Foto: Cortesia de isaac julien e Victoria Miro Gallery, London
Oututbro/2012 - edição 67 sesctv.org.br
VIDEOBRASIL NA TV
ESPECIAL MUSICAL
O CINEASTA BRITÂNICO ISAAC JULIEN EXPÕE A RETROSPECTIVA DE SUA CARREIRA
A BRASILIDADE NO REPERTÓRIO DA CANTORA E COMPOSITORA CEUMAR 1
TEMPORAL PROGRAMA MOSTRA COMO O CULTO AOS PADRÕES ESTÉTICOS ATRAVESSA GERAÇÕES
Divulgação
Ofícios | Videopoemas sobre profissões, de ontem e de hoje. Direção Lucila Meirelles C ONFIRA A CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA NO SITE . youtube.com/sesctv
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Em Novembro
NOS INTERVALOS DA PROGRAMAÇÃO
DOSES DE REFLEXÃO
O audiovisual é uma linguagem que se renova não só pelo avanço de suportes tecnológicos, mas especialmente pela predisposição de seus desenvolvedores de fugir de padrões. Atento a essas possibilidades, o SescTV está exibindo neste mês a série Video-Conto, composta de histórias breves, de até três minutos, narradas em um formato idealizado pelo poeta, jornalista e produtor cultural Fabio Malavoglia. Essas fábulas juntam-se às Pílulas Poéticas – projeto dirigido em 2009 pelo mesmo Malavoglia –, em que atrizes e atores interpretam versos em peças de 30 segundos. Repensar a composição de sons e de imagens é também tarefa a que se propõem artistas como o britânico Isaac Julien, que desde a década de 1980 cria filmes para, ao mesmo tempo, provocar e encantar, como ele mesmo define. Julien desorienta os rumos tradicionais dos enquadramentos visuais e sonoros em busca de um efeito desafiador. O canal apresenta neste mês uma retrospectiva da obra do cineasta, complementando a exposição Isaac Julien: Geopoéticas, em cartaz no Sesc Pompeia, com curadoria de Solange Farkas. Em muitos de seus trabalhos, o artista mostra-se atento à recuperação do discurso de personagens do passado para compreender o que acontece nos dias atuais. O equilíbrio entre tradição e progresso orienta a temática do documentário Céu sem Eternidade, que vai ao ar no dia 19. O filme, dirigido por Eliane Caffé, examina o desalojamento de famílias quilombolas de um território étnico no Maranhão para dar lugar à instalação de uma base de lançamento de satélites pelo Projeto Espacial Brasileiro. Na entrevista desta edição da Revista do SescTV, Solange Farkas fala da televisão como plataforma de experimentação da linguagem. No artigo, Fabio Malavoglia conta como desenvolveu seus Vide-o-Contos. Boa leitura! Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo
CAPA: Obra: Cast No Shadow (Western Union Series no. 1), 2007, de Isaac Julien. Foto: Cortesia do artista e de Victoria Miro Gallery, London
destaques da programação - 4 entrevista - Solange Farkas 8 artigo - Fabio Malavoglia 10 3
DOCUMENTÁRIO
Foto: Divulgação
Observatório regional
Paralelamente ao apego aos costumes, os jovens da região escoram na tecnologia seus sonhos desenvolvimentistas. Um grupo deles utiliza câmeras digitais para realizar um programa de TV independente local sobre o projeto do governo. Alguns membros da comunidade verbalizam a consciência de que os avanços tecnológicos beneficiam a espécie humana como um todo – desde que os meios para obtê-los não atropelem os direitos de determinados grupos. Quando os produtores do programa de TV local adquirem um telescópio para filmar os quilombolas observando as estrelas, percebe-se que o fascínio pelo desconhecido – e pela chance de investigá-lo – é universal. “O que será que o foguete leva pro céu?”, indaga uma moradora, em outro trecho do documentário. A questão levantada por Caffé diz respeito ao que ele deixa para trás.
