Foto: Roberto Assem
Julho/2011 - edição 52 sesctv.org.br
Mês do Rock A diversidade do gênero em shows, dança e documentários
Faixa Curtas A Terceira Idade no cinema, em três curtas-metragens de ficção
Artes Visuais A 29ª Bienal de Artes de São Paulo sob o olhar de seus curadores
NESTA EDIÇÃO: ENTREVISTA COM O CINEASTA WERNER HERZOG 1
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A linguagem rejuvenescedora do rock
Ao olharmos para a história da música, percebemos o quanto o comportamento pode ser expresso por ela. O rock, por exemplo, desde seu surgimento representava para os jovens uma nova forma de expressão de liberdade. Atitude era a palavra-chave, percebida na estética musical, no comportamento, no vocabulário e na visão de mundo. No Brasil, deu-se a primeira ruptura a partir da Jovem Guarda, que introduzia o som da guitarra e criava versões para músicas internacionais e novos paradigmas para a música produzida no País. Pouco a pouco, o rock influenciou outros estilos musicais, tornando-se uma base relevante da Música Popular Brasileira. O rock é destaque da programação deste mês no SescTV. O gênero está presente não apenas na faixa musical, mas também em documentários e espetáculos de dança. A partir do dia 11, o canal exibe shows com grupos de rock ou com músicos que de alguma forma se deixaram influenciar por este estilo: Pepeu Gomes; Inocentes; Lobão; Nação Zumbi; Pato Fu; Marcelo Camelo; e o encontro de Stereo Tipos e Porcas Borboletas, inédito na televisão. Dentre os espetáculos de dança exibidos nessa programação temática, dois são da Cia. Mário Nascimento: Escapada e Do Ritmo ao Caos. A inspiração do rock ’n’ roll também é conferida no episódio Billy, a garota, com direção de Mário Bortolotto, da série Direções. Outro destaque do canal na faixa musical é o espetáculo inédito da banda Forró in the dark. Formado por músicos brasileiros residentes em Nova Iorque, o grupo faz releituras do clássico do forró, com arranjos que incluem a guitarra e o saxofone, abrindo mão da tradicional sanfona. Também neste mês o SescTV convida a um passeio pela 29ª Bienal de Artes de São Paulo, realizada entre setembro e novembro do ano passado, em dois episódios da série Artes Visuais. Os curadores Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos explicam onde foram buscar inspiração para o tema da Bienal – Há sempre um copo de mar para um homem navegar –, e como definiram a arte política como foco central do evento. A série Faixa Curtas traz episódio inédito com três curtas-metragens de ficção que retratam singularidades da Terceira Idade. Dentre eles, o curta A Idade do Coração, com direção de Tamy Marracini e com Eva Todor como protagonista. A Revista do SescTV deste mês traz entrevista com o cineasta alemão Werner Herzog, que em maio esteve no Brasil para participar do Congresso de Jornalismo Cultural, realizado pelo Sesc e pela Revista Cult. Ele fala de sua admiração pela obra de Glauber Rocha e comenta a relação entre o cinema e a Internet. Boa leitura! Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc SP
destaques da programação 7 entrevista - Werner Herzog 8 artigo - Pedro Vieira 10
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ESPECIAL ROCK
Mutante por natureza! foto: DivulgaçÃO
por muitos deles, por condições políticas e pela nova configuração do mundo, adotando a característica mutante, do punk ao emo. O rock é tema de uma programação especial que o SescTV exibe durante todo o mês. O gênero está presente em espetáculos de música e de dança e em documentários. Entre os shows, destaque para Lobão; Nação Zumbi; Era Iluminada Rock Anos 80; e Pepeu Gomes, em versão instrumental, além do inédito encontro do Stereo Tipos e Porcas Borboletas. Confira programação completa no quadro.
