Embarcaçoes lagunares bateiras e artes novo formato 3 (1)

Page 1

EMBARCAÇÕES LAGUNARES BATEIRAS & ARTES


Ficha Técnica: Titulo: «Embarcações que Tiveram Berço na Laguna» Parte II - «BATEIRAS e ARTES» Autor: Senos da Fonseca Desenho em 3D-Luis Costa Recolha fotográfica: Ana Maria Lopes Definição glossário: Autor Créditos fotográficos: (Ver p

Editora: (a definir)

Ano edição 2014/15

ISBN: (a definir) Depósito legal: 2

)


Introdução

Com o presente Tomo II, dá-se por terminado o estudo de todas as embarcações que labutaram na Laguna de Aveiro. Instrumentos privilegiados, sem os quais o homem lagunar não teria transformado esta inóspita região, zona alagadiça, cortada por extensas veias de água invasivas, numa das mais bonitas, mas e também, das zonas economicamente mais desenvolvidas do País. A história lagunar é nova; pouca mais idade tem do que a formação pátria. Por isso em redor da Laguna não se encontram monumentos grandiosos que assinalem feitos históricos. Nem sequer rocha firme a que o demiurgo da laguna se pudesse agarrar, para enformar o meio circundante a jeito diferente. Na Laguna os monumentos são as embarcações lagunares ( existentes ou desaparecidas), pois que é através delas que se pode fixar o historial dos momentos chave marcantes, onde se operaram grandes (e repentinas) mutações

no meio geográfico. As

embarcações, cada uma delas um prodígio do espírito criador do empírico mestre naval, da beira lagunar ao «responder» ao que lhe pediam, de um modo singular e genial, servem-nos para podermos fixar, com muita real certeza, a história deste singular e intruso acidente geográfico.

3


O presente livro conta a formação da Laguna, classifica as bateiras que nela laboraram, fixa-lhes o histórico, e explana a função para que foram criadas. E, talvez mais importante, elabora os seus Planos Geométricos e de Construção. Primeiro em 2D,mas depois em 3D,o que permite a sua guarda e utilização futura. Foi o caso da «ílhava», bateira histórica já desaparecida, hoje existente no MMI, em tamanho natural, saída dos planos incluídos no Tomo I, é a melhor prova da validade do conteúdo destes livros. Ficam assim estudados todas as embarcações que laboraram através dos anos na Laguna. Cremos não nos enganar, ao afirmar que esta é a região geográfica, onde tal sucede. Mas… Ao estruturar o livro, percebemos que seria pena não estudar as «Artes», assim designadas as redes empregues nas bateiras, pelo pescador. A maior parte dessas «Artes» desapareceram, já. Atirámonos ao trabalho, sem dar conta da sua dificuldade. E assim este livro contém o descritivo das «Artes» Lagunares», trata a sua evolução, e explica o modo como as mesmas operavam (ou operam). Finalmente o livro é enriquecido com um extenso glossário sobre a terminologia naval lagunar. Longo trabalho de pesquisa e preparação, este livro contou com a participação de Luis Costa que executou os desenhos finais, em 3D,e

4


da Ana Maria Lopes que seleccionou fotos, e alinhou o glossĂĄrio. A estes, e a todos os que cederam imagens para enriquecimento do livro, o meu muito obrigado. Obrigado a todos os pescadores que me deram uma preciosa ajuda, desenterrando artes, montando-as para meu registo, ou atĂŠ, embarcando-me na sua bateira.

SF

5



Introdução à história

Depois de apaixonadas e calorosas discussões – mas nem sempre assertivas conclusões – reputados

1

fases,

formação

longínquas,

para

a

autores que propuseram, datas e lagunar,

divergiram

profundamente. Para uns a ordem cronológica da formação lagunar poderá ter sido: – Terras Marinhoas2, primeiro; Gafanhas, a seguir; e, por fim, a extensa língua de areia onde repousa a Torreira, chamada Gelfa. Já outros

3

chegaram mesmo a afirmar a

existência das

mesmas, no período romano, atribuindo-lhe a provecta idade de cerca de 2000 anos. Todas aquelas deduções não tinham bases científicas4, que hoje permitem, com uma certa unanimidade, colocar o início da formação da laguna, cerca do Séc. X (ou muito próximo desta data). Teria sido por essa altura, e em consequência de alterações climáticas sensíveis, verificadas no hemisfério Norte, que a conjugação de ventos e correntes, daí decorrentes, teria provocado o surgimento de um cordão

1

Souto, Alberto, «Origens da Ria de Aveiro», 1923, pp. 119 e 125 e Girão, Amorim, «Bacia do Vouga», 1932, p. 61. 2 Terras Marinhoas é todo o território de terras baixas, em que os terrenos (muito deles matos, pântanos e juncais estão apenas um pouco acima do nível do mar, e que abarcam as actuais freguesias de Pardilhó, Bunheiro, Murtosa, Monte e Veiros, e certas franjas do Concelho de Estarreja. E claro, a Torreira. 3 Girão, Amorim, «Geografia de Portugal», 1941, p. 104. 4 Embora este Portulano tenha sido descoberto no Séc. XIII, o Visconde de Santarém atribui a sua feitura ao Séc. IX.

7


arenoso. Que iniciado em Ovar se foi deslocando, imparavelmente, para sul. Até ali, a linha de costa contactava directamente com o oceano, e ia do Cabo Mondego a Ovar. Os hoje pequenos rios, eram, ainda então, rios com assinalável caudal: – como o Rio Mira, Rio Boco, Rribeira de Ílhavo, e outros – despejando no mar. O mesmo acontecia com o Rio Vouga, que muito antes da foz, numa hansa perto de Pessegueiro do Vouga 5, recebia os seus afluentes, Cértima e Águeda (Alfusqueiro e Agadão) ,o que lhe conferia assinalável caudal, definindo o mais assinalado acidente orográfico na referida zona. E era precisamente até essa hansa, profunda e larga, que os navios de alto bordo, da época, subiam o Vouga (Vacca), aí fundeando para transacionarem (trocarem) as mercadorias transportadas no seu bojo6.É pois certamente interessante, determo-nos em concreto sobre esta micro região, pois era ali que se concentrava toda actividade, comercial e produtiva. E onde se posicionavam os mais importantes agregados populacionais, deslocados muito lá para dentro, para montante do rio, protegidos por castros estrategicamente distribuídos

5

Lamy,Alberto Sousa « Monografia de Ovar» ,2ª Edição, p. 9, cita o Vouga era navegável desde a vila de Aveiro até Pessegueiro, por distância de cinco para seis léguas. 6 Nas Memórias Paroquiais de Segadães, em 1758, diz-se «As embarcações que o frequentam (rio de Águeda) são os barcos das vilas de Aveiro, Ílhavo e de Ovar (…) à vela ou a remo….conforme o vento, conduzem ao dito lugar vários provimentos de infinito sal, sardinhas e outro género de pescado molhado e seco e conduzem para baixo vinhos, frutas, e lenhas (….)».

8


que serviam para aviso, e preparação da defesa, de bens e pessoas, dos ataques da pirataria e corso, costeiros, muito comuns à época.

Fig.1 – Mapa de 1467 de Grazioso Benincasa Região situada nas cercanias da estrada real, romana, especialmente criada para a passagem dos exércitos romanos, mas e também, depois, sucessivamente mantida pelos reis portugueses, com a finalidade de servir à movimentação a mercadorias e exércitos. Ali se carregavam cereais, madeira, vinho, sal e olarias, e muitos outros bens. E se descarregavam produtos, vindos de outras partes do País (cabotagem),

9


mas e também, desde longa data7, produtos vindos principalmente do norte de África (trocas comerciais)8.

Fig.2 –Barca Terá sido aí, numa zona já muito (?) para montante do rio, que os mercadores árabes 7

terão tido, e mantido, actividade comercial

Sérgio, António in «Introdução Geográfico-Sociológica à História de Portugal» «no décimo segundo e décimo terceiro séculos, o Vouga comunicava francamente com o mar, pois foi somente no Séc. XIII que começaram a avultar paralelamente à costa, as línguas de areia que determinam o «hafe». 8 O Conselheiro Ferreira da Cunha na «Memória de Aveiro no séc. XIX» afirma que no distrito não havia estradas,para «além da Lisboa-Porto, passando por Mealhada, Águeda e Albergaria, ADA, vol. VI, p. 265.

10


intensa, a exemplo do que se verificava no Rio Mondego, em que um entreposto comercial era já conhecido e famoso, muito antes da nacionalidade : Montemor-o-Velho situado muito a montante da foz. Haveria, já então, intenso bulício económico, como nos é referido por Al-Edrisis 9, quando referenciou a intensa navegação costeira de cabotagem : –(…) nenhum navegante se atreve a viajar no seio do mar Atlântico, e a afastar a sua rota da costa – assim se exprimia o geógrafo árabe, quando observou e anotou factos relacionados com a actividade comercial da península. A pesca – enquanto o desenho da costa litoral se manteve como originalmente – far-se-ia já em águas exteriores, no mar litoral, em embarcações de alto bordo, como baixéis, barcas10 e pinaças. E mais tarde, em caravelas, a célebre caravela «pescareza», barco muito evoluído, rápido, de fácil manobra, muito apropriado para montar o vento, e ágil na demanda dos difíceis portos costeiros, nesta parte do litoral atlântico, muito expostos.

9

Edrisis (Al Idrisi-1099-1165), geógrafo árabe, terá visitado a Hispania, tendo feito a sua «Description de l’Afrique et Espagne». E.J. Brill, Ed Dosy, 1866. 10 Nas Inquirições de 1251, refere-se «que quando o rei estivesse na Feira, os pescadores de Cabanões deviam dar-lhe todo o peixe que saísse nesse dia; e no dia seguinte deviam reservar-lhe um quinhão da melhor caravela, como o do maior pescado». Nas de 1284 «informa-se que dão a el- rei de cada uma pinaça, quando vier do mar, um cambo de pescado». Além disso, el-rei deve haver todo o pescado real que sair no mar assim como baleia e yrez ou outro peixe real. Lamy, Alberto, «Monografia de Ovar», 1977, p.153.

11


Fig.3 – Caravela Pescareza Sabemos que esta região, das redondezas do porto do Vouga, situada muito lá para montante, era um entreposto comercial por excelência, onde se mercadejavam bens e gados das produções colectivas agrárias, das faldas serranas. Que teria sido já, alvo de cobiça de uns outros navegantes, «os Vikings», vindos lá do norte da Europa, na segunda metade dos anos de 800 (d.C.). Povos bárbaros, irredutíveis, sanguinários, procuravam pasto para os seus gados, e alimentação para as suas comitivas, tendo subido o rio Vouga, e saqueado as populações das suas margens. Ao tempo que iam cometendo os mais ferozes actos de pilhagem e vandalismo, que até ali se assistira, lançando o terror por aquela região. Interrompendo as suas viagens (para reabastecimento) em demanda dos portos mediterrânicos (sua

12


finalidade última), depois de terem saqueado, e se instalado, no norte europeu. Os árabes designavam estes invasores por al-urdumaniyyun (normandos). Gente feroz, guerreira, bárbara. Mas excelentes navegadores, embarcados em maravilhosas embarcações trincadas, cuja manobrabilidade, segurança e rapidez, lhes tinham permitido, já anteriormente, sulcar os difíceis mares do atlântico norte, nelas atingindo a Groenlândia e a Terra Nova11. Com elas «escreveram» as históricas Sagas, inacreditáveis feitos de navegação e descoberta, de paragens longínquas, praticadas em mares hostis, ao tempo impensáveis de serem transpostos. Só muito posteriormente, as Sagas, foram conhecidas, traduzidas e divulgadas, sendo hoje uma fonte de estudo notável, já que aqueles povos foram os primeiros a fazer viagens longínquas, em mar aberto e tempestuoso, em condições climáticas particularmente duras. O modo de orientação que os levou a tão remotas paragens, praticado em mar aberto, sem pontos de referência posicionais, visíveis, em mares normalmente enevoados e agitados, povoados de icebergs à deriva, é ainda, hoje, uma incógnita. Por isso, as Sagas – ainda com pontos a esclarecer –, merecem admiração pela demonstração de arrojo e de admirável capacidade técnica naval, permitindo-lhes conceber embarcações de qualidades náuticas, inultrapassáveis, à época.

11

Fonseca, Senos da, «Nas Rotas dos Bacalhaus», 2005, p. 5 e seguintes.

13


. Fig. 4 – Viagens normandas ao mediterrâneo

Fig.5 – Drakkar Viking 14


Muito diferentes teriam sido as visitas dos povos árabes à região do Vouga. Muito mais cordatos, e mais pragmáticos, estavam mais interessados em estabelecer bases comerciais para troca de produtos, do que em guerrear. Fosse qual fosse o poder instalado na fase de alternância (árabe ou cristão), sempre perceberam que as trocas comerciais eram importantes, e independentes de quem, nas redondezas, detivesse o poder. Terá sido no golfão onde vertiam os três rios12, zona profunda, e na época de fácil alcance, que os mercadores árabes terão tido actividade intensa, visitando a região para uma abordagem essencialmente mercantil. Esta actividade tradicional não evitou esporádicas práticas de corso, prática habitual daqueles tempos, perpetrada ao longo da costa, interceptando as embarcações estranhas, pilhando as mercadorias e gentes embarcadas, por quem, posteriormente, pediam chorudos resgates. Actividade que se prolongaria até muito tarde, pois que a prática do corso foi continuada mesmo após a fundação da nacionalidade, e durante largos séculos. Levada a cabo por todos os povos13 que se dedicavam às trocas mercantis, numa prática consentida (quando não financiada) pelo próprio poder. Ainda em 1754, é referido o encalhe de uma embarcação pirata, argelina, na praia de Esmoriz, que se dedicava ao corso. E ficaram registados, ainda, a presença dos mesmos, em ataques à vila de Ovar. Alberto Sousa Lamy, na sua «Monografia de 12

Vouga, Águeda e Cértima. Portugal incluído, que na costa Algarvia mantinha financiadas pelo próprio rei.

13

embarcações de corso,

15


Ovar», refere o drama «Hallas», da autoria de Licínio Fausto Carvalho, que aborda precisamente actos deste tipo, com o aprisionamento de embarcações, redes, peixe e tripulações.

Fig. 6 –Cárabo árabe usado nas navegações Esta presença no Vouga teria sucedido na sequência das visitas comerciais (e não só!) levadas a cabo por aqueles povos do norte de África, ao rio Mondego, sucedidas (já) em período anterior à da fundação da nacionalidade

14

,aquando das visitas a Coimbra, quando

esta estava sob o domínio do califado árabe. As trocas continuariam, mesmo quando a cidade passou para as mãos da cristandade15.

14

Cortesão, Jaime, «História dos Descobrimentos», Vol. I, 1990. Em 987 Almançor (califa de Córdova) tomou Coimbra, sendo reconquistada por Fernando «O Magno» (1064). 15

16


1

A Formação da Laguna

No Séc. X – pouco mais ou menos –, condições advindas das grandes mutações climáticas (com arrefecimento muito acentuado das regiões polares), gerariam correntes muito fortes, que conjugadas com uma predominância de ventos do quadrante norte, iriam provocar o aparecimento do banco arenoso litoral. Iniciado em Ovar, foi imparavelmente avançando para sul. Poderemos inferir, por documentação correlacionada com factos ocorridos na região16, que o cordão deverá ter atingido a actual Torreira, a partir do Séc. XII. Esta formação arenosa, sempre em progressão continuada, começaria a provocar fluxos e refluxos nas águas que iam ficando aprisionadas. Ocasionando o aparecimento de baixios (ilhotas), verdadeiras planícies de aluvião de altos fundos lodosos, em permanente consolidação, cada vez mais evidenciáveis nas marés baixas. Um portulano «encontrado», datado de 1318, da autoria de Petrus Visconti, foi identificado pelo Visconde de Santarém como tendo sido produzido pelo referido autor, mas no Séc. IX. O portulano reproduz com notável precisão a linha de costa do litoral, com a clara reentrância, ainda sem indício (sequer!) do referido cordão arenoso. 16

Laranjeira, Lamy «Ria de Aveiro» cita a doação ao mosteiro de Grijó, de casais em Rexico, Fermelã, por Urraca Mendes e marido, Afonso Pires, nos anos de 1182 e 1183, sugerindo que nessa data, ainda o cordão litoral não teria atingido a actual Torreira.

17


Imag 2

Fig. 7 –Portulano Petrus Vicenti17 (atribuído ao Séc. IX) Já mais referenciada em vários documentos do Séc. XIV, a língua de areia encontrava-se, no Séc..XV, em frente da capela da Srª das Areias, que nessa data era, já então, erecta.

17

Dos quais o Portulano de Visconti seja talvez o mais categórico.

18


Fig.8 –Cordão litoral cerca de 1500 Esta edificação era o marco mais assinalável da barra, situada entre o cordão arenoso e a anterior linha de costa. No Séc. XV, há notícias 18

de se encontrarem já completamente

formadas todas as ilhas

interiores. Ainda que parte delas, (as situadas mais a sul) só ficassem completamente a descoberto no baixa-mar. As últimas a se formarem, terão sido as do Monte Farinha19 e a dos Ovos (sendo certo que esta fica mais a oeste).

18

Martins, Fernandes, «A Configuração do Litoral Português no Último Quartel do Séc. XIV», 1946, p 27. 19 Em 1537 já se terão verificado pleitos sobre a posse desta ilha, pelo duque de Aveiro. Ora nos mesmos é afirmado «que no reinado de D. Sancho II (1276) aquelas ainda não existiriam».

19


Terá sido, aliás, nesta fase de avanço do cordão dunar, que se estabeleceria uma barra transitável, profunda e larga, de fácil «manobra», apta a permitir a entrada a navios de alto bordo. E terá sido esta barra natural que irá ocasionar o desenvolvimento económico e populacional de Aveiro, então até aí, uma Villa tradicionalmente entregue à olaria, ao sal e à pesca. De facto, o assoreamento interior tinha impedido o acesso ao rio Vouga. E das diversas veias principais de água profunda que surgiram no interior lagunar, sobressaiu, desde logo, a calle da vila (de acesso ao burgo aveirense). Continuada pelo canal de S. João, permitia a carga e descarga das embarcações de alto bordo bem no centro de Aveiro, ali perto das suas muralhas. O que era deveras importante para o negócio do salgado, que o homem lagunar desde logo tornou na principal actividade produtiva da região, para isso aprisionando as águas salgadas no interior dos talhos das marinhas, circundando os aluviões que se iam formando, consolidando-os com o torrão, de lama e ervas. E depois, feito geómetra, dividindo a régua e esquadro o espaço salgado interior : – em marinha velha, marinha nova, meios de cima e debaixo, cabeceiras, talhos, caldeiros, separados por barachas, travessas, carreiros etc. etc. A actividade salina iria tornar-se a fonte mais poderosa de rendimento da região, funcionando como a força atractiva, a chamar e fixar gentes nesta zona lagunar, provindas de diversas regiões,. E vieram de além Douro, beiras interiores etc., etc. O sal de Aveiro passou, assim, a ser uma verdadeira dádiva para estas

20


gentes. Desde cedo começou a ser exportado para outros portos nacionais, mas e também, para o norte e sul da Europa. E quando o bacalhau20que se foi pescar aos mares da Terra Nova,21 chegou , o sal, tornou-se ainda riqueza mais preciosa. Verdadeiro ouro branco, pois aquele tipo de peixe adapta-se, como nenhum outro, a um tratamento de cura com sal (q.b.), permitindo assim, conservá-lo por muito tempo. E porque a mesma necessidade (de sal) foi sentida pelos franceses, bascos e ingleses, também eles pescadores daquela espécie nos «novos» mares do Norte, coalhados de tanto peixe, sobreveio para Aveiro um período de intenso desenvolvimento mercantil, mesmo vertiginoso, com a chegada e instalação na Villa, de comerciantes vindos do norte da Europa, da ilha de Inglaterra, de Génova, de Marselha, e de outros cantos. Que acorreram à Villa de Aveiro, instalando-se nos bairros ribeirinhos, perto da zona da Alfândega onde montavam banca para sua actividade comercial. Certo é que o cordão lagunar vindo de Ovar não parará muito tempo. Avançará sempre para sul. E no Séc. XVII a barra vai situar-se para perto da (actual) Vagueira. À medida que avançava para sul, as condições para manobrabilidade das embarcações, na barra, pioravam. Entretanto uma idêntica formação dunar começaria a formar-se, desta 20

Em 1552 já Aveiro «armava 150 navios de alto bordo dos quais 60 iam à Terra Nova pescar bacalhau». Ver Fonseca, Senos da, obra já citada, 2005, p. 21. 21 É certo que o bacalhau já era pescado, anteriormente, nas costas da Inglaterra, mas em quantidades que nada tinham a ver com os mares coalhados de peixe, entrevisto nos mares da Terra Nova, «tão a abarrotar de cardumes de peixe que os poderemos a apanhar com uma simples linha». Ver Fonseca, Senos da, obra já citada, 2005, p. 20.

21


vez desenvolvendo-se de sul para norte, vindo ao encontro da primeira. Começou a ser, patente a irreversível tendência, os referidos cordões arenosos se encontrarem, aprisionando as águas no seu interior. E aquilo que anteriormente parecia vir a ser um prodígio de potencial riqueza, em breve (Séc. XVII e XVIII) viria a tornar-se um sério problema, resultante da estagnação e apodrecimento das águas interiores, provocados pela falta diária de renovação das águas no mar. O que ocasionaria a paragem de todas as inúmeras actividades de sustento das populações ribeirinhas. Para lá de causar um cheiro nauseabundo ao ambiente lagunar, o apodrecimento lagunar foi um foco gerador de pandemias que viriam a dizimar, durante largos períodos de tempo, uma boa parte da população ribeirinha. Uma verdadeira catástrofe abateu-se, então, sobre a laguna, transformandose numa verdadeira calamidade regional. Dá-se no Séc. XVIII, por iniciativa de João Sousa Ribeiro22, Capitãomor de Ílhavo, a primeira intervenção do homem no sentido de abrir e fixar uma barra que permitisse o normal funcionamento lagunar. Em 8 de Dezembro de 1757, em local perto da Vagueira, local onde já teria existido um rigueirão, debaixo das ordens (e a suas inteiras expensas) daquele Capitão-mor. Depois de longos e dispendiosos trabalhos, ficou aberta uma barra com mais de duzentas braças de largura. No relatório enviado por João Sousa Ribeiro ao Marquês de Pombal (28 22

Ver Fonseca, Senos da, «João Sousa Ribeiro - O Pai da Pátria», 2012.

22


de Abril de 1759), pode ler-se…pois o ryo sem fazer volta desagua agora a direito põe ella fora o que tudo se deve ao favor de Deus, e à abundância do monte que enriquecem aquele ryo…. As esperanças de que esta seria a solução definitiva para permitir o bom estado da águas lagunares, e trazer de novo, fundamentadas esperanças na sua da laguna ser ventre fértil capaz de gerar actividades, e delas riqueza, desvaneceu-se ao fim de curto espaço temporal:10 anos, tantos os que mediaram entre a abertura da Barra de João Sousa Ribeiro, e a deterioração provocada pela natureza que inviabilizou todos os trabalhos da sua manutenção. Por essa razão foi, entretanto, nomeada uma comissão que incluiu o engenheiro francês, François Hyacinte Polchet, o português Francisco Xavier do Rêgo, e seus adjuntos, Adam Hetochoffs e Loius D’Alincourt, para lá de João Sousa Ribeiro (por expressa pretensão da Coroa), no sentido de se iniciarem os trabalhos que conduzissem, a encontrar uma nova e definitiva posição para a Barra de Aveiro. Porto de mar que se considerava fundamental para o plano de regeneração da economia do País, intentado por Pombal. Ocorreram demasiadas peripécias, juntaram-se com o tempo outros estudos, projectos, novas soluções. Aventaram-se outras hipóteses de estabelecimento. Mas a falta de verbas impediu que os trabalhos arrancassem. Em 1791, a barra na Vagueira fecharia de novo, vivendo-se um período de grandes provações. E foi só quando

23


nomeados (1802) os engenheiros, Reynaldo Oudinot e o coronel Luís Gomes de Carvalho, que se iniciariam em definitivo os trabalhos que culminaram com a abertura da actual barra, há tanto tempo desejada, e por isso inadiável. Será Luís Gomes de Carvalho quem fixaria o local para a sua definitiva implantação. Escolhido sob o conceito de que a barra terá de ser implantada, para ter êxito, algures, situado no paralelo das gafanhas, ao norte da posição que tinha aquando do início da sua primeira crise notável (1575), como nos diz aquele reputado técnico. A partir do Séc. XIX, a laguna renasce de novo. Estava, contudo próximo (um século) o fim ou declínio de muitas actividades. E o nascimento de outras tantas. O Séc. XX traria o despertar da laguna como zona turística e o historial da laguna renova-se. Certo é que em todo este historial, desempenharam papel fulcral, determinante, objectivo, toda uma série de embarcações para o cumprimento de tarefas no interior lagunar (e também na borda do mar). É sobre elas, e sobre a arte naval lagunar, que nos pretendemos deter, referindo (agora) neste trabalho, o conjunto das chamadas «Bateiras Lagunares», produto de uma arte naval lagunar menor (?!), empírica, transmitida de geração em geração por boca e nunca por planos afirmados. No pau de pontos23 legado de pais para filhos, estava guardado todo o segredo da arte. Embarcações idealizadas, 23

Vara com todas marcações dimensionais (comparadas) correspondendo a um tipo de embarcação.

24


concebidas e executadas, segundo caderno de encargos bem definido, para cabal cumprimento de missĂŁo e desempenho, especĂ­ficos.

25


26


CapĂ­tulo 2



Embarcações

É pois neste contexto, que vai do Séc. X, até ao presente, que se poderão estudar as embarcações de alto e baixo bordo, aqui criadas. Produto do génio (empírico) naval de uma mestrança, que, de geração em geração, foi legando «por boca», os saberes acumulados. E das suas mãos saíram os notáveis instrumentos de trabalho, perfeitamente adequados ao cumprimento de desígnios que permitiram às populações defrontar o meio onde se pretendiam fixar. Trabalhando-o, modificando-o, melhorando as condições de sobrevivência em seu favor. Perante a volubilidade e capricho da natureza, o Homem lagunar foi obrigado, em cada momento,

a adaptar-se. E

simultaneamente a rodear-se dos meios que lhe permitissem dar respostas às questões com que se defrontava, num prodígio de teimosia e tenacidade, para se afirmar. E tantas vezes, tão só, para sobreviver. Gentes vindas de várias regiões (do norte, beiras interiores, gândaras, etc.) foram-se alapando no pouco terreno seco, sobrante, por entre canais que o rasgam e penetram, verdadeiro sistema capilar (aquoso) que gera e sustenta a vida criadora. E que simultaneamente interliga essas gentes, directamente, unificando os seus modos de resposta às agruras do meio.


A primeira riqueza descortinada nas águas lagunares, foi vislumbrada no facto de as mesmas conterem um grau salino, muito próximo do adequado para permitir a feitura de sal. E assim, em adequadas e muito trabalhadas extensões, a laguna foi-se coalhando de um mar de tabuleiros vidrados. Em que, ano após ano, numa verdadeira safra salina, se repetia o milagre da geração da flor do sal. Recolhida e acantonada pelo esfalfado e exsudado marnoto, a ria aparecia a partir de Junho, coalhada de alvos cones salíferos. Já em tempos muito anteriores a produção de sal era conseguida lá para montante do rio Vouga, ali bem perto de Alquerubim. Do facto nos dá conta, Caio Plínio, «O Velho», nas suas notas peninsulares 24.

Fig.9 –Terras Tarraconensis no tempo de Plínio (Séc. I) 24

Plínio, Caio, «Naturalis Historia», Vol. III, p. 18.

30


O sal tornou-se assim, rapidamente, a maior riqueza daqueles tempos. E certamente o motivo para a deslocação e fixação de gentes provindas de outras regiões. Logo que as águas lagunares estabilizaram, mesmo ainda no principio lagunar, a produção do sal, que como referimos se situou em tempos muito anteriores bem lá para o interior do Vouga, logo que este deixou de ser navegável, transferirse-ia, por razões da salsugem das águas, para as zonas de altos fundos que se foram sucessivamente formando, mais para próximo da ligação ao mar. Fixando-se, especialmente, nos arredores dos centros populacionais de Vagos, Ílhavo e Aveiro. Os altos fundos emergentes, logo que consolidados, eram cercados e protegidos por blocos (de torrão) lodosos. E as águas que ficavam no seu interior, divididas numa acertada e geométrica complexidade de depósitos, decantadores, tabuleiros de evaporação etc., para que o sal, se colocada a água no ponto exacto de salsugem

25

, surgisse, como que por prestidigitação

divina. Na realidade, o efeito conjugado, do vento e calor, provoca a evaporação rápida das águas densas, permitindo o aparecimento do sal. Recolhido com a rasoila, encanastrado, era seguidamente levado pelo marnoto no canastro, à cabeça, em passo de gaivina apressada através das barachas, para o malhadal. E aí acumulado em alvos cones, num trabalho penoso de mourejo, árduo, feito sob canícula, 25

Salsugem – teor adequado de salinidade, capaz de permitir, por exposição da água, ao vento e sol, o aparecimento do sal.

31


desarcado, suado. Do malhadal seguia para os armazéns, já então fixados em Aveiro. Ou directamente para os «portos secos», locais de recolha nos diversos malhadais lagunares, de onde depois seguia para o interior beirão, e para norte do Douro. O acesso às marinhas, produtoras da riqueza salícola, se inicialmente era fácil, por as mesmas se localizarem nos limites das zonas habitadas, cada vez se tornou mais complexo e exigente, porque as marinhas se foram dispersando ao longo dos diversos esteiros, só acessíveis pela água. E o marnoto viu-se, cedo, na necessidade de se munir de meios adequados para transporte de materiais de feitura (e manutenção) da marinha, e depois, para transferir o sal para o entreposto de sua venda. Para dar resposta às exigências com que se deparou, o homem lagunar transmitiu à mestrança naval as suas necessidades. E logo aquela, cujo saber vinha de tempos impossíveis de datar, saberes transmitidos de geração em geração por simples transmissão, oral e prática, inicia a produção de embarcações de baixo bordo e fundo chato. Exigência primeira para navegar em todos «os fundos» da ria. Apareceram, assim, as embarcações de pequena tonelagem. Concebidas para trabalho diversificado, no carreto, ou para transporte de pessoas entre aglomerados populacionais, entre os locais onde então se situavam os produtores de bens transacionáveis.

32


À produção do sal, virá juntar-se a actividade da pesca26. A Laguna tornou-se um manancial das mais variadas espécies. Que primeiro serviram para subsistência básica, mas que logo se tornaram objecto transacionável, com remuneração atractiva, fixando um número elevado de «gentes» que passa a dedicar-se, a tempo inteiro, à faina piscícola. O marnoto vira assim, pescador da laguna. Ao princípio, apenas nos tempos disponíveis da safra. Depois a tempo inteiro. E logo aqueles outros que se foram fixando nos campos, arenosos e lodosos, ribeirinhos, que cedo, aqui e ali, vão surgindo do interior das águas, descortinam que o melhor alimento para engorda desses magros e feios aluviões, ao princípio raquíticos e instáveis, era precisamente o húmus nutriente dos filamentos27 desenvolvidos nas próprias águas lagunares. Era o moliço. Que misturado com o escasso28, e depois seco no malhadal, era depois sobreposto sobre a areia lodosa, exercendo uma acção impermeabilizante, retentora das águas da chuva. E simultaneamente produtora de nutrientes azotados.

26

A dieta alimentar,exigia peixe, pois num substancial número de dias do ano,era proibida a carne. 27 Ver Fonseca, Senos da, «Ílhavo-Ensaio Monográfico do Século X ao Século XX», 2007. 28 Escasso – resto de peixe sem utilização e caranguejo (pilado), que se misturavam com os moliços.

33


Fig.10 – Moliço A Laguna viu-se assim enxameada29 pelos mais diferentes tipos de embarcações: mercantéis (saleiros, no carreto de sal), barcos moliceiros na apanha de moliço, e logo depois, um infindável corrupio de pequenas embarcações, entregues à prática das mais variadas actividades piscatórias, e não só. De salientar que só na apanha de moliço foi ultrapassado, em 1888 o número de mil embarcações30, empregues neste tipo de aproveitamento da flora da ria. Um frenesim de constante pentear da ria, pelos ancinhos presos na borda, à tamanca ,numa deambulação errante a carregar a embarcação ,e depois levar depositar a carga em medas, nos malhadais, a secar, a perder o salgado, e onde os lavradores da borda vinham, com os seus carros de

29

Calculamos que houve momentos em que o número total de embarcações, laborando na Laguna, ultrapassaria as 10.000 unidades. 30 Fonseca, Senos da, obra anteriormente citada, 2007, p. 244.

34


bois, carregar o húmus regenerador, numa teimosia de transformação da natureza hostil. No respeitante aos mais variados tipos de BATEIRAS, a construção naval ribeirinha, instalada por todo o bordo lagunar31 que se estendia de Mira, Ílhavo, Aveiro Esgueira, Murtosa Pardilhó, a Ovar, atingiu o seu ponto alto no Séc. XIX. Neste século existiam 4.200 embarcações, genericamente chamadas de bateiras, registadas na Capitania do Porto de Aveiro, havendo mais de cinquenta estaleiros32 espalhados pela região

lagunar.