O ideal de exploração das cercanias do planeta confronta questões prementes bem mais próximas do chão, como mostra o documentário Céu sem Eternidade, que o SescTV exibe no dia 19. “No espaço tem muita aventurança para o caboclo olhar”, diz seu Dico, um dos removidos do território étnico de Alcântara (MA) para a instalação de uma unidade de lançamento de satélites. Tal operação, que se iniciou na década de 1980 e é parte do Projeto Espacial Brasileiro, já realocou 312 famílias das mais de 3.000 que ali residem. A proximidade da linha do Equador, que gera uma economia de 30% no combustível das naves, definiu a escolha do local para a base, que desde 2005 é gerenciada pela empresa de capital brasileiro e ucraniano Alcântara Cyclone Space. O que mais preocupa a população do lugar é o desalojamento físico implicar a sua destituição moral e cultural. Outro ponto envolve o contraste entre os investimentos na estrutura da base e a falta de alicerces essenciais na vida dos quilombolas. “Morando em condições precárias”, resume uma habitante enquanto mostra a primariedade da sustentação de sua casa, “seremos vizinhos de um projeto de alta tecnologia”. A necessidade de conservar as tradições sintoniza o discurso em várias passagens do filme, que se aprofunda nos hábitos dos nativos, no modo como conduzem o cotidiano entre a atividade produtiva da lavoura e as festas que cultivam seus símbolos ancestrais. Eliane Caffé dirige as personagens para que elas mesmas se entrevistem e debatam o problema.
Céu sem eternidade retrata QUILOMBOLAS AFETADOS POR UM PROJETO ESPACIAL BRASILEIRO
DOCUMENTÁRIO Direção: Eliane Caffé
Céu sem Eternidade Dia 19/10, às 20h
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Temporal
Artifícios da beleza Foto: Divulgação
minha idade sonha em ter uma barriga tanquinho, bundão, peitão. Minhas amigas não veem a hora de pôr silicone”, corrobora Alexia. Mesmo quando a sociedade busca novos caminhos para inserir o idoso em vários níveis de atividade, manterse jovem é, ainda assim, uma obsessão. Vera Barreto questiona até o discurso de que se vale essa inserção: “Envelhecer é muito chato. Esse negócio de dizer que é a melhor idade... A longevidade não é fácil, não”. O testemunho de profissionais que lidam com a estética reforça os aspectos psíquicos da perda inevitável da juventude. “A gente é psicólogo, psiquiatra, atendente, a gente é tudo aqui”, constata Leonor Boccia Tosta, 51, que trabalha em um salão de beleza. Situações em que a vaidade se submete a um processo mais complexo de aceitação, pessoal e social, também são tema do programa. As próteses capilares abriram novas perspectivas na vida de Tatiane Portopilo, que, aos sete anos, perdeu todo o cabelo natural e passou a sofrer “bullying” na escola. “Parei de estudar várias vezes”, lembra. No caso dos transexuais, hormônios e próteses de silicone configuram a possibilidade de moldar fisicamente um estado emocional profundo. “Eu não busco a felicidade nos conceitos dos outros. A felicidade está dentro de mim. Eu quis ter essa aparência; ousei”, afirma Thais de Azevedo. Neste mês, Temporal exibe também os episódios O Pinguim e as Orquídeas, que, no dia 5, fala de colecionadores de objetos, O Videogame do Vovô, no dia 12, e Mulher Bonita Não Paga, no dia 26.
