Revista SescTV - Junho de 2014

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Junho/2014 - edição 87 sesctv.org.br

FUTEBOL

Programação com filmes, dança e debate

MÚSICA

Filhos de Dorival Caymmi celebram centenário do pai

DOCUMENTÁRIO

Histórias e lendas da população no entorno do rio Negro


Foto: Roberto Assem

24/6, terça, às 19h

Acompanhe: s e s c t v. o r g . b r


Um elemento de identidade

Poucos esportes conquistaram, ao longo de sua história, a capacidade mobilizadora que o futebol alcançou. Mais do que uma atividade de promoção da saúde, do lazer e do bem estar, o futebol é um elemento da cultura e da formação de identidade. Não por acaso, atrai a atenção de diretores, produtores e realizadores do audiovisual, interessados em entender e em registrar essa entrega e essa relação passional entre o torcedor e o time; o jogador e seu esporte. O futebol é tema de programação especial do SescTV neste mês em que o Brasil recebe delegações de 32 países para disputar a Copa do Mundo. O canal apresenta uma seleção de curtas-metragens, debates e espetáculos que se inspiram ou abordam esse esporte por meio das linguagens artísticas, como o cinema e a dança. Dentre os programas, um episódio inédito da série CurtaDoc, com três curtas-metragens do gênero de documentário que trazem a relação do torcedor latino-americano com o futebol, ultrapassando os limites dos campos e das competições oficiais. A programação conta ainda com um debate da série Contraplano; o espetáculo de dança Jogado, da Cia. Sopro; documentários das séries HiperReal e Arquiteturas; e filmes de ficção do Faixa Curtas. Neste mês, o SescTV também convida a um passeio pela região amazônica com o documentário Histórias do Rio Negro. O filme registra o modo de viver, as histórias e lendas do povo ribeirinho, em entrevistas realizadas pelo médico e escritor Drauzio Varella. Na faixa musical, a estreia de show inédito que homenageia os cem anos de nascimento de Dorival Caymmi. No palco, os filhos Danilo, Dori e Nana relembram canções do repertório de Caymmi, no espetáculo apresentado no teatro do Sesc Vila Mariana, na capital paulista. Destaque também para a nova temporada do Movimento Violão, com jovens concertistas brasileiros que apresentam novas interpretações para músicas eruditas e populares. A Revista do SescTV deste mês entrevista Drauzio Varella, que fala sobre os bastidores da realização do documentário Histórias do Rio Negro. A seção de artigo traz crônica do professor e escritor João Batista Freire sobre nossa relação com o futebol. Boa leitura!

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

CAPA: Filme Goles y Metas no episódio Na Cara do Gol, da série CurtaDoc. Foto: Divulgação

destaques da programação 4 entrevista - Drauzio Varella 8 artigo - João Batista Freire 10 3


Movimento Violão

Celeiro de jovens talentos Duo Siqueira Lima. Foto: Gambhira Photo Art

a interpretações inéditas de peças eruditas. Neste mês, o SescTV estreia a temporada Jovens Concertistas Brasileiros, com a exibição de concertos inéditos gravados em 2013, ano em que o projeto celebrou uma década de existência. “É uma coisa fantástica, inédita, porque a gente está abrindo espaço para uma geração que ainda não atingiu o mercado”, afirma Martelli, curador do Movimento Violão. O primeiro programa traz o Duo Siqueira Lima, formado pelo brasileiro Fernando Lima e pela uruguaia Cecília Siqueira, que apresentam clássicos da música brasileira e erudita como: Aquarela do Brasil (Ary Barroso); Prelúdio da Bachiana nº4 (Heitor Villa-Lobos); Canção Sem Palavras Op. 53, nº 2 (Mendelssohn); e Primavera Porteña (Astor Piazzolla). “Falar do violão é como contar um pouco da minha história de vida. Porque a música clássica você aprende na escola. Já a música popular vem no sangue, das experiências familiares”, afirma Lima. Para Martelli, a dupla se destaca por sua “caraterística de unir o popular ao erudito, com uma excelência na técnica e na sincronia raramente vista”. Direção para TV de Fabiola Braga e Flávio N. Rodrigues.

