Conexões Escolares com a TV Digita. Caderno 2 - Trilhas Televisivas

Page 1

TRILHAS TELEVISIVAsS CADERNO 2

Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa (Organizadoras) Ludmila Gomides Freitas Aline Neves Rodrigues Alves Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Heli Sabino de Oliveira Marcelo Dias



CADERNos temรกticos Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa (Organizadoras)

CADERNO 2

Trilhas Televisivas

Ludmila Gomides Freitas Aline Neves Rodrigues Alves Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Heli Sabino de Oliveira Marcelo Dias

Sรฃo Paulo Seja Digital 2017


Ficha técnica Organizadoras Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Autores Ludmila Gomides Freitas Aline Neves Rodrigues Alves Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Heli Sabino de Oliveira Marcelo Dias Autor Convidado Marcos Antônio Silva Colaboradores Ana Tereza Melo Brandão Fernando G. O. Dias Neias Marcus Aurelio R. Manhaes Suzana Fernandes de Souza Projeto Gráfico e Capa Warley Bombi Ilustrações Warley Bombi Roberto O. Melo Revisão Virgínia Mata Machado Realização Seja Digital

C122

Cadernos temáticos: Conexões escolares com a TV digital/ Cirlene Cristina de Sousa; Deisy Fernanda Feitosa, organizadoras. – São Paulo: Seja Digital, 2017. 4 v.: il. ISBN: 978-85-8007-110-8 Inclui Bibliografia Caderno 1. Televisão: mais que uma palavra?/ Aline Neves Rodrigues Alves, Cirlene Cristina de Sousa, Deisy Feitosa, Denise Prado Figueiredo, Heli Sabino de Oliveira, Ludmila Gomides Freitas, Marcelo Dias – Caderno 2. Trilhas televisivas/ Aline Neves Rodrigues Alves, Cirlene Cristina de Sousa, Deisy Feitosa, Heli Sabino de Oliveira, Ludmila Gomides Freitas, Marcelo Dias, Marcos Antônio Silva – Caderno 3. Materialidades televisivas/ Aline Neves Rodrigues Alves, Cirlene Cristina de Sousa, Deisy Feitosa, Heli Sabino de Oliveira, Ludmila Gomides Freitas, Marcelo Dias – Caderno 4. Geodiversidades televisivas/ Aline Neves Rodrigues Alves, Cirlene Cristina de Sousa, Deisy Feitosa, Heli Sabino de Oliveira, Ludmila Gomides Freitas, Marcelo Dias, Shirley Santos Oliveira. 1. TV digital e pedagogia do olhar 2. História da televisão, materialidades, geotelevisão e sinal digital 3. Educação midiática, televisão digital e escola básica. CDD- 302.2307

Todos os direitos reservados pela Seja Digital

A reprodução total ou parcial desta obra é permitida desde que citada a fonte.


Sumário Apresentação

7

Conexões escolares com a tv digital

9

Trilhas televisivas

13

Uma breve história da TV

17

TV, sociedade e escola

27

Na trilha da TV digital

31

Propostas de atividades e oficinas (Fundamental I)

37

Televizinho: uma memória da infância

38

História oral

41

Atividades e oficinas (Fundamental II)

42

Atividades e oficinas (EJA)

43

Diálogo entre a escola e os conteúdos televisivos

45

Diálogo entre a escola e os conteúdos televisivos – Sequência didática

47

Referências

50



˜ Apresentação Car@ professor@, até o final de 2018, a exemplo de vários países do mundo, grandes e médias cidades do Brasil terão o sinal analógico terrestre de TV desligado, o que, de certa forma, vai impactar o cotidiano da população nas esferas econômica, social e ambiental. Por isso, a Seja Digital, Entidade Administradora da Digitalização da TV, propôs a construção de um material educativo que pudesse explorar os detalhes desse processo, a partir do princípio da transdisciplinaridade. Assim nasceu a coleção “Conexões Escolares com a TV Digital”, um rico material que dialoga com várias áreas do currículo escolar, especialmente Geografia, História e Ciências, construído por pesquisadores especialistas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), que já viveram ou vivem o dia a dia da escola. A Seja Digital é uma organização sem fins lucrativos, constituída por determinação do governo federal para acelerar o processo de transição do sinal de TV nos domicílios brasileiros. Começamos pensando nossa operação como um projeto muito centrado em tecnologia, mas hoje temos a certeza de que é muito mais do que isso. É, de fato, um projeto de inclusão e de utilidade pública, pela importância que a TV tem na vida das pessoas, pelas oportunidades que a TV digital oferece e pelo que vem depois, uma vez que o desligamento do sinal analógico de TV viabiliza uma política pública de expansão da banda larga móvel no nosso país. Com isso em mente, entendemos que é importante levar essas discussões à sala de aula e à comunidade escolar como um todo, a fim de que ninguém seja deixado para trás nem fique sem ver TV. Motivados e cheios de alegria, esperamos contar com o seu apoio. Dessa forma, gostaríamos de saudá-l@, caro professor@, desejando-lhe que a coleção “Conexões Escolares com a TV Digital” seja mais que uma excelente leitura, seja um grande apoio na construção e no planejamento de suas aulas. Seguimos em frente, sem deixar ninguém para trás! Antônio Carlos Martelletto CEO da Seja Digital

trilhas televisivas

7



Caro@s Professor@s, Chega para vocês a coletânea Conexões escolares com a TV digital, elaborada a partir de uma parceria entre a empresa Seja Digital e professor@s mestres e doutores que atuam na educação básica e superior. O objetivo primeiro dos cadernos é ter a comunidade escolar como parceira de mobilização do projeto de desligamento do sinal analógico de TV. A princípio, o convite para escrevermos estes cadernos suscitou-nos duas questões, a saber: este acontecimento tão pontual como da migração de um sinal de TV atrairia o interesse do professor@ da educação básica? Por que o convite à participação da escola neste projeto de migração de sinal? A partir dessas questões, procuramos entender como a escola poderia se conectar ao projeto da Seja Digital. Compreendemos que a proposta pedagógi-

ca destes cadernos ultrapassa o acontecimento da migração de sinal televisivo. A escola está sendo convidada a ampliar suas reflexões sobre o processo de democratização da comunicação digital no Brasil. E foi essa possibilidade que moveu e sensibilizou cada um de nós, autores e convidados desta coletânea, que agora compartilham com vocês o produto de suas reflexões. Assim, dois objetivos orientam a escrita dos cadernos. O primeiro visa a informar e formar a população brasileira sobre a mudança do sinal analógico para o sinal digital de televisão, mobilização que também se faz urgente no “chão da escola”, lugar da experiência, das trocas, das práticas e vivências do coletivo escolar. O segundo objetivo é transformar esse acontecimento em uma oportunidade de fortalecer a educação midiática na escola básica.

trilhas televisivas

9


A Seja Digital tem construído uma rede de colaboradores por todo o Brasil. Centros religiosos, movimentos sociais, universidades, ONGs, lideranças comunitárias e jovens têm apoiado este projeto em suas comunidades. Mas, como educadores, acreditamos que é no “chão da escola” que muitas crianças, jovens e adultos terão a oportunidade de experimentar mais fortemente o mundo da cultura digital. Na escola a democratização do sinal digital de televisão pode alçar voos maiores. Por isso, a Seja Digital estende este convite a você professor@, com o desejo de que nenhum brasileiro fique sem acesso ao sinal de televisão e, mais especificamente, que se construam na escola

pedagogias capazes de provocar educações midiáticas entre os sujeitos escolares. Esta coletânea contém quatro cadernos temáticos, organizados por cores. O caderno Televisão: mais que uma palavra? traz uma discussão teórico-metodológica da relação entre “televisão, currículo escolar e ‘pedagogia do olhar’”. Os demais cadernos estão divididos em dois eixos: um teórico-formativo e outro com sugestões, atividades e oficinas. Cada cor indica uma temática específica. Não há uma hierarquia, nem uma sequência linear entre as temáticas ou propostas de leitura; cada professor pode construir seu próprio percurso de reflexão. Nessa perspectiva, apresentamos um resumo de cada caderno.

1. Televisão: mais que uma palavra? O caderno articula três questões distintas: cultura midiática, currículo escolar e “pedagogia do olhar”. A primeira diz respeito ao conjunto de mudanças verificadas na sociedade nas últimas décadas. As novas tecnologias da informação e da comunicação se fazem presentes nos mais longínquos rincões do país, modificando profundamente a relação entre indivíduo e sociedade. Além das alterações na esfera do trabalho e do consumo, novas formas de se relacionar têm surgido, afetando a subjetividade dos sujeitos. Até a condição de aluno foi afetada: as redes sociais, a internet e o celular são, não raro, usados para a realização de trabalhos, revisões de provas e para fotografar a lousa, com registro de informações escritas pelo professor. A segunda questão diz respeito ao currículo escolar. O advento da midiatização da cultura impõe a necessidade da construção de novas competências: agora as escolas têm o desafio de formar @s alun@s para viverem na sociedade da informação. A terceira questão diz respeito à “pedagogia do olhar” (FREIRE, 1983; CHAUÍ, 1998; FISCHER, 2006), uma perspectiva investigativa que busca compreender a televisão como objeto de estudo, com linguagem e interesses próprios. Trata-se de um olhar denso, marcado pela curiosidade e pelo estranhamento.

10

conexões escolares com a tv digital

CADERNO 1

Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa (Organizadoras) Cirlene Cristina de Sousa Heli Sabino de Oliveira Aline Neves Rodrigues Alves Deisy Fernanda Feitosa Ludmila Gomides Freitas Marcelo Dias

˜ Televisao: Mais que uma Palavra?


2. Trilhas televisivas. O caderno demonstra que, ao lado de outras esferas educativas, como família, escola e centros religiosos, a televisão participa da educação e da tessitura das experiências cotidianas de todos nós. Ela influencia o nosso imaginário, afeta nossos comportamentos, nossas identidades e nossas subjetividades. A partir dessa consideração do papel pedagógico da televisão na sociedade contemporânea, este caderno faz um percurso pela história da televisão, dialogando com as várias trilhas linguísticas, técnicas e discursivas que esse dispositivo de comunicação foi construindo ao longo dos anos. A história televisiva influencia também nesse seu percurso o mundo dos afetos, das curiosidades, dos hábitos e das memórias dos seus públicos. Um capítulo à parte dessa história é a chegada definitiva da TV digital nas experiências midiatizadas de todos nós no Brasil.

