Habitar Moderno

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habitar moderno


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umário Cenário | Linha do tempo Artigo | A habitação no Brasil e suas modificações entre as décadas de 30 e 70

Casas modernistas | 1930 | Gregori Warchavchik Casas modernistas | 1940 | Vilanova Artigas Casas modernistas | 1950 | Lina Bo Bardi Casas modernistas | 1960 | Carlos Millán Casas modernistas | 1970 | Paulo Mendes da Rocha Mobiliário Moderno | Paulo Mendes da Rocha e Lina Bo Bardi Em foco | A arquiteta antropóloga

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Cenário | linha do tempo

Arquitetura Moderna no Brasil

1959

Residência Castor Delgado Perez, Rino Levi. Casa síntese das caractéristicas das obras do arquiteto

1939 1939 - Hitler invade a Polônia: começa a Segunda Guerra Mundial 1937 - Golpe de Estado por parte de Getúlio Vargas, conhecido como período do Estado Novo 1936 - Roosevelt é reeleito presidente dos EUA. 1934 - Getúlio Vargas se torna presidente constitucional 1930 - Revolução de 30 no Brasil

Exposição internacional de Nova Iorque, projeto de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Pavilhão temporário que marca a integração das três vertentes: arquitetura, urbanismo e paisagismo

1955 1959 - Fidel Castro lidera a Revolução Cubana 1956 - Húngaros se levantam contra a ocupação russa e quebram estátuas de Stalin 1955 - Começa a Guerra do Vietnã 1954 - Vargas comete suicídio 1950 - Vargas é eleito presidente do Brasil

1935

Concurso do Ministério da Educação e Saúde. Edifício histórico da arquitetura moderna brasileira

1930

Vinda de Le Corbusier e Frank Lloyd Wright ao Brasil para visitar as obras de Gregori Warchavchik: sua consagração absoluta no modernismo

1930

1940

Concurso para o Plano Piloto de Brasília: A construção de um sonho

1953

Casa Lota de Sérgio Bernardes recebe o Prêmio para Jovem Arquiteto Brasileiro na Exposição Internacional de Arquitetura

1951

- Residência no Morumbi, Oswaldo Bratke - Casa Lota de Macedo Soares, Sérgio Bernardes - Casa de Vidro, Lina Bo Bardi

1950

1943

1940 - Paris é ocupada pelos alemães 1941 - Ataque japonês a Pearl Harbour precipita a entrada dos EUA na guerra 1942 - Brasil entra definitivamente na Segunda Guerra 1945 - Fim da guerra na Europa. EUA explodem bombas atômicas no Japão. 1946 - EUA lançam o Plano Marshall 1948 - Criação do Estado de Israel. China torna-se comunista

Início do planejamento de urbanização do Parque Guinle desenvolvido por Lucio Costa, quem propôs um conjunto de seis edifícios residenciais

1945

Casa Odette Monteiro, projeto de Roberto Burle Marx vencedor de 12 prêmios de paisagismo

1947

Conjunto do Pedregulho, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, para abrigar funcionários públicos do então Distrito Federal. O Pedregulho, elogiado por Le Corbusier, em sua passagem pelo Brasil em 1962, marca um momento de reconhecimento internacional das obras arquitetônicas e urbanísticas de Reidy

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1968

Inaugurado MASP, de Lina Bo Bardi, onde além de exposiçõesfuncionariam escolas de gravura, pintura, design industrial, escultura, ecologia, fotografia, cinema, jardinagem, teatro, dança e até moda

1969 - Homem chega à Lua 1968 - Eclodem protestos estudantis em vários países 1966 - Começa a Revolução Cultural na China 1963 - Kennedy é assassinado nos EUA

1961

Concretização do brutalismo no Brasil, que quer gerar incômodo pro olhar clássico e tensão construtiva. FAU Usp, de Vilanova Artigas

1960

“A inauguração de Brasília é sem dúvida um marco indiscutível na história da arquitetura brasileira. Mas além de ser um ápice ela parece indicar, também, a ocorrência de um ponto de mutação.” (A década ausente, Vitruvius)

1960

1970 1970

1973 - Allende é derrubado por Pinochet no Chile 1974 - Richard Nixon renuncia à presidência dos EUA

concurso nacional para o Pavilhão do Brasil na Expo’70 em Osaka, Japão. Vencedor do projeto: Paulo Mendes da Rocha e equipe A partir da década de 1970 começam sérios problemas de urbanismo ligados à crescente densidade populacional nas grandes cidades e à sua intensa verticalização. A demanda por habitações populares é cada vez maior.

