Outras Cenas

Page 1

OUTRAS CENAS


OUTRAS CENAS 2


Outras Cenas pretende incentivar a formação teatral contemporânea no interior por meio de ações que fomentem e estimulem os processos, o percurso, a trajetória, o compartilhamento de experiências e caminhos entre companhias e públicos.

3


4 Foto: Edson Kumasaka


Em quais e para que cenas? Dentro ou fora da Unidade, no teatro e em espaços outros, espalhando-se por cidades da região, o projeto pretende contribuir com a formação de público para assistir ou fazer a cena e, também, para a consolidação da imagem do Sesc Birigui como referência em formação e difusão teatral na região Alta Noroeste. Pretende, assim, estimular o fazer teatral no interior paulista, provocando e refletindo sobre questões como: quais as peculiaridades e dificuldades de se fazer teatro no interior? Por que, para que e para quem será este teatro? O teatro no interior é uma forma de resistência? A que resistimos?

5


Cenas do interior Íris

Projeto autoral da Cia. do Blefe, prevê a estreia de dois solos, Interior e Sinfonia do Adeus, criados a partir de um trabalho processual que abre espaço para a reflexão e prática através de oficinas, compartilhamentos e cocriação com o público, fomentando a autonomia do ator, a potencialização do ato criativo e a hibridização de linguagens.

Sobre a Cia. do Blefe

Fundada em abril de 2015, nasce no interior do estado de São Paulo, Brasil. Em 2016 cria e produz o espetáculo Folia dos Reis. A partir do espetáculo Braseiro, dá início à obra intitulada Trilogia do Poder, que até 2019 será composta por outras duas obras que trazem as relações humanas como objetos de interesse e disputa, dos pequenos aos grandes poderes.

6


7 Foto: Flavia Baxhix


Cenas em estreia Acompanhe as estreias da Cia. do Blefe, que marcam e difundem o fazer teatral interior paulista pelas cidades da região. ESPETÁCULO

ESCORIAL Mostra como as relações humanas podem ser conflituosas quando a manutenção do poder está em jogo. Um espetáculo que aborda temas políticos como autoritarismo, insurreição, golpe de estado, violência, indiferença e traição, numa encenação que opta pela metalinguagem, teatralidade e pelo grotesco. 28 e 29/4, sábado e domingo, 19h Teatro Sesc Birigui. Grátis. 14 anos. Retirada de ingressos com 1h de antecedência. Limitado a 1 ingresso por pessoa.

8

Texto: Michel de Ghelderode. Tradução: Mário da Silva. Direção: Mauro Júnior. Elenco: Ed Barba (Rei), Igor Palmieri (Folial), Valtemir Jurca (Monge/Carrasco) e Devanira Moura (Rainha).


Íris - Abertura de processo A Cia. do Blefe compartilha a abertura de processo de seu conjunto autoral Íris, que integra e inaugura o projeto Outras Cenas. A sala de ensaio é aberta para artistas e interessados acompanharem e compartilharem os percursos e procedimentos adotados pela companhia nos trabalhos inéditos que estão em construção: Sinfonia do Adeus e Interior. 7/4, sábado, das 10h às 12h. Teatro do Sesc Birigui. Grátis. 14 anos. Retirada de ingressos com 1h de antecedência. Limitado a 1 ingresso por pessoa. 6/5, domingo, das 14h às 17h. Sala de Múltiplo Uso 1. Grátis. 14 anos.

9


ESPETÁCULO

INTERIOR

Um caixeiro viajante traz em suas malas os causos dos nossos vizinhos, as intimidades de nossa terra, do interior do estado de São Paulo. Espetáculo construído a partir de memórias reais registradas e colhidas com o público durante as atividades do projeto Outras Cenas. Ed Barba é ator, performer, professor, contador de histórias e percussionista. Formado em artes visuais pela Uniesp – Faculdade Birigui, atua como professor efetivo na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e como ator na Cia. do Blefe.

10

Dramaturgia: Heitor Gomes. Direção: Mauro Júnior. Atuação, colaboração no texto e encenação: Ed Barba. Fotografia e vídeo: Flavia Baxhix. Composição e execução da trilha sonora: João Gabriel.