3. Materialidades televisivas. O caderno aborda a mudança do sinal de televisão analógico para o digital sob o ponto de vista da cultura material – tubos de raios catódicos, sinais eletromagnéticos, píxels e bytes – tendo em vista três eixos teóricos: Antropoceno, uma nova era geológica definida pela ação humana sobre o planeta; teoria do ator rede, pessoas e coisas (como objetos, animais e ondas) serão igualmente responsáveis pela consolidação de uma nova tecnologia, a televisão digital; bricolagem, prática que permite criar novas montagens a partir dos objetos existentes. No caderno, é explorada a natureza das ondas eletromagnéticas e como a informação pode ser transmitida por meio delas, contrastando-se a diferença entre a transmissão e a recepção do sinal analógico e digital. O descarte incorreto das televisões de tubo é um dos desafios a serem enfrentados pela chegada da tecnologia de televisão digital, por isso são apresentadas formas de abordagem e atividades referentes ao tema, buscando soluções dentro dos três ‘R’ da reciclagem: reduzir, repensar e reciclar. O progresso técnico não é notado como algo linear/esperado, mas problematizado como mudanças advindas de demandas e/ou interesses econômicos, políticos, culturais e sociais que afetam instituições e sujeitos.

TRILHAS TELEVISIVAsS CADERNO 2

Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa (Organizadoras) Ludmila Gomides Freitas Aline Neves Rodrigues Alves Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Heli Sabino de Oliveira Marcelo Dias

materialidades TELEVISIVAS CADERNO 3

Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa (Organizadoras) Marcelo Dias Aline Neves Rodrigues Alves Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Heli Sabino de Oliveira Ludmila Gomides Freitas

materialidades televisivas

1

trilhas televisivas

11


4. Diversidades geotelevisivas. O caderno reflete sobre o fenômeno da televisão no cotidiano da sociedade brasileira. Para isso, são utilizados os conceitos norteadores da ciência geográfica em articulação com a prática pedagógica em sala de aula. Investimos em uma proposta didática alicerçada no diálogo entre o caderno e o professor@ e na cooperação teórica, a fim de contribuir e incentivar novas experiências sobre o tema TV no contexto escolar. Espera-se que, ao final da leitura do caderno, você, professor@, trabalhe os seguintes parâmetros: TV, como objeto situado no lugar; TV, como equipamento que apreende a diversidade de paisagens; TV, como rede (material e imaterial) construída nas regiões brasileiras; e TV, como fenômeno técnico-científico-informacional (mundial), que territorializa espaços, a partir das relações de poder e que, consequentemente, mobiliza indivíduos e coletivos.

Como se pode notar, os quatro cadernos são independentes e, ao mesmo tempo, complementares. São independentes porque você pode começar sua leitura pelo tema que desejar ou necessitar. Complementares, porque um tema convoca outros. Ou seja, nossa intenção foi produzir textos dialógicos e formativos. Desejamos que os elementos formativos, atividades e oficinas desses cadernos possam auxiliar no entendimento sobre a importância da cultura midiática para os currículos escolares e para a educação midiática de todos nós. Convidamos você, professor@, a caminhar por essa trilha, navegar por essas ondas, explorar esse mosaico e desnaturalizar o olhar que temos sobre a TV. Boa leitura!

12

conexões escolares com a tv digital

DIVERSIDADES GEOTELEVISIVAS CADERNO 4

Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa (Organizadoras) Aline Neves Rodrigues Alves Cirlene Cristina de Sousa Deisy Fernanda Feitosa Heli Sabino de Oliveira Ludmila Gomides Freitas Marcelo Dias


TRILHAS TELEVISIVAS As transmissões de TV cobrem 97,1% do território brasileiro (IBGE, 2015), levando informações, entretenimento, modelos culturais, valores éticos e políticos aos mais distantes rincões do país. Os programas de TV pautam as discussões em família, as conversas no balcão da padaria, no ônibus ou metrô, no pátio das escolas e nas filas do banco. Enfim, geram assunto entre amigos e até entre desconhecidos, dão o mote das conversas nos mais diferentes momentos do nosso cotidiano. Curioso pensar que nem sempre foi assim... Essa companheira de todas as horas está presente na vida dos brasileiros de forma massiva, há pouco mais de quatro décadas, e o que percebemos é que a sua tecnologia e linguagens estão em constante movimento.

TRILHAS televisivas

13


Convidamos você, professor@, a percorrer as trilhas do mais influente meio de comunicação de nosso país e do mundo. Falaremos um pouco sobre suas origens, a chegada da TV no Brasil e seus impactos na cultura e na sociabilidade. Da TV preto e branco e produzida ao vivo, passamos à profissionalização dessa indústria da informação e do entretenimento, quando ela ganha mais qualidade em sua técnica e no modo de produzir e transmitir seus conteúdos. Hoje, a chegada da TV digital bate à nossa porta: melhoria substancial de som e imagem (chega de chuviscos!) e possibilidade de conteúdos com o recurso da multiprogramação. Assistir ao programa favorito ficará mais fácil: com a portabilidade, o sinal é transmitido também para tablets, computadores e celulares. Mais: entramos na era da TV interativa, que abre possibilidades para o exercício da cidadania, por meio dos meios de comunicação de massa, facilita o acesso a serviços de utilidade pública, além de permitir a fruição da TV de forma mais personalizada e subjetiva. Todos esses incrementos foram possíveis devido a avanços tecnológicos significativos produzidos em diversos países, inclusive em universidades e institutos de pesquisa do Brasil. Para percorrermos as trilhas da história da televisão, alguns personagens se juntarão a nós a partir de agora:

Pixelvânia

Uma aluna esper tudo sobre as pos ta que já aprendeu inauguradas pela sibilidades TV digital.

o d l i g o l a n A Seu mória, irá e m a t s a v Com sua como a TV, há nos contar articipa da vida gerações, p rasileira. cotidiana b

14

conexões escolares com a tv digital


TV: centro da sociabilidade e do espaço público.

Imagem 1. Ludmila Gomides Freitas.

A foto foi tirada por mim, autora deste Caderno, em 1998, com uma máquina fotográfica analógica. Esta é a pracinha de uma aldeia de pescadores nas proximidades de Natal – RN. A televisão ficava cuidadosamente guardada neste armário de alvenaria rosa; à noite, as pessoas se sentavam na arquibancada em frente para assistir à programação e conversar.

Professor Luiz

Irá tirar todas a relação aos ava s nossas dúvidas em trazidos pela TV nços tecnológicos digital.

Diginácio

Com o grande conhecimento técnico que tem sobre a TV digital, vai nos preparar para o apagão analógico.

trilhas televisivas

15


Sinto nizese!

A transmissão da TV digital terrestre vai contribuir para a inclusão e democratização do acesso ao mundo digital, num momento em que a internet banda larga ainda não é uma realidade para a grande maioria dos brasileiros. No país, segundo dados de 2015 do IBGE, o celular é o principal meio para se acessar a internet. Em 2015, 92,1% dos domicílios brasileiros acessaram a internet por meio do telefone celular, enquanto 70,1% dos domicílios o fizeram por meio do microcomputador.

Quando falamos de TV, além de um complexo artefato cultural e econômico, estamos lidando com uma linguagem audiovisual híbrida (por reunir elementos do rádio, teatro, música, cinema e fotografia) que transmite modelos culturais, projetos socioeconômicos e políticos. A TV veicula em seus diversos produtos – jornais, novelas, anúncios e programas de auditório – modos de existência, comportamentos a serem adotados ou banidos, maneiras de cuidar e de se relacionar com o corpo, a sexualidade e a saúde (FISCHER, 2006). Enfim, a TV perpassa

16

conexões escolares com a tv digital

as várias dimensões da vida social e individual, configurando-se como um importante dispositivo pedagógico. Aprendemos com Paulo Freire o papel do educador no incentivo para que crianças, jovens e adultos consigam, de modo criativo e crítico, ressignificar a cultura que lhes é oferecida pela comunicação de massa, especialmente a televisão (OROFINO, 2005). Nesse sentido, é fundamental que a escola acolha as discussões sobre a função social da TV. A chegada da TV digital num futuro bem próximo é, portanto, um convite a essa discussão.


1. Uma breve trajetória da TV

Imagem 2: Público assiste à primeira transmissão da TV. Fonte: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

Os primeiros protótipos de televisão surgiram na década de 1920, mas as primeiras transmissões ocorrem apenas na década seguinte. A BBC TV (Inglaterra) foi o primeiro canal de TV do mundo e iniciou suas transmissões analógicas, ainda de modo experimental, em agosto de 1932. Em 1936, a transmissão passou a ser regular. Em seguida, países como Alemanha, EUA e União Soviética iniciaram também suas transmissões. Naquela época, pouquíssimas pessoas podiam comprar um objeto tão caro. Só após a Segunda Guerra Mundial é que os aparelhos começaram a ser fabricados em escala industrial.

ZAPe ANDO Os primeiros anos da TV brasileira foram marcados pelo improviso e a precariedade. Grande parte da estrutura e da linguagem vinha do rádio: estúdios, equipamentos, técnicos e locutores. “Com a programação e a propaganda transmitidas ao vivo, as possibilidades de gafes eram grandes: cenários desabavam, produtos anunciados pelas garotas-propaganda não funcionavam. Até o início dos anos 60, com a implantação do videoteipe, a criatividade foi fundamental para a superação dos inúmeros problemas” (HAMBURGER, 1998, p.456).

A TV Tupi, primeira emissora nacional, tinha como logotipo um índio de olhos ocidentalizados; em seu cocar, no lugar de penas, havia antenas de TV. Professor@, que tal pesquisar com seus alun@s como eram as logomarcas dos primeiros canais de TV brasileiros?

trilhas televisivas

17


Sinto nizese!

