Revista SescTV - Maio de 2013

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Maio/2013 - edição 74 sesctv.org.br

ESPECIAL A preservação da memória nos diários de Edgar Morin

Louceiras As tradições da etnia Kariri Xocó na produção de peças de barro

CURTAS-METRAGENS O espaço de experimentação de linguagens, temas e narrativas

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Movimento Violão

Foto: Pedro Abude

Quarteto Abayomi 14/5, às 20h

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Reencontro com o passado

Preservar a memória por meio de registros nos mais diversos suportes – como o livro, o áudio, o vídeo ou uma obra de arte – é uma forma de valorizar a História. É através dela que compreendemos o momento atual e identificamos as pistas que nos levam a escolhas de novos caminhos e ações, numa construção permanente que mira o futuro, sem, no entanto, se desconectar do passado. O resgate desses registros também oferece uma oportunidade de lançar um novo olhar para antigos fatos que, em outro contexto, se tornam ferramenta para traduzir e interpretar o mundo contemporâneo. Defensor da preservação da memória, o filósofo francês Edgar Morin tem como prática anotar, em diários, suas experiências cotidianas. Em 2012, as Edições Sesc SP publicaram três de suas obras: Diário da Califórnia; Um Ano Sísifo; e Chorar, Amar, Rir, Compreender. O SescTV exibe, neste mês, Edgar Morin – Diários Abertos de um Humanista, produzido durante a visita do pensador francês ao Brasil, na ocasião do lançamento dos livros. No programa, Morin fala sobre a experiência de escrever diários e sobre o processo de se reencontrar com seu passado. A preservação das tradições é tema de outro programa neste mês: Louceiras, documentário com direção de Tatiana Toffoli. O filme acompanha a produção de peças de barro pelas mulheres da etnia Kariri Xocó, em Alagoas, e mostra como essa prática mantém viva a cultura indígena do grupo. Também é destaque a exibição dos três curtas-metragens que receberam o Prêmio Aquisição SescTV no último Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo: Cine Camelô, de Clarissa Forjaz Knoll; Lovely, do Observatório.Doc; e Ckost, de Rodrigo da Silva Rodrigues. A Revista do SescTV deste mês entrevista a documentarista Tatiana Toffoli, que fala sobre sua trajetória e sobre os bastidores da realização de Louceiras. O artigo do jornalista e professor Juremir Machado da Silva aborda o legado da obra de Edgar Morin para a cultura e para os pensadores brasileiros. Boa leitura!

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

CAPA: Edgar Morin. Foto: Pedro Abude.

destaques da programação 4 entrevista - Tatiana Toffoli 8 artigo - Juremir Machado da Silva 10 3


Arquiteturas

Traços da diversidade Foto: revanche produções

pela influência da arquitetura art déco em projetos brasileiros. É dessa época a Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo, cuja construção se baseia no projeto do arquiteto francês Jacques Pilon. A iniciativa da obra está ligada ao contexto de urbanização da cidade, numa ação que incluía o investimento em educação, cultura e lazer, a criação de parques infantis, escolas, teatros e equipamentos desportivos. O início do século 21 traz mudanças de paradigmas sobre o comportamento humano e sua relação com o meio ambiente. Sustentabilidade passa a ser palavra de ordem e influencia também os novos projetos arquitetônicos. Este foi o foco da empresa de cosméticos Natura na construção de seu pátio industrial, no qual circulam diariamente cinco mil funcionários. A ideia central do projeto era integrar o edifício à natureza, atendendo às exigências de sustentabilidade e garantindo o bem-estar dos funcionários. Concebida em 13 documentários, com 52 minutos de duração, Arquiteturas tem direção do jornalista Paulo Markun e do cineasta Sérgio Roizenblit. A série aborda a apropriação humana em obras arquitetônicas em Minas Gerais, São Paulo, Pará, Goiás e Rio de Janeiro, com depoimentos de renomados arquitetos brasileiros, como Paulo Mendes da Rocha, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e João Batista Vilanova Artigas.