A capacidade de mobilização é característica do rock. Foi com essa ideia em mente que, em 1985, Bob Geldof, vocalista da banda Boontown Rats, decidiu organizar um show com grandes nomes do rock mundial, entre os quais The Who, Led Zeppelin, Dire Straits, David Bowie, BB King e Paul McCartney, cuja finalidade era arrecadar fundos para erradicar a fome e a miséria na África. A data escolhida para o evento Live Aid, 13 de julho, tornou-se simbolicamente o Dia Mundial do Rock. O rock floresceu como estilo na década de 1950, a partir de experiências que misturavam o country norte-americano ao rhythm and blues. Alguns de seus primeiros expoentes foram Little Richard, Jerry Lee Lewis, Bill Halley e Chuck Berry. Uma das canções que marcam esse período é Maybellene, lançada por Chuck Berry em 1955. A provocação e a atitude já faziam parte dessa primeira fase do rock, a exemplo dos gestos e danças que seriam marco de Elvis Presley nos palcos. Essa postura chamou a atenção de jovens iniciantes na música, que se reuniam para formar seus grupos de rock. Assim, surgiram ícones do gênero, como Rolling Stones e The Who. A popularização do rock mundial foi impulsionada pelos Beatles, ingleses, já nos anos de 1960. I wanna hold your hand era cantada por homens e mulheres, jovens e adultos, por onde o quarteto de Liverpool passasse. Na década seguinte, o rock teve uma aproximação com a psicodelia. O marco daquele período foi a realização do festival Woodstock, evento que teve um forte tom político, pelo posicionamento contrário à guerra do Vietnã. Foi lá que Jimmi Hendrix imortalizou um solo de guitarra que misturava sons de tiros de metralhadora e a melodia do hino nacional dos EUA. A década de 1970 é marcada pela chegada de um som mais pesado, com guitarras potencialmente amplificadas. Era a fase metal, representada por Black Sabbath e Led Zeppelin. O rock não apenas influenciou outros gêneros, mas foi influenciado
Espetáculos de música e dança e documentários compõem programação em homenagem ao Mês do Rock
Mês do ROCK Magic Slim Dia 11/7, 19h | Era Iluminada Jovem Guarda Dia 12/7, 19h | Viagens, Raul Seixas: o início, o fim e o meio Dia 13/7, 19h | Pepeu Gomes Dia 14/7, 19h | Inocentes Dia 15/7, 19h | Era Iluminada Rock Anos 80 Dia 18/7, 19h | Lobão Dia 19/7, 19h | Nação Zumbi Dia 20/7, 19h | Era Iluminada Mangue Beat Dia 21/7, 19h | Pato Fu Dia 22/7, 19h | Club 8 Dia 25/7, 19h | Marcelo Camelo Dia 26/7, 19h | Macaco Bong Dia 27/7, 19h | Catatau Dia 28/7, 19h | Autoramas e Cachorro Grande Dia 29/7, 19h | Astronauta Pinguim + Daniel Belleza e os Corações em Fúria Dia 30/7, 19h | Stereo Tipos e Porcas Borboletas Dia 31/7, 19h HiperReal Rebanho do Metal Dia 15/7, 21h Dança Contemporânea Escapada – Cia. Mário Nascimento Dia 6/7, 24h | Do Ritmo ao Caos – Cia. Mário Nascimento Dia 13/7, 24h | La Resiliencia - Ares Ateliê de Performance Dia 20/7, 24h | Devoração – Cia 8 Nova Dança Dia 27/7, 24h Direções Billy, a garota. Direção: Mário Bortolotto Dia 11/7, 23h Verifique a classificação indicativa em
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Faixa Curtas
Velhas e novas histórias foto: DIVULGAÇÃO
como protagonistas, entre 2005 e 2006 venceu os Festivais de Berlim, Gramado e Florianópolis. Em A Idade do Coração (1999, direção de Tamy Marraccini), Eva Todor vive uma senhora solitária que, certo dia, decide realizar uma ação arriscada e divertida para recuperar o piano que animava os bailes de uma casa de repouso na cidade de Itu. Trazendo no elenco Lucélia Santos, Guilherme Leme, Elizabeth Henreid e tendo participação de Consuelo Leandro, o filme aborda, com humor, questões como a solidão, a dependência e o lazer do idoso. Foi premiado no Festival de São Luís, no ano de seu lançamento. Também em julho serão exibidos os episódios Cinema e Juventude, dia 12/07; Cinema e Diversidade Sexual, dia 18/7; e Cinema e Jornalismo, dia 25/07. Faixa Curtas tem curadoria de Luiz Carlos Soares. A idade do coração
