Décadas de Dança: Preservação e Compartilhamento do acervo Gouvêa-Vaneau

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DÉCADAS DE DANÇA PRESERVAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DO

ACERVO GOUVÊA-VANEAU www.acervogouvea-vaneau.com.br junho 2013


Allegro Ma Non Troppo, 1975 Maurice Vaneau e Célia Gouvêa Fotógrafo Augusto Ramasco


DÉCADAS DE DANÇA A arte protagonizada por Célia Gouvêa e Maurice Vaneau traz a dramaturgia do gesto e do corpo num trabalho contínuo e duradouro de grande importância para a história da dança no Brasil. O acesso aos conteúdos dessa trajetória será compartilhado com o público por meio do site www.acervogouvea-vaneau.com.br., parte integrante do projeto Décadas de Dança: Preservação e Compartilhamento do Acervo Gouvêa-Vaneau. Constituído a partir da pesquisa, organização, catalogação, realização de técnicas de conservação para preservação e digitalização do acervo de documentos do casal, o site possibilitará o acesso a fontes de qualidade para a reflexão sobre a dança em São Paulo e no Brasil. Décadas de Dança encontra eco na filosofia da Instituição que tem como premissa lidar com os mais variados conteúdos e formas de ação cultural, bem como difundir e valorizar as criações artísticas. Sesc Pinheiros


Pulsações, 1976 Remontagem para o Corpo de Baile Municipal (atual Balé da Cidade de São Paulo) Lea Havas, Rosangela Calheiros e Patty Brown Fotográfo Gerson Zanini


Pesquisa e memória de uma arte efêmera Raros, hoje, em São Paulo e no Brasil, são os acervos documentais que retratam a dança como linguagem específica no campo das artes cênicas. Assim, o pesquisador e outros interessados em aprofundar conhecimentos e realizar pesquisas de linguagem e estética relacionadas a um trabalho continuado em dança costumam se deparar com a falta de documentação disponível sobre o assunto. Nosso projeto Décadas de dança: preservação e compartilhamento do acervo GouvêaVaneau, viabilizado pelo Programa de Fomento à Dança da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, visou exatamente dar um primeiro passo para suprir essa lacuna. A organização e a inserção na internet de centenas de documentos e imagens referentes à nossa trajetória objetivam, além de preservá-la, contribuir para a pesquisa em dança e a compreensão das origens e desenvolvimento da linguagem teatral na dança contemporânea de São Paulo, que foi uma das propostas do trabalho que criei ao longo de décadas com Maurice Vaneau, incluindo seus desdobramentos posteriores. Lembro que, nascido na Bélgica e depois naturalizado brasileiro, Vaneau já era um diretor teatral bem conhecido quando veio a acrescentar a dança entre suas atividades cênicas. Creio que essa opção lhe permitiu conciliar, mais que nunca, os seus dois lados de cidadão belga: o francês, com o respeito ao texto e o gosto pelo detalhe, e o flamengo, visceral, ligado ao inconsciente, como se pode constatar em toda a pintura da região de Flandres. Experiência que o levou a atingir, também na direção de óperas e de teatro, a plenitude de sua linguagem cênica e a desenvolver novas práticas da interdisciplinaridade que sempre perseguiu. Por fim, queremos expressar nossos votos de que outros grupos e artistas da dança no Brasil possam dar continuidade a esse caminho de preservação da memória de seu trabalho, como o que pudemos trilhar, contribuindo para outras investigações e salvando-o da efemeridade que caracteriza a nossa arte. Célia Gouvêa1 1

Em colaboração com a Equipe do projeto Décadas de dança: preservação e compartilhamento do acervo Gouvêa-Vaneau e Fomento à Dança 2012.