Segundo o censo do IBGE de 2014, em 15,1 milhões de domicílios, o sinal analógico ainda era a única opção para assistir à programação da TV, ou seja, 23,1% do país. Das cinco regiões, a Norte tinha a maior proporção de residências ainda dependentes exclusivamente do sinal analógico (27,7%). Essa dependência era menor na região Sudeste (21,8%). O IBGE não tem dados mais recentes sobre a TV analógica, mas acredita-se que seu uso tenha declinado desde 2014, com campanhas do governo sobre o fim do sinal e a distribuição de conversores a famílias beneficiadas pelos programas sociais do governo federal. Além disso, em 2014, a TV digital crescia em alta velocidade. O número de domicílios com serviço de TV digital subiu de 19,7 milhões, em 2013, para 25,9 milhões, em 2014, um avanço de 31%. Isso equivale a 39,8% das residências com televisores. Essa proporção é ainda maior na região Sudeste: 45,7% dos lares. Já as regiões de menor penetração do sinal digital são Nordeste e Norte – 30,6% e 21,1% dos domicílios não têm o sinal, respectivamente. Fonte: IBGE, censo 2014.

No Brasil, a TV tem início em 1950, com a fundação da TV Tupi, uma iniciativa do jornalista e empresário Assis Chateaubriand. No dia da primeira transmissão, em 4/7/1950, as pessoas se aglomeraram, curiosas e fascinadas, no saguão dos Diários Associados para ver aquela grande novidade! Além dos equipamentos para a transmissão do sinal, foram importados mais de cem televisores. Esses foram distribuídos em diversos pontos da cidade de São Paulo, para que o público pudesse assistir ao show do cantor mexicano José de Guadalupe Mojica. Meses depois, em 18/9, a TV Tupi transmitia seu primeiro programa, o “Show da Taba”. Estava no ar a primeira estação de TV da América do Sul. Com origem em São Paulo, rapidamente

18

conexões escolares com a tv digital

a TV Tupi expandiu seu alcance com a criação das emissoras associadas: em 1955 o canal possuía estações no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Goiânia, Salvador, Recife, Fortaleza, Campina Grande, São Luís e Belém. A TV Tupi dominou o mercado brasileiro nos seus primeiros 20 anos, apesar do surgimento de outras emissoras: em 1952, surge a TV Paulista, em 1953, a Record, em 1954, a TV Rio, em 1956, a TV Itacolomi, em Belo Horizonte, e em 1958, a TV Cultura em São Paulo. A TV demorou a chegar aos lares brasileiros. Apesar do número considerável de emissoras, foi somente a partir dos anos 1970 que a TV passou a exercer uma maior influência no cotidiano dos brasileiros, ainda que timidamente. Você perceberá isso pelos números:


BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL Centro-oeste

Proporção dos domicílios com televisão BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL Centro-oeste

4,6% 0% 0,6% 12,44% 0,8% 0,34%

BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL Centro-oeste

1970

56,1% 33,9% 28,1% 74,1% 17,3% 44,7%

1991

1960

2014

1980 BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL Centro-oeste

97,1% 93,3% 96,3% 98,1% 97,9% 96,7%

22,8% 8% 6% 34,8% 17,3% 10,5%

BRASIL NORTE NORDESTE SUDESTE SUL Centro-oeste

71% 48,7% 47,2% 84,4% 79,7% 69,7%

Fonte: Censo Demográfico IBGE, décadas de 1960, 1970, 1980, 1990 e 2014

trilhas televisivas

19


Ter TV em casa era para poucos! Dona Glória, 70 anos, tem boas recordações daquele tempo: “Na época quase não tinha televisão, tínhamos só o rádio. Então a gente acabava assistindo no televizinho! Aquele vizinho que tinha poder aquisitivo melhor comprava uma televisão, então todo mundo ia pra lá para assistir à programação. Uma das primeiras coisas que vi foi um programa do Sílvio Santos. Eu achei lindo demais! Eu vi e pensava que as pessoas estavam ali dentro daquele aparelho...”

20

conexões escolares com a tv digital


Sinto nizese!

TV, Estado e política Ao longo desses mais de 50 anos de TV no Brasil, o Estado, nos seus diferentes governos, exerceu influência decisiva sobre sua trajetória. Deteve sempre o poder de conceder e cancelar as concessões de TV, embora tenha mantido uma política de estímulo às emissoras comerciais. Nas décadas de 1950 e 1960, o Estado, por meio de bancos públicos, concedeu inúmeros empréstimos às emissoras privadas. Durante o Regime Civil-Militar (1964-1985), os investimentos aumentaram. Com a instalação da censura, a partir do Ato Institucional 5 (AI-5, de 1968), muitos autores e atores tiveram sua liberdade de expressão tolhida. No entanto, a TV desempenhou papel fundamental de sustentação e apoio ao governo ditatorial.

A partir da década de 1980, a Embratel (Empresa Brasileira de Telecomunicações), fundada em 1965, permitiu que as redes emitissem sinais abertos, capazes de ser captados diretamente do satélite por antenas parabólicas, localizadas em qualquer local do país. A partir daí, houve uma expansão significativa do acesso à TV no Brasil, mas, para muitos, ver TV continuava sendo algo difícil. O testemunho de Seu Estevão, morador da zona leste de São Paulo, ilustra bem esse passado: “Eu fui ver TV já tinha 13 anos de idade, eu fui criado na roça. A gente andava oito léguas para ir assistir à novela Roque Santeiro numa outra casa. Mas se a gente chegava lá e o dono da casa estava injuriado, ele desligava e a gente voltava pra trás”.

Na seção de atividades apresentaremos a você um relato sobre a importância do televizinho na expansão do público televisivo.

Embora as condições materiais tenham dificultado o acesso à TV nas primeiras décadas, sua penetração na sociedade foi sentida desde o início, até mesmo entre aqueles que não a possuíam. Não é exagero dizer que a chegada da televisão, pouco a pouco, alterou profundamente a cultura do país. Símbolo de status e de modernidade, em torno da TV passaram a gravitar a sociabilidade, o interesse e os desejos dos brasileiros. A veiculação da publicidade criou novos hábitos de consumo. A moda, as gírias, o padrão de beleza, os modelos de homem, mulher, casamento e família, enfim, as diferentes dimensões da constituição das identidades e subjetividades passam a caminhar sob a influência dessa mídia. Dona Glória lembra o quanto eram divertidos os finais de semana na frente da TV: “Na Record, eu assistia a Família Trapo, era muito alegre! Tinha o Ronald Golias, o Jô Soares... De final de semana, a gente nem procurava ir ao cinema, ficava em casa assistindo TV”. Era a TV se transformando no objeto mais importante da sala: a telesala! Em torno dela a família se reunia para assistir à programação e, claro, conversar sobre ela! O primeiro beijo em uma novela, por exemplo, gerou polêmica em muitas famílias, explicitando as diferenças geracionais.

trilhas televisivas

21


Apesar de a Rede Globo não ter inventado o telejornalismo, acabou estabelecendo um modelo de como fazê-lo quando criou o “Jornal Nacional”, em 1969. A emissora ligou o texto à imagem, eliminou o improviso, impôs uma duração rígida ao noticiário, deu ritmo à locução dos apresentadores, aperfeiçoou o cenário e as imagens. Imagem 3. Jornal Nacional. Fonte: Cinemateca Brasileira.

Você se lembra ou já parou para imaginar como era a experiência de assistir à TV no formato preto e branco? Ver um jogo de futebol não era tarefa fácil, pois como distinguir os dois times sem ver as cores das camisas? Às vezes acontecia de a gente comemorar o gol do adversário...

A TV trilhou novos caminhos no acesso à informação. Até então, o rádio era o principal meio de comunicação de massa, e levava a música, o entretenimento e as notícias do Brasil e do mundo para dentro dos lares brasileiros (e até hoje continua exercendo essa função). O programa diário “A Voz do Brasil”, que passa em todas as rádios, às 19hs, criado no governo do presidente Getúlio Vargas, segue narrando os acontecimentos políticos e sociais desde 1935. Com a TV e o telejornalismo, a apreensão do mundo não se dá apenas pelo ouvir; os sons e as imagens que desfilam pela telinha permitem olhar o mundo, ser testemunha ocular da história. No entanto, foi preciso um longo tempo para que os telejornais alcançassem esse formato dinâmico na apresentação das notícias, tal como conhecemos hoje. Vale destacar o comentário do crítico de TV, Luís Lobo, em 1969: “Ler um papel em frente às câmeras não é informar.

22

conexões escolares com a tv digital

ZAPe ANDO

Mostrar uma foto que todo mundo já viu também não é. Jornalismo de televisão tem de ser muito mais” (In REZENDE, 1985, p. 108). No início, a TV brasileira não tinha uma linguagem própria e, por isso, utilizava a linguagem do rádio, à época extremamente popular em todo o território brasileiro. Além disso, a TV recebeu como herança as linguagens do cinema, da pintura, do jornal impresso e da fotografia. Um dos programas pioneiros e de grande sucesso foram os teleteatros: gravados e transmitidos ao vivo, os textos clássicos da literatura (Hamlet, de Shakespeare, e Crime e castigo, de Dostoievski, por exemplo) eram encenados por atores oriundos do teatro ou do rádio. Daí para a criação da telenovela, uma invenção da TV Tupi, foi apenas um passo. No jornalismo, a emissora repetiu na tela o sucesso do Repórter Esso, que marcou época no rádio brasileiro a partir de 1941; no


formato televisivo, ficou no ar por 18 anos. A introdução da tecnologia do videoteipe, no início dos anos 1960, representou uma mudança no modo de se fazer TV. Tal recurso impulsionou produções de conteúdo como as telenovelas, e também viabilizou a criação de uma estratégia de programação horizontal: “A veiculação do mesmo programa em vários dias da semana criou o hábito de assistir à televisão rotineiramente, prendendo a atenção do telespectador” (MATTOS, 2002). A implementação de dois conceitos-chave, horizontalidade e verticalidade (inaugurados pela TV Excelsior), foi fundamental para a construção de uma programação homogênea. Tais conceitos tiveram aplicação no começo dos anos 1960, sendo uma das características da nova emissora

que surgia, a Rede Globo, em 1965 (BORELLI; PRIOLLI, 2000, p. 81). Você, professor@, talvez saiba que muitos programas produzidos aqui, principalmente as novelas, são exportados para diferentes países do mundo. Mas, para se chegar a esse padrão de qualidade, foi preciso percorrer um longo caminho. Foi somente em meados da década de 1960 que a TV brasileira se destacou pela profissionalização e a melhoria da qualidade técnica de seus programas. O crescente espaço que a TV passou a ocupar coincidiu com profundas transformações na estrutura social e econômica brasileira, como: o desenvolvimento industrial, o êxodo rural, o crescimento urbano, a diminuição da taxa de natalidade e a diferenciação dos arranjos familiares.

