Abril/2014 - edição 85 sesctv.org.br
CurtaDoc
A produção latino-americana de documentários
Logos-Diálogos
Coreografias inéditas para as Suítes de Bach
Música
O estilo visceral de Angela Ro Ro e Lirinha
em maio
programação inspirada em
Clarice Lispector
Foto: Divulgação
curta-metragem documentário entrevista
sesctv.org.br
Para se ver na tela
A linguagem audiovisual aproxima as pessoas, à medida que expõe e evidencia traços em comum, valores, crenças, discursos e subjetividades. Nesse sentido, o cinema dialoga com a identidade cultural, reflete e constrói realidades. A atual produção de documentários latino-americanos e sua circulação cada vez maior entre os países, em mostras e festivais, revela que as semelhanças vão muito além de sua posição geográfica, as características de seu clima ou sua história de colonização. A partir deste mês, o SescTV apresenta um panorama da produção de documentários na América Latina, com a estreia de episódios inéditos da série CurtaDoc. Os programas trazem uma seleção de filmes, em curta-metragem, realizados em diferentes países latino-americanos, organizados tematicamente e comentados por um convidado. Diálogo também é proposto na música, com o projeto Logos-Diálogos, um conjunto de seis espetáculos apresentados no teatro do Sesc Vila Mariana, que agora ganha uma versão para TV, em três programas. Coreógrafos renomados fazem uma interpretação inédita para as seis Suítes de Johann Sebastian Bach, estabelecendo uma relação entre o antigo e o novo, a música e a dança. Na faixa musical, destaque para o show de Angela Ro Ro e Lirinha. Na série Faixa Curtas, dois filmes restaurados do diretor Humberto Mauro, inspirados em textos literários: Um Apólogo: Machado de Assis e Meus Oito Anos (baseado no poema de Casimiro de Abreu). A Revista do SescTV deste mês entrevista o diretor de TV Antonio Carlos Rebesco, diretor de Dança Contemporânea, série que integra o acervo audiovisual do Sesc, com o registro de espetáculos que desenham a história dessa arte no Brasil. O artigo do historiador e professor de História do Cinema Flávio de Souza Brito aborda as contribuições de Humberto Mauro para o cinema brasileiro. Boa leitura!
Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo
CAPA: Filme Rio de Mulheres, de Cristina Maure e Joana Oliveira, na nova temporada do CurtaDoc. Foto: Divulgação
destaques da programação 4 entrevista - Antonio Carlos Rebesco 8 artigo - Flavio de Souza Brito 10 3
CurtaDoc
Para se ver no outro Filme Fez a Barba e o Choro, de Tatiana Nequete. Foto: Divulgação
ela, o ganho com esse intercâmbio vale o esforço. “Quanto mais aprendemos, mais nos damos conta de tudo o que temos em comum. E essa relação deve ser recíproca”, diz. Outra forma de aproximação entre os países ocorre por meio de mostras e festivais de cinema, que apresentam a produção atual e promovem o debate entre os realizadores. “Ter mostras latino-americanas no Brasil é de extrema relevância, porque nós sempre estamos de costas para os outros países da América Latina. Todos os movimentos para enxergarmos realidades tão parecidas com as nossas são muito importantes”, defende a professora de cinema Andrea Scansani. Neste mês, o SescTV estreia novos episódios da série CurtaDoc com o recorte latino-americano. Cada episódio, com uma hora de duração, apresenta documentários de curta-metragem de países como Argentina, Cuba, Uruguai e Brasil, organizados tematicamente e comentados por um profissional da área. Luta no Campo, programa que abre essa nova fase da série, traz os filmes Toda esta Sangre em el Monte (Argentina, 2012), com direção de Martín Céspedes, e Trombas e Formoso: Memórias de uma Luta (Brasil, 2010), direção de Gabriela Marques Gonçalves. Os dois curtas tratam da questão do conflito pela ocupação de terras na área rural. “Não é apenas a questão específica do campo ou da luta pelo campo, mas tem muito a ver com uma visão política e social”, afirma o crítico de cinema uruguaio Amílcar Nochetti, que comenta as obras no episódio. Ainda neste mês, o canal exibe o inédito Errantes. Direção de Kátia Klock.