O último censo realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística confirma: a população do País está envelhecendo. Dados dessa pesquisa apontam que o Brasil tem 20 milhões de cidadãos com 60 anos de idade ou mais, o que representa 11,16% da população total. Melhora nas condições de vida, avanços na área da saúde e maior acesso à informação são razões atribuídas a esse crescimento. Ou seja, não significa apenas viver mais e sim viver melhor. Trata-se de uma população ativa e disposta, com participação no mercado de consumo, no turismo, nas decisões políticas e com presença nos espaços públicos e privados de lazer e cultura. São pessoas que acumulam histórias, formando uma inspiradora fonte para cineastas, que resgatam e adaptam essas experiências, transformando-as em linguagem audiovisual. Três dessas transposições para o cinema de ficção estão no episódio Cinema e Terceira Idade – Vol. 2, da série Faixa Curtas, que o SescTV exibe este mês. No curta-metragem O Bolo (1995), o diretor José Roberto Torero apresenta o cotidiano de um casal de idosos cuja rotina é construída em uma contraditória provocação para irritar o cônjuge, mas que revela a partilha e o cuidado que eles construíram um pelo outro ao longo da vida. O filme venceu os Festivais de Gramado, Brasília e Cuiabá, em 1995. O curta-metragem Sr. e Sra. Martins (2005, direção de Laine Milan) mostra a inusitada decisão de um casal, já no fim da vida, de ensaiar sua viuvez. O filme, que tem os atores Acari Esteves e Homero Kossac
Episódio da série Faixa Curtas apresenta três curtas-metragens que abordam questões relacionadas aos idosos
Faixa Curtas Segundas, 21h
Cinema e Terceira Idade – Vol. 2 Dia 04/07
Cinema e Juventude Dia 12/07
Cinema e Diversidade Sexual Dia 18/07
Cinema e Jornalismo Dia 25/07
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MÚSICA
Foto: Divulgação
O outro lado do forró
rock. Xote se transforma em dumb. A gente explora todas as coisas, até uma polca, que no fundo também é bem rock”, diz Continentino. Neste mês, o SescTV exibe show do grupo, gravado no Sesc Pompeia. No repertório, versões para Baião; Sebastiana; e Riacho no Navio. Entre as composições próprias, Forró na escuridão; Nonsensical; e Pero Loco. Direção para televisão de Juliana Borges.
Eles são brasileiros, mas conheceram-se na cidade norte-americana de Nova Iorque, para onde se mudaram, cada qual por uma razão específica. A música os uniu, e em especial a vontade de mesclar ao forró outras influências presentes no cotidiano novaiorquino, como o rock, o jazz, o soul e o hip hop. É desta mistura que surge o grupo Forró in the dark, com cinco integrantes, todos nascidos no Brasil, que apresenta composições próprias e novas versões de clássicos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. A inovação começa na escolha dos instrumentos do grupo: aos tradicionais zabumba, triângulo e pífano eles acrescentam saxofone, guitarra e baixo, e abrem mão da sanfona. “Todo mundo toca sanfona no forró. Quero ver é tocar uma guitarra”, provoca Jorge Continentino, responsável pelo pífano, sax e voz. Eles explicam que têm afinidade com o forró, mas não se consideravam músicos genuínos desse estilo, devido às muitas influências de outros ritmos que levavam para seus trabalhos. “Na minha concepção, era impossível fazer forró pé de serra em Nova Iorque, simplesmente porque lá não tem serra. Eu queria abrir nossa música para o que Nova Iorque tem a oferecer, sabe? Misturar os ritmos do forró com o jazz, o punk, o rock, o soul, o hip hop”, explica o percussionista Mauro Refosco. “A gente tenta ir direto às origens, às bandas de pífano, a Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, mas misturando isso com as influências que a gente tem, desde afrobit até o rock ‘n’ roll”, completa o guitarrista da banda Guilherme Monteiro. Nesse sentido, “baião pode virar
Forró in the dark, grupo formado por brasileiros em Nova Iorque, mistura ritmos do rock, jazz e hip hop ao forró
Especial Musical Quarta, 22h
