Por um espaço cidadão o encontro do edificio com a rua

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“Por um espaço público cidadão: o encontro do edifício com a rua”




“Por um espaço público cidadão: Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega Clarissa Duarte Câmara Andréa Câmara Paula Maciel Silva Ana Luisa Oliveira Rolim

o encontro do edifício com a rua”



SINDICATO DOS ENGENHEIROS DE PERNAMBUCO - SENGE Presidente: Fernando Rodrigues de Freitas Diretor Vice- Presidente: Roberto Luiz de Carvalho Freire Diretor Secretário: Augusto José Nogueira Diretor Financeiro: Clayton Ferraz de Paiva Divulgação e Cultura: Clovis Arruda d’Anunciação Relações Sindicais: Gaio Camanducaia F. Barrocas Diretoria da Mulher: Eloisa Basto Amorim de Moraes Diretores Suplentes: Maria Elisabeth Marinho do Nascimento, Urbano Possidônio de Carvalho Neto, Anibal Galindo França de Oliveira, Mailson da Silva Neto, Waldir Duarte Costa Filho Conselheiros Fiscais Titulares: Norman Barbosa Costa, Maviael de Araujo Costa, Alexandre José Ferreira dos Santos, Plinio Rogério Bezerra e Sá, Robstaine Alves Saraiva Conselheiros Fiscais Suplentes: Jurandir Pereira Liberal, Jair João dos Santos Silva, Hermínio Filomeno da Silva Neto PRODUÇÃO EDITORIAL Coordenação Geral: Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega Preparação dos Textos: Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega, Clarissa Duarte Câmara, Andréa Câmara, Paula Maciel Silva, Ana Luisa Oliveira Rolim Organização: Marine Moraes de Lima Revisão de Texto: Marine Moraes de Lima Projeto Gráfico, Ilustrações e Capa: André Moraes de Almeida Intervenção Artística: André Moraes, Vitor Maciel e Nara Uchôa (VAaSTU) Impressão e Acabamento: Gráfica Santa Marta

P832

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) “Por um espaço público cidadão : o encontro do edifício com a rua” / Maria de Lourdes Carneiro da Cunha Nóbrega ... [et al.] ; préfácio Roberto Freire. – Recife : Publicações SENGE, 2014. 77p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-916791-0-2

1. PLANEJAMENTO URBANO – RECIFE (PE). 2. URBANISMO. 3. URBANISMO – BRASIL. 4. ESPAÇOS PÚBLICOS – RECIFE. (PE). 5. CIDADES E VILAS – PLANEJAMENTO. 6. EDIFÍCIOS – CONSTRUÇÃO – PLANEJAMENTO. 7. ARQUITETURA PAISAGISTA URBANA. I. Nóbrega, Maria de Lourdes Carneiro da Cunha. II. Freire, Roberto. CDU 711 CDD 711 PeR – BPE 14-043


PREFÁCIO O que é uma cidade agradável? É uma cidade em que você possa deslocar-se a pé, ou de bicicleta ou mesmo em algum tipo de transporte público especial? É o que dizem alguns especialistas que estão fazendo experiências em Vauban, distrito de Freiburg, na Alemanha e em Chengdu, na China. Em São Paulo estão fazendo também experiências semelhantes em condomínios horizontais, mas fechados, indicando um modelo segregador. Em todas essas novas experiências o conceito fundamental é não utilização de carros. Haveria espaço para experiências conceituais diferentes das que hoje dominam o espectro de discussão do planejamento das cidades? Claro que sim. O Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco está disponibilizando para a comunidade que discute as novas formas de entender e planejar uma cidade, uma publicação onde o conceito fundamental é o diálogo. Diálogo entre o espaço privado e o espaço público, entre as novas edificações e o patrimônio histórico, para que não se descaracterize o espaço público e transforme a cidade num ambiente ainda mais inseguro. Ao manusear esta cartilha poderemos entender e verificar que não está muito distante do nosso alcance a possibilidade de transformar a nossa cidade em uma cidade agradável. Poderemos enfim, entender e assumir que é possível ter um novo olhar sobre a cidade.