Para Governador, 1981 Maurice Vaneau Fot贸grafo Leonardo Crescenti


Permanência de uma histórica caminhada A dança contemporânea brasileira tem o que co(re)memorar. Todo o acervo referente a um de seus mais representativos, prolíficos e inventivos repertórios de criações, o desenvolvido por quase quatro décadas pela bailarina e coreógrafa Célia Gouvêa em parceria com o “homem de teatro total” Maurice Vaneau (1926-2007), está salvo da transitoriedade a que estão sujeitas as artes do palco. Graças ao Programa de Fomento à Dança da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, que, em sua 12ª. edição, acolheu o projeto pioneiro Décadas de dança: preservação e compartilhamento do acervo Gouvêa-Vaneau – o primeiro voltado para a memória dessa arte –, o percurso do duo de criadores, em voo solo, dueto ou com suas formações, já se encontra preservado e duplamente disponibilizado a artistas, pesquisadores e o público em geral. Pelo meio virtual, através do site www.acervogouvea-vaneau.com.br, produzido por uma equipe de historiadores, arquivistas e designer que, sob coordenação de Célia Gouvêa, garimpou em meio a mais de 8.000 documentos – vídeos, fotografias, desenhos, cartazes, objetos de cena, críticas e noticiário de imprensa –, rastreando e digitalizando os momentos mais representativos das quase sessenta realizações da dupla. Além disso, a equipe logrou organizar, catalogar e armazenar, segundo modernas técnicas arquivísticas, todo esse acervo material em dependências da residência da coreógrafa, de modo a possibilitar visitas in loco a interessados em aprofundar suas investigações. Numa época em que acresce o interesse de universidades em relação às linguagens da dança, a realização desse projeto vem agregar uma ferramenta de pesquisa que certamente muito contribuirá para iluminar a história da dança paulista e brasileira. “Trazer para o presente o que não existe mais”, escreveu o filósofo Henri Bergson sobre a memória. No caso do duo Gouvêa-Vaneau, isso equivale a fazer reemergir todo um processo de construção de linguagens e formas de excepcional plasticidade, situadas numa área limítrofe entre dança e teatro, a partir de uma renovada poética do corpo posta em cena desde o histórico espetáculo Caminhada, de 1974. O qual – em plena ditadura – “deu o tom” vanguardista ao Teatro de Dança de São Paulo, inaugurado pela dupla no espaço concebido por Marilena Ansaldi. Pelos cursos ali ministrados – uma das faces da militância do casal pela consolidação de uma dança contemporânea em nosso país – passaram


inúmeros nomes hoje consagrados das artes cênicas, como Denise Stoklos, Ismael Ivo ou Antônio Pitanga. Até o coreógrafo americano Alwin Nikolaiss deu lá um workshop. Depois de anos de formação multidisciplinar na escola Mudra, de Maurice Béjart, Célia regressava da Europa trazendo Caminhada, essa coreografia seminal, na bagagem, passando a ter como seu grande colaborador o já renomado diretor Maurice Vaneau, responsável por montagens antológicas do teatro e da ópera no Brasil e na Europa, com espetáculos como Quem tem medo de Virginia Woolf? (1965-66), com Cacilda Becker, Walmor Chagas e Lilian Lemmertz no elenco, entre mais de uma centena de outros. Considerando exaurido o teatro de texto em decorrência de sua excessiva comercialização, Vaneau, sem nunca abandonar o teatro, aderiu plenamente à sua antiga paixão pela dança, em busca de uma “volta às origens”, assumindo a direção, cenografia, iluminação, produção e, por vezes, a própria interpretação de coreografias criadas pelo talento inquieto e incessantemente investigativo de Célia, sua parceira na vida e na arte. Caminhada, avaliada como “espetáculo perfeito, um novo caminho e uma nova linguagem” pelo crítico Sábato Magaldi, deu origem a um trabalho continuado em dança contemporânea pela dupla, marcado por espetáculos memoráveis, desde os líricos e oníricos Isadora, ventos e vagas e A morte e a donzela aos críticos e dramáticos Trem fantasma, Assim seja? ou Expediente. Vários deles contemplados com as mais importantes premiações, enquanto Célia obtinha o aporte das principais bolsas de criação e pesquisa, das americanas Fulbright e Guggenheim às brasileiras Virtuose, Vitae, CNPq e Fapesp. Devemos, assim, todos nos felicitar pelo fato de que essas criações, apresentadas em centenas de récitas no Brasil, na Europa e nos EUA, continuarão presentes para além de suas temporadas no palco, permitindo ao mundo da dança refazer os passos dessa histórica “caminhada”. Fato também celebrado, nesta noite, pela performance especialmente criada pela bailarina Vânia Vaneau, artista da companhia francesa Maguy Marin, filha do duo Gouvêa-Vaneau.

