Textos Territórios da Cultura

Page 1

Textos de apoio 6º módulo: Territórios da Cultura 21 e 22 de outubro

Daniela Azevedo Valério Bemfica

Sesc São José dos Campos Fundação Cultural Cassiano Ricardo 2014 1


Educativo Bienal – transitando ente o macro e micro Daniela Azevedo

Ações educativas existem na Bienal de Arte São Paulo há mais de 60 anos. A primeira, oficialmente planejada, aconteceu em 1953 na 2ª Bienal, quando iniciaram os cursos de história da arte e formou-se o primeiro grupo de monitores. De 1953 a 2009, a Bienal construiu uma importante trajetória educacional composta por diferentes projetos criados por artistas, pesquisadores e arte-educadores. A cada edição, ideias, conceitos e métodos novos eram postos em prática estimulando o contato e a fruição dos diferentes públicos. Nestes múltiplos encontros, surgiram propostas inovadoras que ampliaram gradativamente o interesse público. Porém as propostas, geralmente pontuais, iniciavam e terminavam junto com as coordenações, demandando na bienal seguinte a estruturação de um novo educativo. Em 2010, na 29ª Bienal, inicia-se a curadoria educacional de Stela Barbieri, que se tornou permanente em 2011. A continuidade das ações modifica o cenário, possibilitando melhores análises qualitativas, fundamentais para o aprimoramento de projetos posteriores. Estruturadas pelos eixos conceituais Encontro, Diálogo e Experiência, as propostas se organizaram em diferentes eixos de atuação, voltados para qualquer pessoa com interesse em conversar sobre arte. Desde então, um grande número de pessoas participou de encontros que aconteceram dentro e fora da Bienal, inclusive em outros estados. E como falar, ao mesmo tempo, com todos e com cada um, garantindo encontros, diálogos e experiências? Os desafios gerados por estes questionamentos são os propulsores para a configuração das políticas culturais e educacionais da Bienal. Estruturadas com a intenção de criar territórios de reflexão sobre a vida e a arte contemporâneas demandam de seus proponentes um olhar sensível, pendular entre o macro e o micro, dinâmico, negociado e colaborativo, sempre em trânsito, acompanhando seu tempo e a diversidade de seus atores. A curadoria-ateliê proposta por Stela sempre considerou o ativo contato com as obras e os públicos, respeitando a criação e a experimentação em propostas concebidas coletivamente pelos educadores que integraram e integram esta equipe.

2


Quando pensamos em públicos, sejam eles internos ou externos, pensamos em pessoas, indivíduos com memórias, histórias e repertórios que devem ser considerados. Preocupada com o registro, o estudo e a avaliação destes encontros, a equipe começou um levantamento dos projetos anteriores, mobilizou agentes externos para o diálogo e a geração de parcerias, construindo um corpo de pesquisa e criação para diferentes ações. Dentre as inúmeras propostas realizadas destacam-se: os Cursos de Formação para educadores enriquecidos com a colaboração de instituições parceiras; a participação de palestrantes convidados; as experiências dos membros da equipe em visitas analíticas a escolas; os Materiais Educativos e os Laboratórios que estimulam o protagonismo dos professores; os Encontros de Formação que se desdobraram em cursos sequenciais, de férias, e à distância para professores, educadores, estudantes, pesquisadores, líderes comunitários e profissionais da cultura; as Visitas, Ações Poéticas e Ateliês para diferentes públicos durante as mostras; a colaboração ao projeto de artistas e curadores; a concepção de Programação Paralela como o Seminário Arte em Tempo realizado em parceria com o Sesc São Paulo que apresentou o levantamento acerca de todas as ações educacionais realizadas em Bienais; a exposição Arte em Tempo que exibiu vídeos, dados e documentos históricos[i]; os programas autônomos e continuados como o Bienal com as Comunidades que vem aprimorando suas ações de maneira sistemática e em conjunto com cada grupo participante; o projeto Bienal nas Escolas, uma iniciativa de acompanhamento de professores de arte e seus alunos ao longo dos 4 anos iniciais do ensino fundamental em escolas públicas de São Paulo; o Plantão Educativo que oferece uma conversa individual e reflete a vontade do Educativo em manter um diálogo contínuo com professores com o intuito de trocar experiências e ampliar mutuamente os horizontes. Dentro desta dinâmica, tenta-se constantemente criar, considerar e priorizar ações que correspondam a estes múltiplos olhares. Questionamentos e reflexões sobre as relações humanas, vida e arte são constantes desta equipe que pretende ser Intercultural, visando ampliar as possibilidades da educação por meio da Fundação Bienal, instituição que preza pela liberdade de expressão e é fortalecida e impulsionada por apoios, patrocínios e parcerias com os setores públicos e privados e que tem seu Educativo sempre focado em manter a delicadeza do contato com o outro. [i] Ambas as ações deram continuidade à pesquisa iniciada em 2010 pelo grupo da Profª Drª Maria Christina Rizzi, finalizando com a consultoria do pesquisador José Minerini

3


Neto. Parte desta pesquisa pode ser conferida no material educativo da mostra 30ª Bienal.