ESPETÁCULO

SINFONIA DO ADEUS

Ecos, ressonâncias, reminiscências, fragmentos, cacos de memórias são colados pelo protagonista e uma delicada história de amor nos é desvendada. Como confiar na memória sendo que essa mesma se torna alucinógena? Como contar uma história recheada de falhas de memória? Eduardo Amaral é ator formado pelo curso técnico em arte dramática do Senac Araçatuba. Atua como educador social (monitor de teatro) no Programa Lobato de Araçatuba desde 2013. Texto e direção: Mauro Júnior. Atuação, colaboração no texto e encenação: Eduardo Amaral. Fotografia e vídeo: Flavia Baxhix. Composição e execução da trilha sonora: João Gabriel. 6/6, quarta, 19h – Coroados 7/6, quinta, 19h – Buritama 8/6, sexta, 19h – Guararapes 9/6, sábado, 19h – Auriflama 23 e 24/6, sábado e domingo, 20h – Sesc Birigui Grátis. Livre. Retirada de ingressos com 1h de antecedência. Limitado a 1 ingresso por pessoa. Os espetáculos Interior e Sinfonia do Adeus acontecem sequencialmente, sem intervalo.

11


12 Foto: Edson Kumasaka


ESPETÁCULO CONVIDADO

LEITE DERRAMADO

Cia. Club Noir

Eulálio D’Assumpção, aos 100 anos de idade, encontra-se abandonado em um corredor de hospital público. Perdulário, alienado e contraditório, encontra-se completamente falido e se defronta com a precariedade de um sistema construído por uma elite da qual sua família é parte integrante desde a chegada da corte portuguesa. 26/4, quinta-feira, 20h. Teatro Sesc Birigui. Grátis. 14 anos. Retirada de ingressos com 1h de antecedência.

Texto original: Chico Buarque de Hollanda. Adaptação, direção e cenografia: Roberto Alvim. Elenco: Juliana Galdino, Renato Forner, Filipe Ribeiro, Taynã Marquezone, Caio D’aguilar, Lenon Sebastian, Luis Fernando Pasquarelli e Nathalia Manocchio. Produção: Dani Angelotti.

13


14 Foto: Flavia Baxhix


Feitura de Cenas Ações de formação e difusão como oficinas, bate-papos, aberturas de processos, estreias e compartilhamentos entre público e companhias são estratégias para fortalecer a produção teatral no interior de São Paulo, em diálogo com produções de destaque nacional, convidando o público a compartilhar caminhos e experimentar o teatro que olha para fora da caixa, que quer o interior também fora da caixa, buscando outras cenas, fazendo-o de modo processual, explorando uma forma de pensar o teatro como um percurso.

15


OFICINA

Dramaturgia e escritura cênica: palavras e imagens materializadas Com Mauro Júnior

Com o objetivo de ser um instrumento didático para a atualização e o aprimoramento técnico e estético dos participantes, a oficina abrirá espaço para o exercício e a reflexão sobre criação, processo e resultado final de um evento cênico, sob a perspectiva de quem o cria e o desenvolve: o diretor teatral/encenador. 14/4, sábado, das 10h às 17h. Sala Múltiplo Uso 1. Grátis. 14 anos.

16

Mauro Junior é graduado em artes cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto e pós-graduado em direção teatral pela Escola Superior de Artes Célia Helena. É diretor da Cia. do Blefe, professor no curso Técnico em Teatro do Senac Araçatuba e orientador artístico do Programa de Qualificação em Artes – Projeto Ademar Guerra.


17

Foto: Flavia Baxhix


OFICINA

Fotografia e vídeo: memória restaurada por imagens construindo narrativa Com Flavia Baxhix

Oficina de Fotografia Documental durante a qual serão discutidos seus conceitos e papel na arte da memória. Atividade teórica em sala sobre a fotografia como equivalente visual da lembrança, e atividade prática num passeio pelo prédio do Sesc Birigui. 21/4, sábado, das 10h às 17h. Sala Múltiplo Uso 1. Grátis. 14 anos.