Leila V.B. Gouvêa Doutora em literatura pela USP, jornalista e autora, entre outros livros, da biografia Maurice Vaneau, artista múltiplo


Trem Fantasma e Outras Danças: Limites, 1979 Mauro Stávale e Mazé Crescenti Fotógrafo Leonardo Crescenti


Um pas de deux na arte e na vida Em 1948, exatos 65 anos atrás, um jovem belga concluía, em primeiro lugar e “com distinção”, seus estudos de “teatro clássico e moderno” na Escola de Arte Teatral do Rideau de Bruxelas, verdadeiro celeiro de profissionais para o palco, e fazia sua estreia como ator no teatro da mesma instituição. Então com 22 anos e formado anteriormente em Belas Artes, chamava-se Maurice Vaneau – nascido Maurits Victor van den Bossche, na Antuérpia, Bélgica. No famoso Rideau, ele se tornaria também diretor, cenógrafo, figurinista, iluminador, mímico, desenhista, completando depois sua formação na Universidade de Yale, nos EUA. Um ano depois, quando o rapaz assumiu em Bruxelas a sua primeira direção de uma peça de teatro, do outro lado do Atlântico e a milhares de quilômetros de distância, nascia em Campinas, interior de São Paulo, uma garota rechonchuda e ruivinha, terceira filha de um advogado e de uma ex-professora de piano, que viria a se tornar uma referência no mundo da dança com o nome abreviado de Célia Gouvêa. Foi em Campinas que ela, aos nove anos, iniciou o aprendizado de balé, tendo aulas com profissionais como a mestra Ruth Rachou, com quem, entre outros, veio a prosseguir estudos depois de se mudar para São Paulo a fim de cursar Filosofia na USP, em cujo vestibular logo foi aprovada. Sem naturalmente imaginar o impacto que aquele encontro teria anos depois para a história da dança contemporânea, Célia e Maurice vieram a se cruzar em 1969 na rua Augusta, em São Paulo. Com dezenove anos e iniciando a sua profissionalização, ela ali dava e recebia aulas, na academia de Renée Gumiel, e como bailarina participava dos ensaios da coreografia Fedra, integrando o Grupo de Dança Contemporânea Brasileira, de Renée. Maurice Vaneau, que depois de desembarcar no Brasil em 1955 já havia dirigido por duas vezes o TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), além de toda uma geração de grandes atores – Cacilda Becker, Walmor Chagas, Tônia Carrero, Ziembinski, Cleyde Yáconis, Lélia Abramo, Nathalia Timberg, Raul Cortez, Maria Della Costa, Eugenio Kusnet –, respondia pela direção, iluminação e figurinos do balé Fedra. Embora já naturalizado brasileiro, a agenda profissional do diretor o levava a se dividir entre a Europa e o Brasil. E foi na volta


