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MORFOLOGIA URBANA DOS ASSENTAMENTOS POPULARES: A PRODUÇÃO INFORMAL DO MERCADO DE TERRA Luiz Alberto Souza Doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ Professor da Universidade de Blumenau - Brasil lasouza@furb.br Eixo Temático: Economia e Atividade Imobiliária na Cidade Informal
RESUMO O artigo é ainda, um resultado parcial de pesquisa acadêmica, que busca construir uma análise preliminar dos elementos constituintes na produção e na apropriação do território urbano por comunidades que não possuem acesso formal ao mercado imobiliário para fins de obtenção de uma moradia. Nosso campo principal de estudos empíricos se concentra na periferia da cidade de Blumenau, estado de Santa Catarina, na região sul do Brasil e, mais especificamente, em seus loteamentos informais que, devido as suas particularidades, acabaram por se constituir talvez, na única alternativa de moradia para significativa parcela da sua população. O estudo se encontra em fase inicial, mas visa compreender quais os principais processos que alimentam esse crescente fenômeno sócio-espacial e ainda, analisar os impactos urbanísticos decorrentes dessa dinâmica espontânea de uso e de ocupação do solo urbano. Pretende-se também, demonstrar como essas alternativas de moradia são produzidas pela população de baixa renda e caracterizá-las de acordo com o seu padrão de ocupação, principalmente em relação ao tempo histórico e ao contexto sócio-espacial no qual estão inseridas. Palavras-chave: informalidade; regularização fundiária; morfologia urbana.
INTRODUÇÃO Para alguns autores, o processo brasileiro de urbanização tem suas principais raízes nos movimentos de migração intra-regional (PERALVA, 2000; VALLADARES, 1980). A população rural fragilizada sistematicamente pela baixa produtividade do campo, pelo aumento da mecanização, pela precariedade das condições e das relações de trabalho e, se sentindo atraída pelo ideário do modo de vida urbano, migra continuamente para as cidades na perspectiva de melhorar seu padrão de vida. O município de Blumenau, importante centro econômico, tornou-se um dos destinos preferidos de migrantes oriundos de diversas regiões do país. Mas, paradoxalmente, ao chegar à cidade, sem qualificação profissional, se deparam com a dura realidade da falta de condições de possibilidades de acesso formal ao emprego e, principalmente a uma moradia digna. Essa dura realidade contribui para o processo de ocupação de áreas públicas e particulares como forma de resolver de imediato esse “problema”. Dados extra-oficiais fornecidos pela Secretaria Municipal de Habitação apontam que Blumenau possui um déficit quantitativo de
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aproximadamente 10 mil unidades habitacionais, num total de 47 áreas e mais de 550 ruas irregulares. O aumento desse fenômeno cresce a partir da década de 1970 com a industrialização e com a melhoria da oferta dos serviços urbanos. Apesar disso, o nível de investimento público em infra-estrutura não acompanha esse movimento, tendo em muitos casos como resultados, a ocupação de áreas impróprias à urbanização, como encostas de morros e áreas de fundos de vales, construindo-se uma cidade paralela, dominada pela mais completa informalidade (FERNANDES, 2000; ROLNIK, 1997; MARICATO, 1996). Além das dificuldades geradas pela topografia da região, ao longo das últimas décadas o problema vem se agravando pela falta de uma política habitacional e urbana que ordenasse a ocupação do solo e democratiza-se os meios de acesso à terra. Essa dinâmica propicia a geração de diversos vazios urbanos, eleva o preço da terra e obriga a população carente a ocupar áreas invariavelmente desvalorizadas, sem infra-estrutura e/ou de preservação ambiental.