Um processo histórico parecido de colonização e independência; uma população miscigenada, cuja identidade é a mistura de múltiplas referências, como as europeias, africanas e indígenas; um território de conflitos e de lutas contra a desigualdade. Há muitos traços comuns aos 18 países que compõem a América Latina, dentre as quais, a diversidade que caracteriza sua cultura. São valores, costumes, modos de pensar, agir e falar que aproximam essas nações e que são captadas pela lente do cinema. “A gente tem uma história em comum, partilha coisas. E o cinema, como as outras artes, é um reflexo do que a gente tem em comum na vida. Por isso, é natural que se trabalhe essa herança”, afirma o crítico de cinema Eduardo Valente. Nem mesmo a diferença de línguas faladas nesse território é vista como um impedimento para que os filmes circulem e façam sentido entre os vários países. “É verdade que o idioma, às vezes, pode ser uma barreira. Acho que cada vez menos. É cada vez mais fácil dublar, legendar e traduzir todas essas coisas”, acredita a produtora uruguaia Patrícia Bueno. Para
Série estreia episódios com a produção latino-americana de documentários em curta-metragem
CurtaDoc Latino-Americano Terças-feiras, 21h
Luta no Campo Dia 22/4
Errantes Dia 29/4
4
Dança
Movimento primordial Logos-Diálogos, espetáculo Suíte I, com J.Gar.Cia. Foto: Alex Ribeiro
TV, em três partes, que o SescTV exibe neste mês. “São vários os diálogos que o espetáculo propõe: o diálogo do antigo com o contemporâneo; do barroco com essa minha visão histórica da música e as criações contemporâneas”, afirma Goudaroulis, que assina a concepção e a direção artística do projeto. “E há também o diálogo poético entre o som e o movimento, entre a música e a dança”. O título do projeto, Logos-Diálogos, remete à ideia da arte primordial, da manifestação de origem. “Diálogos, em português, é autoexplicativo. Logos é uma palavra que no grego antigo já significava muita coisa: é o princípio, a primeira manifestação da criação, a lógica, a razão da existência do universo”, diz. Para desenvolver os espetáculos, os coreógrafos buscaram interpretar, em movimentos da dança, as intenções de cada Suíte, que intercalam momentos de brilho e eloquência com passagens mais escuras, de paixão e dor. “A primeira Suíte fala da criação do universo, dos homens, dos animais, e foi o que a gente desenvolveu. Como dramaturgia, colocamos o Dimos no centro do palco, como se fosse o criador do universo, e a música dele é que movimenta tudo que está acontecendo a sua volta. E eu sou a criatura, que vai interagindo com isso”, afirma o coreógrafo e dançarino Jorge Garcia. Para Luís Arrieta, que participa da Suíte II, a música lida com o aspecto do tempo e a dança, do espaço. “Então, é como se os dois juntos observassem o tempo e o espaço. Como ele se desenha juntamente”, diz. “Coreograficamente, é quase como um teorema. O tempo inteiro ele anda por espaços muito programados, assim como uma equação”. Direção para TV de Antônio Carlos Rebesco. Promover um encontro entre o antigo e o atual; entre a música erudita e a dança contemporânea; entre o público e artistas dispostos a novas interpretações de uma obra consagrada de Johann Sebastian Bach. Tudo surgiu de uma conversa entre o cientista político Luiz Felipe D’Avila e o violoncelista grego radicado no Brasil Dimos Goudaroulis, um estudioso da obra do compositor alemão: por que não criar um projeto de música e dança para as Suítes de Bach? Assim surgiu Logos-Diálogos, série de seis espetáculos que reúnem a interpretação solo do violoncelista Goudaroulis para as Suítes, com coreografias inéditas de bailarinos convidados: Jorge Garcia; Luís Arrieta; Henrique Rodovalho – Quasar Cia. de Dança; Tíndaro Silvano – Grupo Vórtice; Ismael Ivo; e Deborah Colker e convidados. Apresentados no teatro do Sesc Vila Mariana, os espetáculos ganharam uma versão para
Projeto cria coreografias inéditas para Suítes de Johann Sebastian Bach
Dança Contemporânea Logos-Diálogos Sextas-feiras, 21h
Parte I Dia 11/4
Parte II Dia 18/4
Parte III Dia 25/4
5
Faixa Curtas
Poeta do cinema Filme Meus Oito Anos, de Humberto Mauro. Foto: Divulgação
