2013
Mestre Molina Cenas da vida de Cristo Materiais diversos, 1984/1985
País de colonização portuguesa, o Brasil distingue a fé e a religiosidade como elementos constituintes de sua cultura, o que pode ser observado pelo intenso calendário de festas e romarias realizadas em diferentes cidades, país afora. A arte é uma ponte decisiva para o universo do sagrado. A presença do divino, a relação com o espírito e com as práticas religiosas vem se manifestando de diferentes maneiras ao longo do tempo e sob influências estéticas distintas. As manifestações do sagrado na arte popular, especificamente, estão associadas à tolerância, compreendida como a capacidade de entendimento e o respeito àquilo que nos é estranho, desconhecido, pouco familiar. Entretanto, muitas vezes a arte popular ultrapassa os espaços religiosos e alcança outras esferas ritualísticas, como a festa e a celebração. Eis, pois, a arte popular como código sensível para reunir não só artistas, mas pessoas que nela enxergam uma efetiva possibilidade de diálogo. Com o intuito de valorizar esse aspecto, tão caro à convivência humana, o Sesc promove a exposição “Manifestações da Fé – Arte Popular no Acervo Sesc de Arte Brasileira”, que apresenta um conjunto de obras desse gênero presentes no acervo da instituição, o
qual foi constituído informalmente a partir de doações de artistas, assim como de aquisições feitas, sobretudo, na região Nordeste. Sob a curadoria de Ricardo Amadasi, a exposição conta com a participação de artistas surgidos do povo, que evocam santos e manifestam suas crenças com a singularidade passível de ser encontrada em nosso país. Há que se destacar a presença especial de Mestre Molina, artista autodidata de grande expressividade, cuja obra constitui um marco no acervo de arte popular do Sesc. Para o Sesc, esta oportunidade permite a apreciação de um acervo que chega às cidades de Bauru e Catanduva trazendo obras que não só valorizam as tradições, assim como a religiosidade de nosso país, potencializando as relações entre o homem e o sagrado.
Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo
Fidelis Sem tĂtulo Ă“leo sobre tela, 1977
Dentro do rico e variado acervo de arte popular do Sesc SP, destaca-se pela sua coerência e qualidade, o conjunto de obras referentes às diversas manifestações na representação da Fé do povo brasileiro. A Fé transcende o cotidiano das pessoas, sendo a mola propulsora de diversas iniciativas humanas. Sem a presença da Fé, muitas energias mobilizadoras da vida seriam reduzidas a uma realização fragmentada ou incompleta. A religiosidade popular e a arte como expressão da Fé detêm um caráter mágico e simbólico, preenchendo de profundos significados a existência humana. Impregnada de transcendência, faz parte de um tecido imaginário que torna possível e suportável o dia a dia do povo, e suas carências, que através de suas manifestações de devoção reencontra–se com o significado da esperança. Muitas são as cidades do Brasil que existem por causa da Fé. Uma de cada nove cidades brasileiras tem nome de Santo. A religião faz parte intensa da alma do povo. As notáveis representações de santos e cenas religiosas constituem um verdadeiro voto de Fé. Surgem assim obras primas criadas por mãos fortes e calejadas, como as famosas geringonças do Mestre Molina, conjuntos de peças articuladas e movimentadas por um sistema de engenharia popular, as surpreendentes esculturas do Mestre Deda e suas singulares e criativas interpretações da Fé, a sempre renovada imagética dos santeiros como Daniel, Zé Alves e José Anjo, dando
continuidade a uma bela tradição brasileira de origem barroca e a impactante Sagrada Família, entalhada na madeira pelas mãos hábeis e fervorosas de Manuel Labareda. Estão também presentes neste vasto universo aqui apresentado no Sesc Bauru e Catanduva desde o mais sublime sentimento místico das esculturas de anjos de Cornélio e Chico Torres à vital expressividade de Boaventura Louco, que levou sua arte fantástica do Recôncavo Baiano até as principais coleções de arte do mundo. A presença de quatro obras da estatuária barroca, de autor desconhecido, recria o clima de densidade dramática própria das igrejas do interior do Brasil. Artistas vindos do povo, que contribuíram para formar um grande painel de uma arte brasileira baseada na Fé, manifesta seja através das figuras míticas e alongadas de Benedito de Olinda, das belas pinturas da coleção Naïf do Sesc e no intenso conjunto de xilogravuras do talentoso Stênio Diniz, de Juazeiro do Norte. Artistas simples, que muito bem definem uma arte brasileira que corresponde a todos, expresso na trajetória de suas vidas e no conjunto de suas obras como uma poética de afirmação de caráter nacional e universal. Ricardo Amadasi
Artista Plástico, Pesquisador de Arte Popular Curador do MAP (Museu de Arte Popular de Diadema) e Consultor de Arte Popular do Sesc SP
A exposição propõe um olhar sobre as manifestações da fé no Brasil, expressas principalmente pelo catolicismo popular, que tem como base a religião cristã portuguesa sincretizada às influências das crenças indígenas e africanas. Essa mistura, cujo auge aconteceu no período barroco (século XVIII a início do século XIX), tem como figura primordial os santos, que, ao contrário da Divindade, podem ser representados por imagens.