ROBERTO FREIRE

Vice-presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de Pernambuco


APRESENTAÇÃO

“Por um espaço público cidadão: o encontro do edifício com a rua” é a primeira cartilha, de um conjunto de três, que pretende esclarecer alguns aspectos que fazem parte do dia a dia do cidadão e, ao mesmo tempo, relacionam-se diretamente com o planejamento e o projeto da cidade. Nesta cartilha são abordadas questões da arquitetura e do urbanismo que permeiam diversos anseios das pessoas que vivem e discutem a problemática das cidades nos dias atuais. O texto aqui apresentado procura auxiliar, também, aqueles que não lidam profissionalmente com temas urbanos e não possuem vocabulário e informações específicas para tratar de muitos assuntos que são relevantes no dia a dia da cidade. Realizadas conjuntamente com o Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco, as três cartilhas, que além desta, versarão ainda sobre a mobilidade urbana e o patrimônio histórico, apresentarão, de maneira simples e coloquial, algumas constatações, questionamentos e exemplos relativos ao desenho urbano e a construção da cidade. Busca-se particularmente a construção de um vocabulário para aqueles que constroem e/ou debatem a cidade e que nela procuram um espaço cidadão.


SUMÁRIO

PREFÁCIO APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO 1. O SENTIMENTO DE INSEGURANÇA NOS ESPAÇOS URBANOS 2. AS DIFERENTES FORMAS DO EDIFÍCIO SE RELACIONAR COM A RUA 3. REPELINDO E CONVIDANDO – EXEMPLOS NA CIDADE 4. A LEI QUE DESENHA A CIDADE – ENTENDENDO O PORQUÊ DA CIDADE EM QUE VIVEMOS 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS:

POR UMA CIDADE MELHOR 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Recentes manifestações motivadas pela participação popular nas redes sociais da internet chamaram a atenção para problemas ou insatisfações relativas ao meio urbano em todo Brasil. No Recife não foi diferente, foram levantadas questões relacionadas à falta de mobilidade urbana, fruto de um trânsito de veículos sempre congestionado, o aumento de tarifas do transporte público, insatisfações com a construção de altos edifícios em áreas centrais da cidade com pouco ou nenhum diálogo com o patrimônio histórico edificado e um constante sentimento de insegurança ao se caminhar pelo espaço público. Muitas considerações, feitas por um público quase sempre composto por não especialistas, revelaram que a população em geral se preocupa com a cidade e deseja reconquistar o espaço perdido. Estas foram algumas das questões que motivaram a elaboração desta cartilha que foca, especificamente, na relação dos edifícios com as áreas públicas da cidade (ruas, avenidas, praças, etc.). Pretende-se, assim, esclarecer, àqueles que habitam a cidade, aspectos relativos às edificações que apresentam impacto direto com o sentimento de segurança e conforto nos espaços públicos, mas, no entanto, passam despercebidos para muitos no ir e vir do cotidiano urbano.


Figura 01. Manifestações do Ocupe o Estelita, São José, Recife. Fotografia: Leonardo Cisneiros (Direitos Urbanos), 2012.


1. O SENTIMENTO DE INSEGURANÇA NOS ESPAÇOS URBANOS


No Recife, em séculos passados, as edificações tinham contato direto com a rua, assim, enquanto o transeunte passava pela calçada ele era visto pelo usuário do imóvel ao lado. Havia aquilo que os urbanistas chamam de “vigilância social”. Aquele que passava era visto por aquele que habitava o imóvel e vice-versa. Atualmente, caminha-se no Recife em estreitas calçadas limitadas por altos muros. Muitas vezes não há conexão visual e física entre os passeios e os edifícios. Quem passa na rua não mantém uma relação visual com quem está dentro do edifício, do mesmo modo, quem está no edifício pouco se relaciona com o seu exterior. Como muralhas, as edificações são apresentadas às ruas. A não integração entre o edifício e a rua promove, cada vez menos, a utilização dos espaços públicos. E a forma de edificar, intramuros, também enfatiza essa forma “anti-urbana” de morar. Assim, crianças brincam no playground do condomínio e não na praça ao lado, são praticadas atividades físicas nas piscinas condominiais e pouco se caminha à academia da esquina. Promove-se uma gradual desertificação do espaço público urbano, em especial nas áreas onde condomínios verticais são erguidos no Recife. Neste entorno, caminha-se entre muros, sem vigilância social, em ruas muitas vezes desertas e pouco atrativas. Há, dessa forma, um esvaziamento da rua e das áreas públicas.