31

Magalhães, Luiz de, «Os Barcos da Ria de Aveiro», 1905-1908. Os estaleiros, que no Séc. XX ainda laboravam, pertenceram aos mestres citados em Lopes, Ana Maria, «Moliceiros – A Memória da Ria», 2012, pp. 49 a 51. 32

35



Capítulo 3

Classificação das Bateiras Lagunares



3.1 Quanto à finalidade Utilizando o critério da finalidade para que eram requeridas, poderemos muito simplificadamente dividir as bateiras, em três grandes grupos: 1-Bateiras de pesca 2- Bateiras erveiras 3- Bateiras de caça e recreio A partir seguramente do Séc. XIX, a cada um destes tipos de bateira, correspondia um número identificador (de matrícula) que se exibia na proa, a BB e EB. Esta identificação foi evoluindo com o tempo, sofrendo diversos ajustamentos. E hoje, ainda é exigida essa inserção, embora a partir do fim da Brigada Naval se tivessem verificado algumas ligeiras alterações Assim: Bateira de pesca na ria – A – XXXX33 – L34 Bateira de pesca no mar – A – XXXX Bateira erveira

– Y (e até Z)35

– A – XXXX – H

33

X era o número na inscrição da Capitania; ex. 3783. A letra L representa pesca local, e é hoje também exibida nas bateiras de mar. 35 A partir de 72, a xávega exibiu a letra C. 34

39


Bateira do moliço

– A -XXXX – M

Bateira recreio

– A – XXXX

Bateira de caça

– A – XXXX

– R36 – C

Fig.11 –Bateiras – Matrículas

36

As embarcações de recreio (tradicionais) passaram a ser designadas pela letra D. O caso das embarcações turísticas –moliceiro, mercantel, etc – usam o TL (transporte local) ou AL (auxiliar local).

40


Fig.12 – Matrículas

Fig.13 –Matrículas

41


Fig.14 – Matrículas

Fig.15 –Matrículas 42


Do ponto de vista técnico, esta classificação nada nos diz quanto às especificações (formas, dimensões, características e equipamento de cada um dos diversos tipos de bateiras lagunares), mas tão só a actividade (nuclear) – a finalidade (e licença) para que eram construídas.

3.1.1

Definição do termo bateira

Prodigiosa família de embarcações de fundo chato, movidas a remos, à vara e ou à vela, pontiagudas em ambas as extremidades, cada uma delas respondendo a determinado caderno de encargos definidor da pretensão de criar uma embarcação capaz de dar resposta a um necessidade surgida no tempo, específico de uma actividade geral lagunar, ou simplesmente de âmbito local. Vários autores, ou simplesmente curiosos do estudo de embarcações antigas (tradicionais), têm tentado encontrar significado para o termo Bateira. Também certo, é que procurando denodadamente não sabemos mais, hoje, do que ontem. Ou anteontem. A referência a uma embarcação tejeira 37, designada por bate-bate, onde para afugentar os cardumes, e «levá-los» à arte estrategicamente colocada para os emalhar, era feito um batimento cadenciado no fundo da embarcação com um maço de madeira, inclina vários autores para a tese de ter

37

Trabalhava no rio Tejo.

43


sido daí que terá provindo a designação genérica. Por nós duvidamos: estas embarcações tejeiras serão datadas do Séc. XIX /Séc. XX, enquanto o termo bateira já existiria, há muito, no meio lagunar. Será certo, pelo menos, a partir do Séc. XVII. Inquirimos em toda a área lagunar. E em todos os mestres construtores, ainda vivos, em exercício ou já retirados, não conseguimos obter resposta concreta, explicativa. Destas, a que mais nos satisfez, foi, terem sido estes barcos (pequenos bateis) feitos nas eiras (isto é, em qualquer local plano, perto de casa)38.E para as distinguir das barcas

39

feitas em pequeno estaleiro,

ter-lhe-ão dado o nome de bateiras: – batel feito nas eiras. Por vezes confundiram-nas. Na verdade (como veremos) há mesmo dois tipos de barcas que foram designadas, e assim conhecidas, como bateiras :a bateira mercantela e a bateira de Canelas. De todo o modo, estamos de acordo que o termo provém de batel, este vindo de um tempo perdido na história do Homem, muito anterior ao nascimento da Laguna… Vejamos agora outro tipo de classificação,

38

Uma das características dos pequenos estaleiros, era, de facto, estarem instalados dentro dos povoados, muitas vezes ao lado da casa, do mestre construtor. E por isso, era normal, poder-se apreciar «a procissão» de leva da embarcação, à ribeira, em cima da carroça, ou por arrasto, aquando do bota-abaixo. 39 Como veremos adiante as diferenças técnicas de construção, de umas e outras, não existem para lá de um pormenor.

44


3.2 Quanto às águas onde exercem a sua actividade Na gíria lagunar é comum distinguirem-se: 3.2.1

Bateiras do mar

3.2.2

Bateiras de águas interiores

Na realidade, como atrás insinuámos, houve um período lagunar em que as águas interiores «adoeceram» pela falta de renovação diária 40, nas águas do mar. A ligação ao mar fechou-se, por desígnio da natureza. As espécies desapareceram, o sal deixou de ter qualidade para utilização de conservação, as ervagens apodreceram. A laguna morreu. Mas com a (sua) podridão viriam as pandemias que grassaram na sua beira, provocando uma terrível mortandade que dizimou populações, reduzindo-as a números inacreditáveis. Não houve outro meio de sobrevivência para as populações, que o de fugir para outras paragens (assim iniciando a diáspora). Ou por aqui ficando, correndo risco de sobrevivência, deslocando

as embarcações de pesca, do

interior lagunar, para a borda do mar. Fugindo, assim, do interior da laguna morta. E assim, quer a ílhava, quer as chinchorras, bateiras interiores, foram utilizadas com artes de reduzida dimensão, na beira-mar. Desde logo

40

Este fenómeno de «doença» lagunar teve o seu início no Séc. XVII, para sofrer um período esperançoso nos finais do Séc. XVIII, com a abertura da barra na Vagueira. Foi sol de pouca dura, só recuperando em definitivo depois da abertura da actual barra em 1808.

45


se constatou a sua impraticabilidade, em águas tão quebradas, batidas e muito agitadas pela vaga, como o são as águas desta zona atlântica desabrigada. Tais bateiras, como veremos adiante, eram de vultuosa dimensão: a ílhava superava os 13 metros, e as chinchorras poderão ter ultrapassado os 10/11 metros. Ambas as embarcações, chegadas à beira-mar, foram «obrigadas» a melhorar o seu pontal, com a introdução de falcas falsas (e depois fixas). Mas tal transformação, expedita, não chegaria para um desempenho satisfatório e altamente inseguro. E por ali foram pescando até ao aparecimento do meia-lua, a mais «desafiadora, ousada e petulante» embarcação concebida, essa sim(!), de raiz, para afrontar a pancada do mar. Obra da lavra da arquitectura naval lagunar, reunida a experiência com as bateiras e as «artes pequenas», a fim de permitir a utilização das «artes grandes» da xávega. Aqui introduzidas na zona litoral, entre Espinho e S. Jacinto41, provindas da Galiza. Os bateirões, esses, utilizaram «artes menores» (chinchorro, mugeira, mexoalho, e outras) não se afastando muito da linha de costa. Pescando arriscadamente nas chamadas «águas». Assim se designam as zonas do mar, passado o quebra-mar.

41

O meia-lua foi uma embarcação criada pela técnica naval lagunar, para ser utilizada nesta específica costa litoral (de Espinho a S. Jacinto) embarcando as «artes grandes», a xávega. As referências permitem fixar o seu aparecimento na segunda metade do Séc. XVIII (ver Fonseca, Senos da, «Embarcações que Tiveram Berço na Laguna», 2011. Posteriormente esta embarcação foi «exportada» para a Costa de Mira, Lavos, Vieira de Leiria, e até, Sesimbra.

46


A utilização dos bateirões na beira-mar, por razões de sobrevivência, tratando-se de embarcações estruturalmente inadequadas para vencer a quebra do mar (senão em condições muito especiais), foi um risco assumido. Provocando a redução, em muito, dos dias de pesca, praticados numa zona de mar desabrigada, de vaga nem sempre aquietada (ou quase nunca…). Defrontara-se, assim, graves problemas e sucederam-se acidentes,fatais, com muitas das tripulações. Urgia pois, encontrar outra solução. E o facto é que «ela» não demorou muito… Até ao Séc. XIX, e ainda metade do Séc. XX, coexistiram estes dois grandes tipos de actividade de pesca na borda: com as bateiras em companhas reduzidas e artes menores, em paralelo com o meia-lua da xávega (Furadouro, Torreira, Mira e Tocha, e até outras, mais a Sul),com as «artes grandes». É o caso das bateiras que laboravam com a arte do chinchorro, mugeira e de mugiganga (?). E mesmo mais tarde, as bateiras de mar com companhas reduzidas, exercitando-se como robaleiras42. O meia-lua começaria a desaparecer da praia, na segunda metade do Séc. XX, dadas as dificuldades de mão-de-obra, que se terá deslocado para a pesca de arrasto e traineiras, costeira. Hoje a arte de xávega, praticada com pequenas embarcações tipo meia-lua motorizadas, no litoral de Aveiro, embarcando seis a oito homens, distribuem-se do seguinte modo:

42

Ainda hoje ,pescando no Furadouro, Torreira ,Vagueira e Mira.

47


Espinho

3 companhas

Furadouro

2

‘’

Torreira

3

‘’

Vagueira

1

‘’

Quanto às bateiras de águas interiores, elas foram de vários tipos. Teremos de considerar nesta classificação, a simples e polivalente, chata ou rasca, provavelmente o primeiro veículo aquático.Que existindo já no interior do golfão e rios que nele desaguavam, desceu depois às zonas dos pauis que se foram formando nas zonas da «pateira». E só depois nas zonas do norte lagunar, de Canelas e Salreu. As condições específicas para que foram idealizadas as embarcações interiores, deram origem a vários tipos de bateiras, se analisadas sobre o ponto de vista de conceito, forma e singularidade. Muito embora as traves mestras da sua construção (fundo, cavername, foliados, etc.) sejam comuns a todas elas, numa senha identificadora de paternidade absoluta, indiscutível. Uma formulação genética que não admite dúvida.Há contudo, nelas, pormenores únicos, individualizantes, que as distinguem, e as tornaram instrumento (próprio) indentificador de cada pequena comunidade piscatória da Laguna. Que procuraremos neste trabalho aprofundar e realçar. 48


Nas embarcações lagunares, bem ao contrário de algumas opiniões de historiadores (sem dúvida do melhor que tivemos) mas pouco atentos ou até desconhecedores de uma realidade individualizante, as embarcações têm de ser analisadas, tendo em conta a sua adaptabilidade ao «novo» meio geográfico, específico, único (ou quase…). Que esteve em permanente mutação, e cuja instabilidade continuada impôs ao homem, porfiado trabalho e grande dose de invenção, no encontrar de soluções que permitissem a sua adaptação, e fixação, ao meio lagunar. Meio geográfico prometedor, muito rico na sua diversidade, a que as populações (imigradas) se pretendiam fixar a todo o custo. Acreditando nas promessas que uma restrita (?) área de pouco mais de 47 km de extensão (iniciada em Ovar, e estendendo-se até bem perto de Mira), por 7,5 km de largura máxima (contados na zona

onde

convergem

os

esteiros

de

Estarreja,

Salreu

e

Canelas),parecia querer afirmar. Que eram mais prometedoras, e muito mais diversificadas que as serranias interiores, beirãs. Tome-se em atenção, que quando as condições pareceram falir, uma substancial parte das populações lagunares irá procurara novos caminhos e novos ninhos de actividade, uma verdadeira e identificada diáspora, litoral «abaixo». Tendo o Tejo como alvo principal, para onde levaram as suas «bateiras» e as suas «artes», conjuntamente com as suas famílias, em grande parte dos casos.. E com eles foi o seu saber, inultrapassável, no manejo de umas(artes) e de outras (arquitectura naval.

49


Eram já, clara e indiscutivelmente, gentes da borda de água. E por isso nunca as suas incursões migrantes se dirigiram para o interior. Finalmente analisemos as características específicas de cada grupo de bateiras, propondo assim uma classificação identificadora, colocandoas cronologicamente na história da Laguna. Fixando com rigor as suas formas geométricas para memória futura, transportando-as para 3D, de modo a permitir uma melhor observação, e estudo.E uma muito mais fácil extracção de elementos para os amantes do modelismo das embarcações tradicionais, numa salvaguarda de património material histórico (e de todo o património imaterial que lhe está associado).43

3.3 Classificação das bateiras quanto à sua forma Bateiras de Bica: ílhava chinchorra bateiras do mar ( mugeira)

43

Os planos em 2D, requeriam conhecimentos básicos para estudo. Os planos em 3D,são directos, permitindo uma exaustiva visualização, e um retirar na escala pretendida, de todo e qualquer componente. E hoje (recentemente) podem ser utilizados em impressoras 3D,que reproduzem o modelo, ,directamente, na escala pretendida. Uma ferramenta de futuro para a museologia

50


labrega44 bateira mercantela45

Caçadeiras: de caça, pesca e recreio

Bateiras erveiras: de Canelas e Salreu do norte lagunar

Outras: ladra rasca, patacha ou chata

44 45

Também conhecida por peixeira, chincha e ou casa. Mais tarde dando origem à mercantela.

51


Fig.16 Principal pormenor construtivo, distinguindo caรงadeira de bateira de bica

52


3.4 Excerto RPRA Nota importante: o actual Regulamento de Pesca da Ria de Aveiro (RPRA) impõe no seu artigo 6º:

O Decreto 43/87 de 17 Julho refere no nº2 do artigo 67:

53


3.5 Licenças de Pesca Concedidas46

ANOS COMUNIDADE 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 TORREIRA

138

142

146

152

145

143

145

MURTOSA

81

79

75

74

73

68

68

S. Jacinto

31

33

31

30

27

26

27

Gaf. da Nazaré 50

57

56

53

52

49

49

30

30

28

25

25

26

24

Costa Nova

69

71

68

59

56

56

65

OUTRAS

192

188

203

200

205

196

196

TOTAL

594 600 607 593 583 564 574

Gaf.da Encarnação

46

54

Pesca Profissional – Elementos cedidos por Dr Barroca (DRAPC)


CapĂ­tulo 4

Bateiras



Bateira «ílhava»

A «Ílhava» é uma bateira que contém em si (já que foi recuperada para memória futura) a verdadeira história dessas gentes lagunares, que, não sendo melhores, nem piores, eram seguramente diferentes: – «os ílhavos», também conhecidos, simplesmente, por «ilhos».. A «ilhava» foi uma das primeiras embarcações, que, em pleno e em múltiplas funções, sulcou a laguna de Aveiro. Foi uma das mais portentosas e polivalente, embarcação, permitindo ao homem lagunar, aqui arribado, conquistado pelas promessas (titubeantes)da natureza, fixar-se.

57


E assumindo o papel de verdadeiro demiurgo, transformar um mundo inóspito,alagado e desabrigado, num oásis de verdura e fecundidade, estonteantes. Desaparecidos os últimos exemplares desta embarcação, nos primeiros decénios de 1900,era muito pouca a informação que se tinha sobre este «bateira» de grandes dimensões ( a maior jamais construída na ria). Pacientemente foram-se coligindo informações47,encontrado algumas, poucas, imagens. E recolhendo referências que ajudaram a fixar as suas dimensões (e características) fundamentais

Fig.17 – «ílhava» e companha

47

58

M. Castello Branco, +Embarcações e Artes de pesca».Lisboa,1981.


Era pois uma embarcação de dimensões avantajadas. E por isso ela foi a mais polivalente de todas as embarcações interiores, até porque, como adiante veremos foi em determinado momento crítico, lagunar, levada á borda, para aí laborar. A «ilhava» nas suas formas originais (vela de pendão, leme de xarolo, com porta a dizer para trás, remos de

cágado ), terá surgido na

laguna em finais do Séc. XVI/ início XVII. Desde logo duas, foram as principais actividades em que serviu as gentes lagunares: a pesca interior com artes de arrasto de dimensão apreciável (chinchorro, chincha , mugiganga etc.), mas e também, na apanha de moliço e transporte de ervagens, pois que o seu aparecimento é muito anterior ao barco «moliceiro».

59


Fig.18 –«Ílhavas» em Cascais.

4.1 A «ílhava» na grande migração das gentes lagunares Existe muita documentação que nos dá conta da existência de «ílhavos» com as suas embarcações, instalados em colónias piscatórias , nas imediações da barra do Tejo.E mesmo para o seu interior, a partir de meados do Séc. XVII.

60


Fig.19 –«ílhavas» na praia Com a bateira , os ilhavos embarcaram nela a rede da tarrafa48 (rede varredoura á superfície),e, utilizando duas embarcações49, uma que embarcava o redame ,a outra que metia dentro o peixe capturado (sardinha),vinham até fora da barra dar os seus lanços. A companha era composta de 15 homens em cada bateira : o arrais,12 remadores, mais dois rapazes 48

Ver Cap 13-1-3-Artes. As duas embarcações que puxavam a mesma rede, tomavam a designação de parelha. 49

61


Fig. 20 – Arte da tarrafa (gravura Castello Branco) Mais para o interior do rio, perto de Sacavém, os «ilhavos utilizaram a sua mestria com as artes do «tresmalho»50na captura do sável. Quando utilizada nesta arte (que era também, era muito praticada, no Rio Douro-Afurada51) a embarcação (e a própria companha) tomavam o nome de saveiros52.

50

A arte do tresmalho (ver Artes Cap. 13.2 ) foi espalhada por toda a costa, chegando ao Algarve. 51 Em 1725 e 1759 há já noticias da pesca de sável, de gentes lagunares sediadas na Afurada –Amorim, Inês - «Aveiro e a sua Provedoria ,no Séc.XVIII»,1997,p 506. Estas gentes também eram conhecidas por e marmoteiros. 52 O nome «Saveiro» estendeu-se e associou-se ao barco do mar (meia-lua) da Caparica.

62


Fig.21 -Saveiros (ílhavas e chinchorras) na Afurada Este movimento migratório das gentes lagunares (o maior movimento de gentes a nível interno, até hoje acontecido no nosso país), terá sido iniciado em finais do Séc. XVII53 continuando a crescer por todo o Séc. XVIII, mantendo-se até finais do Séc. XIX54. Esta debandada deveu-se ao facto de a situação lagunar ter, por razões do fecho natural da sua ligação ao mar, virado uma situação catastrófica, pois com o apodrecimento das águas

55

,retidas no seu

53

Rocha e Cunha, chega a referir a data de 1750 para o início da grande crise lagunar. Certo é que a mesma se começou a desenhar já em fins do Séc.XVII. 54 Tendo perdurado, embora em rápida extinção, nas primeiras décadas do Séc. XX. 55 Luis Cipriano, pai de José Estevão escreveria…«remover a estagnação que entretendo a humidade e fornecendo eflúvios deletérios na origem da insalubridade(….)fez morrer um considerável número de humanos».

63


interior, afectou, destruindo,toda a vida e espécies, lagunares. A feitura do sal tornou-se impraticável.E mais grave, as pestilências estenderam-se a toda a população da borda lagunar, ceifando milhares de vidas: –Ovar, quase desapareceu ; Aveiro, passou de 12.000 almas para pouco mais de três mil56. Perante este panorama do ruir de todas as esperanças prometidas pela natureza, as populações foram, litoral abaixo, em procura de novos pousios para sua subsistência. No Séc. XVIII, vamos encontrar (já), na beira do Tejo (e até Vila Franca), muitas colónias constituídas por gentes idas da laguna. São gentes que se juntam e abrigam em toscos palheiros de tabuado, encostados uns aos outros nos espraiados vizinhos, onde varavam as suas embarcações, como que a proteger-se das intempéries.

56

Nas «Memórias sobre a Vila de Aveiro», em 1687, já se lia :«esta villa padece das maleitas que na quadra da Primavera o Outono, fazem adoecer muita gente, e em alguns anos morrem muitas pessoas ,o que ée atribuído ás águas encharcadas que produzem inações nocivas».

64


Fig.22 – Palheiro Eram gentes simples, que faziam gala em se apartar

do mundo

circundante, muito resistentes à penetração de hábitos e costumes, exteriores, e que irão ficar na história do Tejo,

conhecidos por

varinos. Bem identificados pela sua irredutível (e impermeável) individualidade. O termo varino vai estender-se às suas embarcações, as «ílhavas». E «varino» ou «barco de rio acima», será mesmo uma embarcação, cujas linhas são muito semelhantes às das «ílhavas». E que vai estar na génese do aparecimento do «varino de carga» do Tejo, uma das mais simbólicas, engenhosa e mais divulgada, embarcação típica, de carrego, daquele rio.

65


De Belém a Paço de Arcos, até Cascais, por todos os espraiados, foram os ílhavos, os

Fig.23 –«ílhavas» em Belém murtoseiros, os ovarinos, e outros, alapando os seus palheiros, constituindo inconfundíveis centros piscatórias. Muitas companhas eram chamadas, apenas, para fazer a época da pesca da

66


sardinha.Contratadas pelos mercantis57que proviam ´sua estadia. Porém, muitos, ou porque a safra fosse má, ou tentados por outras safras sazonais, ou trabalhos (embarque na cabotagem, ou no transporte e carrego de mercadorias, etc.),ficavam por aquelas bandas,por ali se fixando. Sempre buscando novos pousios de pesca, embrenharam-se rio adentro, até Vila Franca .No carreto, embarcaram nos já referidos «barcos de rio acima», montando com eles até V.N da Barquinha, Santarém, e outros locais, bem chegados lá para o interior, levando e trazendo

carretos

de

mercancias,

fundamentais

para

o

desenvolvimento daquelas regiões ribeirinhas(especialmente madeira, cortiça, e muitas outras). Mais tarde iriam aparecer a montante de Vila Franca de Xira, «os avieiros», últimos descendentes das gentes lagunares, verdadeiros ciganos do Tejo, cuja cultura abordaremos no capitulo da embarcação «labrega»58.

57

Mercantis eram os comerciantes de peixe, que procediam á salga, e sua distribuição para o interior ,ou até para exportação. 58 Ver Cap.7.

67


Fig.24 – Barco de rio acima-Pormenor do leme, e das linhas, idênticos à ílhava59. Aqueles que ficaram pela laguna, impossibilitados de exercer qualquer actividade no seu interior, viram, na beira mar, a derradeira oportunidade. A que, em desespero, se agarraram, levando para a borda os seus «bateirões». A «ílhava» foi assim usada na beirada litoral ,entre o Furadouro e S.Jacinto, a trabalhar na pancada do mar, a deitar as suas redes –chinchorro, mugeira, mugiganga etc 59

60

– entre

Claramente uma ílhava com falca elevada, leme de xarolo com porta prolongada para trás (permitindo manobra em águas baixas),e armando com vela bastarda. 60 Ver cap. 13 -Artes

68


águas.61.Ou muito utilizada nas imediações da barra, como berbigoeira 62, equipando para isso com um molinete à proa.

Fig. 25- Foto de modelo existente no Aquário Vasco da Gama, equipado com molinete. Desde logo se deu conta que o comprimento excessivo da embarcação, e a sua fragilidade longitudinal, criavam sérios problemas, tendo-se verificando muitos desastres. Por isso, estes bateirões, foram evoluindo, para outros – chinchorra – de linhas mais esguias na proa, mais curtas, com falcas móveis( e depois fixas), numa tentativa de melhoria das condições de penetração à vaga.. 61

Entre águas é chamada a zona logo a seguir ao quebrar da vaga,onde o mar é mais sossegado. 62 Ver Cap 8.

69


Fig.26 – Na arte do mexoalho

)

4.2 Características Existe, hoje, no Museu Marítimo de Ílhavo, uma réplica do que é pressuposto, seja, uma «ílhava». A sua construção, levada a cabo pelo mestre Esteves ,de Pardilhó, foi uma iniciativa dos AMI. São suas características principais: Comp. - 13,75m Manga - 2,50m

70


Pontal - 0,75m (cimo falca fixa)

Terá sido desta embarcação, cujo pontal era excessivo para a recolha de moliços, e cujo castelo de proa era demasiadamente exíguo para albergar dois tripulantes deitados, e montar cheleiras, para aparar e guardar

mantimentos,

roupas

e

documentos,

que

derivará,

posteriormente, o ex-libris lagunar, o barco «moliceiro»63. Há indícios de que o comprimento da ílhava, para determinadas utilizações, possa ter diminuído, para próximo dos 10/11m. E a «chinchorra»64 da beira-mar, poderá ter sido uma evolução, no sentido de permitir um mais seguro desempenho. A ílhava era movida : Por dois remos, longos, com cerca de 7,70 m, que inicialmente foram do tipo cágado e tarma (a pá era direita, aposta e pregada sobre a vara (de eucalipto) que terminava no punho. Este remo evoluiria para o remo de uma só peça, curvo, como no meia-lua. Aos remos davam mão : no remo de proa

63

Medidas principais do moliceiro : comp. 14,5/15m, boca2,50/2,60m, pontal 0,40/0,45 m..Inicialmente ,registe-se, o moliceiro teve de comprimento, o mesmo da ílhava:13,75m. 64 Ver Cap.5.

71


três remadores, ao cambão, aconchegados junto ao castelo de proa, e três de pé, voltados para a proa, com os pés apoiados nas estribeiras. Ao remo de ré, davam mão, ao punho, três remadores sentados no traste, e três de pé, no estribo, voltados para a proa.

Fig.27 –Posição de remar na ílhava (Castello Branco)

Os remos trabalhavam em escalamãos (escalamões na gíria),fixados na borda. Cada remo, por razões de equilíbrio quando em repouso, tinha um contra-peso – macete

65

– no terminus do punho.

a) À vela, para grandes deslocações, aproveitando vento de largo

65

Como habitualmente na chinchorra.

72


Fig.28 –Ilhava à vela (c/ remos)

já que a sua vela de pendão, armava na verga, içada pela ostaga na cabeça (cachola) do mastro (que tinha cerca de 9,5m).Inicialmente esta vela armava na barlavento

66

amura de

.Evoluiu, posteriormente (Séc. XIX) para

armação ao pé, do mastro, com calcador, e já com bolinão.

66

Barlavento: «lado» de onde sopra o vento

73


Fig. 29 – Recreação de como seria o bolinão inicialmente67

Inicialmente, esta vela quadrangular teria poucas, ou nenhumas, afinações. Desnecessárias para largos, à excepção de risos, para limitar a superfície exposta da vela.

. Fig. 30 –ílhava no carreto

67

Este tosco bolinão tinha por função, apenas a de puxar a vela, «à frente».

74


A escota era muito simples, correndo num moitão fixo ao punho da vela ,vindo entrar lateralmente num furo, nos foliamentos da popa, atrás da última caverna. Não tinha varão. O encosto da verga ao mastro, era feito pela troça, mais ou menos no terço anterior daquela.

A estrutura desta embarcação era do tipo bateira, não tendo draga nem bordo interior. Tinha sarreta, fixada ás cavernas. Para facilitar o trabalho de recolha da rede, a borda era debruada por tábua que descia interiormente até à sarreta, referida. Neste borda eram inseridos os escalamãos, a BB.e EB. O cavername era constituído por 17/18 cavernas68, com distância entre centros de aprox. 0,45 -0,55m, e com a dimensão aprox. de 0,14 x0,09 m. Entre a 10ª e a 12ª, cavernas, era colocado o traste com a dimensão de 2,15m,x0,48mx0,05m. Este traste é fixo, tendo na sua parte posterior uma peça metálica,tipo abraçadeira,o galindréu, que permite fixar ou retirar o mastro da coicia. A vante,entre a

13ª e a

14ª cavernas, é colocada a bancada para remar. O castelo da proa é aberto, destinado apenas para abrigo de roupas, ou outras.

68

A ílhava existente no MMI, tem 19 cavernas.

75


O leme é do tipo xarolo. Tem uma porta de dimensão elevada. Para melhor actuar em águas pouco profundas, a porta fica ao nível do fundo da bateira, prolongando-se para ré, tal como no barco de rio acima.

76


4.3 Planos Geométricos (2D)69 Das considerações anteriores, resultou o plano geométrico de formas, em 2D

Fig 31 – Planos ílhava-2D (Para reproduzir consultar no DVD anexo)

69

Ver DVD anexo.

77


4.4 Planos GeomĂŠtricos (3D)70

70

Ver DVD anexo.

78


Fig.32 a) b) c) e d) –ílhava 3D

79


80


CapĂ­tulo 5

Chinchorra



Conjuntamente com a ílhava, a chinchorra é uma bateira emblemática da beira-mar. E é mesmo das duas, aquela que perdurou, quando iniciada a debandada do pescador da borda. A ílhava desapareceu no início do Séc. XX, enquanto a chinchorra se manteve activa. E ainda hoje podem ser apreciados, em plena actividade, alguns exemplares : seja na beira-mar, seja nas águas interiores da laguna (Torreira). Ao utilizar como arte tradicional o chinchorro71, a bateira assumiu a designação da arte, o que é comum na gíria do pescador lagunar72. Mas é evidente que a bateira chinchorra, muito polivalente, trabalhou com muitas outras diversas artes: no mar, para além da mugeira, na prática de mugiganga. Na ria para lá da arte do chinchorro, embarcou, embora ainda que raramente, a mugeira73 (nos poços profundos da ria), mas e também a arte da chincha. E ao longo dos séculos da sua existência74 embarcao vários tipos de tresmalhos: de deriva ou fixos. Pelas referências que se podem colher, é de todo possível dizer-se que esta bateira teria sido concebida (inicialmente) para pescar na borda do mar, embora depois muito utilizada em águas interiores. Por isso, como veremos ao longo deste trabalho, é comum, na gíria, ouvir designar a chinchorra como mugiganga, mugeira ou até

71

Rede .Ver artes, Cap.13-1-1 A designação tanto pode ser no masculino ,como mais correcto no feminino:chinchorra. 73 Quando utilizada na ria, a mugeira era muito mais pequena que a do mar. No fundo, um chinchorro. 74 A chinchorra terá aparecido pelo final Séc. XVII/XVIII. 72

83


robaleira. Isto é, atribuindo -lhe o nome da arte, ou prática, para que eram licenciadas. As suas características (dimensões) para a pesca no interior lagunar, evoluíram, à medida que começou a ser regulamentada a pesca na zona (Regulamentos de Pesca da Ria de Aveiro). Por isso, o seu comprimento variou desde os 9,80 m iniciais75 e foi diminuindo para os actuais 8,00 m (embora ainda se encontre uma ou outra embarcação com 7,60 m). Poderemos referir, tomando em conta as existentes (já muito poucas), que as características desta bateira nos finais Séc. XIX, e ainda nos primeiros decénios do Séc. XX, seriam: Comprimento - +/-10 m Boca - 2,20 m Pontal - 0,70 m Nº cavernas - 15/17 Comprimento remos - 4,40 m Distância entre centros cavernas - 0,47/0,48 m

75

Não conseguimos confirmar a possibilidade de esta bateira ter comprimento superior a 10 m, quando utilizada na ria.

84


Desde logo deve ser feito notar um pormenor construtivo, lagunar, que residia no facto de ser vulgar verificarem-se variações no comprimento das embarcações, entre perpendiculares. Estas variações eram conseguidas por introdução de mais uma (no máximo duas), cavernas. Mas a proa e a popa não sofriam alterações «significativas», pouco perceptíveis, a olho nu. Na boca, a variação de 1 m no comprimento (pretendido), não implicava mais do que uma variação máxima de 0,10 m. O pontal igualmente variava muito pouco: 0,10 a 0,15 m.

Fig. 33 – Chinchorra na Costa Nova

85


Tratando-se de uma bateira de bica, estava especialmente apta (para saltar na vaga), para laborar na faina, na borda do mar. Talvez a mais pura de todas elas, a mais apta para tal desígnio. É ainda uma bateira perfeitamente identificada com um grupo típico de pescadores de uma dada região lagunar. Praticamente exclusiva dos pescadores da Torreira (Murtosa). No mar há notícias de utilização da mesma, na borda da Torreira e Furadouro. Mas e também, esporadicamente, em outros locais do litoral de Aveiro, como mostra a imagem abaixo. Mas sempre em companhas isoladas, que naqueles pontos tentavam a sua sorte com aquele tipo de embarcação.

Fig. 34 – Chinchorra (robaleira) no Areão 86


Há registos de diversas companhas designadas de chinchorro76, desde o início do Séc. XVII/XVIII,que nos permitem conhecer

a sua

constituição e estatuto , quer por vezes, inclusive, a identificação dos seus associados77 .Ora sendo este registo próprio para a arte de arrasto para terra, torna claro que a bateira que a praticava, é anterior ao aparecimento da arte da xávega (e sua embarcação). E por isso bem se pode, categoricamente, afirmar, ser, a chinchorra (bateira), anterior ao aparecimento do meia-lua. Que é referido só ter acontecido depois de 1776.78

5.1 Utilização Do que recolhemos poderemos resumir: 1. A chinchorra, quando utilizada na borda do mar, terá tido um comprimento entre 10/11m; e neste comprimento, a boca seria de 2,18 m/ 2,30 m. O pontal teria valores compreendidos, entre 0,70 m/0,90 m. Mas com o andar dos tempos (e com a regulamentação) o mesmo tipo de bateira, quando utilizada na ria, viria a situar-se, obrigatoriamente, entre os 8/9 m. Isso, contudo, não impedia que estas bateiras, não 76

Chinchorro arte de pesca que antecedeu a xávega. Ver Amorim, Pe. Aires, «Da Arte de Xávega de Espinho a Ovar», 1999. 78 Fonseca, Senos da, «Embarcações que Tiveram Berço na Laguna», anteriormente citado, 2011, p. 184. 77

87


fizessem uma ou outra escapadela até à boca da barra, onde em mar sereno se dedicavam ao mexoalho. Foi-nos relatado pelo arrais «Trovão», ter ido pescar com a sua chinchorra para o mar de S Jacinto, saindo pela barra. Eram inúmeras as bateiras que o faziam. Por outro lado, numa conversa tida com diversos arrais, na Torreira, foi-nos informado que era habitual as bateiras serem transportadas, na época adequada, para a borda do mar, puxadas por juntas de bois. Assim a dimensão (8/9 m) não foi total obstáculo para uma ida à borda. 2. Esta bateira terá já estado nas campanhas do sável, no Douro. Ao mesmo tempo em que a ílhava lá terá pescado, ela também o fez.. O que se teria verificado, pelo menos, seguramente, no séc. XVIII.

