apresenta
SELETA - m煤sica da amaz么nia
1
Há
4 ANOS
celebrando a música brasileira no Pará
e a música do
Pará no Brasil
Gaby Amarantos
Marco André
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APOIO:
GESTÃO E PRODUÇÃO:
2
INICIATIVA:
Dona Onete
12 ANOS de história
1.874 ATRAÇÕES
ações em ESTADOS
9
478
PROJETOS incentivados
público de mais de
1MILHÃO
+65PROJETOS incentivados no Estado
REALIZAÇÃO:
INCENTIVO:
GESTÃO E PRODUÇÃO:
INICIATIVA:
APOIO:
Juliana Sinimbú
Felipe Cordeiro
Ministério da Cultura
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GRIFFO
F o t o : Ta i a n a L a i u n
SÃO MUITAS E BELAS
Encerramento do Terruá Pará em São Paulo 4
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AS VOZ ES DO PARÁ.
É OUVIR E AMAR. www.pa.gov.br SELETA - música da amazônia
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Gestão e Produção cultural
Shows e eventos
Assessoria de imprensa
Management and production
Gigs and music events
Press office
Com 10 anos de atividade no mercado cultural e musical a Se Rasgum Produções já realizou mais de 200 eventos com a apresentação de centenas de shows com bandas nacionais e internacionais. Além dos eventos e projetos realizados desde 2003, a produtora idealizou e produziu 7 edições do Festival Se Rasgum, um dos eventos independentes mais importantes do país que conecta a música produzida na Amazônia para o Brasil e para o mundo. With a 10 years trajectory in the music concert business Se Rasgum Produções has promoted more than 200 events between concerts and music festivals, including Brazilian and foreign bands. Besides the concerts and other cultural projects, it has produced seven editions of Se Rasgum Music Fest, one of the most important independent festivals of Brazil, know by it’s role in revealing the Amazonian music to Brazil and to the world.
Açþes formativas Workshops
Festival Se Rasgum
serasgum.com.br facebook.com/serasgum flickr.com/serasgum youtube.com/serasgum twitter.com/serasgum
expediente / staff list
Direção Executiva / executive producer Marcelo Damaso / Reneé Chalu Editor-chefe / editor-in-chief Marcelo Damaso [editor@revistaseleta.com.br] Editor-assistente / editor Elvis Rocha Projeto gráfico e diagramação / art direction and layout Anna Leal Tratamento de imagens / photo retoucher Fabrício Dias Produção Editorial / producer Luiza Borges [contato@revistaseleta.com.br] Colaboradores / contributors Alex Antunes, Diana Figueroa, Gustavo Godinho, Ismael Machado, Junior Lopes, Renato Chalu, Tylon Maués, Vladimir Cunha Publicidade e marketing / PR and marketing Renée Chalu [publicidade@revistaseleta.com.br] Foto da capa / cover photo by Diana Figueroa Revisão / adjustment Rafael Guedes Tradução / translation Hector Lima e Vladimir Cunha Idealização / created by Se Rasgum Produções Tiragem / circulation 2.000 cópias Periodicidade / periodicity Semestral
Revista Seleta - Música da Amazônia #1 novembro/2012 8
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editorial / editor’s letter Quem veio antes: a música ou a tristeza? Bem que queria começar um editorial imitando o clássico romance “Alta Fidelidade”, de Nick Hornby, mas não dá. Nesse editorial não cabe tristeza, só alegria e muita satisfação com o resultado de um trabalho que nos tomou meses e meses, cuidados e mais cuidados, mas saiu exatamente como queríamos. Talvez por ser o primeiro número, a edição pôde ser pensada com muita calma, com cuidados dobrados para não cair no esquecimento e se alojar diretamente no nicho que buscamos: você, que, de alguma forma, tem uma relação com o mercado musical, entende o que está acontecendo no país, acompanha as novidades, se interessa pela cena da Amazônia e, acima de tudo, é amante de música. Da equipe de colaboradores e responsáveis pela primeira edição da Seleta, 90% tem uma coisa em comum: a Amazônia como lar. Por mais que os gostos musicais passem pela Califórnia dos anos 60 ou 90, o punk engajado, a música balcânica, o pop inglês, o fato de estar aqui nos coloca em vantagem. Conhecemos nossa produção, sabemos o que está nos nossos palcos e crescemos ouvindo ritmos que formaram nossa personalidade, nossa identidade. Por isso, quem escreve aqui sabe o que é carimbó, assim como sabe o que é rock inglês, punk 77, Tropicália e música jamaicana. Nosso primeiro número destaca personalidades como Pinduca, Mestre Vieira e Dona Onete. Três nomes que dão ao Pará o brilho da originalidade e das raízes fortes da Amazônia. Além deles, temos uma matéria que ilustra muito bem o painel das novas gerações que beberam nas mesmas fontes de seus mestres. Mostramos como anda o carimbó hoje em dia pelo Brasil e em sua matriz, Belém. Abordamos a produção paraense lançada em vinil e temos um artigo escrito por Alex Antunes – o único de fora do Pará –, que fala da música da Amazônia de uma maneira mais ampla, ultrapassando as fronteiras do estado. A Seleta tem a ambição de honrar seu subtítulo a cada edição. Queremos ir ao Amazonas, Amapá, Acre e explorar a música de toda a Amazônia Legal, sempre com matérias completas, bem estruturadas e, o mais importante: atemporais. Guarde seu exemplar, pois a cada número lançado você terá em mãos reportagens, artigos e entrevistas que sobreviverão ao tempo e às modas. Fica com a gente, escuta nossa música e mergulha de cabeça na Amazônia. Isso é para a posteridade. 10
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Who came first: music or sadness? I wish I could start an editorial imitating the classic novel “High Fidelity” by Nick Hornby, but no can do. In this editorial sadness does not fit, only joy and satisfaction with the outcome of a job that took us months and months, health care and more, but came out exactly how we wanted it. Maybe because it is the first issue, it allowed us to be thought out calmly, with extra care not to fall into oblivion and settle directly in the niche we seek out: you who, somehow, have a relationship with the music business, understands what is happening in the country, follows the news, is interested in the Amazon scene and, above all, is a lover of music. From the team of collaborators responsible for the first issue of Seleta, 90% have one thing in common: Amazon as a home. As much as musical tastes go through California of the 60s or 90s, politicized punk, Balkan music, Britpop, being here gives us an advantage. We know our output, we know what is on our stage and grew up listening to rhythms that formed our personality, our identity. Therefore, those who write here know what carimbó is, as well as know what is English rock, Punk 77, Tropicália and Jamaican music. Our first issue highlights personalities such as Pinduca, Master Vieira and Dona Onete. Three names that give Pará the glow of originality and of the strong roots of the Amazon. Apart from them we have a story that illustrates very well the new generation panel who drank from the same sources of their masters. We show the state carimbó is in today in Brazil and in its birthplace, Belém. We approached the Pará production released on vinyl and have an article written by Alex Antunes - the only collaborator from outside of Pará -, who speaks of the Amazon music in broader terms, crossing the state’s borders. The Seleta aspires to honor its subtitle on every issue. We want to go to Amazonas, Amapá, Acre and explore music from across the Amazon Legal, always bringing complete articles, well structured and, most importantly, timeless. Keep your copy, as in every issue you’ll have in your hands released reports, articles and interviews that will survive time and fads. Stay with us, listen to our music and plunge headfirst into the Amazon. This is for posterity.
eis oR nat Re Fo to:
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Equipe /
Team
Marcelo Damaso (editor-chefe / editor-in-chief)
Jornalista e produtor. Foi editor de cadernos de cultura, polícia e esportes em jornais de Belém. Como repórter, colaborou com revistas como MTV e Billboard. Toca baixo na banda The Baudelaires e é DJ em Belém. Há quase 10 anos fundou a Se Rasgum Produções, hoje com um dos festivais de música mais consolidados do Brasil e o principal da Amazônia. É fã dos jogos da Rockstar para o X-Box. // Journalist and producer. Editor of Variety, Crime and Sports in Belém newspapers. As a reporter collaborated with magazines such as Billboard and MTV. Plays bass in the The Baudelaires band and is a DJ at Belém. Nearly 10 years ago founded the Se Rasgum Productions, now one of the more established music festivals in Brazil and the main Amazon one. Is a fan of Rockstar’s games for the X-Box.
Renée Chalu (produtora executiva / executive producer)
Publicitária e produtora. Trabalhou como produtora de RCTV em uma das maiores agências de publicidade do Pará. Como produtora de cinema, trabalhou em filmes rodados em Belém, como “Araguaya, Conspiração do Silêncio” e “Origem dos nomes”. Em 2010, trabalhou na gestão e produção do projeto Conexão Vivo no Pará. Atualmente é diretora executiva da Se Rasgum Produções. Sua vida musical começou com Pixies e Fugazi. // Ad-woman and producer. Worked as RCTV producer for one of the largest advertising agencies in Pará. As a film producer worked in movies filmed in Belém, such as “Araguaya, Conspiração do Silêncio” and “Origem dos nomes”. In 2010, worked in management and production of the Vivo Connection project in Pará. Currently is executive director of Rasgum Productions. her musical life began with Pixies and Fugazi.
Elvis Rocha (editor / editor)
Jornalista. Trabalha há 16 anos como colaborador de jornais, sites e revistas de Belém. Foi editor da revista Leal Moreira, sobre comportamento e cultura, e atualmente edita a revista Gotaz, 100 % dedicada às artes visuais. Fã de Beatles, Zombies, Roberto Carlos e Stereoscope, leu três vezes as 800 páginas da biografia de Paul McCartney. Tem um Cort e um Giannini Formigão, completando o time de baixistas da Revista Seleta. // Journalist. Has ben working for 16 years as a contributor to newspapers, magazines and websites in Belém. Was editor for Leal Moreira on lifestyle and arts, and currently edits the magazine Gotaz, 100% dedicated to the visual arts. A fan of The Beatles, Zombies, Roberto Carlos and Stereoscope, has read the 800-page biography of Paul McCartney three times. And has a Cort Giannini Formigão, completing the bass team of Seleta Magazine.
Luiza Borges (produtora / producer)
Assistente de produção e jornalista. Luiza já foi assessora de imprensa de Gaby Amarantos, escreveu sobre música para sites especializados e, eventualmente, ataca de DJ de rock em festas alternativas. Tem um baixo em casa e ainda não aprendeu a tocar. // Production assistant and journalist. Luiza was Gaby Amarantos’ PR, wrote about music for niche sites and eventually doubles as a rock DJ at alternative parties. Has a bass at home but has yet to learn how to play it.
Alex Antunes (repórter / reporter)
Jornalista cultural, produtor e pesquisador musical. Foi editor das revistas Bizz e Set, e escreveu na Rolling Stone, Veja, Folha de S. Paulo etc. Curador, produtor e palestrante em dezenas de festivais, séries musicais e editais, com destaque para Feira Música Brasil (Recife), ano do Brasil na Popkomm (Berlim) e Sónar (São Paulo). Produziu uma dezena de álbuns, incluindo trabalhos de sua banda Akira S & as Garotas Que Erraram. Escreveu o romance “A Estratégia de Lilith”, que foi adaptado no longa “Augustas”. // Arts Journalist, musical producer and researcher. Served as editor for magazines and Bizz and Set, wrote for Rolling Stone, Veja, Folha de São Paulo etc.. Curator, producer and lecturer at dozens of festivals, musical series and public grants, with highlights to Feira Música Brasil (Recife), year of Brazil in Popkomm (Berlin) and Sónar (São Paulo). Produced a dozen albums, including works of Akira S & as Garotas Que Erraram. Wrote the novel A Estratégia de Lilith”, which was adapted as the movie “Augustas.”
Vladimir Cunha (repórter / reporter)
Jornalista e documentarista. Colaborou com as revistas Rolling Stone, Billboard, Bizz, Piauí, Herói e Sexy. Foi diretor e roteirista da série Brasil Total e co-diretor da série Discoteca MTV. Dirigiu o documentário Brega S/A e a série Brasileirão Petrobras. Gosta de gibis, teorias da conspiração, Thomas Pynchon, Don DeLillo, Umberto Eco, ufologia, ciência fringe e de viajar para lugares onde a terra termina. // Journalist and documentary filmmaker. Has written to magazines like Rolling Stone, Billboard, Bizz, Piauí, Herói and Sexy. Was director and scriptwriter of the series “Brasil Total“ and co-director of the series Discoteca MTV. Has directed the documentary “Brega S/A” and the series Brasileirão Petrobras. Likes comic books, conspiracy theories, Thomas Pynchon, Don DeLillo, Umberto Eco, Ufology, fringe science and to travel to places where the land ends.
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Tylon Maués (repórter / reporter)
Jornalista, trabalha há doze anos nos jornais Amazônia e O Liberal, de Belém (PA). Tem reportagens publicadas nas revistas Living, Leal Moreira, Ache Belém, entre outras. Trabalhou na assessoria de imprensa das seis edições do Festival Se Rasgum de Música. Membro fundador do indefectível blog Ressaca Moral (que descanse em paz). Detesta ser reconhecido na rua, situação para a qual vem se preparando há anos. // Journalist, works for twelve years in the newspaper O Liberal and Amazon, of Belém (PA). Has had stories published in magazines Living, Leal Moreira, Ache Belém, among others. Has worked in the press room for the six editions of the Festival Se Rasgum de Música. Founding member of the unfailing blog Ressaca Moral (may it rest in peace). Hates being recognized on the street, a situation for which he has been preparing for years.
Ismael Machado (repórter / reporter)
Jornalista e escritor. Repórter especial do jornal Diário do Pará. Autor de três livros, é colunista cultural do caderno Por Aí e colaborador do site Screamyell. Já escreveu para publicações como jornal O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Bravo!, Época, Caros Amigos e Veja. Nos anos 80 fez parte da banda Falsos Adeptos. // Journalist and writer. Special reporter of the newspaper Diário do Pará. Author of three books, is a Variety columnist for the Por Aí section and a collaborator of the Screamyell site. Has written for publications such as O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Bravo, Época, Caros Amigos e Veja. In the ‘80s was in the band Falsos Adeptos.
Diana Figueroa (fotógrafa / photographer)
Fotógrafa. Nascida em 1986, ano de Copa do Mundo no México. Sócia fundadora do Gotazkaen Estúdio, escritório de design e fotografia, responsável pela capa do CD de AGaby Amarantos, premiado no Video Music Brasil, da MTV. É diretora executiva da revista Gotaz e esposa de Daniel, baterista eloqüente e trompetista em andamento. // Photographer. Born in 1986, the year of the Mexico World Cup. Co-owner and founder of Gotazkaen Estúdio – Design & Image Bureau. In 2012 her cover for singer Gaby Amarantos firsrt CD received the “Best Album Cover” prize at MTV’s Video Music Brazil Awards. Diana is also publisher of Gotaz magazine and married with Daniel, an eloquent drummer and trumpet player.
Renato Chalu (fotógrafo / photographer)
Fotógrafo e cineasta. Vencedor do 2º Grande Prêmio do Arte Pará 2010 e do Prêmio Tim Lopes de Investigação Jornalística. Dirigiu o documentário “Estação da Saudade” sobre a vida e obra de Mestre Laurentino. Fez câmera no documentário “Notícias da Terra do Meio”, sobre o assassinato da missionária Dorothy Stang e foi diretor do DVD “EletroFunkDubSocial” da banda Coletivo Rádio Cipó, grupo que também faz parte como guitarrista.// Photographer and filmmaker. Winner of the 2nd Grande Prêmio do Arte Pará 2010 and Tim Lopes Award for Investigative Journalism. Directed the documentary “Estação da Saudade” about the life and work of Master Laurentino. Was cameraman for the documentary “Notícias da Terra do Meio”, about the murder of missionary Dorothy Stang and was director of the DVD “EletroFunkDubSocial” for the band Coletivo Rádio Cipó, in which he is also a guitar player.
Junior Lopes (ilustrador / illustrator)
Foto: Bob Menezes
Produziu ilustrações para várias revistas e jornais (Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil, Rolling Stone, Showbizz, VIP, Superinteressante, Le Monde Diplomatique etc. Atualmente faz exposições com seu trabalho de retratos de retalhos, técnica inventada por ele mesmo. // Has produced illustrations for various magazines and newspapers (Folha de S. Paulo, Gazeta Mercantil, Rolling Stone, Showbizz, VIP, Superinteressante, Le Monde Diplomatique etc). Currently does exhibitions of patchwork portraits, a technique invented by himself.
Anna Leal (direção de arte - diagramação / art direction - layout)
Formada em Design pela UEPA e especialista em Imagem e Sociedade pela UFPA. Trabalha há 10 anos com design editorial em algumas das principais revistas de Belém. Estudou piano durante a infância e adolescência, mas atualmente não toca mais e é fã de bandas com B, como Belle & Sebastian, Beatles e Bidê ou Balde.// Graduated in Design at UEPA and an expert and Pictures and Society through UFPA. Has been working for 10 years with editorial design in some of the main magazines in Belém. Has studied piano throughout her childhood and adolescence, but currently does not play anymore and is a fan of bands with B, like Belle & Sebastian, Beatles and Bidê ou Balde.
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índice / contents
O Brasil lá em cima Brasil up there
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Meu reino por um carimbó The king of carimbó
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É carimbó pra cá. É carimbó pra lá Carimbó everywhere
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Dona Onete
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This is tecnobrega, baby
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Esse é o mestre! Here comes the master
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Só o creme The cream of the crop
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Põe a vitrola pra tocar Vinyl fever
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O Brasil lá em cima Brasil up there
por: Alex Antunes Ilustrações: Junior Lopes
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“E aquilo que nesse momento se revelará aos povos Surpreenderá a todos, não por ser exótico Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto Quando terá sido o óbvio” Um índio, Caetano Veloso
É fácil imaginar “dois Brasis” musicais. Na verdade, dois psiquismos, duas visões de mundo. Outro dia, na Folha Ilustrada, o compositor Márcio Borges afirmava que se fosse “um museu da Bossa Nova no Rio, ou da Tropicália, em Salvador”, o museu do Clube da Esquina em Belo Horizonte não estaria com a captação de verbas tão atrasada para seu lançamento nos 40 anos do álbum que lhe dá nome. A ironia do mineiro descreve de certa forma a divisão entre introspecção e extroversão que parece marcar o Brasil profundo e o Brasil litorâneo. Podemos chegar à mesma conclusão falando de referências gringas. Do mesmo modo que até hoje se encontram jovens no interior do país que buscam em ícones setentistas como Doors, Led Zeppelin e Pink Floyd combustível para viagens da mente, na faixa mais próxima do litoral existe uma certa celebração dos modos mais leves e modernos. Ou, no limite e maldosamente dizendo, fúteis – por exemplo, foi divertida a polarização em São Paulo em torno de uma novidade fashion no Lollapalooza, o grupo Foster The People, que frequentou igualmente as listas de pior e melhor show, como exemplar perfeito dessa impermanência hypada. Agora, imagine que existe um terceiro Brasil, onde as qualidades dos dois outros estão presentes. Uma espécie de laboratório de um Brasil novo, onde intensidade e legitimidade não se confundem com fundamentalismo – ou, por outro lado, onde celebração não se confunde nunca com vacuidade.