“A beleza é fundamental. As feias que me desculpem, e os feios também”, diz Vera Barreto Leite, concordando com Vinicius de Moraes. A afirmação da ex-manequim, que nasceu em 1936, é bastante pertinente para entender a mensagem de A Prótese da Vaidade, episódio inédito da série Temporal que o SescTV exibe no dia 19. O programa apresenta as maneiras pelas quais diferentes gerações e grupos sociais lidam com a necessidade, ou a compulsão, de obedecer a padrões estéticos que acabam definindo, em maior ou menor grau, o comportamento e as atitudes dessas pessoas. “Eu não estou preparada para envelhecer”, entrega Fabiana Cristina Toledo. E admite o exagero de algumas práticas ao revelar que se submeteu a uma lipoescultura sem precisar: “Foi uma loucura da minha cabeça”. Não, porém, sem qualquer fundamento racional, uma vez que esse tipo de intervenção “melhora bastante a autoestima”, conclui. Em sua família, a imposição de rituais ligados à aparência estende-se às duas filhas, uma delas ainda criança – a “tão pequenininha” Nina, que “não sai sem um ativador de cachos”. “Com 12 anos, minha filha pediu de Natal um kit de maquiagem”, comenta a mãe a respeito da adolescente Alexia. “A meninada da fase dela tem um culto maior ao corpo.” “Toda menina da
COMO DIFERENTES GERAÇÕES LIDAM COM O ENVELHECIMENTO E O CULTO À APARÊNCIA
TEMPORAL Direção: Kiko Goifman e Olívia Brenga Sextas-feiras, às 22h
O Pinguim e as Orquídeas Dia 05/10
O Videogame do Vovô Dia 12/10
A Prótese da Vaidade Dia 19/10
Mulher Bonita Não Paga Dia 26/10
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VIDEOBRASIL NA TV
Obra: Ten Thousand Waves (2010), de Isaac Julien. Foto: Thorsten Henn. Cortesia de isaac julien e Victória Miro Gallery, London
Quebra da imagem
Filho de imigrantes, Isaac Julien nasceu em Londres em 1960. Ele conta que sua inspiração para fazer arte surgiu ao frequentar as ruas da vizinhança em que cresceu, na parte oeste da cidade, onde viviam muitos artistas. Aos 20 anos, decidiu que queria fazer filmes, atividade para a qual contribuiu sua iniciação em escultura e fotografia, realizada entre 1980 e 1984 no aprendizado formal das escolas de arte. O ano de sua graduação, diz, coincidiu com uma fase de efervescência cultural na capital inglesa. A temática do cineasta abrange questões ligadas à homossexualidade do negro, abordadas especialmente em Looking for Langstone, de 1989. No filme, a fotografia em preto e branco é utilizada “para expor determinados aspectos do desejo”, revela no depoimento exclusivo que integra Passagens: Caixa Preta – Cubo Branco, primeiro episódio da produção Videobrasil na TV, que será mostrado no dia 22 pelo SescTV. O programa apresenta também trechos de seus trabalhos em audiovisual. O artista afirma que tinha a intenção de repensar o vocabulário do cinema britânico no final dos anos 1980. A poesia despontava então como um componente lírico ao ser associada à constituição das imagens. Na década de 1990, sua filmografia destacou o teor mais documental de Frantz Fanon (1996), retrato do pensador antilhano. “Não separo documentário e ficção em categorias”, ressalva. “Ambos são construções.” Sua atração por biografias relaciona-se à necessidade de contextualização histórica para o entendimento de fatos atuais. “Muitos pensam o presente separando-o do passado, mas o presente é assombrado pelo passado”, constata. Essa ressurreição de conceitos é marcante em Derek (2008), sobre o legado do cineasta britânico Derek Jarman, que “estabeleceu parâmetros para desafiar o status quo”. Questionar formas de racionalidade é justamente
o que pretende Julien. Seus recursos para a quebra de regras envolvem a desconstrução dos padrões de arranjo de som e imagem, distribuindo-a, por exemplo, em múltiplas telas, e a busca de cenários geográficos variados, para elaborar o que chama de “biografia do mundo”. Ten Thousand Waves (2010), desenvolvido na China, é um capítulo dessa história. A obra de Julien ganha uma retrospectiva na exposição Geopolíticas, realizada no Sesc Pompeia e parte do Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc Videobrasil, com direção e curadoria geral de Solange Farkas. O SescTV projetase como uma das plataformas de mídia do festival e veicula também o segundo episódio, de sete, de Videobrasil na TV – Territórios e Identidades, que vai ao ar no dia 29 e reúne dois filmes de Isaac Julien: Who Killed Colin Roach? (1983) e Territories (1984).