3. Ora sendo claro que esta embarcação é anterior ao meia-lua, como acima justificámos, é também unânime opinião dos mais antigos pescadores da Torreira, que a chinchorra é muito anterior à que hoje é conhecida na Torreira por bateira de marrobaleira-mugeira

79

. Assim sendo poderemos atribuir uma

data de aparecimento da chinchorra (embarcação), entre o século XVII e o séc. XVIII. Cremos mesmo, desde que logo 79

A bateira de mar – que trataremos adiante – e que foi claramente uma evolução da chinchorra terá aparecido, apenas, em meados do Séc. XX.

88


foi comprovada a inadaptação da ílhava para tal tarefa. Efectuado um corte em determinado plano da bica da ílhava, não podemos deixar de nos confrontar com a proa da chinchorra.

Fig.35 – ílhava com bica cortada 4 A chinchorra tem uma bica de proa em pronunciada curva desafiadora, que no seu final se empertiga pronunciadamente, mais do que habitual (pelo que em alguns meios foi conhecida por esguicha). É pormenor construtivo que especifica, claramente, o ter sido uma bateira criada para a possibilidade de se chegar à borda, a defrontar um mar quebrado, por norma, sempre com mais ou menos vaga, na rebentação.

89


Fig. 36 – Chinchorra em actividade lúdica (S. Paio, 2012)

Vejamos desde já as bateiras existentes na Torreira, as últimas ainda em actividade80.

80

Muito perto de uma a duas dezenas.

90


Fig.37 – Chinchorras no cais da Torreira Como acima referido, a chinchorra teve diferentes comprimentos, de acordo com o fim da sua utilização: mugiganga, chinchorro, chincha. Muito embora pudesse ser licenciada para trabalhar com outras artes, de acordo com as safras anuais. Como acontece ainda hoje com os tresmalhos81 (lampreia, solha, choco, etc.).

81

A arte dos tresmalhos, parecendo ter sido muito utilizada na laguna, foi depois levada litoral abaixo, inclusivamente para o Algarve. Lopes, Ana Maria – Vocabulário Marítimo Português. Coimbra, 1975.

91


Fig. 38. – Consertando a branqueira da lampreia.

5.2 Bateiras ainda existentes A chinchorra utilizada no interior da Laguna tem hoje as seguintes medidas: Comprimento - 8,50 m (podendo ir atĂŠ 9,5 m) Boca -1,92 a 2 m Pontal - 0,60 a 0,70 m

92


Nº cavernas - 13 a 14 na bateira de 8 m; e 15/17 na bateira de 9,50 m. Dimensão cavernas - 0,10 x 0,0 6 m Distância entre centros cavernas - 0,45 a 0, 47 m

Fig.39 – Chinchorra actual. Em meados do séc. XX, a chinchorra deixou praticamente de ser construída, sendo substituída por bateiras caçadeiras de 8 m. Ainda este ano (2013), assistimos à amanhação (reconstrução) da chinchorra Santa Luzia pelo mestre Esteves, de Pardilhó..

93


Fig.40 – Chinchorra lado a lado com caçadeira. Procurando inquirir das razões desta viragem, ouvidas diversas opiniões junto da classe piscatória, creio que se podem resumir as mesmas a: a)

A bateira tipo chinchorra era muito mais cara.

A preços de hoje, uma bateira caçadeira de 8 m custará 3.000 €. Uma chinchorra custaria 4 a 5.000 €. b)

O castelo de proa, na caçadeira, era mais

«desempachado», permitindo um melhor trabalho no alar da rede para a bateira. c)

Sendo o castelo de proa da caçadeira muito

mais baixo (mais rasteirinho), o vento não lhe pega tanto,

94


e é, pois, mais fácil de manobrar e manter a embarcação «aproada». d)

As companhas do «mexoalho», tal como

aconteceria também com a «xávega», começaram a desaparecer no final da segunda metade do Séc. XX.

Fig.41 – Bateiras no Furadouro, 1960 –

95


5.3 Planos Geométricos e de construção (2D) Planos 2D (ver DVD anexo) .

Fig.41 – Planos chinchorro 2D

96


5.4 Planos geomĂŠtricos (3D) (consultar DVD anexo)

Fig. 42-Pormenor chinchorra 3D (macetes)

Fig. 43– Pormenor chinchorra 3D 97


Fig..44 –chinchorra 3D

98


CapĂ­tulo 6

Bateira de mar



Fig. 45 – Bateiras de mar. Ao fundo, uma chinchorra. Furadouro. Anos 60. Esta bateira, que na gíria não passou da designação de bateira de mar (mugeira), teve uma fraca expressão. Apenas construída num número muito limitado de unidades, pelo Mestre Henrique Lavoura, na segunda metade do Séc. XX. Contudo a embarcação tem umas linhas tão perfeitas, tão equilibradas e tão bem desenvolvidas, fruto da mestria daquele que foi uma verdadeira lenda da arte naval lagunar, que a não referenciar, seria falta de monta para o que pretendemos fixar como histórico lagunar.

101


Foi solicitado ao mestre Lavoura, uma bateira de dimensão avantajada, para trabalho específico da beira-mar, na Torreira e Furadouro.

Fig. 46 – Bateira de mar N. Srª da Conceição em reparação em1980 (pormenor da requinta) Sem nomenclatura que lhe atribuísse nome específico na pia baptismal, esta bateira, a mais recente (Séc. XX), não passou de uma certa experimentação: a de melhorar as qualidades da chinchorra.Para tal monta construindo uma embarcação própria para companhas reduzidas (7 a 8 tripulantes), mas mais «mareira», mais estável e

102


possante, antecedendo a evolução na xávega, com o desaparecimento dos barcos grandes, de 4 remos. Em meados do Séc. XX, regressou-se às embarcações de 2 remos(as primeiras da arte de Xávega). Iniciou-se,assim, a experimentação desta bateira de mar para as «artes pequenas», enquanto os barcos de xávega de 4 remos (45 tripulantes) foram dando lugar às embarcações de 2 remos (por dificuldades de mão de obra).

Voltemos à bateira de mar…. Desde logo esta embarcação colhe-nos o olhar pela harmonia e elegância das suas linhas suaves. Muito pronunciadas, penetrantes à vista, embora muito mais sóbrias se comparadas com o «excesso» do barco de mar, o meia-lua. As últimas bateiras deste tipo foram, ainda, construídas pelo mestre Lavoura82,e destinadas a laborar no mar da Torreira.

82

Mestre Henrique Lavoura (1930-2011) foi um dos mais afamados mestres da cultura naval lagunar. Notado pela elegância ímpar do lançamento das proas das embarcações que saíam da sua lavra.

103


Fig. 47 – Bateira de mar na Torreira. Esta bateira terá aparecido na segunda metade do Séc. XX, derivando claramente de um aprofundamento da chinchorra, conferindo-lhe melhores qualidades náuticas, e de desempenho nas artes, pela evolução

de

certos

pormenores

construtivos,

recolhidos

da

experiência, já há muito tida, com o barco do mar: o meia-lua da xávega. Desses pormenores destacaremos:

a) O fundo mais curvo, melhorando o seu arrasto no areal (diminuindo o atrito).

104


b) Uma bica mais recurvada, e com um lançamento fazendo lembrar claramente a proa do barco do mar, melhorando a entrada na vaga. c) Uma

boca

significativamente

mais

avantajada,

melhorando assim a estabilidade lateral. d) Remos mais compridos, curvos, melhorando o impulso. e) Maior pontal, melhorando a flutuação e deslocamento.

Fig. 48 – A bateira de mar empurrada com a muleta.

105


As bateiras de mar foram identificadas, na matrícula, no seu aparecimento por A-XXXX-Z ou A-XXXX-Y. Na seguinte metade do Séc. XX, referenciavam-se do seguinte modo A-XXXX-C. Hoje têm na matrícula A-XXXX-L.

Fig. 49 – Bateira de mar. O que era fundamental neste tipo de embarcação, era ser boa saltadora na vaga, altieira de bica, possuindo falcas fixas ou móveis (para aumento do pontal), bem dotada de remos longos, possantes.

106


6.1 Pormenores construção Bateira de mar Nª Srª da Conceição Há desde logo necessidade de esclarecer o leitor sobre o termo – robaleira – que confunde e baralha o mais incauto. Robaleira era a designação atribuída, na gíria piscatória, às mais diversas bateiras que no litoral de Aveiro se dedicavam à pesca desta espécie rei, o robalo, especialmente nos períodos da desova. Os mares do Furadouro e Torreira (especialmente), mas toda a zona litoral de Aveiro, são ricos naquela espécie piscícola, do mais elevado valor comercial. A pesca do robalo, foi pois, intensa, tendo perdurado até aos dias de hoje, utilizando a arte da mugeira. Mas não só e apenas o robalo, pois antes do aparecimento dos arrastões, que com as artes-novas vieram trazer o declínio da pesca da borda, muitas outras espécies foram objecto da atenção do pescador lagunar, deslocado para a borda. Incapazes de se adaptarem a novos métodos, os pescadores foram sendo atraídos pelas novas e melhores condições, dadas cerco e no arrasto costeiro, restando na beira-mar, apenas, uns (muito) poucos. Teimosamente (muito) agarrados à tradição.Outras vezes, porque inadaptados aos novos processos, foram restando em alguns locais perto de casa: Furadouro, Torreira, Vagueira, Areão, Mira (e pouco mais), reduzindo drasticamente a anterior actividade na borda.

107


A bateira de mar que vimos tratando, podia embarcar até 6/8 tripulantes, e era construída com as seguintes características fundamentais: Comprimento - 10,00 m Boca - 2,40 m Pontal - 0,85 m Nº de cavernas - 13/14 Distâncias entre centros cavernas - 0,45 m Separação entre cavernas - 0,36 m Dois trastes - 1º(proa) a entre a 11ªe a12ª; 2º(popa) entre a 8ªe a 9ª Dois remos de - 7,20 m de comprimento

Para ré (popa) dos trastes, a cerca de 0,80 m, existem uns varões – estribeiras – que servem para os remadores encontrarem apoio para os pés, e lançar no remo toda a força possível. Os remos são do tipo vulgar nas embarcações da borda: possantes, compostos por haste, cágado e tarma. Fazem charneira sobre os toletes (inicialmente feitos em madeira, posteriormente em varão de ferro).

108


Na bateira de mar, igualmente ligadas aos trastes, e desenvolvendo-se para ré, existem umas banquetas ao longo do bordo interior, logo abaixo da sarreta, para melhor laboração. São chamadas requintas. Sobre a 5ª caverna (a contar da popa), existe uma antepara (quete) à altura da sarreta, que separa a zona de recolha da rede, dos remadores. Igualmente no traste do remo meão, existe uma divisória delimitando o quete. Entre a bica e a 13ª caverna (a contar da popa) desenvolve-se um castelo destinado a evitar a entrada de água quando a embarcação afocinha e que serve para guarda de equipamentos (roupas) da companha. Exteriormente constata-se que embarcação não tem armelas83, como as que existem no meia-lua. Mas apenas uma argola colocada na bica da popa, a cerca de 1,00 m do bico da popa. Contudo (e apenas na bateira robaleira) no enfiamento da 11ª caverna (a contar de popa) existem os arganéus, destinados a engatar os cabos que a arrastam para a água da borda. Esta embarcação inicialmente não tinha boçardas84. Nas bateiras de mar, tal como no meia-lua (e como em geral nas bateiras de pesca) existem no castelo de proa dois golfiões. As 83

Armelas são duas argolas existentes no meia-lua e que servem para atrelar os bois, e, assim puxar a embarcação para as dunas. 84 Boçardas são peças em chapa que abraçam o fundo e costado, com o fim de conferir rigidez à zona de popa e proa, as mais «castigadas».

109


bateiras de mar não têm apoio (descanso) para a muleta, pois esta é, normalmente, desnecessária. O tabuado do fundo e foliamento são feitos em madeira de 0,02 m de espessura. As cavernas têm a secção de 0,10/0,05 m. A sarreta, colocada cerca de 0,18 m abaixo do bordo, tem de secção 0,18/ 0,05 m). A bateira de mar é debruada no bordo por uma tábua de 0,06/ 0,06 m que vai do castelo de proa à popa. Abaixo pode distinguir-se um bordo de protecção e rigidez, que tem habitualmente 0,15/0,06 m. O seu fundo é um pouco mais curvo. Plano, é-o apenas entre a 3ª e a 9ª, cavernas (a contar da popa), para lhe permitir um melhor deslize no areal, em cima de rolos. Estas embarcações que laboram na borda, por razões de segurança, com a finalidade de serem facilmente avistadas, deixaram, de ser brochadas a breu, passando a ser pintadas e listadas, com cores mais fortes. Muito embora não contendo decoração, salvo um ou outro de orago, aposto no castelo de proa. Há boas razões para se admitir que o listado apareceu primeiro na beira-mar (talvez até no meia-lua) tendo sido transmitido para as embarcações interiores. Já referimos, anteriormente, o facto de a bateira de mar embarcar uma companha de oito tripulantes: seis aos remos e dois à rede.

110


6.2 As artes com que trabalhava As artes que utilizava eram: o chinchorro ou mugeira85. Estas artes podiam ser aladas para terra (braçalmente), ou aladas para a bateira.

Fig. 50 – Alando a braço (Baldaque da Silva)

85

Descrita à frente.

111


Fig. 51 – Alando a braço. Anos 80. No primeiro caso, o pessoal da companha envergava um cinto largo, a que era preso o chicote que ia ao reçoeiro (e ou à mão da barca86). E assim iam puxando a rede para terra, após o lanço. Ao som cadenciado de um tambor : plan…plan…,rataplan….plan….enquanto o mulherio gritava lé…ai lé….tiro lé….ólari lolé. 86

O reçoeiro é o cabo que liga o càlão a terra; a mão da barca é o cabo que traz para terra a manga ligada à bocada.

112


Ainda hoje há pequenas companhas que alam a arte braçalmente, embora em muitas outras, o alar já seja feito, por tractor. ( factor muito negativo para o ambiente) É costume bem arreigado nos murtoseiros (e vizinhos) engalanar as bicas de proa com um vistoso ramo de garridas flores. Resta referir o facto de que os lanços dados com a arte do chinchorro – arte envolvente de arrasto – não ultrapassariam a distância de afastamento de uma milha, de terra. Contudo a bateira de mar trabalhava com outras artes: de mugiganga, para a captura do mexoalho (ou caranguejo), bem como com a mugeira.

113


6.3 Planos geométricos e de construção (2D) Planos 2D( DVD anexo)

Fig. 52 –Planos 2D

114


6.4 Planos geomĂŠtricos (3D) (ver DVD anexo)

Fig. 53 a) –Bateira do mar (Plano 3D-DVD anexo)

Fig. 53 b- Cavername (pode ser retirada uma a uma)

115


Fig. 53 c) Plano (a cor altera conforme pretensĂŁo)

Fig. 53 d) -Bateira mar 3D

116


CapĂ­tulo 7

Labrega



7.1 Historial da «labrega» A bateira labrega está para o «murtoseiro», como a «ílhava» está para o «ílhavo». Mais do que instrumentos preciosos de trabalho, ambas são símbolos identitários de um tipo de gente lagunar que em dado momento demandou outros locais em procura de melhores pousios para sobrevivência. Em busca do que a laguna tinha prometido, e afinal, parecia caprichosamente recusar. Levaram as suas bateiras e com elas escreveram páginas de afirmação de uma cultura própria, impermeável, resistente a intrusões externas, e cujos traços perduraram até tempo ainda não muito distante. Os «ílhavos» poisaram a sua bateira na embocadura do Tejo, ensinando o ajustado uso da arte da tarrafa; e subiram rio adentro, onde se mostraram exímios na apanha do apreciado sável, enquanto outros saltavam para o convés dos varinos, percorrendo o rio, da foz até lá para cima, para as bandas de Santarém, num afã prodigioso a fazer do Tejo a via privilegiada do sustentáculo da economia dos povos ribeirinhos, e do porto de Lisboa. Os «murtoseiros», esses, levaram a casa às costas, a labrega, e com ela escreveram a belíssima «saga dos avieiros», lá para montante de Vila Franca. Gente «cigana do rio» morando na labrega; ou, mais afoita, construindo uns tugúrios de tabuado, no ror das vezes alçados do rio pela estacaria das palafitas que os protegiam do frio e das cheias.

119


Fig. 54 – O homem, a casa e a bateira. A labrega é, pois, uma bateira criada pelos construtores murtoseiros87 para

o

pescador-lavrador

«murtoseiro».

Que

de

um

modo

individualista descia nos intervalos da lavra à laguna, em horas e ou dias aprazados, a colocar as artes do botirão, nassa, galricho e, muito caracteristicamente, armar o caracol do saltadouro88. Arte singular, a exigir mestria na sua armação, é lícito admitir, nela terem sido únicos, e mestres. 87

A última labrega, ainda a trabalhar na Bestida, na arte do tresmalho, de seu nome «Rosinha», teve o seu primeiro proprietário, à cerca de 70 anos, Manuel «Calcado», da Bestida. Era primo do murtoseiro Sr Manuel das «Tainhas», especialista na arte do salto, no Canal de Mira, adiante referido. O construtor da «Rosinha» foi o mestre José Preguiça, do Monte. E pelas formas exactas, poderemos sem grande incerteza,afirmar ter sido,este, o construtor da «Preta», do referido Manuel «Tainha» 88 Para identificar, ver Capítulo «As Artes«.

120


Fig. 55 – A labrega no salto. A labrega, desdenhada pelos homens das artes que a depreciavam – por não ser, diziam, carne nem peixe –, era uma bonita e airosa embarcação, alcunhada pejorativamente, querendo com isso dizer que os seus tripulantes eram um grupo, que tanto podia, hoje, dar mão à canga do carroço, como amanhã a dar ao remo. Sempre ali bem perto de terra firme, em escapadelas á ria, por vezes – muitas das vezes –, furtivas.

121


Fig. 56 – Tainhas no redame do salto.

7.2 O «murtoseiro», um ser anfíbio da beira lagunar O «murtoseiro» não era, pois, por norma, um pescador a tempo inteiro. E muito menos um pescador de companhas colectivas. Habitando uma das beiradas, das mais fecundas da lavra «lagunar», o «murtoseiro», cujas origens remontam a gentes vindas das terras acima do Douro89, manteve sempre que possível, um pé na terra seca a revolver as entranhas da terra. A juntar-lhe o húmus fertilizante dos

89

A expressão e exuberância das cangas murtoseiras, são disso a melhor prova (ver Fonseca, Senos da, obra anteriormente citada, 2011, p. 166.

122


moliços. E logo o outro, saltitando na borda do moliceiro a catar a ria. Ou em fugas furtivas, sozinho, ou acompanhado por camarada de ocasião, a povoar os veiros com as suas artes dormentes, recolhidas na maré seguinte, quando não dias depois, em que tivesse folga da lavra.

Fig. 57 – A labrega e o «murtoseiro»: sozinhos. Para passar horas nocturnas protegido das intempéries, ou até dias (!) na espera de sucessivas viradelas de marés, o «murtoseiro» fazia da sua bateira, a sua «tenda lacustre». E por isso mesmo, a labrega, foi e é, conhecida na gíria piscatória, tão simples como depreciativamente, a «casa».

123


Fig. 58 – O «murtoseiro» e a sua «casa» na Ria. Postal A embarcação era muito sóbria90. Sem o espavento da bica do chinchorro,

muito

mais

rasteira,

terá

sido

construída

num

91

(entre

comprimento que oscilou, sempre, em cerca dos oito metros

perpendiculares). Embreada desde o seu aparecimento, como o eram habitualmente as embarcações lagunares para conservação do seu tabuado, e à falta de outros preservantes que não o breu, a labrega foi assim –negra como a noite –, até aos seus fins, resistindo ao espavento colorido das bateiras da outra margem. Dos seus últimos exemplares, 90

Já não existem labregas, mas apenas esqueletos abandonados desta bateira murtoseira. 91 Se se consultar D. João de Castro ou Lamy Laranjeira, notar-se-á que estes fazem uma estranha confusão entre labrega e chinchorro da Ria, chegando a laborar no mar com a mugeira. (Castro, José de Tomo II, «Pescadores», p. 65. Laranjeira, E. Lamy, «A Ria de Aveiro», p. 51.

124


recorda-se «A Preta» que o murtoseiro, ti Tainha, tinha trazido para a Costa Nova, com o seu saltadouro.

Fig. 59 – Proa da labrega do Ti Tainha. E, na Bestida, a «Rosinha», que durou até há bem poucos anos. Alterada para se adaptar aos novos tempos motorizados, e nela montada a falca fixa, manteve, contudo, o carácter identitário da sua cor embreada.

125


Fig. 60 – A labrega «Rosinha».

Fig .60 a)- labrega «Rosinha» 126


A labrega era uma bateira de leme de xarolo, tipo mercantel, para navegar à vela O mastro montava numa cocia, passando no traste com enora. Utilizava uma vela bastarda, com a qual deambulava pela ria, em empostas longas, com esta armação que lhe conferia um bom desempenho.

Fig. 61 – labrega na primeira década do Séc. XX-Costa Nova.

127


Fig. 62- labrega no transporte Mas com a evidência dos desenvolvimentos conseguidos com as velas quadrangulares92, que com diversas afinações conseguiam um rendimento muito semelhante, mas com muito melhor facilidade de manejo, depressa aderiram à moda.

92

Também designadas por vela «ao terço».

128


Fig. 62 – labrega no canal de Mira à vela (meados Séc. XX).

7.3 A «labrega» e a cultura «Avieira» A cultura Avieira (longo historial que não nos compete aqui fixar, mas tão só trazer à colação) terá iniciado os primeiros passos com uma migração da gente da borda do mar,para o interior do Tejo. Gente vindas da praia de Vieira de Leiria, («ílhavos» e «ovarinos») fixandose, ou apenas trabalhando sazonalmente, nas margens do Tejo, a montante de Vila Franca; e logo depois foram chegando outros

129


«murtoseiros», uns idos directamente da laguna, outros que já andariam pelo Tejo, na margem sul93.

Fig. 63 – Bateiras murtoseiras num cais da margem sul, do Tejo.. Ora naquela zona a montante de Vila Franca, terão encontrado um habitat mais adaptado ao seu gosto de pescador de artes individuais. Poderiam e teriam existido, pois, diferenças antropológicas nestas duas comunidades, ali arribadas. Mas talvez não muito diferenciadas, pois os pescadores com assento em Vieira de Leiria, eram, originaria e

93

As gentes da Murtosa, e em particular de Pardilhó, assentaram arraiais em grande e significativo número,na margem sul, especialmente Moita, Sarilhos, dedicando-se á construção naval.

130


ancestralmente, gentes lagunares, provavelmente com alguma preponderância dos «ílhavos», mais desafiadores, mais afoitos e mais irrequietos, mas certamente com muitos murtoseiros à mistura, como hoje se pode concluir de dados já recolhidos. Era, pois, uma comunidade piscatória muito «misturada». É muito provável que as gentes que iniciaram a migração sazonal, terem sido, certamente, os murtoseiros.. Os pescadores idos da Laguna, que arribaram com as suas bateiras ao Tejo, teriam já desde há muito(como referido anteriormente) assentado arraiais no Tejo. Talvez que inicialmente, fosse gente de ida e volta, apenas a cumprir uma época sazonal de boa esperança, chamados por camaradas da laguna, que no Tejo teriam já raízes. Havia aqueles que traziam na ideia, fixarem-se. Subiam o rio, ultrapassavam Vila Franca, e escolhiam lugares do rio pouco acessíveis .No intervalo das pescarias, colhiam um «tabuado», escolhiam um sítio «desempachado», mediam as alturas suficientes para escapar aos saltos da borda do rio, e construíam uns mal ataviados palheiros, bem longe do olhar da gente local.

131


Fig. 64 – Mal ataviados palheiros dos «avieiros». Os campinos da vizinhança nem sempre mostrariam afeição por aquelas gentes rudes e pouco sociáveis, fechadas em si mesmo, pouco conviviais, que chegadas para as lides da água, não eram, contudo, de todo, avessas a deitar uma mão à enxada, quando aqueles os engajavam em trabalhos sazonais, específicos. Para onde quer que fossem, os murtoseiros levavam a sua casa, a bateira labrega. Dela, os mais irredutíveis, faziam habitação plena, nela acampando na beirada, com a família. Hoje aqui, amanhã ali, numa espécie de nomadismo ribeirinho que não passou despercebido,

132


levando a atribuir àquelas gentes a designação de os «ciganos do Tejo»94.

Fig. 65 – Benavente – Labrega com a mobília familiar montada. Há pois grande dificuldade em precisar data exacta para a chegada destas gentes ao Tejo, pois da mesma não há escrito, nem notícia. E na memória, ainda que restem uns poucos «avieiros», na memória o facto perdeu-se. Aceita-se, como acima referido, que o ponto de partida foram as gentes de Vieira de Leiria. Gentes vindas da laguna no Séc. XIX naquela que foi a maior migração interna da história de Portugal. 94

Soares, Maria Micaela, «A Cultura Avieira. Continuidade e Mudança». Separata do Colóquio «Santos Graça» de Etnografia Marítima», 1986, p. 22.

133


Entretanto pescadores na borda teriam encontrado notícia do interesse sazonal dos trabalhos agrícolas no vale do Tejo. Admitimos como muito provável que as primeiras investidas se tivessem verificado em Novembro. Época em que a safra na beira-mar se tornava escassa na recolha, quanto difícil (e perigosa) na execução. Mas temos como certo que os murtoseiros com as suas bateiras labregas, por informações colhidas, entenderam que aquela beira-rio (acima de Vila Franca), era ela mesmo, muito rica em certas espécies.De onde ressalta o sável, a tainha, e referem ainda alguns, o salmão.

Fig. 66 – «murtoseiro» e labrega.

134


O rio pareceu-lhes muito semelhante aos veiros tortuosos e escondidos lagunares.As margens mais recolhidas, menos agrestes. E a lide no rio muito menos necessária de esforço fisico. Recantos escondidos, frondosos, algo paradisíacos se comparados com a nudez lagunar, logo os fizeram admitir a possibilidade de com eles levarem a família. Que passou a viver a bordo.

Fig. 67 – Avieiros de Escaroupim95. Anos 60

95

Ver Caneiro, Roberto, «As comunidades ribeirinhas e os núcleos museológicos em Salvaterra de Magos: Museu do rio e Casa típica avieira», 2010, p. 34, «Actas I do 1º Encontro Nacional da Cultura Avieira».

135


E com a família engajada como companha – mulher ao remo e na venda, filhos ajudando nas artes – encontraram ali pousio para se fixarem. Diferentes no todo, no vestir, no falar, nos gestos e hábitos nada sociáveis com o exterior, diferentes no manejo das artes, aceitavam com quietude (quase indiferença), o futuro, sem dele pouco ou nada esperarem. Muitos saltaram para a borda e foram dar braço á enxada, na lezíria vizinha. Em locais esconsos e protegidos dos saltos do rio, ergueram uns casebres em madeirame, tipo capa e camisa. O aspecto dessas construções, parecendo provisórias e apenas úteis para o momento, escondendo nessa parecença precária o ónus de ilegalidade, foi, pouco a pouco, criando assentamento de dimensão apreciável, raízes identificadoras ainda claramente singulares, fortes e perduráveis, até à segunda metade do Séc. XX. Altura em que as barragens edificadas no Tejo fizeram rarear as espécies, assim inviabilizando o povoamento ribeirinho.

136


Fig. 68 – A labrega no Sado96 Ainda tentaram fixarem-se no Sado. Mas a luta era inglória. Os tempos estavam em grande mutação.

Fig. 69 – Um perfeito exemplar de labrega navegando à vela97 96

Foto de Américo Ribeiro, 1943. Ver Soares, Joaquina, «Embarcações Tradicionais – Contexto Físico Cultural do Estuário do Sado, 2008, p. 103.

137


7.4 Características A labrega tinha as seguintes características de construção: Comprimento entre perpendiculares - 8 m Boca - 1,80 m Pontal - 0,60 m Nº cavernas - 13/14 Dimensão cavernas - 0,09 m x 0,06 m 7.5 Planos geométricos (2D)

Fig. 70 – Planos labrega em 2D

97

Foto de Américo Ribeiro, p. 103 do livro anteriormente citado.

138


7.6 Planos geométricos (3D)

Fig. 71.a- «labrega» com vela bastarda

Fig. 71.b) - Toldo da «labrega» 139


Fig. 71-c) – Pormenor toldo Labrega

140


Fig. 71.d) ÂŤlabregaÂť com vela latina

141



CapĂ­tulo 8

Mercantela – Berbigoeira



Esta bateira de dimensão apreciável (10-12 m), movimentada, a remos (2) de escalamão

de apreciável dimensão, ou por vela

quadrangular a pender da verga, foi inicialmente construída para a apanha de bivalves, (especialmente) berbigão.Na gíria lagunar conhecido por crico. Mas e também a amêijoa. Para este fim esta bateira era dotada de um sarilho. Na bica da proa pendia uma alça, dos golfiões, Um cabo chamado de alar de cima, vai prender à parte inferior da haste da cabrita, sendo a sua função facilitar o alar para bordo da berbigoeira. Escolhido o banco de areia fértil em bivalves, largava-se ferro. De seguida deixava-se descair com a maré, a bateira, largando cabo de fundear.Que variava entre 50 e 70 m, enrolado no sarilho, a vante. Este sarilho é montado numas tábuas fixadas na borda.

Fig. 72 – Pormenor do sarilho, em modelo. 145


Duas ordens de toletes de madeira permitem a movimentação do sarilho – o cabo de fundear passa a EB da bica. Descaída a bateira atirava-se a berbigoeira, constituída por uma barra onde se insere uma série de dentes (20 a 24) distanciados cerca de 0,15 m, com cerca da 0,10 m comprimento (livre) e diâmetro 0,005 m. Esta barra nos extremos tem um aro (semicírculo) soldado. A vara de madeira (4 a 6m) é presa a este semicírculo pela frente e vai encaixar num copo soldado na barra dentada pelo lado posterior. Às peças metálicas é ligado um saco de rede, cuja boca se chama «coifa» e cuja malha varia entre 0,025 e 0,030 m, adelgaçando da boca para o fundo, onde pode ter largura aproximada a 0,40 m.

Fig. 73.- Aro da berbigoeira

146


Fig. 74- Berbigoeira e Ciranda (joeira) Existia um cabo de cânhamo ligado à coifa, próprio para a sacudir e tirar o lodo (e também para proceder ao embarque da arte). Na berbigoeira (a bordo de embarcação) o cabo que vem da alça à vara, substitui o cabo preso à cintura, quando esta arte, por exemplo, é feita a pé.

147


Fig. 75 – O sarilho em 3D Quando o pescador que está ao ancinho, julga suficiente o lanço, dá ordem de parar. O sarilho é então «travado», e os dois pescadores que o manobram vêm «dar a mão» à haste. E com a ajuda do cabo, levantam o aparelho, metendo-o dentro (embarcando-o) para efectuar a escolha, utlilizando a ciranda ou joeira: (separar cascas e ou caranguejos) dos bivalves. Para uma fácil deslocação interna na bateira, a berbigoeira, para esse fim, montava umas tábuas de correr (tábuas de varear) suportadas por trastes intermédios. Estas peças eram amovíveis, e só estavam

148


montadas aquando da deslocação à vara. Para aumentar a capacidade de carga da embarcação, eram-lhe montadas falcas.

Fig. 76 - Pormenor sarilho extraído plano 3D

Fig. 77 – Vista sarilho extraída planos 3D

149


Fig. 78 – Foto de berbigoeira em actividade. Os lanços dados ao berbigão eram muito mais rápidos, pois este bivalve existia (e existe) em muita maior quantidade. Os fundos arenosos (perto da boca da barra) eram os preferidos, porque muito férteis, e porque o arrasto neles exercido era muito menos exigente que nos fundos lodosos. Uma maré permitia um arrasto de três horas.

150


Fig. 79 – Despejando o saco98 Ainda hoje, o arrasto feito de dentro de pequenas embarcações (bateiras ou as «novas» chatas que vieram substituir aquelas) é muito praticado.Com ligeiras diferenças, no pormenor: a embarcação é fundeada transversalmente à corrente de água, e o pescador atira a cabrita para tão longe quanto possível. E depois, vara ao ombro e

98

Foto Guedes. Murtosa

151


mãos encavalitadas sobre a mesma, vai com jeito, tecnicamente muito delicado, arrastando, levantando, arrastando, até trazer o aro à borda.

Fig .80 – Utilização da cabrita em 2013. A laguna foi desde muito cedo rica em bivalves, riqueza piscícola que ao longo dos anos se tornou uma das principais actividades piscatórias, dando subsistência a um número considerável de pescadores, interessados naquela actividade, específica. O berbigão, a amêijoa, o burrié (e até a ostra em tempos recentes) encontraram nas águas lagunares, e nos seus fundos arenosos, um habitat que

152


proporcionava não só a sua procriação, como o seu

rápido

desenvolvimento. Em tempos não muito longínquos (ainda em finais do Séc. XX), era intuição popular que durante certos períodos, os bivalves recolhidos tinham consequências nefastas para o organismo, provocando fortes diarreias e até, em caso de ingestão forte, consequências mais graves. Percebeu-se, empiricamente, que tal situação sucedia com mais frequência em certos meses do ano. E o saber popular, com o tempo, intuiu e associou os meses do calendário que não têm R (ex. Maio, Junho, Julho, Agosto) como os meses que, mandava a prudência, deveria ser suspensa a apanha. Sabe-se hoje, que tal situação resulta do infestamento das águas lagunares por um tipo de algas (microrganismos), que em ocasiões estivais, devido a condições favoráveis de temperatura, pressão e densidade, podem desenvolver-se exponencialmente

e

multiplicarem-se

rapidamente.