ZAPE ANDO

Em 1970, a Embratel transmitiu a Copa do Mundo, realizada no México, em cores. Poucos assistiram à transmissão colorida, pois os aparelhos eram praticamente inexistentes no Brasil.

Imagem 4. Futebol, Copa de 70.

Programas de auditório: um sucesso popular A história do comunicador e apresentador Sílvio Santos se confunde com a história da TV brasileira. Dono do canal SBT, seus programas de auditório (como Show do Milhão, Roletrando, Domingo no Parque, Namoro da TV e Show de Calouros) magnetizaram a audiência popular por gerações. trilhas televisivas

23


Sinto nizESE!

No Brasil, a transmissão em cores teve início em 1972. Porém, para ter imagem colorida, era necessário trocar o aparelho de TV, algo bastante custoso para a maioria da população. Hoje, a transmissão do sinal de TV digital é gratuita. As pessoas cujas TVs não possuem um conversor de sinal acoplado internamente devem se adaptar. Para isso, precisarão de um conversor e de uma antena UHF. Os brasileiros que participam de programas sociais do governo federal têm o direito de receber um kit (antena + conversor + controle remoto) gratuitamente. Você, professor@, pode colaborar para que nenhum brasileiro fique sem assistir à TV, quando o apagão analógico chegar. Venha conosco! Vamos entrar na onda dessa campanha! Traga essa discussão para dentro da escola! TV Digital, sim, sem deixar ninguém para trás!

A TV passou a representar o Brasil que se modernizava: “Principalmente por meio de suas novelas, a televisão capta, expressa e alimenta as angústias e ambivalências que caracterizavam essas mudanças, constituindo-se em veículo privilegiado da imaginação nacional, capaz de propiciar a expressão de dramas privados em termos públicos e dramas públicos em termos privados” (HAMBURGER, 1998, p. 458). Nesse sentido, a TV inaugura um novo espaço público, porém sob a égide da vida privada. As novelas se tornaram o produto de maior audiência (e por isso o mais lucrativo) a partir do final da década de 1960 e início dos anos 1970. Abandonando o tom fantasioso e melodramático dos primeiros folhetins, a novela firmou-se no mercado e no gosto do público ao se propor mais realista, abordando temáticas contemporâneas e urbanas, com doses de humor e certa crítica social. “A novela mimetiza e constantemente renova as imagens do cotidiano de um Brasil que se moderniza” (HAMBURGER, 1998, p. 467). Com o tempo de escrita, gravação e transmissão muito próximo, a novela se mantém aberta à influência do público: seja pela aceitação ou pela rejeição, as tramas vão sendo reelaboradas. Principal produto da indústria televisiva, a novela foi gradativamente consolidando um espaço de problematiza-

24

conexões escolares com a tv digital


Sinto nizESE!

Interseções entre o público e o privado Novelas têm por efeito legitimar ou deslegitimar comportamentos. O folhetim “O homem que deve morrer”, de 1971, legitimou a separação e o segundo casamento antes mesmo de a lei do divórcio ser aprovada – o que só ocorreria em 1977 – e da permissão da segunda união. Esse é um bom exemplo de visibilidade pública de um assunto outrora discutido somente na esfera privada. (HAMBURGER, 1998)

ção do país: dos assuntos da esfera privada à política nacional. Pouco a pouco, ocorreu uma maior abertura para a diversidade: casais inter-raciais, famílias chefiadas por mulheres, casais homoafetivos – cenas inimagináveis há bem pouco tempo, começam hoje a ser representadas. Contudo, prevalecem ainda os estereótipos, a sub-representação das minorias e os modelos tradicionais da família burguesa. Mas, como programa de entretenimento, ninguém desbanca a novela! Ela mexe com a imaginação e a fantasia dos brasileir@s: as injustiças e maldades dos vilões nos causam revolta, torcemos pelos mocinh@s, as histórias de amor nos encantam e quando o bordão de um personagem pega, fica na boca de todo mundo... “Tô certo ou tô errado?!” Sem falar nas trilhas sonoras... Décadas atrás, elas tocavam sem parar nas rádios e também viravam discos de sucesso. Artistas se projetavam no mercado, quando suas músicas tornavam-se o hit de algum folhetim. As músicas da abertura ou aquela que embalava o casal romântico passavam a ser a trilha de nossas vidas.

ZAPe ANDO Em janeiro de 1969, o Brasil ingressava na era da comunicação espacial. As ligações por micro-ondas e as transmissões via satélite possibilitavam a integração nacional e com o resto do mundo. Com a inauguração da Estação de Rastreamento de Itaboraí (RJ), o país pôde assistir, via televisão, à descida do homem na Lua.

EM DEBATE

Representação e representatividade social na TV: o lugar subalterno da mulher, sobretudo da mulher negra, é uma constante na história das novelas brasileiras. Imagem 5: Fonte: Cinemateca Brasileira. http://www.cinemateca.gov.br

trilhas televisivas

25


Os produtos culturais produzidos pelas emissoras de TV veiculam representações geradas, principalmente, no eixo Rio-São Paulo, onde se concentra a indústria televisiva. A vida que se mostra na tela é basicamente a vida urbana e moderna das classes médias e ricas, paulistas e cariocas. A grande diversidade social e cultural do Brasil não se faz representada – o sertão, o mundo rural, a vida ribeirinha dos rios amazônicos... Toda essa multiplicidade de sotaques, culturas e paisagens permanece na invisibilidade a maior parte do tempo. Quantas vezes você assistiu a uma novela e pensou que a vida daqueles personagens nada tem a ver com a sua realidade? Essa lógica é um pouco quebrada pelos programas jornalísticos ou os documentários (como os programas especiais sobre lugares distantes e isolados e culturas apresentadas pela TV como arcaicas ou excêntricas). Contudo, ainda que interessantes e informativos, a relação com a alteridade se constrói pelo viés da curiosidade ou do exótico.

As territorialidades televisivas serão discutidas no Caderno 4 desta coleção

26

conexões escolares com a tv digital

EM DEBATE

TV, consumo e infância A imagem – matéria-prima da publicidade – tem alto impacto sobre o desejo e o imaginário do consumo. As crianças são particularmente afetadas por essas comunicações mercadológicas. Considerado prejudicial para o desenvolvimento psicológico infantil, o abuso da publicidade está relacionado, por exemplo, à obesidade, entre outros riscos. A despeito das pressões da sociedade civil, o Brasil ainda não adotou uma regulamentação de controle da publicidade dirigida às crianças. Países como Inglaterra e Suíça proíbem qualquer tipo de propaganda dirigida a esse público. Ao final deste caderno e também nos cadernos 3 e 4, você encontrará atividades para trabalhar a temática do consumo com seus alun@s. Para saber mais, conheça o Instituto Alana (alana.org.br) e a Rede Brasileira de Infância e Consumo (Rebrinc - http:// rebrinc.com.br/)


2. TV, Sociedade e Escola As críticas à influência da TV na sociedade passam, muitas vezes, por juízos negativos: como instrumento de alienação, ela reduz o público a mero consumidor passivo da lógica mercadológica capitalista. A TV é acusada também de contribuir para o aumento da violência na sociedade, a prematura erotização das crianças e a apatia diante dos interesses públicos e políticos. Ainda que tais opiniões não sejam de todo desprovidas de verdade, devemos ir além quando analisamos a comunicação. Não se trata apenas de uma relação de causa e efeito, emissor-dominador e receptores-dominados. Como ensina o especialista em comunicação Martín-Barbero, o que se dá na relação entre TV e público é uma “produção social do significado” que deve ser apreendida a partir de uma “análise integral do consumo entendido como um conjunto de processos sociais de apropriação de produtos” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 290). Nessa chave, entende-se que contradições, conflitos e disputas atravessam os processos de comunicação. E é por haver brechas, espaços de Trilhas televisivas

27


EM DEBATE

Representação e representatividade na TV “A TV está implicada na reprodução de representações que perpetuam diversos matizes de desigualdade e discriminação. (...) A super-representação de brancos em relação a negros consiste em um exemplo gritante da maneira como, por omissão, os mais diversos programas televisivos contribuíram para a reprodução da discriminação racial” (HAMBURGUER, 1998, p.441)

A representação estereotipada da mulher, do negro, do pobre e do jovem de periferia nos anúncios e programas televisivos deve ser problematizada nas escolas, pois interfere na construção das identidades e subjetividades. Que tal trabalhar essa temática em sala? Peça aos alun@s para observar os programas e anúncios de TV e trazer para discussão exemplos positivos e negativos da representação das identidades e grupos sociais. Essa temática pode ser tratada de forma interdisciplinar, pelo viés da geografia, da literatura, da história e da educação física. Nas atividades propostas ao final do Caderno, você encontrará sugestões de como trabalhar essa questão.

resistência, que o papel da escola como mediadora é essencial para potencializar a apropriação crítica e criativa dos produtos televisivos pelos alunos. Neste item, convidamos você, professor@, a refletir sobre a TV como um fato social e levar essa discussão para a sala de aula. Como já apresentado pela pedagogia do olhar no Caderno 1, nós, indivíduos e educadores, temos de aprender e ensinar a ler as imagens que nos são transmitidas, duvidar da realidade que nos é mostrada, refletir sobre a intencionalidade de uma narrativa, a seleção de uma sequência de imagens, o ângulo escolhido, as palavras e argumentos concatenados nos enredos das notícias do jornal. Refletir sobre o que se diz e como se diz, o que se mostra e como é mostrado, a “TV que olhamos e a TV que nos olha” (FISCHER, 2005). Isso não significa abrir mão do prazer, dos momentos de re-

28

conexões escolares com a tv digital

laxamento e descontração proporcionados por aquela telinha cheia de cores, sons e imagens em movimento. Porém, uma educação para as mídias é parte essencial de nosso trabalho pedagógico: promover a análise crítica, o distanciamento e a problematização – tudo isso é algo a ser treinado, debatido e incentivado no espaço escolar. Ao lado de outras esferas educativas, como a família, a escola, a comunidade e as instituições religiosas, a TV contribui para a construção dos sujeitos sociais. Não podemos refletir sobre a educação nos dias de hoje sem levar em conta os recursos que as mídias oferecem e o fato de que tais tecnologias fazem parte do universo das crianças, jovens e adultos, ajudando a compor suas subjetividades, identidades e imaginários (OROFINO, 2005). A TV, por sua penetração maciça na sociedade brasileira,