ARTISTA BRITÂNICO ISAAC JULIEN REVÊ SUA TRAJETÓRIA DE DESCONSTRUÇÃO DE PADRÕES AUDIOVISUAIS
VIDEOBRASIL NA TV Isaac Julien
Direção: Marco del Fiol e Jasmin Pinho Curadoria: Solange Farkas Segundas, às 23h
Passagens: Caixa Preta – Cubo Branco Dia 22/10
Territórios e Identidades Who Killed Colin Roach? (1983) Territories (1984) Dia 29/10
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especial musical
foto: m. ediberto
Cozinha de casa
A musicalidade na vida da cantora e compositora Ceumar é uma herança de família. “Meu pai já era cantor, minha mãe cantava lindamente, afinadíssima”, lembra. “Meu avô por parte de mãe era regente de orquestra. Minhas tias tocam, cada uma um instrumento. Cresci na música, e não era uma coisa assim, ‘vamos fazer música’. Não. A gente estava à mesa ainda, comendo, meu pai pegava o violão e a gente já ficava por ali mesmo. Nunca houve uma preparação muito grande, sempre foi uma continuidade da vida cotidiana.” Não foi só no Brasil que esse aprendizado rotineiro alcançou novos patamares – sua carreira estabeleceu raízes na Holanda, onde ela se apresenta com frequência. Mas é em seu país de origem que a artista diz encontrar as bases mais importantes para o seu trabalho. “Apesar de gostar de música do mundo inteiro, eu sempre volto para minha pesquisa de música folclórica, de música de viola, de música do nordeste, os ritmos.” Essa brasilidade sem fronteiras evidencia-se na escolha de um repertório que inclui composições de nomes como Itamar Assumpção, Zeca Baleiro e Chico César. Entre as influências que carrega ao longo da trajetória, Ceumar cita Milton Nascimento e o Clube da Esquina, além da cantora Joyce, que a inspirou também como violonista. “Eu sempre tive esta certeza: de que eu queria tocar, não queria ficar só cantando.” No espetáculo gravado no Sesc Belenzinho, na capital paulista, ela é acompanhada de Lelena Anhaia, no baixo e na voz, e de Priscila Brigante, na bateria,
na percussão e na voz. “Lelena é minha amiga há muito tempo, é muito fácil trabalhar com ela: a gente fala a mesma língua – ela me entende”, considera. No programa, ao serem entrevistadas, a baixista e a baterista também destacam a afinidade musical que caracteriza o grupo. “É uma troca, tudo muito vivo”, diz Priscila. “A Ceumar é muito presente, ela sente muito bem o que está acontecendo ao redor, e isso pra mim é muito importante. Para que soe harmônico, harmonioso, a gente tem que estar conectada com todo mundo, com tudo o que as pessoas estão sentindo, estão querendo.” No palco, Ceumar parece estar em casa, rindo, divertindo-se como nos momentos da infância em família. “Essa liberdade que a gente tem, por não estar fazendo música comercial, não estar na grande mídia, nos permite rechear isso tudo de amor e coração. A gente não tem muito mais expectativa do que isso, a gente quer que as pessoas saiam acreditando na vida e na poesia que ainda há no mundo”, arremata.
CEUMAR LEVA AO PALCO A MUSICALIDADE BEM BRASILEIRA QUE CARREGA DESDE A INFÂNCIA
ESPECIAL MUSICAL Direção para TV: Antonio Carlos Rebesco
Ceumar Dia 31/10, às 22h
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entrevista
Foto: Camila Butcher
Plataformas de linguagem
Curadora da exposição Isaac Julien: Geopoéticas,
Como o documentário se insere na produção audiovisual contemporânea? Ele tem uma presença significativa na arte contemporânea. Isso muito diz respeito à necessidade de entendimento da sociedade, de olhar para o outro e trazer questões ligadas a grandes temas da contemporaneidade. É uma tendência não apenas no audiovisual, mas também em outras manifestações artísticas, como a fotografia e a pintura. O audiovisual é um suporte mais adequado, mais ágil para capturar essas questões. No caso específico dos documentários do [artista britânico] Isaac Julien, existe um maior rigor formal, uma fotografia e uma dramaturgia muito pensadas. Eles se desdobram pelo espaço em instalações, gerando um composto de trabalhos que dialogam entre si, uma multiplicidade de visões e de abordagens a partir da qual se constrói uma narrativa – e não apenas texturas e sensações. As obras do Isaac têm uma acentuada visão política e histórica, tratam da questão da sexualidade com um viés pós-colonialista. Nos sete filmes que vamos mostrar no SescTV estão as principais questões que norteiam a sua produção, como o diálogo com o espaço expositivo. Isaac Julien diz que não separa o documentário da ficção, uma vez que ambos são construções. Esse parecer é consequência da linguagem que adotou? O documentário sempre parte do ponto de vista de alguém. Traz
que faz, no Sesc Pompeia, em São Paulo, uma retrospectiva da produção audiovisual do artista britânico. A exposiçãoo também tem a televisão como plataforma de exibição.
“A PRODUÇÃO ARTÍSTICA ESTÁ MUITO MAIS INTEGRADA COM A POLÍTICA, A ECONOMIA, A FILOSOFIA. OS ARTISTAS NÃO ESTÃO MAIS FECHADOS NO ESCURO, OBSERVANDO A PAISAGEM”.