Quatro episódios da série Arquiteturas apresentam, neste mês, edifícios construídos em diferentes épocas e contextos, sendo um retrato da diversidade de linguagens e referências culturais presentes nos espaços arquitetônicos do País. Datado do século 17, o conjunto arquitetônico do Mercado Ver-o-Peso, em Belém (PA), concentra o comércio de produtos e comidas típicos da região Norte do País. Este importante entreposto comercial atrai hoje a atenção dos turistas, fato que foi levado em consideração durante o recente processo de revitalização no local. Outra referência arquitetônica brasileira, a Igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto – cuja construção é atribuída aos artífices Antônio Francisco de Lisboa, o Aleijadinho, e Manuel da Costa Ataíde – revela os princípios que orientavam a arquitetura mineira no período colonial. Construída em 1776, a igreja apresenta traços simétricos e harmônicos, reunindo um aparato simbólico que remete a elementos do Velho Testamento. Seus espaços reforçam os valores de penitência, humildade e doação, sendo intencionalmente contemplativos. A obra é um marco da arte barroca no Brasil. Já a primeira metade do século 20 é marcada

Projetos de diferentes épocas revelam a pluralidade de referências e linguagens nos espaços arquitetônicos do País

Arquiteturas Sábado, 21h

Mercado Ver-o-Peso (Belém, PA) Dia 4/5

Biblioteca Municipal Mário de Andrade (São Paulo, SP) Dia 11/5

Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto, MG) Dia 18/5

Espaço Fábrica da Natura (São Paulo, SP) Dia 25/5

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Especial

Memórias registradas foto: Pedro Abude

trocassem os diários, para que assim notassem de que modo cada um viveu os mesmos acontecimentos... É muito importante se auto-observar para se tornar capaz de observar melhor os outros.” Anotações feitas por ele décadas atrás se tornam hoje um retrato de uma época, como, por exemplo, a revolução cultural e comportamental da juventude californiana em meados dos anos 1960, que ele acompanhou de perto, e cujas anotações resultaram no livro Diário da Califórnia, publicado no Brasil pelas Edições Sesc SP. Embora o olhar seja singular, a percepção dos fatos toma uma proporção universal, ao lidar com temas das relações humanas, assunto presente no conjunto da obra de Morin. “Acho que se começarmos a compreender que cada um de nós tem suas faltas, suas misérias, suas fraquezas, se nós sentirmos isso, então seremos muito mais compreensivos com as fraquezas, os erros e as misérias dos outros.” O SescTV exibe, neste mês, o documentário Edgar Morin – Diários Abertos de um Humanista, produzido durante a passagem de Morin pelo Brasil, no ano passado, para lançar os livros: Diário da Califórnia; Um ano sísifo; e Chorar, amar, rir, compreender, todos das Edições Sesc SP. Com direção de Luiz Cabral e produção da Paleo TV, o documentário traz reflexões do pensador francês sobre a experiência de escrever diários e seu olhar sobre o mundo contemporâneo. “Reler esses diários me permite reconhecer o que é importante e o que é secundário. Era esse o objetivo do meu primeiro diário, aliás... Acho que, efetivamente, o amor e a amizade são as coisas mais importantes. Eis a lição final.”

Aos 91 anos de idade, o filósofo e sociólogo francês Edgar Morin é um homem preocupado com as memórias. Não se trata de uma opção assumida na velhice, mas de uma escolha feita ainda na juventude. Morin sempre cultivou a ideia de registrar suas experiências em diários. “Um diário é uma espécie de desejo de correr em busca da vida que foge, ou seja, de tentar recolher migalhas de sua passagem”, acredita. “É uma luta contra o tempo. Serve, de certo modo, para impedir que o dia que passa se dissolva completamente.” O critério para a seleção dos temas abordados é o registro da vida cotidiana, de acontecimentos aparentemente banais e de suas observações. “A vida cotidiana é uma série de descontinuidades; passamos de uma pequena coisa, como um café da manhã, por exemplo, para um telefonema do Brasil e, depois, rabisco algo, tenho um encontro. Tomo nota, escrevo e, então, eu me dou conta de que, nessa descontinuidade, as pequenas coisas mais próximas provocam grandes emoções”, diz. Para Morin, esse exercício constante deveria ser estimulado desde a infância, pois é um trabalho de autoconhecimento. “Se eu pudesse reformar o ensino, diria aos professores para pedirem às crianças que mantivessem um diário e que, a cada semana,