O

desenvolvimento exponencial destes microrganismos cria por vezes uma certa coloração (tonalidade) na água, pelo que estes períodos chamam-se de «marés vermelhas».

153


Fig. 81 – Numa chata dois pescadores à berbigoeira. Contudo o termo tem sido substituído por florações de algas nocivas (FAN), uma vez que nem sempre a tonalidade da água com florações, é vermelha. Ainda no início do Séc. XXI, o valor da apanha de bivalves99 superiorizava o valor das capturas feitas pela pesca costeira, vendidas na lota. Desde tempos imemoriais a apanha de bivalves na Laguna é feita com uma arte, chamada berbigoeira, arte de arrasto muito característica que descreveremos e ilustraremos no capítulo «As Artes».

99

E isto só falando da apanha legal, já que, em especial na amêijoa (por mergulho), existem centenas de pescadores furtivos.

154


A apanha era generosa, e toda a parte entre o traste e o cagarete da berbigoeira era cheio com berbigão.A berbigoeira tipo mercantela carregava, cerca de 1.500 Kg. Hoje, numa bateira, uma apanha de 10 kg de amêijoa é já considerada uma boa maré. O berbigão, que continua a proliferar em algumas zonas arenosas lagunares, é, na sua maior parte, hoje, apanhado com o simples ancinho, revolvendo as areias, nas coroas, na maré baixa. Numa boa maré, a tripulação de uma bateira (caçadeira ou chata) pode apanhar duas centenas de kg de berbigão.

8.1 A berbigoeira passa a mercantela Voltemos então à berbigoeira, uma bateira de grandes dimensões. Depressa se transformaria, com a aposição de draga e bordo, em um mercantel de pequenas dimensões.

155


Fig. 82 – Mercantela no esteiro da Malhada.l Barca que logo se constatou ser muito ágil, de fácil manobra,que virá a ser fundamental no transporte de caranguejo (pilado) entre as malhadas, da laguna, mas e também, muito requisitada por mercantis, para o transporte de peixe entre os entrepostos lagunares. A sua dimensão, permitindo deslocar cerca de 1500 kg, era assim mais adaptada para o tipo do pequeno transporte interlagunar.

156


Fig. 83 – Mercantela no transporte de pilado. Anos 80 E, naturalmente, sendo o seu custo muito inferior ao de um mercantel, fez da mercantela o meio de transporte preferido, no Séc. XIX/XX.

Fig. 84 – Mercantela à vela. Anos 50 157


Esta barca foi ainda fundamental, e de uma importância enorme, no transporte do caranguejo (pilado) dos locais de apanha (Costa Nova, S. Jacinto, Torreira e Ovar) para as diversas malhadas que o recebiam para misturar com os moliços, e com esta mistura levar a fertilidade aos campos da borda lagunar.

8.2 Plano Vélico

17

2

1 3 4

16 15

5 6

11 7 14

8

12 13

9 10

Fig. 85 – Designação pontos fundamentais do plano vélico.

158


Legenda:

1-Verga 2-Envergue 3-Cachola do Mastro 4-Troça 5-Focinheira 6-Bolinão (poas) 7-Testa

8-Forra do calcador 9-Alça da calçadeira 10-Calcador 11-Teada

14-Punho da escota 15- Valuma 16-Mosca 17-Alça da empena

12-Rizes 13-Esteira

A vela era talhada à mão por mestrança que mostrasse inclinação para a arte. Eram mestres veleiros, muito empíricos, fruto de conhecimentos transmitidos de geração em geração, que continuam a fabricar as velas nas eiras, sem recurso a moldes ou outras orientações, que não o seu jeito natural. Não existem moldes. E a dimensão da vela mede-se pelos metros das teadas100 utlizados na

100

Tiras de pano, cuja espessura é referenciada por um número, e cuja largura é cerca de 0,60 cm.

159


sua feitura (20/30 m, etc.). Os panos101 de cerca de 60 cm de largo, são sobrepostos 2 cm.E cosidos um ao outro, à mão. Sendo no essencial uma vela de pendão, embora evoluída, não tendo rigidez conferida por retranca inferior, o seu desempenho fica totalmente dependente da arte do talhar e das afinações introduzidas nas suas várias faces, como referimos atrás: na valuma102, na testa103,na empena104 e na esteira105, parte inferior da vela. A toda a volta é feita uma bainha, guarnecida por um cabo fino chamado finéu. Externamente à bainha, são nela cosidas, de dez em dez centímetros, umas presilhas chamadas de moscas. Por essas presilhas passa um cabo de sisal (hoje nylon) de 0.012 m. Só a esteira não leva moscas, sendo rematada apenas com a bainha. Na forra do calcador são inseridos os atilhos que a agarram ao mastro. No cabo que enforma a forra, são cosidas duas (três) mãozinhas, que servem para nelas se enganchar o cadernal do calcador, à medida que diminui a testa, quando se riza106o pano. Na linha que vai do punho da escota, aos olhais do calcador, em cada junta das teadas são colocados uns atilhos (os rizes), que servem para manter a vela rizada. 101

A que de acordo com a sua textura corresponde um número; de oito, nove ou dez. Valuma é a zona posterior da vela. 103 Testa é a parte frontal da vela que vem do envergue ao calcador. 104 Empena é a zona da vela que veste no envergue (ou verga). 105 Esteira é a zona inferior da vela. 106 Rizar é fazer diminuir a superfície vélica, ajustando-a à intensidade do vento. 102

160


A operação de rizar faz-se do seguinte modo: arria-se o envergue (verga), enrola-se a vela o número de rizes aconselhável, e enfia-se a talha da calcadeira na mãozinha adequada. Seguidamente afina-se de novo a vela, ajustando a testa e a valuma. Nesta, pelas moscas, de dez em dez centímetros, passa o cabo de afinação: quanto mais tenso, mais plana fica a vela; mais solto, mais enchimento (para popas e largos). Na esteira, e também na valuma, o mestre veleiro dá um pequeno rodo: isto é o pano não é cortado a direito, fazendo um a ligeira curvatura na zona central (+- 0,05 m de flecha). Na testa da vela, junto da focinheira, existe uma forra (de reforço) que vem até ao ponto mais baixo de inserção do bolinão, o qual é composto por cinco pernas (poas), e que se destina a distribuir a tensão na parte superior da vela: puxando-a para a frente (orça), ou libertando-a para trás (nas popas). Na empena, zona superior da vela, em cada união das teadas é inserido um atilho (envergue) com que se liga a vela à verga. A focinheira tem uma alça que entra num rasgo inserido à frente, na verga, e que tem por missão não deixar escorregar a vela para trás. Na forra da empena, é cosida a corda da empena, que fixa a vela atrás, esticando toda a empena. O ângulo que o corte da empena faz com a testa é chamado a guenda (guinda) da vela.

161


Na parte inferior, a ré (popa), a vela tem uma mãozinha onde vai fixar o cadernal da escota. No varão, fixado na sarreta, cravado na 2ª caverna, corre a talha inferior. A vela é içada por um cabo que laça na verga (a cerca de 1/3 da sua extremidade anterior) e passa num gorne feito na ponta do mastro, vindo fixar-se à draga. O cabo chama-se ostaga.

Fig. 86 – Bateira mercantela, em princípios Séc. XX107

107

162

Gravura de Luiz de Magalhães, «Os Barcos da Ria de Aveiro», 1905-1908.


Fig. 87 – A última mercantela da Ria «Netos & Bisnetos» A mercantela e ou a berbigoeira, tinham golfiões. O mastro na sua base inferior, é talhado em quadrado; passa o traste na enora, e vai entrar na cocia (coicia). O leme de xarolo, é de forma idêntica à do mercantel .Só que, naturalmente, de dimensões mais reduzidas. Insere a chança no seu bordo de saída. Enquanto bateira, a embarcação era movida por dois poderosos remos de cerca de 7m de comprimento, trabalhando em escalamãos. Logo que «armando» em barca, o seu plano vélico foi refinado, e a embarcação passou apenas a movimentar-se à vela.

163


Todos os pormenores construtivos dos diversos componentes –e técnica de construção – são idênticos à barca mercantel, e ou ao moliceiro. Técnica comum a todas as embarcações lagunares.

Fig. 88 – Porta do leme da mercantela.

164


8.3 Características Comprimento - 10 a 12 m Boca - 2,20m Pontal - 0,60/0,65 m Nº cavernas - 23/24 Dimensão da caverna - 0,15 x 0,10 m

8.4 Planos geométricos (2D) Planos 2D (DVD anexo)

Fig. 89 – Planos 2D (ver DVD anexo)

165


8.5 Planos geométricos (3D)

Fig. 90 – Plano 3D (DVD anexo)

Fig. 90 a) -Plano 3D 166


Fig. 90 b)- Plano geral 3D

167


168


Capítulo 9

Caçadeiras



A partir dos finais do Séc. XIX, apareceram na ria umas bateiras, inicialmente de muito pequenas dimensões (comprimento próximo dos 5m), e cuja finalidade seria a «caça», dada a sua proa ser muito rasteira – quase cortada horizontalmente – prolongando-se o castelo, cerca de 0,15 a 0,20 m. O que a defende de batedelas em certa ocasiões (choque, etc.) conferindo-lhe uma frente afiada, agressiva. Como referido, a horizontalidade da proa permitia a aproximação do caçador agachado, praticamente invisível, e sempre em posição de tiro. Quando nesta actividade, na proa da bateira, ia um longa forquilha onde descansava o esmerilhão, falconídeo para a apanha de patos. Esta foi uma utilização que sempre despertou muito interesse por este tipo de embarcação de pequena dimensão (comprimento aproximado 5 m, boca 1,00 a 1,15 m, e pontal 0,30 m), já que toda a zona lagunar era um prodígio em variedade de espécies cinegéticas (patos, maçaricos, borrelhos, garças, cagarras etc. etc.).108 Mas e também, ainda nessas dimensões, foi muito utilizada na pesca com artes fixas ou dormentes.

108

Esta quantidade enorme de aves levou a que certos autores, aligeirada e erradamente, encontrassem nesse facto justificação para o topónimo Aveiro – Aviarium.

171


Fig. 91 – Caçadeiras de 5 m, usadas para pesca Num ápice, este tipo de bateira (de que há indícios poder ter nascido na zona centro lagunar), dada a facilidade das suas linhas, sem as proas de «bicas» de difícil execução, e custo elevado, começou a crescer, e a ser adaptada na pesca. E assim o seu comprimento alongou-se. Primeiro com 6 m, foi muito utilizada na chincha, nas pequenas companhas. Muito utilizada, ainda, como a 2ª bateira que fechava o lanço da arte do chinchorro, quando a rede era alada para a bateira. Depois, generalizada a sua utilização para os fins da pesca (sempre em águas interiores), atinge os 8 m (limitação legal), assim substituindo as bateiras labregas e as chinchorras. Que foram desaparecendo, à medida que engrossava o número de caçadeiras, hoje uma verdadeira praga. 172


Fig. 92 – Caçadeiras de 8 m na Torreira. Nos dias de hoje a bateira tipo caçadeira prolifera em toda a laguna, a maior parte, adaptada à utilização de motor. Têm por norma falcas fixas, pois que os remos deixaram de ter função útil. Coexistem com a dúzia de chinchorras ainda existentes na Torreira, atingindo número notável de unidades construídas, para cima de um milhar. Esta bateira no seu ciclo inicial, enquanto caçadeira, foi (ainda) muito utilizada para «passeio» de banhistas, sendo registada, para essas utilização, como embarcação de recreio

com a letra

AXXX(R). Muito difundida na laguna, nas zonas de lazer estival: praias da Costa-Nova, S. Jacinto, Torreira, Murtosa e Ovar.

173


Fig. 93 – Caçadeira de recreio ( 5 m) O modelo de caçadeira sobre o qual trabalhámos é uma embarcação de 8 m.

Fig. 94 – Aplicação de falcas móveis 174


9.1 Características principais. A bateira sobre que nos debruçamos tem as seguintes características principais: Comprimento - 8 m Boca - 2 m Pontal - 0,60 m Nº de cavernas - 14 Nº remos - 2 Comprimento remos - 6,70 m Dimensão cavernas - 0,10 x 0,06 m Distância entre centros cavernas - 0,45 m

Esta bateira tem estribos situados a cerca de 0,50 m dos trastes. Tem escalamão a cada remo.

175


Traste proa Escalamão Estribos

Sarreta

Caverna Quete

Passadiço Traste popa

Fig. 95 – Caçadeira com estribos e passadiço (3 D)

Fig. 96 – Caçadeira 8 m. 176


A sarreta, que vai da primeira à última caverna, é uma tábua de 0,06 x 0,02 m. Na 5ª caverna é montada uma antepara. Entre a primeira e a quinta caverna, a bateira tem paneiros, sobre os quais se acomoda a rede, o aparadouro e o caixote, que serve para recolha das enguias já limpas. Numa argola colocada na bica da proa, é fixada a fateixa de fundear, sendo muito vulgar a de quatro patas (ou unhas).

Fig. 97 – Caçadeiras (com e sem golfiões)

177


Lateralmente, apoiada no traste de ré e no de vante, existe uma tábua chamada passadiço, que facilita a deslocação dos pescadores, durante o alar da rede (nos lanços da chincha ou chinchorro). A bateira usa vara para manobra (cerca de 5/6 m). E naturalmente tem escoadouro. Tem ainda uma vara muito comprida encimada por vasculho, cuja finalidade é fixar a embarcação no fundo lodoso, a que fica preso o càlão, enquanto a bateira com a companha vai dar a volta do lanço.

Fig. 98 – Caçadeira e lugres na Gafanha da Nazaré (1920) Por norma, na bateira caçadeira, o castelo de proa tem uma peça que se adapta e faz de portinhola para proteger teres e haveres. A variação do comprimento das bateiras caçadeiras faz-se por alteração do número de cavernas. As dimensões das cavernas não

178


diferem muito. Por exemplo, uma caçadeira de 7 m terá as seguintes características: Comprimento - 7 m Boca - 1,60 m Pontal - 0,50 m Nº cavernas - 11 Dimensão cavernas - 0,009/0,10 x 0,06 m Quando armam pano, este é do tipo latino, trapezoidal, que enverga na verga com cerca de 3,5 m, laçada pela troça no mastro. Sobe por efeito da ostaga. O mastro, de cerca de 7 metros, passa na enora, no traste, e vai encaixar no fundo, na pia da coicia. O punho da escota serve para enfiar a tralha da mesma que vem apertar na sarreta de sotavento. Tem calcador e bolinão (4/5 fios) simples, que vai fixar à bica da proa. Montam falcas (fixas ou falsas), tabuado de 0,015 m x0,27 m na parte mais larga, e usam toste. (ver foto seguinte).

179


Fig. 99 – Caçadeiras à vela, em actividade de lazer. 2013. Nas caçadeiras de recreio, bateiras de pequenas dimensões, era usada uma construção mais requintada, executada com cavernas inteiras, formadas, utilizando madeira muito mais leve, numa construção individualizada, muito mais aprimorada. Os remos muito leves, permitiam que uma senhora remasse tranquilamente, em passeio. Nos anos 20, organizavam-se regatas nas festas lagunares, com equipas de veraneantes vindas a banhos, formando as suas equipas, em jornadas com larga referência noticiosa nos

180


jornais locais da época. Estas pequenas bateiras usavam, em regata, quatro toletes onde se fixavam quatro remos109.

Fig. 100. – «Zélia» – caçadeira de recreio.

As caçadeiras podiam ser todas brochadas numa só cor, para isso utilizando tintas já vulgares no início do Séc. XX. No norte lagunar, as caçadeiras não fugiram ao hábito de serem vistosamente pintadas, com lista no seu casco, que iam da bica da ré ao bico da proa. Parte do foliamento à proa (local onde era aposta a matrícula), e à ré, eram brochados com apenas uma cor.

109

Em alguns casos, os toletes eram substituídos por forquetas.

181


Contudo, este tipo de pequena caçadeira, foi (e ainda é), muito utilizada por pescadores, que nas horas disponíveis as utilizam para a pesca individual: fosse à linha, aplicando covos, montando galrichos, na sertela

110

, etc. Estas pequenas caçadeiras ainda

existem a laborar na laguna, em número considerável, no Bico da Murtosa, na Ribeira de Pardilhó ou na Bestida, escondidas num ou noutro veiro lagunar, num recanto lagunar solitário.

Fig. 101 – Caçadeira, com pescador à sertela. (anos 80)

110

Ver capítulo As Artes.

182


9.2 Planos geométricos 9.2.1 Planos em 2D (Ver DVD anexo)

Fig. 102 - Planos geométricos 2D

183


9.2.2 Planos geométricos 3D(Ver DVD anexo)

Fig. 104 a) - Cavername 3D

Fig. 104 b) – Vista 3D

184


Fig. 104 c) – caçadeira 3D 1-Caçadeira 2- remos 3 – vasculho 4 – vara 5 – vertedouro 6 - caixote

Fig.104 d) – Vista 3D

185



CapĂ­tulo 10

Bateiras erveira



10.

Bateira Erveira

De entre as bateiras cujo registo, na proa, significava uma ocupação de faina no transporte de ervas( e ou segundo licença especial, podiam recolher moliços), e por isso exibiam a numeração AXXXX-H(ou A-XXXX-M), poderemos distinguir no historial lagunar, essencialmente, dois grupos.

10.1 Bateira erveira de Canelas

10.2 Bateira erveira do norte lagunar

Vejamos: 10.1 Bateira erveira de Canelas

As chamadas bateiras erveiras de Canelas, conhecidas pelo menos desde o Séc. XIX, na verdade, deveriam ser chamadas de barcas erveiras. Porquanto estas embarcações, de dimensão próxima dos 10 m (por razões de movimentação nos estreitos veiros entre aluviões, nesta parte mais larga lagunar, região marinhoa), com a finalidade de melhorar o desempenho para que foram criadas, 189


passaram a ser construídas com borda e draga. De facto, depressa foi concluído que era de todo vantajoso criar um bordo franco (formada, como nas barcas, por bordo e draga, apertados na cabeça da caverna). Assim permitindo uma melhor deslocação do tripulante quando pretendia deslocar a embarcação, à vara.

e nora

t rast e

dr aga bordo

cav erna coicia t abuado fundo

Fig. 105 - Estrutura típica da construção das barcas Ao contrário das bateiras que não tem bordo, onde a draga é substituída por uma sarreta colocada por debaixo dos trastes.

190


sarreta

sarreta

caverna

Fig. 106 - Estrutura de bateira Sem dúvida que, em primeiro lugar, na zona marinhoa, foram utilizadas as simples bateiras, com proa do tipo caçadeira, a que mais tarde foram adaptadas, então, as dragas e bordo. Para observarmos e concluirmos das adaptações que foram feitas nestas embarcações, com a finalidade de responder a necessidades específicas e perfeitamente identificadas, não só para os diversos fins em vista (transporte de ervas e de animais, entre veiros), mas também em adaptação a local específico onde laborava (veiros com

191


larguras muito próximas dos dez metros), lancemos um olhar sobre a tipologia geográfica desta extensa e rica planície. Imensa área encharcada, semeada de uma profusão imensa de pequenas ilhotas, por entre as quais correm compridos (e por vezes profundos) esteiros. Verdadeiras veias de um sistema sanguíneo, capilar, correndo por entre campos aráveis e praias, onde se desenvolveram tufos de arvoredo que dão ao olhar, atirado para o longe, o tom esverdeado da paisagem. As águas, devido a tanto serpentear, amansam. E quase parecem paradas entre os aluviões, intensamente verdes, de flora rica e exuberante, recortados entre uma profusão labiríntica de veiros aquosos. Antes da formação da laguna, Canelas, Salreu, Angeja e Estarreja, eram povoações sitas na foz do Vouga, alcandoradas nas colinas. Que aqui iniciadas, iam morrer lá nos longes das serranias de Arouca e Bussaco, já bem altivas. E foi nesses terenos baixos que afloraram entre canaletes afeiçoados pelo esforço do homem, que foram aparecendo as ricas pastagens enverdecidas, cheias de viço. Sustentáculo de uma das raças bovinas de referência no País, a raça marinhoa111,que rapidamente se tornou um sustentáculo económico de monta. De tal modo rasos, à epiderme da terra, os canaletes estão sujeitos, anualmente, a um 111

Raça derivada, tal como a arouquesa, da originária mirandesa. Admite-se terem vindo para a região no Séc. XIV.

192


período de invasão das águas despejadas, pelo Vouga e afluentes, no período invernoso. Se estas inundações têm inconvenientes, por limitar a pastorícia, têm, contudo, a vantagem de enriquecer os campos alagados por húmus tonificante, vivificador, tornando-os muito ricos e férteis. Quando ainda os animais eram criados em plena liberdade, e não existia clara marcação de propriedade (terrenos circundados), não havia outro meio de os levar para as pastagens, nem de recolher e transportar as herbáceas que lhes serviam, de alimento e cama, que não fosse através das águas dos veiros. Eram assim imprescindíveis as pequenas embarcações. Em tempos, no Séc. XIX e até meados do Séc. XX, a importância da vida agrícola, com especial incidência na exploração bovina, fazia com que nas redondezas da ribeira de Canelas, existisse um mundo de embarcações que nas suas beiradas fazia parqueamento. Dois tipos de bateiras foram de uso muito generalizado na região:

10.1.1 Bateira erveira de Canelas (tipo caçadeira)

Tratou-se, com certeza, da primeira embarcação concebida e realizada nos estaleiros locais [onde se terá distinguido o Sr. Arnaldo

193


Rodrigues Domingos Pires (1921-1997), pai do ainda hoje construtor, Manuel Pires]. Dois pormenores distinguiam esta bateira erveira das caçadeiras lagunares de pesca.

Fig. 107 – Bateira de Canelas112.

112

Na ribeira de Canelas, anos 50.

194


a) O seu fundo, na parte da popa, em vez de subir ligeiramente até encontrar a bica de ré, tinha uma curvatura ao contrário, baixando em relação à linha de fundo, meia dúzia de centímetros. Procuradas as razões desta falta de sintonia com as regras habituais lagunares, foi-nos explicado que, dado o facto de estas embarcações serem habitualmente propulsionadas à vara, entre veiros, usando o leme apenas para deslocações longas, este

afundamento

compensar

o

à

popa,

levantamento

destinava-se provocado

a

pelo

tripulante que laborava à proa. b) Embreadas, negras em toda a sua superfície, exterior e interior, estas embarcações eram cobertas no castelo de proa com casca de arroz, polvilhada

sobre

pez

negro

fervente.

E

lateralmente, no casco, eram brochados de um modo mais ou menos aleatório, diversos círculos com este material antiderrapante, conferindo-lhes uma individualização (decorativa) específica, bem identificativa. c) Estas embarcações tinham golfiões. Só que são as

únicas

embarcações,

tipo

caçadeiras,

a

possuírem,não apenas golfiões no castelo da proa,

195


mas e também no forcado da entremesa. Estranha esta individualização, tem, como não podia deixar de ser, uma razão justificada, que a exige. Destinadas a frequentemente, transportarem gado, o que não permitiria a ocupação do espaço interior, em simultâneo, pela tripulação e animais, os golfiões (á proa e npos forcados de popa) serviam para

beiçar

as

varas

dispostas

horizontalmente.Caladas» nos golfiões, para assim empurrar a embarcação, de terra, pela beirada.

Estas bateiras não tinham as formas esbeltas e elegantes das restantes embarcações lagunares. Olha-se para uma delas, e fica-se com a sensação da inexistência de uma arte naval apurada. Talvez a razão esteja em que o mestre naval que as executava, apenas o fazia no intervalo das suas safras de lavoura. A bateira inicial, na sua pureza, tinha sarreta, não tendo draga nem bordo, como as barcas. Eram bateiras de dimensão avantajada, mas depressa se intuiu que para o deslocamento da tripulação, no transporte de gado, a aplicação de draga e bordo, permitia uma deslocação fácil, com vantagens para a mobilidade dos tripulantes.

196


10.1.2 Bateira erveira de Canelas (tipo matola) Nasceu assim, em Canelas, e por mãos do construtor Arnaldo Pires 113

, uma embarcação que é, praticamente, uma réplica do moliceiro

matola, do Canal de Mira.

Fig. 108 – A erveira de Canelas na viagem para o MMI. 1994.

113

Arnaldo Rodrigues Domingos Pires (1921-1997), construtor naval de Canelas.

197


Fig. 109. – Moliço no esteiro. Canelas. Anos 50. Mede 10 m de comprimento, tem 2,00 m de boca, e 0,48 m de pontal. As linhas na bica da proa serão ligeiramente mais estendidas, o que pode ser considerado como mais elegante que o original matola. No fundamental, diferencia-se daquele por ter os já referidos golfiões, à proa e à ré. E pela aplicação da casca de arroz sobre pez.

198


Fig. 110 – Amanhação114 de uma erveira de Canelas.

Fig 111 – Casca de arroz sobre pez. Fig. 114

Amanhação era o conjunto de trabalhos de manutenção das embarcações, anual.

199


No casco, a casca de arroz era disposta em círculos colocados sem qualquer ordem prévia.

Fig. 112 – A erveira de Canelas (tipo matola) na Malhada – Ílhavo, 1994

200


A maior diferença reporta à característica do nivelamento do fundo da embarcação, pormenor construtivo específico das chamadas bateiras marinhoas: o fundo da embarcação, a partir da 4ª caverna (a contar da ré) em vez de subir como normal em todas as embarcações lagunares, e ir (morrer) ao encontro da bica da ré, desce, conforme se pode observar no plano anexo, onde se evidencia tal pormenor. O foliamento da ré, é por isso, muito mais notório.

Fig. 113 – Bateira erveira de Canelas (extraído do plano 3 D)

201


Curioso, e de registar, é o facto de que esta adaptação do matola, na zona geográfica conhecida por marinhoa, centra-se, só e apenas, em Canelas, porquanto em todas as restantes zonas, manteve-se a bateira com as linhas, mais ou menos típicas, das bateiras caçadeiras. Estas bateiras erveiras, inicialmente, tinham, tal como na bateira mercantela (ver Capítulo 8), uma tábua de varear .Quando montada nos suportes, permitia uma passagem corrida, da proa à ré, facilitando ao tripulante que empurrava a bateira, à vara, deslocar-se no interior da mesma de uma ponta à outra. A partir de determinada data, que não conseguimos fixar (admitindo-a nos primeiros decénios de novecentos), a sarreta foi retirada. E aplicados, draga interior e bordo exterior, abraçados às cabeças das cavernas, num tipo de construção em tudo idêntica às barcas lagunares. A largura do bordo e draga separados pela caverna (cerca de 0, 35 m), mesmo em bateiras de 10 m de comprimento, era já suficiente (cómodo) para deslocação do pessoal embarcado, aquando da deslocação à vara.

202


Fig. 114 – Bateira com com sarreta

10.2 Bateira erveira do norte lagunar

Esta bateira é uma clara adaptação de uma caçadeira de grande dimensão (cerca de 10 m) a uma actividade de transporte de ervagens Desde as malhadas até aos terrenos onde seriam aplicadas.

203


Fig. 115 – Erveira do norte lagunar As dimensões atingiam,dentro do tipo, caçadeiras, o seu valor mais expressivo: Comprimento - 10/11,0 m Boca - 2,20 m Pontal - 0,70 m Nº de cavernas - 17 Falcas - 0,27 m x 0,015 m Dimensão das cavernas - 0,13 m x 0,06 m Pé das falcas - 0,075 m x 0,065 m 204


Fig. 116. – Bateira erveira do norte, ao moliço. Envergava mastro que entrava na enora e se fixava na cocia. A vela de cerca de 20 m, era talhada conforme as mesmas regras das velas dos moliceiros ou mercantéis. O punho da escota trabalhava numa tralha, e a escota vinha fixar-se à ponta da sarreta, que excedia a última caverna. Quando navegava à vela, usava um leme tipo xarolo, e tinha toste para melhor aproveitamento. O bolinão vinha fixar-se na bica da bateira.

205


Fig. 117 – Bateira erveira lagunar. Anos 60 (1963).

Fig. 118 – Bateira moliceira da apanha do moliço. Anos 80.

206


10.3 Planos geométricos (2D) DVD anexo

Fig. 119 a) - Planos 2D 10.4 Planos geométricos (3D) (ver DVD anexo)

Fig. 119 b) – Plano cavername 3D 207


Fig. 119 c) - Plano cavername,sarreta e bordo 3D

Fig. 119 d) - Plano geral e mastreação 3D 208


Fig. 119 e) – Plano vélico

Fig. 119 f) – Plano geral 3D 209



CapĂ­tulo 11

Ladra



A ladra é uma pequena bateira, oriunda do canal de Mira, de proa e ré, muito recurvadas (típico nas bateiras miroas), cuja estrutura é constituída por 6 cavernas e 2 forcados. Colocados, um, a 0,45 m da bica da ré, e o outro, a 0, 60 m da bica da proa.

Fig. 119. – Ladra (montagem).

11.1 Características Tem as seguintes características: Comprimento - 4,25 m Boca - 1,25 m Pontal - 0,40 m

213


Distância entre centro das cavernas - 0,40 m Dimensões cavernas - 0,08 m x 0,06 m Nº cavernas - 6 Estas bateiras, como o seu nome indica, vinham agarradas aos matolas (embreados). E como eles, totalmente embreadas. Eram usadas para uma ou outra escapadela, a coberto da noite, para «o roubo» de milho, abóboras e outros vegetais. Mas a sua principal função era o transporte de pessoas, animais e, claro, as ervagens, sua principal finalidade.

Fig. 120 – Ladra, em exposição no MMI.

Deslocava-se apenas à vara. Uma longa vara que tinha cerca de 3,5 m. O costado e o tabuado do fundo eram de 0,02 m (ou inferior) para lhe conferir leveza.

214


Não tinham castelo de proa, como sucede com as bateiras de Mira, que são totalmente abertas. A boca era algo desproporcionada, excessiva, o que lhe conferia óptimas condições de carga.

Fig. 121 – Sarreta e caverna

Tinha sarreta (0,06 x 0,05 m) interior, muito forte, que apertava junto da cabeça da caverna. Essa sarreta ia da primeira à última caverna.

215


Fig. 122 – Ladra 115 Hoje, na barrinha de Mira, podem ser apreciadas umas pequenas bateiras, batei claramente sucessoras da ladra. Abaixo temos uma imagem de uma dessas bateiras.Reparebateiras.Repare-se se no pormenor da sarreta ,orlando a cabeça das cavernas, os dois forcados, fusiforme, toda aberta sem castelo, apenas com traste central.

115

Reparar no ângulo dos braços das ca cavernas, vernas, próximo dos 120º, o que lhe confere uma boca muito grande quando comparada com o comprimento da embarcação.

216


11.2 Bateiras miroas

Fig. 123 – Bateira miroa descendente da ladra. Estas pequenas bateiras miroas têm as seguintes características, actualmente: Comprimento - 5,80 m Boca - 1, 40 m Pontal - 0, 40 m Número de cavernas - 9 (0,05 x 0, 04 m) Distância entre centros de cavernas - 0, 50 m Forcados de proa e ré, sem castelo.

217


11.3 Planos geomĂŠtrico 2D

Fig.124-Planos 2D

11.4 Planos geomĂŠtricos 3D

Fig. 125 a) - Planos cavernas 3D 218


Fig. 125 b) – Ladra 3D

219



Capítulo 12

Chata116, Patacha ou Rasca

116

Chata, patacha e lancha são os nomes por que são vulgarmente conhecidas na zona da pateira de Fermentelos e limites geográficos próximos. Rasca era já o nome por que é conhecida nos veiros de Canelas e Salreu.



Embarcação muito simples, rudimentar, de um empirismo relevante, foi provavelmente das primeiras a atravessar os rios, muito antes da formação da laguna. Terá pois sido uma das primeiras senão a primeira a ser utilizada em tarefas fundamentais de travessia de pessoal ou gado, ou para a apanha e transporte de herbáceas, nas zonas em que os rios formavam pauis. De extremidades aguçadas, fusiforme, com uma bancada a meio que fixava a curvatura da tábua do costado, é movida exclusivamente à vara. Continua a servir, especificamente, para travessia de rios ou deslocações em águas baixas, como é o caso da pateira de Fermentelos. A sua utilização desceu até Canelas, Salreu e arredores, zonas próximas da foz do rio Vouga. Ainda se encontram, hoje, construtores destas embarcações. Conforme o local onde trabalham, as mesmas adquirem designação própria: chata, patacha, lancha, rasca ou, simplesmente, bateira. Em Canelas, o construtor Manuel Pires ainda construiu um exemplar, conforme se documenta. Na pateira (Óis da Ribeira), é referido como o último construtor de chatas o senhor Joaquim de Almeida Santos.

223


Não tem dimensões fixas, pois era feita ao gosto de quem encomendava.

Fig. 126 – Em Canelas, construção de Manuel Pires

12.1 Características

As suas características são, por isso, muito variáveis, podendo se referir como tamanho mais utilizado, o seguinte: Comprimento – 4, 40 m (muito variável) Boca – variável de 0,80 m a 1, 40 m Pontal – 0, 30 m

224


Cavernas – 9 a 11 (variando em função do comprimento)

Fig. 127 – Na pateira de Fermentelos.

À primeira vista esta embarcação parece ter o fundo plano. Facto é que uma boa embarcação deve ser ligeiramente ovalizada, para a proa e popa. E até do centro para a borda, o que lhe confere uma muito maior facilidade de navegação, especialmente quando o vento provoca ligeira vaga. Sucede exactamente assim com as chatas. Normalmente executadas em tabuado de pinho, também utilizaram o eucalipto para a sua feitura.