Forró in the dark Dia 13/07
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Artes Visuais
Arte para decodificar o mundo Foto: Divulgação
pudesse ter visibilidade”, explica Moacir dos Anjos. A Bienal mesclou obras de artistas contemporâneos com criações históricas, como Seja marginal, seja herói, feita por Helio Oiticica em 1968. “Trata-se do poder que a arte tem de questionar, de abrir fissuras em formas de entendimento tão fixas e definidas, que a usamos para decodificar a complexidade do mundo”, diz Anjos. O questionamento também aparece em outras obras, como a do artista Paulo Bruscky, com sua provocação: O que é arte? Para que serve?, com registro de sua performance feita nas ruas. O jovem artista Henrique Oliveira apresenta A origem do Terceiro Mundo, uma instalação feita com sobras de madeira. Outra inovação da 29ª Bienal foram os Terreiros, que consistiam em seis espaços distintos para ocupação do público, fosse para descanso, para troca de ideias com outros visitantes ou para vivências de teatro e dança. Dois episódios da série Artes Visuais mostram a 29ª Bienal de Artes de São Paulo, com entrevistas com os curadores e artistas. A direção é de Cacá Vicalvi.
Foi na poesia de Jorge de Lima que Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, curadores da 29ª Bienal de Artes de São Paulo, encontraram o título para o evento, realizado entre setembro e dezembro de 2010: Há sempre um copo de mar para um homem navegar. Com a proposta de trabalhar a arte política, o título exprimia essa dimensão limitada do ser humano e sua inventividade para extrapolar fronteiras e limites. “Em geral, arte política vem associada à ideia de arte e denúncia. Mas nós pensamos em ampliar essa acepção, chamando a atenção para o fato de que, na arte, nossos próprios sentidos são processados e alimentados”, explica Farias. “Novas configurações do mundo são pensadas e ordenadas. O mundo vem reconstruído. Então, a arte é um grande exercício, um grande laboratório de sensações e de produção de novos significados”, completa. Dessa forma, a escolha dos artistas e a disposição das obras no espaço obedeceram a esse critério provocador e instigador, convidando o público a se lançar a um novo olhar. “São trabalhos enigmáticos, modificadores. São obras cujo contato, de algum modo, abre novas perspectivas para nós”, acredita Farias. Os curadores optaram por pontuar essa edição da Bienal como um evento sul-americano; assim, selecionaram obras de artistas brasileiros para ocupar a entrada do prédio. “Nossa ideia era propor um marco, quase uma genealogia da arte brasileira dos anos de 1930 até a atualidade. E que essa questão da arte política mais ampla, mais aberta e menos marcada
Em dois episódios, série apresenta a 29ª edição da Bienal de Artes de São Paulo, realizada em 2010 com o título Há sempre um copo de mar para um homem navegar
ARTES VISUAIS Quartas-feiras, às 21h30
Emmanuel Nassar Dia 06/07
29ª Bienal de São Paulo – parte 1 Dia 13/07
29ª Bienal de São Paulo – parte 2 Dia 20/07
Ponto de Equilíbrio Dia 27/07
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entrevista
Foto: Tatit BrandÃo
O cinema como resposta
Como o senhor avalia a cobertura que a mídia faz sobre cultura? Hoje o que vejo pelo mundo é uma perda
WERNER HERZOG é cineasta alemão e dirigiu um dos clássicos do cinema mundial: O Enigma de Kaspar Hauser (1974). Tem sua direção também outro filme conhecido do público brasileiro, Fitzcarraldo (1982), cujo papel principal foi interpretado pelo ator Klaus Kinski, parceiro de Herzog em muitas outras produções. Herzog esteve no Brasil em maio, a convite do Sesc e da Revista Cult, para participar da terceira edição do Congresso de Jornalismo Cultural. Na ocasião, revelou sua admiração pela obra do cineasta brasileiro Glauber Rocha e contou sobre seus projetos mais recentes, como o documentário Cave of forgotten dreams (2010). E aconselhou aos interessados em trabalhar com cinema: “leiam muito e andem a pé”.