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Artigo

A habitação no Brasil e suas modificações entre as décadas de 30 e 70 O estilo arquitetônico que predomina o século XX aqui no Brasil é o moderno, em que os arquitetos e artistas do período foram impulsionados por uma sensação de atraso em relação aos movimentos estéticos europeus. Dentre inúmeros projetos que surgiram nesse contexto, os projetos de habitações unifamiliares ganharam destaque, principalmente por conta das mudanças que ocorreram em sua configuração de acordo com os novos costumes da sociedade. Destaca-se nessa tipologia a relação harmoniosa com a vegetação nativa, o constante uso do concreto armado e a reinterpretação dos elementos tradicionais. Surgiram então certos nomes de destaque com a construção dessas edificações, como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Gregori Warchvichik, Jorge Moreira, Atilio Correia Lima, Lina Bo Bardi e outros. Na década de 30 foi quando o Art

Decó ganhou força. No que se refere a conformação das casas, a área social ainda é muito formal e destinada principalmente às visitas. Com o intuito de estabelecerem uma barreira entre a rua e a residência, surgiram alguns exemplos de jardins e varandas para auxiliar nessa divisão entre o público e o privado, pois antes as casas eram construídas diretamente sobre as calçadas. Percebe-se que a implantação das residências se modifica, pois, antes eram geminadas e agora surgem exemplos de casas soltas no lote. A decoração e o mobiliário ainda seguiam a moda europeia. Com a chegada do carro no mercado as residências das classes mais altas passaram a ter garagens. O local de maior permanência das famílias era a copa, que se reuniam em torno do rádio para escutar as notícias e as radionovelas.

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Novos hábitos domésticos foram surgindo e a configuração das habitações unifamiliares nos anos 40 foi se modificando um pouco. Essa década é conhecida por uma maior racionalização dos espaços. Muitas salas de estar vão aparecer diretamente ligadas à cozinha, principalmente nas plantas de apartamento, ou as vezes à um jardim interno. O rádio passa a ser um elemento compositivo do ambiente da sala de estar, que agora passa a ter um caráter menos formal. Novos equipamentos domésticos surgem no mercado, juntamente com os anúncios de serviços especializados em instalações. Destacam-se obras como a Casa Olívio Gomes, de Rio Levi, a Casa de vidro, de Lina Bo Bardi e a Residência Carmem Portinho, de Reidy. A racionalização dos espaços passa a tomar um caráter quase que de obsessão, e é assim que surgem as residências da década seguinte. No que se diz respeito a planta, os aposentos ganham versões muito mais compactas do que as anteriores. As fachadas, em sua grande maioria, possuem um predomínio da reta e das formas geométricas puras, com a presença de janelas de correr em sua composição. Os telhados, em sua grande maioria, ganham platibandas para econdêlos, e as garagens ganham mais destaque na fachada principal. Os jardins também marcam grande presença com seus projetos paisagísticos. Agora é a vez da televisão ganhar espaço na sala de estar, fazendo-se necessário um local confortável e com a luz adequada, pois fixa o espectador nesse lugar por muito tempo. O tempo de permanência na copa e na cozinha passa a ser reduzido drasticamente agora em diante. Passaram a utilizar materiais modernos nas construções dessas habitações, como o alumínio e o vidro. Nota-se também a presença de ar condicionados para

auxiliar na climatização dos espaços. Algumas obras que evidenciam essas características são a Residência Antônio Ceppas, do Jorge Moreira e a Casa Lota, do arquiteto Sérgio Bernardes. Nos anos 60, as habitações unifamiliares passam a ser fragmentadas em várias áreas de estar exclusivas, que estão relacionadas à uma principal de lazer e comer comunitária. Os quartos, portanto, passam a receber tratamento adequado a essa nova caraterística, com o desenvolvimento de mobiliários que permitem a superposição de atividades de estudo, lazer e descanso. Introduzem-se nos aposentos dos jovens principalmente aparelhos de som e televisões. Os banheiros começam a ser ligados diretamente aos dormitórios, dando origem ás suítes. A personalização das edificações fica quase que por conta das cores e dos elementos utilizados na decoração interior. O carro vira sinônimo de ascensão social, então a garagem está preferencialmente a vista. Casas como a residência José Mário Taque Bittencourt de Artigas e a Residência Waldo Perseu Pereira do Joaquim Guedes e da Liliana Guedes são exemplos de residências construídas nesse contexto. A segurança passa a ser uma das principais preocupações, e é na década de 70 que surgem os condomínios, com a presença de saunas, salas de jogos, piscinas etc.

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Chega ao mercado a versão da televisão em cores, e essa passa a ter cada vez mais um lugar de destaque nas composições da sala, as vezes ganhando até um cômodo somente para ela nas residências das classes mais altas. Destaca-se também nas edificações o emprego de materiais mais modernos nas fachadas e nos interiores. A Residência Fernando Millán, do Paulo Mendes da Rocha e a Residência Max Define, de Eduardo de Almeida são residências que pertencem a essa década. Nota-se por meio dessa rápida análise que a maioria das mudanças que ocorreram nas habitações unifamiliares nesse período são decorrentes dos costumes da sociedade que foram se adaptando. Vale a pena destacar também que a conformação das residências ia se modificando conforme novos aparelhos domésticos iam surgindo.


