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Pequenas grandes descobertas
Condomínio popular na Lapa de Baixo, zona oeste da capital paulista, final dos anos 1980. Minha visão ainda não alcançava a altura da janela. Só enxergava o que existia ali fora quando alguém me levantava. Toda vez que as janelas de vidro estavam abertas, a parte final do galho da árvore entrava pela sala. Essa é uma das minhas primeiras memórias.
Neste mesmo apartamento, me lembro de disputar espaço no banheiro com vasos de plantas. Exageros maternos. De fato, a cidade de São Paulo exigia esses respiros. Eu ainda não me dava conta, mas de alguma forma percebia o que aquilo significava. Meus raros momentos ao ar livre basicamente aconteciam na Cidade Universitária, andando de bicicleta, ou no Sesc Itaquera, descendo os toboáguas.
No início da adolescência, já em Araras, no interior do estado, aconteceram grandes mudanças na rotina diária fora das paredes da capital. Só perceberia as diferenças mais tarde, olhando de longe. Caminhar até a casa dos novos amigos, pedalar pela cidade e explorar as áreas rurais trouxeram outra relação com os movimentos do corpo, que estava mais ativo nos deslocamentos diários. Suspeito que, nessa época, uma excursão para as cavernas do Vale do Ribeira, durante o colegial, teve grande influência na escolha profissional.
Já na faculdade de agronomia, a rotina no campus da Fazenda Lageado, em Botucatu, foi de fato o divisor de águas da forma como eu enxergava o mundo. Quantos detalhes e quanta ciência havia nas aulas de fisiologia vegetal! Acontece tudo isso na planta quando o raio de sol bate nas folhas? Como pode ser tão trabalhoso produzir cenoura, rúcula, laranja, mel e madeira? E as discussões sobre a reforma agrária e a importância da agricultura familiar!?
Após alguns anos de formado, participei de um processo seletivo que, entre outras questões, pedia: “Comente sobre a importância do trabalho dos jardineiros”. Respondi a essa pergunta contando uma história que presenciei: uma senhora questionava se deveria manter um ipê-amarelo no seu quintal, pois ele já estava muito grande. Eu tentei pensar rápido para convencêla de que aquela árvore adulta e saudável deveria permanecer ali. “Ipês têm raiz pivotante, portanto ela não vai afetar o muro nem o calçamento”, disse. Raízes pivotantes crescem verticalmente para baixo. Ela se mostrou indiferente, creio que não entendeu meu raciocínio. Nesse momento, o jardineiro disse a ela: “Deixa ela aí! Até ela te dar algum problema, ela ainda vai te dar muitas alegrias”. A árvore ficou.
Após ser aprovado neste processo seletivo, iniciei uma nova jornada no Sesc Interlagos, zona sul de São Paulo. A convivência diária com os colegas, especialmente com os jardineiros e viveiristas que trabalham na manutenção das áreas verdes, ampliou meu olhar. Todo dia um novo aprendizado. Daquelas coisas que não nos contam na faculdade, que só quem lida na prática do dia a dia sabe.
Esta experiência em uma região de alta densidade populacional e que carece de praças e parques colaborou para fortalecer em mim a compreensão de que os ambientes naturais são espaços educadores, locais de convivência, repletos de possibilidades de experiências, além de promoverem o bem-estar e a qualidade de vida.
A grandiosidade das relações ecológicas pode ser contemplada também no ambiente urbano. A capacidade de apreciá-las e compreendê-las nos traz repertório para as mais variadas situações na vida. Vivenciar os ambientes naturais e observar as relações que ali se estabelecem entre os seres vivos e não vivos é essencial para as nossas descobertas.
Felipe Campagna de Gaspari é agrônomo, mestre em agroecologia e desenvolvimento rural e trabalha como assistente técnico na Gerência de Educação para Sustentabilidade e Cidadania do Sesc São Paulo.
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