significativa do jornalismo cultural. Na América e na Europa essa prática caiu muito. Quase não há mais críticos nos Estados Unidos. O que vemos é uma substituição da cobertura de temas culturais por notícias de celebridades. Não temos tantas revistas com caráter cultural em outros países. Talvez só na França. Durante o exílio de Glauber Rocha, o senhor conviveu com ele por um período? Tive a oportunidade de conviver com
Glauber Rocha por um mês, em 1975. Lembro-me de que ele era muito desorganizado. No dia em que retornaria ao Brasil, após seu exílio, ele não se lembrava de que iria embarcar e teve de arrumar as malas correndo. Eu, vendo aqueles manuscritos todos caindo e ficando pelo caminho, ia atrás, recuperando vários papéis. Acho que fui responsável por parte de seus documentos não ter ficado perdida (risos). Sinto falta dele, mas penso que ele não morreu, porque sua obra é eterna. Glauber carrega a alma do Brasil e só há uma pessoa comparável a ele: o Garrincha.
“Se você se analisa em demasiado, você ilumina cada cantinho de sua existência, e se torna inabitável”
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O senhor está num ano de produção intensa de filmes...
Este ano fiz quatro ou cinco filmes, tenho trabalhado nos Estados Unidos, mas não estou tão envolvido com a produção. Isso me permite trabalhar mais rapidamente, porque não tenho de me preocupar em levantar fundos para distribuição. A maior desvantagem disso é justamente não ter o controle de distribuição dos meus filmes. Alguns deles não chegaram ao Brasil. Por isso, decidi voltar à produção para garantir que meus filmes cheguem a outros países. Quero que sejam mostrados no Brasil.
“Sinto falta dele (Glauber Rocha), mas penso que ele não morreu, porque sua obra é eterna. Glauber carrega a alma do Brasil” Como são seu método de trabalho e seu processo de criação de um filme? Não planejo meus filmes como quem
planeja uma carreira. Colegas meus fazem pesquisas. Meus filmes chegam para mim não como convidados. Eu ouço um barulho na cozinha e acordo. É assim que meus filmes vêm: como ladrões. Reconheço nos meus filmes algo em comum, como membros de uma mesma família, mas não olho para meu umbigo, não quero saber sobre mim mesmo. É como ir ao psicanalista, acho um erro. Se você se analisa em demasiado, você ilumina cada cantinho de sua existência, e se torna inabitável. Eu convivi com mulheres que faziam psicanálise, e não dava para ter um caso amoroso com elas. É um dos equívocos do século vinte, tão sério quanto a Inquisição espanhola. Em resumo, não posso entender plenamente estilos em comum nos meus filmes.
O senhor também acaba de lançar um documentário sobre cavernas, no qual usa a tecnologia 3D. Dirigi Cave of
forgotten dreams (Caverna dos sonhos esquecidos, em tradução livre), em que registro pinturas rupestres numa caverna na França. Ela foi encontrada intocada, com sinais da presença de homens e animais de milhares de anos atrás. Até se locomover e posicionar as câmeras era difícil, porque só havia um corredor de sessenta centímetros de largura. As paredes da caverna tinham protuberâncias e saliências, não eram planas. Então, para mostrar a dimensão disso tudo, optei por filmar em 3D. Outro de seus projetos mais recentes é um documentário sobre presos condenados à morte nos Estados Unidos. Como tem sido essa experiência? Nós não sabemos quando nem
E como foram seus primeiros contatos com o cinema?