225


Fig. 128 – Vista de cima-

226


CapĂ­tulo 13

As Artes



As embarcações acima catalogadas e estudadas, embarcações singulares, únicas, geniais no desempenho para que eram destinadas, não teriam qualquer utilidade (no caso das actividades piscatórias), se em simultâneo não tivessem sido desenvolvidas artes (redes e outros) adaptadas à tipologia geográfica do meio líquido lagunar.

Artes são os diversos aparelhos de redame, executados, manualmente pelo próprio pescador, artefactos que, para serem eficientes, requerem imensos saberes fruto de experiência feita, para concepção, execução e utilização. Cada pescador-redeiro, tem sempre algo a emprestar aos aparelhos que tece. E embora parecendo iguais na tipologia, cada rede contém pequenos «nadas» que a individualizam, conferindo-lhe aptidão específica para laborar em determinadas condições. Há, assim, artes mais boieiras, outras mais para «fundo», outras mais leves, e ainda outras menos identificáveis pelos cardumes, etc., etc. Por isso na gíria piscatória, a todo o imenso cardápio de redames, foi dada o nome genérico: – As Artes.

É desde logo justo, salientar, o facto de vários tipos de Artes, terem sido daqui levadas e utilizadas em vários pontos do litoral. A intensidade e a diversidade de pesca, quer no interior lagunar, quer no litoral, na beira-mar, fez ganhar saberes vários, que terão sido daqui levados para utilização em outras zonas do país (caso típico dos

229


tresmalhos do sável e de outras espécies, que passaram ao Douro, ao Tejo e até ao Algarve).

Vejamos então, e tentemos, uma catalogação, classificação, e até esquemas gráficos que permitam uma melhor compreensão do que eram estas artes, suas dimensões (de um modo aproximado, já que cada «artista» introduzia na arte produzida, novos saberes resultantes de experiências anteriores). E façamos uma descrição simplificada do modo de utilização de cada uma, já que um grande número delas desapareceu, quer por decisão de normativas legais, quer por decisão do próprio pescador. Importa pois para memória futura, fazer uma abordagem tão pormenorizada quanto o afastamento no tempo, o permita. Para este trabalho de evolução, comparativo, utilizámos para lá da recolha intensa e continuada de informações de mestres redeiros, actuais e de outros

já retirados, informações, quer de inquéritos

efectuados por Francisco Regalla no trabalho: A Ria de Aveiro e As suas Indústrias, Imprensa Nacional, 1889 (Projecto de Regulamento); ou do Relatório sobre o Regulamento da Ria, de Dezembro de 1912, cujos autores foram: Dr. Augusto Nobre, Jaime Afreixo, capitão-defragata e José de Macedo, Primeiro-Tenente. Trabalho que esteve na base do 1º Regulamento de Pesca de 1912; ou ainda de Os Sistemas de Pesca da Ria de Aveiro, do capitão-tenente António Caires da Silva Braga, 1962, inserto no Boletim de Pesca nº74 e nº 75, Março e Junho,

230


1962; e finalmente, comparemos com o actual Regulamento de Pesca da Ria de Aveiro, inserto na Portaria nº 563/90 de 19 Julho, e posterior Portaria 575/2006 de 19 de Junho.

13 Artes: nomenclatura

As artes (umas que foram outras que ainda o são), utilizadas na Ria de Aveiro, podem resumir-se a cinco classes

13.1 Artes de arrastar

A esta classe pertencem o chinchorro, a mugeira, a chincha, a tarrafa, a garateia e a berbigoeira e ainda a mugiganga ( se, como veremos, a considerarmos uma arte).

13.2 Tresmalhos A esta classe pertencem as artes: da branqueira117, da solheira, da caçoeira e da camaroeira.

117

A designação de branqueira desapareceu do Regulamento de Pesca da Ria de Aveiro, pela portaria 563/2006 de 19 de Junho, passando a designar-se, tão só, por tresmalho de deriva. O nome de branqueira (legalmente) passou a ser associado à designação de agulheira. Mas na gíria, o nome de branqueira identifica a arte de tresmalho de deriva.

231


13.3 Cercos

Também conhecidos por parreira/salto/cerco.

13.4 Sedentárias

Pertencem a estas artes o botirão, o galricho, a camboa.

13.5 Aparelhos de mão

Pertencem a esta classe a linha, a fisga, a sertela, o espinhel e a bolsa

Nota importante

Na base destas artes está a malhagem do redame utilizado: malhagem que com os tempos veio sofrendo alteração por razões de regulamentação do esforço de pesca. Diferentes autores têm confundido, baralhando a malhagem de nó a nó, com malhagem como é verificada na fiscalização. Por exemplo: muito simplificadamente, poderíamos dizer que uma rede de malha de 0,08 m, nó a nó, terá cerca de 0,16 m, na distância entre vértices, na vertical. A verificação da malhagem é feita desde há longos anos, pelas autoridades, enfiando uma bitola (primeiro de madeira, depois de

232


alumínio) entre os cantos da malha (esticados com uma determinada pressão), na vertical.

Fig. 129 – Bitola manual118

Porque esta bitola manual levantava dúvidas, houve uma evolução para uma régua tipo paquímetro, que permitia regular melhor a pressão de esticamento, e desse modo efectuar uma leitura mais correcta.

118

O furo na parte inferior servia para pendurar um peso (2Kg) que era a força suportada pela malhagem sem deformação.

233


Fig. 130 – Bitola tipo «paquímetro»

Com a regulamentação da CEE, veio uma bitola electrónica, a OMEGA.

Fig. 131 – Bitola Omega 234


Esta permite introduzir o tipo de malhagem (regulamentado) a verificar

(em

três

escalões:

35mm,35-50,e

maior

que

50mm).Introduzem-se os apalpadores na malha. Esticada por deslocação da haste com a pressão adequada (ao tipo da malha introduzida), desse modo é feita a leitura da malhagem, no visor. São feitas várias medições. E no final obtida a média. Nota: Neste trabalho indicaremos a malhagem, tal como é controlada entre vértices, superior e inferior, esticada a malha. Quando o não for, indicaremos nos casos específicos, ser de nó a nó).

No passado utilizavam-se várias artes, que aqui deixamos registadas e descritas, preocupando-nos em dar uma ideia da sua evolução

13.1 Arrastos interiores

13.1.1 Chinchorro

Inicialmente o procedimento com a arte do chinchorro (no leito da ria, sem partir de terra) tinha como base, o fundear de uma bóia (ou vasculho) a que se fixava o reçoeiro, dando a bateira o lanço até vir regressar ao ponto de partida, alando então o redame para o seu interior. Também ( e mais recente) ,o lanço era dado por duas bateiras: uma ficava com o reçoeiro e a outra ia dar o cerco, regressando à

235


bateira mãe. Este procedimento derivou para outro (sempre sob o nome de mugiganga), em que as duas bateiras arrastavam a rede, em «parelha» (paralelas) .A determinada altura iam-se aproximando, até encostarem, para então passarem a mão da barca para a bateira mãe, e dela alarem a rede. Sempre utilizando as artes, tipo chinchorro ou chincha, na ria, e chinchorro no mar, com malha mais aberta e mangas mais altas. Isto, na gíria, chamava-se «andar na arte da mugiganga ou bugiganga». Quanto a nós, pelo que fica dito, mugiganga não é, pois, uma arte ( uma rede) mas um procedimento de pesca. A arte utilizada era, basicamente, o chinchorro,o modo de o utilizar com duas bateiras, em simultâneo, era : andar de (à) mugiganga. Assim as artes de arrasto que até ao Séc. XX (praticamente desaparecidas com o actual Regulamento de Pesca) era comum operarem, quer na ria, quer na borda do mar, dividiam-se pelos seguintes aparelhos:

A)

- no mar – mugeira, chinchorro (mugiganga ).

B)

–na ria –chincha, o chinchorro (mugiganga); e

excepcionalmente, nos poços profundos da mesma, a mugeira.

236


O actual RPRA119 descreve deste modo o aparelho do chinchorro

Descrição: rede envolvente lançada de bordo e alada para terra, constituída por um saco que se continua por duas asas terminadas pelos càlões, onde amarram os cabos de alar. Características (Regulamento actual): Comprimento máximo da cada asa - 25 m; Comprimento máximo do saco - 5 m; Malhagem mínima do saco – 0,020 mm.

Panda mestra

Fig. 132 – Chinchorro (nomenclatura ) 119

Regulamento de Pesca da Ria de Aveiro, de 19 de Julho de 1990 e posteriores alterações.

237


Este aparelho, no fundamental, é uma longa tira de rede, a cuja parte central (assinalada por uma cortiçada de maior dimensão, chamada de panda mestra), se vem coser o saco que tem o comprimento referido de 5 m (variável). Esta longa tira de rede que se inicia nos càlões (travessas de madeira onde vêm amarrar o reçoeiro e a mão da barca, para a alagem da rede), vai aumentando de altura até à zona de ligação ao saco, sendo executada com rede da mesma malhagem120. Na zona central, como referimos acima, existe uma panda

(pedaço

quadrangular de cortiça) de maior dimensão, que assinala a zona onde vai coser o saco. As asas (ou mangas) vão aumentando de altura do càlão para a zona onde se ligam ao saco. As asas, como referido, têm cerca de 25 m de comprimento. A abertura feita na rede que liga ao saco, é chamada de bocada, sendo reforçada por uma rede de fio mais forte para lhe dar melhor consistência no arrasto. Estes reforços tomam o nome de fisgas (os superiores e inferiores), e cópios (os laterais). Ao longo das asas corre o cordame onde antigamente se fixava a cortiçada121 (hoje os flutuadores de plástico) a fim de suspender a rede (cada tralhe – 3 a 4 cortiçadas).No cabo (corda) inferior eram fixados os pandulhos (antigamente malhas de barro cozido, com dois furos para fixação) hoje chumbadas (25 por tralhe), que servem para

120

Na arte xávega, as mangas dividem-se em várias secções, executadas em malhagem diferente. Ver nota anterior. 121 Também designadas pandas.

238


lastrar a rede (mergulhar a sua parte inferior para que encoste ao fundo).

Fig. 132 b) – Pandulhos O saco vai adelgaçando progressivamente da boca para a cuada122 por arte na execução (apondo ou eliminando malhas).Nunca por corte das malhas.

Em termos gerais podemos indicar para valores aproximados de dimensão desta arte em tempos anteriores:

122

Zona terminal do saco executada em malha muito fechada (mínimo 0,018 m). Para fugir ao Regulamento podem ser montadas cuadas falsas (malha mais apertada ou até pano), que se retiram rapidamente em caso de fiscalização.

239


ARTE DO CHINCHORRO

Comprimento manga - 25/30 m Altura manga junto à bocada - +/- 3 m Altura da manga no càlão - 0,60 m Altura manga na bocada - 6 m Comprimento. Saco - 4/5 m Reçoeiro - 90 m Mão da barca - 140 m Càlões - 0,70 m Malha mínima saco - 0,018/0,020 m; nos claros, a malhagem pode ser um pouco mais aberta.

Esta arte pode ser utilizada: a)

– ou dando o lanço de terra, colhendo para terra:

Neste tipo de lanço, um (ou dois) camaradas ficavam na praia aguentando

o

reçoeiro.

A

bateira

inicia

o

cerco,

saindo

perpendicularmente à praia, até largar o saco. E depois termina o cerco, navegando a favor da corrente até abicar na praia. A companha distribui-se pelos cabos de alar. O pessoal que fica no reçoeiro vai fazendo uma progressiva aproximação à mão da barca, deixando descair a rede. Quando chegados aos càlões, há camaradas que passam

240


para o interior, e começam a puxar pela chumbada para que esta se mantenha junto ao fundo. Por outro lado, camaradas levantam o cimo da cortiçada para evitar que as tainhas se escapem.

Fig. 133 - Alando o chinchorro à mão.

Fig. 134 – Alando pelas mangas ou asas. 241


b ) - ou da bateira, colhendo para a bateira(como atrás já referido) Neste caso a rede era presa ao vasculho (ver plano 3D) chancado123 pelo cabo do reçoeiro, e era, então, iniciado o lanço. Contra a corrente ia-se largando, o cabo (reçoeiro) e redame, até chegar ao saco. Aqui chegada, a bateira passava a navegar a favor da corrente, até junto do vasculho, que mete dentro. É lançado então o ferro (fateixa), que se ligava a dois cabos: um à proa e o outro à popa, para assim atravessar a bateira à corrente, alando-se então a rede pelo reçoeiro e mão da barca, até meter o saco. A arte do chinchorro diferia da arte da mugeira (antigamente muito usada na ria como arte varredoura), não pela forma, mas pela dimensão e malhagem. E consequente, dimensão global e peso. Sendo artes menores (chincha, chinchorro e mugeira), a malhagem destas difere, sendo a menor na arte da chincha (e por isso já proibida). A arte do chinchorro quando colhida para a bateira, poderia ser manobrada por duas bateiras. Uma, a maior, normalmente uma chinchorra grande (8/9 m), auxiliada por uma caçadeira (6/7 m).

123

Espetado no fundo.

242


Fig. 134 - Chinchorra e caçadeira Esta forma de pescar, quando praticada por duas embarcações, tomava o nome de mugiganga (como atrás referido). Neste procedimento (duas bateiras), a bateira chinchorra é fundeada paralelamente à margem. E quem vai dar o cerco é a bateira pequena (caçadeira), que entrega à bateira mãe, o chicote da mão da barca, findo o cerco. E a rede é alada para a bateira grande (chinchorra), com os camaradas situados à proa e à ré. Entretanto, a bateira pequena vai colocar-se por fora e levanta a rede acima da linha de água para evitar que o peixe escape. Por facilidade e dada a dimensão desta arte, ela era muito utilizada nos períodos de água parada, e de preferência de noite. Pois quanto mais as águas fossem escuras, melhor seria o rendimento da pesca. A arte do chinchorro exercia-se, praticamente, todo o ano, à excepção da época do defeso que ia de Julho a Outubro. Cada lanço com o

243


chinchorro demorava cerca de um quarto de hora, e as marés permitiam trabalhar durante 8 horas, e até mais. Esta arte foi, durante largos tempos, a mais difundida na Laguna, sendo especialmente vocacionada para a apanha da enguia124, espécie de grande valor comercial. A Murtosa era o mercado da enguia por excelência. Mas a arte do chinchorro era, para além disso, especialmente apta para a captura do robalo, tainhas, solha e linguado, e outras espécies. Cada talho do chinchorro leva 3 a 4 cortiças, e 25 pandulhos (1962). O cabo do reçoeiro tinha em norma 90 m e a mão da barca, 140 m. Cada companha do chinchorro embarcava 6 (seis) a 7 (sete) camaradas. No procedimento da mugiganga, o número de camaradas utilizados, é de 6 (seis) na bateira grande, e 2 (dois) na bateira pequena. Os quinhões do produto da pesca eram assim divididos:

124

Sendo a enguia uma espécie que tem vindo a rarear, a Capitania do Porto de Aveiro, tem neste caso ,excepcionalmente, permitido a troca de licenças, de chinchorro ,por tresmalhos de deriva. Cada bateira é construída para um tipo de arte, e não são permitidas trocas de licença. Ainda, actualmente, cada licença caduca, se o valor de venda anual declarado, for inferior a aprox. 5,200 €.

244


QUINHÕES

Cada pescador recebia um quinhão; cada rapaz 1/4 de quinhão. O dono da embarcação recebia conforme a qualidade do barco e do aparelho: Salto e solheira - 1 quinhão Botirão - 1,25 q Arte (Chincha ou chinchorro) - 5 q Tarrafa - 3 q Mugeira - 5 q O Arrais : mais um quinhão e meio

Actualmente, pelo RPRA, o arrasto, o chinchorro, continua autorizado (para as licenças existentes) apenas para a apanha da enguia (muito usual no canal de Ovar).

245


MAPA EVOLUTIVO DA ARTE DO CHINCHORRO

H (m)

L(m)

saco (m)

ano

MALHA

Comprimento

no Càlão

Saco

Altura Bocada

2 a 2,5

1889

1912

(0,50 no

40/45

càlão)

(total)

6

33

(0,5 a 0,7)

1 manga

_

0,020125

0,020

0,020126

0,020

4

6

25

1959

3

(1

(0,6)

manga)

0,020

0,020

4,9

1,20 x 1,20

25 (1

1990

manga)

5

0,020

0,02

Nota: A mugiganga praticada no mar utilizava uma rede, como dissemos, tipo chinchorro, com as mangas muito variáveis em comprimento e com malhagens. Que iam aumentando dos càlões para a bocada, podendo o saco também aumentar,o seu comprimento, para lá dos 5 metros. A malhagem do saco não diferia da malhagem utilizada na ria. Uma adaptação específica residia em utilizar 125 126

A malhagem nos claros podia ser um pouco mais aberta. Idem

246


pandulhos de maior dimensão, para que a rede fosse mais ao fundo, muito embora se aumentasse a cortiçada, melhorando a sua abertura.

13.1.2 Mugeira ou Murgeira

A arte da mugeira era muito semelhante, no conceito e forma, como referimos, à arte do chinchorro. Essencialmente diferia nas dimensões. Houve a mugeira do mar e a mugeira da ria.

13.1.2.1 mugeira da ria ( só para cales muito profundas)

Comprimento das mangas - 35 /40/50 m (cada) Altura da manga junto ao calão - 1,00 m Altura da manga na bocada - 8/12 m Comprimento do saco - entre 04,00 e 09,00 m Malha (variável) - 0,020m (nos claros pode ser maior)

13.1.2.2 mugeira do mar

Comprimento mangas - 100 a 120 m Comprimento saco - 4/8 m Bocada - 8 a 9 m

247


A parte final do saco é terminada em rede de malha muito apertada, chamada cuada, sucedendo, ainda que ilegalmente, ser colocado um pano no seu interior para não deixar escapar o peixe miúdo. A malhagem do redame era de todo uniforme, sendo a mínima, na cuada, de 0,012 a 0,018 m.

13.1.2.3 Método de trabalho

A mugeira é uma arte de arrasto em tudo semelhante ao chinchorro. Apenas de maiores dimensões. A mugeira podia trabalhar para terra, e aqui usava-se uma única bateira que rompia o mar (com uma tripulação de 6 a 8 camaradas). Largava a rede, que depois era alada para terra, a braço, pela companha que ia seguindo pela praia com o reçoeiro. O desenrolar do lanço podia ser auxiliado por mais duas ou três embarcações, cuja função era a de levantar (aliviar) as mangas para evitar a fuga do peixe. Muito utilizada para a apanha do robalo127, logo após o quebramar.

A mugeira podia trabalhar todo o ano, à excepção do defeso. Mas como na arte do chinchorro, o melhor período era o de Julho a Setembro. 127

Nesta pesca a arte apanhava o nome de robaleira.

248


13.1.3 Tarrafa128

Esta arte, já desaparecida, era na prática idêntica à mugeira, só que executada em fio mais fino, para a tornar mais leve.Utilizada especialmente para a captura de sardinha, que anda a pequena profundidade, era, em verdade, uma arte varredoura de superfície.

Fig. 135 –Tarrafa – Gravura de Baldaque da Silva Era operada por duas bateiras, em formação, tipo parelha. Uma transportava o peixe, a outra a arte (rede). Esta arte foi muito utilizada pelas ílhavas laborando na embocadura do Tejo, para onde se tinham deslocado, como referido acima, no Capítulo IV.

128

Também foi apelidada de tarrafa, uma arte circular, de lançamento individual, orlada em toda a volta por uma tralha de chumbos, que fechava ao cair na água, após o seu lançamento.

249


TARRAFA – Dimensões (como nas anteriores muito variáveis)

Comprimento manga - 35 m (cada) Comprimento saco - 6 m Altura na bocada - 4,5m Altura no calão - 3/4m Malhagem - Começava 0,03/0,040 m nos claros, e acaba em 0,018 m na cuada.

Nota: Inicialmente esta arte não teria saco (redes de aljava)

Tarrafa (evolução)

( em

ALTURA

COMPRIMENTO

MALHA

metros)

Comprimento m

(m)

(m)

Manga

Saco

-

-

Saco

3a4

65 a 70

( 0,5 no càlão) )

(entre extremos)

4,5

35

(na bocada 9

( cada manga )

0,015

0,004

1959

_

_

_

_

_

1990

_

_

_

_

_

1889

_

1912

250

6


13.1.4 Chincha

Tal como referimos acima, esta arte envolvente, de arrasto, era em tudo semelhante ao chinchorro, só que de muito menor dimensão e malhagem. Adequada para ser manobrada na ria por pequenas companhas.

Fig.136 – Chincha129

As suas características eram:

129

Regalla, Francisco Fonseca, «A Ria de Aveiro e as Suas Indústrias»,1889.

251


CHINCHA Comprimento manga - 15 a 17, 5 m Altura da manga junto ao calão - 0,50 m Altura da manga junto à bocada - 1,5 m a 2,50 m Comprimento saco - 2,00 m Malha - uniforme.- 0,02 m Malha saco - malha 0,010 a 0,017 m

As chinchas tinham dimensões muito variáveis, conforme o fim a que se destinassem, podendo o comprimento da manga descer até aos 3,00 m, e o saco a 1,00 m (para espécies menores ou caranguejo). Esta arte era manobrada com bateiras tipo caçadeira, com características (aproximadas): comprimento, 6 m, boca 1,43 m, e pontal 0,35 m. Podiam trabalhar para terra, ou de mugiganga. Ou ainda de um modo muito singular, com a embarcação atravessada à corrente. Os cabos do reçoeiro e da mão da barca eram fixados à proa e a popa. E a bateira era manobrada apenas por dois camaradas, à proa e popa, sempre atravessada, até ser recolhida a sacada.

Com a chincha, na ria, podiam ser capturadas pequenas espécies: robalo, solha, linguado, enguias, choco e outras. A chincha, quando especialmente adaptada para a apanha do caranguejo, tinha o seu melhor período de Abril a Outubro.

252


Esta arte actualmente (como todos os arrastos, à excepção do chinchorro130), já não é permitida. 131

13.1.5 Chincha da galeota

Trata-se um aparelho envolvente, tipo chincha, especialmente adaptado para a apanha da «galeota», uma espécie de recém-nascido «camarão-bruxo». De muito pequenas dimensões (tipo angulas), a rede tem a particularidade de coser na parte central um pano tipo mosquiteiro, franzido, (muito) folgado, que substitui o saco da chincha.

Fig. 137 – Chincha da galeota 130 131

Como referimos com clara tendência a desaparecer. Retirada pela Portaria nº583 de 19 de julho,1ª série-B – nº 165, pp. 3019-3021.

253


A rede pode atingir os 42 m, com malha de 0,018 /0,020 m

132

,eo

pano mosquiteiro um comprimento de cerca 2 m. O lanço é dado por uma pequena bateira caçadeira. Um camarada fica em terra com o càlão, enquanto a bateira se faz ao largo, largando o redame. Largada a zona central (pano), retorna a terra. E a rede será alada até ao pano Este é levantado, e as pequenas larvas do lingueirão vão depositar-se no fundo do mesmo, impedidas da fuga pelo pano. A galeota é uma espécie que aparece durante um período muito curto (mês de Março).Que é muito apreciada e paga, por isso, a valores muito elevados. Dado ser novidade. Mas e também, pelo sabor, quer cozinhada como caldeirada, quer com ela confeccionados uns «bolos» farináceos (tipo patanisca) de requintado paladar. Esta espécie costuma ser vendida, de porta em porta, apregoando a peixeira: «galeota!!!». Cada ração é medida, unindo o polegar ao indicador (formando um circulo) com o dedo intermédio por debaixo, limitandoo. Uma pequena porção é paga a peso de ouro.133 13.1.6 Garateia134

Tratava-se de uma arte envolvente (cerco) de arrasto para terra, trabalhando aboiada. Muito pouco utilizada. Actualmente já não é compreendida no Regulamento de Pesca da Ria de Aveiro135. 132

Medida da malha nó a nó. O preço por Kg desta espécie atinge o valor mais alto de todas as espécies. 134 Já não incluída no actual Regulamento. 133

254


A rede era constituída por uma longa tira fixada a varas, que permitem o seu arrasto para terra. Ao centro tem um pequeno saco (sacadoiro) onde se deposita o peixe. Por vezes junto à parte inferior tem uma tira de fio mais grosso (0,015 m), que serve de reforço, e se designa repé.

GARATEIA

Comprimento - cerca 110 m (variável) Altura pano - 3,50m Malhagem - igual em toda a arte 0,018/0,02m Cortiçada na parte superior Chumbada na inferior

Esta arte era especialmente vocacionada para pescar nos cabeços que a maré- baixa punha a descoberto. A bateira utilizada (caçadeira ou labrega) aproximava-se de terra, para onde saltavam três tripulantes. Dois iam para a coroa com o reçoeiro, e o outro ficava na borda da ria a levantar a rede. A bateira ia com o resto da tripulação dar o cerco. De tanto em tanto pano, largado, saltava para a água um camarada cuja função era levantar a

135

Portaria nº 583 de 19 de Julho, Diário da República, 1ªsérie-nº 165, pp. 30193021.

255


rede para impedir o peixe de se escapar. Dado o lanço, a rede era recolhida para seco. A melhor época era de Junho a Setembro, mas por vezes de noite e no inverno, a pesca era rendosa. Especialmente apta para a captura de robalo, solha, linguado, enguia e tainha. Nestas companhas eram utilizados 8 a 10 camaradas.

TABELA COMPARATIVA (em metros)

Tabela Comparativa das Artes de Arrasto Arte

Comp.

Saco Bocada

Altura da Manga Junto Càlão Junto Bocada

Malhas ( nó a nó) Claro

Cuada

Chinchorro

25/30

4/5

1,20

0,6

3

0,02

0,02

Mugeira Ria

35/40

3/6

8/9

1

8/12

0,02/0,30

0,02

Mugeira Mar 100/120

8

9/10

1

6

Tarrafa

35

6

4,5

0,6

4,5

17,50

2,50

(3)

(1)

Chincha

0,02/0,30 0,012/0,018 0,03

0,018 0,01a

1,6/2

0,4

2,8

0,02

0,016

13.1.7 Berbigoeira

Trata-se de uma arte manuseada pelo pescador, quer dentro da embarcação, quer a pé, nas zonas arenosas das coroas lagunares.

256


Especialmente apropriada para a apanha do berbigão – na gíria lagunar conhecido por crico – e ou amêijoa, perde-se nos tempos. O que se sabe é que a intensidade da apanha deste bivalve, muito procurado e consumido, nos finais do Séc. XIX, e início do Séc. XX, levou a que fosse criada, como acima descrevemos, uma embarcação mais apropriada para o exercício da apanha: de bivalves, especialmente no canal junto da barra. (ver Capítulo VIII Berbigoeira). Esta arte consiste basicamente no manuseio do ancinho (cabrita) conforme imagem abaixo.

Fig.138 –Cabrita

257


Essencialmente esta arte (cujas dimensões diferia, caso fosse utlizada na berbigoeira, da usada nas pequenas bateiras) consiste numa barra de aço com cerca de 1,00 m de comprimento por 0,30 m de largura, onde se inserem cerca de 20 (máximo 48) dentes metálicos com cerca de 0,10 m de comprimento.

Dos extremos desta barra dentada sai um arco com raio variável, mas perto de 0,30 m até ao máximo de 0,50 m. Na barra, é inserido um copo colocado em posição oposta aos dentes, onde vem entrar a haste da cabrita que é amarrada ao aro pelo lado da frente. O saco para onde caem os bivalves, denominado coifa, prende ao aro e à barra. Tem um comprimento variável (máximo 1,5 m) e termina em cone; ou é truncado, tendo na extremidade cerca de 0,40 m. A malhagem, o actual RPRA, fixa-a em 0,035 m.

A vara do ancinho manuseado à mão (chamado cabrita), é de madeira e não tem nenhum cabo de alar fixo ao aro. Já na utilizada na bateira berbigoeira, existia um cabo que servia para ajudar a levantar a arte, e meter dentro o ancinho. Para lá das bateiras próprias – berbigoeiras136 – já desaparecidas, ainda hoje a apanha é feita de bordo das bateiras (caçadeiras e ou chatas).

136

Ver Capítulo VIII.

258


Fig. 139 – Cabritando na embarcação

Ou a pé, lavrando nas coroas postas a descoberto pela maré-baixa.

Fig. 140 – Cabritando a pé Desde tempos que remontam á juventude lagunar , a apanha de bivalves foi uma actividade, particularmente interessante e bem 259


compensatória, pois que a riqueza e a capacidade regenerativa da laguna, na criação de berbigão, ameijoa, lingueirão do canudo (navalhas ou calharoses),bem como mexilhão (este nas zonas vizinhas da foz), parecem inesgotáveis. Registamos no mapa, abaixo, as quantidades e valores registados, em 2012 e 2013,devendo relevar-se ser presumível que estas quantidades, registadas em lota (pagando o seu imposto), correspondam, apenas, a cerca de 60% dos valores que se presumem, de facto, serem recolhidos ,anualmente.A restante parte passa nas malhas dos registos oficiais.

Fig. 141 – Mapas de registo de bivalves declarados em lota137

137

Estes elementos foram-nos gentilmente cedidos pelo Sr.Eng. Barroca, da DRAPC (Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro).

260


Em resumo: foi declarado, em 2012,o valor de 1.646.000,00 (um milhão e seiscentos mil euros).E em 2013,2.093.000.00 (dois milhões e noventa e três mil euros),algo de impressionante, se considerarmos eu este valor é apenas uma parte. Pesca Apeada –Nº Licenciados ANO Comunidade

2009

2010

2011

2012

2013

Murtosa

49

70

72

75

75

Torreira

58

67

54

45

51

Outras

82

89

126

66

77

TOTAL

189

226

252

186

203

Nota sobre moluscicultura

Na laguna foi já em tempo não muito remoto (primeiras décadas de 1.900,tentada a produção em larga escala da ostra. Hoje, e com novas metodologias, a laguna funciona, em zonas reservadas, como que um berçário da da moluscicultura. A ostra é colocada em miúda, em sacos, pousados em armações (mesas) metálicas, e aqui faz o seu crescimento rápido (?), antes de ser exportada, para França e Espanha.

261


Na ria existem 24 estabelecimentos de 8000m2,cada, e 32 estabelecimentos de 2000 m2 cada, reservados à criação da ostra. Nos de 8000 m2 ,cada um explora

1000 mesas sobre as quais são

colocadas 6.000 sacos de ostras.O tempo de crescimento é de 2 anos, pelo que a capacidade produtiva se poderá avaliar em 30 Ton/ano cada viveiro de 8.000m2.Em 2010 foi registada na ria uma produção de 270 Ton de ostras, e em 20011,340 Ton..

13.2 Tresmalhos usados na Laguna

Essencialmente utilizaram-se, e ainda se utilizam, as seguintes «artes de tresmalho»138 :

13.2.1 Branqueira (tresmalho de deriva)

13.2.2 Solheira (tresmalho de fundo)

13.2.3 Singeleira/Camaroeira Vejamos: 13.2.1 Branqueira 139 – (tresmalho de deriva)

138

Tresmalho – cada ração é constituída por três panos de rede: duas albitanas e o pano do miúdo. 139 No mar, é utilizado o tresmalho de fundo.

262


Tresmalho de deriva140 (flutuante) foi especialmente concebido para a captura do robalo e tainha, mas depois utilizado para muitos fins: sável, lampreia etc., etc. Foi uma das artes que mais se utilizou, e utiliza (e se exportou para outras bandas), essencialmente um tresmalho (duas albitanas e um pano central) que pesca à deriva. Ao longo dos tempos e com os conhecimentos que se foram adquirindo, esta arte foi-se adaptando às espécies que se pretendiam apanhar. E por isso foi sofrendo evoluções, especialmente na malhagem. Mas e também, fazendo umas artes mais boieiras, e outras mais de meia água, intervindo para isso, quer na quantidade de bóias colocadas no cabo da tralha superior, quer no peso (chumbo ou pandulhos) colocados no cabo da tralha inferior. E na grossura do fio.

Fig. 142 – Branqueira141 140

A malhagem mínima, no miúdo, é 0,04 m.

263


Fig. 143 – Tresmalho onde pode ser apreciada a malha (larga) das albitanas, e a meio, a do pano (fino)

E assim o tresmalho de deriva passou a ter várias designações, identificado com o nome da espécie, a que é especialmente destinado : seja, a lampreia (lampreieira), o sável (saveira), ou tão simplesmente robalo, tainha ou choco142.

141

Regalla, Augusto Fonseca, «A Ria de Aveiro e As Suas Indústrias», Lisboal,1889. 142 No choco, e no canal de Mira, utiliza-se o tresmalho de fundo.

264


No fundamental trata-se de um tresmalho em forma rectangular com altura variável chegando aos 2,00 m143

144

de altura.

Arma

atravessado à corrente, largando à deriva, ligado por um lado à bateira que se deixa arrolar, e apenas o vai esticando, para o manter vertical. Antigamente, quando era o pescador a fazer a sua própria rede145, utilizavam-se panos de fio de algodão branco, de 18,5 m. Cada ração era constituída por 5 panos. Poderiam ser utilizadas 4/5 rações. Actualmente, cada ração146 é constituída por dois panos de 50 m. 147. A rede toda estendida podia, assim, chegar perto de 300/400 m. Hoje chega a estender-se, ainda que ilegalmente, por 600 m.

No cabo da tralha superior tem bóias, enquanto no inferior tem chumbos148 (ou fio de chumbo) para se manter vertical. Sendo esta rede boieira (pretende-se que aflore à superfície de água), ao contrário da solheira (tresmalho de fundo), que tem de encostar bem ao fundo, para apanha do peixe chato. Antigamente no cabo inferior tinha pandulhos, hoje substituídos por chumbos.

143

As dimensões deste tipo de tresmalho variam de acordo com a finalidade para a qual é feito. 144 Regalla, Francisco, no Projecto de Regulamento, já citado, 1889, na p. 43, chega a falar em alturas da arte de 5.00 m. 145 Actualmente os panos de rede são comprados (fio nylon) com a malhagem pretendida. A rede é depois armada pelo pescador. 146 Os pescadores pronunciam reções e até roções. 147 Em 1889, referiam-se panos de 30 a 50 m. 148 Antigamente, eram malhas de barro, chamadas pandulhos.