Seis episódios inéditos da série apresentam a nova geração de violonistas brasileiros Um instrumento versátil, acessível e democrático, cuja sonoridade está presente em diversos estilos da música brasileira: no choro, no samba, na MPB, na base do rock, em interpretações da música erudita. Feito de diferentes tipos de madeira, esse instrumento da família das cordas atrai e encanta músicos de diferentes gerações e, ainda hoje, é ponto de partida da formação de inúmeros músicos. “O Brasil é um celeiro de violonistas. Nossa escola é muito forte. O violão moldou a sonoridade do Brasil, é um instrumento que está na bossa nova, na música popular e erudita”, afirma o violonista e professor Paulo Martelli. Essa tradição tem atraído novos talentos na área musical, criando um cenário favorável de renovação e de valorização de profissionais brasileiros nesse campo. “É uma coisa que está crescendo muito; mesmo que o nosso mercado seja um pouco achatado, a produção de violonistas no Brasil é imensa”, confirma Martelli. Uma mostra dessa diversidade de estilos pode ser conferida no projeto Movimento Violão, uma série de concertos com violonistas de diferentes partes do País, com repertórios que vão de releituras da música popular

Movimento Violão Temporada Jovens Concertistas Brasileiros Terças-feiras, às 20h

Duo Siqueira Lima 24/6

Alexandre Gismonti & Michel Maciel 01/7

André Simão & Glauber Rocha 08/7

Franciel Monteiro & Aulus Rodrigues 15/7

Amadeu Rosa & Chrystian Dozza 22/7

Tiago Colombo & Elodie Bouny 29/7

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Documentário

Foto: Divulgação

Povos da floresta

Essa viagem começa no município de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, extremo noroeste do País, região de fronteira com a Venezuela e a Colômbia. Tem como destino a capital Manaus, num percurso de 1.100 quilômetros, realizado de barco, percorrendo as curvas do rio Negro. Assim nasce o projeto do documentário Histórias do Rio Negro, idealizado pelo médico e apresentador Drauzio Varella. “Nosso objetivo era entrar nos igarapés, descer nas comunidades, conversar com as pessoas e ouvir suas histórias, o que têm para contar”, explica. O desejo de registrar os causos, os costumes e as lendas dos moradores dessa região era antigo. “A primeira vez que cheguei aqui foi em 1992. Eu vi esse rio espelhado, essa água escura e pensei: meu Deus do céu, não é possível uma beleza assim! Uma imensidão de água como essa. Desde esse dia, nunca mais parei de vir para cá”, conta. Mais do que as paisagens deslumbrantes ou o apelo sobre a importância de se preservar aquela natureza, a ele interessava apresentar a cultura local, a vida cotidiana das populações ribeirinhas. “Vista de longe, a floresta amazônica parece um tapete verde. Mas, quando se fala dela, as pessoas esquecem que é habitada”. Ao longo dessa viagem, Varella e sua equipe encontraram índio, pescador, parteira, seringueiro e garimpeiro e deles ouviu relatos de suas experiências com o rio e a floresta. E descobriu suas lendas também, como a que deu origem à formação do povo amazônico: uma canoa imensa em forma de cobra teria partido

do Rio de Janeiro trazendo a humanidade, que se espalhou pela região do rio Negro. Há quem garanta já ter se encontrado pessoalmente com o curupira, um defensor da natureza que pune aqueles que desobedecerem as leis das matas. Neste mês, o SescTV exibe o documentário Histórias do Rio Negro, que tem direção de Luciano Cury e trilha sonora original de Cesar Camargo Mariano. A narração e as entrevistas são de Drauzio Varella, que também dá seu depoimento no filme. “Esse é o lugar que mais gosto de ficar: no barco, sobre esse rio”, declara. Produção e realização da Academia de Filmes, de 2005.