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Tudo bem, nem as citadas Bossa Nova e Tropicália tinham nada de fúteis. Eram, cada uma delas, esse “melhor de dois mundos”, esse equilíbrio perfeito entre graça e inteligência, entre beleza e um certo veneno, na Guanabara do final dos anos 50, e na esquina entre Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro no final dos 60. Do mesmo modo que, ao longo dos 70, os mineiros encontraram em seu cruzamento de Beatles com os tambores negros das profundezas das Gerais uma descrição preciosa de Brasil. Ou mesmo o Manguebeat, em Pernambuco, nos 90, já respirando a cultura digital, mesmo que repensando estratégias que vêm desde o Modernismo Antropofágico. Mas o que se repete nessas receitas é a prevalência de duas das nossas raças-base, a branca e a negra, que se engalfinham e se engalfinharam ao longo de todo o século 20 numa luta pelo poder simbólico no projeto brasileiro de civilização. Apesar da bola já cantada pela antropofagia: e o índio, o brasileiro em si, onde fica? *** Todas as tentativas de descrever a música da região Norte tratam muito centralmente da proximidade com o Caribe e a América Central, como fonte de influências que quase não atingem o resto do país, o que daria à região um certo aspecto festivo específico de sua música. Manifestações afrocaribenhas como o zouk das Antilhas, o merengue de Porto Rico, o calipso de Trinidad e Tobago etc. obviamente
“And what will be revealed to the people right now Will surprise us all, not to be exotic But because it could always have been hidden As it has been obvious” An Indian, Caetano Veloso
It is easy to imagine “two Brazils” in Music. In fact, two psyches, two worldviews. The other day in Folha Iustrada (the entertainment section of one of Brazil’s biggest newspapers), composer Márcio Borges said that if it was “a Bossa Nova museum in Rio, or one for Tropicalia in Salvador”, the Public raising of funds for the Clube da Esquina museum in Belo Horizonte would not be so late for the 40 year celebration of the album that names it. The irony from the composer from Minas Gerais describes somehow the division between introspection and extroversion that seems to mark the deep Brazil and coastal Brazil. We can reach the same conclusion upon talking about gringo references. The same way even now countryside young people that seek in icons from the 70s like The Doors, Led Zeppelin and Pink Floyd fuel for mind trips, at the nearest shoreline there is a certain celebration of the lighter and more modern ways. Or, at the edge and maliciously saying, futile - for example, it was fun to see the polarization in Sao Paulo around a fashionable new thing in Lollapaloza, the band Foster the People, which equally appeared in the Best and Worst show lists as perfect example of this hyped impermanence. Now, imagine there is a third Brazil, where the qualities of both the others are present. A kind of laboratory for a new Brazil, where strength and legitimacy are not confused with fundamentalism - or, on the other hand, where celebration is never mistaken for emptiness. Okay, the aforementioned Bossa Nova and Tropicalia
had nothing futile to them. They were, each of them, this “best of both worlds”, this perfect balance between grace and intelligence, between beauty and a certain spicy poison, at Guanabara in the late 50’s, and at the corner of Salvador, São Paulo and Rio de Janeiro in the late 60’s. In the same way, throughout the 70’s, the mineiros found in their crossing of The Beatles with African drums from the depths of Minas Gerais a precious description of Brazil. Or even Manguebeat in Pernambuco in the 90’s, already breathing digital culture, even rethinking strategies that come from the Anthropophagic Modernism. But what appears again in these recipes is the prevalence of two of our base-races, white and black, which are pitted and became embroiled throughout the 20th Century in a struggle for symbolic dominance in the Brazilian civilization project. Although the ball has already sung by anthropofagy: what about the native, the first Brazil himself, where does he stay? *** All attempts to describe music from the North deal very centrally with the proximity with the Caribbean and Central America, as a source of influence that almost don’t reach the rest of the country, which would give the region a certain festive aspect to its music. AfroCaribbean manifestations such as the Antillean zouk, the Puerto Rican merengue, the calypso from Trinidad and Tobago etc. are obviously very identifiable in the sounds of the area, especially in the most popular rhythms
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são bem audíveis na música da região, principalmente na mais popularizada, como o brega, o carimbó, a guitarrada, a lambada. De resto, porque compartilham o DNA africano tanto com as manifestações que permanecem mais puras, como o Marabaixo do Amapá, até as mais abastardadas, como o Festival de Parintins do Amazonas. Mas o central na música da região Norte é que ela se emancipou de qualquer complexo periférico. Há anos que, em trabalhos em Belém do Pará, sou continuamente surpreendido pela criatividade e diversidade da música (e dos músicos) da cidade, que penso que ultrapassou Recife como uma possível candidata a cidade mais musical do país. Certos arranjos históricos (maturidade do tecnobrega, presença de produtores de fora como Carlos Miranda, visão estratégica do poder público, interesses da rede Globo) podem produzir efeitos interessantes em carreiras como as de Gaby Amarantos, Felipe Cordeiro e da Gang do Eletro. Felipe é um bom exemplo: orgânico com a música brega, que aprendeu em casa, e com a inteligência, ele pode levar adiante um enfoque que já foi da Tropicália, da Vanguarda Paulista e de protagonistas dos anos 80 como Titãs, Lulu Santos, Paralamas e Lobão, e dos 90, como André Abujamra, seu produtor. Mas o fenômeno vai além do Pará. Em Macapá, surgiram nos últimos anos duas das melhores bandas pop do país, o Mini Box Lunar (que infelizmente perdeu uma das vocalistas, que davam uma de suas qualidades mais notáveis) e o Godzilla, uma banda de rock moderna, ruidosa e sexy. De Rio Branco, no Acre, se destacam não apenas os inspirados Los Porongas, como o Caldo de Piaba, trio instrumental com influências diretas de lambada que fundiu Beatles, Tim Maia e música brega no mesmo set sem perder o rebolado. E assim por diante. Uma prospecção na cena musical de Rondônia, Amazonas e Tocantins (e possivelmente Roraima, que não tive oportunidade de conhecer) sempre revela novos nomes bastante interessantes. O mistério dessa região – presente em sua música, hábitos, religiosidade –, ao contrário do que conhecíamos antes como Brasil profundo, não se revela em formas introspectivas e arcaicas. Ao contrário, é descontraído, vibrante, contemporâneo. “Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias, virá impávido, apaixonado, tranquilo e infalível”, virá que eu ouvi.
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such as the brega, the carimbó, the guitarrada, the lambada. Moreover, because they share African DNA both with the purest manifestations - such as the Marabaixo from Amapá - to the most bastardized ones, as the Festival of Parintins in Amazonas. But the central issue about north region’s music is that it freed itself from any peripheral complex. For years, while in Belém do Pará to work, I’ve been continually amazed by the creativity and diversity of the music (and musicians) from the city, which I think I surpassed Recife as a possible candidate for “most musical city in the country.” Certain historical arrangements (tecnobrega maturing, presence of outside producers such as Carlos Miranda, strategic vision of public power, the Globo network having an eye on it) can produce interesting effects in careers such as Gaby Amarantos, Felipe Cordeiro and the Gang do Eletro. Felipe is a good example: organic with the brega music, learned at home, and with intelligence, he can pursue an approach that once belonged to Tropicalia, to Vanguarda Paulista and to protagonists of the 80’s such as Titãs, Lulu Santos, Paralamas and Lobão, and of the 90’s, such as Andrew Abujamra, his producer. But the phenomenon goes beyond Pará. In Macapá, in the last couple of years, some of the country’s best pop bands have emerged, Mini Box Lunar (which unfortunately lost one of their singers, some of its more outstanding qualities) and Godzilla, a modern rock band, loud and sexy. In Rio Branco, Acre, stand out not only the inspired Los Porongas, but also Caldo de Piaba, an instrumental trio with direct lambada influences that can fuse The Beatles, Tim Maia and brega music in same set without losing the swing. And so on. A prospecting of the music scene in Rondônia, Amazonas and Tocantins (and possibly Roraima, which had no opportunity to get to know) always reveals new and very interesting names. The mystery in this region - present in its music, customs, religiosity - opposite to what we used to know as “deep Brazil”, is not revealed in archaic and introspective forms. Rather, it is relaxed, vibrant, contemporary. “More advanced than the most advanced of more advanced technologies, will come fearless, passionate, peaceful and infallible” will come, as I heard.
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PIN
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Meu reino por um carimbó Aos 75 anos e com a disposição de um garoto, Pinduca é o autor dos grandes sucessos do gênero e a maior referência do carimbó no Brasil e no mundo
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Pinduca: The king of carimbó. He must be 75 years old but still rocks like a kid. Meet Pinduca, the biggest name of the Amazonian music scene.
por: Vladimir Cunha | Fotos: Renato Chalu
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Pinduca é o Rei do Carimbó. E como todo rei, costuma ser auto-referente e falar de si na terceira pessoa. Nascido em 1937, ele tem, aos 75 anos, uma longa folha de serviços prestados à música paraense. Entre eles a criação do carimbó eletrônico, versão amplificada do carimbó de pau e corda, ritmo surgido no interior do Pará e tocado basicamente com banjo e instrumentos de madeira. Foi por causa dela que Pinduca adquiriu fama nacional, sendo regravado por cantoras como Eliana Pittman e Fernanda Takai e reverenciado por bandas como Mundo Livre S/A, Do Amor e Nação Zumbi. Às vezes parece que Pinduca exagera um pouco quando fala de si mesmo. Principalmente quando fala do seu sucesso e da sua importância como músico e compositor. Pode ser, mas o fato é que poucos artistas no Pará são tão populares e emplacaram tantos hits quanto ele. Prova disso foi a reação do taxista que me levou do centro de Belém à sua casa no Bairro do Guamá, onde entrevistei Pinduca por quase duas horas. Ao ver onde eu ia descer deu uma risada e emendou: “Pô, por que tu não me disse que ia na casa do Pinduca? Se tivesse dito não precisava nem ter me dado o endereço. Todo mundo sabe onde ele mora”. Pinduca is The King of Carimbó. And like a king he talks about himself in the third-person singular. Born in 1937, at the age of 75 he collects a long list of good services rendered to the music of Pará. Among them the invention of electronic carimbó, the electric version of carimbó roots, a rhythm created in the countryside of Pará State and played only with banjo and wood instruments. It was because of this new musical style that Pinduca became famous in Brazil, recorded by singers like Eliana Pitman and Fernanda Takai and revered by band like Mundo Livre S/A, Do Amor and Nação Zumbi. Sometimes it seems that Pinduca exaggerates when he talks about himself, his success and his importance as musician and composer. The fact is that few artists in Pará have so many hits and are as popular as him. An example of this was the reaction of the cab driver who brought me from downtown to Pinduca’s house at the Guamá district, where I made a two hour interview with him. As soon as he realized that where I was going he laughed and said: “why didn’t you told me that you were going to Pinduca’s house?
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“Teve música minha que foi censurada, o disco foi lacrado, a música proibida de tocar em público” “Some of my songs was forbidden by the Brazilian censorship”
Como é que a música entrou na tua vida? Meu pai era professor de música. Era maestro lá no interior. Um músico nato. Sabia tocar vários instrumentos e me ensinou o que eu sei de música. Todo mundo em casa tocava algum instrumento: eu, meu pai e meus dez irmãos. Na época se ouvia muito samba-canção, bolero, marcha de carnaval, foxtrote e frevo. Era isso que a gente tocava nos bailes quando eu morava em Igarapé-Miri e trabalhava na banda do meu pai. Isso lá pelo meio dos anos 50. Esses bailes eram a grande diversão da cidade. A gente começava oito da noite e ia até de manhã. Um baile com uma banda dessas era um acontecimento, então... Era. Porque as bandas, no interior, eles chamavam de “jáze”. Eu comecei no Jáze Igarapé-Miri. Mas tinha ainda o Jáze Lira Platina, o Jáze Beija-Flor. Lá em Abaetetuba tinha o Jáze Orquestra Brasil, Jáze do Professor Margalho. Esse nome vem das big bands americanas que tocavam jazz? Vem. Na época tudo era “jáze”. Era assim que se chamava. Se chegasse lá falando de jazz ninguém sabia o que era. Pra eles era “jáze”. E onde vocês tocavam? Era só em Igarapé-Miri? Tocávamos em Igarapé-Miri, Abaetetuba, Cocal, São João da Boa Vista, Muaná... A gente vinha tudo por ali. Aliás, tem uma coisa que eu queria te contar: nessa época não tinha o artista paraense, não tinha a figura do artista. Já tinha o Osvaldo Oliveira e o Ari Lobo. Mas eles dois gravaram lá pro Rio de Janeiro. Eram paraenses, mas ficaram pra lá. Então aqui não tinha o show do artista. Aqui se tocava o baile. Não tinha negócio do show do fulano, era o conjunto tal que fazia baile.
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Quem fazia show então? Tinha os cantores de fora, que vinham pra Belém, trazidos pelas gravadoras, e os shows produzidos pelas rádios. No caso a Rádio Marajoara e a Rádio Clube, que faziam shows com os artistas do cast deles. Isso no auditório, ao vivo. O auditório da Rádio Clube era ali na Aldeia do Rádio, no Jurunas, e o da Marajoara aqui em Nazaré. Pra tu ter uma ideia, o destaque do artista nessa época era quando as pessoas aniversariavam e convidavam a gente pra ir lá comer um vatapá, um caruru (risos). Isso porque não tinha artistas paraenses com discos gravados. O máximo que tinha era o cantor que fazia parte de um conjunto. E a decisão de vir para Belém? Eu vim morar em Belém porque queria ser soldado e em Igarapé-Miri eles dispensavam muitas pessoas do serviço militar. Foi assim que decidi sair do interior e vir para a cidade, porque achava que aqui a chance de ser aceito no Exército era maior. É engraçada essa tua relação com a música e a carreira militar, porque são estilos de vida muito diferentes. Mas eu sempre quis ser soldado, gosto da vida militar. Qual era a tua patente? Comecei como soldado e terminei como tenente. O pessoal no quartel não achava aquilo estranho não? Um soldado que, nas horas de folga, colocava uma roupa colorida, um chapéu enfeitado e ia cantar carimbó? Olha, isso era muito sério. Era o período da Revolução, do governo militar. Mas como eu, logo no primeiro disco, comecei a ter apoio da imprensa, eu acho que os meus superiores decidiram que ia pegar
How music became part of your life? My father was a music teacher. He was a maestro, a natural born musician. A multi-instrumentalist that taught me everything I know. Everybody at home played some kind of instrument: me, my father and my ten brothers. Back in the day people heard a lot of samba-canção, bolero, foxtrot, frevo and carnival music. That was what we played in the balls with my father’s band. We live in Igarapé Miri(E.N: a small town far away 78 km from Belém do Pará, the capital of the Pará State) and these balls were the city’s biggest event. When we played in these balls, we used to play from dusk ‘till dawn. A ball with a big band in a small city must have been huge It was. Back in the day, the bands we’re called “jáze” (T.N: the Brazilian pronunciation for “jazz”). I started playing in the Jáze Igarapé Miri. But there was Jáze Lira Platina, Jazé Beija-Flor, Jáze Orquestra Brasil, Jazé do Professor Margalho. This name came from the american big bands that played jazz? Yes, it came. Back in the day everything was “jáze”. That’s how it was called. If someone said “jazz” nobody would understand. It was “jáze”.
Did you played only in Igarapé Miri? We played in Igarapé Miri, Abaetetuba, Cocal, São João da Boa Vista, Muaná. There’s something I must say: back in the day we didn’t have singers in Pará, only crooners who performed in the balls with an orchestra. There wasn’t a concert from a particular singer it was a concert from a ball band with a crooner. Who were the singers that performed their own concerts? There were the singers from Rio de Janeiro and São Paulo, who came to Belém brought by the record companies and the local radio stations. Besides that Radio Marajoara and Radio Clube promoted local shows with their cast of singers. Back in the day a local singer was at the peak of his career when he started to be invited to other’s people birthday to eat and drink something (laughs). That was because local singers didn’t recorded albums with their name on it. They were allowed only to sing in an orchestra. How did you decided to come to Belém? I came to Belém because I wanted to be a soldier. That’s why I came to a big city. I thought that here I had more chances to be accepted in the Army.
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mal pra eles me proibir de ser o Pinduca. Era meio assim: “Faz de conta que eu não tô vendo”. Mas ainda assim tive problemas. Teve música minha que foi censurada, o disco foi lacrado, a música proibida de tocar em público. Que música que foi? (Cantando) “O pinto quando nasce / Ele dorme debaixo do pau.” Essa foi censurada. Aquela outra (começa a cantar) “Mataram meu peru / Eu não vi não sei quem foi”. Mas por quê? Porque na época tinha a censura e tinha coisas que eles proibiam. Não tinha esse negócio de “Ah, porque eu era da polícia”, não. O militar era uma coisa e o cantor era outra. Tu eras duas pessoas em uma só. Era. Tinha o Pinduca do quartel, fardado, e o Pinduca do palco, o artista. Tu tiveste que ir à Brasília explicar? Não fui. Só lacraram o disco e venderam com uma tarja preta avisando que era proibido pra menor e que não podia tocar em público. Voltando um pouco no tempo, antes disso, tu estavas falando de quando chegaste a Belém... Pois é. Me alistei, peguei farda e fui morar na Bom Jardim perto da rua dos Tamoios, no bairro do Jurunas, que nesse tempo era só lama e capim. Não tinha asfalto, a gente andava por cima de ponte. Depois passei a frequentar o Café Glória...
“Carimbó não era aceito na capital. Carimbó era uma pornografia, meu amigo” “This is to tell you how Carimbó wasn’t accepted in Belém. Carimbó was considered pornography”
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O que era o Café Glória? Era perto do Ver-O-Peso, onde hoje é uma loja de tecidos. Lá tinha o Café Glória. De segunda a sexta-feira você ia lá e encontrava todos os músicos de Belém. Era o lugar aonde a gente ia quando queria arrumar emprego em algum conjunto. Quando o dono do conjunto queria contratar um baterista, um pistonista, um banjista... era lá que ele ia. E foi pra lá que eu comecei a ir também. E como eu era considerado o terceiro melhor baterista de Belém - os dois primeiros eram o Papão e o Tota -, sempre aparecia trabalho. E nessa época vocês tocavam onde? Em gafieira, em sede social, em clube. União e
Firmeza, Imperial, Norte Brasileiro, todos esses lugares do Jurunas e da Cremação eu toquei. Aquela Sociedade Beneficente São Braz, que hoje organiza enterro, lá era muito chique. Quando era dia da posse da diretoria então, era no paletó, na gravata e no convite.
That’s funny. The Army has nothing to do with a musician’s lifestyle. I always wanted to be a soldier.
Foram quantos anos de baile, Pinduca? Rapaz... Eu passei mais ou menos uns 20 anos nisso.
What was the reaction of your colleagues? A soldier that sings in flashy clothes and wears a garnished hat. It was heavy. We were living in a military dictatorship. But as soon as I released my first album the local press started to support me. I think that my superiors thought that wasn’t a good thing outlaw me because of my musical career. So they pretended that nothing was happening. Even so I had some problems. One of my songs was forbidden by the Brazilian censorship.
Como foi para sair do baile e do jáze pra virar o Pinduca – O Rei do Carimbó? Eu fui fazer um show no Satélite, um clube que tinha aqui na estrada de Icoaraci, e decidi que ia tocar um carimbó, porque tinha visto um grupo tocar carimbó lá na cidade de Irituia. Quando eu vi esse grupo me voltaram aquelas coisas do passado, porque no interior a gente tocava bangüê, que é a mesma coisa do carimbó. Numa certa hora lá eu anunciei: “Atenção, agora eu vou tocar um carimbó pra vocês dançarem”. E aí? E aí que eu levei a maior vaia da minha vida (risos). Só não me jogaram pedra, cara. Mas eu levei uma vaia, inesquecível (risos). Foi um protesto, uma gritaria. Porque o ritmo da moda era o twist, a Jovem Guarda. Cheguei até a comprar uma peruca pra tocar, quando não tava no quartel tava de peruca. Carimbó não era aceito na capital. Carimbó era uma pornografia, meu amigo. Falar em carimbó na sociedade belenense era uma rejeição muito grande. Mas eu insisti e continuei tocando. Aí um par começou a dançar, depois outro, a vaia foi diminuindo. Depois voltou ao normal e lá adiante anunciei que iria tocar carimbó de novo. Mais vaia. Só que menos, e já saíram uns dez ou doze pares pra dançar. Foi quando tu viste que essa história de carimbó podia dar certo. Foi. Logo depois o Luciano, da Orquestra Sayonara, chegou um dia comigo lá no Café Glória e disse: “Pinduca, que negócio é esse que tu tás tocando por aí? Esse ritmo que tão pedindo pra gente tocar, um negócio que disseram que tu tocas, um tal de carimbó”. Ninguém conhecia, ninguém sabia nem o que era carimbó. Era coisa de caboclo, lá de Marapanim, Irituia, lá das beiradas da roça.