A INFORMALIDADE URBANA COMO ESTIGMA SOCIAL Tratar da questão da informalidade urbana no Brasil e, na América Latina, exige um necessário exercício reflexivo e dialético para construir uma visão de totalidade que possa dar conta dessa dicotomia (ALFONSIN & FERNANDES, 2002). Uma análise mais apurada deve constatar que, do ponto de vista jurídico, excetuando-se a questão formal da existência ou não de um título de propriedade, existe a nosso juízo, pouca diferença entre os assentamentos residenciais formais, àqueles inclusos na chamada cidade legal (MARICATO, 2001), dos assentamentos informais (ABRAMO, 2003; LAGO & RIBEIRO, 2001) que formam a cidade real. Pretendemos a partir dessa leitura analisar, em parte, esse estigma que exerce forte influência no julgamento empírico dessas formas de ocupação urbana. Vitimadas por um histórico processo social excludente, essas famílias passam muitas vezes a serem tratadas como verdadeiros réus culpados e, dessa forma, sofrem duplamente essa forma de marginalização. Apesar de existirem estratégias diversas que passam a dar origem a diferentes formas de ocupação do solo, o que nos preocupa mais, é que essa desigualdade sócio-espacial acabou por se tornar o padrão recorrente em nosso país. Nesses assentamentos podemos observar que a sua maioria se caracteriza por certo grau de: espontaneidade, homogeneidade social, uniformidade espacial, padrão econômico similar e uma peculiar “regulamentação jurídica e fundiária”, que se caracteriza paradoxalmente pela quase ausência de normas urbanísticas e legais. Na prática, essa aparente anomia é substituída e validada pela observância de determinados padrões construtivos e formais que avalizam essa conduta e passa a transmitir a seus moradores um viés de legalidade. Pelo exemplo brasileiro mais tradicional de formação de favelas (as localizadas na cidade do Rio de Janeiro), as mesmas deixaram a muito tempo de se apresentar como solução provisória de moradia para se tornar um destino quase que permanente. Segundo Peralva (2000), “as favelas fizeram parte do desenvolvimento urbano e não é mais considerada hoje solução transitória de habitação”. Nesse sentido, um dos primeiros trabalhos realizados sobre esse tema no Brasil (VALLADARES, 1980) já explicava sociologicamente que esse fenômeno se constituía como sendo uma verdadeira “solução orçamentária” para seus moradores. A formação de fortes laços de solidariedade nessas comunidades constitui-se como um fato social de extrema importância e explica a forte coesão social encontrada
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nesses assentamentos. Ao mesmo tempo, ele acaba sendo muito mais um fator de conseqüência do que propriamente de causa, insuficiente para explicar o fenômeno da reciprocidade verificado no seu interior (DURHAM, 1984). A exceção fica por conta da informal regulamentação fundiária e jurídica peculiar própria para sua implantação, o que nos assentamentos informais vigora de forma subjacente. A falta de condições financeiras, aliada as questões culturais que possibilite a livre transferência de seus moradores é apenas um, mas não o principal, aspecto que impede e dificulta essa mobilidade espacial. Esses assentamentos apresentam entre outras particularidades, o fato de não possuírem formalmente uma regulamentação jurídica e urbanística (ALFONSIN & FERNANDES, 2002), essa “pseudo” ausência de normas alimenta dificuldades da caracterização formal desses assentamentos e, também, pelo fato de que, muitas administrações municipais se negam a reconhecer a existência de favelas em seus territórios. Após a aprovação da Lei Federal n.º 6.766/79, abriu-se a possibilidade da chamada “urbanização específica” para essas áreas, porém a falta de regulamentação desse instrumento levou a maioria dos municípios a não utilizar este mecanismo em suas políticas de planejamento urbano confinando os assentamentos informais a uma espécie de “território sem lei”. A partir da Constituição Federal de 1988, reaparece a discussão amparada na função social da propriedade como o elemento central e norteador das políticas públicas de planejamento urbano. A partir da aprovação da Lei Federal nº. 10.257/2001, denominada de Estatuto da Cidade, retoma-se essa discussão, porém, com muito mais consistência jurídica, pois mesmo que ainda incipiente esse diploma legal permite a conceituação e interpretação sobre o que se deseja como função social da propriedade. Mesmo que muitas controvérsias jurídicas sobre esse entendimento adentrem em nossos tribunais, a utilização pelos Planos Diretores Municipais, dos instrumentos jurídico-urbanísticos contidos no Estatuto da Cidade devem ser utilizados num exercício de paciência, perseverança e coragem. O fato é que essas desigualdades sócio-espaciais são fortes alimentadoras das tensões urbanas e se constituem num volátil combustível para o fenômeno da violência urbana em nosso país. A Carta Mundial do Direito à Cidade, preconiza que essa busca deva ser exercida e necessariamente construída, de forma a minorar as desigualdades urbanas: O direito à cidade se define como o usufruto eqüitativo das cidades dentro dos princípios da sustentabilidade e da justiça social. Entendido como o direito coletivo dos habitantes das cidades em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que se conferem legitimidade de ação e de organização, baseado nos usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito a um padrão de vida adequado.