de uma dessas viagens que ele comunicou por aqui uma grande novidade do métier: a criação por Maurice Béjart, diretor do Ballet du XXème Siècle, de um centro onde jovens do mundo inteiro receberiam uma formação multidisciplinar, de modo a se tornarem “intérpretes completos”. “Entusiasmadíssimo com o projeto, divulguei no Brasil o nascimento em Bruxelas do Mudra, de Béjart, e o concurso que ele abria a jovens de várias partes do mundo”, contaria Vaneau. “De volta à Europa, soube que duas brasileiras estavam entre os 24 selecionados em meio a 400 candidatos de todos os continentes: Célia Gouvêa e Juliana Carneiro da Cunha. E telefonei ao Mudra para falar com Célia.” Assim começou o namoro de Vaneau com a dança e a dançarina, o qual redundaria numa grande paixão – por ambas. Na verdade, desde criança o diretor flertava com a arte de Nijinsky: “Desde os dez anos, fui sempre ligado, de uma maneira ou de outra, ao mais antigo ritual do ser humano”. Nos tempos de diretor do TBC, chegou a programar apresentações de dança no próprio teatro, com a participação de Marika Gidali e Renée Gumiel. Mas foi depois de conhecer Célia Gouvêa que Maurice Vaneau, já homem de teatro premiadíssimo, se rendeu à dança, chegando até a apresentar-se como bailarino. Estreou nesta função em 1972, no ciclo “Cocteau et la Danse”, em Bruxelas, no qual também dançaram Célia e Juliana. No ano seguinte, voltou a atuar num balé, na Ópera de Lyon. Acompanhou ainda, ao longo de quase quatro anos, os árduos estudos dos “mudristas”, os alunos da escola de Béjart, e estava presente no Cirque Royal de Bruxelles quando se apresentaram os oito jovens que acabariam conseguindo chegar até o fim da formação multidisciplinar no Mudra. Entre eles, as duas talentosas brasileiras. Encerrada a formação no Mudra, Célia participa de O teatro e os deuses, coreografia de Maurice Béjart. Com colegas “mudristas” – Maguy Marin, Juliana Carneiro da Cunha, Dominique Bagouet, sob direção de Micha Von Hoecke – ela funda a seguir o grupo Chandra, “marcado pela experimentação e o espírito de pesquisa”, o que viria a ser uma das marcas de sua escrita coreográfica. Perseguindo as propostas do visionário dramaturgo Antonin Artaud – de um teatro feito de gestos, rumores, movimentos –, a jovem trupe sai então em turnê por várias cidades da Europa, com repertório próprio.


Ao fim dessa temporada, cada um dos artistas opta por seguir seu próprio caminho. Célia e Maurice decidem retornar ao Brasil e se reinstalam em São Paulo. Ela trazendo consigo o roteiro da coreografia Caminhada, primeiro fruto de sua formação na Europa. “Meu projeto era de repensar os caminhos da dança no Brasil, como também vinham fazendo artistas como Marilena Ansaldi e Marika Gidali, e aqui formar um grupo estável de dança-teatro, fundamentado num trabalho multidisciplinar, conforme o que eu aprendera em meu longo estágio na escola de Béjart”, lembra Célia. Já para Maurice Vaneau, esse novo retorno representou um tournant em sua trajetória profissional no Brasil. Em busca de “uma fonte renovada de criatividade e de um teatro aberto, total”, mergulhou fundo nas experiências de linguagem da coreógrafa, com quem veio a se casar. “Um novo teatro que também aproveitasse a vertente, tão enraizada na Bélgica flamenga, de trazer à tona o inconsciente, além dos recursos da Commedia Dell’Arte.” Os deuses pareciam tramar nessa direção. Célia recorda: “Foi então que soubemos por Marilena Ansaldi que sua ideia de transformar o Teatro Galpão (Complexo Ruth Escobar) em um espaço dedicado às atividades de dança tinha sido aprovada pela Comissão de Dança da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Fomos até lá, e, apesar das más condições técnicas do espaço, eu disse: ‘É aqui mesmo que vamos ficar’. E por lá ficamos.” A s s i m começou o Teatro de Dança de São Paulo, que estreou seu ciclo de atividades em dezembro de 1974, com um espetáculo nascido a quatro mãos – a coreografia Caminhada, de Célia, e direção e invenções cênicas de Vaneau – no espaço onde também vieram a se apresentar outros profissionais engajados na proposta de renovação: Marilena Ansaldi, J.C. Violla, Ruth Rachou, Clarisse Abujamra, Sônia Motta, além dos grupos Stagium e o atual Balé da Cidade de São Paulo. Com doze intérpretes, entre os quais Ruth Rachou, Thales Pan Chacon (195697), Mara Borba, Daniela Stasi, Rui Fratti, a hoje pianista Debby Growald, além da própria coreógrafa e de Vaneau, Caminhada aliava dança, música, canto, improvisação, inaugurando as “incursões da teatralidade” na linguagem coreográfica. O espetáculo teve perto de sessenta apresentações, fato inédito para a época, e conquistou o prêmio de melhor coreografia teatral e uma menção especial da APCA, além de receber avaliações