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Figura 02. Rua do Sol, Santo Antonio, Recife. Cartão postal. Acervo José Luiz Mota Menezes.


Quem se sente seguro em uma rua deserta? O tema da vigilância social não se apresenta como fato novo. Ainda na década de 1960, a jornalista norte-americana Jane Jacobs, em seu livro Morte e Vida de Grandes Cidades, ressaltava a importância vital de se permitir uma interação visual entre os espaços públicos e privados – ou seja, o cidadão deve ver e ser visto através destes espaços.

“... uma coisa todos já sabem: uma rua movimentada consegue garantir a segurança; uma rua deserta não.”¹ ¹ Jacobs, 2007.P.35. 13


Segundo esta jornalista, observadora da cidade, para se sentir seguro em uma rua, esta precisa possuir três características:

a b c

nítida separação entre os espaços públicos e privados (sem muros altos!!!!!!)

Deve haver uma

Devem existir

olhos para a rua, olhos daqueles chamados

proprietários naturais da rua, onde os edifícios devem estar voltados para a via,

sem fachadas “cegas”. A calçada deve ter

usuários transitando ininterruptamente, intensificando continuamente a presença de olhos na rua. Em outras palavras, a possibilidade daquele que usa o espaço da rua de observar o espaço externo ou de ser observado por ocupantes do espaço privado possibilita a vigilância social, necessária ao bom desempenho das funções urbanas, favorecendo assim o sentimento de segurança ao se caminhar por espaços públicos.

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Figura 03. Ipanema, Rio de Janeiro. Fotografia: Renata Duarte. Outubro de 2013.


“Todos precisam usar as ruas”

²

Neste sentido, é evidenciada a função agregadora e dinamizadora das vias públicas, principalmente aquelas situadas em áreas cujo tação, serviços –

² Jacobs, 2007.P.36. 16

mix de usos (comércio, habi-

juntos!) permite a utilização desses espaços ininterruptamente.


Figura 04. Ipanema, Rio de Janeiro. Fotografia: Renata Duarte, outubro de 2013.


Outro ponto que deve ser abordado aqui é o insistente

equívoco de que vig-

ilância eletrônica, cercas elétricas e muralhas geram mais segurança e bem estar ao cidadão. Muito pelo contrário! O crescente fenômeno de desvalorização dos espaços públicos urbanos é consequência, principalmente, da

segregação espacial, cau-

sada justamente pelo complexo de redes de vigilância eletrônica e pelos muros altos e cegos que separam os lotes privados dos espaços públicos adjacentes. Estes elementos cegam a rua deixando os dois lados, o interior e exterior do lote privado, isolados um do outro. Surge então...

“a rua cega”

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Figura 05. Set煤bal, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2012.


2. AS DIFERENTES FORMAS DO EDIFÍCIO SE RELACIONAR COM A RUA


Em 2010, o arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl ilustrou as diferentes formas de utilização dos espaços públicos urbanos em seu livro Cidades Para Pessoas. Estas ilustrações mostram como a arquitetura presente na cidade tanto pode auxiliar a promover o

encontro quanto o desencontro daqueles que utilizam

esses espaços.

“O planejamento físico pode convidar ou repelir os contatos básicos de ver e ouvir” , ³

promovendo ou não, entre os edifícios e espaços urbanos, a tão desejada vigilância social descrita por Jane Jacobs.

³ Gehl, 2013.P.236. 21


FORMAS DE REPELIR4

SEPARAÇÃO

Quando há elementos, como muros altos, por exemplo, que segregam, afastam, impossibilitam o contato físico e/ou visual entre as pessoas.

4

Segundo Jan Gehl, 2012.


Figura 06. Boa Viagem, Recife. Fotografia: Nani Azevedo, setembro de 2013.