Compreende-se que esse entendimento construído a partir do primeiro Fórum Social Mundial, coincide com o real significado do princípio da "função social da propriedade e da cidade" em nosso contexto (FERNANDES & ALFONSIN, 2004). Nesses últimos vinte anos, tal princípio passou a ser defendido de norte a sul, sem que, no entanto se conseguisse construir um mínimo de consenso ao seu redor. Uma das perguntas que precisam ser respondidas é, se esse consenso pode ser construído e quais devem ser necessariamente suas bases conceituais e legais. Por se tratarem de princípios constitucionais de natureza ideológica é aceitável que os mesmos sejam controversos e polêmicos e que, portanto, necessitem de conceituações teóricas mais consistentes que possam sustentá-los de forma a ampliar suas utilizações no âmbito das políticas urbanas.
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No decorrer da pesquisa que está sendo realizada no município de Blumenau-SC, pretendemos optar pela utilização de processos investigativos que privilegiem a reflexão crítica dos conceitos e dos fenômenos a serem trabalhados, para a compreensão melhor desse fenômeno nas cidades de médio porte. A idéia é contribuir teoricamente ao debate sobre um dos mais controversos princípios constitucionais brasileiros e que se encontra no centro das principais demandas sobre questões de natureza urbana: qual o papel do princípio do direito de propriedade no Brasil e como pode ser entendida na prática a chamada função social da propriedade e da cidade. Um dos principais entraves a ser superado, se encontra nos tradicionais sistemas jurídicos bem como, nas usuais políticas urbanas que sempre trataram a questão do direito de propriedade apoiada em princípios eminentemente positivistas e pela pura ótica civilista (CAMPOS JR., 2004). Ao mesmo tempo, os recorrentes procedimentos de concepção, de aprovação e, até mesmo o próprio conteúdo normativo da maioria dos planos urbanos (ROLNIK, 1997), sempre sustentaram à necessidade da observância irrestrita ao "princípio do direito de propriedade". Essa postura não levava em consideração qualquer preocupação dos possíveis efeitos perversos dessa postura ideológica sobre o território das cidades, em especial, nas de médio porte que passaram a desempenhar um papel fundamental para o equilíbrio territorial da rede urbana brasileira (AMORIM FILHO, & SERRA, 2001).
ASSENTAMENTOS INFORMAIS E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE Para alguns estudiosos, a existência de assentamentos informais em nossas cidades apresenta entre outras particularidades, o fato de não possuírem formalmente uma regulamentação jurídica e urbanística. Essa “pseudo” ausência de normas que regulamentem o acesso a terra, se deve pela dificuldade da caracterização desses assentamentos e também pelo fato de que historicamente grande parte de nossos administradores públicos, se negarem a reconhecer a existência de espaços caracterizados como “favelas” em suas cidades. Na maioria desses assentamentos o acesso a bens e serviços, à acessibilidade universal, e direitos básicos de cidadania são cada vez mais restritos, só que não por vontade de seus moradores, mas por imposição das circunstâncias e mecanismos que controlam e dominam esses territórios. Após a aprovação da Lei Federal n.º 6.766/79, abriu-se a possibilidade da chamada “urbanização específica” para essas áreas, porém, a falta de regulamentação desse instrumento levou a maioria dos municípios a não utilizar este mecanismo em suas políticas de planejamento urbano, confinando os assentamentos informais a uma espécie de “território sem lei”. Pior ainda, é que muitos governantes levados por interesses políticos e por “estratégias” de marketing urbano, passaram a propagar de que esses espaços simplesmente não existem, e dessa forma imputar a seus moradores uma série de privações e de acessos a serviços públicos que poderiam simplificar em muito as suas vidas. A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, reaparece a discussão sobre o conceito de “função social da propriedade”, como sendo elemento central e norteador das políticas públicas de planejamento urbano. Como ainda é incipiente esse conceito tanto pelo meio jurídico como pelas ciências humanas e sociais, a maioria dos planos urbanos ainda não conseguiu efetivar seus instrumentos urbanísticos e jurídicos ali contidos, capazes de processar a regulamentação fundiária em áreas de assentamentos informais em grande parte das cidades brasileiras. Com a aprovação do Estatuto da
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Cidade e, a partir do processo de elaboração massiva de Planos Diretores em mais de 2.500 municípios brasileiros, retomou-se o debate sobre essas questões com muito mais profundidade, pois mesmo que ainda recente esse diploma legal se apresenta do ponto de vista sócio-jurídico como um instrumento e possibilidade concreta para ajudar a reverter esse perverso quadro. “A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei” (Lei Federal nº. 10.257/2001, Art. 39).