Which brass? I started as a soldier and retired as lieutenant.
Which song? (singing) “The chick when it is born/It sleeps under the perch”. It was censored. And this one too (starts singing) “They killed my turkey/I didn’t saw don’t know who was”. (T.N: in Portuguese, “pau” (perch), “pinto” (chick) and “peru” (turkey) are synonyms for the male sexual organ). Why? Because we lived under censorship and there were things that were forbidden. Being from the army didn’t solve my problem. There was the soldier and the singer. Two people in one. Yes. There was Pinduca The Soldier and Pinduca The Singer. Did you have to go to Brasília to explain yourself to the censors? No. They just put a stick on the album with a warning saying that these songs couldn’t be played in radios or in public. Before that you came to Belém… I enlisted myself in the Army and started living in Belém at Jurunas District. Back in the day it has no asphalt, the streets were covered with mud. It was when I became a habitué of Café Glória...
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“Eu criei uma roupagem nova pra ele. Porque a minha proposta pro carimbó, que até hoje não é aceita por muito músico, é que eu quis gravar uma música moderna, uma música pop” “I created a new style of playing it. Because my idea of carimbó, that many musicians simply don’t accept, is treat it like pop music, like modern music”
Então o carimbó não chegava de jeito nenhum a Belém? Às vezes quem ia pro interior via as pessoas tocando carimbó. Mas ninguém curtia, não. Só que de tanto eu tocar as pessoas foram aceitando. O nome Pinduca surgiu nessa época? Um pouco antes. Porque eu lia muito uma revistinha que tinha um personagem chamado Pinduca e o nome veio daí. Um dia fui dançar em uma quadrilha junina e escrevi “Pinduca” no meu chapéu. Pronto, ninguém mais me chamava nem de Aurino, meu nome de batismo, e nem de Noca, o meu apelido lá do interior. Era só Pinduca, Pinduca, Pinduca. Então quando eu montei minha orquestra me sugeriram vários nomes - Orquestra Brasil, Orquestra Pará e não sei o que mais. Ai eu pensei: “Ah, quer saber de uma coisa? O nome vai ser Pinduca e seu conjunto”. A essa altura o carimbó já era aceito... Mas quando. Eu ralei muito pra emplacar o carimbó. O carimbó só veio mesmo se fazer em 1973, depois que eu lancei meu primeiro disco. Por isso o carimbó tem duas fases: antes do Pinduca e do Pinduca em diante. Porque eu fiz o carimbó deixar de ser aquela coisa do interior, aquela coisa lá da roça. Eu criei uma roupagem nova pra ele. Porque a minha proposta pro carimbó, que até hoje não é aceita por muito músico de carimbó, é que eu quis gravar uma música moderna, uma música pop. E o que eu fiz? Gravei ele com guitarra, com bateria microfonada, com contrabaixo (risos)... Depois meti teclado, sax, pistão, trombone. E aí o pessoal “Nããão... Isso não é carimbó!”. São os conservadores, né? Eu disse: “Eu estou apenas metendo paletó e gravata no carimbó pra ele ficar um pouco mais gente boa”. Eles não entendiam... Eles não entediam que a gente estava entrando numa fase moderna. Tudo estava 30
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se modernizando. Era uma coisa que vinha acelerada, correndo e mudando o mundo inteiro. O mundo não ia parar mais. Eu sabia que isso era o que tinha que ser feito. Essa roupagem nova. Porque se você tem um negócio que está aí há 30, 40, 50 anos... um negócio que existe há tanto tempo e tá só ali, naquele interior. Se esse negócio tá ali e tem condições de andar então coloca perna nele. Carimbó com instrumento de pau e corda todo mundo já fazia. Eu não queria fazer o que todo mundo fazia. Eu queria ser pop. A letra também é popular. Gosto da rima fácil. É por isso que as letras do carimbó são tão repetitivas? É que pela lógica do carimbó a letra pode ser duas linhas, mas tem que contar uma história. (Cantando) “Dona Maria chegou / Chegou, chegou com mandioca / Para fazer a farinha / Farinha, farinha de tapioca”. Já foi. Agora vem o coro (cantando): “Para remexer / Para remexer / Mexer / Mexer”. Já contou uma história. Aquela levada de guitarra que tem nos teus discos é dessa época também? Aquilo tem desde o início, desde o tempo do banjo (canta a levada de guitarra característica do estilo de carimbó criado por ele). É o que a gente chama de “abano” (canta novamente). Ou batucada... sei lá. É o molho. É a levada inicial do banjo que eu adaptei pra guitarra. Como era percussionista tive facilidade nisso. A levada de bateria foi assim também. Hoje o pessoal faz só aquela batida com chimbal e caixa (faz a batida do carimbó com a boca). Mas não, a minha batida original não era assim. Era uma batida “rodada”, batendo caixa, tontom e surdo (faz a batida com a boca). É difícil, cansativo, mas eu sei fazer. E o primeiro disco? Esse primeiro disco, quem me deu oportunidade
Aurino tirou o nome “Pinduca” da HQ criada por Carl Anderson, em 1932, que originalmente se chamava Henry
Aurino took the name “Pinduca” from the comic book’s character created by Carl Anderson, in 1932, which was originally called Henry. What is Café Glória? From Monday to Friday you could go to Café Glória and meet all the musicians from Belém there. That was the place where you should go if you’re looking for a job in an orchestra. If an orchestra owner needed a drummer, a horn player or a banjo player that was where he should go. So I started to go there. I was considered the third best drummer of Belém, so there was always some work for me. Where did you played with these orchestras? I’ve played in clubs, gafieiras (T.N: the Brazilian working class ballrooams) and in community centers. União & Firmeza, Imperial, Norte Brasileiro. All of them were very fancy places. If it was the staff posse you have to wear suit, tie and bring your invitation card. How many years did you spend playing in theses balls, Pinduca? Almost 20 years. And how did you turn from being an orchestra player to become Pinduca – The King of Carimbó? I went to a concert at Satellite Club, a club on the road to Icoaraci district, and I decided to play a carimbó song because I saw a group playing carimbó at a city called Irituia. That reminded me of my youth because I’ve played bangüê when I lived in the country and bangüê is a rhythm similar to carimbó. What happened? It was the biggest booing of my life (laughs). Lots of hissing, people screaming. Twist was the most popular rhythm of Brazil during that time. Twist and Jovem Guarda (E.N: the Brazilian equivalent of the British Invasion). I even bought a wig to play with my band. I used it everywhere but the headquarters. This is to tell you how Carimbó wasn’t accepted in Belém. Carimbó was considered pornography. You couldn’t even talk about it. But I insisted in playing it and the booing disappeared. Things calmed down and I
played another carimbó song. More booing. But there was ten or twelve couples dancing in the room. Then you saw that this carimbó stuff could work. Yes. A few days later I met a friend from another band at Café Glória and he told me: “Pinduca, what is this carimbó stuff that you’re playing? Everybody’s asking us to play this thing. They told us you’re playing it”. Nobody knew it, nobody knew what carimbó was. It was peasant stuff. So there was no carimbó in Belém? Sometimes I travelled to the country and saw some people playing it. But it wasn’t hip stuff. I have to play carimbó a lot until people started to accept it. The name Pinduca is from that period? It came a few years earlier. ‘Cause I read a comic book that has a character named Pinduca (T.N: “Pinduca” is the Brazilian name for Henry, the bald and mute kid created in 1932 by Carl Anderson). One day I was going to perform a dance routine and wrote it on my hat. That was it. Nobody would call me by Aurino, my baptism name, or Noca, my nickname when I lived in the country. It was only Pinduca. So when I put my band together people suggested me lots of names: Orquestra Brasil, Orquestra Pará. But I said: “You know what? The name will be Pinduca & His Band”. By that time carimbó was already hyped... No way. I worked my ass off to make people accept carimbó. And this happened only in 1973 when I released my first album. That’s why carimbó has two phases: before Pinduca and after Pinduca. Because of me carimbó ceased to be peasant stuff. I created a new style of playing it. Because my idea of carimbó, that many musicians simply don’t accept, is treat it like pop music, like modern music. And what I did? I used guitars, drums, electric bass (laugh). Then I put some horns and keyboards. Some people Said: “No, this is not carimbó”. So I said: “I’m only putting a new suit on carimbó, making it a little bit fancier”. SELETA - música da amazônia
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de gravá-lo foi a Maria Izabel Pureza, que é a Sinhá Pureza da música. (Começa a cantar) “Vou ensinar Sinhá Pureza / A dançar o meu carimbó”. Ela trabalhava em uma loja de discos e me viu tocando carimbó. Aí ela começou a pedir pros representantes das gravadoras que ela conhecia pra eles me darem uma oportunidade. Só que eles nunca tinham ouvido falar de carimbó e todas as gravadoras me recusavam. Até que um representante da gravadora Beverly resolveu arriscar e me contratou. Entramos no estúdio e gravamos o meu primeiro disco. Quanto tempo demorou para gravar? De nove às cinco da tarde (risos). Era uma atrás da outra (risos)... e em dois canais. Era tudo ao vivo. Gravava. Se ficasse bom a gente ia pra outra. Se alguém errasse começava todo mundo de novo. Não tinha negócio de emendar, de gravar por cima. Aí a gente endoidou. Fomos gravando até não aguentar mais.
Tu achas que daquele jeito eles nunca poderiam alcançar o sucesso que tu alcançaste? Não. Porque as coisas se modernizam todo o tempo. O progresso não pára. Antigamente você pegava uma fita cassete, que era moderna, e colocava lá doze músicas de um lado e doze do outro. Tinha 24 músicas pra escutar. Hoje em dia você tem um aparelho... (apontando para o meu iPhone) olha esse teu aparelho aí. O que ele tá fazendo? Tá gravando a entrevista. Ele filma? Sim. Ele é telefone? É telefone. E quantas músicas ele aguenta?
Vendeu muito? O trato era que se eu conseguisse vender dois mil discos eu gravaria um segundo LP. Acabou que vendi 15 mil discos. Aí a minha carreira deslanchou.
Acho que umas 2 mil. (Risos) Agora me diz se o Pinduca tava certo ou tava errado quando eu dizia que era pra modernizar as coisas? Tem que modernizar. Olha só: antigamente carimbó era música de velho. Só quem dançava era velho e velha. Quando o Pinduca entrou a gente criou roupa, inventou fantasias, coreografias. As meninas passaram a dançar com a saia aqui em cima. Tudo isso saiu daqui de casa.
Um assunto inevitável quando se fala da tua carreira é a rivalidade com o Verequete... Boa parte dessa rivalidade foi forjada pelas gravadoras para poder vender disco. Com isso chamava atenção, divulgava e o pessoal comprava o disco. Mas não é preciso ir muito longe pra ver que há uma diferença muito grande entre o disco que eu gravo e o que o Verequete e o Mestre Lucindo gravavam. É diferente. A minha música é moderna, é pop. A deles não. É de raiz.
Às vezes me parece que as pessoas te culpam por tu fazeres sucesso e o Verequete e o Mestre Lucindo não. Mas que culpa? As pessoas querem que eu faça o mesmo carimbó que todo mundo faz. Só que, se eu fizer isso, eu vou ser só mais um na multidão. Hoje sou um cara popular. Eu tô estabilizado. Nunca fui um sucesso gigante, mas também nunca fiquei por baixo. Tô sempre ali.
Foi lançamento nacional ou regional? Foi lançado no Nordeste inteiro, Pará e Amazonas.
“Nunca fui um sucesso gigante, mas também nunca fiquei por baixo. Estou sempre por ali” “I’m not in the mainstream but neither i’m in the underground. I’m always there” 32
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They didn’t understand. They didn’t understand that it was a new era was coming, a modern one. The world was changing, everything was changing. That’s why I knew what should be done: this new approach. Because you have something that is around for 30, 40, 50 years but never broke the limits of its city. If you have this thing and this thing can walk by itself why not put two legs in it? I didn’t want to do carimbó in the old way. I wanted to be popular. The lyrics are like this too. I like easy rhymes. That’s why the carimbó lyrics are so repetitive? The lyrics in carimbó they could have only two lines but they have to tell a story. (singing) “Dona Maria chegou/Chegou, chegou com mandioca/ Para fazer a farinha/Farinha, farinha de tapioca”. (T.N: “Mrs Maria has arrived/Arrived with manioc/ To make flour/The tapioca flour”). Then comes the chorus: (singing) “Para remexer/Para remexer/ Mexer/Mexer” (T.N: “To mix it/To mix it/To mix it”). See? The story is told. That carimbó rhythm guitar of your records is from that period too? That came from the way we played carimbó in the country: using a banjo. It’s what we call “the wag” (sings the rhythm played by carimbó guitarists), the mojo. So I adapted the original rhythm made with the banjo to the guitar. It was easy to me because I was a drummer too. It was the same thing with the drums. Today people play carimbó using only the snare and the cymbals. That is not the way I used to play it. I played it using snare, tons and the bass drum (make the beat with his mouth). It’s hard to do this but I know how. And the first album? I recorded my first album because of Maria Izabel Pureza, A.K.A. Sinhá Pureza. (singing) “Vou ensinar Sinhá Pureza/A dançar o meu carimbó” (T.N: Sinhá Pureza is the title of one of Pinduca’s most popular song). She worked on a record store and one Day she saw me playing carimbó. Then she started to talk about me to some friends from the music business, asking them to give me a chance. But they didn’t have a clue about carimbó so nobody wanted me. One day a guy from Beverly Records decided to sign with me. We went to the studio and started recording my first album. How many hours did it take to record it? From nine A.M. to five P.M (laughs). Non stop (laughs). In two channels. Recorded live. We recorded one song and if we liked what we did we passed to another one. If a musician made
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a mistake we had to play it all over again. No overdubs. We freaked out. We played and recorded until the cows came home. I was a national or a local release? It was released in northeast, Pará State and Amazonas State. How much it sold? The deal was: if I sold two thousand albums they’ll let me do another one. But in the end I sold 15 thousand. I was a hit with a bullet. It’s inevitable to talk about your rivalry with Verequete (T.N: the late carimbó master and the only artist to compete with Pinduca for the title of King of Carimbó). Part of this rivalry was forged by the record companies in order to sell more albums. They used this to promote our albums. But you don’t to go too far to see that is a huge difference between my albums and the ones by Verequete and Lucindo (T.N: another carimbó singer from Pará). It’s not the same thing. I make pop music, modern stuff. They don’t. Their music is rural music. Do you think that, by doing this kind of music, they could reach the same success that you did? No. Things never stop to evolve. The progress never stops. Back in the day you have the cassette tape and you could record 12 songs in A side and twelve song in B side. So you have 24 songs to listen to. Today you have these gadgets... (pointing to my iPhone) Look at this. What is it doing? Recording the interview. Can you make a film with it? Is it a telephone? Yes. It is a telephone. And how many songs can you put in it? (laughing) Now tell me if Pinduca was wrong when I told that we had to make modern music? We have to be modern. Look, back in the day carimbó was old people music. Only old men and women danced to it. When Pinduca appeared we created an outfit, costumes, choreography. The dancers started dancing in shorter clothes. It was invented here in my house. Sometimes it seems to me that people blame you for being so successful and Verequete and Mestre Lucindo not. Is it my fault? People want me to do carimbó like everybody does but if do that I’ll be just another carimbó singer. Today I’m popular. I established myself as an artist. I’m not in the mainstream but neither I’m in the underground. I’m always “there”.