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Casas modernas | 1930 | Gregori Warchavchik

Casa Luiz da Silva Prado (São Paulo)

Gregori Warchavchik, A Casa Modernista de Warchavchik, localizada na Rua Bahia, São Paulo, é uma obra que representa claramente a ruptura com o academicismo e o passado arquitetônico, ruptura proposta pelo movimento modernista no momento em que opta por adotar diferentes materiais em sua composição, uma forma diferente da tradicional, o paisagismo, entre outras características que evidenciam o surgimento de uma nova arquitetura, com a premissa de standartizar a arquitetura e adaptá-la da melhor forma possível ao nosso contexto econômico e cultural. O exemplar dialoga com o terreno no qual está inserido no momento em que faz uso de seu declive de onze metros criando dois níveis de terraços. A residência é composta por dois volumes prismáticos justapostos deslocados em relação ao eixo do outro e em alturas também diferentes e que em um momento são “unidos” através de duas

marquises que aparecem na parte posterior da casa. Vale destacar o emprego do paisagismo moderno, feito por Mina Kablin, brasileira com quem se casou em 1927, que faz uso de vegetação de acordo com o clima e condições naturais locais, uma vegetação que melhor se adaptasse ao clima em vez de buscar enfatizar os padrões europeus de paisagismo e dar um caráter nacional à arquitetura moderna vigente no Brasil.

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arquiteto, nasceu e iniciou seus estudos em arquitetura na cidade de Odessa, Ucrânia. Em 1918 muda-se para Roma, Itália, para dar continuidade a seu curso, no Regio Istituto Superiore di Belle Arti, onde gradua-se em 1920. Chega ao Brasil em 1923. Tem seu nome contantemente atrelado ao modernismo e ao pioneirismo do modernismo no Brasil, pois foi no auge da vanguarda modernista que Warchavchik aqui aplicou em prática os preceitos modernistas de Le Corbusier (18871966), Walter Gropius (1883-1969) e Mies van der Rohe (1886-1969). Para Warchavchik a arquitetura deveria relefletir o seu tempo para que então ela pudesse atender melhor as necessidades da sociedade, enfatizando a primazia pela praticidade e economia, livre dos legados da arquitetura do passado, mas em seu discurso muitas vezes se encontravam pontos incoerentes com a sua prática.


Casas modernas | 1940 | Vilanova Artigas

Casa Rio Branco Paranhos (São Paulo)

A casa Rio Branco Paranhos é um exemplar que está situado no bairro do Pacaembu, São Paulo, e representa o começo de sua carreira que podemos definir como a fase “whrightiana” de artigas, período no qual o arquiteto busca por uma honestidade estrutural e material, se contrapondo aos métodos de Warchavchik, pois os considerava demasiado contraditórios e “falsos” no momento em que suas obras eram mascaradas por uma falsa arquitetura modernista. Na Casa, Artigas opta por trabalhar com condições técnicas locais fazendo uso de materiais disponíveis como telha cerâmica, tijolos e madeira. Os traços inspirados na obra de Frank Lloyd Whright (1867-1959) se verificam nos diferentes níveis de

assoalhos e telhados, na sua organicidade e espacialidade em relação ao contexto em que está situado e não mais se aproxima do aspecto de “caixa”. Não se vê bordas bem definidas bem como compreende-se a dinamicidade que propõem as lajes que se projetam para além das vedações. Faz uso de grandes balanços e beirais que medem até 1,80m, calculados por ele mesmo, graças à sua formação politécnica.

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Vilanova Artigas

Vilanova Artigas, nascido

em Curitiba na data de 23 de junho de 1915, foi um arquiteto brasileiro cujo nome está intimamente ligado ao movimento “Escola Paulista”, que teve sua força nas décadas de 50 à 70. Graduou-se pela Escola politécnica da Universidade de São Paulo (USP) como engenheiro-arquiteto, onde lecionou e foi um dos responsáveis por dar origem à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na USP, e foi o responsável pelo projeto de reforma curricular do curso que foi implantado na década de 60, redefinindo uma série de competências e áreas de atuação dos futuros arquitetos, incrementando as áreas do campo visual e desenho industrial com a premissa de que o arquiteto deveria ser responsável pelos processos industriais e visuais ao qual o projeto viria a requerer. Afastado da FAU-USP e exilado brevemente no Uruguai em 1969 devido à uma determinação do regime militar, muito embora tenha vivido no Brasil na década de 70. Apenas retornou a lecionar na Universidade de São paulo em 1979 até o ano de seu falecimento em 1985.

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Achilina di Enrico Bo,

conhecida como Lina Bo, é uma das figuras mais importantes da arquitetura Latino-americana. Nascida do dia 5 de dezembro de 1914 em Prati di Castello, Roma de uma família genovesa de poucos recursos financeiros, Lina se mostra uma criança difícil e solitária, com um trajeto escolar tumultuoso que achava limitar o papel da mulher na sociedade. Para saber mais sobre quem era a famosa arquiteta Lina Bo Bardi, veja nossa matéria “Em foco” na pág. 22.