Machado de Assis foi restaurado pela Cinemateca Brasileira, do Ministério da Cultura, e será exibido neste mês pelo SescTV, na série Faixa Curtas. Vem também da literatura o argumento original para o curta-metragem Meus Oito Anos. O filme toma a poesia de Casimiro de Abreu como ponto de partida para recriar um ambiente saudosista e poético da infância num ambiente rural, em que um menino brincava com bolas de gude e banhos de cachoeira e comia pitangas e jabuticabas do pé. “Oh! que saudades que tenho/Da aurora da minha vida/Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais!”. O curta-metragem, de 1955, está no Faixa Curtas deste mês. Também serão apresentados os inéditos: O Sonho de Jonas / Ratoeira, dia 7/4; Cine Holiúdy / O Astista contra o Caba do Mal / Um Branco Súbito, dia 14/4; e, no dia 28/4, o premiado curta-metragem Eu não Quero Voltar Sozinho, direção de Daniel Ribeiro, que relata um triângulo amoroso entre dois rapazes e uma garota e aborda a questão da homossexualidade. Este curta originou o longa-metragem Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, com o mesmo diretor e elenco, que recebeu o prêmio de melhor filme na mostra Panorama no último Festival de Berlim, e que está em cartaz nos cinemas brasileiros. Faixa Curtas tem curadoria de Luís Carlos Soares.
Série exibe filmes restaurados do cineasta Humberto Mauro, baseados nas obras de Machado de Assis e Casimiro de Abreu
Humberto Mauro gostava de comparar o cinema a uma cachoeira. Para ele, ambos deviam ter dinamismo, beleza e continuidade eterna. Dizia-se um poeta do cinema e gostava de contar histórias, inspirando-se no cotidiano, nos dramas universais e na literatura. Foi um dos pioneiros do cinema brasileiro. Filho de imigrante italiano, nasceu em 1897, em Minas Gerais, e aos 26 anos, já vivendo no Rio de Janeiro, começou a se interessar por cinema. Ao longo de sua carreira, foi diretor, câmera, roteirista, fotógrafo, somando mais de 300 obras, de curta, média e longa-metragem, nos gêneros de ficção e documentário, abrindo portas para outros profissionais e inaugurando o cinema no País. Em 1939, no centenário do nascimento do escritor Machado de Assis, Mauro decidiu adaptar o conto Um Apólogo, sobre uma conversa entre uma agulha e um novelo de linha, para decidir qual das duas era a mais importante. A fábula, com fotografia de Manoel Ribeiro, é antecedida por um documentário que apresenta o escritor, com narração de Roquette-Pinto e imagens do Morro do Livramento e da Academia Brasileira de Letras da época. O filme Um Apólogo:
Faixa Curtas Segundas-feiras, 21h
O Sonho de Jonas / Ratoeira Dia 7/4
Cine Holiúdy / O Astista contra o Caba do Mal / Um Branco Súbito Dia 14/4
Um Apólogo: Machado de Assis / Meus Oito Anos Dia 21/4
Eu não Quero Voltar Sozinho / Doce e Salgado Dia 28/4
6
Música
alex ribeiro
Interpretação visceral
Foi aos 14 anos de idade que José Paes de Lira teve seu primeiro contato com a obra de Angela Maria Diniz Gonçalves, ou simplesmente, Angela Ro Ro. O menino, que buscava referências musicais para além do que ouvia em Arcoverde, sua cidade natal, no sertão pernambucano, ficou impressionado com a interpretação autêntica e visceral que ela dava para as canções de seu repertório. Anos mais tarde, à frente do grupo Cordel do Fogo Encantado, o menino crescido, agora chamado Lirinha, ficaria conhecido justamente por seu jeito próprio de cantar, recitar e se colocar no palco. Lirinha não esconde: “Suas músicas me influenciaram muito em composição e interpretação. Curti muita coisa de Angela que, para mim, foi uma aula de postura, de visão”, diz. “Eu a achava muito louca e isso me seduzia. Eu acho Angela ancestral e do futuro. Ela é rock ‘n roll, bolero, uma reunião de coisas que seriam antagônicas. É muito especial”. O trabalho de Lirinha à frente do Cordel despertou a atenção de Angela Ro Ro. “Quando ouvi o Lira, pensei: meu Deus do céu, ele está se expressando com a dor que eu sinto. Aquilo me provocou muita emoção”, lembra. “O Lira não é um cantor empostado, de estilo. É um cara que recita, que é dono da obra dele” Quando decidiu lançar seu primeiro trabalho solo, Lirinha compôs uma música para ser cantada por Angela: Valete. Fez a ela o convite de gravar a canção, receoso que não aceitasse, sem saber que ela já acompanhava sua trajetória, à distância. “Sabe quando você gosta de um artista, ouve o disco dele em casa,