Trabalho com a sensação de que eu inventei o cinema. Cresci num vale remoto onde não havia cinema, nem TV, nem telefone. Fiz minha primeira ligação telefônica aos 17 anos. Não sabia que o cinema existia. Os primeiros filmes a que tive acesso eram muito sem graça. Tive a impressão de que eu tinha de inventar o cinema. Logo após a Guerra, não tínhamos muito o que fazer, nossos pais tinham morrido e inventávamos nossos próprios brinquedos e jogos. Da mesma forma, sinto que também trabalho assim no cinema.
como vamos morrer, mas as pessoas condenadas à morte sabem cada detalhe. Tenho conversado com esses presos. É impressionante como eles são diretos quando falam comigo. Acho que deve ser porque eu os trato como seres humanos. Falo que eu entendo seu apelo legal, mas isso não significa que eu goste deles ou aprove o que fizeram. Eles gostam dessa conversa. Um dia desses, um preso até confessou outros dois homicídios, ali, num depoimento para as câmeras. Penso sobre a questão da morte, das nossas experiências passadas com o nazismo, o genocídio. Acredito que nenhuma nação teria o direito de matar seres humanos. Mas, naturalmente, este é só um argumento.
Qual sua opinião sobre a Internet e as Redes Sociais? Dou boas-vindas a ferramentas como as Redes Sociais, porque tenho amigos em lugares distantes ou de difícil acesso. Através do twitter, pessoas em países de conflito fazem denúncias e escapam de atentados. É um instrumento incrível, mas não contribui para o aprofundamento das trocas humanas. Vemos muito de realidade nos discursos de Internet. Jovens se comunicam por SMS, mesmo estando fisicamente na mesma sala. Há um intelectual interessante que diz que não se pode substituir o contato humano e creio que estamos nos perdendo no mundo irreal da Internet. E isso se reflete também no cinema. Vemos os efeitos digitais, tudo é fabricado. Fotos são manipuladas. É um massacre no nosso senso de realidade. O cinema representou uma resposta aos questionamentos do mundo nos anos de 1960. Hoje, temos de achar novas respostas. Estou procurando por elas. Há o cinema que nos ilumina, a exemplo da obra de Glauber Rocha. Isso é o cinema do qual precisamos.
O senhor tem acompanhado a produção recente de filmes brasileiros? Não tenho acompanhado, porque assisto
a poucos filmes. No ano passado, fiz parte do júri do Festival de Berlim, então assisti a uns vinte filmes, mas foi uma exceção. Acredito que o cinema brasileiro tem vida, novos talentos estão surgindo. Os equipamentos foram barateados e isso ajuda a produção de filmes. Hoje dá para fazer edição num laptop. Com dez mil dólares dá para fazer um filme. Não se tem mais desculpa, só é preciso trabalhar. Acho que quem quer trabalhar com cinema precisa trabalhar no real, onde há vida. E andar a pé. E, ser for preciso, roubar uma câmera, falsificar documentos. Quando estava filmando Fitzcarraldo (1982), usei documentos ilegais para ter permissão para entrar em alguns lugares.
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artigo A TV e o rock Independente, mas a caretice da direita era mais forte, não dava para manter no ar “programa com cabeludo”. Mas o tempo passa e as câmeras tornam-se portáteis, vem o videotape, chegam os anos de 1980 e, com eles, a abertura política. E toda música e toda arte represada por tantos anos vêm com a força da enxurrada e arrebentam na televisão, reverberando o que os muros gritavam e espocavam, aqui em São Paulo, desde o Lira Paulistana – um pequeno teatro na Praça Benedito Calixto – até a Pompeia, berço do rock em São Paulo, em uma unidade do Sesc, no Fábrica do Som, da TV Cultura. As câmeras portáteis, de muitos quilos e com imensos cabos, mais o talento de um apresentador videomaker tiveram e deram, durante quase dois anos, espaço para o rock e para a experiência. Titãs, Paralamas, Cazuza ainda menino, bandas de garagem e artistas consagrados. Na época, o João Gordo ainda estava na plateia. A censura federal ocorria toda semana, depois de o programa editado. Perdemos para a repressão. Como programa de rock é, além de mal comportado, caro, e videoclipe é barato e limpinho, tivemos a década de 1990 como a Era dos Clipes. Na virada do milênio, a televisão volta a dar uma mãozinha e pipocam Charlie Brown, Mangue