Casas modernas | 1950 | Lina Bo Bardi

Casa de Vidro (São Paulo)

As referências, ou pelo menos similitudes, são claras. Em 1949, Philip Johnson inaugurava sua casa homônima –Glass House– em Connecticut e Mies van der Rohe terminava sua prestigiada Casa Farnsworth no ano de 1951, em Illinois, Estados Unidos. As três casas são marcadas pela transparência dos grandes panos de vidro e pela leveza de suas estruturas de aço. Foram projetadas quase simultaneamente, mas, pela consistência projetual e construtiva de cada um, conseguem se identificar com o local e a se destacarem individualmente. Uma das primeiras intenções de Lina foi conservar o perfil natural do terreno, muito inclinado, o que influiu para que a frente da casa fosse

construída sobre pilotis, mas sem deixar de fazer referência a um dos cinco pontos da arquitetura propostos por Le Corbusier. Ao mesmo tempo que a casa atua como um refúgio, proporciona uma vida em constante contato com a natureza e contemplação da paisagem. O casal Bardi pretendia, com isso, desfrutar dos nasceres e pores-do-sol, das chuvas e tempestades, das mudanças naturais. A casa está dividida em duas porções bem definidas. A primeira representa o salão de estar e jantar, dominada pelas grandes aberturas de vidro. Ocupa toda a largura e os dois primeiros módulos da profundidade da residência. Ao centro desse salão se encontra um pátio, no qual foi mantida uma árvore remanescen-

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te da vegetação local. Além de servir como elemento de amenização climática, possibilitando ventilação cruzada nos dias quentes, esse elemento reforça o desejado contato com a natureza, além de, mais uma vez, fazer menção aos mestres modernos, através das casas-pátio de Mies van der Rohe. Uma escada aberta, feita com estrutura de aço e degraus de granito, é o acesso principal ao andar superior da casa.


Casas modernas | 1960 | Carlos Millán

Casa Roberto Millán

Carlos Barjas Millan

(São Paulo)

A casa Roberto Millan está implantada em um grande lote de esquina, com linguagem brutalista, a fachada voltada para a rua é uma chamativa empena cega de concreto aparente. O programa é concentrado em um volume único e prismático sob pilotis, com materialidade bruta, sem revestimentos e fechamentos com peças industriais. A solução monolítica abre espaço para lazer e jardim que é enriquecido pela presença de espelhos d’água colocados em pontos estratégicos para a captação da água que escoa de gárgulas.

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O projeto apresenta duas escadas em concreto aparente, com dois lances intermediados por um patamar e um guarda-corpo também de concreto e era uma linguagem muito presente na arquitetura moderna de São Paulo. O que marca a linguagem do arquiteto na casa são as suas experimentações com o detalhamento como o preenchimento cerâmico das lajes que ficou aparente, como uma solução estética, assim como pequenos tijolos de vidro encaixados na alvenaria para trazer a luz para o ambiente entre outros.


Carlos Barjas Millan,

nascido no dia 29 de Agosto de 1927, em São Paulo, formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, em 1951. Desde então já tinha projetos premiados na categoria de estudante. Seus projetos, inicialmente, mostravam forte influência da arquitetura norte-americana, com grandes beirais telhado aparente e detalhamento consistente de materiais. O gosto pelo detalhe foi uma de suas marcas. Durante as décadas de 1950 e 1960, seus projetos começam a transitar para uma forte influência da obra de Le Corbusier e do pensamento da geração paulista, engajada por Vilanova Artigas. Desde então, começa a lecionar tanto na FAU-USP, quanto no Mackenzie.

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Casas modernas | 1970 | Paulo Mendes da Rocha

Casa Fernando Millán (São Paulo)

A residência Fernando Millán, situase em um bairro residencial numa área mais bucólica da cidade de São Paulo, seu terreno de 600 m² tem um declive acentuado e forma irregular. O arquiteto faz uso desse declive para compor com o terreno um volume prismático que se encaixa no perfil natural, por meio de muros de arrimo. Estes além do papel estrutural atua como divisórias demarcando os espaços interiores da habitação. O concreto armado é praticamente o único material utilizado na obra, da estrutura às paredes de fechamento, daí sua unidade plástica e estrutural conferida pelo concreto aparente. A estrutura possibilita que os espaços sejam arranjados em planta livre e distribuídos em três pavimentos. Estes espaços recebem iluminação e ventilação por meio de uma claraboia central, uma pérgula envidraçada e outras pequenas aberturas que não se voltam para as fachadas na casa. Isso torna o ambiente uma espécie de caixa introspectiva.

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Paulo Mendes da Rocha

Paulo Archias Mendes da Rocha, nascido no dia 25

de Outubro de 1928, em Vitória (ES), formou-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, em 1954. A partir dos anos 1960 desenvolveu a carreira acadêmica e, juntamente do arquiteto Vilanova Artigas, influenciou fortemente o ensino de arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Sua arquitetura é um forte expoente do que se chama de Escola Paulista, tinha como objetivo essencial promover uma arquitetura de fácil apreensão formal e espacial, procurando trazer economia e a verdade estrutural. Outro ponto importante presente nas suas obras é a relação do homem com a natureza, presente no modo com que se utiliza da topografia e na criação de aberturas. Paulo Mendes da Rocha foi vencedor de vários concursos nacionais e internacionais, teve obras com destaque em exposições internacionais e ganhou diversos prêmios, dentre eles o Pritzker, em 2006.