você não parece que conhece essa pessoa? O Lirinha é assim. Ele não sabia que fazia parte do meu afetivo, do meu emocional, do meu artístico”, diz Angela. “Ele traz aquela coisa pop, rock, que as grandes metrópoles secas e urbanas acolheram. E ele vindo do Nordeste, onde a seca é só a da água, porque o nordestino é muito molhado de coração, de sentimento”. Em outubro de 2013, Angela Ro Ro e Lirinha dividiram o palco do Sesc Pompeia, em show gravado pelo SescTV, que será exibido neste mês. O programa traz trechos do show, entrevistas com os músicos e imagens dos ensaios e bastidores da apresentação, além do videoclipe da música Valete. No palco, acompanham os intérpretes: Neílton de Carvalho, na guitarra; Astronauta Pinguim, no piano, órgão e teremim; Igor Medeiros, no sintetizador; e Angelo Medrado, na bateria e percussão. Direção para TV de Daniela Cucchiarelli.
Angela Ro Ro e Lirinha dividem o palco e apresentam novas versões para canções de seu repertório
Música Angela Ro Ro e Lirinha Dia 30/4, 22h
7
entrevista
Adauto Perin
A dança reinventada
Antonio Carlos Rebesco “Pipoca” é produtor e diretor
Como espectador, qual sua lembrança mais remota sobre a televisão? Lembro muito bem da primeira vez que assisti à TV. Foi na casa da minha avó: ela tinha um aparelho e, como morávamos no mesmo prédio, eu ia até sua casa para ver. Tinha um tio, Mauro Marcelino, que trabalhava como iluminador na TV, então acompanhávamos a programação sempre com comentários de um olhar mais técnico a respeito do cenário, da luz, do posicionamento da câmera. Essa formação foi fundamental para minha escolha profissional. Naquela época, eu ajudava meu pai, que era dono de um armazém de secos e molhados, no centro da cidade, mas eu não gostava desse trabalho. Um dia, meu tio perguntou se eu gostaria de fazer um curso de operador de câmera, que estava sendo oferecido pela TV Bandeirantes, prestes a inaugurar seu canal. Claro que aceitei e esse curso me ajudou a conseguir o primeiro emprego em televisão, na Globo, onde fiquei por quase dois anos.
de TV. Começou a carreira como operador de câmera, na década de 1960, e trabalhou nos setores de produção, programação e direção em diversos canais, dentre os quais TV Globo, TV Cultura e RTP de Portugal. Especializou-se na direção de programas de música e dança, sendo o diretor da série Dança Contemporânea e do especial LogosDiálogos, exibidos pelo SescTV.
Como essa experiência com a câmera ajudou em sua formação para direção de TV? Como operador de câmera, tive oportunidade de trabalhar com grandes diretores. Eu vi de perto o trabalho de diretores que fizeram as primeiras décadas da televisão no Brasil. Peguei uma geração de profissionais que ainda vinha da TV ao vivo e fez a passagem para o videotape. Era uma geração que fazia um trabalho amador, no sentido de amar o que faz. Hoje, prevalecem os profissionais de formação mais técnica. Tra-
“Sempre penso que o programa não seja apenas para quem gosta de dança, mas para ampliar o número de interessados”
8
balhei como operador de câmera por quase dois anos e, depois, pedi para fazer um estágio de direção de TV. Posteriormente, tive a oportunidade de passar dois meses na França, onde amadureci meu olhar. Em 1969, fui convidado a participar do projeto da TV Cultura de São Paulo, que era uma TV modelo, pela qualidade dos equipamentos e pelo time que estava sendo formado. Havia um espaço para experimentar. Foi lá que comecei a fazer contatos com grandes maestros e com companhias de dança, como o Ballet Stagium, para propor projetos para televisão. É desse período o programa Corpo de Baile, por exemplo. Entre 1990 e 1997, trabalhei em Portugal, dirigindo séries de TV, mas sem perder o contato com o mercado brasileiro, para onde eu vinha esporadicamente dirigir, para a TV, shows de Milton Nascimento, Ivan Lins, dentre outros.