18

Flávia Baxhix é fotógrafa com formação em Fotografia Digital Profissional pelo Senac Araçatuba e especialização em Estúdio Fotográfico e Retratos pela escola internacional Spéos Paris Photographic Institute. Trabalha com ênfase nas áreas de fotografia de espetáculos, fotografia de arte estatuária e projetos autorais.


19

Foto: Flavia Baxhix


OFICINA

Narrativa teatral: oralidade e imaginário Com Ed Barba

Por meio de práticas corporais e círculos de conversas, que vão da contação de histórias a exercícios de Capoeira Angola, a oficina busca desenvolver a troca de experiências entre os participantes potencializando: imaginário, memória e oralidade em busca de uma narrativa orgânica e expressiva para o trabalho do ator. 7/4, sábado, das 13h às 18h. Teatro Sesc Birigui. Grátis. 14 anos.

20


OFICINA

Dramaturgia autoral construída por memórias Com Heitor Gomes

Por meio de jogos que estimulem a elaboração dramatúrgica, a oficina propõe aos participantes o exercício de visitar suas memórias, contá-las e registrá-las em forma de texto, vídeo e fotografia; potencializar a criação textual autoral com foco nas particularidades das lembranças, brincar com as palavras e, sobretudo, olhar para as próprias recordações com olhar artístico. 8 e 15/4, domingos, das 10h às 17h. Sala Múltiplo Uso 1. Grátis. 14 anos.

Heitor Gomes é ator formado pela Escola de Arte Dramática - EAD/ECA/USP, dramaturgo e diretor pela SP Escola de Teatro. Atualmente é monitor de Educação Profissional do Senac Araçatuba, atuando como docente no curso Técnico em Teatro.

21


Em cena, os convidados Outras Cenas pressupõe o diálogo entre companhias locais e convidadas, estimulando a troca de experiências, o fazer compartilhado e a valorização do saber acumulado. Nesta edição, a convidada é a Companhia Club Noir, além do renomado fotógrafo Emídio Luisi.

22


OFICINA

A voz como ferramenta de construção do tempo, do espaço e do imaginário Com Juliana Galdino

O encontro irá proporcionar aos atores a possibilidade de descobrir novos e inaugurais sentidos em uma obra, descolando-se de conteúdos e formas hegemônicas. Cada participante trabalhará com um pequeno texto, sobre o qual Juliana procederá uma série de intervenções, visando a uma modulação mais ampla (e singular) do tempo e do espaço, por meio de desvelamentos insuspeitados das palavras - transformando-as em rizomas no imaginário do espectador. 25/4, quarta, das 14h às 17h. Sala Múltiplo Uso 1. Grátis. 14 anos.

Juliana Galdino é atriz, diretora e professora de Artes Cênicas. Foi professora de Atuação no CPT – Sesc Anchieta e USP (ECA). Fundadora da companhia Club Noir, pela qual estreou dezenas de espetáculos, entre eles Comunicação a uma academia (indicada ao Prêmio SHELL 2009 de Melhor Atriz) e Peep Classic Ésquilo, vencedor do Prêmio APCA e Prêmio Governador do Estado 2012.

23


24 Foto: Edson Kumasaka


OFICINA

Dramaturgia como invenção Com Roberto Alvim

Exercícios práticos de criação e desenvolvimento de aspectos técnicos da escrita cênica, objetivando apresentar um panorama das mais interessantes tendências da dramaturgia contemporânea e seu diálogo com os fundamentos clássicos da dramaturgia, bem como o conhecimento de meios técnicos e estratégias de construção dramática que possam traduzir cenicamente a sensibilidade específica do século XXI. 25/4, quarta, das 18h30 às 21h30. Sala Múltiplo Uso 1. Grátis. 14 anos.

Roberto Alvim é dramaturgo, diretor e professor de Artes Cênicas. Lecionou Dramaturgia e História do Teatro em instituições como a Universidade de Córdoba, a CAL Casa das Artes de Laranjeiras e a SP Escola de Teatro de Dramaturgia. Fundador da companhia Club Noir, com a qual venceu o Prêmio BRAVO 2009; Prêmio APCA 2012; e o Prêmio Governador do Estado de São Paulo 2012.

