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SOBRAL: Av. Monsenhor AloĂ­sio Pinto, 406 - Bairro Dom Expedito - (88) 3112.3100 FORTALEZA: Av. Santos Dumont, 2828 - Sala 901 - Bairro Aldeota - (85) 3061.0044

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