Histórias do Rio Negro reúne lendas e personagens de municípios e aldeias no entorno do rio amazônico

Documentário Histórias do Rio Negro Direção: Luciano Cury Narração e entrevistas: Drauzio Varella Dia 27/6, 23h

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Futebol

Para além das arquibancadas Curta Foem de bola. Foto: Divulgação

série CurtaDoc Na Cara do Gol, que reúne curtas-metragens documentais que traçam um perfil da relação dos latino-americanos com o esporte. Compõem o episódio: Matadores de Victoria (11’, 2011, Argentina), dos diretores Juan Carlos Dall’Occhio e Agustin Kazah; Fome de Bola (20’, 2010, Brasil), direção de Isaac Chueke; e Goles y Metas (6’, 2009, Argentina), de Ginger Gentile e Gabriel Balanovsky. “O que marca o futebol da América Latina é essa alegria. É algo admirável, porque iguala as pessoas. Então, o futebol é determinante, sem sombra de dúvidas”, opina Sanchez, comentarista convidado do episódio. CurtaDoc tem direção de Kátia Klock. Confira programação completa no quadro.

SescTV exibe programação especial sobre a relação do torcedor latinoamericano com o esporte

Futebol não é algo que se compreende racionalmente. Não obedece a uma lógica, não pressupõe justificativa nem explicações. Porque é no campo dos sentimentos que essa bola corre. Extrapola a ideia de um esporte, estabelecido por regras e metas, envolvendo vinte e dois jogadores, divididos em dois times adversários. Afinal, trata-se de paixão. “Acredito que o futebol e a vida podem ser explicados perfeitamente, essa é a riqueza que o futebol tem e que me parece admirável”, afirma o crítico de cinema e comentarista esportivo uruguaio Sebastian Sanchez. A devoção e a dedicação dos torcedores por seus times do coração, não por acaso, atraiu a atenção de cineastas e documentaristas interessados em mergulhar e registrar esse universo, que toma cores ainda mais fortes no território latino-americano. “Obviamente, a América Latina, se comparada à Europa, é algo incrível. Isso tem a ver com a paixão”, acredita Sanchez. “O time desses torcedores é uma religião, é algo que vem dos genes, que se transmite de geração a geração”, diz. Segundo Sanchez, não é fácil realizar narrativas audiovisuais sobre esse tema. “Para o cinema, o futebol é muito difícil de filmar, porque é um esporte diferente do boxe, por exemplo, ou do basquete, com o apelo da marcação do ponto faltando dois segundos, algo que Hollywood aproveita muito”. Além disso, é fora do campo que os diretores encontram as histórias mais fascinantes. “Na verdade, o que o futebol tem de mais importante é quando se filma quem está fora, o fã, o torcedor. Realmente aparece, aí sim, o protagonista”, afirma. O futebol é tema de uma programação especial no SescTV, neste mês, com documentários, debate e curtas-metragens. Entre os destaques, o episódio inédito da