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Mobiliário Moderno | 1957 | Paulo Mendes da Rocha

Poltrona Paulistano Depois de Oscar Niemeyer, símbolo maior da arquitetetura brasileira, Paulo Mendes da Rocha talvez seja um do arquitetos mais reconhecidos no Brasil e exterior. Nenhuma surpresa ai, muita de suas obras como a reforma da Pinacoteca em São Paulo(1988-1999) o Museu Brasileiro da Escultura MUBE (1986) para ficar em duas obras no Brasil, tem reconhecimento afetivo do público, além de internacionalmente premiadas. Em 2006, depois de Niemeyer em 1988, é segundo brasileiro a vencer o importante prêmio de arquitetura Priztker O júri, ao premia-lo, declarou que suas obras “modificam a paisagem e o espaço, buscando atentar tanto para as necessidades sociais quanto estéticas do homem”.

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A concepção da poltrona Paulistano é representativa das preocupações de Paulo Mendes. Desenhada em 1957 e hoje um ícone do design nacional, foi concebia para a sede do Clube Atlético Paulistano, também de sua autoria. A logevidade do design da poltrona foi ratificada em 1986, quando vence a edição de estreia do Prêmio Design do Museu da Casa Brasileira, em 1986. A poltrona é feita de uma estrutura de metal tubular única e uma capa de lona que “veste” a estrutura. O uso do material mais industrial mostra um desejo vanguardista, conectado com as aspirações modernas e industriais de são paulo e dos paulistanos. O estilo limpo, sintético, cru, porém rigoroso nos detalhes de sua arquitetura da Escola Paulista também é marcante na poltrona paulistano. Hoje, a poltorna paulistano é comercializada em vários países da Europa, teve una capa especial feita pela marca italiana Missoni e integra o acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York – MoMA.

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Mobiliário Moderno | 1951 | Lina Bo Bardi

Poltrona Bowl A arquiteta italiana Lina Bo Bardi ao chegar no brasil em 1946 se depara com uma indústria nacional ainda em desenvolvimeto e decide fazer o mobiliário para os seus projetos de arquitetura. Nos seus primeiros anos no Brasil teve uma extensa produção de mobiliário. Em parceria com o arquiteto Giancarlo Palanti, fundou o Studio de Arte Palma, que funcionou entre 1948 e 1950 para produzir os móveis em série.

“O ponto de partida foi a simplicidade estrutural, aproveitando-se a extraordinária beleza das veias e da tinta das madeiras brasileiras, assim como seu grau de resistência e capacidade”, 20

declarou Lina, na época, à “Habitat – A Revista das Artes no Brasil”, publicação que ajudou a fundar em 1950. A Casa de Vidro de Lina, em São Paulo, foi o lugar onde viveu com o marido, o crítico de arte Pietro Maria Bardi. N morada, Lina projetou todo seu estilo de vida, compreendendo não só a construção, como o mobiliário, dentre eles a poltrona Bowl. Percebemos no mobiliário que a influência do Brasil, era grande e fica evidente que existe uma confluencia cultural do seu país de origem com o seu país de escolha. Durante sua carreira, Lina não trabalha apenas com arquitetura e mobiliário. Foi também designer, cenógrafa, figurinista, educadora, curadora e editora, sempre com respeito e reverência à cultura popular.


A poltrona é composta de um assento semiesférico pousado com uma leveza semelhante à Casa de Vidro, sobre uma estrutura metálica em forma de anel. As duas obras, a Casa de Vidro e a Poltrona Bowl, deram visibilidade internacional à desenhista industrial e arquiteta, tornando-se símbolica de seu pensamento, de interação entre pessoa e objeto. Outra preocupação era equilibrar a produção industrial em série com a do objeto individualizado. Lina queria uma Bowl estruturalmente flexível, universal e essencial na sua forma. Padronizar para ela era criar potencialidades. Embora na época tivesse feito vários estudos para isso, a Bowl não chegou a ser produzida em larga escala. No centenário de Lina, em 2014, além de diversos eventos comemorativos realizados no Brasil e exterior houve o lançamento da primeira edição industrial da Bowl. A italiana Arper reeditou a peça numa tiragem limitada a 500 exemplares, numa parceria com o Instituto Lina Bo e P. M. Bardi que atualmente tem sua sede na Casa de Vidro.

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Em foco | Arquitextos, Vitruvius

Lina Bo Bardi

A arquiteta antropóloga, Marcos Grinspum Ferraz

Lina Bo Bardi, nascida em Roma, na Itália, em dezembro de 1914, não só escolheu o Brasil como pátria, como foi apaixonada por este país, suas paisagens e culturas. Como ela mesma escreveu:

“Naturalizei-me brasileira. Quando a gente nasce, não escolhe nada, nasce por acaso. Eu não nasci aqui, escolhi este lugar para viver. Por isso, o Brasil é meu país duas vezes, e eu me sinto cidadã de todas as cidades, desde o Cariri ao Triângulo Mineiro, às cidades do interior e da fronteira”. Mas, se a arquiteta escolheu o Brasil com tamanha convicção, o Brasil não parece tê-la aceitado, ou compreendido, do mesmo modo. Hoje celebrada como um

dos maiores nomes da arquitetura mundial da segunda metade do século 20, sendo tema de exposições, livros, artigos de jornais e estudos acadêmicos, Lina não teve o mesmo reconhecimento em vida. Na verdade, de 1946, quando desembarcou no Brasil, até sua morte, em 1992, a arquiteta enfrentou uma série de dificuldades na carreira, passou por longos períodos de ostracismo e deixou, ao todo, não mais de dez obras construídas. Entre elas estão algumas das mais notáveis edificações do Brasil moderno, como o Museu de Arte de São Paulo – Masp, o Sesc Pompeia (ambos na capital paulista) e o restaurado Solar do Unhão (em Salvador), mas poderia ter deixado mais. E, se é difícil explicar com precisão os motivos de tantas adversidades – que passam pelos fatos mais óbvios de ser mulher em uma sociedade machista, ser “estrangei-