Pensador francês Edgar Morin fala sobre a experiência de escrever diários para se conhecer e compreender o outro

Especial Edgar Morin Diários Abertos de um Humanista Dia 31/5, 23h

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Documentário

foto: Hélcio Alemão Nagamine

No princípio, o barro

é o documentário Louceiras, uma realização do Sesc São Paulo, que será exibido neste mês pelo SescTV. O filme é um retrato dos costumes dos Kariri Xocó. O documentário mostra os conhecimentos da etnia sobre o uso de ervas para o tratamento de doenças; o preparo das maracas, usadas em rituais, a partir dos frutos do pé de coité; e o ritual do Toré, com cantos e danças que marcam a identidade daquele grupo. Com um olhar curioso, poético e contemplativo, o filme revela o dia a dia dessas pessoas, intercalando entrevistas e depoimentos com os cantos de trabalho: “Iaiá oia a onça / na ponta da areia / A onça lhe pega / e arranca as oreia”. Louceiras participou, em abril, da mostra O Estado das Coisas do É Tudo Verdade 2013 – 18º Festival Internacional de Documentários e estará na segunda Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, entre os dias 23 e 30 deste mês. O filme integra a programação especial do SescTV pelo Dia Mundial da Diversidade Cultural, instituído pela Unesco, celebrado em 21 de maio.

As mãos manipulam o barro com firmeza; amassam, sovam, amaciam. Pouco a pouco, o que era terra e água vai ganhando formas: jarros, panelas, vasos, chaleiras. Colocadas lado a lado, sob o sol para secar, as peças revelam antigos saberes, preservados por mulheres, em sua rotina cotidiana de confeccionar utensílios para uso da comunidade e para a comercialização. Os homens também se envolvem, preparando o forno para a queima, última etapa do processo de confecção dos objetos de barro. Mais do que uma importante fonte de renda, essa sabedoria popular, que vem sendo passada de geração em geração, é também um foco de preservação cultural da etnia indígena Kariri Xocó, que vive no município de Porto Real do Colégio, às margens do rio São Francisco, no estado de Alagoas, numa região que já foi povoada por tribos como Tupinambás, Aconãs e Carapotós. As louceiras de Kariri Xocó aprenderam o ofício com suas mães e avós. É um trabalho coletivo que começa com a busca do barro. Logo cedo, elas caminham mata adentro, com o olhar treinado para encontrar o barro próprio para a tarefa. De volta ao vilarejo, as louceiras peneiram e umedecem o barro seco, e esperam até o dia seguinte, quando está pronto para ser manipulado e transformado nas peças, num processo totalmente artesanal. Em maio de 2012, a jornalista, produtora e diretora Tatiana Toffoli viajou com sua equipe para Alagoas e acompanhou esse processo. Com a câmera, registrou todas as etapas e colheu depoimentos e histórias. Flagrou conversas e cantorias. O resultado

Filme dirigido por Tatiana Toffoli mostra o ofício da produção de peças de barro por mulheres da etnia Kariri Xocó