Beat, Los Hermanos, Sepultura. Hoje, a TV aberta esqueceu os programas de bandas ao vivo. O rock – como as árvores, os índios e tudo o que está em perigo de extinção – também é lembrado em data própria e, mais uma vez, a ligação entre televisão e rock é o canal! O dia 13 de julho é uma referência ao Live Aid, realizado em 1985, a mais ambiciosa transmissão usando satélites e televisão de todos os tempos até então. Pela primeira vez, foi criada uma rede tão grande para uma causa: arrecadar fundos contra a fome da Etiópia. Cerca de 1,5 bilhão de espectadores, em mais de 100 países, assistiram às apresentações ao vivo. Aqui, não rolou: só pelo rádio... E o bordão da 89FM virou data oficial: “Dia Mundial do Rock!” Esse dia, que não serviu para acabar com a fome na Etiópia, não é lembrado nas principais capitais do mundo. É uma data mundial comemorada só no Brasil. Engraçado, não é? Um fenômeno para o Macaco Simão desvendar. Atualmente, sem telinha para se projetar e sem renovação, o rock feito no Brasil some das prateleiras, como se os milhares de fãs do rock brazuca tivessem sumido também. Mas, como o “roque errou” a data, eu concordo com os que acham que o Dia do Rock no Brasil seria 28 de junho, dia no qual nasceu “São Raul Seixas”, o diabo padroeiro do rock nacional.
A primeira televisão em nossa casa chegou em 1957 ou 1958. Com certeza, foi a primeira da minha quadra. Eu me lembro daquele aparelho enorme, de madeira, que no início ficava desligado a maior parte do dia. A imagem tinha muitos “fantasmas” e a carta de ajuste com o “Indiozinho da Tupi” ficava horas no ar. Mas em casa, às tardes e no final de semana, a sala enchia. As tarde-noites eram do Rin-TinTin, Falcão Negro, Ivanhoé, Papai Sabe-Tudo, Mike Nelson, Fury... um mundo novo, valvulado e direto dos USA. E ainda bem que no pacote veio o rock. A televisão foi a responsável pela popularização do rock que, além de música, é dança, é comportamento, é moda, é imagem. Eu me lembro de, ainda pivete, assistir domingo de manhã aos programas do Júlio Rosemberg. Foi o primeiro programa com bandas de rock que acredito ter visto na TV. Acho que era na TV Paulista. O cenário era uma cortina fechada que devia esconder algum outro cenário que entraria em seguida. Havia o Antonio Aguillar e rolavam bandas com condições técnicas semiprecárias. Mas bandas com músicos que não erravam, sem videotape: The Rebels, Jordans, Clevers, e até grandes nomes do momento, como Carlos Gonzaga e Sérgio Murillo. Mas o novo veículo exigia o novo. Cenários, cortes de cabelos diferentes, roupas vistosas e, principalmente, rostos. Coisa que o rádio dispensava ao talento do artista. Fazer um programa de rock para televisão nos anos de 1960 era mais do que heroico. As câmeras eram gigantescas, o zoom não existia, as mudanças de close para um plano mais aberto eram realizadas após uma manobra, nada fácil, de girar as torres das lentes das enormes câmeras RCA. O áudio, então, um festival de apitos! Mas o rock estava lá. E assim, na era da televisão surgem Celly Campello e Tony Campello. Celly, além da voz, era um presente para o novo veículo. Com seu rosto perfeito e seu Estúpido Cupido arrebentando no rádio, era a “Namoradinha do Brasil”, graças à televisão. O rock foi percebido e a juventude, pela primeira vez, teve voz e programas, e foi reconhecida como mercado. E o mercado necessitava de um produto rock. Nasce dentro de uma agência de publicidade (a Magaldi e Maia) o programa Jovem Guarda, da TV Record, um fenômeno de audiência. Um programa criado para a televisão, com cenários, bailarinas, figurinos, que ditava moda e trabalhava com mais câmeras e com luz apropriada. E nada melhor para uma eterna colônia do que criar um “Rei”. Mais um mito foi criado pela televisão. Com a ditadura, nem a Jovem Guarda escapou. O rock submerge na ditadura. Filho da liberdade, é sufocado. Todo cabeludo é “comunista, filho da p., vice-versa ou ambas as coisas”. A Tupi tentou fazer um programa rock-experimental, o Divino Maravilhoso, com Caetano e Gil. A Bandeirantes também teve várias tentativas, como o Band Rock e o Mocidade
Pedro Vieira é diretor de programas de televisão, criador
da Fábrica do Som, Musikaos e diretor do documentário História do Rock Brasileiro.