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o olhar e a compreensão não só de quem dirige, mas na forma pela qual o espectador absorve a informação através da interpretação. Há modos de ver distintos, particulares, que afetam a obra. A compreensão desse aspecto é uma das virtudes do cinema contemporâneo, que não tem a prepotência de achar que existe uma verdade única. É um cinema muito mais generoso, muito mais aberto, que permite várias leituras. Esse tipo de produção documental é facilitado pela democratização dos meios para fazer obras audiovisuais, caso de câmeras e softwares mais acessíveis? É claro que isso tem sua importância. Há a questão do instante, de conseguir capturar mais facilmente determinadas situações, em que a presença da câmera [mais compacta] não inibe tanto. Mas não quer dizer que todo o mundo possa fazer uma produção. Para o artista desenvolver uma produção conceitualmente consistente, é necessário um olhar poético, uma visão resolvida, e, para tanto, conta o rigor técnico que vem de equipamentos mais sofisticados. Isaac Julien, por exemplo, traz todo o aprendizado do cinema clássico em sua excelência na qualidade da imagem. Ele carrega uma maturidade que também funciona em equipamentos pequenos de menor compromisso formal. A grande vantagem dessas novas tecnologias é permitir que em seu cotidiano as pessoas exercitem naturalmente a intimidade com a produção de imagens. O grande benefício é poder aprender com menos recursos, sem depender de grandes aparatos. Com suportes acessíveis, há muito mais possibilidades de erros e acertos. E, à medida que se experimenta mais, cresce a capacidade de extrapolar os padrões e quebrar paradigmas da imagem e da linguagem documental. A inovação da linguagem audiovisual empreendida por Isaac Julien também se deve a sua formação em artes plásticas? Ele é um artista híbrido, por isso é tão excepcional. Tem domínio formal e técnico ao fazer a integração entre linguagens. A grande diferença e a grande novidade nas artes é essa quebra das barreiras, das fronteiras entre linguagens, que caracteriza a produção contemporânea. Isso nos liberta da escravidão, das caixinhas que aprendemos ao longo da história da arte, em que cada disciplina tinha suas regras e não havia lugar entre elas. A cena de arte contemporânea tem ocupado lugar de destaque nas discussões mundiais, o que diz respeito a um momento importantíssimo de quebra de gavetas, de trânsito entre linguagens. Várias disciplinas passam a dialogar em termos não só de técnica, mas também de conteúdo. A produção artística está muito mais integrada com a política, a economia, a filosofia. Os artistas não estão mais fechados no escuro, observando a paisagem. O
“O documentário sempre parte do ponto de vista de alguém. Traz o olhar e a compreensão não só de quem dirige, mas na forma com que o espectador absorve a informação através da interpretação.”
que dizem está muito mais relacionado ao real. E o público, está preparado para esse rompimento de fronteiras? Na minha experiência como curadora de arte contemporânea com trânsito entre audiovisual e artes plásticas, a reação do público é surpreendente. A fruição é perfeita; percebo um interesse muito maior do que antes. Nós temos uma capacidade cognitiva não só para ler linearmente, mas para compreender randomicamente. Quando se tem um estranhamento, e não se consegue a comunicação, a reação é de rejeição.Que papel a televisão pode ocupar entre as plataformas que sustentam essa arte mais integrada? A TV no mundo teve historicamente um papel importante em relação ao cinema experimental. Na Europa, foi estimuladora da videoarte – o Canal + [francês] é um bom exemplo disso. No Brasil, a estrutura é diferente. Aqui houve compromissos históricos ligados ao modo de concessão na ditadura militar, que não permitiram que a TV olhasse para essa questão da complementação da linguagem artística. Essa história mudou com as TVs segmentadas, por assinatura, mas isso se deu tardiamente, não o suficiente para fazer com que a televisão tenha a clareza da responsabilidade de ser um espaço de experimentação da linguagem. Alguns canais abrem em suas grades espaço para uma produção independente que discute o formato da televisão dentro da própria televisão. A exposição Isaac Julien: Geopoéticas foi construída em duas plataformas, o Sesc Pompeia e o SescTV. Como ampliar a atuação da TV na condição de veículo de experiências de linguagem? O país tem caminhado aceleradamente em sua ascensão econômica, mas, na área de cultura, há um retardamento, como se estivéssemos com os dois pés plantados no chamado Terceiro Mundo. São necessárias políticas mais abertas que contemplem a produção contemporânea, que incentivem laboratórios de pesquisa de novos formatos. O que está por trás de uma aparente simplicidade são aparatos tecnológicos muito sofisticados – e caros. Há, especificamente para isso, toda uma estrutura de sincronismo de imagem, com softwares desenvolvidos em laboratório, em parcerias com universidades.