Documentário Louceiras Dia 21/5, 23h

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Curtas-metragens

Espaço de experimentação Foto:divulgação

é contada no curta-metragem Lovely. Realizado pelo coletivo Observatório.Doc a partir de uma oficina promovida pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), o documentário retrata uma jovem que trocou Joanesburgo por São Paulo após se desentender com sua família, que desaprovava seu namoro com um refugiado nigeriano. Sinobuhle (equivalente em inglês a Lovely, ou Amável) chegou ao Brasil com 38 semanas de gestação; seis dias depois, deu à luz a Nkiruka. Agora, ela aguarda o pai de sua filha conseguir um visto para morar no Brasil e sonha em ser cantora profissional. No curta-metragem de ficção Ckost, a experimentação estética foi a escolha do diretor Rodrigo Rodrigues para abordar o tema do abuso sexual sofrido por um jovem na infância, tendo como agressor o próprio pai. As ações e lembranças são intercaladas em imagens do momento atual e flashbacks, sugerindo a condição de desespero, raiva e sofrimento. O filme é uma coprodução do Prêmio Jardim Miriam Próxima Estação.

O gênero de curta-metragem vive um momento de efervescência no Brasil. Se antes o curta era tido apenas como a porta de entrada para novos cineastas, hoje esse gênero ganha força e se consolida como um espaço para experimentação de novas linguagens e narrativas. Amparada pela ampliação de recursos tecnológicos, a produção de curtas-metragens tem se democratizado e seu formato tem alcançado um público espectador cada vez maior, por mais bem se adequar e dialogar com a linguagem ágil da internet. Uma das vitrines de exposição de novos trabalhos nessa linha é o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, correalizado pelo SESC São Paulo, dirigido por Zita Carvalhosa. O SescTV participa do festival com o Prêmio Aquisição, contemplando a cada edição três curtasmetragens de diretores estreantes. Neste mês, o canal exibe os filmes premiados na edição de 2012. Com direção e roteiro de Clarissa Knoll, o curta Cine Camelô mescla ficção e documentário, numa proposta de metalinguagem, ao revelar o modo de produção de um filme. Uma equipe de filmagens se instala na rua 25 de Março, principal endereço de comércio popular em São Paulo, e oferece aos transeuntes, a um baixo custo, a realização de um filme de romance, ação, drama ou comédia, cuja edição é feita ali mesmo, para que a obra seja concluída no mesmo dia. Dispondo de figurinos e de cinco opções de cenário, o grupo cria ou adapta histórias como a Lenda de Iara, a sereia que carrega os homens para o fundo das águas. O curta recebeu o Prêmio Aquisição SescTV na categoria Diretor Estreante. A história da imigrante sul-africana Sinobuhle

SescTV exibe filmes contemplados com o Prêmio Aquisição no Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo

Curtas Premiados Quintas, 21h

Cine Camelô Direção: Clarissa Forjaz Knoll Dia 9/5

Lovely Direção: Observatório.Doc Dia 16/5

Ckost Direção: Rodrigo da Silva Rodrigues Dia 16/5

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entrevista

Foto:Alexandre Nunis

O registro das tradições

Como o audiovisual surgiu na sua vida? Eu me formei em Jornalismo, mas minha ligação com o pessoal de Cinema sempre foi muito grande. Muitos dos meus colegas migraram para essa área. Sou do sul e acabei me aproximando da turma da Casa de Cinema de Porto Alegre. Na verdade, eu queria mesmo era ser fotojornalista, sempre gostei da parte visual. Mas a relação com o audiovisual é anterior até: meu tio-avô tinha um cinema, chamava Cine Ideal. Já não existe mais, fechou quando eu ainda era criança. Certa ocasião, consegui permissão para entrar no antigo espaço, ainda estavam lá o palco de madeira, as cadeiras. Além disso, eu também costumava viajar com a família para Gramado, na época do Festival de Cinema. Uma tia morava lá e conseguia ingressos. Isso foi super importante, porque desde cedo eu via que o Brasil fazia Cinema e que havia coisas boas. Eu e minha irmã [a cineasta Dainara Toffoli] acompanhávamos os debates, víamos como os diretores defendiam seus filmes. Tudo isso contribuiu para minha formação e para o trabalho que desenvolvo hoje. Você também tem uma carreira como atriz e chegou a trabalhar para televisão. Como foi essa experiência? Na época da faculdade, eu me envolvia em várias atividades. Como gostava de fotografia, comecei a registrar os espetáculos de conhecidos e, não demorou muito, eu também estava nos palcos. Fazia dança, ensaiava espetáculos, fotografava... eu contava nos dedos as horas que dormia! Nesse período, trabalhei para a RBS Vídeo, que lançou vários profissionais para a