“A dança contemporânea incorpora outras linguagens, como o teatro, as performances, o circo. Às vezes, há diálogos, falas, e preciso captar tudo com qualidade”
Quais são os desafios para transpor outras linguagens artísticas, como a dança, para o audiovisual? A dança é uma expressão muito indicada para a câmera, tanto para cinema quanto para TV. Você tem a possibilidade tanto de um plano mais aberto, em 180 graus, até os detalhes, com angulações diferentes. Dependendo do espetáculo, coloco uma câmera no alto do palco, para captar o chão. A dança abre possibilidade para criar uma história. Claro que você tem de fazer algo casado com o coreógrafo, porque é ele o criador daquilo. O primeiro desafio é o corte. Procuro fazer este trabalho pensando, em primeiro lugar, em constituir um acervo, uma memória da dança. Depois, sempre penso que o programa não seja apenas para quem gosta de dança, mas para ampliar o número de interessados. Dessa forma, os espetáculos são antecedidos por um making of, que serve para que o coreógrafo, o diretor artístico e os bailarinos apresentem o projeto. Isso estimula a plateia. Porque, na dança contemporânea, há muito trabalho de pesquisa por trás dos espetáculos. Do ponto de vista técnico, como diretor, procuro fazer um registro mais clássico; nada de inovar na linguagem, desfocar a câmera. Sigo as regras que aprendi no cinema. E conto com uma equipe muito parceira, que trabalha comigo há anos e que já me conhece. Quando faço um corte, procuro respeitar a proposta do coreógrafo. Tenho um lema: seja humilde e seja ético.
terferir demais no trabalho artístico do iluminador. O mesmo ocorre com o operador de som. A dança contemporânea incorpora outras linguagens, como o teatro, as performances, o circo. Às vezes, há diálogos, falas, e preciso captar tudo com qualidade, porque isso constitui a base do espetáculo. Em algumas ocasiões, conto com interlocutores, como consultores de projetos de dança, que me ajudam nesse processo. E tudo é uma questão de respeito e confiança mútuos, somados à experiência que eu adquiri realizando esses registros. Lembro, por exemplo, quando o Luís Arrieta chegou ao Brasil, não permitia que eu interferisse em nada! Hoje, ele mesmo propõe mudanças, tornou-se um parceiro. Como foi realizar a direção para TV do projeto Logos-Diálogos? Para mim foi um presente. Foi um evento de qualidade internacional, reunindo renomados profissionais da dança, como o Luís Arrieta, a Deborah Colker e o Ismael Ivo, que é um amigo pessoal há mais de 30 anos. Apesar de ser um projeto pensado para o público presencial, desde o começo tivemos conversas com o Dimas Goudaroulis, diretor artístico, para realizar as gravações. Ele me entregou um CD com as Suítes do Bach e eu entrei nessa paixão. Do ponto de vista técnico, fizemos a captação do som e inserimos na pós-produção. Os seis espetáculos resultaram em três programas, de uma hora cada. Mergulhei naquilo. Acho que a base da nossa vida é amar o que a gente faz. Senão, melhor procurar outra coisa para fazer.