Especial Futebol CurtaDoc: Na Cara do Gol (inédito) Dia 10/6, 21h

CurtaDoc: Vida de Campeão Dia 12/6, 11h

HiperReal: A rua e a peneira Dia 12/6, 23h

Contraplano: Pátrias do Futebol Dia 13/6, 15h

Dança Contemporânea: Jogado – Cia. Sopro Dia 13/6, 21h

Arquiteturas: Estádio Serra Dourada Dia 14/6, 22h

Especial Curta: Geral Dia 15/6, 14h30

Faixa Curtas: Sobrenatural de Almeida / Noite de Marionetes Dia 16/6, 21h

Objetos da Cultura: A Bola de Futebol Dia 17/6, 17h30

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Música

Foto: Divulgação

Cem anos de Caymmi

Ele retratou a Bahia, suas paisagens, a alegria do povo, o mar, a formosura das mulheres e a divindade dos orixás. Dorival Caymmi trazia em suas composições a alma baiana. Com Caymmi, foi bom “passar uma tarde em Itapoã”, descobrir O que é que a baiana tem e as maravilhas de ir à Maracangalha. Dorival nasceu na Bahia em 1914, descendente de italianos, portugueses e africanos. Começou a tocar violão na adolescência, período em que compôs sua primeira música, No sertão. Dorival tornou-se nacionalmente conhecido em 1938, quando se mudou para o Rio de Janeiro, para estudar, e passou a se apresentar em diversas rádios, como a Tupi e a Nacional. O primeiro sucesso foi O que é que a baiana tem?, ícone da música brasileira na voz de Carmem Miranda. “É um mito na família se ele namorou a Carmem Miranda. Quando ele já estava idoso, gostava de ficar numa rede que pertenceu a Carmem Miranda. Eu perguntei a ele onde ficava essa rede, na casa da Carmem, e ele respondeu que era no quarto”, brinca Danilo Caymmi, filho de Dorival. Dorival casou-se com a cantora Stella Maris, com quem teve três filhos: Nana, Dori e Danilo Caymmi, todos também músicos. Considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira, Dorival inspirou gerações de artistas com seus sambas, canções praieiras e músicas românticas. Um tema recorrente nas músicas do cantor são os orixás, em especial Iemanjá.

“Papai era Obá de Xangô, uma espécie de ministro de Xangô. A presença de Iemanjá é uma constante na sua obra”, afirma Danilo. Dorival morreu em 2008, aos 94 anos. Em homenagem ao centenário de nascimento do cantor, celebrado neste ano, seus filhos realizaram o show Família Caymmi, apresentado em junho de 2013, no Sesc Vila Mariana, capital paulista. O espetáculo foi gravado pelo SescTV e será exibido neste mês. No repertório, canções menos conhecidas dele, da década de 1940, como: Eu fiz uma viagem; Roda pião; Retirante. E também os grandes sucessos, como Marcha dos pescadores; O que é que a baiana tem?; e Só louco. O programa traz ainda entrevista com Dori e Danilo, que relembram as histórias de seu pai no palco e fora dele. Roteiro e direção para TV de Cói Belluzzo.

SescTV exibe show realizado pelos filhos em homenagem ao cantor e compositor baiano

Família Caymmi Dia 25/06, às 22h

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entrevista

Foto: Divulgação

“Tenho muito interesse pelos outros”

Drauzio Varella é médico oncologista, pesquisador

Como surgiu a ideia do documentário Histórias do Rio Negro? Há muitos anos vou com frequência para aquela região do rio Negro, onde realizo um projeto de pesquisa de plantas brasileiras para obter extratos para novos medicamentos. Contamos com o apoio da Universidade Paulista, que tem um barco, com o qual viajamos e colhemos as plantas. Vou àquela região pelo menos a cada dois meses, sempre tive um fascínio muito grande por aquele lugar. Numa dessas viagens, o Luciano Cury [diretor do filme] nos acompanhou, para gravar o projeto. Contei a ele que tinha vontade de fazer um programa para televisão, descendo o rio, de barco, parando nas comunidades e entrevistando as pessoas. Ele gostou muito da ideia e avaliou que daria um documentário.

e escritor. Graduado em medicina pela Universidade de São Paulo, ficou conhecido por usar os meios de comunicação para falar sobre questões de saúde. Na televisão, já apresentou séries sobre diversos temas, dentre os quais: o corpo humano; tabagismo; primeiros socorros; e gravidez. É idealizador do documentário Histórias do Rio Negro, que reúne histórias e lendas de quem vive no entorno desse rio amazônico e que o SescTV exibe neste mês.

Como foi o processo de realização do filme, desde a fase de pesquisas, a viagem, a escolha dos personagens? Dois produtores foram antes para lá e fizeram essa viagem, partindo de São Gabriel da Cachoeira em direção a Manaus. A partir dessa experiência, fizemos um roteiro e partimos para as gravações. Alguns personagens já haviam sido escolhidos, mas outros foram surgindo pelo caminho. Minha participação durou duas semanas, mas a equipe ainda permaneceu na região por uns dez dias, para as tomadas aéreas e colhendo outras imagens.