Daniela Azevedo é especialista em Linguagens da Arte e Bacharel em Artes Visuais. Sócia do láDaMata estúdio de criação, leciona no curso de Artes Visuais do Centro Universitário Belas Artes de São Paulo. Responsável pela Coordenação Geral do Educativo Bienal. Também Coordenou o Programa de Atendimento Educativo do Instituto Itaú Cultural. E-mail: daniela.azevedo@bienal.org.br

4


Territórios da Cultura e o lugar das Políticas Públicas e Privadas Valério Bemfica Fosse este seminário realizado quatro ou cinco décadas atrás, a tarefa seria mais simples. Poderíamos invocar o conceito clássico de território: um espaço geográfico qualquer, seus povoadores, suas atividades econômicas. Ainda que de forma simplista, podíamos verificar o conjunto de manifestações culturais daí derivadas. Desde o Século XIX, com o Regionalismo, nossa literatura traz, parcialmente, retratos da interação destes três elementos. Na primeira metade do século XX, obras como as de Câmara Cascudo ou de Mário de Andrade começam a trazer um olhar mais sociológico ao tema. Poderíamos até incluir o esquema “a terra, o homem, a Guerra”, de Euclides da Cunha, n’Os Sertões, como uma tentativa de demonstrar o produto da relação entre o meio e o homem, a construção simbólica derivada da inserção de seres humanos em um território determinado e sob certas relações de produção. Fico apenas nestes poucos – e superficiais - exemplos. Muitos outros contemporâneos e sucessores dos aqui citados escreveram belos trabalhos sobre o tema. Mas vivemos já a segunda década do século XXI. Para alguns, a Era da Informação. Ainda que eu ache tal conceito muito impreciso e impregnado por uma visão muito específica de mundo, é inegável que o conceito de território, no que tange à cultura, sofreu uma transformação maior nas três últimas décadas do que em toda a história anterior da humanidade. Durante milênios, os contatos entre as culturas eram muito mais raros. E, na maioria das vezes, o que se via eram confrontos bélicos, invasões de territórios, que tinham como subproduto transformações nas expressões culturais, assimilações e aniquilamentos. Do século XV aos primeiros anos do Século XX, o papel impresso era praticamente o único instrumento cultural de troca possível, além daqueles realizados por meio do contato humano direto. Algumas vezes, mesmo quando submetidas à força, as fronteiras dos territórios culturais conseguiam construir proteções. Ao longo do século XX o rádio se popularizou, o cinema agigantou-se, a TV surgiu, nasceu o computador e, historicamente um segundo depois, vemos a internet tornar-se artigo de primeira necessidade. A “reprodutibilidade técnica” descrita por

5


Walter Benjamin torna-se a regra. Surge a tal indústria cultural! E não é apenas a fronteira física que se rompe. Mudam-se relações de produção, mudam-se desejos, sonhos, símbolos, vontades. Diria, vejam só, Camões, quase 500 anos atrás:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança: Todo o mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.”

O iPhone 6, que recentemente fez a alegria de milhões de tecnófilos mundo afora, pode ser um bom exemplo. Cada uma de suas partes é produzida em um canto do planeta. Seus softwares e app’s são desenvolvidos em dezenas de países. É vendido para praticamente todas as nações e por meio dele são transmitidos conteúdos do mundo inteiro. O lucro, sorry, vai para a Apple. A primeira questão que cabe debater aqui é justamente a ação da indústria cultural. Antes víamos invasões de exércitos que tomavam territórios e impunham sua cultura. Assim foi desde tempos imemoriais, desde os macedônios de Alexandre até nossos mais conhecidos Portugueses e Espanhóis. E assim continuou no neocolonialismo do século XX e até mesmo nas incursões estadunidenses dos dias atuais. A indústria cultural parece agir com o mesmo afã, embora com métodos mais sutis: fronteiras – sejam físicas, sejam simbólicas – não importam. A homogeneização, o domínio econômico, a aniquilação da concorrência são seus ditames... O estrago, se não maior, é similar. A segunda questão é justamente o papel das Políticas Públicas (principalmente) e das Privadas. Gostaria de abordar, em nosso debate, o fato de a Cultura ter um tempo próprio. Assimilações, recriações, influências são da natureza da Cultura. Mas elas requerem um tempo próprio. Seria demais imaginar que a indústria, que se move por outros motivos, venha a ter preocupação com este tempo. Cabe fundamentalmente aos gestores de cultura garantir que este tempo seja respeitado. Como? Assegurando políticas de incentivo, preservação, reconhecimento da diversidade cultural. Por ora, retorno a Camões:

“E afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto,

6


Que não se muda já como soía.”

Valério Bemfica é Chefe da Representação Regional do MinC em São Paulo.

7


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.