As versões exibidas na televisão passam por um processo de edição. Como é o processo de decisão sobre o que fica e o que sai do programa? A primeira questão é assistir previamente ao espetáculo. Costumo ir acompanhado do editor, fazemos o registro do espetáculo e o estudamos. Depois, como normalmente o espetáculo supera o tempo previsto para o programa de TV, converso com o coreógrafo. Normalmente, ele mesmo sabe onde posso enxugar. Algumas vezes, preciso dialogar com o iluminador do espetáculo, para ter um ganho de luz que favoreça a versão audiovisual. Mas faço isso buscando não in-
9
artigo
Humberto Mauro: uma trajetória pela memória do Brasil Sempre importante conhecer ou rever a obra de Humberto Mauro, criador de mais de 350 filmes. O cineasta nasceu em Cataguases, cidade singular da Zona da Mata mineira que, beneficiada pela riqueza do café, moderniza-se rapidamente no início do século 20, com uma vitalidade cultural que repercute em outras regiões do País. Após realizar três longas-metragens ficcionais (e já algumas experiências documentais), Humberto Mauro segue para o Rio de Janeiro, onde vivencia o início do cinema sonoro com passagens pela Cinédia, de Adhemar Gonzaga, e Vita Filmes, de Carmem Santos, principais expoentes do cinema brasileiro do período. Em 1936, é convidado por Edgar Roquette-Pinto para a fundação do INCE (Instituto Nacional do Cinema Educativo), do qual se torna diretor técnico. Interessante estratégia do governo getulista: enquanto coube ao DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) as atividades de censura e a produção dos filmes de propaganda, a área de Educação e Cultura, liderada pelo ministro Gustavo Capanema (cujo chefe de gabinete era o jovem poeta Carlos Drummond), foi deixada a cargo de quadros progressistas, tendo como colaboradores intelectuais do porte de Anísio Teixeira e Roquette-Pinto, e artistas modernistas como Villa Lobos ou Mario de Andrade, em São Paulo. Ao fim do Estado Novo, Humberto Mauro permanece à frente do INCE pelos governos sucessivos, até se aposentar em 1967. Diante da precariedade industrial do cinema nacional, o fato de ser funcionário público e produzir especialmente curtas e médias-metragens documentais lhe permitiu uma produção extensa e contínua que poucos cineastas brasileiros sonharam alcançar. Ainda que estivesse distante dos debates políticos associados ao Cinema Novo, foi uma referência fundamental para essa geração: de uma forma ampla, como o cineasta que dedicou sua obra a representar a cultura nacional; e de forma pontual, por exemplo, cedendo equipamentos para que jovens paraibanos (Linduarte Noronha e Vladimir Carvalho) realizassem Aruanda (1959), considerado um marco no Cinema Novo no campo documentarista. Nas últimas décadas, a partir do restauro de parte de sua obra, lançamentos em VHS, DVD e, mais recentemente, disponíveis online, seus filmes adquirem um alcance que dificilmente poderiam ter tido na época em que foram realizados. Tornaram-se objeto de reflexões por um grande número de pesquisadores, fato demonstrado pelo maior número de dissertações,
teses e livros sobre o autor, seguindo uma trilha (como tantas outras) aberta por Paulo Emilio Sales Gomes, com sua tese defendida em 1972. A extensa obra de Mauro acompanha um período de forte industrialização e profundas transformações na sociedade brasileira, quando boa parte da população migra do campo para as cidades. Por isso, embora explore os avanços da ciência e da medicina de seu tempo, revela uma forte melancolia pelos elementos da cultura rural em risco de extinção pela modernidade. Transitou por diferentes formatos, durações (curtas, medias e longas-metragens) e temáticas, como filmes científicos, noções de higiene, conservação de alimentos, construção de fossas, até o registro de práticas tradicionais como a construção do carro de boi, biografias, adaptações literárias, até representações visuais do cancioneiro popular, como na série Brasilianas, entre tantas outras abordagens. Essas são Obras que, se não tinham finalidade educativa ou relação direta com conteúdos programáticos das escolas, como bom mineiro, discretamente, provavelmente construiu um dos mais completos registros da cultura tradicional brasileira em imagens e sons. Sua experiência no campo ficcional também fica evidente em sua produção documentarista, como o apuro técnico na fotografia e composição dos planos ou em sua estrutura narrativa e cenas dramatizadas, permitindo diálogos com as reflexões contemporâneas sobre as fronteiras entre esses gêneros. ... Para quem quiser conhecer melhor a obra de Humberto Mauro, recomendo os livros: Humberto Mauro e as Imagens do Brasil, de Sheila Schvarzman (editora UNESP, 2004), e o recém lançado livro de Eduardo Morettin, professor da ECA/USP, Humberto Mauro, Cinema, História (Alameda editorial, 2013). Cito ainda o volume da Coleção Educadores, iniciativa do MEC, disponível gratuitamente na web: Humberto Mauro, de Jorge Antonio Rangel (Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010).