ALTA VELOCIDADE

Existe uma diferença entre o olhar do pedestre, como aquele usuário da estrutura urbana anterior ao século XX, e o olhar do passageiro em veículo automotivo, usuário das cidades contemporâneas, o veloz transeunte urbano.

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Figura 07. Derby, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2012.


As cidades “tradicionais, eram feitas para serem por alguém que e podia observar Figura 08. Santo Antonio, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes Nóbrega, janeiro, 2014. 5

PEIXOTO, 1990, p. 361.


anteriores ao sÊculo XX, vistas de perto, andava devagar o detalhe das coisas� 5


EM NÍVEIS DIFERENTES Edifícios implantados em múltiplos andares, onde, principalmente, o pavimento térreo não é pensado como uma extensão da rua, não favorecem o contato entre pessoas. Para que múltiplos níveis sejam implantados se faz necessário investir em uma relação de contato entre as pessoas nos pavimentos inferiores, pensando o térreo como espaço apropriado ao relacionamento do homem com a cidade.

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Figura 09. Boa Viagem, Recife. Fotografia: Nani Azevedo, setembro de 2013.


ORIENTAÇÃO COSTAS COM COSTAS

Assim como estar entre muros não é pertencer a um espaço que convida, edifícios implantados com orientações contrárias, onde numa mesma rua há edifícios que não dialogam, não vêm um ao outro, também não auxiliam na construção de uma cidade segura.

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Figura 10. Boa Viagem, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, setembro, 2012.


Por outro lado, a construção de uma cidade deve possuir no seu planejamento físico edificações e espaços que não afastem as pessoas, mas as convidem para seus espaços públicos. FORMAS DE CONVIDAR6

CONVIDAR

Construir espaços que convidem, e que favoreçam a vigilância social.

6

32

Segundo Jan Gehl, 2012.


Figura 11. Nova York, EUA. Maria de Lourdes N贸brega, 2009.


DISTÂNCIAS CURTAS E BAIXA VELOCIDADE

Planejar a cidade com uma variedade de uso (comércio, serviços, etc.), favorece passeios agradáveis que permitem que o cidadão lide com o cotidiano a pé.

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Figura 12. Ipanema, Rio de Janeiro. Fotografia: Renata Duarte, outubro de 2013.


NO MESMO NÍVEL E ORIENTAÇÃO FRENTE A FRENTE

Planejar edificações para a cidade em que o pavimento térreo seja a união de todos os espaços.

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Figura 13. Santo Antonio, Recife. Fotografia: Ana Luisa Rolim, sem data..


CONFORTO TÉRMICO: UM CONVITE AO ESPAÇO URBANO

A sensação de conforto térmico no espaço urbano é outro fator que colabora para a permanência ou não de um indivíduo neste lugar.

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Nas cidades de clima tropical duas estratégias bioclimáticas são importantes para conseguir conforto térmico:

sombrear e ventilar.

Trazendo este conceito para o contexto urbano, é importante

construir lugares de sombra para facilitar a estadia e o usufruto dos espaços público abertos. Algumas soluções de sombreamento geradas pelo próprio edifício, como marquises, pavimentos térreos recuados e galerias contribuem para um maior tempo de permanência do cidadão no espaço público, além de gerar uma agradável integração entre o edifício, o homem e a rua.

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MARQUISES São elementos que se projetam sobre o espaço aberto. É uma solução que traz benefício tanto para o transeunte quanto para o usuário da edificação. Promove sombra nas calçadas, protege as aberturas e o indivíduo das chuvas. Nas ruas com estabelecimento comercial, a continuidade de marquises cria um percurso sombreado. No Recife, assim como em locais de clima tropical, o sol se eleva rapidamente do horizonte. Isto quer dizer que, nos horários mais quentes do dia, os ângulos das alturas solares são altos, o que facilita a criação das sombras. Considerando que os horários de maior temperatura de ar estão entre 10h e 14h, observa-se que os ângulos de altura solar variam entre 47o e 58o nos solstícios de inverno e verão, respectivamente, facilitando assim a promoção de sombras nas edificações com o uso das marquises. Solstício de Inverno - 22 junho

47°

40

Solstício de Verão - 22 novembro

58°

Figura 14. Ângulos de altura solar para Recife. Desenho elaborado por Paula Maciel Silva, 2013.