Na minha escola, debatemos com a turma a TV que queremos. Olha só o que disseram meus amigos: Filipe (15 anos): “A TV hoje em dia é só uma distração. Não é algo que me traz um conteúdo que vá me acrescentar alguma coisa... Eu acredito que a mudança é essencial (...). Nós temos uma realidade a transmitir, mas o que eles transmitem não tem muito a ver com aquilo que a gente vive. O universo das novelas, por exemplo, não casa com a nossa realidade”. Luana (16 anos): “A TV tem muita coisa manipulada. Mas é parte de mim também, representa muito a minha infância”.

assume aqui um lugar de destaque e, portanto, deve ser adotada como um objeto de estudo dentro da escola (FISCHER, 2006). Focar a atenção na recepção dos produtos culturais pelo público implica discutir as reelaborações simbólicas que acontecem de forma variada e heterogênea, uma vez que o público é também diversificado. A “construção social dos sentidos dos conteúdos televisivos” é, inevitavelmente, atravessada pelas diferenciações de gênero, classe social, raça, geração, orientação sexual, política e religiosa, entre outras dimensões que formam o mosaico de nossas identidades coletivas e individuais (FISCHER, 2006, p. 25). A TV calcula estrategicamente o endereça-

O Caderno 4 desta Coleção discute a fundo essa temática

mento daquilo que comunica através de pesquisas de mercado, níveis de audiência e perfil psicossocial do público, de modo a garantir a aceitação e absorção da mensagem, a venda de produtos e a inculcação de ideias. Tanto os programas de ficção como os de não-ficção reforçam comportamentos a serem imitados, modelos de existir e de se relacionar com o mundo e com as pessoas. A TV exibe a vida de homens e mulheres (reais ou não) que se tornam exemplos, padrões do que é correto, desejável e bom, e, contrariamente, aquilo que deve ser evitado, excluído ou normatizado. Dessa forma, as imagens televisivas fixam sinais diacríticos, marcas que homogeneízam determinados grupos, culturas e acontecimentos, conferindo-lhes valor, lugar e visibilidade. Não são poucos os exemplos de criação de estereótipos pela TV. trilhas televisivas

29


No entanto, como vimos, a recepção por parte do público não é homogênea, nem completamente passiva: a dotação de sentido se faz de forma negociada. O público aceita ou não determinada representação, absorve ou não a discussão de determinada temática e, no limite, muda de canal ou desliga a televisão. Atualmente observamos, em diferentes espaços sociais, um maior questionamento dos modos de representação e imposição de lugares-comuns. Certamente, você já percebeu que até bem pouco tempo atrás eram mais comuns, nas novelas e anúncios, as representações das mulheres e dos negros de forma estigmatizada, subalterna ou reificada. A TV, muito lentamente, começa se sensibilizar para as demandas dos grupos sociais que reivindicam a atualização de suas representações. A visibilidade pública das minorias é fruto das lutas dos movimentos sociais por afirmação identitária e direito à diferença. E o advento da cultura digital potencializa essas práticas. Inevitavelmente, as emissoras de televisão precisam acompanhar as exigências oriundas do contexto social pautado pela convergência das mídias, que altera as formas de produzir e consumir os meios de comunicação. O advento das redes sociais e das mídias digitais, por exemplo, “abriu canais personalizados de comunicação para o ‘cidadão comum’ e ampliou o alcance da sua voz, permitindo que as suas

30

conexões escolares com a tv digital

mensagens chegassem a qualquer parte do planeta instantaneamente, fazendo com que, mais do que nunca, ele queira não apenas ouvir, mas ser ouvido, e priorize o acesso a meios através dos quais possa se expressar e participar” (FEITOSA, 2015, p. 22). Consequentemente, há uma série de mudanças e implicações sociais trazidas pelo sistema digital à televisão, uma vez que o digital abre caminhos, também, para novas modalidades de ver TV, ao oferecer instrumentos capazes de atender às novas demandas dos jovens e adultos. Por essa razão, é indispensável trazer a TV digital para dentro da escola como um objeto de estudo, para que a televisão que temos e a televisão que queremos possam ser discutidas.


3. Na trilha da TV Digital

Apresentamos a você os caminhos que a TV percorreu até chegar aqui. É chegada a hora de trilharmos novos horizontes, com a TV digital terrestre, que permite o envio de um novo tipo de sinal que os canais de televisão abertos passam a ofertar à população brasileira. Estar fora de casa não significa mais perder o programa favorito, o último capítulo da novela ou a final do campeonato. Agora é possível receber a transmissão do sinal de TV em celulares, computadores e tablets – sem precisar de internet, e sem custo algum. Porém, os benefícios não acabam aí. Vamos agora contar para você, professor@, a história da TV digital no Brasil e mostrar as vantagens e possibilidades que essa tecnologia traz. Preparad@ para percorrer essa trilha?

Após a chegada da TV em cores, nos anos 1950, novas demandas por avanços tecnológicos foram surgindo, com o objetivo de proporcionar ao público a experiência de ver TV com a qualidade de áudio e imagem semelhante à do cinema. Para isso, era necessária uma mudança na difusão, passando-se a utilizar um sistema de transferência de dados através de códigos binários (bits), o que permitiria o processamento direto desses dados em um computador e, consequentemente, ofertando novos serviços ao público.

trilhas televisivas

31


As origens da TV digital e o modelo nipo-brasileiro O desenvolvimento da televisão digital começou no Japão, na década de 1970. Hoje, a TV digital é uma realidade em vários países. São quatro os padrões de TV digital que estão em operação comercial no mundo: o americano, o europeu, o japonês e o nipo-brasileiro. Os padrões têm funcionalidades semelhantes, mas algumas especificidades e variações atendem às demandas de seus mercados, empresas de telecomunicação e público consumidor. O sistema adotado no Brasil é resultado da integração do padrão japonês com a tecnologia desenvolvida em universidades e centros de pesquisa brasileiros. Atualmente, o sistema nipo-brasileiro de TV digital é considerado pela União Internacional de Telecomunicações (ITU) como o melhor do mundo; e, cada vez mais, começa a ser exportado para diversos países (Argentina, Bolívia, Botsuana, Chile, Costa Rica, El Salvador, Equador, Filipinas, Guatemala, Honduras, Maldivas, Nicarágua, Paraguai, Peru, Sri Lanka, Uruguai e Venezuela). Enfim, a TV digital colocou o Brasil na trilha do desenvolvimento de tecnologia de ponta em telecomunicação.

Vamos trilhar a origem da TV digital no Brasil? As discussões e primeiros estudos relativos à TV digital começaram em 1994, ganhando mais fôlego a partir de 1998. Em novembro de 2003, foi criado o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T), com a atribuição de estabelecer o padrão de acordo com os interesses sociais e econômicos nacionais. Em 29 de julho de 2006, foi assinado o acordo entre os governos brasileiro e japonês. Ao padrão japonês seria somada uma tecnologia criada no Brasil: o sistema Ginga, desenvolvido pela Pontifícia Universidade Católica

32

conexões escolares com a tv digital

do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). A primeira transmissão da TV digital ocorreu no dia 2 de dezembro de 2007, em São Paulo (SP), e a partir de então vivemos o chamado simulcast, que é a transmissão simultânea dos sinais analógico e digital. O desligamento do sinal analógico é uma política pública prevista pelo Decreto 5.620, que dispõe sobre a implantação do Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T). Em razão disso, muitos esforços foram feitos para tornar o sistema digital cada vez mais popular, considerando que o switch off (desligamento do sinal analógico) será concluído até o fim de 2018, nas grandes e médias cidades brasileiras; e até 2023 nas pequenas cidades.

EM DEBATE A TV na era da convergência digital “Com o sistema binário e a convergência digital das mídias, dispositivos de comunicação como celulares, computadores e até mesmo aparelhos receptores de televisão deixam de desempenhar apenas a função principal para a qual foram desenvolvidos e passam a se constituir, devido à interoperabilidade de sistemas e à internet, em meios para os quais confluem serviços e linguagens. Se olharmos especialmente para a televisão, notaremos imediatamente que a forma de vê-la ganha novos moldes”. (FEITOSA, 2014)


Sinto nizESE!

Uma tecnologia brasileira O middleware Ginga, especificado no SBTVD, é uma camada de software responsável por realizar a intermediação entre o sistema operacional e as aplicações desenvolvidas para a TV digital. De forma resumida, Ginga é o método utilizado para dar suporte à interatividade. Com isso, seu papel é fornecer facilidades para que as aplicações desenvolvidas se tornem independentes do sistema operacional, além de facilitar o próprio desenvolvimento de aplicações que visem à interatividade.

O SBTVD-T foi formado com as seguintes finalidades: I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; II - Propiciar a criação de rede universal de educação a distância; III - Estimular a pesquisa e o desenvolvimento e propiciar a expansão de tecnologias brasileiras e da indústria nacional relacionadas à tecnologia de informação e comunicação; IV - Planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão de usuários a custos compatíveis com sua renda; V - Viabilizar a transição do sistema analógico para o digital, possibilitando às concessionárias do serviço de radiodifusão de sons e imagens, se necessário, o uso de faixa adicional de radiofrequência.

Na TV digital, a alta definição da imagem (HDTV) significa transmissão com muito mais nitidez. E a qualidade de som e imagem é equivalente àquela do cinema, ou seja, é possível explorar a visão periférica. Além disso, as vantagens da TV digital são: Mobilidade: recurso que possibilita assistir à televisão no celular, no tablet ou em qualquer outro dispositivo portátil e móvel. Em países europeus e nos Estados Unidos, esse serviço é cobrado. No Brasil é gratuito e fornecido pelas próprias emissoras de TV aberta. Multiprogramação: no Brasil, esse recurso foi aprovado para ser utilizado apenas por emissoras públicas de TV. No sistema analógitrilhas televisivas

33


co, num espaço de 6MHz, só era possível enviar um canal; já o sistema digital possibilita a transmissão simultânea de diferentes programas em uma mesma faixa de frequência do espectro eletromagnético, aumentando as opções de entretenimento e informação. Isso significa um potencial enorme para a ampliação da diversidade dos conteúdos veiculados. Está aberta a possibilidade para que novos programas sejam criados, capazes de dar conta da pluralidade dos interesses do público, abrindo espaço à diversidade cultural e social e, consequentemente, fortalecendo o papel social da comunicação em TV. Enfim, a multiprogramação pode ser um caminho para viabilizar soluções ao problema que anteriormente discutimos: “De que modo os sujeitos individuais se sentem de alguma forma representados ou excluídos nas narrativas televisivas?” (FISCHER,

2005). Temos aqui a chance de transformar esse veículo poderoso de comunicação, construindo novas e plurais narrativas televisivas. Com a TV digital, temos a “esperança de que a televisão não receba apenas pontos inovadores ou incrementações tecnológicas, mas que se renove em suas raízes, em seus conteúdos, se reinvente” (FEITOSA, 2014, p.27).