favoráveis dos principais críticos, a começar pelo decano Sábato Magaldi. Foi o início de uma plêiade de premiações (apenas a coreógrafa recebeu quinze prêmios em sua carreira) e da posterior obtenção das mais importantes bolsas de criação e pesquisa do Brasil e do exterior, algumas das quais levaram Célia a novos estágios, nos Estados Unidos e, outra vez, na Europa. No livro Dança Moderna, o crítico Lineu Dias reconhece que, além de ter dado “o tom” do Galpão como Teatro de Dança, Caminhada abriu um período “fértil e histórico no desenvolvimento da dança em São Paulo”. Do qual, posteriormente, o próprio Vaneau se preocuparia em fazer um balanço ampliado, ao organizar na Pauliceia o Festival Nacional de Dança dos Pés à Cabeça (1986), com a participação de dezenove grupos do país. E repetiria a dose na Bahia. Sem esquecer que em sua tríplice atuação como administrador de casas teatrais (Municipal de São Paulo, Castro Alves, de Salvador, e Guaíra, de Curitiba) ele sempre reservou lugar privilegiado à dança. Ainda em 1975, Maurice Vaneau, fazendo sua estreia numa experiência autoral no palco, criou, dirigiu e produziu o espetáculo Allegro ma non troppo, para o qual desenhou cenário e figurinos, além de contracenar com Célia Gouvêa e os atores-bailarinos Luiz Damasceno, Dolores Fernandes e Aron Aron. Experiência a que daria continuidade em Para governador (1981) e A tigresa (1985), na qual atuou como one man show. Em 1978, ele assinava a quatro mãos com Célia o espetáculo Isadora, ventos e vagas, em celebração ao centenário da artista que fez da dança a “expressão da verdade do ser em gesto e movimento”. A maior parte da produção dançante do duo teve coreografias criadas por Célia, Vaneau incumbindo-se da direção e/ou da produção e dos acabamentos – cenários, figurinos, programação visual, iluminação. “Ele tinha um know how absoluto, era um artista completo. Lembro-me, por exemplo, de vê-lo atravessar muitas noites desenhando, com seu fino traço, cartazes e programas para os espetáculos”, recorda a coreógrafa. Dentre os quase sessenta espetáculos saídos da “prancheta coreográfica” de Célia Gouvêa, grande parte deles com colaborações de Maurice Vaneau, ela destaca, ainda no ciclo Teatro de Dança, Promenade e Trem fantasma, ambas de 1979, Expediente (1980), esta para o intérprete J.C. Violla, e De pernas para o ar (1981). E em outros espaços, Assim seja? (1984), Festarola (1988), Pé de valsa (1989), A bela moleira (1991), Pedra no caminho