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artigo
As fábulas falam a verdade do encantamento acreditam no Príncipe Valente. Despertado pela memória entusiasta dos contos breves – sábias piadas de sufis, certeiros koans orientais, lendas medievais, relatos de rabinos e até gostosos causos caipiras –, propus somar fábulas à receita das Pílulas Poéticas. O SescTV acolheu a ideia. Nascia a série Vide-o-Conto. Com a programação da emissora, defini locações (ou junto à natureza ou onde a arquitetura fosse arte), duração (de 3 minutos máximos) e padrão de fotografia (full HD). O Sesc me sugeriu o inspirado músico e compositor Cid Campos para a trilha sonora. A par dele, reuni uma equipe afiada. Credito aqui os méritos das jovens produtoras Fernanda Shidomi e Biancamaria Binazzi, da consultora de moda e jornalista Ivany Turíbio, da maquiadora Adriana Serrano, do diretor de fotografia Eduardo Duwe (que segundo boas línguas engoliu um fotômetro quando criança) e da editora e malabarista de imagens Guta Pacheco: um trabalho desses não se faz sozinho. Como curador, tratei de ampliar meu repertório, pesquisando contos de todas as épocas e povos do mundo. Burilei os textos, dirigi talentosos contadores. As performances de Isabel Teixeira, Cristiana Ceschi, Julia Grilo, Giba Pedrosa, Regina Machado, Paulo Federal, Simone Grande, Fernanda Viacava e Edi Fonseca foram memoráveis, e suas sugestões, preciosas. Tivemos resultados felizes. A série ecoa no Brasil a onda mundial de revalorização do story-telling, portador do tesouro da sabedoria ancestral. Também ressignifica o que, no “mercado”, é mero intervalo para infiltração de ordens consumistas na subconsciência sonada. Preferimos a interferência poética, o desafio à inteligência, a chama, o enigma. Acima de tudo, a série Vide-o-Conto pôs em circulação a misteriosa palavra das fábulas. É quase inacreditável que tenha ocorrido na televisão, em prol do ouro enterrado no País das Lendas. Pois, como diz um conto, só deixaram a verdade entrar no palácio dos califas vestida de fábula.
Numa velha lenda africana um homem sonha um tesouro distante. Movido por fé, viaja até o local sonhado. Lá encontra alguém que também teve um sonho curioso. Ao ouvir-lhe o relato, o primeiro sonhador descobre que o ouro estava no seu próprio quintal. Foi a contadora Cristiana Ceschi quem me narrou esse griot, versão de um conto que eu já conhecia com outros personagens, outras paisagens e sob outro nome: a História dos Dois que Sonharam, do Livro das 1001 Noites. Pois todas as histórias se aparentam. Formam um só e infinito cristal, de cores cambiantes, em eterno movimento. À medida que gira, exibe suas faces e encanta homens e mulheres, crianças e velhos, sábios e tolos. Sou um dos caídos sob o feitiço, desde menino, nas fábulas de 1001 Noites que, claro, nunca li até o fim. Pois não há fim. Um conto segue outro no caleidoscópio incessante de onde, certo dia, veio um presente: a memória de muitos contos breves – e brilhantes! Diminutas jóias da sabedoria – e mágicas! Foi um presente porque veio quando eu buscava uma nova proposta para o SescTV com a chamada “literatura em formatos breves”. Convidado pelo canal, tinha, em 2009, curado e dirigido o projeto Pílulas Poéticas, série de 360 spots de 30 segundos cada, em que atores e atrizes davam voz e corpo a versos de grandes poetas da nossa língua e às obras de alguns tradutores. Em 2011, prestes a iniciar as gravações da segunda temporada, queria ir além da repetição do projeto. E, como no conto do sonhador, o tesouro estava no meu quintal – no repertório de histórias, fábulas, mitos, lendas, causos e cirandas que, sem querer, armazenei por 40 anos. Além disso, tinha voltado a frequentar