Mesmo que ainda se consiga certos avanços, sabemos serem insuficientes através da via estritamente legal, ações efetivas para minorar os problemas sociais decorrentes das precárias condições de moradia a que estão submetidas grande parte da população brasileira. No entendimento de alguns autores, o arcabouço do nosso sistema jurídico precisa desempenhar mais fortemente sua função de ser realmente um instrumento de promoção da justiça. “O papel fundamental da legislação no processo de produção da ilegalidade urbana e da segregação espacial merece destaque. A ilegalidade urbana tem que ser compreendida não apenas nos termos da dinâmica entre sistemas políticos e mercados de terras, como tem acontecido na maioria dos estudos a respeito do fenômeno, mas também em função da natureza da ordem jurídica em vigor, sobretudo no tocante à visão individualista e excludente dos direitos de propriedade imobiliária que ainda vigora no país” (Fernandes, 2001).
Nesse sentido, entendemos ser necessário e imperativo que os governos municipais passem a cuidar com mais afinco da questão da regulamentação fundiária nas cidades. Não se trata de apenas titular a posse da terra, mas de garantir o acesso de seus moradores a infra-estrutura básica e de serviços públicos. Adotamos para tanto, o conceito de regularização fundiária estabelecido por Alfonsin (1997) no âmbito de uma pesquisa realizada pela FASE – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional e patrocinada pela GTZ – Sociedade Alemã de Cooperação Técnica, sobre os instrumentos e experiências de regularização fundiária em seis cidades brasileiras – Porto alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Diadema, Recife e Belo Horizonte: “Regularização fundiária é o processo de intervenção pública, sob os aspectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qualidade de vida da população beneficiária” (Alfonsin, 1997:24).
A redução dos índices de segregação residencial nas cidades brasileiras passa necessariamente por um amplo processo de regularização fundiária dos assentamentos informais, desde que acompanhados de efetivas políticas públicas de caráter social. Não podemos cair na simples tentação de produzir projetos de regularização da posse da terra
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de forma massiva apenas pelo viés econômico, como se percebe nas teses defendidas por Hernando de Soto (2001), difundidas e implantadas em vários países da América Latina com o patrocínio do Banco Mundial.
A CONTRIBUIÇÃO DA PESQUISA EMPÍRICA EM CIDADES DE PORTE MÉDIO Pesquisar o crescente fenômeno da informalidade urbana em cidades médias pretende trazer maiores entendimentos teóricos para esse fato cada vez mais presente em nossas cidades. Para tanto, pretendemos com essa pesquisa de caráter interdisciplinar e, que tem como recorte espacial analítico as áreas periféricas do município de Blumenau, e como seu objetivo principal demonstrar a realidade de uma dualidade espacial que se caracteriza pela existência de inúmeros assentamentos informais (loteamentos clandestinos, favelas e ocupações irregulares) que se formaram nos últimos 50 anos na cidade. O enfoque da pesquisa possui duas vertentes disciplinares: - um primeiro campo disciplinar voltado para reconhecer a existência e as características urbanísticas e espaciais dos assentamentos informais no município; - um segundo olhar mais aproximado ao campo sociológico, voltado para compreender o papel dos principais atores envolvidos nesse processo e quais variáveis que estão associadas a esse fenômeno. Sendo a cidade o resultado de processos e de disputas sociais, sua estrutura espacialmente acaba por externar as desigualdades dessa produção desmesurada de forças e sua morfologia urbana acaba por expressar, do ponto de vista sócio-espacial, a pobreza urbana que condena parcela significativa da nossa população. A metodologia adotada para a pesquisa nos assentamentos informais da cidade de Blumenau, utiliza o conceito de irregularidade urbana qualquer ocupação formada espontaneamente com o intuito de se fixar no local como sua moradia definitiva. Ao mesmo tempo esses espaços se caracterizam pela ausência de infra-estrutura, serviços ou condições de vida dignas de cidadania. Os assentamentos irregulares vão ser classificados conforme as seguintes variáveis: número de lotes, número de famílias assentadas, (in)existência de infraestrutura, equipamentos sociais (escola, creches, etc.), tipologia habitacional, nível de renda, escolaridade, demografia, período histórico, situação jurídica da terra e outras variáveis que possam contribuir para a compreensão de sua realidade. Esses dados serão coletados junto a Prefeitura Municipal e seus órgãos colegiados, ao IBGE e demais agentes públicos que disponham de informações já disponíveis sobre esses assentamentos. A coleta de informações vai privilegiar as seguintes fontes primárias: Jornal de Santa Catarina e Jornal A Notícia. Relatos de manifestações coletadas junto a movimentos sociais da cidade. A coleta das informações nos jornais será feita pelo bolsista nas bibliotecas da FURB – Universidade de Blumenau, e a Biblioteca Municipal e também em microfilmes junto à sede dos mesmos.