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ra” em tempos de nacionalismo ou, ainda, ser casada com um sujeito polêmico, como Pietro Maria Bardi –, há algo notável sobre a arquiteta que se relaciona à maioria de seus fracassos e sucessos: Lina não seguiu padrões, modelos prontos e modismos, nunca escolheu os caminhos fáceis e não hesitou em experimentar, subverter e ir contra os discursos hegemônicos na política ou na cultura. Sem se enquadrar – mesmo dentro do modernismo ou da esquerda –, ela fez da arquitetura sua arma para a transformação do mundo em um lugar mais igualitário e “humano”. Incomodou e por isso pagou preços, mas deixou, ao fim, um valioso legado para a arquitetura e para o País. “Hoje as pessoas veem a obra dela com certa esperança, com grande frescor, algo que não houve à época”, diz o arquiteto brasileiro


Zeuler Lima, professor da Washington University em Saint Louis (EUA) e autor de extensa pesquisa sobre Lina. “O discurso modernista também não abria espaço para certos experimentos, e acho que a obra dela foi bastante experimental, só do ponto de vista tecnológico, prático, mas também na maneira como ela pensava.” O pesquisador costuma dizer que Lina foi uma arquiteta moderna, mas não modernista, já que não perseguia uma linguagem específica nem seguia determinadas regras formais em sua produção – ao contrário, por exemplo, de outros grandes, como Oscar Niemeyer. “A Lina constrói com tijolo, concreto, ferro, pedra, barro, palha, com qualquer tipo de coisa”, diz o arquiteto André Vainer, que trabalhou com Lina por cerca de 13 anos, entre 1977 e 1992. “Você olha a cobertura da Casa do Benin (Salvador, 1987), de barro, e compara com o Masp (São Paulo, 1957–1968), são coisas diametralmente opostas, e isso é um sinal de liberdade enorme, de abertura para projetar”.

sando, com seus filhos brincando, Lina afirmou: “É essa a atmosfera que quero manter aqui”. Nesse sentido, diz Vainer, “a Lina representa um tipo de arquitetura que tem um respaldo com a realidade muito grande, o que é raro hoje. Ela sempre trabalhava a partir de ideias que não eram de arquitetura, mas de relacionamento humano, de sociedade, de justiça entre os homens e de comportamento”. Se não teve tantas obras construídas, Lina foi incansável em sua produção em diferentes áreas. Foi também designer, cenógrafa, editora de revistas, curadora de museus e exposições e até “estilista” – chegou a desenhar roupas e joias, principalmente nos primeiros anos no Brasil. Mas, na verdade, tudo para ela era arquitetura. As coisas se misturavam, de modo híbrido, e tudo estava dentro de um jeito maior de pensar a profissão, o mundo e o ser humano dentro dele. “Arquitetura, para mim, é ver um velhinho, ou uma criança, com um prato cheio de comida atravessando elegantemente o espaço do nosso restaurante à procura de um lugar para se sentar, numa mesa coletiva”, disse certa vez no Sesc Pompeia. Lina trazia de sua formação em Roma, influenciada pelo professor Gustavo Giovannoni, uma ideia do “arquiteto total”. “Para ela, o arquiteto deve vestir a ‘pele do lobo’: ser cozinheiro para projetar uma boa cozinha, ser aluno e professor para projetar uma boa escola, ser ator e espectador para projetar um bom teatro”, escreve Marcelo Ferraz, arquiteto que trabalhou por 15 anos com Lina.

Construir sem regras técnicas e formais não era algo gratuito, mas parte de uma concepção de que o arquiteto deve entender os contextos sociais e humanos de cada local para poder projetar. Para Lina, cada caso era um caso, e a arquitetura deveria ter como protagonista o ser humano, não o espaço, como ela mesma disse certa vez. “Ela olhava o espaço não como os arquitetos geralmente definem, que é um espaço vazio cartesiano geométrico, mas como os antropólogos definem, que é o espaço vivido”, diz Lima. “Iniciava um projeto com o que ela tinha, seus princípios, mas recebia do mundo e das situações, e esse diálogo criava-se na própria obra.” Quando, num fim de semana, foi pela primeira vez à velha fabrica instalada no bairro paulistano da Pompeia – que seria transformada em uma das sedes do Serviço Social do Comércio (Sesc) – e viu famílias comendo e conver-

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Para poder se propor a fazer uma arquitetura tão diversa e experimental e conseguir transitar com tamanho êxito por variados campos do conhecimento, ainda mais sendo mulher em meados do século 20, Lina precisava de conhecimentos e ferramentas poderosos. E os tinha, como relembra Vainer:

“Uma capacidade de desenho e de síntese impressionante, um entendimento da história da arquitetura, uma postura ideológica muito bem definida e construída e uma postura de liberdade”. Para entender um pouco como isso foi criado, é preciso voltar à vida de Lina desde os primeiros tempos. Os anos de infância e juventude de Achillina Bo (nome de batismo) na Itália não transcorreram em período tranquilo da história do país. Muito pelo contrário. Se a Primeira Guerra Mundial (1914–1918) acabou quando ela tinha apenas quatro anos, a ascensão do nazifascismo e a tensão do período entreguerras foram vividas de perto pela garota, que, em seus anos de formação, já demonstrava talento excepcional para a pintura e o desenho. Após se formar na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma, em 1939, Lina mudouse para Milão e foi trabalhar no escritório do célebre arquiteto Gió Ponti. Enquanto aprendia com a prática diária da profissão, Lina logo teve que lidar com a eclosão da guerra, o que a marcou de modo profundo. “Entre bombas e metralhadoras, fiz um ponto da situação: importante era sobreviver, de preferência incólume. Mas como? Senti que o único caminho era o da objetividade e racionalidade, um caminho terrivelmente difícil quando a maioria opta pelo ‘desencanto literário e nostálgico’. Sentia

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que o mundo podia ser salvo, mudado para melhor, que essa era a única tarefa digna de ser vivida. (...) Entrei na Resistência, com o Partido Comunista clandestino.” Em período pouco propício para a arquitetura – quando prevalecia a destruição, não a construção –, Lina intensificou o trabalho como ilustradora de revistas e jornais e como editora. Foi também aí que assimilou algumas das bases do que seria sua arquitetura até o fim da vida. “Quando as bombas demoliam sem piedade a obra e a obra [sic] do homem, compreendemos que a casa deve ser para a ‘vida’ do homem, deve servir, deve consolar, e não mostrar, numa exibição teatral, as vaidades inúteis do espírito humano. A guerra destruiu os mitos dos ‘monumentos’. Também na casa. (...) Os móveis devem ‘servir’, as cadeiras para sentar, as mesas para comer, as poltronas para ler e repousar, as camas para dormir, e a casa assim não será um lar eterno e terrível, mas uma aliada do homem, ágil e serviçal, e que pode, como o homem, morrer”. Após chegar ao Rio de Janeiro, em 1946, Lina e Pietro (marchand, crítico de arte e jornalista) foram convidados por Assis Chateaubriand, magnata das comunicações, a ficar no Brasil para criar aqui um museu de arte. Encantada com o novo mundo, terra onde as coisas poderiam florescer livres das amarras do passado – feudal, monárquico, burguês ou de grandes guerras –, Lina convenceu Bardi a ficar. No Museu de Arte instalado na rua 7 de Abril, em São Paulo (sede do grupo Diários Associados, controlado por Chateaubriand), onde o excepcional acervo trazido pelo marido foi acomodado, Lina começou a desenvolver suas primeiras ideias de museu e expografia, que radicalizadas culminaram nos polêmicos cavaletes de vidro do Masp, hoje brutalmente banidos do local. O museu não deveria ser um recanto de memória, um túmulo obsoleto ou um depósito de obras humanas, dizia Lina, mas um lugar vivo e dinâmico, onde devem entrar “luz e ar puro”. Mais

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do que isso, o museu deveria ser popular, voltado a todos, em uma concepção que pautou todos os seus projetos para espaços coletivos até o fim da vida. “Tirar do museu o ar de igreja, tirar dos quadros a ‘aura’ para apresentar a obra de arte como um trabalho, altamente qualificado, mas trabalho; apresentá-lo de modo que possa ser compreendido pelos não iniciados”, escreveu Lina certa vez. Após a experiência no museu, para o qual também projetou uma série de móveis, e a criação da revista Habitat, Lina teve sua primeira obra construída em 1951, mesmo ano em que se naturalizou brasileira. A Casa de Vidro, erguida no bairro paulistano do Morumbi, residência construída para morar com Pietro, trazia ainda grande influência da arquitetura racionalista europeia, com a qual Lina tinha tido mais contato até ali. Após ser recusada – em concurso anulado – para dar aula na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo e com o projeto do Masp, construído na avenida Paulista, já em curso, Lina viajou para sua primeira grande estada na Bahia, o que representa talvez a grande transformação em suas ideias e obra. Convidada para dar um curso e, posteriormente, criar o Museu de Arte Moderna da Bahia, no teatro Castro Alves, a arquiteta entrou em contato com outro Brasil, com a cultura popular e com realidades que desconhecia em São Paulo e no Rio. Lá também projetou a restauração do Solar do Unhão, um importante conjunto arquitetônico de Salvador, e conheceu o cineasta Glauber Rocha, o etnólogo Pierre Verger e outros importantes intelectuais.