Na minha escola, temos debatido a chegada da TV digital e a TV que queremos. Olhem só nossas ideias: Filipe (16 anos): “Se eu tivesse a chance de mudar a TV, eu colocaria coisas educativas, para despertar o lado criativo e intelectual das pessoas”. Douglas (16 anos): “A TV é um dos meios de comunicação mais geniais que existem. Teve uma queda na audiência por causa das novas tecnologias, da internet. Mas acho que ela não se adapta aos dias atuais, o tempo passou e a TV continua a mesma. Se tivesse uma programação atrativa para cada público, seria bem melhor. Eu acho que com a TV digital, a TV vai conseguir reconquistar um espaço”. Professor@, chame essa discussão para sua sala de aula! Que TV queremos?

34

conexões escolares com a tv digital


Interatividade: interação do público com o programa que está assistindo através do controle remoto. Com esse recurso, você pode ver informações detalhadas do programa, responder a perguntas e enquetes, ter acesso a informações sobre serviços do governo e de utilidade pública, acessar o guia de programação, gravar programas, dar play, replay, pause. É possível assistir a uma novela, ver o resumo dos capítulos e obter informações sobre atores e personagens. Em um jogo de futebol, é possível ter acesso às estatísticas do jogo que está sendo transmitido, conferir a escalação do time e ver a classificação no campeonato, por exemplo.

trilhas televisivas

35


Além dos aplicativos relacionados aos programas das emissoras, existem os aplicativos de utilidade pública. Com eles, é possível ter informações sobre a situação das rodovias, trânsito e previsão do tempo. A interatividade da TV digital permite que a população tenha acesso a serviços públicos, tais como: agendamento de consultas médicas na rede pública de saúde; ensino a distância, declaração do Imposto de Renda, consulta de saldo bancário e informações sobre vagas de emprego. O governo brasileiro vem estimulando o desenvolvimento de aplicativos para facilitar a vida da população, permitindo realizar, através da TV, atividades antes exclusivas para quem tivesse um computador. Com o aumento do número de aparelhos de TV e conversores ligados à internet e a expansão da banda larga no Brasil, será possível ampliar os serviços de interatividade. Entramos, de forma cada vez mais acelerada, na era da convergência digital, em que a experiência de assistir à TV já não é mais como antigamente. Isso não significa que a interatividade da TV digital se equipara ou substitui os serviços oferecidos pela internet. No entanto, muitas das funções executadas por meio da internet serão possíveis através da televisão.

Todos os televisores fabricados no Brasil a partir de 2013 são aptos a receber o sinal digital, e dispõem do sistema Ginga em seu interior. As TVs mais antigas, até mesmo as de tubo, podem receber o sinal da TV digital, desde que tenham acoplados um conversor e uma antena UHF.

36

conexões escolares com a tv digital

Em breve, teremos o desligamento do sinal analógico em 1400 municípios (grandes e médias cidades) do território brasileiro; a meta é concluir essa etapa até 2018. Para isso, é fundamental nos prepararmos. Contamos com você, professor@, nessa campanha de mobilização e esclarecimento sobre a TV digital. Você, mais do que ninguém, sabe da “influência educativa” dos alunos sobre suas famílias, principalmente entre as mais carentes. Vamos juntos atingir a digitalização plena do Brasil, sem deixar ninguém para trás! Esperamos que este caderno, em conjunto com os outros desta coleção, tenha sido capaz de informar e fomentar a importância de se tratar a TV como um dispositivo pedagógico para estudo e reflexão. Esse poderoso aparato econômico e cultural tem um papel social de comunicação inigualável dentro da sociedade brasileira. Papel que atinge hoje novos contornos, novos significados, usos e possibilidades com a chegada da TV digital. Mais do que nunca é preciso trazer a TV para dentro da escola! Obrigada! Ludmila Gomides Freitas, março de 2017.


PROPOSTA DE ATIVIDADES E OFICINAS Fundamental I

Atividade 1) Objetivo: vamos construir uma televisão de papelão? Nela vamos colocar os programas de que mais gostamos e aqueles que a família se junta para assistir. O objetivo da atividade é refletir sobre o modo como a TV participa do nosso cotidiano e interfere nos hábitos de convivência em nosso lar. Descrição: peça a seus alun@s para desenharem numa folha sulfite o que eles mais gostam de ver na TV. Em seguida, com uma fita adesiva emende os desenhos dos alun@s, formando um rolo. Para fazer a TV, utilize uma caixa de papelão. Em equipe, encape ou pinte a caixa. Um cabo de vassoura cortado ao meio será o suporte para o rolo dos desenhos. Materiais: folhas sulfites, giz de cera ou lápis de cor, uma caixa de papelão, tesoura, fita adesiva, um cabo de vassoura cortado.

trilhas televisivas

37


Atividade 2) Objetivo: vamos construir uma cápsula do tempo que contenha as nossas memórias e expectativas relativas à televisão? A proposta desta atividade é construir um registro sobre a TV de hoje e estimular a imaginação sobre a TV que queremos. Descrição: conversar com seus alun@s sobre a importância desse meio de comunicação e depois pedir-lhes que registrem por meio de desenhos e bilhetes as ideias discutidas, seus programas favoritos e como eles imaginam que serão os programas no futuro. Criar coletivamente uma narrativa que justifique a construção da cápsula: ela seria um meio de documentar nossas memórias e desejos no presente e estaria endereçada ao futuro. Materiais: papel, canetinha, lápis de cor, tesoura. Use a criatividade de seus alunos para projetarem a cápsula do tempo: caixa de papelão, pote de vidro etc.

Oficina: Teleteatro na escola Proposta: a TV, nos seus primórdios, era feita ao vivo e, por isso, caracterizada por muito improviso e criatividade. Um dos programas de maior audiência eram os teleteatros. A proposta da oficina é montar uma pequena história de teleteatro, em que os alun@s possam trabalhar e experimentar a ideia de que a TV é formada por múltiplas linguagens. Metodologia: o roteiro a ser encenado poderá ser escrito em conjunto pela sala ou ser adaptado de uma história conhecida das crianças. Divida a sala em equipes de produção. Estimule a criatividade de seus alunos: construam juntos o cenário, utilizem objetos e instrumentos para criarem a sonoplastia. Se possível, a representação deve ser filmada pelo celular, de modo a se fazer a ponte entre o analógico e o digital.

O texto que vocês vão ler abaixo é um depoimento emocionante sobre as primeiras experiências de ver TV, quando esse aparelho era algo raro entre as famílias brasileiras. As atividades e oficinas apresentadas a seguir têm o intuito de trabalhar a memória, individual e coletiva, sobre esse poderoso meio de comunicação e as expectativas para o seu desenvolvimento num futuro próximo.

38

conexões escolares com a tv digital


Televizinho, uma memória de infância

Ilustração de Roberto O.Melo com intervenção digital de Warley Bombi

O ano era 1977. O pai chegou à noite, eufórico, ansioso para apresentar aos seus três filhos e à esposa o aparelho de tevê que acabara de adquirir depois de tanto economizar. Minha mãe nos havia preparado para aquele grande acontecimento. Durante todo o dia, não falava de outra coisa. Contou-nos que era a realização de um desejo antigo, de uma paixão à primeira vista. Disse-nos que viu pela primeira vez um aparelho de televisão na casa de um de seus patrões; como doméstica, nunca pôde, todavia, assistir a uma programação inteira: via fragmentos de fil-

mes, novelas e propagandas somente enquanto limpava a sala. Agora, tudo iria mudar: ela finalmente teria à sua disposição um aparelho de televisão. Os filhos, movidos pelas narrativas da mãe, não pensavam em outra coisa. Afinal de contas, não havia televisão nas casas de vizinhos, nem de parentes. Lembro-me que tinha entrado em contato com esse fascinante aparelho em uma única ocasião. Por alguma razão, que não me recordo, minha mãe foi obrigada a me levar em uma das casas em que fazia faxina. Um dos filhos trilhas televisivas

39


do patrão me convidou para assistir a um filme que estava sendo exibido naquele momento. Era um filme japonês em que o herói luta contra monstros, protegendo crianças, homens e mulheres de figuras horrendas e maléficas que destroem cidades, pontes, viadutos e rios. Por ter assistido em uma tevê colorida a um filme de ação, desejava mais que meus irmãos que o dia passasse bem ligeiro. Mas não foi isso que aconteceu. A noite custou a chegar. Parecia que, de repente, os segundos, os minutos e horas haviam decidido, por alguma razão misteriosa, a conspirar contra a felicidade de minha família, retardando ao máximo que pudessem o anoitecer daquele dia. Estávamos no portão quando avistamos, com uma enorme e pesada caixa por sobre seus ombros, a chegada triunfal de nosso pai. Seu olhar alegre demonstrava orgulho e satisfação, não deixando transparecer qualquer tipo de cansaço. Finalmente, a caixa foi aberta no centro da sala. Uma tevê (marca Zenith) apareceu deslumbrante. Tínhamos, naquele momento, um olhar somente para ela, nosso objeto de desejo e cobiça. As noites que se seguiram não seriam mais as mesmas. Em primeiro lugar, porque não nos interessávamos mais pelas histórias de nosso pai sobre seu entediante dia de trabalho como enfermeiro em um hospital psiquiátrico. Estávamos fascinados pelos desenhos animados, contados com som e imagens em movimento. Em segundo lugar, porque a televisão nos aproximou da vizinhança. Por um período considerável, a minha casa era um ponto de encontro de mulheres que acompanhavam nove-

40

conexões escolares com a tv digital

las com minha mãe, de homens que assistiam futebol com meu pai, de crianças que assistiam comigo e com meus irmãos desenhos animados e filmes. Assim, a chegada da televisão em nossa casa nos possibilitou outro tipo de relacionamento com os colegas, a inserção em outro patamar em momentos de jogos e brincadeiras. Agora, nossos colegas queriam nos agradar, ficar de bem conosco; seus brinquedos eram partilhados, sem problema; queriam, a qualquer custo, evitar brigas comigo e com meus irmãos: afinal de contas, não queriam ser impedidos de assistir à televisão em minha casa. Imagino que minha mãe passou também a ser percebida pelas amigas de uma forma diferente. As mulheres passaram a falar dos personagens e dos enredos das novelas. Viveram intensamente o que chamaram de televizinho, experiência de ver televisão na casa de uma vizinha. Para crianças, adolescentes e jovens, uma tevê com o formato e com a qualidade de som e de imagem que tínhamos na infância é hoje algo impensável. Imagino que, para eles, uma tevê Zenith de 24 polegadas, com válvulas e tubos enormes, em um museu, provocaria um estranhamento, uma impressão de falta de senso estético. Suponho, porém, que o nível de perplexidade deles aumentaria ainda mais se assistissem a uma programação com imagens em preto e branco, com grande quantidade de chuviscos e fantasmas. Numa época em que a televisão era um bem inacessível para as camadas populares, possuir uma era fonte de orgulho, status social e poder.