Tatiana Toffoli é documentarista, produtora, roteirista e diretora de projetos audiovisuais. Formada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, iniciou sua carreira na televisão à frente das câmeras, como atriz, mas em seguida migrou para a área de produção. É diretora do documentário Louceiras, sobre as mulheres da etnia indígena Kariri Xocó, que o SescTV exibe no dia 21 deste mês, às 23h.

“percebo que o cinema se aproximou do vídeo e vice-versa. a diferença essencial entre tv e cinema está na narrativa.”

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TV. Em 1990, decidi me mudar para o Rio de Janeiro, onde participei de testes para a minissérie Riacho Doce [TV Globo], mas acabei não ficando no elenco por causa do meu sotaque. Continuei fazendo aulas de voz e de corpo, fiz até um curso para perder o sotaque. Em 1991, fiz um teste para participar da novela A História de Ana Raio e Zé Trovão, da TV Manchete. Deu certo e fiz a personagem Lina. Minha mãe ajudava financeiramente, mas a vida era difícil no Rio. Ser ator não é fácil, tem de se expor muito, precisa gostar e não querer fazer outra coisa.E como se deu a migração para o outro lado das câmeras? Depois desse trabalho na novela, minha irmã estava se mudando para São Paulo e decidi me juntar a ela. Com essa mudança, resolvi trabalhar como jornalista. A MTV estava contratando e não exigia experiência. Fui selecionada para fazer o jornal, foi uma grande escola: fazia pauta, produção, entrevista, roteiro, montagem. Aprendi sobre equipamentos, tipos de microfone. Havia uma liberdade criativa muito grande, o canal não tinha tanta pressão em dar lucro. Cada um dos meus colegas vinha de uma área, era uma troca muito rica. Qual foi sua estreia como diretora? Foi com o programa Mochilão, da MTV. Eu já trabalhava na emissora havia um tempo e encanei que queria fazer um programa de viagem, porque juntava duas coisas de que eu gosto muito: TV e viajar. Depois dessa experiência, saí do canal para trabalhar num projeto chamado Expedição Caiçara. Estava interessada em estudo de meio, pesquisa, viagem. Fiquei quatro anos nesse trabalho, o que ampliou meu interesse pelo tema da ecologia. Meu contato com o Cinema veio sendo construído. Digo que não sou cineasta, minha irmã é. Eu faço televisão. Primeiro, foi com o média-metragem Dona Helena [sobre a violeira Helena Meirelles], que minha irmã dirigiu e eu fiz o roteiro. Depois, trabalhei na captação de Lembranças de Baden Powell, lançado pela Trama junto do último disco do músico. E então, o curta-metragem Chapa, que retrata o universo dos caminhoneiros. Que diferenças você percebe no trabalho para Cinema e para televisão? Percebo que o Cinema se aproximou do vídeo e vice-versa. Acho que a diferença essencial entre TV e Cinema está na narrativa. A de um filme não pode ser plana, tem de ter ritmos, altos e baixos, para não cansar o espectador. Tem de ser algo construído. Não dá para ficar repetindo uma mesma imagem. Nada é aleatório num filme. E em Cinema você tem mais tempo para fazer, para finalizar. A ideia do filme é que ele fique, é uma obra mesmo. A intenção é criar um documento, um acervo. Na TV, o que vale é ser ágil, tem de servir para o momento. Como surgiu o projeto do documentário Louceiras? Conheci a