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É Carimbó pra lá Raiz de música da Amazônia, o carimbó é redescoberto como gênero pop no Brasil e se torna cult entre as novas gerações
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É Carimbó pra cá Carimbó everywhere Roots of Amazonia music,carimbó is rediscovered as pop music in Brazil and becomes cult among new generations por: Vladimir Cunha | Fotos: Renato Chalu
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Domingo à noite. No bar Coisas de Negro - distrito de Icoaraci, distante cerca de 30 minutos do centro de Belém – a banda toca uma animada versão de um antigo carimbó rural. A letra, como sempre, fala sobre a vida no campo, as praias da costa atlântica do Pará, as pescarias e as morenas do interior. Poderia ser uma festa em Marapanim, Bragança ou qualquer outra cidade do interior do estado, onde o carimbó nasceu e se desenvolveu até chegar a Belém e ser modernizado por Pinduca no começo dos anos 70. Mas não, a cena acontece nos dias de hoje, em um grande centro urbano, disputando com festas de aparelhagem que tocam tecnobrega e forró e as dezenas de cultos evangélicos que se proliferam nas áreas mais pobres do país. Na pista do bar, meninas de piercing no nariz e rapazes com camisas de bandas de rock dançam o carimbo com uma naturalidade impressionante, da mesma forma que os seus pais e avós teriam feito há 30 ou 40 anos. Interessante essa jornada do carimbó em sua tentativa de se tornar uma espécie de música pop amazônica. Do ritmo rudimentar surgido no final do século XIX, após inúmeras mestiçagens decorrentes das diversas correntes migratórias surgidas por conta do 1º Ciclo da Borracha, até a modernização do ritmo criada por Pinduca, o carimbó passou por vários altos e baixos. Já foi um gênero exclusivamente caboclo e desconhecido na capital paraense, sucesso de massas após o aparecimento de Pinduca
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Sunday evening. At the bar “Coisas de Negro” (Black Guy Stuff) – district of Icoaraci, about 30 minutes away from the center of Belém - the band plays a lively version of an old rural carimbó. The lyrics, as always, talks about life in the countryside, the beaches of the Atlantic coast of Pará, the fisheries and the brunettes from the interior. It could be a party in Marapanim, Bragança or any other city in the state where the carimbó was born and developed until it reached Belém and got modernized by Pinduca in the early ‘70s. But no, this is today, in a major urban center, rivaling parties that play tecnobrega and forró and dozens of evangelical cults that thrive in the poorest areas of the country. On the dance floor in the bar, girls wearing nose piercings and boys in rock bands T-shirts dance the carimbó in an impressive natural way, just like their parents and grandparents have done do 30 or 40 years. It’s interesting to see this journey of carimbó in its attempt to become a kind of Amazon pop music. From the crude rhythim emerged at the end of the nineteenth century, after numerous miscegenation resulting from the different migration flows arising on account of the 1st cycle of rubber, up to the modernization of the rhythm created by Pinduca, carimbó has gone through several ups and downs. It used to be a 100% caboclos’ style, totally unknown by the people in the state capital. After Pinduca and his band, it became very popular. Treated
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e sua banda, tratado como manifestação folclórica de alcance restrito durante a década de 1990 e redescoberto como gênero pop a partir dos anos dois mil, quando bandas como Nação Zumbi, Cravo Carbono, Pato Fu, Bonjour Pará e Do Amor passaram a incluir músicas de autores paraenses em seu repertório e a se utilizar de aspectos do carimbó em suas composições. Hoje o carimbó é cult. Em Belém, artistas como Felipe Cordeiro, Gaby Amarantos, Félix Robatto e a banda Strobo promovem a atualização eletrificada e digital do gênero, utilizando-o como base para novas experimentações musicais e tentativas de emplacá-lo novamente como gênero pop, refazendo o caminho traçado por Pinduca no começo dos anos 1970. Ao mesmo tempo, bares como o Mormaço e Palafita, além do já citado Coisas de Negro, continuam realizando festas de carimbó com grupos mais tradicionais, no estilo das festas que rolam no interior do Pará. Surpreendentemente, com um público cada vez mais jovem e ligado ao ritmo. Para o jornalista José Flávio Júnior, a explicação para o bom momento do carimbó está na própria
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essência do ritmo. “O diálogo entre a guitarra e a parte percussiva fascina muitos músicos que não tiveram contato com esse ritmo na sua formação”, explica o jornalista. “Caso do John, do Pato Fu, Kassin e Gabriel, do Autoramas. Também tem o fato de muita gente estar descobrindo agora a cumbia, a chicha e outros ritmos latinos que têm semelhanças com o carimbó. Acaba virando um movimento de pesquisa que engloba manifestações amazônicas e caribenhas que ficaram restritas por uma característica do tempo em que elas experimentaram seus auges. Agora está mais fácil chegar a esse material por uma questão tecnológica até.” “O carimbó tem um frescor e um sotaque musical diferenciado”, completa o músico e pesquisador musical Bruno Rabelo, ex-integrante das bandas Cravo Carbono e Maquine, “E esse vigor é sabiamente detectado por artistas de fora”. Além disso, Bruno observa no carimbó uma importância diretamente ligada ao entendimento do que é a música local, não só do passado como também dos dias de hoje. Um meme musical que, ao se transformar em música de massa a partir da década de 1970, se infiltrou
as a folk manifestation of limited scope during the 1990s, it was rediscovered as a pop genre in the 2000’s , when bands like Nação Zumbi, Cravo Carbono, Pato Fu, Bonjour Pará and Do Amor began to include songs written by local authors in their repertories and to use some aspects of carimbó in their compositions. Carimbó is cult, today. In Belém, artists such as Felipe Cordeiro, Gaby Amarantos, Felix Robatto and the band Strobo promote the electrified and digital upgrade of the genre, using it as a basis for further musical attempts to make it pop again, retracing the trail blazed by Pinduca in the early 1970’s. At the same time, bars such as Palafita and Mormaço, in addition to the previously quoted Coisas de Negro, still hold carimbó parties, with even more traditional groups, same style as that of the ones in the countryside of Pará. Surprisingly, with an ever younger audience, that becomes more and more connected to the rhythm. José Flavio Junior, journalist, believes that this carimbó wave is the very essence of rhythm. “The dialogue between the guitar and the percussion
fascinates many musicians who did not have the chance to be in contact with it during their training years”, said the journalist. “It’s João (Pato Fu), Kassin and Gabriel’s (Autoramas) case. There is also the fact that many people are now discovering cumbia, chicha and other Latin rhythms that have similarities with carimbó. It became a research movement that includes Amazon and Caribbean demonstrations, which used to be restricted to a characteristic of the time they experienced their peaks. Now, thanks to technological matters, it is easier to find such material. “ “Carimbó has a freshness and a distinctive musical accent,” adds musician and music researcher Bruno Rabelo, a former member of the bands Cravo Carbono and Maquine, “And this force is detected by wisely artists from outside”. Furthermore, Bruno sees an importance in carimbó that is directly linked to the understanding of what local music really is, not only the one from the past but also from today. A musical meme that became popular in the 1970s, seeped into the unconscious and the way people in Pará make music. “It is an authentic dance music of great importance to the
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no inconsciente e na maneira de fazer música do povo paraense. “É uma música de dança autêntica de importância central para a cultura paraense”, continua. “Antes de sua ascensão nos anos 70 como gênero de massa, não existia música paraense enquanto verbete a ser estudado e analisado. Na década de 70 ele se torna o primeiro gênero local genuinamente pop. É através dele que a música paraense vai fincar seus pés pela primeira vez no mapa musical brasileiro.” Integrante da banda de carimbó Cobra Coral e do Coletivo Coisas de Negro, que, entre outras atividades, mantém a programação cultural do bar de mesmo nome no distrito de Icoaraci, Luizinho Lins entende o gênero da mesma forma que Bruno Rabelo, como um imprint cultural fortemente associado ao povo paraense, que mantém relações tanto com matrizes musicais ancestrais quanto com formas mais modernas (e digitais) de expressão cultural. “O carimbo é um título de apresentação, uma ‘tag’ mostrando o que temos de diferente dos outros Brasis rítmicos e do mundo. A palavra traz o peso dos batuques brasileiros e do molejo caribenho, que constroem alguns dos nossos ritmos paraenses. O carimbó está próximo da guitarrada, tecnobrega e da lambada por fazer parte do universo histórico da música paraense, por ser fruto de uma construção mais tradicional da cultura popular e ter características mais ancestrais”, afirma o músico. De fato é impossível dissociar o carimbó da velha e da nova música paraense. Assim como o tecnobrega e a guitarrada, ele está por aí, em seu estado bruto e rural, em sua versão pop ou diluído nas inúmeras experimentações musicais de gente que não era nem nascida quando os grandes mestres do gênero, como Pinduca e Verequete, já estavam meio em baixa, quase esquecidos e há anos sem emplacar algum sucesso nas rádios. Mas nas idas e vindas do gênero, em um aspecto ele nunca foi realmente bem-sucedido: em se tornar um estilo musical pop de projeção nacional. Oportunidades não faltaram. Ao longo dos anos o carimbó já esteve presente no cenário musical nacional na voz de Eliana Pittman, Fernanda Takai, Banda Calypso, Fafá de Belém e Zeca Baleiro. Até mesmo a controversa dupla Dom & Ravel, eternamente associada à Ditadura Militar por conta de “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo”, flertou com o gênero ao gravar a música “Preguinho”. Mesmo assim, ele está longe de experimentar o sucesso comercial e o alcance de estilos regionais como o forró, o funk carioca ou mesmo o tecnobrega. “O brega é um gênero urbano que nasceu aclimatado à realidade das cidades, tanto na temática quanto na instrumentação, o que facilitou sua rápida ascensão”,
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culture of Para”, he continues. “Before its rise as a mass gender in the 70’s, there was no music to be studied and analyzed. In the 70s it becomes the first genuinely local pop genre. It is through him that the music from Para is going to plant their feet on the musical map of Brazil for the first time”. Member of Cobra Coral, a carimbó band, and the Coletivo Coisas de Negro, which, among other activities, maintains the cultural program of the bar of the same name in the district of Icoaraci, Luizinho Lins understands the genre in the same way as Bruno Rabelo, as a cultural imprint strongly associated with the people from Pará, keeping their connections with both ancient musical sources and more modern (and digital) cultural expressions. “Carimbó is like a title, a ‘tag’ showing how different we are from other rhythmic ‘Brazils’ and the world. The word carries the weight of the Brazilian drums and Caribbean moves, which build some of the rhythms in Pará. Carimbó is close to “guitarrada”, tecnobrega and lambada, because it’s part of the historic universe of music in the state. It’s the result of a more traditional construction of popular culture and has more ancient characteristics”, says the musician. Indeed it is impossible to dissociate carimbó of old and new music in Para. Just like tecnobrega and guitarrada, it’s out there, in its raw and rural state, in its pop version or diluted in several musical experimentations of people who were not even born when the greatest masters of the genre, like Pinduca and Verequete, were almost forgotten and hadn’t had a hit for years. In one aspect, though, carimbó was never completely successful: becoming an important pop music style all over the country. Opportunities were not lacking. Over the years, carimbó was present in the national music scene in the voice of Eliana Pittman, FernandaTakai, Calypso, Fafa de Belém and Zeca Baleiro. Even the controversial duo Dom & Ravel, forever associated with the military dictatorship because of the song “I love you, my Brazil, I love you”, flirted with the genre when recorded “Preguinho”. Yet, it is far from having the same commercial success as other regional styles, like forró, carioca funk or even tecnobrega. “Brega is an urban genre that was born in the middle of the reality of the cities, both thematically and in the instrumentation, which facilitated its quick rise”, says Bruno Rabelo. “A very different trajectory when compared to carimbó, which has a rural origin. Besides, it took the genre a long time to get adapted to places with metropolitan characteristics. And precisely because it still has strong rural features (the themes of the letters and
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analisa Bruno Rabelo. “Trajetória bem diferente do carimbó, que teve origem rural e demorou a se aclimatar em lugares com características metropolitanas. E justamente por ter ainda hoje fortes qualidades rurais (no instrumental, temática das letras e instrumentos musicais) que talvez grupos exclusivamente de carimbó não alcancem maiores públicos nos meios urbanos.” “Diferente do carimbó, o brega não está atrelado a um único modo de dançar nem necessita de um instrumento regional específico (o curimbó) na equação”, diz José Flávio Júnior. “Acho que isso limita um pouco a propagação do carimbó. Mas, pelo que a gente observa com a nova geração, ele tem potencial para crescer.” Apesar das letras ligadas ao imaginário do homem rural amazônico e da necessidade de um instrumento tão peculiar como o curimbó, uma peça percussiva feita inteiramente a partir de um tronco de árvore, o carimbó ainda não perdeu o seu potencial de crescimento. Se não como ritmo popular de massa, pelo menos como gênero cult e matriz de recombinação musical. Tanto em territórios paraenses quanto fora do estado. Prova disso é o quarteto Do Amor, que, de tanto flertar com o carimbó, acabou criando um ritmo batizado por Pinduca como “balanço maneiro”, uma releitura do carimbó pop criado por ele nos anos 1970 com sutis diferenças na levada de guitarra e no modo de tocar bateria. Não que esteja entre as ambições da banda ser um grupo exclusivamente de carimbó, e o som do quarteto mostra que eles estão mais interessados em não impor limites à sua música, mas é inegável que é o ritmo paraense um dos grandes diferenciais no trabalho do grupo. Gabriel Bubu, baixista do Do Amor, explica que a decisão de incorporar o carimbó ao som da banda se deu a partir do impacto que o contato com o ritmo causou em seus integrantes. E em seguida pela maleabilidade do gênero, que acabou se adaptado naturalmente ao som que os quatro músicos do Do Amor pretendiam fazer. “O carimbó é um ritmo que ainda causa um impacto pela originalidade e pelo balanço ‘tight’, em contraposição à ‘soltura’ do samba. Acho interessante quando os artistas em geral se sentem à vontade para mexer com linguagens e estilos que não lhes são muito familiares. No meu caso com o Do Amor ocorre de uma forma bem à vontade, sem compromisso algum de estar ou não fazendo algo dentro de uma cartilha tradicional do que seria ou não seria aceitável dentro dos ritmos brasileiros”, afirma Bubu. Bem mais explícita em suas intenções é a banda Bonjour Pará, um aglomerado multicultural, músicos de diversas procedências que se juntaram para homenagear, em suas próprias palavras, “a fuleiragem nacional”. São dois
musical instruments), carimbó groups may not reach broader audiences in urban areas”. “Unlike carimbó, brega is not tied to a single mode dancing or need a specific regional instrument (the curimbó) in the equation”, says Jose Flavio Junior. “I think it somewhat limits the spread of carimbó. But as far as we observe the new generation, it has potential to grow”. Despite the letters attached to the imagination of the rural amazon man and the need of such a peculiar thing, such as the curimbó, a percussion instrument entirely made from a tree trunk, the carimbó has not lost its growth potential yet. If not as a popular rhythm, at least as a cult genre and the start point for a musical recombination, both in and outside the territories of Para. Proof of this is the quartet Do Amor, which flirted so much with carimbó, that ended up creating a rhythm baptized by Pinduca as “cool balance” a rereading of the pop carimbó he created in the 1970s with subtle differences in the way of guitar and drums are played. It is not part of the ambitions of the band to be a group exclusively of carimbó, and the sound of the quartet shows they are more interested in not limiting their music, but it is undeniable that the rhythm from Para is one of the most distinctive works of the group. Gabriel Bubu, bassist of the band Do Amor, explains that the decision to incorporate carimbó to their repertory occurred after the impact that the rhythm caused on the members. And then the malleability of the genre, that naturally adapted to what the four musicians wanted to make. “Carimbó still has an impact because of the originality and its ‘tight’ rhythm, in opposition to the ‘freedom’ of samba. I find it interesting when artists in general feel free to mess with languages and styles that they are not very familiar with. In my case with the band, it happens in a very smooth way. We don’t feel responsible for doing or not doing something that would be traditional or could not be acceptable within the Brazilian rhythms”, says Bubu. Much more explicit in its intentions is the band Bonjour Para, a multicultural amount of musicians from diverse backgrounds who gathered to honor, in their own words, the “fuleiragem nacional” (the national mixture). There are two members from Ceará, one from Amazonia, one from Pernambuco and another one from the southern state of Santa Catarina. In the repertory, the guitars of Mestre Vieira and Aldo Senna, Raimundo Soldado’s brega, Pinduca’s carimbó, and others. They goal is to joinin in a single show the sound of the “terreiros” throughout Brazil. It’s a sound
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cearenses, um amazonense, um pernambucano e um catarinense. No repertório, a guitarra de Mestre Vieira e Aldo Senna, o brega de Raimundo Soldado e o carimbó de Pinduca, entre outras coisas. A intenção de juntar em um único show o som dos terreiros montados pelo Brasil afora. É um som que, como bem descreve Gil Duarte, flautista e vocalista do grupo, já esteve muito presente no nordeste nos anos 70 e 80 e que se tornou universal por falar de problemas e anseios comuns a qualquer brasileiro de baixa renda: as dores, os amores, as crenças religiosas e essa safadeza tão peculiar que só a música popular brasileira tem. Temas presentes em estilos de alcance nacional como o brega, o forró e o samba. E, é claro, o próprio carimbó, que, se não conseguiu se tornar tão popular quanto os outros gêneros, sobreviveu e chegou ao final dessa primeira década do século XXI como uma importante matriz cultural. Às vezes cult, às vezes popular, mas presente o suficiente para que ele continue vivo por mais um bom par de anos.
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that Gil Duarte, the flutist and vocalist of the group, very well described as very present in the Northeast in the ‘70s and ‘80s and that became universal by talking about issues and concerns common to any Brazilian low class member: pain, love, religious beliefs and this peculiar sexuality that only the Brazilian popular music has. Themes present in nationwide styles, like brega, forró and samba. And, of course, the carimbo itself, which, if failed to become as popular as other genres, survived and reached the end of this first decade of the century as an important cultural source. Sometimes cult, sometimes popular, but important enough to keep it alive for another couple of years.
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Dona A menina que aprendeu o canto em beiras de rio segue feliz no lugar que sempre lhe coube: o palco
Dona Onete The girl who learned singing at the river banks carries on to the happy place that has always fit her: the stage por: Ismael Machado | Fotos: Renato Chalu
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A subida ao palco é sempre complicada. Com dificuldades de locomoção, Dona Onete precisa sempre ser amparada nos passos miúdos e lentos. Mas quando se vê em frente ao microfone, parece sofrer uma transformação. Até arrisca uns passos de dança. E abre o sorriso, cujo adjetivo que mais pode ser usado é brejeiro. Nesses momentos é quase impossível não se render à Dona Onete. Foi assim no Festival Rec-Beat 2012. Eram pouco mais de dez metros que separavam a cantora do microfone. Uma distância relativamente pequena, mas na que, simbolicamente, poderia caber uma vida. Com certa dificuldade nos passos, amparada por dois homens da produção, Ionete da Silveira Gama foi vencendo a distância até se aproximar do microfone. Na cabeça, o pensamento recorrente era se iria agradar. Se iriam gostar dela. A dúvida se desfez rapidamente quando ela viu a faixa carinhosa bem à frente do palco. A cantora de 72 anos abriu o sorriso, fechou os olhos por uns segundos e soltou a voz curtida, vivida e arranhada. Estava feliz no lugar que sempre lhe coube: o palco. E o público de Recife retribuiu com a mais calorosa das recepções. Foi assim que Dona Onete, a criadora do “carimbó chamegoso”, conquistou a capital pernambucana no Festival. E, para complementar, ainda arriscou uma personalíssima versão de “Não existe amor em SP”, uma das mais festejadas canções do cantor mais celebrado entre os descolados:
Criolo. “Será que vou dar conta?”, perguntava-se intimamente Dona Onete. Dúvida desnecessária em se tratando da mulher que anda apoiada para vencer as curtas distâncias, mas que ao subir ao palco se transforma, rejuvenesce. Há quem diga que a energia é resultado de encantamentos antigos, daquelas histórias que misturam lendas e realidades difusas. É que, aos 11 anos, a menina Ionete cantava à beira de rios no Marajó. “Cantava para os botos”, diz ela, matreira. É a subversão da lenda. Não foi o boto quem a encantou. Onete é que o teria enfeitiçado. “Nasci em Cachoeira do Arari”, conta. Veio para Belém cedo. E a atração pelos palcos surgiu cedo também. A menina soltava a voz, entoando canções de Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Emilinha Borba e Ângela Maria. “Eu imitava a Ângela”, lembra Dona Onete, fã absoluta que era da cantora, considerada uma das maiores da história da música brasileira. Aos 12 anos a menina, ousada, fez um show na Frutuoso Guimarães. O local ficava perto da sede dos Boêmios da Campina. Foi vista pelo então presidente da agremiação carnavalesca Quem São Eles, Paulo Roberto, que rapidamente correu para pedir uma autorização judicial para que Onete cantasse de forma mais profissional. “Fui cantar com os Namorados Tropicais”, lembra. No grupo havia um grande violonista, o cego Joel Pereira. Exigente, mas atencioso, pediu para que a menina cantasse para ele. “Cantei ‘Último Desejo’, do Noel
Na subida ao palco, Dona Onete precisa de amparo, mas quando se vê em frente ao microfone, sofre a transformação On the way up the stage, Dona Onete needs protection, but when she’s behind a microphone undergoes a transformation
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The walk up to the stage is always complicated. Facing mobility restrictions, Dona Onete must always be supported in her short and slow steps. But when she stands in front of the microphone a transformation seems to take place. She even risks a few dance moves. And opens a smile, whose adjective one can find is impish. In these moments is almost impossible not to surrender to Dona Onete. That’s the way it went February at the 2012 Rec-Beat Festival. Few more than 10 meters separated the singer from the microphone. A relatively small distance but one in which, symbolically, one could fit a lifetime. With some difficulty in stepping forward, supported by two staffers, Ionete da Silveira Gama was conquering the distance until reaching for the microphone. In her mind, the recurrent thought was whether she would do well. Whether the audience would like her. Uncertainty vanished quickly upon seeing the kind banner held right in front of the stage. The 72 year-old singer put on a smile, closed her eyes for a few seconds and let loose the tanned, experienced and scratched voice. She was happy where she has always fit: the stage. And the audience in Recife responded with the warmest reception. That’s how Dona Onete, creator the ‘carimbó chamegoso’, won over the capital of Pernambuco at the Festival. And furthermore risked a very personal version of “Não existe amor em SP” one of the most celebrated songs from one of the most celebrated singer amongst the hype audience: Criolo. “I wonder if I’ll manage”, wondered closely Dona Onete. An unnecessary uncertainly since we are talking about the woman who needs support to walk short distances, but once on stage transforms herself, rejuvenates. Some say her energy comes from ancient spells, those stories that mix legends and diffuse realities. Thing is, at age 11 the girl Ionete sang at riverbanks in Marajó. “I sang for the pink river dolphins,” she says in a sly manner. It is the subversion of the legend. The pink river dolphin did not charm her. Onete is who put a spell on him. “I was born in Cachoeira do Arari” she says. Came early to Belém. And stage attraction came early too. The girl let out her voice, singing songs by Herivelto Martins, Dalva de Oliveira, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Emilinha Borba and Ângela Maria. “I impersonated Angela”, Dona Onete recalls, such a fan she was of singer, one of the biggest in the history of Brazilian music. At 12 years old the daring girl, did a show at Frutuoso Guimarães. The location was close to the Boêmios da Campina’s HQ. She was seen by the president of the “Quem São Eles” Carnival guild, Paulo Roberto, who quickly
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Aos 11 anos, a menina Ionete cantava na beira de rios do Maraj贸, subvertendo a lenda. Era ela a encantar os botos.