(1993). Inspirada no célebre poema de Carlos Drummond de Andrade, esta última sinaliza uma das vertentes do trabalho de Célia, a do diálogo ou inspiração em textos literários, conforme comprovam C-E-C-Í-L-I-A (2001), construída a partir de poemas de Cecília Meireles, o espetáculo para crianças O gato malhado e a andorinha Sinhá, inspirado em Jorge Amado, e outros que se “nutriram” de textos de escritores como Jorge Luis Borges, Hilda Hilst, Manuel Bandeira ou Herculano Villas-Boas. Contudo, observa a pesquisadora Sílvia Geraldi, autora da tese de doutoramento Raízes da teatralidade na dança cênica (Unicamp), na qual analisa a “inquietação criadora” da coreógrafa: “O conjunto da obra de Célia Gouvêa torna visível a variedade de conteúdos que tem sido objeto de sua investigação, indo do puro movimento às crises existenciais do ser humano. Tomando o corpo como laboratório de experiências, a ela não interessa representar a realidade, mas reinterpretá-la, expondo quase sempre o seu absurdo.” Com a doença – e depois a morte, em 2007 – do companheiro de vida e arte, Célia continuou a levar adiante o “projeto dançante” antes compartilhado. Até um exame médico do diretor lhe motivou uma criação, Cinecoronariografia, estreada no estúdio do Théâtre du Soleil, em Paris, na qual com ele ainda contracenava. Também contracenou com a filha bailarina, Vânia Vaneau, nas coreografias A morte e a donzela e Mãe Tzé-tzá. “Célia coreografou desde solos e duetos até peças com mais de cem pessoas, sempre com clareza para preencher o espaço e organizar os intérpretes”, diz o bailarino Ricardo Fornara, aludindo também ao trabalho dela no admirável projeto social Fábricas de Cultura, do governo do Estado, desenvolvido com dezenas de pré-adolescentes das periferias de São Paulo. “Célia tem sido também uma fomentadora de carreiras”, acrescenta Fornara. Se não conseguiu formar um grupo estável – como ela e Vaneau esperavam na época do Teatro de Dança –, Célia Gouvêa sempre atuou como batalhadora pelo desenvolvimento e a dignidade da profissão. Uma iniciativa sua contribuiu para a inserção de sua arte no programa das bolsas Vitae, o que teve início em 1990. Também esteve na origem e ajudou a fundar o movimento Mobilização Dança – embrião da lei municipal de fomento à dança – e a Cooperativa Paulista de Bailarinos Coreógrafos. “A política sempre influenciou muito a minha vida e todas as minhas criações, sobretudo desde 1968, quando participei como estudante do movimento em defesa da Faculdade de Filosofia, na rua Maria Antônia.”


Em 2011, sua trajetória foi lindamente rememorada no documentário que lhe foi dedicado na série Figuras da Dança, produzida pela São Paulo Companhia de Dança do governo paulista. Rememoração agora desdobrada neste projeto Décadas de dança: preservação e compartilhamento do acervo Gouvêa-Vaneau, que também faz emergir a sua longa “militância pela consolidação de uma dança contemporânea brasileira”, conforme palavras da pesquisadora Sílvia Geraldi. (L.vb G.)

De pernas para o ar, 1981 Célia Gouvêa Fotógrafo Leonardo Crescenti


PROGRAMAÇÃO • junho 2013

13 20h

qui internet livre, 2º andar Lançamento do site DÉCADAS DE DANÇA: PRESERVAÇÃO E COMPARTILHAMENTO DO ACERVO GOUVÊA-VANEAU

Projeto que disponibiliza ao público a coleção dos documentos que narram a trajetória artística de Célia Gouvêa e Maurice Vaneau. Constituído a partir da pesquisa, organização, catalogação, realização de técnicas de conservação para preservação e digitalização do acervo de documentos do casal, tem como objetivo permitir o acesso a fontes de qualidade para a reflexão sobre a dança em São Paulo e no Brasil e fornecer subsídios para sua história. www.acervogouvea-vaneau.com.br 20h30 Performance de Vânia Vaneau Arqueografia

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sex sala de oficinas, 3º andar

18h30 VÍDEOS COMENTADOS Organização do Acervo DÉCADAS DE DANÇA Com Luciana Amaral, Bruno Cesar Rodrigues, Talita Bretas e Célia Gouvêa


15|16 11h

sáb | dom sala de oficinas, 3º andar

Workshop de Dança Contemporânea com VÂnia Vaneau

Para bailarinos e estudantes de dança e teatro. Inscrições a partir de 02/06, Central de Atendimento. Grátis.

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qua auditório, 3º andar

19h30 Mesa “Décadas de Dança” Naum Alves de Souza, J.C.Serroni, Ricardo Fornara e Célia Gouvêa, falam sobre a relevância da atividade artística do casal Gouvêa-Vaneau nas artes cênicas, com foco na dança contemporânea. Grátis.