“a identidade de Kariri Xocó vai se revelando e cabe a mim, como documentarista, apenas colocar o olhar no lugar certo”

Marina Herrero [pesquisadora do programa de Diversidade Cultural do Sesc], que me falou sobre o projeto. Havia a intenção de registrar o trabalho de produção de peças de barro feito por essas indígenas, usando técnicas tradicionais, sendo um traço da cultura desse grupo. Organizamos essas informações e, em maio do ano passado, viajamos para Alagoas. Passamos 12 dias gravando, num grupo de cinco profissionais. Fomos sendo guiadas por elas, que nos levaram para buscar o barro. Fomos no ritmo delas, tentando interferir o mínimo possível, para fazer um registro autêntico. Que relação você faz entre o trabalho dessas mulheres, na produção de utensílios de barro, e a preservação da identidade de seu povo? É curioso, porque num primeiro contato você não diz que aquele grupo de mulheres pertence a uma etnia indígena. É preciso observar com atenção, perceber as tradições contidas em suas atividades rotineiras: a produção dessas peças de barro; o cultivo de ervas usadas para a cura de doenças; a prática do toré; o educar as crianças pelo “fazer”. A identidade Kariri Xocó vai se revelando e cabe a mim, como documentarista, apenas colocar o olhar no lugar certo. É só o diretor não ficar ansioso e dar espaço para o filme acontecer. Fiquei muito feliz por fazer esse trabalho, as mulheres ficaram muito à vontade, sentiram-se valorizadas. Foi importante para elas também. Louceiras participou do festival É Tudo Verdade. Sim, o filme foi selecionado para a mostra não competitiva O Estado das Coisas, nessa última edição do festival É Tudo Verdade, em abril. É uma experiência muito boa, porque a gente sabe que representa passar por um funilzinho. Há muitos filmes bons, o festival é uma escola para todos nós, porque há uma diversidade de linguagens. É importante para ver o que estão produzindo. As produções brasileiras precisam ampliar seu alcance, para que o acesso seja cada vez mais democratizado. Nesse sentido, as TVs também podem contribuir, abrindo espaço para a produção independente.

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artigo

A sabedoria da sabedoria Edgar Morin já passou dos 90 anos de idade. Fez de tudo com intensidade, paixão e lucidez. Esteve na luta armada contra a ocupação nazista da sua querida Paris. Experimentou a militância no Partido Comunista Francês. Tem no currículo a honra de ter sido um dos primeiros a romper com o stalinismo. No seu primeiro livro, O ano zero da Alemanha, fez um balanço severo dos estragos da Segunda Guerra Mundial. Meu primeiro encontro com Morin aconteceu em 1993, num 1º de maio. Ficamos amigos. Em 1995, ele integrou a minha banca de doutorado, na Sorbonne. Organizei, depois disso, várias viagens suas ao Brasil. Traduzi quatro dos seis volumes da sua obra principal, O Método, para a editora Sulina. Trabalhei na publicação dos outros dois. Empenheime no relançamento do já citado O ano zero da Alemanha, que estava esgotado, até mesmo na França, havia décadas. A vida de Morin é um romance. Judeu, órfão de mãe muito cedo, criado num bairro popular parisiense, em Ménilmontant, ele se tornaria um dos intelectuais mais influentes do mundo. Depois de romper com o marxismo, nunca mais cedeu à tentação de “ismo” algum, o que é muito difícil num mundo dominado pelas modas culturais e pelas lógicas de rebanho. Nem o existencialismo nem o estruturalismo conseguiram capturá-lo. Muito menos o pós-modernismo, apesar da crítica pós-moderna ao mito do progresso, ao culto das certezas e à teleologia na história. Tampouco o liberalismo. Ser de esquerda para ele é, antes de tudo, não ser de direita. A ideia de que esquerda e direita não existem mais é uma invenção da direita. Ser de esquerda para Morin é renovar as esperanças em um mundo melhor, assentado na ideia de solidariedade, cooperação, humanismo, amor e justiça. Idealismo? Romantismo? Nostalgia? Ingenuidade? Utopia? Morin, com seu ar de sábio ancião, não se abala. Costuma dizer que é fundamental renovar o ímpeto de revolta da esquerda, essa necessária aspiração, na impossibilidade de se chegar ao melhor dos mundos, a um mundo melhor. O velho mestre vive como um jovem rebelde e anarquista. Mostra a trilha. Um dos seus últimos livros chama-se justamente O caminho. Não se deixa enganar pelas novas formas de exploração. Ele tem atacado o entusiasmo dos empresários ocidentais por sistemas autoritários asiáticos geradores de produtos baratos graças ao trabalho mal pago. O Ocidente tem a obrigação de melhorar o capitalismo asiático e empurrar o povo