At age 11, the girl Ionete used to sing at the Maraj贸 river banks, subverting the legend. She was a delight to the pink river dolphins.
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Rosa, aquela do ‘nosso amor que eu não esqueço e que teve seu começo numa noite de São João’”, cantarola. A carreira, que parecia precoce, sofreu uma pausa. Entre o feijão e o sonho, naquele momento, foi o primeiro que venceu. Onete foi bater em IgarapéMiri. Lá, trabalhou como professora de História e Estudos Paraenses, mas também organizou grupos folclóricos, cordões de pássaros e agremiações carnavalescas. Aqui e ali iam surgindo composições, que corriam o risco de jamais ver efetivamente a luz do sol. Mas não era esse o destino reservado a Onete. De volta a Belém, já nem pensava em cantar profissionalmente. A volta aos palcos se deu de forma até inusitada. Graças aos músicos do Coletivo Rádio Cipó, uma banda que sempre fez uma interessante mistura de ritmos entre o dub, o rock e o rap. Carlinhos, um dos mentores da banda e vizinho de Dona Onete, ouviu meio por acaso. O convite não demorou. Na banda já estava Mestre Laurentino. 54
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Dona Onete sentiu-se em casa. Mais que isso, rejuvenescida entre uma geração bem mais jovem. Composições como “Amor Brejeiro” e “Paixão Cabocla” já estavam prontas. O que veio depois foi uma sucessão de espantos para Dona Onete. Passou a se apresentar com o grupo e a viajar pelo Brasil. Em Belém, abriu shows de artistas como Otto, Vanessa da Mata e Naná Vasconcelos. Todos se apaixonaram por ela. O pernambucano Otto, sempre que pode, vai almoçar na casa de Dona Onete. Sucesso e reconhecimento - nada disso a impede de manter sempre os pés no chão. “Não adianta ir pela onda”, diz, sábia. Tão sábia que Gaby Amarantos não dá um passo sem consultá-la. “Ela não faz quase nada sem antes pedir minha bênção”, revela. Sábia, mas humilde. Tanto que não esquece o conselho de Criolo. “Vá com calma, não se doe toda, tome conta de você”, disse-lhe o cantor. Recado certeiro para quem já viu muito, viveu tudo e continua cantando a vida.
ran to ask for a judicial authorization so Onete could sing more professionally. “I went to sing with Namorados Tropicais”, she recalls. The group had a great guitarrist, Joel Pereira - a blind man. Demanding, yet attentive, he asked that the girl sing for him. “I sang Noel Rosa’s Último Desejo, the one with ‘nosso amor que eu não esqueço e que teve seu começo numa noite de São João’ (‘our Love I won’t forget, it started in a Saint John’s night’)...”, she hums. A career, which seemed precocious, had a pause. Choosing from a dayjob and a dreamjob, at that moment the first had won. Onete hit Igarapé-Miri. There, she worked as a teacher and of History and Studies in Pará, but also organized folkloric groups and “bird cords” (a popular small opera) and Carnival associations. Here and there some compositions emerged, which ran the risk of never to seeing the light of day effectively. But this was not what fate reserved Onete. Back to Belém she no longer considered sing professionally. The return to stage happened in an even peculiar way.
Otto, Vanessa da Mata e Naná Vasconcelos foram alguns do que se renderam ao talento da cabocla de Cachoeira do Arari Otto, Vanessa da Mata and Naná Vasconcelos were some of those who surrendered to the talent of the cabocla from Cachoeira do Arari
Thanks to the musicians from Radio Cipó Collective, a band that has always been an interesting mix of rhythms from dub, to rock and rap. Carlinhos, one of the band’s mentors and neighbor of Dona Onete heard by accident. The invitation soon came. In the band was already Master Laurentino. Dona Onete felt at home. More than that, rejuvenated amongst a younger generation. Compositions such as “Amor Brejeiro” and “Paixão Cabocla” were all ready. What came later was a succession of wonders for Dona Onete. She began performing with the group and traveling in Brazil. In Belém, opened for artists such as Otto, Vanessa da Mata and Naná Vasconcelos. Everyone fell in love with her. The Pernambuco-born Otto, whenever he can, has lunch at Dona Onete’s house. Success and recognition. None of this prevents her from always keeping her feet on the ground. “No use having it going up your head”, she says, wisely. So wise that Gaby Amarantos won’t take a step without consulting her. “She does nothing without asking for my blessing,” she reveals. Wise, but humble. So much she never forgets Criolo’s advice. “Go steadily, do not give all of you, take care of yourself” said the singer to her. A message right on spot for one who has seen a lot, lived it all and still sings about it. SELETA - música da amazônia
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This is tecno
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brega, baby por: Tylon Maués | Fotos: Gustavo Godinho
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Na segunda noite da terceira edição do Festival Se Rasgum, em 2008, a figura no mínimo curiosa do DJ Maluquinho subiu ao palco principal do African Bar deixando para trás toda uma variedade de música muito mais calcada no rock para mexer com a plateia ao som do tecnobrega. O impacto e a repercussão positiva do pancadão de Maluquinho entre os presentes não esconderam, por sua vez, um tom de surpresa. Se o espanto com um ritmo que surgiu quase dez anos antes daquela noite histórica ainda persiste na capital paraense - pelo menos parte dela -, o brega e sua vertente mais recente, o eletromelody (essa variação de música eletrônica recheada de especiarias dos trópicos) é consumido pela maior parte da população do estado, em especial a Região Metropolitana de Belém, apesar de ainda ser confinado muitas vezes às áreas periféricas, onde nasceu.
The second night in the third edition of the Se Rasgum Festival, in 2008, had the at least curious presence of DJ Maluquinho taking the main stage at African Bar to leave behind a whole variety of music more grounded in rock to stir the audience to the sound of tecnobrega. The positive impact and buzz from Maluquinho’s pancadão between present, in turn, didn’t hide a touch of surprise. If the shock from a rhythm that appeared nearly ten years before that historical night still stays on at the state capital, at least in part of it - the brega and its latest strand, the eletromelody (this variation of electronica stuffed with tropical spices) is consumed by the majority of the state’s population, especially in the metropolitan region of Belém, although still often confined to peripheral areas where it was born.
O eletromelody é ouvido pela maior parte da população do nordeste paraense, em especial de Belém The eletromelody is heard by most of the population of northeastern Pará, special in Belém
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O brega bebia da fonte dos ritmos caribenhos misturados a boleros de dor de cotovelo
The brega drank from the Caribbean rhythms mixed with grief boleros
Dois dos principais expoentes do atual cenário do eletromelody não são novatos, mas só recentemente se desvencilharam do rótulo de meros desconhecidos. Gaby Amarantos era vocalista da banda Tecnoshow antes de encarar carreira solo e ser apontada como uma das principais revelações da música brasileira em 2011. A Gang do Eletro tem os vocalistas Marcos Maderito, Keila Gentil e William Love capitaneados pelo DJ Waldo Squash, um sujeito que desde criança acompanha o pai em festas de aparelhagens. A Gang, hoje, é mais conhecida pelas apresentações nos meios alternativos e, recentemente, no circuito de festivais. Já Gaby ganhou os holofotes dos principais programas da TV brasileira e assume o papel de musa do novo momento da música paraense. Ao contrário do seu ancestral dos anos 1980, o brega, que bebia da fonte dos ritmos caribenhos misturados a boleros dor de cotovelo, o tecnobrega e o melody são filhos da tecnologia. Se há três décadas o contrabando era o responsável pela chegada dos LPs de cumbia, merengue, lambada e demais ritmos vindos da América Central - junto com penduricalhos eletrônicos e uísque falsificado -, a partir dos anos 2000 a facilidade advinda da internet e uma inegável melhora no poder aquisitivo da população, que passou a ter em casa o computador sem que isso fosse necessariamente um luxo, promoveu um intercâmbio maior com a música produzida ao redor do mundo. Curiosamente esse período de pouco mais de uma década marcou o apogeu e posterior mudança na relação das aparelhagens com as festas. Antes quase todas voltadas 60
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Two of the leading exponents of the current eletromelody scenario are not newcomers, but only recently detached themselves from the “barely known” tag. Gaby was lead singer for the Tecnoshow band before a facing solo career and being singled out as one of the biggest new artists of Brazilian music in 2011. Gang do Electro has singers Marcos Maderito, Keila Gentil and William Love fronted by DJ Squash Waldo, a guy who follows his father around to aparelhagem parties since he was a child. The Gang, today, is best known for performances in more alternative venues and, recently, in the festival circuit. Now Gaby is already in the spotlight of the main Brazilian TV shows and takes up the muse role for the new era in Pará’s music. Unlike its ancestor in the 1980s, the brega - who drank from the source of Caribbean rhythms mixed with heartache boleros, tecnobrega and melody are technology’s offspring. If three decades ago smuggling was responsible for the arrival of LPs of cumbia, merengue, lambada and other rhythms from Central America - along with electronic trinkets and fake whiskey from the 00’s the ease brought by internet and an undeniable improvement in population’s purchasing power, which brought the personal computer to every house without it being necessarily a luxury, promoted a greater exchange with music produced around the world. Interestingly this period of little more than a decade marked the peak and subsequent change in the relationship of aparelhagens with parties. Almost all geared towards tecnobrega then, today most search a vein which was previously classified pejoratively as “old man thing”: the socalled “Nostalgia balls”, deemed more financially advantageous, SELETA - música da amazônia
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ao tecnobrega, hoje a maioria busca um filão que anteriormente era classificado pejorativamente como “coisa de velho”: os chamados “bailes da saudade”, considerados mais vantajosos financeiramente, menos onerosos em termos de infraestrutura e com um público supostamente mais ordeiro. O eletromelody, como um punk rock regado a cerveja e pancada, seria o primo rebelde.
Desde 2010 a Gang vem ganhando destaque nacional pelo seu trabalho, curiosamente sem nunca ter lançado um álbum de estúdio, tendo apenas coletâneas de seu singles que são baixadas da internet e comercializadas por meio da principal forma de divulgação do tecnobrega: a pirataria. O resultado desse reconhecimento é que o CD de estreia da banda está em vias de ser lançado, todo produzido pelos próprios integrantes.
Entre as aparelhagens mais famosas, atualmente destacam-se o Super Pop e o Mega Príncipe, além das tradicionais Tupinambá e Rubi e os mais novos Rubi Boy e Badalasom. Em média, as entradas para as festas variam entre R$ 15 e R$ 25 e – o principal - com os baldes de cerveja indo de R$ 15 a R$ 17. Mais do que isso é porque alguém está pagando de turista.
Gaby Amarantos Quando apareceu em 2011 em rede nacional de televisão, Gaby Amarantos era a “Beyoncé do Pará”. A referência tinha como razão o single “Hoje eu tô solteira”, versão de “Single Ladies” da popstar norte-americana. Mas o apelido é algo que a acompanha até hoje. Injusto, já que fora a cor da pele em nada o trabalho da cantora belenense lembra a da senhora Jay-Z. Gabriela Amaral dos Santos fez parte do surgimento do tecnobrega, mas tem raízes na MPB. De família de sambistas, deu os primeiros passos na música aos 15 anos, mas somente aos 18 teve permissão para seguir a carreira.
Gang do Eletro A Gang do Eletro é a definição cabal do “faça você mesmo”. A banda começou com a dupla Waldo Squash e o compositor-cantor Marcos Maderito, “o alucinado do melody”, e hoje conta ainda com os vocalistas William Love e Keyla Gentil - esta um caso raro de empatia e carisma sem tamanho. É o lado mais experimental e pesado do ritmo e que vem chamando a atenção por onde passa. Quando Squash e Maderito se juntaram em 2008, por definição nem se podia usar o lema repetido sempre pelo DJ: “Somos uma gangue, não somos uma banda”. Na época, os dois tinham como objetivo apenas ganhar uns trocados nas festas de aparelhagem. Com a aceitação cada vez maior junto ao público, ambos começaram a buscar a experimentação. Se o cantor é a mola mestra que liga o grupo às raízes, tendo sempre um bordão novo e sabendo o que o público espera dele, é Squash quem faz a contraparte, buscando novas influências que casem bem com o som que produzem. 62
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Dona de um vozeirão e de uma presença de palco que empolgam, Gaby deu o passo definitivo para o mercado nacional ao lançar a versão de “Xirley”, de Zé Cafofinho (alterego do multi-instrumentista pernambucano Tiago Andrade), que em suas mãos virou informalmente “Xirley Charque”, numa brincadeira que só mesmo vindo a Belém se pode entender. O clipe caminha para o seu primeiro milhão de visualizações no Youtube. A música faz parte do DVD gravado em 2011 no seu bairro natal, o Jurunas, e que deve ser lançado ainda em 2012. Figura mais pop do tecnobrega, Gaby é a cara da expansão do ritmo e lançou este ano o primeiro CD nacional da carreira, sem falar que teve uma música de seu repertório (“Ex My Love”) escolhida para a abertura da novela “Cheia de Charme”, da Rede Globo, o que certamente é um passaporte para superexposição.
less costly in terms of infrastructure and with a supposedly more orderly audience. The eletromelody, as a beer and punch-soaked punk rock, would be its rebellious cousin. Among the most famous sound systems nowadays there are Super Pop and Mega Príncipe, apart from the traditional Tupinambá and Ruby, and the more recent Rubi Boy and Badalasom. On average, admission costs between R$ 15 and R$ 25 and - the main - with buckets of beer going from R$ 15 to R$ 17. Anybody paying more than that is being taken for a tourist. Gang do Electro Gang do Eletro is the full definition for “do it yourself.” The band began with the duo of DJ Waldo Squash and singer-composer Marcos Maderito, “the madman of Melody”, and now also includes the singers William Love and Keyla Gentil, this one a rare case of infinite empathy and charisma. It’s the heavier and more experimental side of rhythm and it’s starting to steal attention wherever it goes. When Squash and Maderito got together in 2008, by definition they couldn’t live by the motto always repeated by the DJ: “We’re a gang, not a band”. At the time, both had in mind only making some change at the aparelhagem parties. With the audiences’ growing acceptance greater, both began to seek experimentation. If the singer is the mainspring that binds the group to its roots, always having a new catchphrase and knowing what the audience
Entre aparelhagens mais famosas, atualmente destacam-se o Super Pop e o Mega Príncipe, Rubi Boy e Badalasom
Among the most famous aparelhagem sound systems, currently there are Super Pop e o Mega Príncipe, Rubi Boy e Badalasom
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expects from him, it’s Squash who complements it, seeking new influences that marry well with the sound they make. Since 2010, the Gang has gained national prominence for their work, curiously without having ever released a studio album. There are only compilations of their singles that are downloaded from the internet and marketed through the main way of tecnobrega’s dissemination: piracy. The result of this recognition is that the band’s debut CD is in soon to be launched, fully produced by their members. Gaby Amarantos When she appeared on national television last year, Gaby was Amarantos the “Pará’s Beyoncé.” The reference had to do with the single “Hoje Eu Tô Solteira” version of “Single Ladies” from the North-Americanan pop star. But the nickname follows her to this day. A bit unfair, since that - apart from the skin color - the Belém’s singer work has no resemblance to Mrs. Jay Z. Gabriela Amaral dos Santos took part in the emergence of tecnobrega, but has roots in BPM (Brazilian Popular Music). Coming from a family of samba players, she took the first steps in music at 15, but only at 18 was allowed to pursue a career. Owner of a booming voice and an exciting stage presence, Gaby took the ultimate step into the domestic market by launching a version of “Xirley” by Ze Cafofinho (alter ego of multi-instrumentalist Tiago Andrade from Pernambuco), which in his hands informally became “Xirley Charque” a
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play that only natives from Belém could understand. The clip has accounted for almost 400,000 views on Youtube. The music is part of a DVD recorded last year at her hood, Jurunas, and should be released later in 2012. Tecnobrega’s most pop character, Gaby is the face for the rhythm’s expansion and in 2012 releases the first national album in her career, not to mention that a song from its track list (“Ex My Love”) was chosen as opening theme for Globo Network’s soap opera “Cheias de Charme” (“Full of Charm”), which is certainly a passport to greatest exposure.
O tecnobrega é uma evolução da segunda fase do movimento brega pop Tecnobrega is an evolution of the second phase of the brega pop movement
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Esse aí é o MESTRE!
Aos 78 anos e em plena atividade, Mestre Vieira, o pai das guitarradas, já sabe como quer ser lembrado
Here comes the master At age 78 and in full swing, Master Vieira, the father of guitars, already knows how he wants to be remembered por: Vladimir Cunha | Fotos: Renato Chalu
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Inventor da Guitarrada, Mestre Vieira foi redescoberto pelos mais jovens na virada para o novo milênio Inventor of the guitarrada, Master Vieira was rediscovered by younger fans at the turn of the new millennium Poucos artistas no mundo podem bater no peito e dizer que criaram um estilo musical. Aos 78 anos, Mestre Vieira é um deles. Inventor da guitarrada, uma espécie de surf music amazônica com toques caribenhos, ele conheceu um certo sucesso nas décadas de 1970 e 1980 e permaneceu esquecido por quase dez anos. Em 2003, foi redescoberto pelo músico e pesquisador Pio Lobato, que produziu o disco “Mestres da Guitarrada”. Gravado por Vieira em parceria com Aldo Sena e Curica, ele apresentou o estilo criado pelo guitarrista para uma nova geração, garantindo assim turnês por todo o Brasil e shows ao lado de nomes da nova MPB como Fernando Catatau e Gaby Amarantos. Em uma manhã de sábado, Mestre Vieira recebeu nossa reportagem em sua casa em Barcarena, interior do Pará, onde falou sobre futebol, música e até sobre a sua breve passagem pela Ilha de Caras.
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There a few artists in the world than can say they created a musical genre. Mestre Vieira, age 78, is one of them. Born in Barcarena, a rural city located one hour by boat from Belem, he is responsible for give birth to “guitarrada”, some kind of Amazonian surf music mixed with Caribbean genres like salsa and cumbia. Vieira had some success during the 1970s and the 1980s but faced a ten years period of ostracism. In 2003 he was brought to fame once more when musician and music researcher Pio Lobato asked him to play in the Mestres da Guitarrada album. It was his passport to a new career and the chance to gather a new fan base. Since then, Vieira has played with musicians like Fernando Catatau and Gaby Amarantos, the tecnobrega diva of Amazonia. Vieira talked to Seleta about life, guitar, soccer and the future.
Guitarra A primeira vez que eu vi uma guitarra foi no Cinema Universal, ali no Largo São João. Não lembro mais que filme era, mas sei que fiquei encantando com o som que saía daqueles “pedaços de pau”. Fui atrás de saber que instrumento era aquele. Era uma guitarra. Aí uma amiga minha me falou que tinha um irmão que trabalhava na Marinha Mercante e que poderia trazer uma pra mim. Seis meses depois a guitarra chegou. Toda desmontada. Fui de canoa buscar lá em Belém e montei ela aqui em Barcarena. Eu a usava com corda de violão, ligada num rádio que um padre lá do Cafezal me deu. Daí fui mudando, aperfeiçoando. Hoje a minha guitarra dorme do meu lado. Não me separo dela de jeito nenhum.