Figura 15. Toronto, Canadรก. Fotografia: Ana Luisa Rolim, sem data.


PAVIMENTO TÉRREO RECUADO O recuo das fachadas do pavimento térreo amplia o espaço público com a vantagem de torná-lo sombreado. Figura 16. Ilustração do Pavimento Térreo Recuado. Desenho elaborado por André Moraes de Almeida, 2013.

GALERIAS As galerias seguem o princípio do pavimento térreo recuado. O diferencial é a proporção do espaço público gerado. As avenidas Guararapes e Dantas Barreto, no bairro de Santo Antônio, são locais da cidade onde se vê claramente esta solução projetual. Os pedestres circulam protegidos. Além do percurso, elas dão espaço para pequenas áreas de convívio, com o apoio para lanchonetes ou pequenos restaurantes e estabelecimentos de prestadores de serviço, ou seja, usos múltiplos que diversificam a ocupação do espaço público. 42


Figura 17. Santo Antonio, Recife. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2013.


3. REPELINDO E CONVIDANDO – EXEMPLOS NA CIDADE


As áreas do Recife em que ocorrem atividades comerciais, ou, como também são popularmente conhecidas, “o vuco-vuco” do bairro de São José, bem exemplificam os espaços urbanos de grande vigilância social. Áreas históricas, construídas “como antigamente”, na qual as construções são abertas diretamente para a rua, onde a presença de transeunte, pelo menos durante o dia, é intensa, caracterizam-se pela baixa velocidade, onde a maioria caminha a pé, e onde há poucos desníveis com pátios que interligam as edificações.

Figura 18. Boa Vista, Recife, lojas abertas. Fotografia: Nani Azevedo, setembro de 2013.


Ao contrário do dia a dia movimentado das áreas de comércio do bairro de São José, à noite ou nos finais de semana e feriados esta área é totalmente deserta.

Não há um mix de usos. Só comércio com hora para começar e acabar suas atividades.

Figura 19. Santo Antonio, Recife, lojas fechadas. Fotografia: André Moraes, julho de 2006.


Todavia, esta falta de pessoas na rua e ausência de vigilância social não difere das áreas mais novas da cidade que mesmo em dias úteis e horário comercial se apresentam vazias, com pouca ou nenhuma vigilância social, como é o caso de ruas do bairro de Boa Viagem, Rosarinho e tantas outras cujas construções são mais recentes. Muros altos que criam um (ilusório) sentimento de segurança para aqueles que habitam a edificação, mas que fazem emergir nas áreas urbanas ruas hostis, entre muralhas. Estas ruas que inibem a própria circulação daqueles que habitam as edificações do entorno.

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Os muros cegos proteger protegem tambĂŠm Figura 20. Boa Viagem / SetĂşbal, Recife. Fotografia: Nani Azevedo, setembro de 2013.


que pretendem o cidad達o o ladr達o!


Mas há lugares onde toda cidade é pensada como um grande pavimento térreo

Bons exemplos: rua x edifício

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Figura 21. Barcelona, Espanha. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, junho de 2013.


Figura 22. Barcelona, Espanha. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, junho de 2013.


Figura 23. Barcelona, Espanha. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, junho de 2013.


Figura 24. Miami, EUA. Fotografia: Maria de Lourdes N贸brega, 2010.


Figura 25. Santo Antonio, Recife. Fotografia: Nani Azevedo, setembro de 2013.


Bons exemplos: Quando a verticalização não é um problema para a integração do edifício com o espaço público.

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Figura 26. Toronto, Canadรก. Fotografia: Ana Luisa Rolim, sem data.


Figuras 27 e 28. Bogotรก, Colombia. Fotografia: Ana Luisa Rolim, sem data.


Figuras 29 e 30. Bogotรก, Colombia e Buenos Aires, Argentina. Fotografia: Ana Luisa Rolim, sem data.