“Queria mostrar que aquele lugar existe, também é Brasil. As pessoas muitas vezes pensam que a floresta amazônica é um tapete verde, mas não é algo uniforme”

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O que há de peculiar nessa região do Brasil? Primeiro, queria mostrar que aquele lugar existe, também é Brasil. As pessoas muitas vezes pensam que a floresta amazônica é um tapete verde, mas não é algo uniforme. Você vê a biodiversidade ali. Há regiões alagadas, regiões de campinas, que até parecem o cerrado. Outro ponto que a gente esquece é que a floresta é habitada. A região do rio Negro mantém uma das áreas mais preservadas da floresta, a população ainda vive do extrativismo, do consumo de frutas locais e da plantação da mandioca, segundo as mesmas técnicas indígenas. Isso preservou a floresta. Mas, por outro lado, se você não oferece uma opção de sobrevivência, eles vão vender madeira mesmo. Eles enfrentam dificuldades: na época da cheia, é complicado encontrar peixes; na seca, os rios baixam tanto que é comum ver as mulheres percorrerem um longo trecho para buscar água. É uma dura condição de vida.

“Na TV, o que mais me atrai é pegar uma linguagem científica, que é hermética, e torná-la popular, sem perder a precisão do pensamento científico”

outro lado, também integra o País. Passamos a conhecer essas realidades a partir do que vemos na TV. Como e por que decidiu realizar projetos na televisão sobre assuntos da área médica? Não foi uma decisão premeditada. Em 1999, a Rede Globo comprou uma série sobre o corpo humano, da BBC, que era apresentada por um médico. Eles me procuraram para fazer a versão nacional, para o programa Fantástico. Eu tinha certa aversão, mas achei lindas as imagens e resolvi aceitar. Fiz o projeto e tivemos um bom retorno de audiência. Percebi o interesse das pessoas por assuntos médicos e, ao mesmo tempo, ficava preocupado com a falta de informações sobre temas da área. Passado um ano, achei que valia a pena fazer uma série sobre primeiros socorros, para alertar as pessoas a não cometerem erros que possam agravar um quadro, coisas como colocar pasta de dente numa queimadura, por exemplo. Na TV, o que mais me atrai é pegar uma linguagem científica, que é hermética, e torná-la popular, sem perder a precisão do pensamento científico. Esse projeto também deu certo e, a partir daí, senti que tinha uma missão de me comunicar com as pessoas.

Qual a importância das lendas na formação cultural do povo ribeirinho? Existe uma coisa interessante sobre esse mundo fantástico. A própria literatura tem exemplos disso. Lembro de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Marquez. Mas são todas referências europeias. O que acho mais impressionante do realismo fantástico das lendas amazônicas é que a realidade é tão surreal quanto a própria fantasia. Certa vez, um índio me contou uma história sobre a aparição de um curupira para o pai dele, na mata. Depois, ele disse que o pai havia morrido ao tentar defender seu cachorro de um ataque de uma onça. O que é mais surreal: a história do curupira ou um sujeito se atracando com uma onça?

Foto: Divulgação

O que o atrai nas relações humanas que motiva suas escolhas de trabalho para além de suas atribuições como médico? Para mim é um impulso natural. Sempre me interesso muito pelos outros. E quanto mais distante da minha realidade, mais eu me interesso. A gente normalmente tem dificuldade de entender o que é muito diferente. E eu também tenho. Mas ao mesmo tempo isso me atrai. Se não for assim, acho que a vida fica muito pobre, porque nos mantém numa zona que nos é confortável. Aquelas pessoas se abriram comigo, contaram detalhes de sua vida cotidiana. Mas sabe de uma coisa curiosa? Nenhuma delas me fez uma única pergunta! Por alguma razão, elas não se interessam em saber sobre nossa realidade. Estão fechados naquele mundo, alheios, é um universo pessoal. Na sua opinião, de que forma a televisão contribui para aproximar as pessoas num País com as dimensões do Brasil? A televisão tem papel importantíssimo, o qual já vem desempenhando há bastante tempo, inclusive. Tem uma importância educativa, porque temos uma população que não lê e que tem acesso à informação pela televisão, pelas imagens. Claro que tem um lado ruim também, porque a TV massifica um pouco. Mas, por