265


A malhagem varia conforme a espécie, que se pretende capturar.

No choco, robalo - Pano fino

malha

0,10…0,11… até 0,15 m Albitana

malha 0,35 a 0,40 m

Lampreia - Pano fino Albitana

malha 0,40 m

Sável - Pano fino Albitana

malha 0,07 m

malha 0,12 m

malha 0,40 m

Na rede observada, a altura das albitanas149 era de 1,75 m e no pano 2,20 m, fora de água. Mas encontrámos uma branqueira, para o sável, com 10 m de altura (malha albitana 0,800 m, malha pano fino 0,128 m).

Descrição da rede:

Tralha superior:

Cabo tresmalho - diâmetro 6 Bóias - 43 de diâmetro 54 150 Fio do entralhe - 210/ 24

149 150

Muito variável, de 1,70 a 5 m; regulamentarmente, 2,00 m. As bóias variam: na deriva: um entralhe com bóia, dois sem nada.

266


Entralhes151 - 4/6/8 cada (variável conforme a malha da albitana152)

Tralha inferior:

Cabo tresmalho - diâmetro 6 Lastros - 100 Fio do entralhe - 210/ 24 Entralhes - 4/6/8 malhas (variável conforme a malha da albitana)

151

O comprimento da zona de entralhes (muro) é a metade da malha da albitana esticada. Mas o redeiro também utiliza para esta distância outra referência: ela é igual ao número de malhas entralhadas pela dimensão da, a dividir por dois. Ex: um entralhe a 5 de malha 0,09 m é igual a 0,225 m. O redeiro dá mais cerca de um centímetro que esta medida. 152 No tresmalho que analisámos, para a lampreia, entralhava, «a oito» em cima, e «a seis» em baixo. Malha de 0,40 m, na albitana. Tinha 4 malhas de altura (cerca de 1,60 m).

267


Fig. 144 – Entralhe a oito (e muro) Nota: Os panos destas redes, no passado, quando feitas de fio, nunca eram encascados153 com o fim de não serem detectadas pelo peixe. Para possibilitar a rede de trabalhar a diferentes profundidades, as cortiças (bóias), são fáceis de colocar ou retirar. Esta arte é hoje muito usada para a apanha da lampreia no canal de Ovar. E como referido utiliza-se este tipo de rede, de deriva, também para a apanha do sável. Apenas se ajusta a malhagem: no pano, 0,12 m; e nas albitanas, 0,40/0,50 m. Cada ração tem dois panos de 50 m, e pode utilizar até 4 rações. 153

Tratamento dado à rede, mergulhando-a num panelão onde fervia água com casca de acácia, salgueiro, etc., que ia proteger a rede, tornando-a mais resistente e duradoura. Tinha o inconveniente de lhe dar uma cor de vinho.

268


Trata-se de uma rede com pouco lastro inferior, e bastantes bóias, para que derive à superfície. Neste caso toma o nome de savara, trabalhando de Janeiro a Março, e só pesca durante a noite. As águas turvas beneficiam a sua produtividade. A rede para o sável é a de maior malhagem que se utiliza na ria. Segundo o Regulamento actual, o tresmalho de deriva deve obedecer a: Comprimento máximo – 300 m Altura máxima da rede – 2 m Malhagem mínima no miúdo – 0,07 m Nº máximo de redes a bordo - 1 Branqueira

(evolução) ALTURA

nº PANOS COMP.PANOS m

m

MALHA MIUDA MALHA m

ALBITANA m

(ria)

(mar)

1889

3a5

5

30 a 50

0,060

0,20

1912

1,5

5

18,5

0,050

0,30

1959

2,60

5

21

0,06

0,30

1990

2,00

2

50

0,07

0,40/ 0,50

2001

10

-

10 de 50

0,100

-

269


Nota imp: Hoje, o tresmalho de deriva é, praticamente, apenas utilizado, na ria154 .No mar só na boca da barra. E aqui obedece ao regulamento criado pela Portaria n386/2001 de 14 de Abril de 2001,que especifica

Comprimento da caçada - máx. 500m Altura rede - 10m Malha no fino - 0,100m

13.2.2 Solheira (Tresmalho de fundo)

Uma outra rede de tresmalho, só que desta vez, fixa ao fundo. Muito utilizada na ria (choco, solha, robalo), e no mar: robalo, solha, choco e sável. De forma rectangular, a solheira é fixada (na ria) por varas, ou por ferros de fundear (no mar), ao fundo. A sua altura na ria, actualmente, está limitada aos 0,75 m. No

mar

,a

portaria

que

regulamenta

a

zona

litoral

de

Aveiro(port.386/2001 de 14 de Abril 2001) fixa a malhagem mínima do miúdo em 0,100m e a altura da rede em 10m.O comprimento da caçada ,depende do tamanho da embarcação

154

No canal de Ovar, mais propriamente.

270


(comp,)

(altura)

Até 9 m e convés aberto

2.500m

10

Mais 9 m, convés fechada

3.500 m

10

No passado cada ração era constituída por 4 panos de 18,5 m. Actualmente cada ração tem dois panos de 50 m e pode armar (caçada) até 400 m. A altura na ria é de 0,70 m; no mar pode chegar aos 10 m ,como referido. Esta arte é mais carregada de chumbo (ou pandulhos, antigamente), para melhor se adaptar ao fundo, e tem menos flutuadores155 que a anterior (branqueira). A malha miúda variou ao longo do tempo. Desde 0,080 m no fino e 0,30 m na albitana, a 0,08/0,10 m no pano e 0,40 m na albitana (é o caso da solheira para o choco). Especial para peixes chatos (solhas e linguados), tem de se manter por meio de varas (ou ferros de fundear) espetadas ao fundo. Utiliza-se para outras diferentes espécies, como por exemplo, o choco, e outras. O comprimento total da rede (caçada) a lançar, na ria, depende do espaço entre embarcações, podendo atingir os 400 m, se toda colocada. O total de panos (caçada), por vezes chega a atingir, ilegalmente, os 2,500 m. Nota importante: Actualmente no mar apenas se utilizam tresmalhos de fundo (semelhantes no conceito à solheira da ria). Contudo, os 155

O nº de flutuadores varia: «quatro sem nenhum, a sete sem nenhum»

271


tresmalhos são fundeados por pesados ferros, no início e fim (dois a cada extremidade).

Método de aplicação A solheira (na ria) pode trabalhar à pica156 ou de jazer:

A pica consistia em fixar a rede (uma só ração), em duas varas perto da margem. A bateira (uma caçadeira) fica entre a margem e a rede. Os pescadores (homem e moço) batiam com as varas na água, para o peixe se emalhar na rede.

Fig. 145 – Solheira à pica. O pescador bate na água. Costa Nova, 1985 156

De este tipo de pesca, á pica, recordamo-nos, na segunda metade do Séc.XX.

272


No jazer aplicam-se muito mais rações que são fixadas por varas. No mar, o tresmalho é fixado ao fundo por ferros de ancorar, ligados a bóias à superfície.

Outras características:

Tralha Superior:

Cabo tralha(cima) - diâmetro 5 Bóias - 45 /de diâmetro 54) Fio de entralhe superior - 210/12 Entralhes - 3 (variável) Distância entre nós - 0,117 m

Tralha inferior

Cabo tralha superior - .diâmetro 5 Lastros - 225 Fio entralhe inferior - 210/1 Entralhes - 3 (variável) Distância entre entralhes - 0,125 m

Nota: o entralhe inferior pode ser feito directamente no fio de chumbo,para não permitir a fuga do peixe de fundo.

273


Solheira ria

(em

(evolução)

metros) H

comp. Pano nº Pano M

(m)

miúdo

Albitana

1889

_

_

_

_

_

1912

0,60

4 x18

+/-300

0,07

0,25

1,60

5 a 10

60 a 100

0,080

0,30)

1990

0,70

8

8 x 50

0,080

0,30/ 0,40

2001

10m

-

50/70 de 50

0,100

1959

(mar)

Malhas do Malhas de

13.2.3 Singeleira (Camaroeira)

O termo singeleira significa que é um tresmalho sem albitanas, só constituído pelo pano. Especialmente utlizado para o camarão-bruxo (ou peixe rei), espécie piscícola muito solicitada no Séc. XIX. Que se juntava ao caranguejo (pilado), para fazer o escasso. Este, «semeado» sobre os terrenos de pão, era um óptimo fertilizante. Mas a arte apanha outras espécies, como por exemplo o robalo.

No fundamental era um pano com cerca de 18,5 m de comprimento, e com 0,60 m de altura, com malha de 0,07 m157. Podiam ligar-se 6/7, ou (até) 12 panos, a uma embarcação que ia à deriva, esticando a arte, ao sabor da corrente. Era feito de fio de algodão e não era encascado, 157

O actual Regulamento refere malha mínima de 0,060 m.

274


para não ser detectado pelo peixe. As rações eram ligadas por nós muito simples. Esta rede toda colocada pode superar os 360 m.

A caçada pode ir até sete panos, embora não esteja consignada no RPRA. Pela Portaria nº583/90 de 19 Julho, 1ª série, nº165, pp. 3019-3021, foi retirada do RPRA.

13.2.3.1 A manobra consistia:

Lançava-se à água uma bóia (cabeceiro), ao qual se prende a rede por uma retenida chamada cadoiro. O cadoiro tem longo comprimento (50 m) para deixar circular as restantes embarcações. Largado este, a rede começava a ser lançada perpendicularmente à margem. Colocada, ela irá arrolar com a corrente. A embarcação segue-a, esticando-a para a manter vertical.

Trabalhava apenas de noite especialmente de Janeiro a Junho.

275


Singeleira /Camaroeira (m) H (m)

Comprimento

Malha

Comprimento

Pano (m)

Nó a nó

Total

1889 1912

0,70

31

0,024

-

1959

0,80

32

0,014

400

1990

0,60

45m_

0,060_

7 X 45m_

13.3 Salto (Parreira ou Peixeira)

É talvez a arte mais singular, engenhosa, e simultaneamente mais estranha, que operou na Laguna.

Há referências de ter sido criada por pescadores de Esgueira, em meados do Séc. XIX. Tendo sido logo adoptada pelos murtoseiros, que fizeram da referida arte um símbolo identitário.

276


Essencialmente, o salto

158

é constituído por uma cortina de rede de

tresmalho (cerco) tipo singeleira (sem albitanas) que é disposta como se fosse o início de espiral. Esta parte da rede, guarnecida de chumbadas e bóias, é dividida em rações, (6) tendo cada ração três panos, estendendo-se por cerca de 460 m. A parte da rede contrária ao primeiro arinque chama-se rabeira. O cerco da manta é fixado por várias estacas que a mantêm em forma de caracol. Cada porção desta rede é designada por adague. Há cinco adagues. Os adagues prologam-se até final pelos arinques (que não têm parreira), sendo apenas redes de tresmalho (fixas) na vertical. As varas interiores fixam a manta (tresmalhe). Outras varas mais altas, exteriores, fixam a ponta da parreira. A outra ponta desta vem fixar-se à vara da manta, pelo que a parreira forma uma «aba tipo chapéu». A porção de rede, entre a primeira e a segunda vara, e entre esta e a terceira (que fazem parte do curral) não têm parreira (são os arinques).

158

Referências segundo Braga, António Caires da Silva, «Sistemas de Pesca da Ria de Aveiro», Boletim de Pesca nº 74, 1962.

277


Fig. 146 – Cerco, salto159 ou parreira Há cinco adagues com os comprimentos: 160

Fig. 147 – Projecção horizontal do salto 159

Nobre, Augusto, Afreixo, Jaime e Macedo, José de «A Ria de Aveiro. Relatório Oficial do Regulamento da Ria», de 28 Dez de 1912. Imprensa Nacional, Lisboa, 1915. 160 Consultar Braga, António Caires da Silva, «Boletim de Pesca», nº 74, 1962, p.33 e segs. Nobre, Augusto, Afreixo, Jaime e Macedo, José de, Regulamento da Ria já citado, 1915 e Regalla, Francisco, projecto de regulamento já citado, 1889.

278


1º arinque - 3,80 m 2º arinque - 3,00 m 1º adague - 4,20 m 2º adague - 3,60 m 3º adague - 3,60 m 4º adague - 3,60 m 5º adague - 4,20 m Singeleira (ou curraleira) - 40 m Cerco (rede) - 463 m Altura singeleira - 2,50 m Altura da manta - 2,00 m Altura varas - 3 a 4 m

Malhagem (nó a nó)

Cerco - 0,017 a 0,020 m Singeleira - 0,025 m

Manta Malha fino - 0,02 m(nó a nó) Malha albitana - 0,18 m

Curraleira - 0,028 m

279


Albitanas - 0,18 m Cerco rede - 0,017 a 0,020m Comprimento panos cerco(1º) - 24mx1,5m Restantes - 20m x1,5 m Parreira - 20mx1,50m

Nota. A malhagem é mais aberta para o lado da rabeira, e vai diminuindo para o lado do curral. Tresmalhes161

Parreira Malha fino: 0,04 m (nó a nó) Malha Albitana

0,20 m(nó a nó)

Tralha Superior:

Cabo - diâmetro 5 Fio entralhe - 210/6 Entralhes - 4

Tralha inferior:

161

Ver «Contribuição para o Conhecimento das Artes de Pesca Utilizadas na Ria de Aveiro». Publicações avulsas do IPIMAR, nº 8, 2002, pp. 46 a 50.

280


Cabo - diâmetro 5 Fio - 210/6 Entralhe - 4

Adague

Malha do fino – 0,04 m (nó a nó) Albitanas – 0,20 m ( nó a nó)

Superior:

Cabo - diâmetro 4 Fio - 210/6 Bóias - dim 18 Entralhes - 4

Distância de entralhe – 0,103

Inferior:

Cabo - diâmetro 4 Lastros - 180 Fio - 210/12 Entralhes - 4

281


Distância de entralhe – 0,107

Pano do Cerco

Malha do cerco – 0,020 m (nó a nó)

Superior:

Cabo - diâmetro 6 Bóias - 43 diam. 37 Fio - 210/9 Entralhes - 2

Distância de entralhe - 0,059

Inferior:

Cabo - diâmetro 4 Lastros - 138 Fio - 210/9 Entralhes - 2 Distância de entralhe - 0,066 Procedimento

282


O salto trabalha em águas pouco profundas (inferiores a uma braça) e com águas paradas. É uma arte especialmente criada para a apanha da tainha. A colocação da rede deve ser feita com o interior da curvatura sempre virada para o lado de onde corre a água.

Fig. 148 – Cerco,salto ou parreira, montado

Começa por se cravar a 1ª e a 2ª e a 3ªestacas, onde se montam os arinques. Depois segue-se a 1ª vara da manta e os pares de varas para os adagues. Depois do último adague, espeta-se uma vara a uma distância de cerca de 15 m, para que a rede não descaia. A distância entre varas é sempre inferior ao comprimento do pano.

283


Fig. 149 – Armando a parreira Depois lança-se o cerco até à rabeira. Colocada a parreira, segue-se a operação de espantar o peixe. Para isso, batendo com um maço no fundo da bateira, ou chapinhando os remos na água.

Fig. 150 - Batendo

284


O peixe vai assim entrando no cerco. E chegado ao curral, não descortinando por onde se escapar, salta, indo cair na manta. Outro fica emalhado nos adagues.

Por vezes, se há corrente e vento, reforçam-se os adagues com chumbada, para o peixe não se escapar. Cada bateira trabalha com um homem e um rapaz, normalmente. Outras vezes só com um homem.162 Este aparelho pode ser usado em parelha, utilizando duas bateiras, ficando os currais simétricos. Embora se praticasse em toda a ria, de Fevereiro a Outubro, os esteiros mais procurados eram os do canal de Mira, canal do rio Boco (VA), esteiros da Palha, Cabeço da Doida e Cale de Espinheiro, etc. Actualmente já não faz parte do Regulamento.

162

Na Costa Nova, o último «murtoseiro» – até meados de novecentos – que trabalhava incansavelmente com o salto, foi o Ti Manuel «Tainha», um ícone desta praia.

285


PRINCIPAIS ARTES DE PESCA POR COMUNIDADE 2013

COMUNIDADE

ARTES TRESMALHO BERBIGOEIRA

Fundo

Deriva

TORREIRA

95

108

40

MURTOSA

15

48

41

S.JACINTO

1

25

17

GAF. DA NAZARÉ

32

45

30

GAF. DA

16

20

14

ENCARNAÇÂO COSTA NOVA

38

52

18

OUTRAS

73

135

93

433

259

TOTAL

286

272


13.4 Aparelhos sedentários

Estas artes são aparelhos fixados ao fundo da ria, em local escolhido (normalmente de pouca profundidade), nas cales ou canais que levam as águas, aos braços mais fartos da ria. Armados durante períodos de tempo, mais ou menos fixados, tendo em conta as marés. Eram (são, pois algumas delas ainda laboram) artes relativamente simples, podendo ser colocadas, apenas, pelo dono da embarcação auxiliado por um rapaz. Muito produtivas, mas e também, muito devastadoras. Terão existido, até meados do Séc. XX, dentro deste tipo de artes, os seguintes aparelhos:

13.4.1 Botirão 13.4.2 Camboa 13.4.3 Galricho

Destas, já só em locais do canal de Ovar, ainda por vezes, se encontram pequenos galrichos montados em espera. A camboa ainda é usada para a captura da lampreia (e um ou outro sável), perto do Rio Velho, e ou do Chegado (Bico – Murtosa). Anualmente, em 1 de Fevereiro, é feito o leilão, aos pescadores, dos dias permitidos para as armarem, e dos locais de pesca. Na época (que tem a duração de três meses), conforme o número de licenças, são permitidas,a cada pescador licenciado, duas / três sortidas.Cada sortida tem a duração de

287


três dias: no primeiro monta-se a camboa, ao outro visita-se e colhe-se o peixe; e ao terceiro, nova colheita, e levantamento da arte. Passemos a descrever estas artes, muito interessantes na forma, e no engenho com que cumpriam a sua função, embora muito prejudiciais para as espécies, pois permitiam a apanha indiscriminada das mais diversas espécies que povoavam a ria, ainda em fase de crescimento.

13.4.1 Botirão

Fig. 151 – Botirão163 No fundamental tratava-se de um saco cónico de boca normalmente rectangular, onde se aplica uma malha muito aberta. No seu interior contém um outro saco – um nasso ou gasgote – com a boca ajustada ao saco exterior, e roto na sua extremidade. 163

Nobre, Augusto, Afreixo, Jaime e Macedo, José de, Regulamento da Ria já citado, 1915.

288


As suas características e dimensões164 eram:

Comprimento saco - 10 a 17 m (.pequeno ou grande) Boca - rectangular: 5,40x1,80 m; se circular, (2,5 a 3 m de diâmetro) Comprimento do nasso - 2,80 m (g) 2,00 m (p) Distância da boca ao nasso - varia entre 5,00 m (p) e 7,50 m (g) Malha (nó a nó): Da boca - 0,020 a 0,030 m (nó a nó) Na altura do nasso - 0,015 a 0,020 m ( nó a nó) Do nasso - 0,004 m (nó a nó) Da cuada (final saco exterior) - 0,003 m ( nó a nó) Distância fundo do nasso ao do botirão - 4/4,5m

O botirão montava-se só, ou em grupo de três, nos canais, com a boca voltada para a corrente de água165. Assim, era montado no início da enchente, e virado no início da maré vazante. Segundo Nobre166 a época ia de 1 de Out a 30 de Abril, sendo o melhor período de Novembro a Janeiro.167 .

164

Há dois tipos de botirão conforme a sua dimensão: o grande e o pequeno. Significa que a boca recebe frontalmente a corrente,pelo que altera a sua posição ,conforme aquela. 166 Nobre, Augusto, Afreixo, Jaime e Macedo, José de, Regulamento da Ria já citado, 1915. 167 Braga, António Caires da Silva, «Boletim de Pesca», nº 74, 1962 165

289


Quanto mais turvas as águas, melhor para a apanha. Por isso, muitas das vezes, o botirão era colocado, nas marés, de noite. Montava-se do seguinte modo168: Chegada a embarcação ao local, lançava-se a bóia e o ferro da popa. Atravessada a bateira à corrente, lançava-se o segundo ferro da proa. Içavam-se os cabos de modo a que a bateira ficasse num ponto equidistante dos ferros. Cravavam-se, então, no fundo duas varas,que iam esticar a boca do saco. Para segurar estas, verticalmente, cravavam-se no pé de cada vara outras duas varas (chamadas paixões) . E quer a montante, quer a jusante, a uma distância de 10 a 11 braças, espetavam –se, previamente, varas inclinadas, chamadas guias (duas por paixão), de onde saiam cabos que iam fixar-se na cabeça das paixões, assim suportando o esforço feito pela corrente. Um botirão isolado tem pois de suporte 2 varas, 2 paixões e 4 guias.

Quando era montado um pano de botirões (três), que ficavam lado a lado, eram necessárias, 4 estacas, 4 paixões e 8 guias. Dando entrada a todo o peixe, sem permitir qualquer saída, o botirão era um aparelho altamente nocivo para a sustentabilidade das espécies. O botirão trabalhava indistintamente, com a vazante ou enchente, sempre com a boca a receber a corrente de água.

168

Encontrámos um botirão, já não utilizado, na Torreira (Marco Silva). E aí colhemos algumas das informações que completam as referenciadas, embora se refiram procedimentos algo diferentes(ex .algumas varas de posicionamento e firmeza ,substituías por ferros de fundear)

290


13.4.2 Camboa

A camboa não é mais do que um botirão, a que se vêm ligar duas mangas de redame às varas que o fixam . As mangas (só com chumbeiras) abrem em angulo que pode atingir os 90º, encaminhando o peixe para a sacada do botirão. São fixadas por alças às estacas, cravadas na parte da frente da arte.169 As dimensões (médias) da camboa foram variando no tempo:

Comprimento saco - (var) 8/12 a 17 m Boca da camboa - 2,86 x 2,25 m (actualmente 1,50m x 0,60m) Manga - Antigamente poderia chegar a 20 m, ( actualmente, 10 m) Altura manga - 2,80 m (actualmente 1,5m) Malhagem manga - 0.100 /0,120/0,140 m

A malhagem pode ser uniforme, ou pode ir variando: partindo da boca até um terço, a malha é de 0,020 m (nó a nó). Depois a malha é sempre de 0,018 m. Quando a malhagem é uniforme, é sempre de 0,018 m (de nó a nó). A altura das mangas ou asas varia: actualmente 169

Na camboa que analisámos num dos licenciados deste ano (Sr. António Nunes ),na Cova do Chegado, Murtosa, as estacas da frente, que fixam a camboa, estavam substituídas por ancoretes.

291


é de 1,50 m. Antigamente ia até 2,82 m (p) a 4,16 m (g). Quando a altura da manga é muito superior á boca (2,80 a 3,00 m), é montado um avental (com altura próxima de 1 m/1,30 m) por cima da boca, fixado às varas (por seis atilhos), com malhagem 0,10 m. Actualmente, em cada ano, a 1 de Fevereiro, na presença da autoridade marítima são sorteadas as camboas, isto é a área em que cada licença pode operar, e as sortidas permitidas a cada pescador. Este ano, 2014, apresentaram-se na Cova do Chegado 28 bateiras; só 15 estavam legais, pelo que este foi o número de licenças concedidas. Opera até 30 Abril, no rio Velho e na Cova do Chegado.

Visitamos um dos últimos camboeiros, o arrais António Nunes que montou, para verificarmos, a sua camboa. Procede do seguinte modo: Chegado ao local espeta a estaca da rabeira. Depois, descaindo com a corrente, vai proceder ao esticamento dos aros (com cerca de 1,00n de diâmetro) do «botirão». Fixa a boca deste por duas varas. Ao lado dessas varas espeta as paixões ligadas por atilhos. De seguida, e sempre descaindo com a corrente, vai espetando estacas, a que liga a manga.No final daquela é colocado nova estaca, em cada uma destas. Se a corrente é muito forte, podem estas estacas ser ligadas a dois ferros de fundear, que dizem , abertos. Actualmente o Regulamento fixa como legal: Comprimento máximo de cada manga - 10 m; Altura máxima de cada manga - 1,5 m;

292


Malhagem mínima das mangas - 0,070 m; Comprimento máximo da nassa - 5 m; Largura máxima da boca do saco - 0,60 m; Altura máxima da boca do saco - 1,5 m; Malhagem mínima do saco - 0.060 m

Fig. 152 – Camboa com avental170

Fig. 152 a) – Pormenor camboa 170

Gravura do autor baseada na «Contribuição para o Conhecimento das Artes de Pesca Utilizadas na Ria de Aveiro», obra já citada, 2002, p. 15.

293


Fig. 152 b) - Camboa (porm) .A camboa é destinada aos canais longe da foz, muito a montante, em que a corrente de água tem sempre a mesma direcção.Isto é, em que a rabeira fique sempre a barlacorrente.

13.4.3 Galricho

O galricho é praticamente uma instituição da ria. Pode dizer-se ser o pequeno botirão da ria. Pescador que se preze, tem de haver guardados, ou prontos para a faina, uma «catrefa» de galrichos, que em horas mortas servem para se apanhar uma caldeirada de enguias, manjar dos deuses da laguna, petisco que é ex-libris gastronómico da região. O galricho é composto de vários arcos de vergueiro que lhe sustentam a forma. A boca é um arco não completo, sendo a parte inferior 294


cortada para se adaptar ao fundo lagunar. É fixada por uma estaca que entra em duas alças fixas aos seus rebordos, a fim de a manter em posição correcta. Outra estaca (entrando numa alça) estende o rabo do galricho para o manter direccionado. O galricho trabalha, tal como a camboa, com o rabo a barlacorrente. É assim destinado a peixe que «sobe» o esteiro, ou canal. Interiormente tem cinco arcos. No primeiro e terceiro, tem montados (cosidos) duas nassas rotas, dois endiches que se mantêm abertos por cabos finos (guias). O pescador mete engodos (berbigão, amêijoa, etc.), na primeira nassa, para onde o peixe é atraído. Impossível de voltar atrás, o peixe segue em frente e acaba por se juntar na cuada.

Fig. 153 – Galricho

295


As suas dimensões, que encontrámos muito variáveis, podem referenciar-se, na média, como: Comprimento - 0,65 a 1,00/2,00 m Diâmetro dos arcos - 0,19/0,20 m171 Altura da boca - 0,20/0,21 m Malha - 0,16 a 0,20 m (entre o fundo e o penúltimo arco) e depois podendo alargar até à boca - 0,035 m. Para o seu funcionamento o pescador escolhe as marés vivas, como as mais produtivas. O camarada coloca vários galrichos ao cair da noite, e levanta-os de manhã, numa actividade individual. A época lagunar de melhor rendimento é a de Dezembro a Março.

O actual Regulamento fixa estas características: Comprimento máximo do saco - 70 cm; Malhagem mínima da rede - 16 mm; Número máximo por embarcação - 50.

171

O diâmetro da boca, é aproximadamente 1/4 do comprimento do galricho.

296


13.5 Aparelhos de mão Os tipos de aparelhos de que se conhece o seu uso ao longo do tempo, considerados como aparelhos de mão, são: 13.5.1 a linha, 13.5.2 a fisga, 13.5.3 a sertela, 13.5.4 o espinhel 13.5.5 a bolsa 13.5.6 à unha

Vejamos sinteticamente em que consistem estas artes:

13.5.1 Linha

Constituído por uma linha de comprimento muito varável, que na sua extremidade tem uma chumbeira que vai pousar ao fundo. Desta partem dois estropos de comprimento desigual (variável, podendo referir-se como valor médio, 0,20 m a 0,30 m). Nestes entralham os anzóis. O tipo de anzol é variável conforme a espécie que se pretende pescar. Os anzóis são identificados por letras: A (nº 15) ….B (nº 14) ….C (nº16) etc.

297


Em cada anzol é empatado o isco que o pescador apanha na ria, na maré baixa: serradela, casulo, caranguejo mole, etc. A isca é mantida viva no meio de folhas de moliço. A embarcação é fundeada, e o pescador isca, e lança, deixando a linha estender-se com a corrente. Vai fazendo pequenos movimentos no sentido de atrair o peixe ao anzol. É uma arte, ainda muito usada (também pelo pescador de lazer) especialmente para apanha do robalo, dourada (peixes adultos).

13.5.2 Fisga

Há vários tipos de fisga. No essencial a fisga é constituída por uma vara de madeira (4/4,5 m) que enfia numa base de ferro. Esta pode ter várias formas: ou do tipo pente de onde saem uns dentes (+/-26) de cerca de 0,15 m, munidos de farpa no extremo. ou outro tipo em que existe um corpo de ferro cónico central. Desse corpo saem, para um e para outro lado, umas hastes (tipo candelabro) que ficam alinhadas no seu extremo, onde têm a forma de fisga.

298


Fig. 154 - Fisgas

Esta arte (proibida) era muito utilizada de noite, com um candeeiro de carbureto (candeio) colocado na borda da embarcação (candeio) para atrair o peixe, para ser fisgado. Na bateira seguiam dois camaradas: um aos remos, e o fisgueiro à popa. Como o peixe vem fisgado, para o libertar para dentro da bateira, existe uma vara de madeira – a toste – atravessada na boca da embarcação, onde o pescador faz bater o peixe, «safando-o» das fisgas. Também se podia pescar de dia, às cegas, num intenso labor de pica, sobe, pica… Razão por que chamavam a este tipo de pesca – a picareta. Era uma arte muito usada para a lampreia, solha, enguia e outros. Utilizava-se esta arte de Novembro a Dezembro, a época mais rendosa. É proibida no actual Regulamento.

299


13.5.3 Sertela

Trata-se de uma arte, muito praticada ainda há bem pouco tempo. Exclusivamente para apanha da enguia. Consiste em enfiar numa linha fina, um número elevado de serradelas (tipo rosário). Depois faz-se um «bolo», e fixa-se o mesmo à ponta de uma vara muito flexível – tipo cana-da-índia – com cerca de 2 m, terminada por um punho na parte superior. O pescador fundeia a bateira por duas varas, e senta-se, encostado ao castelo de proa (onde pode colocar um toldo de protecção). Vai mergulhando «o bolo» junto ao fundo da rentindo a ferradela da enguia, traz a vara num movimento lento para dentro. Quando o peixe está dentro, com um movimento de mão, sacode, e faz cair a enguia para o fundo da bateira. Muito usada no Inverno, ou depois de grandes chuvadas. Esta arte ainda hoje é praticada.

13.5.4 Espinhel (Palangre, Trole) O espinhel é uma linha com vários anzóis172suspensos em sediela (estropos) que saem da madre, de espaço a espaço, certo (tala)173. O estropo ou estrovo (de comprimento cerca de 1,30 m) leva no final, empatado, um anzol. De 10 em 10 (ou 12 em doze) anzóis, existe um 172 173

Os anzóis são de vário tamanho e tipo, conforme a opção de pesca. A tala é variável, andando por cerca de 3/3,5 m.

300


peso (poita) para fixar a arte ao fundo. O número de anzóis por linha (podem ligar-se várias linhas, sendo vulgar 10), pode variar (50/80/150). Na extremidade, a arte tem um cabo que a liga ao ferro de fundear (com cerca de 15 m). Do outro, liga-se a bóia (fundeada) ou a uma vara, que assinala o términus. A arte é levada pela bateira, perpendicularmente à corrente. A cerca de 50 m da margem lança-se a primeira bóia, e o ferro (ou vara) de fundear. Volta-se à margem, sempre atravessados à corrente, e vai-se largando o aparelho e poitas, até ao final. Aí chegados, larga-se a bóia sinalizadora (ou fixa-se o aparelho à estaca).

Fig. 155 – Palangre

301


Isca om vários engodos: serradela, caranguejo mole ou camarão mouro. O espinhel pode ser colocado entre águas ou no fundo. Para o camarão-bruxo, o espinhel é colocado mais perto da superfície. Todas as dimensões acima referidas podem alterar, em função do local de pesca e da pretensão do pescador. O espinhel para o congro chegava a levar 100 anzóis, por linha. O destinado à solha leva 80 a 150 anzóis. A isca é muito variada, conforme a espécie que se pretende apanhar. Os anzóis variam de nº 5/6 e 7. A arte é praticável durante todo o ano, embora as espécies tenham épocas específicas. A solha pesca-se de Dezembro a Março; o robalo de Abril a Maio.

13.5.5 Bolsa

Uma arte mais do que simples, apenas confinada à apanha do caranguejo. Baseada no apetite devorador desta espécie que se agarra a tudo quanto representa, para ele, um meio de satisfazer o seu insaciável sustento.

302


Fig. 156 – Bolsa

Consta de um saco de médio tamanho (altura máxima 0,50m e largura 0,30 m). Malhagem 0,010 m (nó a nó) diminuindo até à boca onde tem 0,005 m (nó a nó). Estes sacos levam dentro uma pedra para lastrar. Envolvido em moliço, vai o isco: restos de sardinha e outros. Os sacos são lançados, um a um, assinalados por bóias, numa longa fiada de meia dúzia (ou mais!). Aguarda-se um tempo. E depois o pescador inicia o meter os sacos dentro, retirando o caranguejo que vem grudado na sua superfície exterior, e metendo-o num nasso (também designado ganha pão). A fixação do saco ao fundo é feita por pedras atadas em cabo, ou por estacas.

303


13.5.6 À unha

Trata-se de uma técnica muito simples, mas que exige treino e rapidez. O pescador vai-se deslocando no lodo, e quando vê (no lodo remexido), ou pressente com os pés, uma enguia, fila-a, trilhando-a com a unha do polegar contra o indicador e o do meio. E rápido, enfiaa no nasso. Era sempre feita de dia. E a melhor época, era o verão quente. Também, por vezes, com esta arte se apanhava solha. Exige muita atenção, destreza e rapidez de mãos.