Manuel Labareda A Sagrada Família, sem data
Michelângelo A Sagrada Família, 1503 Galleria degli Uffizzi, Itália
Assim como a obra do Manuel Labareda, que está na exposição, existiram outras representações de sagradas famílias na história da arte. Um exemplo é a pintura de Michelângelo, de 1503, no Renascimento. Essa família é representada por: José, o pai, Maria, a mãe, e o Menino Jesus, a criança.
A maioria das peças expostas foi feita em madeira - que é um material muito versátil, fácil de ser encontrado e, além de tudo, barato. Uma das possibilidades artísticas usando a madeira como matéria-prima é o entalhe, ou seja, o processo de cavar a madeira e dar-lhe forma. Muitas vezes, as ferramentas necessárias para o entalhe são construídas pelo próprio artesão, que desenvolve artefatos específicos para as formas e efeitos que deseja atingir. A técnica do entalhe é uma das mais usadas no Brasil desde o período barroco, por isso, existe uma rica tradição de mestres entalhadores brasileiros.
Boaventura Louco Santa Ceia Entalhe em madeira, 1977
A xilogravura, ou gravura em madeira, é uma técnica de entalhe na qual incisões, corrosões e talhos são feitos em uma placa-matriz, que será usada para reproduzir impressões desse desenho em superfícies diversas. A matriz funciona como uma imagem em negativo do que será obtido na imagem final, como em um carimbo: as áreas cavadas da matriz correspondem às áreas em branco do desenho. Desde o século XV, essa técnica é utilizada para circular ilustrações e cópias de obras consagradas, uma vez que a matriz permite diversas impressões sem se deteriorar. Muito utilizada por artistas populares, a xilogravura está bastante associada à literatura de cordel.
Stênio Diniz. Via Sacra. Xilogravura. Sem data
Os artistas apresentados nessa exposição enquadram-se no que chamamos de mestres da cultura popular, o que significa que aprenderam a dominar técnicas artísticas com outros mestres, sem passar por um processo de ensino formal, como a escola ou a faculdade. Os mestres são pessoas que detêm grande conhecimento sobre saberes ligados às nossas tradições, como comida, dança, música, pintura, gravura, entre outros. Você conhece alguém que faz algum tipo de trabalho manual como o bordado, o entalhe em madeira, tapeçaria ou pintura, como em algumas obras apresentadas nessa exposição? Ou ainda pessoas que trabalhem com mecanismos que permitam movimentação de cenas como em um teatro?
Mestre Molina. Cenas da vida de Cristo Materiais diversos, 1984/1985
VEJA OUTROS ARTISTAS PRESENTES NA EXPOSIÇÃO
Antônio Pereira da Silva Milagre de São Bento Acrílica sobre tela, 2003
Val Bonfim Mandala Pintura em cerâmica, 1980
Ivan da Silva Morais Festa dos Orixás Óleo sobre linho, 1998
Tânia de Maya Pedrosa Padre Cícero Óleo sobre tela, 2000
Iaperi Santos de Araújo Ex-voto de Padre Cícero Acrílica sobre tela, 1998
Autor desconhecido Sem título Escultura / madeira Sem data
Jorge Nossa Senhora das Dores Escultura / madeira Sem data
Deda Sant´Ana Mestra e Nossa Senhora Menina Escultura / madeira Sem data
Daniel São Pedro Escultura em tronco de madeira, 1976
José Anjo Santo Antônio Escultura / madeira, 1978
Autor desconhecido São Francisco Escultura / madeira Sem data
Autor desconhecido Anjo Escultura / madeira Sem data
Chico Torres Anjo Escultura / madeira Sem data
Autor desconhecido São Marcos Escultura / madeira Sem data
Cornélio Escultura de anjo Escultura / madeira, 1990
Zé Alves São José Escultura / madeira, 1983
Benedito de Olinda Sem título Escultura / madeira Sem data
Sesc Bauru
22 de setembro a 24 de novembro Av. Aureliano Cardia, 6-71 CEP 17013-411 Bauru - SP Tel.: 14 3235-1750 email@bauru.sescsp.org.br sescsp.org.br/bauru
Sesc Catanduva 12 de dezembro a 30 de março/2014 Praça Felício Tonello, 228 CEP 15801-321 Catanduva - SP Tel.: 17 3524-9200 email@catanduva.sescsp.org.br sescsp.org.br/catanduva
Obra do Mestre Molina em exposição somente no Sesc Bauru.