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artigo

Vinte e dois e uma bola - Para nada – respondi. - E tem alguma explicação? - Para mim, nenhuma – respondi ao morcego. - E não tem nenhuma outra importância, pequena que seja? – Oto já estava um tanto preocupado. - Tanto quanto esta nossa conversa – arrematei. - Mas para quê viver assim, sem utilidade, sem sentido, sem serventia? – perguntou Oto, acho que pensando lá no seu primo. - É porque, quando se tira toda a utilidade de alguma coisa que a gente faz, e mesmo assim o gosto pela coisa continua, é porque vale a pena. Fazer por fazer é o mesmo que viver por viver – respondi. - Mas, então isso é bom, faz bem, tem um sentido – concluiu o quiróptero. - Se você quiser entender assim, que seja. - Então perder tempo faz bem, Bernardo? - O tempo que a gente tem é para ser perdido. Correr atrás de uma bola é uma boa maneira de fazer isso. A vida costuma ser melhor nesses momentos que naqueles em que fazemos coisas chamadas úteis. Às vezes basta viver, e isso pode ser feito correndo atrás de uma bola ou conversando com você. - Você está me dizendo então que trabalhar é ruim? – perguntou o morcego com certo tom moralista na voz. - Não dá para não trabalhar, senão a vida se acaba, não se sustenta. O trabalho equilibra esse perder tempo, que é o outro nome do jogo. Não se pode jogar indefinidamente, sem limites. Mas se a gente puder trabalhar e jogar ao mesmo tempo, melhor, não é? – acrescentei. - Como se faz isso? - Gostando muito do trabalho que a gente faz – respondi, tentando encerrar o assunto. Era tarde. Oto distraiu-se e não saiu para caçar. Preferiu ficar comigo naquela conversa. A noite ia alta. Os meteoritos se travestiam de estrelas, fragmentando-se contra a atmosfera, riscando de luzes a noite escura. As estrelas piscavam chamando a atenção. Tudo funcionava sem muito sentido e em harmonia. Não era preciso pensar para entender tudo aquilo. No céu, vinte e duas estrelinhas corriam atrás de um cometa.

Não nasci Bernardo. Adotei-o como alcunha por soar bem com eremita, desde que compartilho o fundo desta caverna com um minúsculo mamífero que me serve de conselheiro espiritual e morcego correio. O quiróptero chama-se Oto, em homenagem a ninguém, apenas porque o nome me lembrou um morcego, ou porque o morcego me lembrou um nome. É com Oto que converso horas e dias a fio, posto que não há viva alma por aqui. Se mantenho algumas ligações com o conturbado mundo do futebol, devo-o a Oto, meu minúsculo mensageiro: - Cansado, Oto? - Rapaz, a gente estava jogando fruitbol. Fazia um calor danado no fundo da caverna. Meu amigo de asas referia-se àquele joguinho que os morcegos aqui da caverna adoram jogar. Passam uma frutinha de boca em boca, tentando encaixá-la em um buraco na parede. - Deu briga, Bernardo. - Briga? Mas era só uma brincadeira. - Ah, como se vocês humanos também não brigassem em qualquer brincadeira. Pior, até se matam. A gente tem umas briguinhas, mas todo mundo continua amigo. Os morceguinhos ficavam eufóricos com o fruitbol. Jogavam horas seguidas e terminavam assim, esbaforidos, excitados. Terminado o jogo, Oto adorava me contar suas façanhas. Assisto a algumas partidas e nada do que ele conta é real. São fantasias, delírios, invenções de sua imaginação fértil, típicas daquele estado que costuma suceder o jogo. - Tenho um primo que acha o nosso jogo uma besteira, uma perda de tempo. Sempre fala que não conhece nada mais estúpido que vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola, ou vinte e dois morcegos, o que, para ele, dá na mesma – disse Oto. - Imagino então que ele tem algum outro jeito de perder tempo – falei. - Ele lê. Mas para ele isso não é perder tempo. – completou meu amigo – Diz que já voou até Coimbra, onde tem uma biblioteca muito frequentada por morcegos. - Perder tempo é bom – prossegui. – Quando o que fazemos não tem nenhum outro sentido que apenas viver, esse é o perder tempo que vale a pena. - E correr atrás de uma bola é desse tipo de perder tempo? - perguntou Oto. - É o que eu acho. - Isso que vocês fazem, de ficar como doidos correndo atrás de uma bola para lá e para cá, gritando, chutando a canela um do outro, comemorando, xingando, brigando, serve para quê? – tornou a perguntar o morcego?