304


CAPÍTULO 14



14.1 REGULAMENTO DE PESCA DA RIA DE AVEIRO

O actual Regulamento de Pesca da Ria de Aveiro (RPRA) considera apenas como legais os seguintes aparelhos, impedindo o uso de artes de arrastar.(Excerto)

a) Aparelhos de anzol fundeados: Espinel, espinhel, trole ou palangre;

A2►b) Redes de tresmalho de fundo;

B ►c) Xalavares ou camaroeiros: Nassa para camarão ou camareira (para a captura de camarão e caranguejo);

d) Galrichos ou nassas: Galricho (para a captura de enguia);

A2 ►e) Redes de tresmalho de deriva; B ►f) Amostra, corrico ou corripo; A2 ►g) Berbigoeira (para a captura de bivalves); B ►h) Camboa (para a captura de lampreia e sável); l) Cana de pesca e linha de mão;

307


i) Chinchorro (para a captura de enguia); l) Sertela, remolhão ou minhoqueiro (para a captura de enguia).

14.2 Quadros da situação actual da pesca profissional na Ria de Aveiro174 14.2.1 Principais artes de pesca por comunidade ARTES COMUNIDADE

BERBIGOEIRA

TRESMALHO Fundo

Deriva

TORREIRA

95

108

40

MURTOSA

15

48

41

S.JACINTO

1

25

17

GAF. NAZARÉ

32

45

30

GAF. ENCARNAÇÂO

16

20

14

COSTA NOVA

38

52

18

OUTRAS

73

135

93

433

259

TOTAL

174

272

Todos estes elementos e seguintes foram-nos gentilmente cedidos pelo Sr Dr. Barroca da DRAPC (Direcção Regional da Agricultura e Pescas do Centro)

308


14.2.2 Quadro 2 – Licenças p/ pesca apeada Pesca Apeada –Nº Licenciados ANO Comunidade

2009

Murtosa

2010 49

70

2011

2012

2013

72

75

75

Torreira

58

67

54

45

51

Outras

82

89

126

66

77

TOTAL

189

226

252

186

203

14.2.3 Quadro 3 – Espécies bibalves descarregados em lota

309


14.2.4 Quadro 4 – Bateiras licenciadas ANOS COMUNIDADE 2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

TORREIRA

138

142

146

152

145

143

145

MURTOSA

81

79

75

74

73

68

68

S.jacinto

31

33

31

30

27

26

27

Gafanha

da 50

57

56

53

52

49

49

da 30

30

28

25

25

26

24

Costa Nova

69

71

68

59

56

56

65

OUTRAS

192

188

203

200

205

196

196

TOTAL

594

600

607

593

583

564

574

Nazaré Gafanha encarnação

310


CAPÍTULO 15



Construtores navais recolhidos, segundo

AML

Arquivo Histórico da Marinha Livro de Autos de Registo de Embarcações 1837-1862

José Maria Fernandes Oliveira - Bunheiro Manuel Henriques Miranda – Veiros

Livro de 1916

Francisco Maria Fernandes Oliveira – Murtosa Joaquim Bolais Mónica -Ílhavo Joaquim Marques da Fonseca – Pardilhó Manuel dos Santos Farrataca – Seixo Manuel Francisco Silva – Pardilhó Manuel Maria Teixeira – Pardilhó

1917

Joaquim Dias Ministro – Pardilhó Manuel António Grilo - Ílhavo

313


1918

Manuel Francisco Loureiro – Mira

1919

José Dias da Fonseca – Ovar José Maria de Matos - Murtosa

Joaquim Maria Henriques Raimundo – Murtosa (1909-2005) recordou:

Mestre Agostinho Raimundo (seu bisavô); Mestre Américo Raimundo (tio) – Bico – Murtosa; Mestre Israel Raimundo. Mestre Joaquim Maria da Silva Henriques (pai); Mestre José Luís Henriques (avô); Mestre José Maria Henriques (tio) – Santa Luzia – Murtosa; Mestre Júlio Raimundo (tio);

José Agostinho Henriques Miranda (Ti Preguiça) – Monte – Murtosa (1910-1996) recordou:

Mestre Agostinho José Henriques (avô);

314


Mestre João Pedro Henriques (primo do pai). Mestre Manuel José Henriques Miranda (pai); Mestre Manuel Luís Preguiça (primo do pai);

Mestre José Luciano Rodrigues Garrido – Salreu ou José Luciano Garrido (1897-1962) Mestre Manuel Maria Garrido – Salreu ou Manuel M.ª R. Garrido;

Mestre Alberto Mestre Joaquim Maria da Silva (o Rato) – Bestida; Mestre José Alexandre; Mestre Agostinho Tavares – Pardilhó (1922-1996); Mestre Firmino Tavares (pai do anterior) – Pardilhó; Mestre Manuel Tavares (irmão do Agostinho) – Pardilhó ou Manuel S. Tavares; Mestre Henrique Ferreira da Costa – Pardilhó (1930-2011) ou Henrique F. da Costa ou Henrique Lavoura ou Henrique Laboura; Mestre José Ferreira da Costa ou José Laboura (pai do anterior); *Mestre Manuel Felisberto de Oliveira Amador – Pardilhó (n. em 1959); *Mestre António da Silva Esteves – Pardilhó (n. em 1942). Mestre Manuel Lopes Conde – Gafanha do Carmo (Ílhavo) (19191991) Mestre Manuel Matos Mónica – Ílhavo

315


Mestre Manuel Ferreira Patrão – Ílhavo Mestre Manuel Joaquim Henriques (Raimundo) – (1923-2010) – Bunheiro. *José Maria da Silva Caravela Vieira (Zé Rito) – Torreira (n. em 1956) Arnaldo Rodrigues Domingos Pires – Canelas (1921-1997)

*Ainda a laborarem

316


CAPÍTULO 16



Glossário A Aboiado – Algas que andam à tona da água. Adague – A zona da arte do salto onde está montada a parreira. Águas – Espraiado do mar depois de passada a rebentação. Agulheira – Arte de tresmalho apropriada para a apanha do peixe agulha. Alar – Recolher a rede. Albitanas – Panos de rede exterior, nos tresmalhos, de malha muito larga, onde o peixe se ensarilha e prende. Alça da empena – Mãozinha onde laça o cabo da empena. Alça da focinheira – Mãozinha que entra na verga. Alcalena – Uma das partes da manga, nas artes de arrastar. Alcatrate – Tabuado que reborda as obras mortas, em cima. Alevantado – Empinado. Alheta – Parte curva do costado, dum e de outro lado da roda de popa.

319


Amanhação – É o acto em que, com o barco carenado, se procede à limpeza e tratamento do fundo da embarcação. Amostra – Pequeno «engodo», não natural, com anzol disfarçado, colocado no fim da linha, que ilude o peixe (predador) e o leva a abocanhar a referida, ficando preso. Amura – Parte curva do costado, dum e de outro lado da roda da proa (também designada por bochecha). Amurar – Fixar à amura. Antepara da proa – Limite do castelo da proa. Antepara de ré – Limite da coberta de ré. Aparadouro – Caixote para colocar as enguias pescadas, de onde depois se separam das algas e outras, sendo então colocadas, limpas, na «caixa» . Arganéu – Peça metálica cruciforme onde vão engatar as argolas fixas aos cabos que puxam o barco do mar. Arinque – Primeira zona da arte de salto a ser colocada, apenas constituída por tresmalho vertical, oposta à rabeira. Armela – Argola na roda de ré, abaixo do descanso da muleta, que recebe cabos, durante as manobras de entrada e saída do barco do mar.

320


Arrais – Pescador da companha (proprietário ou não, mas quase sempre proprietário) que dirige a embarcação e comanda o lanço. Arrolado (moliço) – Algas que vão dar à borda da água. Arroteador – Rústico que desbrava terrenos incultos. Arte da tarrafa – O mesmo que tarrafa. Arte de xávega – Rede de arrasto, fundamentalmente constituída por um saco, ligado a duas mangas. Arte Nova – Técnica de arrasto onde se pratica o “cerco” ao peixe, com rede que varre o fundo arenoso, utilizando o barco do mar. Arte varredoura – Arte de arrasto que «varre» o fundo do lençol líquido. Artes – Assim se designam, desde tempos remotos, na gíria piscatória, as diversas redes, utilizadas. Dados os pequenos truques inseridos pelo redeiro, «cada» rede é, de facto, uma arte na sua concepção. Artes boieiras – Redes preparadas para trabalharem mais perto da superfície, especiais para certas espécies. Caso dos tresmalhos de deriva, ou da tarrafa, etc. Para tal, são na sua execução utilizados fios mais finos, colocada no seu cimo mais bóias (ou maiores),e utilizando pandulhos menos pesados (mais pequenos) ou menor quantidade (peso) de chumbo, em baixo.

321


Artes de meia água – Redes especialmente calibradas (boias e chumbo) para trabalharem mais perto da superfície. Artes grandes – O mesmo que Arte Nova. Asa – A parte da rede fixa ao càlão e que vai aumentado de altura, até se unir à bocada do saco. Asa da escota – Alça onde trabalha o cadernal da escota. Avental – Peça na arte da camboa, que devido ao facto das asas serem mais altas que a boca, é fixada no cimo daquela, presa nas estacas, de modo a ficar à mesma altura das asas. Avieiros – Gentes da praia de Vieira de Leiria (originários da laguna de Aveiro), que no início do século XX se fixaram no rio Tejo, a montante de Vila-Franca de Xira.. B Baixel – Embarcação grande e pouco alterosa. Barca – Navio bojudo, que podia armar até três mastros (mas vulgarmente só um) com panos redondos. 2. Barca – Embarcação de fundo chato, abicada nos dois extremos, usada, em tempos longínquos, em águas fluviais e lagunares. 3. Barca – Nome por que também é conhecido o barco mercantel. Barco de carreto – Embarcação de transporte de mercadorias.

322


Barco de xávega – Embarcação destinada ao lançamento da arte com o mesmo nome. Barlacorrente – Lado de onde vem a corrente de água Barlavento – Amura de onde sopra o vento. Barrote – Conjunto de traves interiores que sustenta a coberta da proa. Também designado arcos. Barrote da proa – Limite da coberta da proa. Bateira – Embarcação ligeira lagunar, movida a remos ou à vela, de fundo chato, abicada nas duas extremidades. Bateira berbigoeira – Bateira de bica, originalmente concebida para a apanha do berbigão. Bateira caçadeira – Bateira de proa «rasa» inicialmente concebida para a caça ,na Laguna. Bateira da bugiganga – Bateira que fazia par com outra ,para arrasto da arte varredoura. Bateira da mugiganga – O mesmo que anteriormente. Bateira de bicas – Bateira onde o fundo se prolonga e recurva (bica), altieira, para melhor defrontar a vaga. Bateira de mar – Bateira interior levada para laborar na borda do mar.

323


Bateira erveira –Bateira utilizada no transporte de moliços e ervagens. Bateira labrega – Bateira de bicas (menos pronunciadas) para utilização interior, típica do pescador/.agricultor,da zona marinhoa. Bateira marinhoa –Bateira tipo caçadeira, com alguns pormenores identificativos, muito usada para transporte de gado e ervagens, nos veiros da zona marinhoa. Bateira

miroa

Bateira

fusiforme,

sem

castelo

de

proa,

completamente aberta, usada na barrinha de Mira. Bateira mercantela – O mesmo que mercantela. Bateirão – Bateira que superava os 8 a 9 m. Batel – Pequena embarcação que seguia a reboque, pronta para rebocar ou ajudar na manobra. Beiçar – Meter a vara entre golfiões, trilhando-a, permitindo aplicar a força no sentido longitudinal. Berbigoeira – Arte individual (usada a pé ou da embarcação), com ancinho (metálico) e saca, para rocegar o fundo, na apanha bivalves. Bica – Ponto mais alto e recurvado, na embarcação, situado à proa e à popa. 324


Bica afiada – Bica esguia. Bica da popa – Prolongamento da roda da popa. Também conhecida na gíria por bica de ré. Bica da proa – Prolongamento da roda da proa. Boca – Largura máxima da embarcação. Boca da caverna – Distâncias entre braços da caverna. Bocada – Designação dada à entrada do saco, na arte de arrastar. Boçarda – Cada uma das tiras de ferro que abraça, reforçando e ligando, o fundo ao costado, no barco do mar. Boieira – Rede mais flutuante Bolina – Navegação à vela com ventos de proa. Bolinão – Sistema que permite puxar para vante (nas bolinas), ou folgar (nos largos ou popas com ventos moderados) a parte superior da testa da vela – a focinheira –, através das poas. Bolsa – Arte que consiste em colocar um saco cheio de engodo (restos de peixe ou caranguejo),suspenso de uma bóia, destinado a apanhar caranguejo que ao mesmo se vai fixar. Bombordo – Lado esquerdo do navio, para um observador a bordo, virado para a proa; designado pela sigla BB

325


Boneca – Peça colocada a vante do mastro do Varino, para inserir os toletes onde davam volta as adriças. Borda – Espécie de estrado formado pela draga, braços das cavernas, costado e bordo, que serve para a tripulação se deslocar no cimo da embarcação. Borda falsa – Falca fixa. Bordo – O mesmo que cinta. Forte viga de madeira fixada exteriormente, na parte superior do costado, e que serve de protecção à embarcação. Botirão – Arte fixa, colocada nos veios de água mais estreitos, contendo no interior um tipo de nasso para onde o peixe é dirigido, não permitindo a sua saída. Braço da caverna – Peça de madeira curva que completa a caverna. Branqueira – arte de tresmalho de deriva. Bugiganga – modo de pescar com duas bateiras, que puxam e deslocam a rede.

C Cabeça da toste – Parte reforçada da toste onde passa o cabo que a ajusta ao mastro.

326


Cabeceiro– Bóia que assinala o começo da singeleira, montada na ria. Cabeço – Peça para dar volta aos cabos de amarração. Cabeço do leme – Parte superior, mais alta e estreita do leme, onde entra a cana de manobra. Cabedelo – Restinga de areia junto à barra. Cabos de alar – Cabos ligados aos càlões por onde se puxa, para a recolha da rede. Cabrita – Instrumento constituído por vara enganchada numa travessa metálica, com (20 a 30) dentes de cerca de 15 cm, e com um saco de recolha fixado à haste, e ao aro circundante. Cabritar – Pescar com cabrita Caçada – Extensão total das rações da rede. Caçadeira de recreio – Bateira caçadeira de pequena dimensão, destinada a passeio, usando remos de escalamão e ou forquetas. Caçarete – Uma das partes da manga, nas artes de arrasto. Cachola do leme – Parte do leme atravessada pelo xarolo. Cachola do mastro – Parte superior do mastro onde passa a ostaga. Cadaste – Peça de fecho da popa onde estão inseridas as fêmeas e nas quais vão entrar os espigões do leme (machos). 327


Cadoiro – Retenida (cabo com +-50m) que liga a rede singeleira à bóia sinalizadora Cágado – Juntamente com tarma, a meio do remo, constituem os seus reforços. Cágado é a parte que entra no escalamão. Cagarete – Tampa móvel, que cobre o último compartimento, a ré, e onde a tripulação costumava guardar o sal. Caimento – Diferença de calado entre a proa e a popa. Caixote – Caixa para onde vai o peixe limpo. Calado – 1. Altura de água necessária para a embarcação navegar. 2. Calado – Também se diz do ancinho trilhado ou fixado na borda do moliceiro. Càlão – Peça de madeira que fixa a manga ao cabo de alar. Cale – Canal da ria de apreciável dimensão e fundura.. Càlões – Peças de madeira onde se fixam as asas da rede, e o reçoeiro e ou a mão da barca. Calcadeira – O mesmo que calcador. Calcador – Sistema de desdobramento em talha de três gornes, que permite dar tensão à testa da vela. Calcar – Tensionar a testa da vela.

328


Calle – Canal da ria, canalete. Escrevia-se inicialmente Calle e depois Cale (Cale da Vila). Camaroeira –Tresmalho especialmente concebido para a apanha de camarão bruxo. Camaroeiro – Pequena rede de saco para apanha do caranguejo. Cambadela – Acontece, quando, descontroladamente, a vela passa de uma para a outra amura. Cambadouro – Cabo que vem da cachola do mastro fixar-se à draga, destinado a apoiar o mastro nas cambadelas. Cambão – Cabo em esparto ligado ao punho do remo, puxando-o para vante. Camboa – Arte de pesca, muito semelhante ao botirão,mas com asas (mangas),ainda hoje usada para apanha de lampreia e sável. Camboeiro – Remador que acciona os cambões. Cana do leme – Barra, com um dos extremos entalhado, que entra na cachola do leme, servindo para manobra da embarcação. Candeio – Tipo de pesca clandestina, que usa uma lanterna para atrair o peixe, e depois fisgá-lo.

329


Caravela – Embarcação desenvolvida em Portugal especialmente adaptada para bolinar, foi um dos maiores contributos para a Epopeia dos Descobrimentos. Carena – Obras vivas do navio. Carenagem – Viragem da embarcação na praia para aceder ao seu fundo. Caribe – Embarcação árabe do Índico, que esteve na base do desenvolvimento da caravela. Castelo da proa – Parte coberta da proa, limitada pela antepara da mesma. Caverna – Cada uma das peças curvas de madeira em U, que assentam sobre o fundo chato, e que formam, no seu conjunto, o esqueleto resistente da embarcação. Cavername – Esqueleto da embarcação. Conjunto das cavernas. Cavilha – Taco de madeira, tronco-cónico, cavacado pelo mestre. Serve para fixar o tabuado às cavernas. Cerco –

Quando fixa uma ponta do reçoeiro,a bateira vai dar

volta,larga a rede e volta ao local (aproximado) de partida. Chança – Entalhe no dorso da porta do leme. Charolo – Variante ortográfica de xarolo. 330


Chata – Embarcação de fundo chato, fusiforme, reforçado por travessas, e costado muito baixo. Típica da pateira de Fermentelos. Também é conhecida por lancha, patacha ou até bateira. Cheleira – Cada uma das pequena prateleiras existentes no interior do castelo da proa onde se guardavam alguns temperos, utensílios, e ou, vestimentas. Chicote – Ponta de cabo que vai ligar a outro cabo mais grosso Chincha – Arte de arrastar idêntica ao chinchorro, mas de menores dimensões.. Chincha da galeota – Arte especifica, tipo chincha, para apanhar a galeota, usando um pano mosquiteiro a forrar o saco. Chinchorro – Arte (envolvente) de arrasto para terra, constituída por saco e duas mangas. Chinchorra – Embarcação (bateira) que tomou o nome da arte utilizada. Chumbada – Chumbo colocado na tralha inferior, que faz arrastar as redes pelo fundo. Cinta – Peça exterior ao casco, que protege (e dá consistência) ao costado.

331


Cinto – Faixa presa à cintura do pessoal de terra, ligada por chicote aos cabos de alar, com que se puxavam as redes. Também conhecido por tirante. Ciranda (ou joeira) –Caixa de( de madeira ou

ferro)com fundo

pautado (riscado), para separação do bivalve, do lixo. Claro – Uma das partes em que se divide a manga, nas artes de arrastar. Coada – Parte final do saco das artes de arrastar, de malha muito apertada. Cuada – Variante ortográfica de coada. Coberta da proa – O mesmo que castelo da proa. Coicia – Madeiro reforçado, assente nas cavernas, com rebaixo quadrado (pia), onde enfia o pé do mastro. Também designado por coucia, côcia ou coxia. O mesmo que carlinga. Coifa – Saco usado na cabrita, para onde «caem» os bivalves. Contravento – Fazer avançar a embarcação na direcção do vento. Cópio – Zona reforçada da ligação das mangas à bocada, na arte do chinchorro. Corche – Tralha superior da rede.

332


Corda da empena – Cabo que permite esticar (afinar) a face inferior da vela. Coroa – altos fundos postos a descoberto pela maré baixa. Corpo – Parte central do saco das artes de arrastar. Cortiça – Peça trapezoidal que tinha por fim fazer elevar a arte. Cortiçada – Conjunto de bóias de cortiça, fixadas na tralha superior da rede. Corrico – Tipo de pesca, com linha de mão, em que a embarcação se desloca lentamente, esperando que a espécie «ataque» o anzol iscado. Costado – Parte lateral de um e outro lado da embarcação, do casco da embarcação. Covo – Armadilha de madeira, arame ou rede, destinada à apanha de diversos crustáceos. Crico – nome dado ao berbigão, na gíria. Crista da proa – O ponto da proa que mais aponta para o céu, no barco do mar. Crista de ré – O mesmo que bica da popa. Cuada – parte final do saco, de malha muito apertada para evitar a fuga do peixe mais miúdo.

333


Cuada falsa – Pano (ilegal) cosido no interior da cuada, para tornar ainda mais difícil que se escape algum peixe. Curral – A parte da arte do salto, para onde o peixe é «conduzido», e que o leva a saltar para os tresmalhos. Curraleira – A forma final da arte do salto, em espiral (singeleira ou pano vertical), que vai obrigar o peixe a entrar no curral, a que se liga a parreira.

D Defeso – Período fixado para reprodução das espécies ,proibindo a sua captura. Descanso da muleta – Cunha, na roda de popa, onde se apoia a muleta. Descochiado – Diz-se do mastro, quando é retirado da coicia. Deslocação – Capacidade em carga embarcada. Dormente pequeno – Forro inferior. Dormente real - Peça de reforço interior do casco, por baixo da sicorda.

334


Draga – Peça de secção rectangular, que aperta, interiormente, os braços das cavernas, ao bordo.

E Embarcadouro – Zona reforçada do bordo de ré, na alheta, por onde roçam os cabos de alar e a arte, quando esta é posta ao mar. Empena – Parte superior da vela, que leva os envergues. Empinar – Erguer, levantar. Encabritar – O mesmo que empinar. Encala – Abertura entre o bordo e a draga. Encascar – Operação de mergulho das artes em água em que fervem cascas de certas árvores, que conferem maior tempo de duração às redes. Endiche – Parte final das armadilhas interiores ,esticado por fios ao aro subsequente. Enora – Passagem no traste para o mastro. Ensacar a vela – Folgar a vela para permitir que ela forme saco, nas popas e ou largos.

335


Entralhe – modo como se fixam, o pano miúdo e as albitanas, ao cabo da tralha superior do tresmalho. Entre-águas – Zona do mar, logo que passada a pancada daquele nos baixios. Entremesa de ré – Tampa móvel, a ré, que serve de assento ao arrais e onde se guardavam o pipo, forcadas e outros objectos. Envergues – Pequenos atilhos, que, superiormente, atam a vela à verga. Enviada – Embarcações de vela bastarda, muito rápidas ,que tinham por finalidade ir recolher o peixe ás embarcações de pesca,e conduzilo com rapidez aos mercados. Enxalavar –(o mesmo que xalavar) – Espécie de nassa, com que se retirava o peixe do saco da rede (Também assim designado o carro de bois, de rodas largas, que transportavam os cabazes com o peixe, aos armazéns). ..Escalamão – Peça cilíndrica de madeira ou ferro, onde entra o cágado do remo. Escoa – Barra de madeira colocada sobre as cavernas, (e) onde encostavam os paneiros do fundo. Escoadouro – artefacto feito em madeira com que se retira água do interior das pequenas embarcações, entre cavernas. 336


Escorchado – Estripado. Escota – Cabo que guarnece os moitões; um fixo à asa da escota, e outro fixo à argola que corre no varão, permitindo folgar ou caçar o pano. Escoteiras – Entalhe no bordo superior das alhetas permitindo com facilidade trilhar a escota. Escotilha – Em geral, acesso a espaços (paióis) onde se guardam diversos materiais de manobra. Esguicha – Termo pouco preciso. 1-Na Laguna existiram chinchorros muito esguios e muito levantados de bica. Atribuiam-lhe o nome de esguicha. 2-Embarcação algo semelhante à ílhava, sem coberta, com falca postiça. Já extinta, era construída na região de Aveiro e foi usada na Trafaria para o lançamento da arte de arrastar para terra, denominada chinchorro. Na Trafaria a arte era também designada por, esguicha. Espinel – Tipo de arte de mão constituída por um número variado de anzóis, ligados à madre, mergulhada por pedras (poitas) penduradas de «fazeduras» (cabos com destorcedor) de tantos em tantos anzóis. Também chamado palangre ou trole. Espinhel – O mesmo que espinel. Estai – Vela triangular avante do mastro.

337


Esteira 1. – Parte inferior da vela. 2. – .Esteira para apanha de tainhas. Estibordo – Lado direito do navio, para um observador a bordo, virado para a proa; designado pela sigla E.B. Estribeira – Vara redonda colocada à largura do barco, para os remadores apoiarem os pés. Estribo – O mesmo que estribeira Estropo – O mesmo que porção de cabo.

F Falca – Peça móvel (tábua de madeira), destinada a aumentar o pontal da embarcação, que se adapta entre o bordo e a draga, nas encalas. É fixada pelas pernas da falca. Vedada com serapilheira, torna a embarcação estanque mesmo com o bordo debaixo de água. Falca fixa – Aumento do bordo, por acrescento, fixado, destinado a aumentar o pontal. Falquim – Falca de pequena dimensão, à proa (1,50 m). Falsa quilha – Prancha que, exteriormente, no fundo, dá continuidade à roda de proa. Fateixa – Ferro de quatro (ou mais) unhas, ou patas.

338


Fatico – Roupas de trabalho. Finéu – Cabo fino que guarnece a vela a toda a volta. Fio do entralhe – Fio com que se cose o pano fino e as albitanas,ao cabo superior da tralha. Fisga – Aparelho de mão.com dentes no extremo, com que se fisgava o peixe. Fisgueiro –O pescador que manobra a fisga. Focinheira – Parte da vela, no canto superior esquerdo, com alça que fixa à frente, na verga. Folheamento – O mesmo que foliamento. Foliamentos – Tábuas que preenchem o espaço, à proa e na popa, acima da tábua de verdegar. Foliar – Aplicar os foliamentos. Forcada – Peça em forma de Y, que se enfia na encala, para servir de apoio ao cabo do ancinho. Completa a função da tamanca. Forcado – Peça de madeira em forma de Y, que pousa no cagarete, para descanso do mastro quando descochiado. Forcado biqueiro – O último forcado de ré. Forcado da proa – O primeiro forcado da proa. 339


Forqueta – Forquilha de ferro que roda no bronze e suporta o remo. Forquilha – Peça onde descansava o esmerilhão, para atrair a caça. Forra da focinheira – Reforço do canto superior esquerdo da vela. Forra do calcador – Reforço na testa da vela, junto ao mastro, onde são inseridas as abraçadeiras, atilhos que aconchegam a vela ao mastro. Fragata – Embarcação de carga, típica do Tejo, de casco redondo, bojudo, com quilha, que podia carregar até 100 e 120 ton.

G Gaiola – Pequena gaveta, fechada, à entrada da cheleira, onde se guardavam documentos, dinheiro e algum objecto de valor. Galpão – Tosco barracão para trabalho de artesão. Galricho – arte fixa, constituída por vários aros ( de verga) que distendem a rede exterior. Interiormente tem dois nassos mantidos em posição por pequenos cabos ligados aos aros inferiores. Garateia – rede de cerco que trabalha aboiada. A sua parte central chama-se de sacadoiro. Gasgote – O mesmo que nasso na camboa.

340


Golfiões – Prolongamentos exteriores do forcado da proa ou das mãozinhas. Gualdropes – Cabos ou correntes que saíam da cana do leme e permitiam fixar o seu governo. Guenda – Inclinação da verga. Guinda – Variante de guenda. Gurutil – Nome correspondente à verga, em marinharia.

H Haste – Zona do remo, da pá ao punho.

I Iate – Navio de dois mastros, tendo o mastro grande, geralmente, caimento. Içar – Levantar a vela. Ílhava - Bateira de fundo chato e arqueado, boca aberta e proa e popa erguidas. Os seus meios de propulsão eram, a vela ou os remos. Levada para a borda do mar, foi muito difundida no Tejo, na arte da tarrafa. 341


Ílhavos – Migrantes, naturais de Ílhavo. Ilho – O mesmo que ílhava.

L Labaça – Zona de reforço do bordo superior, onde entra o escalamão, no barco do mar. Labrega – Bateira de bica, típica do murtoseiro Ladra – pequena bateira fusiforme, toda aberta, que ia a reboque dos «matolas» moliceiros, servindo para fazer incursões nocturnas às terras férteis da borda. Lampreieira –Arte branqueira especialmente «malhada» para a apanha da lampreia. Lastro – Pesos (chumbo ou pandulhos) destinados a mergulhar a rede. Leme – Peça de governo da embarcação. Lugre – Navio com pelo menos três mastros, envergando em todos eles, panos latinos. M Maçãzinha da proa – O mesmo que crista da proa. No «varino» toma o nome de caneco. 342


Machos – Espigões de ferro inseridas na porta(madre) do leme, que entram em argolas, as fêmeas, fixadas na roda de popa. Madre – Parte da porta do leme, onde se inserem os machos. Malhada – Área da borda, de preferência com declive, para descarga das ervas. Manga – 1. Largura máxima da embarcação. O mesmo que boca. 2. Manga – Cada uma das partes laterais, na arte de arrastar que conduzem ao saco. Mangas – O mesmo que asas. Mão da barca – Cabo que liga ao segundo càlão e é trazido até ser entregue, em terra. Mar – Nesta acepção, mar significava as águas depois da rebentação. Mar alevantado – Mar de vaga alta. Marmoteiro – pescador especializado na pesca da marmota. Mastro – Vara de madeira, que sustenta a verga, donde pendem as velas. Matola – Nome (depreciativo) da embarcação moliceira do sul lagunar; os tripulantes tomavam o mesmo nome. Meia-lua – Nome dado, genericamente, ao barco da arte de xávega.

343


Meia-nau – Região média longitudinal da embarcação. Mercantel – 1. Negociante de peixe que o expedia para o interior do País, através dos almocreves. 2. Mercantel – Nome atribuído à mais possante e robusta embarcação lagunar, de carga, de fundo chato, que também se dedicava ao transporte de pessoas entre margens. Mercantela – Designa uma embarcação de linhas idênticas ao mercantel, de dimensões mais reduzidas. Inicialmente com construção tipo bateira, levou depois draga e bordo. Mercantil – Individuo que comercializava o peixe, por grosso. Mexoalho – Caranguejo, que junto com peixito miúdo e restos de algas, se usava no adubo das terras. Mais ou menos o mesmo que pilado. Minhoqueiro – Bola de engodo para a sertela. Molde de popa – Molde que determina a forma da bica da popa. Moliceiro – 1. Homem que se dedica à apanha do moliço. 2. Moliceiro – Nome atribuído à mais esbelta embarcação lagunar de fundo chato e pequeno calado, de proa e popa erguidas. Os seus meios de propulsão são a vela, a sirga e a vara. Destinava-se à colheita e transporte do moliço. Moscas – Reforços de lona, ou até de cabedal, por onde corre o cabo da bordadura, que afina a valuma. 344


Moço – Rapaz que ajuda o arrais na embarcação. Mugeira – Arte de arrasto de cerco, utilizada na borda do mar, por bateiras. Mugiganga – Procedimento, em que a arte (chinchorro no geral) era puxada e arrastada por duas bateiras. Mujeira – Variante ortográfica de mugeira. Muleta – Vara terminada em forquilha, que empurrava o barco do mar na rebentação. Murjeira – Variante ortográfica de mugeira. Muro – Distância entre dois entralhes, cerca de meia malha da albitana, ou igual número de malhas entralhadas a dividir por dois.

N Nassa – Mesmo que nasso. Nasso – Aparelho constituído por uma vara ligada a um aro de ferro (arame, verga, ou outro) onde se prende o saco. Nau – Grande navio de guerra ou grande navio mercante.

345


O Orçar – Levar a embarcação mais para a linha do vento. Ostaga – Cabo que atravessa a cachola do mastro, prende ao envergue e iça a vela. Ostague – O mesmo que ostaga. Ovarina – Mulher de Ovar. Ovarino – Homem de Ovar.

P Pá da tosta – O mesmo que toste. Pá do remo – Parte mais larga do remo, que normalmente mergulha na água. Paina – Estrado, à proa, composto por dois paneiros. Painel de popa – Parte do costado, a ré, no moliceiro. Painel de proa – Parte do costado, à proa, no barco do mar, que é decorada. Paiol – Compartimento no castelo de proa onde se guardavam mantimentos, velas, cabos de manobra e outros.

346


Paixões – Varas a que se ligam a bocada do botirão. Palangre – O mesmo que espinhel ou trole. Panda – Pedaço de cortiça usado como flutuador da rede. Constituía a tralha das pandas. Panda mestra – Panda maior, colocada no centro superior da bocada. Pandulho – Malha de barro com dois furos para fixação à rede, mais tarde substituída por chumbada. Paneiro – Soalho móvel de embarcação. Pano – Nome por que, também é conhecida a vela. Pano central – Pano miúdo, rede que fica entre albitanas

no

tresmalho. Pano do miúdo –o mesmo que pano central. Papo da proa – Distância entre a vertical da maçãzinha e o ponto mais a vante da tábua da quilha, exteriormente. Parelha-conjunto de duas embarcações, a arrastar a mesma rede. Parreira – Rede de albitanas, da arte do salto, montada inclinada entre váras interiores e exteriores, destinadas a apanhar o peixe que salta do curral.