Guitar I saw a guitar for the first time in the movies, at Universal Theater in Belem. I don’t remember which movie it was, but I found myself mesmerized by the sound made by those “wood sticks”. I tried to discover which instrument was that. It was a guitar. Then a friend of mine told me that her brother was working in a merchant ship that was in the U.S. and that he could bring me a guitar. Six months later it arrived in Belem, dismantled. I took a boat, went to Belem and assembled it here in Barcarena. I started playing it plugged in a radio that a local priest gave me and using acoustic guitar nylon strings. Then my playing skill changed, got better. Today I sleep with my guitar. I never separate myself from it.
A lambada e a guitarrada Eu tocava muito mambo com a minha banda de baile e fui transformando esse mambo e misturando ele com o carimbó, choro e outras coisas que vinham de fora. Tinha um programa de rádio que, quando o locutor tocava um forró, ele dizia: “Aí vai uma lambada pra vocês”. Achei o nome legal e criei uma música chamada “Lambada das Quebradas”. Isso foi em 74. Foi meu primeiro sucesso. Depois, em 2003, por causa do projeto do Pio Lobato e do disco produzido por ele, eu virei o mestre da guitarrada com essa música que eu criei.
The Lambada I used to play a lot of mambo with my band. Then I decided to mix it with Brazilian music styles like “carimbo” e “choro”. There was a radio show that, when the host played a “forro”, he used to say: “the goes a ‘lambada’ for you”. That word sounded so cool for me that a created a song called “Lambada das Quebradas” (“The Slum Strike”). It was 1974. My first hit. And in 2005, due to Pio Lobato’s project and the album produced by him (E.N. The “Mestres da Guitarrada” CD), everybody started calling me Mestre da Guitarrada (T.N. “The Master of Guitarrada”) because of this kind of music that I created.
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Uma baleia encalhada foi a inspiração para o primeiro sucesso do mestre, criador de um estilo reconhecido em todo o país A beached whale was the inspiration for the first hit of the master, creator of a style recognized nationwide SELETA - música da amazônia
O primeiro disco Veio parar uma baleia aqui em Barcarena e eu fiz uma música pra ela: a Lambada da Baleia. Foi por causa dela que a Continental me contratou. Quando eu cheguei pra gravar acharam estranho ser só eu, um baterista e um baixista. Não tinha pistão, sax... não tinha nada. O cara que me contratou não falou pra Continental qual som eu fazia. Eu com uma catapora danada, com medo de não gostarem da minha música. Mas tinha um gordo que veio pra me gravar que, quando eu toquei a minha primeira lambada, eu vi ele dançando lá detrás da mesa de som. Aí eu fiquei tranquilo. Foi o começo da minha carreira e o meu primeiro disco: “Lambada das Quebradas”.
The first song A whale got stuck in the river that surrounds Barcarena and I made a song for it: The Whale’s Lambada. Due to this song I signed with Continental Records. But when the recording sessions started they said it was strange that my band was just me, a drummer and a bassist. There was no trumpet, no sax…nothing. The guy that signed with me didn’t tell Continental the kind of music that I played. There I was, with a very bad chickenpox attack, afraid of hear they say that my music was a piece of crap. But there was this big fat guy that was hired to produce the record. And when I played the first song I saw him dancing behind the control panel. Then I chilled out. That how I started in the music business.
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Ilha de Caras Eu fui na Ilha de Caras tocar. Toquei pra uma turma da novela da Globo. Tava também o Roberto Carlos e o Pelé. Me perguntaram se eu pedi autógrafo deles. Eu não, eles é que pediram o meu. Lá não vai qualquer um, não. Só convidado que vai naquele barco lá no meio da baía, onde fica a ilha.
Efeitos Eu não gosto de usar pedal de efeito nas minhas músicas. Acho que fica parecido com todo mundo. Eu sempre quis fazer um som que não parecesse com o som de ninguém e o jeito que encontrei de fazer esse som foi tocando a guitarra limpa, sem nada. O único efeito que eu uso é o efeito do meu dedo.
Caras Island I played at Caras Island (E.N. A vacation island sponsored by a brazilian magazine about celebrities and soap opera actors). I played to some guys from a Globo Network soap opera. Pele and Roberto Carlos were there too. Some people asked me if I asked them for an autograph. Me? No way. THEY asked me for an autograph. It’s not easy to go there. You have to be invited to be on that boat that takes you to the island.
Guitar effects I don’t like guitar effects in my music. That makes me sound like the other guitarists. I always wanted to sound like anybody else and the only way to do this was to play with a clean guitar with no effects. The only effect that I use is the effect of my fingers playing the guitar.
Guitarristas Eu não sei se tem um guitarrista bom. Eu ouço e parece que todos eles tocam a mesma coisa. Não dá pra ouvir e dizer: “Aquele é que é o bom”. Guitarists I don’t know if there are any good guitarists around. I hear them and they sound like the same to me. It’s hard to hear one of them and say: “that is the one”.
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Sem o uso de efeitos, Mestre Vieira conseguiu imprimir sua marca: a guitarra limpa e mel贸dica
With no the use of effects, Master Vieira managed to brand his style: a clean and melodic guitar 73
Os bailes do interior Toquei muito em banda de baile. Banda de baile é uma escola, tu aprendes a tocar tudo. Foram oito anos tocando em baile. Toquei Jovem Guarda, Paralamas do Sucesso, lambada, carimbó, mambo. Usava até cabelo comprido. Pra tocar em baile tem que ser esperto. A gente nunca permanece num ritmo. Se a pista começa a esvaziar, tu tens que mudar de estilo e tocar outra coisa. Chamavam a gente pra fazer baile em puteiro também. Em Belém fiz muito baile no São Jorge, lá na Condor. Era aquela putada, tudo sujo, meio avacalhado, mas pagavam bem, sabe? Playing in ballrooms Playing in ballrooms is like going to school because you have to play all kinds of music. I spent eight years playing in balls. I’ve played brazilian rock, “lambada”, “carimbo”, mambo. I even had long hair. You have to be a smart ass to play in ballrooms. We never play the same kind of music for so long. If the ball starts to empty you have to change to another thing. I also played in brothels too. In Belem I did a lot of balls at São Jorge (E.N. A brothel in the bohemian district of Belem). It was dirty, messy and full of bitches. But the money was good, you know?
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Futebol Já joguei pelo Atlético Barcarenense. Era centroavante. Batia escanteio e fazia o gol de cabeça. Era craque. Hoje não jogo mais. Mas ainda gosto muito de futebol. Sou Paysandu, mas hoje eu fico em dúvida porque o Paysandu tá meio “assim”, né? Mas mesmo assim eu confio, porque sou Paysandu e acredito nele. É um time que derrotou o Boca Juniors na Bombonera, lá dentro da bandalheira deles, e foi o campeão dos campeões. Já até quis fazer música pro Paysandu, mas no meu show vai gente dos outros times. E aí eu ia ter que fazer música pra eles também. Soccer I played at Barcarenense F.C. I was centre forward. I knew how to take a corner kick and made a headshot at the same time. I was a soccer wizard. Today I don’t play anymore. But I still love football. I support Paysandu (E.N. One of the biggest soccer teams of Amazonia). But the team is a little bit odd today. But I still believe in it. It’s a team that defeated Boca Juniors in La Bombonera stadium. I though about writing a song for Paysandu but my concerts are attended by all kind of supporters. So I’ll have to write a song for their teams too.
Pio Lobato Foi uma pessoa que me ajudou muito. Gosto do conjunto dele e tenho muita amizade por ele. Pio Lobato mudou minha carreira. O negócio da lambada tava parado e quando ele fez o disco “Mestres da Guitarrada” eu voltei a ser conhecido de novo.
Pio Lobato He helped me a lot. I like his band and he is my friend. Pio Lobato changed my career. The lambada business was dead. And when he made the Mestres da Guitarrada album I started to be known again.
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“Nunca pensei em largar essa profissão. Larguei tudo por isso. Quero tocar até quando puder.” “I never thought about leaving the profession. I dropped everything for it. I want to play for how long I can.“
Vida de músico Nunca pensei em largar essa profissão. Eu gosto muito. Já fui carpinteiro, marceneiro, rádiotécnico, fiz farinha, plantei abacaxi, fui seringueiro. Mesmo assim meu pensamento sempre foi na música. Chegava em casa do trabalho e ia logo pro violão tocar. Foi por causa da música que larguei tudo isso. Não é fácil se manter nessa profissão, mas nunca quis desistir. Música é a minha vida.
A musician’s life I never thought about quitting. I love this. I’ve worked as furniture maker, carpenter, pineapple farmer and tapper. Even so I’ve never stop thinking about music. As soon as I arrived home from work I rushed to my guitar. Music made me quit my other professions. It’s not easy to maintain yourself in this profession, but I’ve never wanted to quit. Music is my life.
O futuro Quero tocar até quando eu puder. Mas um dia meus dedos vão entrevar e, quando eu morrer, quero que lembrem de mim por causa das minhas músicas. Quero que o cara ouça a minha música e diga: “Esse aí é o mestre, o mestre da guitarrada”. Eu criei um estilo musical e queria ser lembrado por causa dele. 76
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The future I want to play as long as I can. But one day my fingers will be maimed and, when I die, I want to be remembered through my music. When someone hears my song I want him to say: “that was the master, the Master of Guitarrada”. I crafted a musical genre and I want to be remembered for it.
PRODUZINDO O QUE ROLA DE MELHOR NO PARÁ
AGÊNCIA DE MÚSICA
Dona Onete
Antenada com novos modelos de negócios para música, a Ampli trabalha em parceria com outras produtoras e tem participação ativa no desenvolvimento da carreira de artistas locais. MUSIC AGENCY: In loop with new strategies for the music business, the agency Ampli works in partnership with many other agencies and have an active participation at the development of local artists careers.
DESENVOLVIMENTO DE PROJETOS Criação, elaboração, captação, gestão e execussão de projetos para o setor público e privado. PROJECTS DEVELOPMENT: Elaboration, management, fund-raising and execution of projects for public and private sector.
PRODUTORA Atua na Produção de shows, festivais, curadoria de eventos musicais, produção executiva e de vídeoclipes, programas de TV e documentários. THE AGENCY: Works organizing shows, festivals, executive production, curator of musical events and also with videoclips, TV programs and documentary.
QUALIFICAÇÃO DO MERCADO Programas e projetos de qualificação para formação desenvolvimento e abertura de novos mercados. MARKET QUALIFICATION: Programs and projects with qualification to form, develop and explore new markets.
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www.amplicriativa.com.br | contato@amplicriativa.com.br | +55 (91) 3229 1291 / 8821 1291 | R. Bernal do Couto, 571, Belém - PA - Brasil CEP: 66055-080
Nova geração da música paraense diz não à segregação e faz da mistura sua profissão de fé
The cream of the crop The new generation of music in Pará says no to segregation and makes mixture as its act of faith. por: Ismael Machado | Fotos: Diana Figueroa
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William Love, Keila Gentil, Felipe Cordeiro, Lia Sophia, Maderito, Iva Rothe e Lu Gudes: representantes de uma geração que abraçou a diversidade como lema
William Love, Keila Gentil, Felipe Cordeiro, Lia Sophia, Maderito, Iva Rothe and Lu Guedes: representatives of a generation that embraced diversity as its motto
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Pio Lobato vem, ao longo de uma sólida carreira, alargando as fronteiras da música paraense e derrubando barreiras Pio Lobato is, throughout a solid career, pushing the boundaries of the Pará music and breaking down barriers
Pio Lobato adora café. E é capaz de ficar minutos em silêncio olhando o interlocutor nos olhos, com um sorriso quase irônico nos lábios. Pio Lobato não dança. Mas adora ver os outros completamente molhados de suor se esbaldando ao som que sai de sua guitarra. Pio Lobato foi o guitarrista principal da banda Cravo Carbono, uma das responsáveis por um sopro de renovação que atingiu o cenário musical paraense há coisa de 15 anos. Paralelo ao quase inclassificável som do Cravo - uma mistura de carimbó, pop, guitarrada, progressivo, lambada, tecnobrega, rock e o que mais se puder imaginar -, Pio Lobato manteve sempre uma profícua carreira solo, que parecia ter se imposto um desafio: o de alargar as fronteiras ainda pouco movediças do tecnobrega, o ritmo dançante que é a cara da periferia de Belém.
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Pio Lobato loves coffee. It is able to stay silent for minutes looking at the other person in the eye with an almost wry smile. Pio Lobato won’t dance. But loves to see others completely soaking wet to the sound coming out his guitar. Pio Lobato was lead guitarist of the band Cravo Carbono, one of those responsible for a breath of renewal that has reached the Pará music scene some 15 years ago. Parallel to the almost unclassifiable sound made by Cravo, a mixture of carimbó, pop, guitarrada, progressivo, lambada, tecnobrega, rock and whatever else if you can imagine, Pio Lobato has always maintained a fruitful solo career, which seemed to have imposed a challenge: to extend the still shifty borders of tecnobrega, the dance rhythm that is the face on the outskirts of Belém. This intention came as the result of a lost afternoon in the 80s, when the then teenager saw on TV a gentleman from Barcarena virtually reinvent the guitar sound, into a genre that became known as the guitarrada, nothing more than rhythms such as the lambada, merengue and carimbó electrified, fully instrumental. Divided between the Brazilian rock of the 80’s, the English post-punk and progressive rock (Yes, Pink Floyd, especially) Pio Lobato saw in the sound brought by Mestre Vieira, that gentlemen from Barcarena an extension of the musical horizons themselves. The young guitarist took this idea to college and conducted, as final paper in the Arts Education at the Federal University of Pará, a research on guitarrada.
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Essa intenção foi o resultado de uma tarde perdida dos anos 80, quando o então adolescente viu na televisão um senhor de Barcarena praticamente reinventar a sonoridade da guitarra, num gênero que ficou conhecido como guitarrada, nada mais que ritmos como a lambada, o merengue e o carimbó eletrificado, totalmente instrumental. Dividido entre o rock brasileiro dos anos 80, o pós-punk inglês e o rock progressivo (Yes e Pink Floyd, principalmente), Pio Lobato enxergou na sonoridade trazida por Mestre Vieira, o tal senhor de Barcarena, um alargamento dos próprios horizontes musicais. O jovem guitarrista levou essa idéia para a academia e fez, como trabalho de conclusão do curso de Educação Artística da Universidade Federal do Pará (UFPA), uma pesquisa sobre a guitarrada. A pesquisa desdobrou-se em influência direta à própria banda da qual Pio fez parte, o Cravo Carbono, e resultou numa das mais geniais ideias já elaboradas na música paraense, o encontro de ícones do carimbó, da lambada e da guitarrada num mesmo projeto: nasciam os Mestres da Guitarrada, com Mestre Vieira, Aldo Sena e Mestre Curica. Grande parte do que hoje é considerado aceito e admirado na atual música pop paraense, se deve à insistência e - por que não? - teimosia de Pio Lobato. Quando os ouvidos ainda não se quedavam a Gaby Amarantos e ao tecnobrega, o guitarrista insistia: isso ainda vai estourar, isso é bom, enquanto maquinava na guitarra o tecnobrega “Café BR”, na antiga banda. Não que Gaby efetivamente precisasse desse aval. Mas ela chegou a tocar diversas vezes a música da banda de Pio em shows. O fato é que houve uma queda do Muro de Berlim que separava roqueiros, amantes da MPB mais tradicional e tecnobregueiros. Os primeiros buscaram, em certa dose, assimilar os ritmos acelerados e desenferrujar quadris, como se lembrassem que o rock ‘n’ roll surgiu para as pistas de dança. Aliás, é curioso notar que os passos de dança do tecnobrega têm parentesco direto com o jeito que se dança o rock e o twist dos anos 50 e 60.
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The research has developed into direct influence on the band itself that Pio was a part of, Cravo Carbono and resulted in one of the most ingenious ideas ever developed in the music of Pará, the meeting of icons from carimbó, lambada and guitarrada in the same project: the Mestres da Guitarrada were born, with Mestre Vieira, Aldo Sena and Mestre Curica. Much of what is considered accepted and admired in Pará’s current pop music is due to the persistence and - why not? - stubbornness of Pio Lobato. When the ears still haven’t surrended to Gaby Amarantos and tecnobrega, the guitarist insisted: “That still is the bomb, this is good,” while plotting on guitar the tecnobrega Café BR, still in his former band. Not that Gaby efectivelly needed this endorsement. But several times she played Pio’s band songs in her shows. The fact that was a falling of the Berlin Wall that divided rockers, lovers of more traditional and tecnobregueiros MPB. The first sought, in some measure, to assimilate the fast rhythms and loosening the hip rustiness, as if remembering rock and roll came from the dance floor. By the way, it is interesting to note how tecnobrega dance steps is related directly with rock and twist from 50s and 60s. The second ones had to quell the “music quality” speech, a dubious seal they printed on the very sound they made and which had little of popular to it, really, and realize that talent is independent from genre. It doesn’t seem to have been, but the barriers are being overcome. Now for the later ones... they do what they have always done and continue to have fun. The difference is a portion of the audience is different. And generates more buzz, although often a volatile one, used to detours in taste regarded as “appropriate” for certain seasonal musical crops. If Pio Lobato could be regarded as a starting point, the follow-up happened with La Pupuña, the band that extended or redirected the ideas embedded in
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Os segundos tiveram que amainar o discurso de “música de qualidade”, duvidoso selo que imprimiam ao próprio som que faziam e que de popular tinha pouco mesmo, e perceber que talentos são independentes de gênero. Não parece ter sido fácil, mas as barreiras vão sendo superadas. Já os últimos... fazem o que sempre fizeram e continuam a se esbaldar. A diferença é que uma parcela do público é diferente. E gera mais burburinho, embora seja, muitas vezes, um público volúvel e afeito a mudanças de rota no gosto considerado “adequado” para determinadas safras sazonais da música. Se Pio Lobato pode ser considerado um ponto de partida, a sequência se deu com o La Pupuña, a banda que ampliou ou redirecionou as ideias embutidas no Cravo Carbono. Saíam as experimentações poéticas e sonoras da banda de Pio e entrava uma certa ironia picaresca em cena. Como se o Ultraje a Rigor tivesse decidido tocar ritmos caribenhos. Se o Cravo ia primeiro ao cérebro para depois deslizar cintura abaixo, a banda de Félix Robatto ia direto ao ponto. Dançar para não dançar, como diria Rita Lee. O grupo acabou, mas o miolo central dele é hoje a banda Félix e Los Carozos, não à toa, a que acompanha Gaby Amarantos. Os pontos se unem.