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Foto: DIVULGAÇÃO
Foto: Divulgação
último Bloco
Ao som do jazz O papel dos montadores
O jazz é paixão antiga de Nelson Ayres, que desde cedo decidiu ser mais do que um apreciador da música. Com talento e persistência, ele garantiu a primeira vaga de um brasileiro como aluno do afamado Berklee College of Music. No seu retorno, trabalhou com Big Band e, nos anos de 1980, formou o grupo Pau Brasil, que influenciou muitos outros instrumentistas. Ayres regeu e dirigiu, por nove anos, a Orquestra Jazz Sinfônica do Estado de São Paulo. Neste mês, no Instrumental Sesc Brasil, o pianista apresenta o Nelson Ayres Trio. No palco, é acompanhado no contrabaixo por Rogério Botter Maio, e na bateria por Nenê. Direção para TV: Max Alvim. Dia 11/7, às 22h.
O SescTV exibe neste mês, no Sala de Cinema, entrevistas com quatro montadores brasileiros. Parceiro de Glauber Rocha, Eduardo Escorel fala sobre as 28 montagens de sua carreira, ao lado de Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirszman. Dia 7/7. Daniel Rezende, responsável por filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite, é o entrevistado do dia 14/7. Tendo iniciado carreira em 1960, Vânia Debs conta que trabalhou em filmes como Árido Movie e Durval Discos. Dia 21/7. Paulo Sacramento comenta sua experiência ao montar Encarnação do Demônio, dirigido por José Mojica Marins. Sala de Cinema tem direção de Luiz R. Cabral. Dia 28/7. Às 22h.
SescTV na ABTA 2011
Retratos da cultura
Profissionais da televisão reúnem-se, entre os dias 9 e 11 de agosto, no Transamérica Expo Center, em São Paulo, para a Feira da Associação Brasileira de Televisão por Assinatura – ABTA. O SescTV estará presente ao evento com um stand para exposição de conteúdos e contato com operadoras. A feira reúne prestadores de TV por assinatura, banda larga e telefonia do Brasil e do exterior, para que conheçam novos produtos tecnológicos e discutam sobre o futuro dos meios de comunicação. Um dos temas do evento deste ano é a convergência de mídias.
Mercados populares brasileiros não são meros locais de comércio. Ao visitar um desses espaços, moradores e turistas têm à disposição uma mostra dos costumes locais. Os mercados populares oferecem comidas, temperos e artesanato típico, sendo um retrato da cultura do País. A série Coleções exibe, neste mês, três episódios dedicados aos mercados populares. A Feira de Caruaru é destaque no dia 14/7. O comércio realizado em São Cristóvão está no episódio do dia 21/7. As relações comerciais realizadas no Mercado Modelo são mostradas no dia 28/7. Às 21h30. Direção de Belisario Franca.
O SESCTV é credenciado pelo Ministério da Cultura como canal de programação composto exclusivamente por obras cinematográficas e audiovisuais brasileiras de produção independente em atenção ao artigo 74º do Decreto nº 2.206, de 14 de abril de 1997 que regulamenta o serviço de TV a cabo. Para sintonizar o SescTV: Aracaju, Net 26; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92, Vivax 24; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). No Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo
Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda
A Revista é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Rua Cantagalo, 74, 13.º andar. Tel.: (11) 2227-6527 Coordenação Geral: Ivan Giannini Editoração: Viviana Bomfim Moreira Revisão: Maria Lúcia Leão Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães
Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Coordenação de Comunicação: Marimar Chimenes Gil Redação: Adriana Reis Divulgação: Jô Santina e Jucimara Serra Estagiário: Estevan Muniz sesctv.org.br atendimento@sesctv.sescsp.org.br
Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.
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Foto: Piu Dip