PArticipantes Vânia Vaneau. Começou a dançar em peças de dança-teatro de seus pais Célia Gouvêa e Maurice Vaneau em 1989. Estudou dança clássica e contemporânea na Escola Municipal de Bailados de São Paulo e com Liliane Benevento, Sasha Svetlov e Ana Galvão. Na Europa, estuda nos conservatórios de Lyon e Paris, e depois em Bruxelas, na Escola P.A.R.T.S da coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker. Trabalhou com a Cia. Ultima Vez, de Wim Vandekeybus na Bélgica e com a Cie. Maguy Marin na França. Naum Alves de Souza. É cenógrafo, figurinista, dramaturgo e diretor, além de já ter transitado em outras atividades da área artística como desenhista, gravador, bonequeiro, ator, professor de artes plásticas e de teatro. Recebeu vários prêmios: Molière, Mambembe, APCA e Ziembinsky. JC Serroni. Cenógrafo. Arquiteto teatral e cenógrafo de destacados méritos, internacionalmente reconhecido, ex-colaborador do Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) de Antunes Filho e criador do Espaço Cenográfico, escola livre de cenografia. Ricardo Fornara. Bailarino contemporâneo. Iniciou sua carreira em 1991, no Célia Gouvêa Grupo de Dança, de Célia Gouvêa e Maurice Vaneau (1926-2007), onde permaneceu por dezessete anos, atuando como intérprete criativo e assistente de coreografia e de produção. Luciana Amaral. Mestre em Ciências da Informação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP). Graduada em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências Sociais e Letras (FLCH-USP) e pós graduada em Gestão do Conhecimento pelo Centro Universitário Senac. Especialista em Organização de Arquivos, pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP). Bruno Cesar Rodrigues. É Doutorando e Mestre em Ciência da Informação pela Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Bacharel em Ciências da Informação, Documentação e Biblioteconomia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP). Talita Bretas. Pós-graduada em Gestão Cultural pelo Centro Universitário SENAC. Graduada em Dança com especialização em Produção Cultural pela Universidade Anhembi Morumbi. Fez intercâmbio para Santiago do Chile cursando Dança na Universidad de las Americas através da Rede Laureate de Universidades. Célia Gouvêa. Formou-se no MUDRA de Maurice Béjart, em Bruxelas, Bélgica e participou de numerosas experiências artísticas com o GRUPO CHANDRA, do qual foi co-fundadora. Seu percurso coreográfico inclui prêmios de melhor coreógrafa, bailarina, espetáculo, pesquisa e criação da APCA, Governador do Estado, Apetesp e Funarte. Recebeu bolsas do CNPq, da Fapesp, VITAE, John Simon Guggenheim Memorial Foundation e Virtuose. Atualmente é Doutoranda na ECA-USP.


Ficha técnica Idealização, Coordenação Geral e de Pesquisa Célia Gouvêa Consultoria Técnica Paulo Pina Produção Geral Mônica Bammann Produção Executiva Talita Bretas Organização, Catalogação, Limpeza e Acondicionamento do Acervo Imagem & Informação Coordenação Técnica Luciana Amaral Documentalista Bruno Cesar Rodrigues Auxiliares Elizabeth Kuhnen, Flávio Scaglione e Felipe Julio Lorenzi Assistente de Preservação Hilda Ferraz Materiais de Acondicionamento para Preservação do Acervo Galpão Cultural Criação de Banco de dados Hashimoto Cavalcante Informática Digitalização do Material Gráfico IAID Inteligência Digital e Scansystem Digitalização e Edição de Vídeos Santa Clara Digitalização de Fotografias GFK Comunicação Webdesign João Vaz Assessoria Jurídica Natália Gresenberg Performance Vânia Vaneau

AGRADECIMENTOS Elaine Calux, Flávia Fontes, Inês Bogéa, Marcela Benvegnu, Odete Gouvêa de Castro Vasconcellos, Silvia Geraldi, Danilo Santos de Miranda, JC Serroni, Marcus Moreno, Ricardo Fornara, Tarley Ferreira, Instituto Goethe, Museu Lasar Segall e São Paulo Companhia de Dança.


Realização

Sesc Pinheiros Rua Paes Leme, 195 • Tel: (11) 3095.9400 email@pinheiros.sescsp.org.br Faria Lima | Pinheiros sescsp.org.br /sescpinheiros

@sescpinheiros


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