Foto: Roberta Carvalho/divulgação
Os fios que se entrelaçam nessa teia sonora da “nova” música paraense nem sempre são como o fio de Ariadne, nesse labirinto sonoro. Mas dão uma pista. Iva Rothe é cria do rock dos anos 80, mas, cantora solo, sempre buscou uma fusão de sonoridades que dessem conta das influências recebidas ao longo do tempo. Do metal e do rock progressivo às canções praieiras. Da MPB tradicional aos mantras. E muita música regional. A ascendência um tanto germânica não impede que Iva incorpore o suor negro na sonoridade que busca. Se o resultado soava desigual nos primeiros trabalhos, ganhou consistência mais recentemente. “Passante”, do disco mais recente “Aparecida”, talvez seja o exemplo mais bem
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acabado da junção de ritmos tecnobregueiros com a MPB mais embranquecida, por assim dizer. A guitarra, adivinhem, é de Pio Lobato. Funciona. É um caminho seguido também por Felipe Cordeiro e Aíla. A bela cantora, como Iva, iniciou tendo a MPB mais sisuda como referência. Fez barzinhos, tendo, inclusive, Felipe Cordeiro como parceiro. Foi amolecendo os quadris aos poucos. Hoje, Aíla tem uma sonoridade mais próxima dessa sonoridade misturada. Já gravou, por exemplo, Dona Onete, a rainha do “carimbó chamegoso”, cujo grupo de apoio tem Pio Lobato entre seus integrantes. É possível dizer que Aíla sofreu uma influência (in) direta de Felipe Cordeiro. Com seu bigode salvadordaliano, Felipe Cordeiro tem sido um dos nomes mais comentados (depois de Gaby Amarantos) nesse novo cenário musical paraense. Só que ao contrário da diva, Cordeiro é capaz de mimetizar atenções menos preconceituosas, numa aura cult carimbada pela imprensa musical do sul do País. É que Gaby está mais propensa a um sucesso de massa. Felipe Cordeiro parece mais afeito a conquistar um nicho menor, só que celebrado pela inteligentzia musical do lado de baixo do mapa. O cantor, também filho de um guitarrista que fez história na música paraense, caminha no equilíbrio entre o desbunde total de quadris e a elucubração cerebral na própria música. Prova disso foi o longo texto em que respondeu a críticas feitas à música brega pelo jornalista Lúcio Flávio Pinto. Felipe Cordeiro usa o “pastiche” do brega, num cenário kitsch e cult. Meio almodovariano. Só que também funciona. Como tem funcionado a releitura de Lia Sophia para a origem de tudo isso. Se os tecnobregas e tecnomelodys aceleraram a batida, infantilizaram as vozes e trepidaram aparelhagens com um público novo, Lia foi buscar inspiração em outro fenômeno paraense. A nostalgia musical. A saudade. Pescou canções que ainda embalam casais nas pistas de dança desses bailes. É o chamado brega dos anos 80, que eternizou nomes como Mauro Cotta e Alípio Martins, por exemplo. Fez a ponte com a Jovem
Cravo Carbono. Out went the poetic and sound experimentation of Pio’s band and in came a certain picaresque irony on stage. As if Ultraje a Rigor had decided to play Caribbean rhythms. If Cravo first went to the brain to then slide down to the waist, Félix Robatto’s band went straight to the point. To dance so not to dance, as Rita Lee would say. The group has split, but the central core is now Félix e Los Carozos, not for nothing, the supporting Gaby Amarantos. The dots are joined. The threads that weave this web of sound in the “new” music from Pará are not always like Ariadne’s thread in this sound labyrinth. But they give a clue. Iva Rothe is an offspring from 80’s rock but, a solo artist, she’s always after a sound fusion that could take the influences received through time. From Metal to progressive rock to beach songs. From traditional Brazilian Popular Music (BPM or “MPB” as it is known) to mantras. And a lot of regional music. The somewhat Germanic ancestry does not prevent Iva from incorporating the black sweat in the sound she’s after. If the result sounded uneven in her early work, recently it gained more consistency. “Passante”, from the latest album “Aparecida” perhaps is the best example of joining tecnobregueiro rhythms with the whiter BPM, so to speak. It works. It is a path also taken by Felipe Cordeiro and Aíla. The beautiful singer, like Iva, started with the somber BPM as reference. He played small bars, with Felipe Cordeiro as her partner. The hips were gradually softening. Today, Aíla has a sound closest to this mixed one. She has recorded, for example, with Dona Onete, the queen of “carimbó chamegoso”. You can say Aíla got an (in)direct influence from Felipe Cordeiro. With his Salvador Dali-like mustache, Felipe Cordeiro has been one of the most talked about names (after Gaby Amarantos) in Pará’s new music scene. Except that unlike the “diva”, Cordeiro is able to mimic less biased attention, in a “cult” aura
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Guarda e o romantismo “cafona” dos anos 60 e 70, pilares da música urbana periférica tão características de Belém. Deu-lhe banho de loja, passou perfume caro e a reapresentou a um público que descobriu, mesmo que antes negasse, amar as músicas feitas “ao pôr-dosol”, um dos clássicos do brega revisitado por ela. No ponto mais radical - se é possível afirmar isso dessa sonoridade que impregna a atual música pop paraense, há a Gang do Eletro e Viviane Batidão. Estes sabem exatamente onde a pulsação acelera. Gang do Eletro é capaz de fazer um show mais roquenrou que muitas bandas de rock posando de rebeldes entediados. Sobem ao palco e, momentos depois, é como se um pequeno tornado houvesse passado por ele. Exalam juventude e energia. E despejam isso ao público. Já Viviane Batidão consegue impor ao ouvinte o refrão grudento e simples. “Galera da golada” é um exemplo claro disso. Música chiclete. Música pop. Simples assim. Batidas computadorizadas e loops à parte, cantoras como Iva Rothe e Lu Guedes, que misturam tradição e modernidade em doses quase iguais, entendem a importância dos tambores na linha de frente da música paraense. Buscam neles as bases sobre as quais irão construir sonoridades que dialoguem com as influências urbanas e universais da música. É um caminho que se imagina será trilhado em pouco tempo por Luê Soares. Bonita e de boa voz, Luê intercala a tradição mais arraigada com as possibilidades que a abertura de horizontes musicais pode proporcionar. A começar pelo instrumento pouco comum tocado por ela, a rabeca. Nisso, consegue mesclar a música de raiz, tradicional - fruto da influência do grupo do pai, o Arraial do Pavulagem -, com outras referências, próprias, como as músicas clássica e o pop. Embora ainda possa parecer um corpo estranho nesse cenário, há personalidade suficiente em Luê para um lugar todo dela. Lugar para chamar de seu é o que pode passar pela cabeça de Juca Culatra. A imagem de “André Abujamra enxertado de ganja tocando reggae com
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stamped by south music press. The thing is, Gaby is more likely to mass appeal. Felipe Cordeiro seems more prone to conquer a smaller niche, but to be celebrated by the Music “intelligentsia” downside the map. The singer, also son of a guitar player who is part of Pará’s music history, walks the line between total hip release and lucubration brain’s own music. Proof of this was the long text in which he answered to critiques made to brega music by journalist Lúcio Fábio Pinto. Felipe Cordeiro uses a brega “pastiche”, in a kitsch and cult scenario. Semi-almodovariano. But it also works. As has Lia Sophia’s reinterpretation to the origin of all this. If tecnobregas and tecnomelodies have accelerated the beat, infantilized the voices and made aparelhagens (their soundsystems) tremble with a new audience, Lia went after inspiration from other Pará phenomeno. The musical nostalgia. The longing. Fished out songs couples still dance to in ballroms. It is called the 80’s brega, which immortalized the likes of Mauro Cotta and Alípio Martins, for example. Bridged Jovem Guarda and “tacky” romanticism from ‘60s and ‘70s, peripheral urban music pillars so characteristic of Belém. Gave it a big makeover with expensive perfume and reintroduced it to an audience that found out, even if denying earlier, it loved the music made to “the setting sun.” In the most radical corner, if it is possible to say this, of this sound that permeates the current pop music in Pará, there’s Gang do Eletro and Viviane Batidão. They know exactly where the pulse accelerates. Gang do Eletro is able to do a more rock ‘n’ roll show than most rock bands posing as bored rebels. They go up stage and, moments later, it’s like a small tornado had passed through it. They exhale youth and energy. And dump it to the audience. Viviane Batidão can impose to the listener a catchy and simple chorus. “Galera da golada” is a clear example. Bubblegum music. Pop Music. Simple as that. Computer beats and loops apart, singers like Iva Rothe and Lu Guedes, blending tradition and modernity in almost equal doses, understand the importance of drums in the front line of Pará’s music.
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‘músicos’ do Kraftwerk” poderia ser uma boa definição para Juca. Frontman aparentemente desengonçado, segura shows como poucos na cidade. Ele sabe que reggae é e sempre será uma paixão na capital paraense. Mas e o rock? Onde encontra lugar nesse armário aparentemente apertado? Tão estreitos os caminhos que o Madame Saatan foi alargá-los na capital paulista. Os ecos repercutem. No extremo oposto das guitarras ferozes e vocais encorpados do Madame há o Suzana Flag, grupo pop no que de melhor essa palavra de três letras pode conter. As duas bandas mostram como o rock paraense também consegue ser diverso, dinâmico e criativo.
They seek in them the foundations which will build on sounds that talk to the urban and universal influences in music. It is a path that one imagines will soon be trodden by Luê Soares. A pretty face and a good voice, Luê merges a more rooted tradition with the possibilities that open music horizons can provide. Starting with the instrument she plays and few know, the fiddle. In it she’s able to merge traditional roots music - a result of influence of her father’s group, Arraial do Pavulagem -, with other references, such as classical music and pop. Although she may seem like a strange body in this scenario, there is enough personality to Luê for a place of her own. A place to call her own is what can be on Juca Culatra’s head. The image of “Andre Abujamra grafted in ganja playing reggae with Kraftwerk” could be a good definition for Juca. An apparently awkward “frontman”, he can carry shows like few in the city. He knows that reggae is and will always be a passion in the state capital.
E volta-se a Pio Lobato. Se Roberto Carlos, ao longo do tempo produziu, no entender do jornalista Pedro Alexandre Sanches, os “anticarlistas”, como Belchior e Raul Seixas, Pio Lobato também gerou o seu contrário. Das vísceras expostas do Cravo Carbono em praça virtual, surgiu o Maquine, banda de curta existência, com dois ex-integrantes da banda. E, fato curioso, um ex-integrante do La Pupuña. Infinitos circulares, como cantaria Marisa Monte. Ponto de partida e de ruptura, de convergência e de dissidências, de assimilações e distanciamentos, Pio Lobato é o Dr. Frankenstein da nova música paraense. E ele deve rir de tudo isso, enquanto sorve mais um gole de café.
What about the rock? Where does it fit in this apparently tight closet? So narrow are the paths that Madame Saatan extended them in São Paulo’s capital. The echoes reverberate. At the opposite end of the ferocious guitars and strong vocals from Madame there is Suzana Flag, a pop group in the best meaning this three-letter word can convey. The two bands show how rock from Pará can also be diverse, dynamic and creative. So we’re back to Pio Lobato. If Roberto Carlos over time produced, according to the journalist Pedro Alexandre Sanches, “anticarlistas” like Belchior and Raul Seixas, Pio Lobato also generated his opposite. From the exposed innards of Cravo Carbono in a virtual square arose Maquine, with two former members of the band. And, a curious fact, a former member of La Pupuña. Infinite circulars, as as Marisa Monte would sing. Starting and breaking point, of convergence and dissent, of assimilations and detachment, Pio Lobato is Dr. Frankenstein for the “new” Pará music. And he must laugh at all this, while sipping another sip of coffee.
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a l o r t i v a e Põ r a c o t a r p ueroa s: Diana Fig to o F | a h n u ir C por: Vladim
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os d i d n o c s e is n i v e d s ia o r c l ó t u s s i h s o a n e É qu m é l e B e d 0 8 s o e b 0 e 7 s s s o an pelo s o d e s n e ra a p a c i s s e ú õ ç a r da m e g as v o n s à a d é repassa
Vinyl Fever It is in the hidden vinyl grooves of the used stores of Belém that the history of Pará’s music from the 70’s and 80’s was passed on to new generations.
“O que a gente fez foi histórico. Era uma parada incrível, sabe? A gente passava oito, doze horas por dia no estúdio, tocando, gravando. Era ali, sem parar. Tinha aquela espontaneidade pra tocar. Era um lance leve, natural, suingado, aquele baixo marcado, na pressão. A gente tocava e dançava pra ver se rolava. Um grupo de músicos fantásticos surgiu ali: Alípio Martins, Frankito Lopes, Teddy Max, Pinduca, eu e a banda Warilou. Era uma turma da pesada.” O produtor musical Manoel Cordeiro não consegue conter o entusiasmo enquanto me explica a indústria musical paraense dos anos 70 e 80. Surgida de maneira rudimentar na segunda metade dos anos 70, ela floresceu quase dez anos depois quando a demanda por artistas românticos paraenses aumentou. Com a criação das gravadoras Erla e Gravason, vieram os estúdios de Carlos Santos e da rádio Rauland. E com eles a profissionalização dos músicos de estúdio da capital paraense. Foi o que possibilitou o surgimento de três estilos que mudariam a cara da música feita no norte do país: o brega, a lambada e o carimbó eletrônico. Essa era a trilha sonora da periferia de Belém do Pará nos anos 70 e 80. A música dos dias quentes com caixa de som na janela da casa e papo-furado na calçada, das noites nos terreirões dos bairros do Jurunas, Pedreira e Guamá. O som que a classe média repudiava por ser coisa de pobre, de ribeirinho, de morador de bairros que ainda oscilavam entre a vida rural e a urbanização tardia. Mas que, por falar a linguagem do povo, ora com letras românticas ora com piadas de duplo sentido, tornou-se um sucesso comercial sem precedentes no norte e no nordeste do Brasil.
“We made History. It was top notch, you know? We spent eight, twelve hours playing, recording without a pause. It was natural to us to play that way, with rhythm, the bass pulsing. We played and if the music was good we danced to it. A group of fantastic musicians appeared in those years: Alípio Martins, Frankito Lopes, Teddy Max, Pinduca, me and Banda Warilou. We were the real deal.” Producer Manoel Cordeiro can’t contain himself while he explains to me how Pará’s music industry of the 70s and the 80s was created. Born in mid 70s in a very rudimentary way, it blossomed almost ten years later when the demand for local romantic singers increased. Soon after the creation of Erla and Gravason records, the main music companies of Amazonia during the 70s and the 80s, the recording studios of Rauland Radio and Carlos Santos, the biggest music businessman of that era, were built. It was because of this that three different music genres could be created by local musicians: brega, lambada and the electronic carimbó. After that, the music of Amazonia changed forever. These genres became the soundtrack
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of the slums of Belém do Pará during the 70s and the 80s. The sound of the hot days with speakers playing music through the windows and people hanging out in the streets, the sound played in working class parties in barrios like Jurunas, Pedreira and Guamá. The music the city’s middle and upper classes learned to hate because it was working class” and “undereducated” people stuff, for those who lived in the city but in almost rural areas. But, due to it’s romantic and, sometimes, sexual appeal, it became a huge commercial success both in north and northeast of Brazil.
Um período criativo e de produção intensa, que hoje sobrevive nos bailes da saudade e no culto ao discos de vinil, com discos disputados por colecionadores e que ainda podem ser encontrados em diversas bancas espalhadas pela região central de Belém. E se hoje a música paraense em vinil é objeto de culto, no começo dos anos 70 ela era praticamente inexistente, uma indústria que ainda precisava ser inventada desde os seus aspectos mais básicos. “A verdade é que a gente não tinha estúdio de gravação aqui em Belém. Tanto que o Alberto Mota e o Orlando Pereira, dois astros na época, recebiam patrocínio do comércio local para ir gravar no Rio de Janeiro”, revela o radialista Edgar Augusto, “Em 1972 eu produzi um disco do Verequete. Meu pai era dono da Rádio Clube do Pará, que funcionava de seis da manhã à meia-noite. Meia-noite parava tudo. Aí eu propus pro Verequete gravar um disco lá de meia-noite às seis da manhã, quando o estúdio tivesse vazio. Meu pai deixou e nós fomos pra lá. Pegaram os microfones da rádio, que não eram microfones de gravação, espalharam pelo estúdio e saiu o disco. Então era assim que as pessoas faziam porque era como dava pra fazer. Mas era uma produção rica pela forma artesanal como ela acontecia.” Gravava-se como podia, geralmente ao vivo e em dois canais. Foi o que, na opinião de Manoel e Edgar, ajudou a criar um som típico da música paraense, presente tanto nos discos de Pinduca quanto nos primeiros trabalhos de Mestre Vieira, o inventor da guitarrada. A situação viria a melhorar no começo dos anos 80 com a entrada em cena de Alípio Martins, um dos primeiros popstars paraenses, precursor do uso da tecnologia na música local, um dos inventores da lambada e hoje um item disputado entre colecionadores de discos de música paraense.
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It was a time of intense creativity that lives today in old vinyl albums. Disputed by traders and collectors, they can still be found in the street vendors stands of downtown Belem. If today the music of Pará is worshiped by musicians and collectors, in the 70s it barely existed, an industry that has to be invented from its most basic aspects. “The truth is: we didn’t have recording studios here in Belém. That’s because Alberto Mota and Orlando Pereira, the two biggest stars of that time, were sponsored by local businessmen to record their albums in Rio de Janeiro”, says radio personality Edgar Augusto, “In 1972 I’ve produced an album of Verequete, the carimbó singer. My father was the owner of Radio Clube do Pará and the radio worked only from 6 A.M. to 12 A.M. So I asked him to record a Verequete album from 12 A.M. to 6 A.M. My father let me do it. We went to the studio and the record technician put some microphones in the place. That’s how we made that album. People did things that way because it was how they could. But, at the same time, it was a very rich musical production because of the rough way that it was made.” People recorded the way they could, mostly live and using only two channels. In Manoel and Edgar’s opinion it was this that helped to forge the sound of the music made in Pará. A sound you could hear in the albums of Pinduca - The King of Carimbó and Mestre Vieira, the guitarrada creator. Things got better in early 80s witch Alípio Martins, one of the first pop stars of Pará, a pioneer in the use of technology in local music, one of the lambada inventors and today a disputed item in the Amazonian music trading scene.
Ao lado de lendas como Alípio Martins e Pinduca, Manoel Cordeiro ajudou a formatar o som que virou a marca da música paraense
Side by side with legends like Alípio Martins and Pinduca, Manoel Cordeiro has helped shape the sound that became the hallmark of Pará’s music
According to Manoel Cordeiro “Alípio was a genius”, the creator of hits like “Tira a Calcinha” (T.N: Take Your Pants Off), “Eu Quero Gozar” (T.N: I Wanna Enjoy or I Wanna Cum. In Portuguese the word for “orgasm” and “enjoy” is the same: “gozar”) and “Ô, Darcy”. He was the artist that defined the paths of Amazonian music for the next ten years. Not just because he was a huge commercial success, but because he helped to create lambada and worked hard for the professionalization of Pará’s recording industry. An absolutely crazy dude that once, at the peak of his fame, invaded a nightclub completely naked, using only a newspaper to cover himself. With a very tight crew and two recording studios, from Gravason and ERLA Records, and also a raising demand for local artists, Alípio Martins and Manoel Cordeiro started working eight hours a day, seven days a week, mostly live and with no time to change the gear or the mixing desk settings. An industrial
Para Manoel Cordeiro “Alípio era um gênio”, o criador de hits como “Tira a Calcinha”, “Eu Quero Gozar” e “Ô, Darcy” e o artista que viria a definir os rumos da música paraense nos próximos dez anos. Não só por ter feito muito sucesso, mas também por ter ajudado a criar a lambada e profissionalizado a produção de discos na capital paraense. Um sujeito totalmente doido que, no auge da fama, certa vez invadiu uma das mais badaladas boates de Belém completamente pelado, embrulhado apenas em uma folha de jornal. Com um time de músicos entrosados e dois estúdios à disposição, e uma demanda crescente por artistas paraenses, Alípio Martins e Manoel Cordeiro passaram a gravar durante oito horas por dia, sete dias por semana. Geralmente ao vivo, sem muito tempo para novas timbragens ou troca de equipamento. Uma produção em série que, alguns anos depois, forjaria dois dos principais estilos musicais paraenses: a lambada e o brega romântico de Belém do Pará. A história começou com os discos de música caribenha que Pinduca trazia da Venezuela e Alípio Martins da Guiana Francesa. Soca, cumbia, merengue... estilos musicais que, de maneira espontânea, acabam se misturando ao carimbó e ao brega dos anos 70 feito por Odair José, Reginaldo Rossi e Amado Batista. Da levada de guitarra do carimbó misturada com os metais e a batida do merengue nasceu a lambada. E da marcação de baixo forte dos ritmos caribenhos o suingue do brega paraense dos anos 80.