25


26 Foto: Emidio Luisi


OFICINA

Fotografia de Espetáculo Com Emidio Luisi

Teoria e prática acerca da fotografia de espetáculo (shows, teatro, dança), abordando peculiaridades técnicas e criativas, dicas e efeitos de câmera. As fotos produzidas no exercício prático serão avaliadas pelo professor. 14/6, quinta, das 16h às 20h Sala Múltiplo Uso 2. Grátis. 14 anos. 15/6, sexta, das 14h às 18h Sala Múltiplo Uso 2. Grátis. 14 anos.

Emidio Luisi desenvolve a fotografia de palco há mais de 30 anos, tendo parceiros como o Ballet Stagium e o diretor teatral Antunes Filho. É autor de Ue’Paesà (Fotograma, 1997), Kazuo Ohno (Cosac & Naify, 2003), Ballet Stagium 35 anos (Fotograma, 2008), Antunes Filho, Poeta da cena (Edições Sesc São Paulo, 2011) e Kazuo Yoshito Ohno (Edições Sesc São Paulo, 2015), premiado com o 58º Prêmio Jabuti.

27


Outros Debates Integrantes do projeto Outras Cenas compartilham textos de sua autoria referentes à produção teatral contemporânea.

28


Tem a ver com rigor, mas também com frescor Cada um de nós se esquecera de seu mesmo, e estávamos transvivendo, sobrecrentes, disto: que era o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito, – o milmaravilhoso – a gente voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia dos outros e no nosso próprio falar. Pirlimpsiquice, João Guimarães Rosa

Em uma das infinitas transformações operadas por Guimarães Rosa na linguagem, encontra-se a conjugação do verbo “teatrar”. Guimarães, no conto Pirlimpsiquice, narra “um acontecimento” no dia a dia de um internato apenas para meninos. Alguns alunos são escolhidos para participar da encenação de uma peça. De um lado Dr. Perdigão, professor diretor da obra, a ordem, o rigor, a lei do teatro bem-comportado, o método, o sistema. Do outro, os garotos atores, a descoberta constante, o frescor, a magia da invenção, o improviso. No dia da estreia há a eminência do garoto protagonista em viajar para ver o pai à beira da morte. A estreia então seria sacrificada, não fosse a possibilidade de substituição do ator pelo “garoto do ponto” (no caso, o próprio narrador do conto). Porém, o garoto do ponto, apesar de conhecer a trajetória e as falas de toda a peça, não havia decorado um poema inicial, de exaltação à Virgem e à Pátria, introduzido pelo professor diretor para dar início à representação. Diante de toda a plateia, ao

29


invés da peça ter seu curso normal, previsto pelos ensaios, ocorre o silêncio constrangedor do garoto do ponto, agora protagonista, que não domina os versos adaptados ao espetáculo. A consequência do silêncio são as vaias do público. É aí que um dos garotos se põe a improvisar, mescla falas do texto com histórias inventadas. Todos os garotos atores se sentem encorajados e jogam, atuam. A representação toma então um caráter único e irrepetível – é o drama do agora, inventado e vivível no dia a dia. Esta representação, uma vez iniciada, não tem mais final, e nela os meninos estão “transvivendo”. Claro que Dr. Perdigão e os outros mantenedores da ordem tentam barrar a apresentação, mas não conseguem. A plateia de garotos que antes vaiava sente a vida vinda do tablado e exaltada aplaude.