347


Passadiço – Peça de madeira que vai do traste de proa, ao traste de ré, permitindo a mobilidade do pescador no alar da rede. Passage – O mesmo que passagem. Patacha – (patasca ou rasca).Pequena embarcação fusiforme,muito elementar,para transporte de pessoas,ervagens ee gado,nos rios ou ém zonas alagadas. Pau da toste – Pau que se fixa no lugar do pau do mastaréu, junto ao castelo da proa. Também serve de ponto de passagem à sirga ou para aguentar a toste, no acto de mariscar. Pau de pontos – Vara quadrangular com 1,50 metro de comprimento que tem marcadas, por incisão, todas as medidas necessárias à construção das embarcações. Paus de aresta – Pranchas laterais, salientes no fundo, que melhoravam o desempenho nas bolinas e facilitavam o equilíbrio da embarcação no encalhe. Pé – Base ou parte inferior do mastro, normalmente, quadrangular. Peixe chato – Peixe tipo linguado ou solha. Peixeira – Nome porque é, também conhecido o salto. Pernas da falca – Pés, através dos quais as falcas enfiam, nas encalas.

348


Pernas do bolinão – Sistema engenhoso que permite distribuir a tensão sobre a focinheira. Pião – Viragem da embarcação sobre si própria. Picareta – Pesca praticada com a fisga. Pilado – Caranguejo do mar. Pinaça – Embarcação de quilha, de vela e mastros, de popa carregada, armada com três (ou dois) mastros. Poas – Conjunto de cabos (5) costurados na testa, que compõem o bolinão, o primeiro na focinheira, formando vários ângulos. Permite puxar a testa a vante. Poita – Peça (pedra, cimento, ou outra),substituindo o ferro ou fateixa, que fundeava a bateira. Pontal – Medida da embarcação, em altura, entre o fundo e a linha da borda. Popada – Navegação com vento na direcção popa-proa. Porta do leme – Parte maior e mais larga do leme. Proa – Parte anterior da embarcação. Prumo – Tralha inferior da rede.

349


Punho – 1. Parte mais delgada do remo, onde o remador fixa as mãos. 2. Punho – Parte da frente da verga, entalhada em forma de coração, para fixar a alça da focinheira. Punho da escota – Canto inferior direito da vela.

Q Quete – Zona de recolha do peixe ou divisória para o peixe. Quinhão – Partes em que era dividido o apuramento da pesca.

R Rabeira – Zona da rede de salto (cerco), oposta ao curral. Ração – Assim designada cada parte individual de pano do tresmalho, que depois se ligava a constituir a caçada. Rasca – O mesmo que chata, ou patasca. Reção – O mesmo que ração ou roção. Reçoeiro – Cabo que liga o càlão a terra. Recoveira – Prancha para apoio dos remadores de pé. Redame – Ao conjunto da rede. 350


Rede boieira – Rede leve, leviana, que tem facilidade em boiar. Rede de aljava – Redes sem saca Regalo – Uma das partes da manga, nas artes de arrastar. Remador do traste – remador que ia sentado no traste. Remador no estribo – remador que ia de pé e dava, virado para a proa, mão ao remo. Remeiro – Homem que se encarrega do remo. Remo da proa – 1. Segundo remo do barco do mar, a contar da proa, em embarcação de dois remos. 2. Remo da proa – Terceiro remo do barco do mar, a contar da proa, em embarcação de quatro remos. Remo de ré – Remo do barco do mar mais próximo da popa, em embarcação de quatro remos. Remo do castelo da proa – Remo do barco do mar, mais próximo da proa, em embarcação de quatro remos. Remo maião – 1. Remo do barco do mar, mais próximo da proa, em embarcação de dois remos. 2. Remo maião – Segundo remo do barco do mar, a contar da proa, em embarcação de quatro remos. Remolhão – Bola de sertela ,colocada na ponta da vara.

351


Repé – Tira de fio mais grosso (0,015 m), que serve de reforço, à zona inferior da arte da garateia. Requintas – Pequenas banquetas laterais para os camboeiros se sentarem. Retranca – Peça que enverga a esteira da vela latina e roda no mastro. Revezeiro – Remador substituto. Rizar – Encurtar a área do pano, adaptando-o a um refrescamento súbito do vento. Rizes – Atilhos delgados, distribuídos em duas ou três fieiras, nas faces da vela, que lhe permitem diminuir a superfície. Também há velas que rizam por cima. Rizos – O mesmo que rizes. Robaleira – Toda a embarcação usada nas zonas de Torreira, Mira, Buarcos e Cova, na pancada do mar, para a pesca do robalo. Roção – Mesmo que ração. Roda da popa – Peça curva, que prolongando a tábua da quilha, forma a popa do barco. Roda da proa – Peça curva, que prolongando a tábua da quilha, forma a proa do barco.

352


Rodapé – Legenda, frase sob o desenho, nos painéis do barco moliceiro. Rodo – Curvatura, ao cortar o pano, na esteira e na valuma. Roldana – Rasgo rectangular na cachola do mastro. Rosário – Linha onde enfia a serradela (isco) para a arte da sertela.

S Sacadoiro – Zona central da arte da garateia, que substitui o saco. Saco – Zona final das artes de arrasto, para onde entra o peixe. Saleiro – Nome por que é conhecido o mercantel, quando transporta sal. Salineiro – O mesmo que saleiro. Salsugem – Concentração salina na água que chegava às marinhas. Saltadouro – O mesmo que parreira. Salto – Arte fixa de cerco, em forma de espiral, para cujo final (curral) se conduz o peixe (tainha), que se emalha nos tresmalhos verticais ou na parreira aérea. Sangrar – Retirar a resina ao pinheiro.

353


Sarilho –artefacto de utilização manual,para enrolar cabo. Sarreta – Régua de madeira abaixo dos trastes, que serve de reforço interior. Savara – Arte de tresmalho com albitanas, flutuante, idêntica à savoga. Saveira – arte de tresmalho, tipo branqueira ,com malhagem especial para a apanha do sável. Saveiro – Designa diversos tipos de embarcação; mas, concretamente, designava as bateiras que eram utilizadas nas safras do sável, nos rios. Sertela – Arte de mão, com vara onde se prende o minhoqueiro, especialmente apta para a apanha da enguia. Sicorda – Espécie de rebordo interior saliente, no «varino» sobre o dormente de cima, que desenha e estrutura o porão da embarcação. Sigla – Marca que identifica o construtor, pintada na parte superior do leme. Singeleira – Rede tresmalho sem albitanas. Sirga – Cabo que sai do xarolo, circunda o pau da toste, permitindo governar a embarcação de qualquer ponto desta.

354


Sobrequilha – Peça de reforço interior, colocada sobre as cavernas, longitudinalmente, que estruturava a embarcação, não permitindo que esta alquebrasse. Solheira – Tresmalho de fundo. Solheira à pica – Consiste em fixar a rede (uma só ração), em duas varas perto da margem. A bateira (uma caçadeira) fica entre a margem e a rede. Os pescadores (homem e moço) batem com as varas na água, para o peixe se emalhar na rede. Solheira de jazer – Utliza

muito mais rações que à pica, que são

fixadas por varas. Sotavento – Parte para onde sopra o vento.

T Tábua da quilha – Primeira tábua a assentar, no fundo; também pode chamar-se central ou a de fundo. Tábua de aresta – Cada uma das tábuas que ladeiam, exteriormente, as tábuas de fechar do fundo. Tábua de fechar o costado – Tábua inferior do costado, de fora a fora. Também chamada de tábua de encobedear. Tábua de fecho do fundo – Cada uma das tábuas que ladeiam a tábua da quilha. 355


Tábua de verdegar – Tábua superior do costado, de fora a fora. Tabuado – Conjunto de tábuas que compõem o fundo e costado da embarcação. Tábuas de varear – tábuas interiores montadas na berbigoeira, que permitam a deslocação a pé, sobre elas. Tala – Espaço a espaço, certo, em que os estropos dos anzóis se ligam à madre. Talão de proa – Distância entre o forcado da proa e a roda da proa. Talão de ré – Distância entre o forcado de popa e a roda de popa. Talha – Cadernal, peça de madeira onde se insere um (ou mais) gornes (roda com gola) montado num eixo, e que numa ponta tem um gancho para entrar na alça onde se pretende aplicar a força. Tamanca – Peça em forma de ângulo ligeiramente obtuso, que também enfia na encala, para, juntamente com a forcada, trilhar o cabo do ancinho. Tarma – Reforço do remo, juntamente com o cágado. Tarrafa – 1. Arte de arrasto, tipo varredoura de superfície, constituída por saco e duas mangas, usada nas ílhavas. – 2. Outro tipo de rede, de forma cónica, de lançamento individual, cuja base é guarnecida de chumbos.

356


Teada – Cada uma das tiras usadas na feitura da vela, com cerca de 0,60 m de largura. Tensionar – Ajustar a vela. Testa – Parte dianteira da vela. Tolete – O mesmo que escalamão; normalmente, de madeira. Toste – Prancha montada na borda das embarcações lagunares, que evita a deriva da embarcação, quando à vela. Tostes – Pranchas trapezoidais de madeira, que evitam o arrolar da embarcação quando bolinam. Tralha – Designação genérica dado ao cabo onde ata a rede. Tralhe – O mesmo que tralha. Traste – 1. Peça, através da qual passa o mastro da embarcação e que estrutura a forma da embarcação. 2. Traste – Banqueta, a toda a largura do barco em que se sentavam os remadores, no barco do mar. Traste de ré - A bancada mais perto da popa.Traste de vante – Bancada mais chegada à proa. Tresmalho – arte constituída por pano central e albitanas, funcionando na vertical, fundeada ou à deriva.

357


Tresmalhe de deriva – Tresmalhe flutuante, lançado à deriva, acompanhado com o descair da bateira, de onde se coordena a sua posição vertical. Tresmalho de fundo – Tresmalho fixo ao fundo por ferros de fundear. Trilha-pés – O mesmo que recoveira. Troça – Cabo que aconchega a verga ao mastro. Trole – O mesmo que espinhel.

U Unha (à) – Metodo de pesca em que o pescador revolve o lamaçal ,e encontrando peixe, ferra entre dedos a enguia (ou solha).

V Valuma – Parte traseira da vela. Vão – Espaço entre cavernas. Vara – Utilizada na chamada deslocação à vara, em todas as embarcações lagunares.

358


Varão da escota – Varão metálico onde corre a argola a que se vem fixar o moitão da escota. Varar – Entrar com a embarcação pela praia. Varar o mar – Expressão utilizada para designar a viagem das embarcações de Aveiro para Lisboa. Vareiro de proa – Homem à proa, munido de uma vara, cuja missão era impedir que a embarcação se atravessasse ao mar, quando nele entrava. Varino – Embarcação que laborava no Tejo, alternativa às fragatas, com maior possibilidade de acesso a zonas baixas por ter fundo plano. De vários deslocamentos, o varino poderia atingir as 120 ton. Varinos – Identificação por que eram conhecidas as gentes idas da laguna. Varredouras – Artes que percorriam o fundo arenoso, puxadas para terra, pelas mangas. Vasculho –Vara

fundeada, tendo no final um «ramo» para

identificação do local de inicio do lanço,e que tem amarrado o reçoeiro. Vela bastarda – O mesmo que vela latina triangular.

359


Vela de pendão – Vela quadrangular que enverga em verga, que pode amurar à proa, ao mastro ou à borda. Vela latina de carangueja – Vela envergada na carangueja, cuja esteira era livre, amurando ao pé do mastro, e regulada pela tensão exercida no punho da escota. Vela latina triangular – O mesmo que vela bastarda. Verga – Vara de madeira que suspende a vela. Na gíria, é designada como invergue. Vertedouro – O mesmo que escoadouro. Vertente da proa – O mesmo que barrote da proa. Vintaneiro – Homem que ia cumprir a vintena nas armadas do rei. Vintenas – Organização vinda do tempo de D. Dinis.

X Xalavar – O mesmo que enxalavar. Xávega – O mesmo que arte da xávega. Xarolo (Xerelo) – Vara que atravessa a parte superior da cabeça do leme, de cujas extremidades partem os cabos de comando da embarcação. 360


Xeleira (ou cheleira)- Prateleira existente no castelo de proa do moliceiro ou mercantel,para guardar alimentos, documentação e outras

361



BIBLIOGRAFIA

Albernaz, Pedro Teixeira – El Atlas del Rey Planeta (1634). Ed. Nerea Sa, 2003. Alcoforado, M. da Maia – A Indústria do Sal in Museu Technologico. 1º Ano, nº 4. Lisboa, Setembro, 1877. Almeida, Carlos e Fernandes, Francisco – Carta Arqueológica do concelho de Aveiro, 2001. Amorim, Aires – Da Arte de Xávega de Espinho a Ovar. Câmara Municipal de Ovar, 1999. Amorim, Inês – Aveiro e sua Provedoria no Séc. XVIII (1690-1814). Coimbra, CCRC, 1997. Amorim, Inês – Porto de Aveiro, Entre a Terra e o Mar. Aveiro, APA,2008. Amorim, Padre Aires – Para a história de Ovar, in Aveiro e o seu Distrito, nº9, Junho, 1970. Amzalak, Mosés Bensabat – A Indústria da Pesca do Bacalhau e a sua intensificação em Portugal. Lisboa, 1921. Arcos, Conde dos – Caparica através dos Séculos. Ed. CM. de Almada, 1972. 363


Arquivo Distrital de Aveiro, vol. XXXIV. S/d. Arroteia, Jorge – Os Ílhavos e os Murtoseiros na Emigração Portuguesa. ADERAV, Aveiro, 1984. Baptista, Joaquim – Reflexões sobre a Navegação no Rio Vouga – 1821. Estante Editora. Aveiro, 1989. Bobone, Vasco d’Orey – Caderno de Todos os Barcos do Tejo. ACD, Lisboa, 2007. Braga, António Caires da Silva – Sistemas de Pesca da Ria de Aveiro, Boletim da Pesca, nºs 74 e 75. Lisboa, Março, 1962. Braga, Teófilo, Braga – O Povo Português nos seus Costumes e Tradições. Lisboa, D. Quixote, 1985. Branco, D. Manuel de Castello – Embarcações e Artes de Pesca. Lisnave, Estaleiros Navais de Lisboa, 1981. Brandão, Raul – Os Pescadores. Estúdios Cor, Lisboa, 1967. Calo, Francisco Lourido – As artes de Pesca de S. Tiago. Vigo, 1980 (Simposio Internacional de Antropoloxia, Vigo, 1980). Ed. Conselho Cultura Galega, 1998. Carvalho, António Victor - «A Construção Naval no Norte da Ria de Aveiro», Terras de Antuã nº 3,ano 3, Nov. 2009.

364


Carvalho, Luís Gomes - «Memória Descritiva do Porto de Aveiro», Arquivo Distrital de Aveiro, vol. XIII. 1947. Castro, Armando – A evolução económica de Portugal dos sécs. XII a XV, vol. IV. Lisboa: Portugália, [1964]. Castro, D. José – Estudos Etnográficos. Aveiro. Instituto para a Alta Cultura. Lisboa, 1943-1945. Catálogo da Exposição de Homenagem a H. Seixas. Museu de Marinha, 1998. Chaves, Maria Adelaide Godinho Arala – Da Ria e da Terra – A Cala de Ovar. Edições Afrontamento, Lda. 2012 Coelho, Maria Helena – O Baixo Mondego nos Finais da Idade Média. Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1989. Conceição, Alexandre da – Tipos da Minha Terra. Ensaios de Crítica e Literatura, 1881. Correia, António – A Acção dos Pescadores de Ílhavo na Costa da Caparica. Ed. de 1967. Cortesão, Jaime – História dos Descobrimentos, vol.I, Ed. Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 1990. Costa, Carvalho – Corografia Portugueza. Ed. Biblioteca Nacional para os Descobrimentos Portugueses – DVD, sd.

365


Costa, J. Botelho – Condições físicas das terras da Gafanha. 4º Congresso para a Ciência, 1944. Cruz, Maria Alfredo – Pesca e Pescadores de Sesimbra, Centro de Estudos Geográficos anexo à Faculdade de Letras. Lisboa, 1966. Cunha, Ferreira da – Ilustração Portuguesa, nº 500 de 20 de Setembro de 1915. Cunha, Silvério da Rocha e – Notícia sobre as Indústrias Marítimas na Área da Jurisdição da Capitania do Porto de Aveiro. Gráfica Aveirense, Lda. Aveiro, 1939. Cunha, Silvério da Rocha e – O Porto de Aveiro. Sociedade Nacional de Tipografia. Lisboa, 1924. Cunha, Silvério da Rocha e – Relance da História Económica de Aveiro. Imprensa Universal, 1930. Cunha, Teodoro, in Jornal de Coimbra. Daveau, Suzanne – Geografia de Portugal. Ed. Sá da Costa, 1977. Do Almoxarifado de Aveiro – Portos Secos. Livro nº 10, I, 2º, Arquivo do Tribunal de Contas, S/d Edrisis, Descripition de Portugal et Espagne. E. J. Brill, 1866 Esparteiro, António Marques – Dicionário Ilustrado de Marinha. Lisboa, 1943. 366


Estatística Industrial de 1864. Ferreira, Manuel de Oliveira – Memórias Paroquiais do Séc. XVIII, Arquivo Distrital de Aveiro, vol. 35. 1969 Filgueiras, O. Lixa – «Barcos», A Arte Popular em Portugal. Lisboa, Verbo, s/d. Filgueiras, O. Lixa – No crepúsculo das embarcações Regionais, in Publicações do XXIX Congresso Luso-Espanhol para o Progresso das Ciências, Colóquio 2, tomo III. Lisboa, 1970. Fonseca, Quirino da – A Caravela Portuguesa. Ed. Chaves Ferreira, 2003. Fonseca,

Senos

da

As

Grandes

Navegações

Marítimas.

http://asgrandesnavegamaritimas.blogspot.com/ , 2009. Fonseca, Senos da – Costa-Nova-do-Prado – 200 Anos de História e Tradição. Edição de Autor, 2009. Fonseca, Senos da – Embarcações que Tiveram Berço na Laguna. Papiro Editora, Porto, 2011. Fonseca, Senos da – Ílhavo – Ensaio Monográfico do Século X ao Século XX, Papiro Editora, Porto, 2007. Fonseca, Senos da – Nas Rotas dos Bacalhaus. Edição de Autor, 2005.

367


Gaspar, Mons. João Gonçalves – Aveiro na História. Ed. Presença, 1984. Girão, Amorim – Aspectos Geográficos do Distrito de Aveiro, ADA, vol. I, 1935, p. 9. Godinho, Magalhães – Os Descobrimentos e a Economia Mundial. Ed. Presença, 1971. Gomes, Diniz – Costumes e Gente de Ílhavo, vol. I, Anadia, 1941. Reedição da CMI. 1989. Gomes, Diniz – Costumes e Gente de Ílhavo, vol. II, Companhia Ed. do Minho, 1948. Gomes, Diniz – Ilustração Portuguesa de 20 de Setembro de 1915. Gomes, J.A. Marques – Memórias de Aveiro. Tipografia Comercial. Aveiro, 1875. Gomes, J.A. Marques – O Districto de Aveiro. Imprensa da Universidade, Coimbra, 1877. Guevaz, Francisco – Nova Relação da Batalha Naval que tiveram os Algarvios com os Saveiros, nos mares que confinam com o celebrado País da Trafaria (Autor Anónimo). Catalunha, s/d. Hayood, Jonh – Historical Atlas of the Vikings, 1955.

368


Justino, David – Problemas de História dos Preços: o sal e o milho no mercado de Aveiro (1862-1931), in Revista de História Económica e Social, nº 2, Lisboa, 1978. La Roerie – Navires à Lame et à l’Hélice. Paris, 1943. Lamy, Alberto Sousa – Monografia de Ovar. Edição do Autor. Ovar, 1977. Laranjeira, E. Lamy – A Ria de Aveiro – Barcos e Artes de Pesca. Edição Portucel. Aveiro, s.d. Laranjeira, E. Lamy – O Furadouro – O Povoado, o Homem e o Mar. Ed. C.M. de Ovar, 1984. Leitão, António Nascimento – Aveiro e sua Laguna. Ed. Sá da Costa, Lisboa, 1944. Leitão, Manuel; Simões, Ferdinando e Silva, A. Marques da – A Muleta. Ed. do M. de Marinha e Ecomuseu M. Seixal, 2009. Leite, João – Memórias Paroquiais de Ovar, 1758. Lemos, A. Viana de – O moliço na Ria de Aveiro. Sep. da Revista da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, vol. III, nº 4. Coimbra, 1933. Lemos, João P. – A Ria de Aveiro – Um Olhar de Resvés. Edição da CMA. Aveiro, 1996.

369


Lima, Jaime de Magalhães – Os Povos do Baixo Vouga. Ed. C. M. Ílhavo, Murtosa e C. T. Torreira. 1968. Lopes, Ana Maria – Moliceiros – A Memória da Ria. Ed. Quetzal, 1997. 2ª Ed. Âncora Editora, 2012. Lopes, Ana Maria – O Vocabulário Marítimo Português. Instituto de Estudos Românicos. U. Coimbra, 1975. Lopes, Helena e Lopes, Paulo Nuno – A Safra, Livros Horizonte, Lda, Lisboa, 1995. Lopes, Luís Seabra – A estrada Eminium – Talábriga – Cale. Revista Conímbriga. Vol. XXXIX, 2000. Madahil, A. G. Rocha – Barcos de Portugal, in Vida e arte do povo português. Ed. SNP. Lisboa, 1940. Madahil, A. G. Rocha – Illiabum – Série de Subsídios para a História de Ílhavo. Coimbra, 1922. Madahil, A. G. Rocha – Subsídios para o estudo da propriedade alagada na zona de influência da Ria de Aveiro. ADA, Aveiro. Vol. XII, 1946. Madahil, A. G. Rocha (org) – doc. LXX, Colectânea de Documentos Históricos – Milenário de Aveiro, vol. II, Câmara Municipal de Aveiro, 1959.

370


Madahil, A. G. Rocha (org) – doc.de Mumadona Dias, Colectânea de Documentos Históricos – Milenário de Aveiro, vol. I, Câmara Municipal de Aveiro, 1959 Madahil, A. G. Rocha (org), Milenário de Aveiro - Colectânea de Documentos Históricos, vol. I e I. Câmara Municipal de Aveiro, 1959. Madahil, A. G. Rocha (org.), doc. CXLVI, Colectânea de Documentos Históricos – Milenário de Aveiro, vol. I, Câmara Municipal de Aveiro, 1959. Madahil, A. G. Rocha (org.), doc. LXXVII, Colectânea de Documentos Históricos – Milenário de Aveiro, vol. I, Câmara Municipal de Aveiro, 1959 Madahil, A. G. Rocha (org.), doc. LXXXVII, «Carta de D. João I de 30 de Abril de 1934», Colectânea de Documentos Históricos – Milenário de Aveiro, vol. I, Câmara Municipal de Aveiro, 1959 Madahil, A. G. Rocha (org.), doc. XCVVIII, «Determinações para o apuramento dos mareantes para a vintena do mar», Colectânea de Documentos Históricos – Milenário de Aveiro, vol. I, Câmara Municipal de Aveiro, 1959. Magalhães, Luiz de – Os Barcos da Ria de Aveiro, in Portugália, tomo II, fasc. I. Porto, 1905 – 1908.

371


Marques, Silva – Descobrimentos Portugueses. Tomo I. Instituto Alta Cultura. Lisboa, 1945. Martins, Fernandes – A Configuração do Litoral Português no Último Quartel do Séc. XIV. Sep. Biblos, Vol. XXII, tomo I. Coimbra, 1946. Melo, L. de Miranda – Barcos de Aveiro – Os Moliceiros, ADA, nº XXI. Aveiro, 1955. Mendes, Humberto – Cartografia e Engenharia da Ria e Barra de Aveiro no Último Quartel do Século XVIII. Sep. ADA, 1975. Milenário de Aveiro – Colectânea de Documentos Históricos, vol. I. Organ. de Rocha Madahil. Ed. CMA., 1959. Moura, Frederico de – Ressonâncias. Ed. Fedrave. Aveiro, 1999. Nero, Fernandes Emanuel Gaultier, As Barras da Ria de Aveiro até ao Início do Séc. XVII, SAL – Boletim Municipal da Cultura. Câmara Municipal de Aveiro, 9 de Outubro de 2009. Neves, F. Ferreira – A Confraria de Pescadores e Mareantes de Aveiro – Nª Sª da Alegria – Sá (1200-1885). ADA, vol. XXXIX, 1973. Neves, F. Ferreira – A Marinha Mercante de Aveiro no Séc. XVI. ADA, vol. V, 1939. Neves, F. Ferreira – A Memória sobre Aveiro, de Pinho Queimado. ADA, vol. III, 1937 (Doc. copiado do original de 1687).

372


Neves, F. Ferreira – A memória sobre Aveiro, do Cons. José Fereira da Cunha e Sousa. ADA, vol.VI, 1940. Nobre, Augusto; Afreixo, Jaime e Macedo, José – Relatório Oficial do Regulamento da Ria de 28 de Dezembro de 1912. Imprensa Nacional da Casa da Moeda. Lisboa, 1915. Oliveira, Miguel – O Furadouro e a sua História Antiga. Ed. Museu de Ovar, 2004. Oliveira, Miguel – Privilégios do Barqueiro de Esgueira, Arquivo Distrital de Aveiro, Vol. I, 1935. Oliveira, Orlando – Origens da Ria de Aveiro. Edição da C. M. de Aveiro, 1988. Peixoto, Rocha – As Indústrias Populares – Etnografia Portuguesa. Ed. D. Quixote, 1990. Pinto, J. F. Teixeira – Memórias e datas para a história da vila de Ovar – Pref, rev. e notas do Padre Miguel Augusto de Oliveira. Ed. da CMO, 1959. Publicações Avulsas do IPIMAR – Contribuição para o Conhecimento das Artes de Pesca Utlizadas na Ria de Aveiro (Carneiro, Martins, Rebordão e Sobral), nº 8. Lisboa, 2002. Quesada, Juan Martos, Dep. Estudos Árabes e Islâmicos – UCM, in Rev. História, nº 95. 373


Rau, Virgínia – Estudos de História Medieval. Ed. Presença, 1985. Regalla, Francisco A. da Fonseca – A Ria de Aveiro e a suas Indústrias História. Lisboa (Imprensa Nacional), 1889. Rezende, Pe. João Vieira – Monografia da Gafanha, 2ª edição, revista e aumentada. Coimbra, 1944. Ribeiro, Orlando – Introdução Geográfica à História de Portugal. Lisboa, (Imprensa Nacional), 1987. Sá, Pe. Manuel F. de – Monografia de Paramos, 1937. SAL – Boletim Municipal de Cultura. Câmara Municipal de Aveiro, 2009. Sampaio, Alberto – Estudos Históricos e Económicos, As Póvoas Marítimas, Vol. II. Ed. Vega. Lisboa, 1979. Sarabando, José – Cagaréus e Ceboleiros. Campo de Letras, s/d. Seixas, Henrique Mauffroy – Catálogo de Homenagem. Museu de Marinha, 1988. Sérgio, António – Introdução Geográfico-Sociológica à História de Portugal. Ed. Sá da Costa. Lisboa, 1982. Serrão, Joel – Transportes in Dicionário da História de Portugal. Vol. VI, reedição de 1984.

374


Silva, A. Baldaque da – Estado Actual das Pescas em Portugal. Lisboa (Imprensa Nacional), 1891. Silva, A. Marques da – O Barco Moliceiro – Construção de um Modelo. Ed. do MM, CMI e MMI. Lisboa, 2007. Silva, Armando Tavares da – D. Manuel II e Aveiro, 2007. Silva, Maria João Marques da – Aveiro Medieval. Ed. da CMA, 1997. Souto, Alberto – A Estética dos nossos Barcos, in Talábriga – Revista d’arte e acção regional, nº 1, Abril de 1921. Souto, Alberto – Apontamentos sobre a geografia da Beira-Litoral, 1 – Origens da Ria de Aveiro. Tipografia Minerva Central. Aveiro, 1923. Souto, Alberto – Geologia do Distrito de Aveiro. ADA, vol.I e II, 1935 e 1937. Teixeira, João – Atlas dos Portos Marítimos, 1666. Teixeira, João – Descrição dos Portos Marítimos do Reino de Portugal, 1648. Teixeira, Pinto – Memórias e datas para a História da Vila de Ovar (Prefácio, revisão e notas do Padre Miguel Augusto de Oliveira), Tombo da Vila de Óis da Ribeira – 1797/1800.

375


Unamuno, Miguel de – Por Terras de Portugal e de Espanha, Assírio & Alvim. Lisboa, 1989. Visconde de Santarém – O Atlas do Visconde de Santarém. Museu de Marinha, 1950.

376


ÍNDICE Cap. 1- Embarcações : Introdução à história lagunar 1 - A Formação da laguna

7 17

Cap.2 – Embarcaçôes

27

Cap.3 – Classificaçâo das bateiras lagunares

37

3.1 Quanto à finalidade 3.1.1

- Definição termo bateira

3.2 - Quanto às águas onde exercem a sua actividade

39 43 45

3.2.1 - Bateiras do mar

45

3.2.2 - Bateiras de águas interiores

45

3.3 - Classificação das bateiras quanto à sua forma

50

3.4 - Excerto do RPRA

53

3.5 - Licenças de Pesca Concedidas

54

Cap.4 – Bateiras 4.1 - A «ílhava» na grande migração das gentes lagunares

55 60

4.2 - Características

70

4.3 - Planos Geométricos(2D)

77

4.4 - Planos Geométricos(3D)

78

Cap.5 – chinchorra

81

5.1 - Utilização

87

5.2 - Bateiras ainda existentes

92

5.3 - Planos Geométricos e de construção (2D)

96

5.4 - Planos geométricos (3D)

97

377


Cap.6 – Bateira de Mar

99

6.1 - Pormenores de construção

107

6.2 - As artes com que trabalhava

111

6.3 - Planos geométricos de construção (2D)

114

6.4 - Planos geométricos 3D

115

Cap 7 – Labrega

117

7.1 - Historia da labrega

119

7.2 - O «murtoseiro», um ser anfíbio da beira lagunar

122

7-3 – A labrega e a cultura «Avieira»

129

7.4 - Características

138

7.5 - Planos geométricos (2D)

138

7.6 - Planos geométricos (3D)

139

Cap.8 – «Mercantela» –(Berbigoeira)

143

8.1 - A berbigoeira passa mercantela

155

8.2 - Plano vélico

158

8.3 - Características

165

8.4 - Planos geométricos(2D)

165

8.5 - Planos geométricos (3D)

166

Cap.9 – «Caçadeira»

169

9.1 - Características principais

175

9.2 - Planos geométricos

183

9.2.1 - Planos geométricos (2D)

183

9.2.2 - Planos geométricos (3D)

184

Cap.10 – «Bateiras erveiras»

378

187


10.1 - Bateira erveira de Canelas

189

10.1.1 - Bateira erveira de Canelas(tipo caçadeira)

193

10.1.2 – Bateira erveira de Canelas (tipo matola)

197

10.2 – Bateira erveira do norte lagunar

203

10.3 – Planos geométricos (2D)

207

10.4 - Planos geométricos (3D)

207

Cap.11 – «Ladra»

211

11.1 – Características

213

11.2 – Bateiras miroas

217

11.3 – Planos geométricos (2D)

218

11.4 – Planos geométricos (3D)

218

Cap.12 – «Chata»,+ Patacha» ou « Rasca» 12.1 – Características Cap.13 – As Artes

221 224 227

13 – artes nomenclatura

231

13.1 – Artes de arrastar

235

13.1.1 – Arrastos interiores

235

13.1.2 – Mugeira

247

13.1.2.1 – mugeira da ria

247

13.1.2.2 – mugeira do mar

247

13.1.2.3 – Método de trabalho

248

13.1.3 - Tarrafa

249

13.1.4 - Chincha

251

13.1.5 – Chincha da galeota

253

379


13.1.6 –Garateia

254

13.1.7 – Berbigoeira

256

13.2 - Tresmalhos usados na laguna

262

13.2.1 – Branqueira

262

13.2.2 – Solheira

270

13.2.3 – Singeleira

274

13.2.3.1 – Manobra

275

13.3 – Salto (parreira ou peixeira)

276

13.4 – Aparelhos sedentários

287

13.4.1 – Botirão

288

13.4.2 – Camboa

291

13.4.3 - Galricho

294

13.5 – Aparelhos de mão

297

13.5.1 – Linha

297

13.5.2 – Fisga

298

13.5.3 – Sertela

300

13.5.4 –Espinhel

300

13.5.5 – Bolsa

302

13.5.6 –À unha

304

Cap. 14. 14.1 -Regulamento de pesca da ria de aveiro 14.2 – Quadros situação actual da pesca profissional na Ria de Aveiro 14.2.1 – Quadro 1-Principais artes de pesca por

380

305 307 308 308


comunidade 14.2.2 – Quadro2

- 14-2-2 –

Licenças p/ pesca

apeada 14.2.3– Quadro 3–Espécies bibalves descarregados em lota 14.2.4 – Quadro 4 – Bateiras licenciadas

309

309 310

Cap.15 – Lista construtores navais lagunares

311

Glossário

317

Bibliografia

363

Créditos fotográficos

383

381


EM ANEXO: Suporte informático, contendo todos Planos geométricos, em 2D e 3D das Embarcações, «Bateiras Lagunares», e ainda Imagens retiradas do ficheiro 3D. IMP: Para trabalho nestes ficheiros, aconselha-se o Auto-Cad 2013 (ou superior) Para visualização ou apreciação, pode trabalhar-se com o programa, DWG TRUE VIEW 2013, retirado gratuitamente da Internet.

382


Nota – Créditos fotográficos

O autor agradece a facilidade concedida pela utilização de fotografias, que embora publicas, ficam aqui referidas: AML– fig.10,40,39,41,45,47,48,51,54,55,56,57,59,60,62,63,64,,65,67,70,83, 84,88,92, 97,98,99,100,101,108,109,114,116,117,119,136,148,149. Américo Ribeiro –fig.72,78 António Ferreira –fig.40,69 Etelvina Almeida – fig.,54,64,65,87 Foto Guedes –fig.79 M. Lourdes Véstia –fig.74

Nota final : este livro foi escrito segundo o anterior acordo ortográfico (1990).

383


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.