João Batista Freire é graduado em Educação Física, com doutorado em Psicologia Educacional pela USP. Ministra cursos e escreve livros, artigos e crônicas sobre esporte e educação.

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Festejos de junho

Filme Estômago. Foto: Divulgação

Festas populares tradicionais realizadas no mês de junho em diferentes regiões do Brasil são tema de quatro episódios da série Coleções. A cidade mineira de Conceição do Mato Dentro recebe, todos os anos, 85 mil romeiros do Brasil e do exterior para manifestar sua devoção a Bom Jesus de Matosinhos. A festa é uma herança portuguesa que chegou ao País em 1734, quando o escravo Antônio Angola encontrou uma imagem de Jesus crucificado e entregou-a ao seu senhor, que a reconheceu como sendo o Bom Jesus de Matosinhos, dando início às primeiras romarias. Dia 17/6, às 17h. Neste mês, também serão exibidos o Festival Folclórico Parintins, dia 3/6 ; Festa Junina, dia 10/6 ; e a Procissão Fluvial de São Pedro, dia 24/6 .

Filme De Cuento en Cuento - La Invitación. Foto: Divulgação

último Bloco

Audiovisual para crianças O SescTV exibe, neste mês, uma seleção de programas premiados na edição de 2013 do ComKids Prix Jeunesse Ibero-americano. O festival exibe e discute a produção audiovisual para crianças e adolescentes no continente. Compõem a programação do canal: La Luna em El Jardín (2012) e De Cuento en Cuento – La Invitación (2012), dia 5/6; El Mundo Animal (2013) e Migrópolis (2012), dia 12/6; Leve-me Pra Sair (2013), dia 19/6; e Pedro & Bianca: Entre Nascer e Morrer a Gente Cresce (2012), dia 26/6.

SescTV participa de evento sobre narrativas audiovisuais Comida em Cena O universo gastronômico é tema de episódio inédito da série Contraplano, que o SescTV exibe neste mês. O filósofo Celso Favaretto e o poeta Geraldo Carneiro debatem a poética da alimentação por meio de quatro filmes. Como Água para Chocolate (1992) traz a comida como objeto de conquista. O Estômago (2007), dirigido por Marcos Jorge, aborda uma conjugação entre sexo e comida. O programa debate ainda os filmes O Mineiro e o Queijo (2010) e Maus Hábitos (2007). Dia 27/6, às 22h.

O SescTV acompanhou, no mês passado, um laboratório para a escrita de cinco séries de televisão organizado pelo Centro de Narrativas Audiovisuais do Instituto Dragão do Mar - Centro de Arte e Cultura, em Fortaleza (CE). A diretora de programação do canal, Regina Gambini, foi uma das convidadas para a banca de avaliação dos projetos criados durante o laboratório, com consultorias de Daniela Capelato, Karin Aïnouz, Marcelo Gomes e Sérgio Machado. Além da apresentação dos projetos, o evento incluiu um debate com o tema O Papel das séries no Audiovisual Brasileiro. O evento celebrou 15 anos do Instituto Dragão do Mar.

Para sintonizar o SescTV: Se você ainda não é assinante, consulte sua operadora. O canal é distribuído gratuitamente. Assista também em sesctv.org.br/aovivo.

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A revista SescTv é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Coordenação Geral: Ivan Giannini sescsp.org.br Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães Redação: Adriana Reis e Mariana Souza Editoração: Marcos Pereira Moreira Revisão: Marcelo Almada

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Divulgação: Jô Santina, Jucimara Serra e Glauco Gotardi Envie sua opinião, crítica ou sugestão para atendimento@sesctv.sescsp.org.br Leia as edições anteriores em sesctv.org.br Av. Álvaro Ramos, 776. Tel.: (11) 2076-3550

Sincronize seu celular no QR Code e assista ao vídeo com os destaques da programação.


Romero Lubambo 20/7, domingo, às 21h

Foto: Divulgação

assista na sequência o Instrumental Sesc Brasil

Acompanhe o SescTV: sesctv.org.br


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