dois amigos de longa data – um exemplar das Histórias do Mulá Nasrudin e outro dos Contos dos Dervixes, de Idries Shah. Nesses mergulhos, intuí sentidos submersos nas palavras. Nas graças de Nasrudin, que procura a chave não onde a perdeu, mas onde há mais luz, ou nas sutilezas do monge que dá sempre a mesma resposta a qualquer pergunta, entrevi bem mais que mera fantasia. O pintor, poeta e hermeneuta francês Louis Cattiaux escreveu: “a verdade se oculta sob o véu das fábulas e parábolas”. E a lenda da princesa que, por uma antiga maldição, adormece com todo seu reino, pouco tem de “imaginária”. Os que querem acordar
Fabio Malavoglia é jornalista, locutor, produtor cultural, storyteller e poeta 10
A INTERVALOS REGULARES
FOto: pablo saborido
O canal está exibindo a série Vide-o-Conto, que, a exemplo do projeto Pílulas Poéticas, insere nos intervalos entre os programas a interpretação de obras literárias escolhidas e formatadas pelo poeta, jornalista e produtor cultural Fabio Malavoglia. Desta vez, as peças são fábulas narradas em até três minutos por Isabel Teixeira, Cristiana Ceschi, Julia Grilo, Paulo Federal e Edi Fonseca, entre outros. A trilha sonora é de Cid Campos.
Foto: divulgação
último Bloco
TEATRO E CIRCUNSTÂNCIA NO MIRADA
Foto:
A programação do SescTV esteve presente no Mirada – Festival IberoAmericano de Artes de Santos, realizado entre 5 e 15 de setembro pelo Sesc São Paulo com o apoio da Prefeitura de Santos e do Conselho Nacional para a Cultura e as Artes do México (Conaculta). No evento, foram apresentados sete episódios da série Teatro e Circunstância, que revisita a produção dramática contemporânea do Brasil em suas diversas regiões. No dia 9, Amilcar M. Claro, diretor, e Sebastião Milaré, roteirista da série, participaram de um debate.
VAIVÉNS
TAMBORES AFRICANOS A miscigenação de ritmos brasileiros, africanos e latinos, temperada com ingredientes do jazz e do reggae, caracteriza a sonoridade dançante do grupo paulista Bixiga 70, que contabiliza dez integrantes. O show da banda, gravado no SESC Consolação, na capital paulista, e um dos destaques inéditos da série Instrumental Sesc Brasil, vai ao ar no dia 22. Sidnei de Oliveira, no dia 1; Marlene Souza Lima, no dia 8; Leo Gandelman, no dia 15; e Debora Gurgel, no dia 29, completam o elenco das estreias do mês. Segundas, às 22h (livre).
Diferentes perspectivas ligadas ao meio de transporte ferroviário compõem a temática dos filmes de Nos Trilhos, episódio inédito da série CurtaDoc que será exibido no dia 23 (livre). Em Locomotiva, de Jason Santa Rosa, Rafael Santos e Mateus Moreira, a dinâmica social nos Estados de São Paulo e Minas Gerais é discutida a partir da importância histórica dos trens. Eu, Trilho, de Patrícia Francisco, mostra conversas entre mulheres anônimas nos vagões da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. Os curtas são comentados por Rodolfo Ikeda, diretor do MIS (Museu da Imagem e do Som). No dia 30, o programa destaca Festeiros (livre), com dois filmes sobre rituais de celebração religiosa. Alforria da Percepção, de Cássio Gussan, trata do culto a Nossa Senhora do Rosário, e Divino Maravilhoso, de Ricardo Colaça, ressalta a tradição da festa do Divino. Ambos são analisados pelo cineasta Januário Guedes. Neste mês, CurtaDoc apresenta ainda Deslocamento, no dia 2 (12 anos); Em Nome da Terra, no dia 9 (12 anos); e Singulares, no dia 16 (10 anos). A série é realizada pela produtora Contraponto e dirigida por Kátia Klock. Terças, às 21h.
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Cena extraída do filme Macunaíma, 1969, direção de Joaquim Pedro de Andrade
Ser Negro no Brasil o que é? Ciclo de Cinema
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