30

Aquilo que me move como artista, a pretensão a cada projeto (que pretende sempre único na experiência e constante como processo) é a possibilidade de gerar o envolvimento (ativo), a integridade dos outros artistas envolvidos em relação às provocações nascidas pelo processo (dado, individual ou coletivo). Vivemos, experienciamos hoje, integrantes da Cia. do Blefe, o processo de montagem de dois espetáculos, concomitantemente. Visamos, além da qualidade do resultado, o processual,


a descoberta, a construção de experiências e a desconstrução incessante das mesmas. Sim, em meio ao turbilhão de criatividade, procuramos também o estético, o resultado. Porém mais do que isso: o entendimento da pulsão, da ideia, até a formalidade estética das mesmas. O reconhecimento dos rastros, do percurso, daquilo que se perdeu e se ganhou (conscientemente) pelas vielas do processo. Fugimos do engessamento que talvez seja de um modo de produção rançoso, viciado e mofado (Doutores Perdigão). O bocejo aqui como objeto do despertar e não do adormecer. A prática da montagem de um espetáculo como geradora de questões sobre teatro, a arte, papéis dentro de modos de produção, impulsões criativas que se inclinam para a forma. Assim penso como artista, diretor, encenador, professor e pesquisador. Trabalhamos (sim, trabalhamos, incansavelmente) a formalidade convulsa (sem aspas). Não há fim, mas sempre meio. Experienciar, transviver cada momento de cada encontro milmaravilhoso, nosso estro estrambótico. Mauro Junior, diretor da Cia. do Blefe

31


Sobre os autores Heinrich von Kleist criou o conceito de “marionete”, afirmando que esta deveria substituir os atores. Edward Gordon Craig se apropria desta ideia e diz que é preciso fechar todos os teatros do mundo e só reabrí-los depois de cinco anos de um novo e intenso treinamento que ressignifique a atuação (também no sentido do ator transformar-se em uma espécie de “supermarionete”). Recria a origem do teatro: em sua versão, duas mulheres naufragaram e foram aportar em uma ilha; explorando esta ilha, depararam-se com um templo, dentro do qual uma gigantesca marionete se movia – e em seu movimento era possível perceber todos os arquétipos, todos os tempos e espaços, todas as sensações, toda a história da humanidade – passado, presente e futuro, no mesmo tempo sem tempo. Estas mulheres, então, conseguem voltar para o continente e lá decidem reproduzir o que viram, criando o primeiro teatro; mas o que fazem é apenas uma caricatura grosseira (sem a amplitude espiritual) do que viram na ilha. Este é, segundo Craig, o nosso teatro: uma caricatura de algo que se encontra escondido em segredo numa ilha perdida... 32

Maurice Maeterlink propõe que o teatro seja feito sem atores, apenas com um palco vazio em que


se ouvem vozes, haja vista que os atores (com suas presenças culturais) maculam, conspurcarem o espaço sagrado do teatro e impederem que uma dimensão ontológica (que é a dimensão própria da cena) se estabeleça. Tadeuz Kantor propõe o boneco como paradigma da atuação: só através de algo morto pode-se tocar a vida. O que há por trás de todas estas ideias (de Kleist, Craig, Maeterlink e Kantor)? O que há por trás da proposição do conceito de “marionete”? O ponto aqui diz respeito a uma certa qualidade de AUSÊNCIA imprescindível para a atuação. Se o ator carrega para o espaço da cena a construção cultural que chamamos de EU, se ele carrega para a cena esse “si mesmo” cultural (e a visão achatada de mundo deste “si mesmo” cultural), então, sim, este ator macula, conspurca o espaço do teatro, ÚNICA seara em que se pode trabalhar com lógicas distintas da lógica cultural, explorandose territórios desconhecidos da experiência humana. Para isso é preciso alienar os atores – mas aliená-los do que? Do “si mesmo” cultural, que só trabalha por hábito, por condicionamento, reverberando (inadvertidamente) o senso comum, as formas e idéias estabelecidas, reconhecíveis. Não se trata, portanto, de transformar os atores em bonecos que serão marionetados, mas da

33


conquista desta instância de SEPARAÇÃO (no dizer de Artaud: “não estou morto, ESTOU SEPARADO”). É só nesta ausência que OUTRAS presenças (nãoculturais) podem se instaurar plenamente Tudo é em prol da conquista (por cada artista) de uma instância de singularidade, e é, portanto, contra qualquer ventriloquismo. O vazio (que é, na verdade, ausência do “si mesmo” cultural) permite a habitação de outros/novos modos de subjetivação pelo ator; e é equivalente ao rompimento do métron grego, prerrogativa para o aparecimento do teatro. Roberto Alvim, diretor e dramaturgo