DIREITO À CIDADE COMO JUSTIÇA SOCIAL
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Em primeiro lugar, defendemos a utilização do planejamento urbano como forma política e instrumental na construção de uma justiça social e territorial no meio urbano. Para isso, se faz necessário o fortalecimento das instâncias e dos procedimentos no âmbito do poder público municipal, que deve construir “esferas públicas” (HABERMAS, 1997) capazes de receptar essa práxis e transformá-la num processo participativo-transformador compromissado com a redução das desigualdades sociais e espaciais no âmbito do território urbano. Nesse nível de decisão, os atores sociais legitimados estariam aptos a tornar o exercício do planejamento urbano, em um princípio de conduta ética com o povo e para o povo. Em segundo lugar, a aceitação e busca contínua de práticas e decisões orientadas ao chamado direito à cidade, que desde que Lefébvre (1969) escreveu seu célebre livro, O Direito à Cidade passou-se às políticas públicas serem mais reflexivas e a se nortear por uma nova lógica de compreensão do desenvolvimento urbano, onde no centro, gravita a tese da justiça (re)distributiva, entendida como um direito universal de todos os indivíduos de terem acesso de forma eqüitativa, ao produto social da cidade e ao seu ambiente natural (HARVEY, 1980), onde este deve ser utilizado de forma a garantir sua preservação tanto para a presente, como para as futuras gerações. Em terceiro lugar, a compreensão de que nossas cidades devem ser cada vez mais construídas no plano político, através da aceitação e do entendimento da cidade democrática (ARANTES & VAINER & MARICATO, 2002), como sendo aquela capaz de propiciar de forma justa e equilibrada, a participação da sociedade em sua gestão administrativa e política. Para a conquista dessa garantia devem-se buscar novos procedimentos deliberativos (HABERMAS, 1997) e o aperfeiçoamento constante dos processos de tomada de decisões de forma democrática. Em quarto lugar, no caso específico brasileiro, a consolidação de marcos regulatórios bem definidos, que tratem da questão urbana sob a ótica da universalização do acesso a bens e serviços básicos como, educação, saúde e moradia, compreendidos como direitos fundamentais de seus habitantes (Art. 6°, da C.F./1988). O acesso à terra urbana (ALFONSIN, 1997) deve então ser necessariamente um objetivo a ser buscado no âmbito federal (MARICATO, 1996) através de uma política específica nesse sentido. Sem que se resolva essa questão, não alcançaremos a efetiva democracia e consequentemente, não teremos cidades mais justas socialmente e territorialmente. E, é nesse ponto que pretendemos nos aprofundar com a pesquisa acadêmica que está em desenvolvimento. Contribuir no debate sobre a questão do direito à cidade no Brasil (SAULE JR., 1999) ao longo do desenvolvimento de muitas questões relativas às limitações e, dos impasses que ainda pairam para a aceitação plena do princípio constitucional da “função social da propriedade e da cidade” (FERNANDES, 2000; 2000; MELLO, 1987). Com certeza, necessitamos trilhar um extenso caminho em busca do aclamado e necessário direito à cidade, que se encontra limitado e encapsulado pelos fortes laços ideológicos que protegem e cercam a cidade do direito (SOUZA, 2005). Como conseqüência disso, não podemos também falar da aplicação do princípio da função social da cidade num sentido mais amplo e democrático, pois ela está ainda limitada à superação da primeira questão. Não somente a sua instituição, bem como a aceitação dessa nova ordem jurídico-urbanística em nossas cidades estaria, portanto, apta a desencadear um processo contínuo de construção de novas bases sociais para o surgimento de um país mais justo e de cidades socialmente e territorialmente mais democráticas (RIBEIRO, & SANTOS JR., 1994).