História Oral Caro@ professor@, o texto “Televizinho, uma memória de infância” não é um relato ficcional, mas o depoimento de um dos autores destes cadernos. Conquanto descreva o lugar ocupado pela televisão em sua memória infantil, seu relato não é individual, pois se situa no campo da memória coletiva de um grupo pertencente às camadas populares que teve acesso à televisão somente no final dos anos 1970. Como a televisão se encontra enraizada no cotidiano das famílias na atualidade, é difícil para as crianças, adolescentes e jovens imaginarem um mundo sem a presença desse artefato cultural. Assim, um estudo sobre a chegada da televisão na vida dos avós maternos e paternos, na vida da mãe e do pai dos estudantes pode ser uma atividade interessante. A construção de um museu vivo da televisão, com fotos de TVs antigas, ao lado de TVs modernas, com relatos de diferentes pessoas, é uma possibilidade pedagógica interessante. Os professor@s podem se valer da perspectiva da História Oral na condução desse trabalho. Grosso modo, essa metodologia diz respeito a um conjunto de pesquisas que têm como foco a reconstituição de acontecimentos importantes para determinadas comunidades. Sua finalidade é o recolhimento de depoimentos sobre vivências passadas e presentes de pessoas numa determinada localidade. Não se trata de aplicação de questionários e de respostas às entrevistas estruturadas, mas de entrevistas em profundidade, abordando aspec-

tos relevantes para os sujeitos e a comunidade. A mudança de sinal da televisão do padrão analógico para o digital é uma oportunidade de os professor@s voltarem seus olhares para o lugar que esse veículo ocupa nos dias atuais e como foi sua chegada à vida das famílias da comunidade na qual a escola está inserida. Como a História Oral prevê a realização de entrevistas com pessoas que podem testemunhar sobre acontecimentos relevantes socialmente, é fundamental que os professor@s e os estudantes escolham bem os sujeitos da pesquisa. Quem e por que tal pessoa foi escolhida? Como ela pode contribuir para a compreensão da chegada da televisão na vida das pessoas que vivem nesta comunidade? Pode-se conduzir a entrevista com pessoas mais velhas, com pais e colegas sobre o lugar da televisão da sociedade. Os vídeos gravados podem ser publicados em redes como YouTube, por exemplo. As entrevistas serão compreendidas como documentos que nos instigam a problematizar o passado, mas também redefinir nosso olhar sobre o presente. Os depoimentos podem se transformar em textos a serem lidos e analisados em sala de aula. A metodologia da História Oral requer um conjunto de atividades anteriores e posteriores à gravação dos depoimentos. Assim, sugerimos aos professor@s que retomem os princípios da pedagogia do olhar e a perspectiva metodológica de trabalho sobre a cultura da midiatização da sociedade no Caderno 1.

trilhas televisivas

41


ATIVIDADES E OFICINAS Fundamental II Atividade 1) Objetivo: sensibilizar os alun@s para a historicidade do hábito de ver TV, mostrar que em tempos não tão remotos as pessoas se informavam e se divertiam sem esse aparelho. A proposta é resgatar a memória da comunidade próxima aos alun@s sobre a experiência de ver TV. Descrição: num primeiro momento, pesquise e discuta a com a turma sobre o lazer e os processos de comunicarevist t n e de ção e informação antes da TV. Em seguida, proponha aos oteiro R alun@s entrevistarem pessoas mais velhas (de preferência, de várias gerações) de sua família e comunidade sobre como era sua experiência de ver TV durante a infância. Em sala, criem juntos um roteiro de perguntas, e explique como são os elementos metodológicos da História Oral (ver o texto anterior). Exemplo de questões que poderão orientar as entrevistas: você tinha TV em casa ou assistia no vizinho? Como era a TV? Preta e branca ou colorida? A TV era um eletrodoméstico comum nas casas do seu bairro? Quais eram seus programas favoritos? Como eram os desenhos animados? Como era a relação entre propaganda e consumo? As entrevistas poderão resultar em registros escritos e desenhos, ou, se possível, serem filmadas pelo celular. Realizar uma roda de conversa para que os alun@s apresentem seus testemunhos. Estimular a comparação dos diferentes momentos históricos: como era ver TV antigamente e como é hoje? Com essa oficina será possível construir uma memória oral sobre a televisão. Materiais: caderno, cartolina, caneta, lápis de cor, canetinha, celular. Atividade 2) Objetivo: refletir acerca da influência das propagandas e programas de TV sobre o consumo. A ideia é fazer com que o alun@ seja capaz de desconstruir os anúncios, percebendo as estratégias de indução ao consumo, a fabricação do “desejo”, bem como os contrastes entre a expectativa e a realidade. Metodologia: elencar os programas de TV a que as crianças mais assistem e propor um debate sobre as seguintes questões: durante os intervalos, que tipo de comercial é veiculado? Durante a programação são apresentados objetos de consumo? De que forma eles chamam a nossa atenção? Na vida real os produtos (brinquedos ou alimentos) são tão bons

42

conexões escolares com a tv digital


como aparecem nos comerciais? Como o nosso consumo impacta o problema do lixo e a sustentabilidade do planeta? Utilize recortes de jornais e revistas com os anúncios publicitários dirigidos às crianças. Estimule seus alun@s a escreverem o que pensam sobre eles. Em grupo, proponha a confecção de cartazes que explicitem essas discussões. Materiais: cartolinas, jornais, revistas, cola, tesoura, canetinha e lápis de cor.

Oficina: A TV que queremos

Proposta: depois de apresentar as possibilidades de comunicação social que a TV digital inaugura (devido aos recursos da multiprogramação e da interatividade), a proposta da oficina é discutir a TV que queremos. Sugerir, então, a realização de um programa de TV de caráter informativo. Metodologia: montar grupos para debaterem criticamente a TV e refletirem sobre suas expectativas em relação à programação. Proposta 1: realizar um telejornal com as notícias da escola, as características boas e ruins do bairro, suas manifestações culturais e espaços de lazer, denúncias sobre os problemas de infraestrutura, enfim, assuntos que traduzam a realidade dos alun@s. Dividir a turma em equipes de produção: sonoplastia, redação do roteiro, atores, filmagem pela câmera do celular, cenário. Proposta 2: realize uma discussão sobre os estereótipos veiculados pela TV e proponha a criação de um programa com anúncios comerciais a partir de paródias. Sugestões: tente inverter os lugares sociais e criticar a maneira como a realidade é mostrada na TV. Incentivar uma narrativa televisiva que atualize positivamente as representações dos diferentes grupos sociais. Materiais: objetos para compor o cenário e fazer a sonoplastia, câmera de celular. trilhas televisivas

43


ATIVIDADES E OFICINAS EJA – Educação para Jovens e Adultos Atividade 1) Objetivo: estabelecer um debate que questione: a realidade mostrada na TV é a realidade que eu observo e vivencio? Metodologia: a partir da análise dos programas favoritos dos alun@s, debater a representação e a representatividade dos grupos sociais. Questões orientadoras: minha comunidade e o meu bairro são mostrados na TV? Em que contexto eles aparecem? Os jornais e os programas de TV os estigmatizam? Discutir estereótipo de gênero, raça e classe social. Essas representações televisivas influenciam a ideia que faço dos grupos sociais? E em relação à minha identidade? Absorvo positiva ou negativamente as representações que vejo na TV? Monte equipes de discussão e peça para que elas registrem os programas e anúncios que serviram de base para os argumentos. Faça um debate com a turma sobre os resultados das reflexões. Obs.: Professor@, você encontrará no Caderno 1 uma metodologia de análise dos programas televisivos. Atividade 2) Objetivo: o objetivo desta atividade é sensibilizar os alun@s para a historicidade do hábito de ver TV e resgatar suas memórias pessoais sobre a experiência de assistir televisão. Metodologia: debater com os alun@s a importância da TV como veículo de informação e dispositivo pedagógico. Propor aos alun@s uma redação ou testemunho oral de suas primeiras experiências de assistir TV. O que esse objeto representa em suas vidas e sociabilidades? Compartilhar numa roda de conversa o material produzido. Oficina: A TV que queremos Proposta: depois de apresentar as possibilidades de comunicação social que a TV digital inaugura (devido aos recursos da multiprogramação e da interatividade), a proposta da oficina é discutir a TV que queremos. Propor, então, a realização de um programa de TV de caráter informativo. Metodologia: montar grupos de discussão para que os alunos debatam criticamente a TV e reflitam sobre suas expectativas em relação à programação. Proposta 1: realizar um telejornal com as notícias da escola, os problemas e características do bairro, o que o bairro tem de bom, suas manifestações culturais e espaços de lazer, denúncias sobre problemas de infraestrutura, enfim, assuntos que traduzam a realidade dos alun@s. Dividir a turma em equipes de produção: sonoplastia, redação do roteiro, atores, filmagem pela câmera do celular, cenário. Os comerciais poderão ser paródias de propagandas existentes, por exemplo.