34


De volta ao gênesis Vencida a etapa de captação dos recursos necessários à realização de um projeto em teatro, resta ao artista não sucumbir à tentação – advinda do medo latente de não ser compreendido ou aceito (ou pior, excluído de algum dos grupos aos quais ele pertença) – de abrir concessões formais ou ideológicas. Barganhar aqui, então, estabelece a diferença entre aquilo que poderíamos chamar de Arte, e o que podemos chamar de Produto Cultural. Nos dois casos, os interesses que mobilizam os criadores são muito distintos. Sair à procura do novo, ou bradar contra qualquer espécie de tradição, não é o que interessa aqui. Roberto Alvim, além de diretor, é autor. Prioritariamente, arrisco dizer. Mais do que criar um espetáculo, Alvim traça um pensamento em arte. O que soa como pretensão não se coloca sequer como questão, já que o olhar está voltado para a recriação integral do fenômeno cênico, em termos de estratégias e de sentido. Não diz respeito ao sujeito Roberto Alvim, mas ao objeto TEATRO. Não se trata de montar espetáculos, mas de construir um sistema dramático que potencialize a cena, trazendo à tona o inconsciente dos textos; um posicionamento crítico e poético, pessoal sem ser maneirista. Pensar a obra a

35


partir deste sistema, e permitir-se capturar por uma cena que aponta para lugares insuspeitados até então. Escolhas “erradas” – que ampliam o campo de trabalho do teatro. Alvim respeita os autores porque sabe, por experiência própria, o quão perigoso e belo pode ser o caminho que se vislumbra por detrás das paisagens conhecidas. É sempre lá que monstros e heróis dividem a mesa... Se manter fiel a um princípio a ponto de precisar abrir mão deste mesmo princípio – não, isto não é uma contradição. Penso que tem mais a ver com fé. Não há explicação. E a fé não é o fim da fantasia de que só aquilo que eu conheço é real. Estabelecemos, assim, um teatro adulto. Sem superstições. O teatro produzido no Club Noir é improvável. Escuridão e imobilidade, por exemplo, são opções arriscadas demais. Desnecessárias, para quem não quer correr o risco de prescindir da empatia imediata da platéia. O ser humano é retirado da terra dos homens e (re) colocado, retornado a uma espécie de lugar inaugural (como no Gêneses bíblico). Não há luz. A luz não vem de fora. Não há nada nem ninguém. E novamente o verbo povoará o mundo. E o silêncio deixará de ser ensurdecedor. E a vida irromperá. 36

Juliana Galdino, atriz


Outras pesquisas Visando ao compartilhamento de saberes e pesquisa entre companhias, convidados e público, Cia. Club Noir e Cia. do Blefe indicam obras para pesquisas cênicas. Cia. Club Noir recomenda: Teatro contemporâneo, de Jean-Pierre Ryngaert Shakespeare: a invenção do humano, de Harold Bloom Introdução às grandes teorias do teatro, de JeanJacques Roubine O Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari Dramáticas do transumano, de Roberto Alvim Cia. do Blefe recomenda: A preparação do diretor: sete ensaios sobre arte e teatro, de Anne Bogart Diálogo sobre a encenação: um manual de direção teatral, de Manfred Wekwerth A análise dos espetáculos, de Patrice Pavis A linguagem da encenação teatral, de Jean Jacques Roubine

37


Outros desdobramentos Anote, desenhe, rubrique outras ideias, outros debates, outros diretores, horizontes, gritos. O que nasceu destes compartilhamentos? VocĂŞ foi provocado(a)? E agora, o que fazer com estas Outras Cenas?

38


39


Sesc Birigui Rua Manoel Domingues Ventura, 121, Vila Xavier CEP 16.203-009 TEL.: (18) 3649-4730 Polo Avançado do Sesc em Araçatuba Rua José Bonifácio, 39, Centro CEP 16.010-380 TEL.: (18) 3608-5400

sescsp.org.br/birigui


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.