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS Determinar quais os resultados esperados da pesquisa não é uma tarefa fácil de ser mensurada, pois os mesmos dizem respeito às questões complexas de natureza sócioespaciais e que esperam propiciar a inclusão dos moradores dessas áreas consideradas de subnormais (IBGE/PNAD/2004) numa melhor perspectiva de qualidade de vida. Existe também a possibilidade desses dados se tornarem objeto de programas públicos que busquem reduzir as profundas desigualdades socioespaciais geradas ao longo do processo histórico de ocupação da cidade de Blumenau, permitindo contribuir para o resgate da cidadania dessas famílias. A finalização do Mapa da Irregularidade Urbana em Blumenau e, com esse banco de dados construído a partir de diversos indicadores urbanísticos acreditamos que ele possa contribuir para alimentar algumas transformações territoriais a partir da intervenção futura nesses assentamentos informais. De posse dos dados obtidos na pesquisa, a universidade pode contribuir socialmente para alimentar políticas sociais do governo municipal, estadual e federal para a intervenção nestas áreas. Neste sentido, destacam-se as necessárias ações intersetoriais na discussão de soluções viáveis para questões complexas como urbanização, reflorestamento de encostas, coleta e reciclagem de lixo, educação profissionalizante e geração de renda, estimulando um movimento participativo junto às comunidades com claros indícios de amadurecimento nas relações de controle social. A atual e urgente questão da informalidade urbana tem, gerado impactos diretos sobre os territórios de nossas cidades, de forma a dificultar o alcance de propiciar a todos o direito constitucional à moradia (C.F., art. 6°). O município de Blumenau conta com aproximadamente 300.000 habitantes e possui atualmente, mais de 45 assentamentos informais considerados subnormais (Jornal de Santa Catarina, 26/02/2007, p. 10/11), estimando-se uma população aproximada de 15 mil famílias vivendo em situação de precariedade. A busca da redução dessas desigualdades sociais é também um dos “Objetivos do Milênio” preconizados pela ONU, na tentativa de minimizar a pobreza nos países ainda considerados pobres ou em desenvolvimento como no caso do Brasil. O município de Blumenau necessita urgentemente repensar suas políticas públicas, na tentativa de minimizar os impactos negativos da ausência que elas representam para o espaço urbano e principalmente para a população mais carente. Segundo dados publicados pelo Jornal de Santa Catarina, cerca de 6% da população do município vivem abaixo da linha de pobreza. Segundo a ONU, os bolsões de pobreza se caracterizam pela concentração no mesmo território de um número significativo de famílias com renda mensal abaixo de meio salário mínimo, equivalente a R$ 175,00 (cento e setenta e cinco reais) em valores relativos a março/2007. Pelo quadro apresentado pela Prefeitura Municipal de Blumenau, podemos verificar que não se trata de um fenômeno que possui um locus determinado no território da cidade, ele acontece de forma generalizada pelo espaço urbano. Segundo a Diretoria de Regularização Fundiária da Prefeitura de Blumenau, atuar nessas áreas informais e, “(...) frear o crescimento desordenado da cidade passa obrigatoriamente pela captação de recursos junto ao governo federal, com a intenção de regularizar as áreas clandestinas e garantir a cidadania a quem mora nas favelas” (SANTA, 26/02/2007, p. 11). O trabalho de pesquisa que se iniciou em maio de 2007 pretende, portanto, contribuir para a compreensão analítica do crescente fenômeno da informalidade urbana, que cada vez mais atinge os municípios brasileiros de médio e grande porte. As cidades passaram a se tornar um destino não só de moradia, mas principalmente de esperança para migrantes oriundos de
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diversas regiões do país, que ao chegar à cidade se deparam com a dura realidade da falta de condições de acessar formalmente à moradia e ao emprego. Diante disto e, sem condições de acessar por meio do mercado formal uma parcela de terra ou, uma habitação, essas pessoas partem para reproduzir o processo de ocupação de áreas públicas e/ou particulares como forma de resolver parcialmente esse “problema”.
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