4. A LEI QUE DESENHA A CIDADE –

ENTENDENDO O PORQUÊ DA CIDADE EM QUE VIVEMOS


Entender porque a cidade está repleta de edifícios que não favorecem o encontro de pessoas, parte da compreensão de como a legislação urbana é aplicada atualmente na construção dessas edificações. Qualquer edifício construído na cidade segue as normativas escritas nas legislações urbanísticas, por exemplo, leis de uso e ocupação do solo e a lei de edificações. São esses conjuntos de normativas que vão regulando a construção do edifício dentro do lote e, ao mesmo tempo, configurando o espaço urbano. Em outras palavras,

As leis moldam os edifícios construídos e os espaços públicos ao seu redor. 61


UM POUCO DE HISTÓRIA

No Recife, as duas primeiras legislações urbanísticas do século XX, a lei de 1919 e o Regulamento das Construções de 1936, tinham a rua como o elemento chave da configuração do espaço urbano. Nestas leis, a composição dos edifícios — sua altura, alinhamento, elementos construtivos — se regulavam através das relações geométricas com a rua. Deste modo, privilegiava-se a escala humana, a permeabilidade e a proporção entre o edifício e o espaço urbano. Isso não acontece mais nas legislações de hoje em dia!


B

15m

2xL

A

L

1º Piso Sobreloja

A - Limite de altura para largura de via < 15.00m

C

B - Limite de altura acrescida com largura de via de 15.00m C - Área semi piloti de passeio público

Figura 31: Exemplo de norma para regular a altura da edificação a partir da largura da rua.

Térreo largura da via < 15m 15.00


Mas a cidade evoluiu piorando!? A partir da segunda metade do século XX, ocorreu uma mudança no planejamento urbano da cidade do Recife. O código de urbanismo e obras de 1961 configurava a forma do edifício como resultado de fórmulas matemáticas para regular sua altura e ocupação no solo, levando em consideração a área do terreno. Mesmo assim, ainda existiam normas específicas para regular a relação do edifício com a rua, como, por exemplo, no bairro de Boa Viagem, para onde havia a obrigatoriedade de um recuo frontal generoso, tratado com área verde e com muros de pouca altura. A tipologia desejada era a do edifício galeria para as áreas comerciais e a do edifício sob pilotis nas áreas residenciais.

A rua ainda tinha olhos! calçada rua

64

solo natural


RL

RL

terreno

superfície edificável

RP

RF calçada rua

Teto Jardim 12º pavimento 11º pavimento 10º pavimento 9º pavimento 8º pavimento 7º pavimento 6º pavimento 5º pavimento 4º pavimento 3º pavimento 2º pavimento 1º pavimento pilotis

ral lo natu

so

Figura 32: Ilustração a partir de norma para regular a altura da edificação em função da largura da rua. Fonte da Norma: Câmara, 2011. )

l (RF

nta o Fro Recu

Recuo Later al (RL)

ior Poster Recuo P) R (


O problema destas tipologias foi o fato das mesmas não resolverem uma questão que passou a ser determinante nos edifícios particulares: a guarda de veículos. Com o passar dos anos e com a popularização do automóvel, ficou clara a necessidade de uma

norma para regularizar a guarda de

veículos nos edifícios particulares. A solução dada foi a regulamentação de

pavimentos garagem nas edificações. Em um primeiro momento, esse pavimento estava no subsolo ou no semienter-

passou a ocupar até 3 pavimentos acima do solo.

rado do terreno, mas, posteriormente, ele

os pavimentos garagem tornaram-se os grandes responsáveis pelos paredões que passam a impedir a saudável e necessária integração entre o edifício e a rua. Assim,

66


Figura 33. SĂŁo JosĂŠ, Recife. Fotografia: Nani Azevedo, setembro de 2013.


O modelo é disseminado até os dias atuais pelas legislações vigentes. Trata-se do

edifício “pódium”. É aquele que acontece em cima de vários pavimentos de garagem, numa feição intramuros, onde

nenhum elemento construtivo é pensado como integrador entre o edifício e o espaço público adjacente.

A ideia de cidade onde o espaço privado estaria articulado ao espaço público vai se diluindo. A legislação perde seu importante papel de configurar, simultaneamente, o edifício no interior do lote e sua articulação com o entorno. Perde sua característica, enquanto instrumento modelador, de um ambiente urbano qualitativo e integrado. 68


Peitoril 1,50m

Divisa do Terreno

7,50m Nível do Meio Fio

Figura 34: Modelo edifício “podium”. Resultado do Plano Diretor da Cidade do Recife, 2008 e Lei 16.176/96.