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“Não tinha esse negócio de querer ser sofisticado”, afirma Manoel Cordeiro. “A gente queria fazer música pra vender, pra divertir o povo. Tanto que quando o Teddy Max chegou com Ao Por do Sol ela era uma bossa nova. Agora imagina isso. Teddy Max querendo gravar uma bossa nova. Só que o Pinduca, que era o produtor do disco, disse que não. Foi uma negociação da porra. Até que o Pinduca convenceu o Teddy a gravar como brega. E aí nasceu a canção mais importante da música paraense.” A aposta de Alípio, dos produtores e das gravadoras locais deu certo. Em pouco tempo cada artista paraense vendia em média 30 mil discos somente em Belém e o dobro dessa tiragem no nordeste do país. Ao mesmo tempo, o estilo de tocar e gravar álbuns passou a chamar a atenção de músicos de outras regiões do Brasil. De acordo com Edgar Augusto, “A produção aqui era muito forte. Ao ponto de ter virado uma referência. Tinha gente do nordeste que vinha gravar aqui porque a fama de Belém como polo de produção de música popular era muito grande. Isso acabou criando um padrão pra música paraense dos anos 80. Nós inventamos um jeito e um estilo de fazer música. Tem uma linha, uma direção, um jeito de fazer a coisa que você percebe ouvindo os discos daquela época.” 94
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Tudo o que Manoel, Alípio, Pinduca e uma série de outros artistas paraenses construíram nos anos 70 e 80 desapareceria com as trapalhadas do Plano Cruzado, o surgimento do CD e a massificação da axé music. Sem apoio das rádios e das casas de shows, que se renderam ao rolo compressor baiano, e vitimadas pelas constantes crises econômicas, as gravadoras locais recuaram. Aos poucos, todos os artistas e produtores daquela época foram perdendo o emprego. Sobraram os discos. Alguns cada vez mais raros. Outros fáceis de encontrar nas bancas da região central de Belém. Boa parte deles virou item de colecionador. Da mesma forma que aconteceu com a MPB, a música paraense acabou sendo apresentada às novas gerações quando, a partir da segunda metade dos anos 00, o movimento dos colecionadores de vinil ganhou força no Brasil. Aos poucos, discos de Pinduca, Mestre Vieira, Alípio Martins e ídolos brega como Teddy Max e Frankito Lopes, passaram a frequentar os toca-discos mais descolados, ao ponto da música feita em Belém nos anos 70 e 80 ter se transformado em objeto de culto. De acordo com Manoel Cordeiro, a explicação para o fenômeno não é apenas musical. Ela é cultural, climática e geográfica.
process that, a few years later, forged two of the most important genres of Amazonian music: the lambada and the Belém do Pará brega. It started with the Caribbean music albums that Pinduca brought from Venezuela and Alípio brought from the French Guiana. Soca, cumbia, merengue, musical genres that blended with carimbó and the Brazilian romantic music of the 70s made by artists like Odair José, Reginaldo Rossi and Amado Batista. When people mixed the carimbó rhythm guitar with the horns and the beat of merengue then lambada was born. And from the bass pulse of the Caribbean music come the mojo of the Belém do Pará brega of the 80s. “We didn’t want to be sophisticated”, recounts Manoel Cordeiro. “We want to sell music and make people happy. That is so true that when Teddy Max showed us ‘Ao Por do Sol’ (T.S: ‘At the Sunset’, the biggest brega hit of Amazonia) he wanted to play it bossa nova style. Now picture this: Teddy Max playing bossa nova. But Pinduca, the producer of the album, said no. They discussed a lot and finally Pinduca convinced Teddy to record it brega style. Then the most important song of the Pará music scene was born.” Alipio and the local producers hit the jackpot. In the mid 80s the average sell of a local artist was 30 thousand copies only in Belém. In the northeast they started selling two times more. At the same time, the method of producing
and recording albums in Belém started to attract the attention of artists from other regions of the country. According to Edgar Augusto, “The business here was very solid. Then we became a reference. People from northeast came to Belém because the city was an epicenter of popular music business during that time. That’s what settled the patterns of Pará music in the 80s. We invented a way of making music. There’s a concept, a way of doing this thing that you can observe hearing the albums of that period”. Everything that Manoel, Alípio, Pinduca and so many others artists from Pará built in the 70s and the 80s disappeared with Plano Cruzado (T.N: a presidential plan that in the late 80s put the Brazilian economy in turmoil), the advent of compact disc and the huge success of axé music, the pop music from Bahia. Without any clubs and radio support, who at that time became devoted to axé, and in financial trouble due to constant economic crisis, the local record companies had to shut their doors. One by one, all the artists and producers lost their job. But the albums are still around. Some of them became rarities. Some are easy to find in the stands of downtown Belém. Others are now real collector’s items. Like popular Brazilian music of 70s, the music from Pará was introduced to the new generations in the mid 00s as the Brazilian vinyl collector’s scene grown stronger. Piecemeal albums from Pinduca, Mestre Vieira, Alípio Martins and brega pop stars like Teddy Max and Frankito Lopes started playing in the SELETA - música da amazônia
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“É um tipo de som que só poderia ter nascido aqui, por isso fascina tanta gente até hoje a ponto desses discos ainda serem procurados. Isso porque a gente experimenta uma resultante cultural muito avançada aqui em Belém. A gente consegue ser sofisticado, por causa do sangue europeu; mas temos também o suingue negro e um lance meio índio. E a gente ainda curte essa avacalhação que é a nossa cidade. E aqui é quente, as células dispersam. A gente vai pra rua ouvir música, dançar, porque não dá pra ficar em casa. Tem que botar o som na rua, sair de casa. É isso que nos faz sermos tão musicais. Imagina tu querer fazer um som desses em Santa Catarina ou na Inglaterra, onde as células são mais comprimidas”, conclui. A Banca do Max Escondido em meio a bancas de venda de roupas íntimas e eletroeletrônicos, além de todo o tipo de CD e DVD pirata, o vendedor de discos Max Nascimento é o nome que você deve ter em mente se quiser começar uma coleção de vinil em Belém do Pará. Há quase 20 anos no mesmo ponto, a Praça das Mercês, centro comercial de Belém, Max viu de perto a procura por vinil passar de uma obsessão nostálgica de meia-dúzia de iniciados para um segmento de mercado considerável, responsável, inclusive, por ajudar na popularização da música paraense pelo resto do país. Segundo Max, a culpa é da internet. Como boa parte dos discos de guitarrada, brega e carimbó gravados nos anos 70 e 80 só foi lançada no Pará e no nordeste em vinil, quando eles foram digitalizados e disponibilizados em blogs e sites especializados em música a informação se espalhou. A partir daí, afirma ele, é que começou a procura por álbuns de música paraense dos anos 70 e 80. Não só por parte de compradores locais como também de colecionadores de todo o Brasil, que só então passaram a ter contato com esse tipo de música. É o que faz, por exemplo, que discos como Curtição, de Guilherme Coutinho, e Eterna Lembrança do Norte, de Osvaldo Oliveira, cheguem a custar entre R$ 500 e R$ 1.000, dependendo do estado de conservação. E que um compacto simples da Banda Sayonara, intitulado Volume 1, ou o álbum Guilherme Coutinho – Volume 3 sejam peças disputadas pelos colecionadores.
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William KeilaéGentil, Felipe Cordeiro, Lia Sophia, Maderito, Max: “ALove, rua ainda o melhor lugar para garimpar Iva Rothe e Lu Gudes: representantes de uma aqui em Belém” Pergunto a Max se existe um ranking, se seria possível enumerar quais os cinco discos de música paraense mais raros, aqueles obrigatórios em uma coleção que se preze. “Sim”, responde ele, “Tem discos que são fundamentais e realmente raros. Curtição – do Guilherme Coutinho, com Walter Bandeira nos vocais, é um deles. Tem ainda Volume 4, de Mestre Verequete e Seu Conjunto, gravado em mono em dois canais, mas que, ainda assim, bota todo mundo pra dançar. Pau de Arara, do Ary Lobo, o disco que o tornou conhecido em todo Brasil. O disco de Jovem Guarda do Alípio Martins, de 1967, e o Volume 4, do Pinduca. Esse disco tem de tudo: carimbó, sirimbó, merecumbia, comanchera. Dos mais de 30 discos que o Pinduca gravou esse é o melhor”. Achar discos de música paraense em vinil exige disposição de ir para as ruas, afirma Max. Segundo ele, é nas barracas do centro de Belém e nos vendedores ambulantes, encontrados no mercado do Ver-O-Peso sempre com vários discos debaixo do braço, onde estão as raridades, os discos antigos e os álbuns de brega, carimbó e guitarrada. “O comércio de vinil foi para as ruas porque, com a substituição do vinil pelo CD e depois para as mídias caseiras, ele passou a ser objeto de colecionador. Foram mais de 15 anos sem fabricação nacional. E como as lojas não vendiam mais o vinil eles foram para a rua. A rua ainda é o melhor lugar pra garimpar aqui em Belém. Com R$ 1,00 já dá para levar pelo menos um disco pra casa.”
market segment that’s growing year after year. That’s what made the music of Pará more and more popular in Brazil. According to Max we can blame the internet. Until mid 00s most of the guitarrada, brega and carimbó albums of the 70s and the 80s existed only in vinyl. But then blogs and music sites started to make then available in digitalized versions people started spreading the news. That’s when collectors begin to look for albums of Pará music from the 70s and the 80s. Not only locals but people from all over the country started to listen and to collect this kind of music. That’s why albums like Curtição, from Guilherme Coutinho, and Eterna Lembrança do Norte, from Oswaldo Oliveira, are being sold for R$ 500 or, if it’s in good conditions, for R$ 1.000. And that’s why a single from Banda Sayonara, named Volume 1, or Guilherme Coutinho – Volume 3 are rarities disputed by collectors and traders.
Max: “The street is still the best place to mine here in Belém”.
most hyped pick ups. By now, the music of Belém do Pará from the 70s and the 80s is worshiped at large. To Manoel Cordeiro, the explanation to this it’s not only musical. It’s cultural, climatic and geographical. “This kind of music couldn’t have been done anywhere else. That’s why it still fascinates so many people and that’s why these records still sell. We are a cultural melting pot. We’re sophisticated because we have European blood. But we have also the black musicality and the Indian heritage. And we also like this mess that is our city. And here is very hot, so the cells are more disperse. We go to the streets when is hot to listen music, to dance, because you can’t stay at home. That’s why we are so musical. You couldn’t do this kind of music in the south of Brazil or in England, we’re the cells are more compressed due to the cold weather”, says him. A Banca do Max Hidden between clothing and electronic equipment stands, and also all kinds of pirate CDs and DVDs vendors, the record dealer Max Nascimento is the guy you should know if you want to start collecting albums of music made in Pará. Working almost 20 years in the same place at Mercês Square, downtown Belém, Max saw the vinyl albums turn from a nostalgic obsession of a small group of fanatics to a
I ask Max if there is a ranking, if is possible to make a top five of th biggest rarities of the music made in Pará. “Yes”, he says, “There are albums that are a must have but they are real rarities. Guilherme Coutinho’s Curtição, with singer Walter Bandeira, is one of them. There is also Mestre Verequete’s Volume 4 album, recorded in two channels but also a very groovy record. Ary Lobo’s Pau de Arara, the album that made him famous in Brazil. The 1967 album of Alípio Martins singing rock and romantic songs. Pinduca’s Volume 4. That’s his Best album. It has carimbo, sirimbó, merecumbia, comanchera. Pinduca recorded more than 30 albums but this is him at his best”. To become a record collector you have to go to the streets, says Max. According to him is in the stands of downtown Belém and in the record traders of Ver-O-Peso market where the rarities are, the old brega, carimbó and guitarradas albums. “The vinyl trade went to the streets because, since the advent of CD and the MP3 tra de, he became a collector’s item. We had a 15 years hiatus without any new vinyl release. So, when the record shops quit the vinyl sales its trade moved to the streets. Here in Belem the streets still are the best place to dig for old albums. With only R$ 1 you could bring home at least one record”.
SELETA - música da amazônia
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CD Seleta Gang do Eletro
A batida contagia e a dança hipnotiza. A Gang do Eletro é uma das grandes apostas da música da Amazônia, que mescla com ousadia a batida do tecnobrega do DJ Waldo Squash e energia de seus três MCs: Keyla, Willian Love e Marcos Madeirito. // The beat is contagious and the dance hypnotizing. Gang do Electro is one of the biggest bets of music from Amazônia, boldly merging DJ Waldo Squash’s tecnobrega beat and energy of its three MCs: Keyla, William Love and Marcos Madeirito. The group just won new artist at Multishow Award and is performing at the main Brazilian festivals.
Pinduca
A principal referência quando o assunto é carimbó. Pinduca foi quem eletrificou o estilo e o expandiu para o resto do mundo. Autor dos maiores sucessos do gênero tipicamente regional, Pinduca é reverenciado como o rei. // The main reference when it comes to carimbó. Pinduca was the one who electrified the style and expanded it to the rest of the world. Author of the biggest hits of the typically local genre, Pinduca is revered by all as the king of carimbó and seen as one of the great musical authorities of Pará.
Cobra Coral
O grupo nasceu de um projeto de pesquisa, em 2004, sobre os ritmos regionais amazônicos. Daí partiram para composições próprias e versões de mestres do carimbó. De Icoaraci, o Cobra Coral preserva a história dos instrumentos do carimbó.// The group grew out of a research project, in 2004, on the regional Amazon rhythms. Then they moved on to their own songwriting and versions of masters of the carimbó. From Icoaraci (a district of Belém), Cobra Coral preserves the history of the instruments such as Amazon banjo, local flutes, curimbós and the electric stick - an early version of the electric guitar.
Dona Onete
Onete lançou recentemente seu o disco “Feitiço caboclo”, com 11 canções que trazem o seu “carimbó chamegoso”, a mistura dos mais ousados carimbós com suplícios de amor e saudade, narrando uma trajetória de 73 anos de vida cheia de sotaque paraense. Sua música esteve no filme de Beto Brant “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”. // Onete has recently released her “Feitiço Caboclo” album with 11 songs that bring her “carimbó chamegoso”, a mixture of bolder carimbós with ordeals of love and longing, narrating her 73 years-old history of a life full of the Pará accent. Her music was in the Beto Brant movie ““Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”.
Pio Lobato
O guitarrista Pio Lobato é uma dos principais nomes da música da Amazônia. Foi quem trouxe de volta a guitarra através do projeto Mestres da Guitarrada. É pesquisador e estudioso do tema. Um dos nomes mais importantes da música paraense, Pio integrou a banda Cravo Carbono e atualmente toca em projetos paralelos como a banda Massa Grossa. // Guitarist Pio Lobato is one of the leading names in Amazon music. He was the one who brought back the guitar through the Mestres da Guitarrada project and is a researcher of the theme and scholar. One of the most important names in Pará’s music, Pio joined the Cravo Carbono band and currently plays in side projects such as the Massa Grossa band.
Mini Box Lunar
Psicodelia, cores, ecos da Jovem Guarda e muitas referências brasileiras. O Mini Box Lunar é o que há de mais diferente na música autoral de Macapá. É reconhecido pela imprensa musical como uma das grandes promessas da nova música brasileira. // Psychedelia, colors, echoes of Jovem Guarda and many Brazilian references. The Mini Box Lular is what is most different in authoral music in Macapá, and are seen by the music press as one of the great promises of the new Brazilian music. The band has performed in over 20 cities in Brazil and played along with Jards Macalé, one of their biggest idols.
Felipe Cordeiro
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SELETA - música da amazônia
Felipe é considerado por público e imprensa como um das grandes revelações da música paraense. Sua guitarra emana muito swing em linhas de guitarrada, brega e lambada, é a base das canções que o consagraram ao lado de seu pai, o veterano Manoel Cordeiro. // Felipe is considered by audience and press one of the great revelations of Pará’s music. His guitar exudes much swing in streams of guitarrada, brega and lambada; it’s the basis of songs that consecrated him alongside his father, veteran Manoel Cordeiro. Their sound shows an artist who grew up paying attention to the cynicism of Alípio Martins and Reginaldo Rossi and the conceptual madness of Arrigo Barnabé and Karnak.
Lu Guedes
Dois álbuns e uma carreira construída sem pressa, na manha: eis uma das definições possíveis para a trajetória de Lu Guedes, cantora e pesquisadora atenta aos ritmos que a rodeiam desde a infância, e um talento para mesclar influências pretéritas ao que há de mais up to date no cenário mundial. // Two albums and a career built with no hurry, in a mellow pace: this is one of the possible definitions to the trajectory of Lu Guedes, singer and researcher attentive to the rhythms that surround her since childhood, and a talent for blending past influences to what’s most up to date on the world stage. Drumming and programming in the “made for each other” style .
Strobo
O grupo formado pelos jovens veteranos Léo Chermont (guitarra) e Arthur Kunz (bateria) é considerado um dos mais promissores da nova safra da música brasileira. Do zouk mais despintado à surf music mais ensandecida, não há o que não caiba no som do Strobo. // The group made of young veterans Léo Chermont (guitar) and Arthur Kunz (drums) is a little over two years old, but has already made enough noise to be seen as one of the most promising of the new crop of Brazilian music. From the more off-colour zouk to the more demented surf music, there is no sound that does not fit in the Strobo.
Mestre Vieira
O que dizer do homem que inventou um ritmo? São sete décadas de vida marcadas pela inovação e pela coerência. O inventor da guitarrada não para no tempo e mostra, para quem tiver ouvidos, que um sonzinho repleto de malemolência sempre será uma ótima pedida. // What to say about the man who invented a rhythm? Seven decades of life marked by innovation and consistency. Rediscovered at the turn of the century by new generations, the inventor of the guitarrada inever settles and shows that, for those who have ears, that a small sound full of dirty swing will always be a great choice.
Aíla
Intérprete premiada em festivais na capital paraense desde que se lançou na carreira profissional, em 2008, Aíla Magalhães tem solidificado seu espaço entre os talentos da música produzida na Amazônia. // Performer and recipient of awards in festivals at the state capital of Pará since launching a professional career in 2008, Aíla Magalhães has solidified her place among the talents of the music produced in the Amazon.
Iva Rothe
Em sua página no myspace (www.myspace.com/ivarothe) está escrito: Iva Rothe. Gênero: Alternativa/Canção Popular Melodramática/Latino. Talvez seja uma boa maneira de resumir as facetas da cantora e compositora. // In her myspace page (www. myspace.com / ivarothe) you’ll see written: Iva Rothe. Genre: Alternative / Melodramatic Folk Song / Latino. Maybe it’s a good way to summarize the facets of the singer-songwriter, owner of one of the most solid careers in the current scenario of Pará Popular Music.
Lia Sophia
Nascida na Guiana Francesa, criada em Macapá, radicada em Belém. Nessas idas e vindas, Lia Sophia desenvolveu o estilo que, três álbuns e vários sucessos nas rádios paraenses depois, começa a conquistar o Brasil. // Born in Frenche Guiana, raised in Macapá, based in Belém. In these comings and goings, Lia Sophia developed a style that, three albums and several hits on the local radio later, starts to conquer Brazil. The brunette bets on the balance between MPB, brega and other rhythms of the region to open new paths.
Los Porongas
Com dois álbuns na galeria dos melhores dos últimos dez anos e um sotaque musical bem peculiar, os acreanos do Los Porongas são figurinhas carimbadas em festivais alternativos de Norte a Sul do país. // With two albums in the gallery of last ten years’ best and quite a peculiar musical accent, the Acre-born Los Porongas are a fixture at alternative festivals from the country’s North to South and have won admirers wherever they go since the beginning of their career. SELETA - música da amazônia
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