Flavio de Souza Brito é historiador, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela USP. Professor de História do Cinema da FAAP, é editor do site Mnemocine, memória e imagem, especializado em cinema e fotografia: mnemocine.com.br.
10
divulgação
Giros produções
último Bloco
Olhares sobre a arte A cultura da laranja O ciclo de produção da laranja no município de Tanguá, no Rio de Janeiro, é tema de episódio inédito da série Coleções, no dia 3/4, às 21h30. O programa mostra a importância econômica e cultural da fruta para os moradores daquela região e acompanha a festa realizada anualmente com este tema. Ainda neste mês, a série apresenta três episódios com o tema Palcos Brasileiros: Casa da Ópera de Ouro Preto, dia 10/4 ; Theatro Municipal de São Paulo, dia 17/4; e Theatro José de Alencar, dia 24/4. Direção de Belisario Franca.
Cinco professores de arte educação são convidados a visitar a 30ª Bienal Internacional de São Paulo. Ao se relacionar com as obras, eles discutem o exercício do olhar sobre os diferentes aspectos da arte contemporânea. Este é o tema do documentário Olhar, Pensar, Aprender, direção de Marcelo Machado, que o SescTV exibe no dia 7/4, às 20h. O filme foi realizado a partir de um projeto do Instituto Arte na Escola, que anualmente destaca o trabalho de educadores brasileiros com o prêmio Arte na Escola Cidadã, num reconhecimento às melhores iniciativas e práticas de ensino de arte educação no País.
Contracultura no cinema
Referências da Amazônia
O movimento da Contracultura, nos anos de 1960 e 1970, é tema de episódio inédito da série Contraplano deste mês. O ensaísta e professor de Filosofia Celso Favaretto e poeta e tradutor Geraldo Carneiro discutem como o cinema se dedicou a esse tema, com abordagens sobre a liberdade comportamental, sexual e política, presentes na Contracultura. Eles analisam os filmes: Fando e Liz (México, 1968), direção de Alejandro Jodorowsky; O Rei da Vela (1983), de José Celso Martinez Corrêa e Noilton Nunes; Loki (2008), de Paulo Henrique Fontenelle; e Dzi Croquettes (2009), dirigido por Raphael Alvarez e Tatiana Issa. Dia 11/4, às 22h. Direção de Luiz R. Cabral.
O trabalho do compositor e violonista paraense Sebastião Tapajós está em episódio inédito do Instrumental Sesc Brasil, no dia 6/4, às 21h30. Ele apresenta músicas de seu repertório eclético, que mistura sua formação erudita em violão – com passagem pelo Conservatório Nacional de Música de Lisboa (Portugal) – aos ritmos da Amazônia. Dentre as canções do espetáculo, estão: Arapucu; Rei Solano; e Pássaro no Jardim. Ainda neste mês, no Instrumental: Dudu Lima, dia 13/4; Los Twang! Marwels, dia 20/4; e Andrea Drigo, dia 27/4. Direção artística de Max Alvim.
Para sintonizar o SescTV: Se você ainda não é assinante, consulte sua operadora. O canal é distribuído gratuitamente. Assista também em sesctv.org.br/aovivo.
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda
A revista SescTv é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. Coordenação Geral: Ivan Giannini sescsp.org.br Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães Redação: Adriana Reis Editoração: Rosa Thaina Santos Revisão: Marcelo Almada
Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.
Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Coordenação de Comunicação: Marimar Chimenes Gil Divulgação: Jô Santina, Jucimara Serra e Glauco Gotardi Envie sua opinião, crítica ou sugestão para atendimento@sesctv.sescsp.org.br Leia as edições anteriores em sesctv.org.br Av. Álvaro Ramos, 776. Tel.: (11) 2076-3550
Sincronize seu celular no QR Code e assista ao vídeo com os destaques da programação.
Foto: Alex Ribeiro
Domingo, 30/04, Ă s 22h