2º Pavimento 1º Pavimento

1,10m

Térreo Subsolo

1,50m

6,00m


Inicia-se a destruição do vínculo entre a forma do edifício e a forma da cidade. A legislação passa a desenhar o edifício como objeto isolado do espaço urbano.

Figura 35: Relação entre a rua e a edificação na qual prevalecem as casas unifamiliares. Existe um maior contato físico e visual entre o espaço privado e o espaço público.


Figura 36: Relação de proporção entre o edifício e a rua, com a prática da construção de muros altos e grandes paredões que separam visualmente e fisicamente os transeuntes daqueles que utilizam os espaços edificados.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

– POR UMA CIDADE MELHOR


O poder público planeja a cidade através das

normativas urbanas.

É indispensável que elas sejam cidadãs e uma das estratégias é compreender o

pavimento térreo como um prolongamento de toda a cidade. É um modo de conceber que reflete uma mudança na forma atual de ocupar os espaços públicos e privados.

pavimento térreo visto como um lugar de passar e estar, lugar do encontro, de vigilância social.

O

Um espaço integrado ao

espaço público e ambos são permanentemente

vigiados.

Plano Diretor é uma Lei Municipal, criada com a participação da sociedade civil para organizar o crescimento e o funcionamento da cidade [...]. Tem o objetivo de coordenar as ações dos setores público e privado [...]. “O

Visa a compatibilizar os interesses coletivos e distribuir de forma justa os benefícios e os ônus da urbanização.”7

7

Disponível em www2.recife.pe.gov.br, Acessado em 24 de setembro de 2013. 73


instrumento de planejamento e na sua concepção é fundamental que o espaço público seja entendido como espaço do cidadão. E que as políticas públicas sejam eficientes e É um

busquem sua adequação à qualidade de vida urbana e humana!

projetar as novas ocupações, como também as intervenções nas áreas consolidadas, de forma integrada, reduzindo limites entre público e privado somando valores aos lugares, considerando o encontro entre: Portanto,

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o edifício e a rua, o edifício e a quadra, o edifício e o bairro, o edifício e a paisagem, o edifício e as pessoas.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS CÂMARA, Andrea. N. D. Cubierto de Verde y Plantado de Blanco. Las Ordenanzas de la Ciudad Moderna. Recife. UPC, Barcelona, 2011. CÂMARA, Clarissa Duarte D. Le Dessin de la Coexistence: L`impacte des polithiques d`aménagement urbain sur l`usage de l`espace publique. Paris: Master en Aménagement Urbain e Dynamique des espaces – Univ. Paris 1- Panthéon Sorbonne, 2005. CÂMARA, Clarissa Duarte D. NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da Cunha. Pela Coexistência Urbana: Estratégias de Planejamento para Espaços Públicos Viários in Paisagens. Ensino | História | Planejamento. Recife, Editora Prazer de Ler, 2012.


GEHL. Jan. Cidades Para Pessoas. São Paulo, Editora Perspectiva, 2013. JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2007. NÓBREGA, Maria de Lourdes C. da Cunha. Todo caminho dá na venda. A influência do comércio de varejo nas transformações físicas do espaço urbano. Os bairros do Recife, Santo Antônio e São José. 1970-2006. Tese. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano. UFPE. Recife, 2008. SILVA, Paula M.W.M.R. 1992. Searching for Thermal and Visual Comfort in Housing. Recife: an example of warm humid climate. Dissertação de mestrado (Undergraduate course in Energy and EvironmentalConfort), Architectural Association School of Architecture, London, 1992. PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. São Paulo: Editora SENAC, 2003. ROMERO, Marta. Arquitetura bioclimática dos espaços públicos. Brasília: Editora da UnB, 2001.

77




FILIADO A:

Twitter: @SengePE Facebook: SindicatodosEngenheirosPE E-mail: sengepe@sengepe.org.br Site: www.sengepe.org.br Telefone: (81) 32271361 Endereço: Rua José Bonifácio 205 Sl.305. Madalena - Recife-PE.




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