44

conexões escolares com a tv digital


Proposta 2: a partir da discussão dos estereótipos veiculados pela TV, encenar um programa e os anúncios comerciais a partir de paródias. Inverter os lugares sociais. Criticar como a realidade é mostrada na TV. Incentivar uma narrativa televisiva que problematize a construção de estereótipos. Atualizar positivamente as representações dos diferentes grupos sociais. Materiais: objetos para compor o cenário e fazer a sonoplastia, câmera de celular.

Agora, professor@, você vai conhecer o relato de experiência do Marcos Antônio Silva, professor da rede pública de Belo Horizonte. Aqui ele nos conta como trabalhou a questão do racismo e a mídia em sala de aula, além de propor algumas atividades para desenvolver a temática.

trilhas televisivas

45


Diálogo entre a Escola e os Conteúdos Televisivos Marcos Antônio Silva A televisão é o meio de comunicação mais popular do Brasil e também um dos que mais recebe críticas, principalmente advindas dos intelectuais. Alguns desses intelectuais fazem questão de dizer que não assistem, não gostam ou não têm televisão. Mesmo admitindo que críticas são necessárias, na condição de cientista social arrisco afirmar que seria praticamente impossível entender a sociedade brasileira sem conhecer a fundo a programação televisiva que invade cotidianamente milhares de lares e afeta a experiência cotidiana de todos nós. Além disso, em termos pedagógicos, é inegável o papel educativo da televisão nesses mais de 50 anos de sua existência. Minha própria infância e adolescência foram marcadas pela programação televisiva do final da década de 1980 e início dos anos 1990. O “Show da Xuxa” e a programação infantil da TV Cultura – que mesclava educação, cultura e entretenimento – faziam parte do meu cotidiano. Estar todos os dias em frente àquela telinha abria-me um mundo de informações, de conexões com outras culturas, outros saberes, outros jeitos de se comportar e viver. Além disso, a popularização da televisão no Brasil fez com que os modos de aprender de crianças e jovens ganhassem novos formatos a partir da linguagem audiovisual. A escola acaba por ser afetada, na medida em que os estudantes levam saberes de outra ordem institucional para o seu currículo. Saberes que se aprendem com a televisão. Consequentemente, surgem novas formas de se pensar as representações sociais, as subjetividades e a constituição das identidades desses jovens alunos. Trabalho aqui algumas aproximações entre os conteúdos das ciências humanas, especificamente a sociologia, e a produção dos conteúdos televisivos. Quando penso em uma temática para minhas aulas de sociologia, trago, se possível, a televisão como objeto de ilustração e de estudo. Mas por quê? Primeiro, devido ao fato de a linguagem e a programação televisiva serem bastante próximas dos jovens das classes populares, que têm na TV seu principal meio de informação e entretenimento. Segundo, porque a proximidade com a televisão potencializa o trabalho escolar sobre temáticas já naturalizadas no Brasil, como o racismo. Utilizo, por exemplo, a série de

46

conexões escolares com a tv digital


TV norte-americana “Todo Mundo Odeia o Chris”, quando quero discutir as similitudes e as diferenças entre o racismo no Brasil e nos Estados Unidos. Na série, o comediante Chris Rock apresenta de forma crítica e bem-humorada, como foi a sua infância e adolescência em um bairro pobre de Nova York e, em especial, a sua vida escolar no período posterior à luta por direitos civis, quando torna-se legalmente permitido às crianças negras estudarem em escolas de crianças brancas. Chris Rock descreve o preço a ser pago por quem ousava transpor as barreiras raciais nos Estados Unidos na década de 1980. A partir da exibição da série, os estudantes espontaneamente passam a rememorar cenas mostradas nos episódios desse e de vários outros programas de televisão, associando-os ao conteúdo apresentado em sala de aula. Desse modo, as discussões sobre a questão racial envolvendo autores como Gilberto Freire, Florestan Fernandes, Carlos Hasenbalg, Oracy Nogueira e demais sociólogos brasileiros, se dão de forma lúdica, divertida e intuitiva, mas aprofundada. A simples exibição de um episódio dessa série foi suficiente para despertar o interesse de meus jovens alunos sobre o tema. Porém, a tarefa de educar em um contexto cujos sujeitos estão inseridos numa forte cultura midiática exige da escola, além do diálogo sobre a programação televisiva, a apresentação de conteúdos que permitam aos alunos realizarem análises críticas. Análises que os façam entender que cada programa exibido na TV possui uma intencionalidade, reflete visões de sociedade, modos de ser e de representar o outro. Com a exibição da série, os alun@s puderam reelaborar suas reflexões sobre a produção televisiva e o racismo, bem como sobre as superações e/ou perpetuações dos estereótipos raciais no Brasil. Nesse sentido, foi importante realizar um diálogo sobre as mídias, desnaturalizando os papéis sociais exercidos por brancos e não brancos (pretos, pardos e índios) dentro de nossa sociedade e suas representações nas produções midiáticas. Partindo da observação de que os indivíduos não nascem racistas, mas se tornam racistas, os jovens alun@s são estimulados a mapear em que espaços se dá a construção ou a superação dos estereótipos raciais em nossa sociedade. Os alun@s são convidados a selecionarem peças culturais (músicas, videoclipes, peças publicitárias, programas de TV, séries, novelas, documentários, telejornais), que possam contribuir para o debate proposto em sala de aula. Em seguida, os jovens analisam os impactos dessas peças na construção da representação social do negro na sociedade. Esse processo resulta, também, em reflexões sobre como superar os estereótipos e preconceitos contidos nas representações midiáticas. Abaixo, apresento um breve esboço de um plano de aula sobre o tema “Desigualdade étnico-racial e mídias”, esperando que possa ajudar a você, professor@, no planejamento de suas aulas sobre essa importante questão contemporânea e também encorajá-lo@ para a educação midiática em sala de aula

trilhas televisivas

47


Diálogo entre a Escola e os Conteúdos Televisivos AULA 1: Sensibilização sobre o tema: Brasil, país com racismo, mas sem racistas. TEMPO: 50 minutos (1 aula) PROCESSO: inicialmente, escreva no quadro ou imprima e distribua para os educandos o seguinte fragmento de texto: “Pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo mostrou que grande parte dos brasileiros – 87% – admite que há discriminação racial no país, mas apenas 4% da população se considera racista”.

DICA: Antes de realizar a discussão do fragmento com seus aluno@s, questione-os com as mesmas perguntas que foram feitas aos participantes da pesquisa, ou seja, peça para levantar a mão quem acha que existe racismo no Brasil (caso necessário, explique em linhas gerais o que é racismo), anote no quadro a quantidade de alunos que afirmaram que sim, e os que responderam não. Em seguida, pergunte quem se considera racista e realize o mesmo procedimento anotando os resultados no quadro. Em seguida, relacione o resultado obtido em sala de aula com os dados apresentados pela pesquisa da Fundação Perseu Abramo, salientando a questão proposta pela pesquisa: “ Existe racismo sem racistas?”

Depois de realizada a discussão, peça aos alun@s que se reúnam em grupos, troquem experiências e escrevam um pequeno relatório de suas impressões sobre o racismo no Brasil, argumentando com exemplos observados nas suas vivências na rua, em casa, na escola ou na TV. O que lhes permite afirmar se o Brasil é ou não um país racista? AULA 2: Análise e discussão dos textos produzidos na aula descrita acima. PROCESSO: peça aos jovens alunos que socializem para a turma os relatos realizados na aula anterior, apresentando os comentários do grupo sobre as razões do racismo em nossa sociedade.

48

conexões escolares com a tv digital


OBS: os exemplos de fatos de grande repercussão poderão ser utilizados como mote para discussões. Por exemplo: casos de racismo no futebol (o caso do goleiro Aranha, do Santos, e do volante Tinga, do Cruzeiro) e a repercussão desses episódios na mídia.

AULA 3 – Análise da série de TV TEMPO: 50 minutos (1 aula) OBJETIVO: nesta aula buscaremos aprofundar o processo de sensibilização dos alun@s sobre a questão da discriminação racial e de como se dão esses processos no Brasil e nos Estados Unidos, apontando as semelhanças e as diferenças do preconceito racial nesses dois países. Para isso, apresentaremos um episódio do seriado “Todo Mundo Odeia o Cris”, intitulado “Todo Mundo Odeia Corleone”. Após a exibição do episódio, realizar um debate sobre as diferenças e as semelhanças do padrão de desigualdade racial presente no Brasil e nos Estados Unidos. Desconstrua o programa, observando sua produção, o tempo de produção, a composição do cenário, atores/personagens em cena, discursos assumidos. (Ver a metodologia de análise proposta pela pedagogia do olhar, no Caderno 1 desta coleção). Cada alun@ deve partilhar o que mais chamou sua atenção no programa. Durante a discussão busque introduzir dados e conceitos presentes nas obras de Gilberto Freire e Florestan Fernandes.

EM E T A B E D

trilhas televisivas

49


Referências FEITOSA, Deisy Fernanda. A televisão na era da convergência digital das mídias: uma reflexão sobre a comunicação comunitária. Tese de Doutorado/USP, 2015. FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão & Educação. Fruir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. HAMBURGER, Esther. Diluindo fronteiras: a televisão e as novelas no cotidiano. In: NOVAES, Adauto (Org.). História da vida privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. V. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. MACHADO, Arlindo. A TV levada a sério. São Paulo: Senac, 2000. MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997. OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2005. PEREIRA, Lívia Cirne de Azevêdo; BEZERRA, Ed Pôrto. “Televisão digital: do Japão ao Brasil”. In: Culturas midiáticas. Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Ano I, n. 1 – jul./dez./2008. Acesso em 2/3/2017 http://periodicos.ufpb.br/ index.php/cm/article/view/11628/6668

Sites: Instituto Alana: http://alana.org.br/ Criança e consumo: http://alana.org.br/project/crianca-e-consumo/

Site oficial da TV digital brasileira http://www.dtv.org.br/index.php

Fontes orais: Os depoimentos orais transcritos ao longo do texto foram retirados de FEITOSA, Deisy Fernanda. A televisão na era da convergência digital das mídias: uma reflexão sobre a comunicação comunitária. Tese de Doutorado/USP, 2015. As entrevistas foram realizadas em 2012 e 2013, no bairro Jardim Lapenna, zona leste da cidade de São Paulo.

50

conexões escolares com a tv digital


trilhas televisivas

51







Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.