Em 1964, de volta a São Paulo, já com as tensões geradas pelo golpe militar, Lina continuou tocando as obras do Masp, inaugurado finalmente em 1968. No entanto, mais engajada com a contracultura e com a luta contra a ditadura, Lina passou a apoiar a guerrilha nos chamados anos de chumbo, num capítulo pouco conhecido de sua vida. Sabe-se que a arquiteta sediou em sua casa reuniões da Ação Libertadora Nacional – ALN, grupo de Carlos Marighella, e foi perseguida pelos agentes da repressão. Com os bons contatos que tinha, principalmente o apoio do marido – homem bem relacionado e não engajado na luta política –, Lina se exilou na Itália por cerca de um ano, enquanto um processo de prisão corria na Justiça Militar brasileira. Lina voltou em 1971, quando os militares revogaram sua prisão preventiva. A posição política da arquiteta, aparentemente bastante à esquerda e engajada quando se analisam episódios como esse, é relativizada por alguns pesquisadores de sua vida, que enxergam uma série de contradições em suas posições ao longo da vida. Lina foi amiga de figuras conservadoras e trabalhou com políticos de direita em certos momentos, ao mesmo tempo em que foi próxima de artistas libertários e chegou a afirmar, mais de uma vez, ser “stalinista”.

“É uma pessoa muito complexa”, diz Vainer. “Às vezes eu fico tentando enquadrá-la, mas a verdade é que não dá. Quando ela dizia que era ‘stalinista’, isso estava muito mais ligado ao papel que Stalin teve durante a Segunda Guerra Mundial, que possibilitou que os Aliados vencessem os nazifascistas, do que a qualquer outro sentido atribuído

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ao termo, como os relacionados a expurgos, matanças. Ela era mais ligada a uma esquerda mais moderna, desligada do ‘partidão’, da União Soviética. Era heterogênea.” O documento da revogação do pedido de prisão na época da ditadura , por exemplo, foi dado por Lina à Vainer e Ferraz nos anos 1980, em uma pastinha que continha também uma foto de Che Guevara e outra de Lenin. “Ela tinha uma vida burguesa, afinal o Bardi tinha muito dinheiro”, diz Vainer. “E por isso também fez gratuitamente os projetos do Masp e da Igreja de Uberlândia. E acho que isso é também uma espécie de distribuição de renda, uma postura socialista de certa maneira. Algo como: ‘Eu não preciso desse dinheiro, mas quero doar meu conhecimento’.” Seja como for, com suas contradições e coerências – Lina também gostava de chocar, o que deve ser levado em conta –, o fato é que sua arquitetura sempre foi de propósito social, acessível e humanizada.

O Sesc Pompeia, para o qual a arquiteta foi chamada após longos anos “colocada de escanteio” pelo poder político e também pela arquitetura dominante, talvez seja a experiência mais bem-sucedida de Lina no sentido de utilizar a arquitetura para criar um espaço democrático e igualitário. Nos anos seguintes, entre 1986 e 1990, já bastante madura e calejada, Lina pôde, em seu segundo período na Bahia, fazer uma série de projetos, como Casa do Benin, Casa do Olodum e Ladeira da Misericórdia – o qual viu ser abandonado e parcialmente destruído ainda em vida. Ali levou ao máximo sua experiência como arquiteta-antropóloga, se assim podemos dizer, investigando e vivenciando intensamente a cultura popular baiana e afro-brasileira.


“Lina tinha um grande idealismo. E isso é diferente de utopia, pois era um idealismo de pensar não o impossível, mas o possível. Pensar um futuro melhor não abstratamente, mas no que existe, no aqui e no agora”, diz Lima. “Ela era uma pessoa extremamente generosa com a arquitetura, com a ideia de que a arquitetura tem um propósito e que ele tem que ser social, humano”, conclui. Com a visão de alguém que conviveu de perto por tanto tempo, com uma experiência não só profissional, mas afetiva e de amizade, Vainer ressalta que a generosidade ia para muito além da arquitetura. “Tanto que ela deu para mim e para o Ferraz isso tudo que temos. Ela nunca regulou conhecimento, sempre nos ensinou, exigiu que a gente tivesse uma postura em relação ao trabalho, às ideias. Quando a gente se conheceu, ela tinha 63 anos, eu 23 e o Ferraz, 22. E acho que ela pensou: ‘Vou pegar esses dois caras, porque eu preciso de alguém para fazer os desenhos e tal, mas também vou pegar para ensinar’.”

Em tempos de arquitetura monumental e extremamente cara, por vezes pouco conectada às realidades e contextos locais, Lina ressurge como outro modo possível de se pensar e fazer. Se isso ocorre um tanto tardiamente, o que importa é que a arquiteta é cada vez mais lembrada e difundida, especialmente no ano de seu centenário. “A obra da Lina não era como essa arquitetura ‘do espetáculo’, que é basicamente um exercício de técnica e virtuosismo, tão distante da realidade do homem”, diz Vainer, referindo-se a uma arquitetura de obras faraônicas que predominou nos anos 1990 e 2000. Na mesma linha, Zeuler Lima conclui:

“A arquitetura de Lina é espetacular, não é ‘do espetáculo’. É de propósito à vida”. 27


Universidade de BrasĂ­lia | Faculdade de Arquitetura e Urbanismo serena ferreira | eduardo dantas | gabrielle monteiro | jĂşlia costa | juliana santos 28


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