chinês para a liberdade. A sabedoria da sabedoria consiste numa aspiração incontornável: o homem complexo deste milênio ainda balbuciante não pode ser nem comunista nem neoliberal. Precisamos de livre iniciativa e de Estado regulador, de proteção e de correr riscos. Uma das marcas de Morin é o ecletismo generoso, a abertura ao outro, a aceitação encantada das variações culturais, o prazer na descoberta da diversidade. Ele gosta da alta cultura e da chamada cultura de massa, do popular e do refinado, do espontâneo e do elaborado. Vai da ópera às novelas de televisão. Continua viajando muito. O Brasil é uma das suas grandes paixões. Quase aos 92 anos, Morin pensa no futuro e nos seus desafios. Sabe que o futuro ainda enfrenta os problemas do passado. O seu livro A minha esquerda (editora Sulina) revela como ele nunca se deixou enganar pela narrativa reacionária do fim da história ou pelo suposto fim das ideologias. Os conceitos, obviamente, vivem e mudam como os homens. Ser de esquerda hoje não é o mesmo que em 1945. O essencial permanece: a ênfase na cooperação e na igualdade. Sempre me lembro de uma vinda de Morin a Porto Alegre. Os organizadores, orgulhosos da gastronomia internacional da capital gaúcha, queriam levá-lo todo tempo a um restaurante chique no sofisticado bairro Moinhos de Vento, um desses lugares fashion que servem comida esculpida em miniatura dentro de pratos em formato de losango, triângulo ou quadrado. Um dia, Morin me chamou a um canto e sussurrou com ar juvenil: “E se a gente desse uma escapada para comer no Mercado Público?”. Saímos à francesa (os franceses dizem à inglesa). Velho sábio! Passamos uma tarde de moleques perambulando pelo centro da cidade, olhando as moças, falando de futebol, amor, poesia e romances policiais. Foi ele também que, fã da novela brasileira Dona Beja, me convidou para sequestrá-la. Não foi preciso. Maitê Proença não recusou convite para almoçar. O intelectual é conhecido. Falar do homem abre algumas frestas naquilo que ele se tornou: um monumento intelectual, um autor com uma obra gigantesca.

Juremir Machado da Silva é escritor, jornalista, professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. 10


foto: heloisa passos

foto: Giros Produções

último Bloco

Design Gráfico no Brasil

Ritmos brasileiros Os ritmos brasileiros são tema de três episódios inéditos da série Coleções, exibida às quintas-feiras, 21h30. Da região Norte do País vem o carimbó, ritmo e dança popular presentes no cotidiano dos pescadores do Pará e do Maranhão. Dia 9/5. As festas nordestinas são embaladas pelo forró, ritmo imortalizado por Luiz Gonzaga e mostrado em episódio no dia 16/5. Do Rio de Janeiro, destaque para o choro, ritmo surgido no século 19 que tem como principal representante o maestro Pixinguinha. Dia 23/5. Direção de Belisario Franca.

Sopro Instrumental

A série Artes Visuais faz, neste mês, um resgate da história das artes gráficas no País, com o episódio inédito Linha do Tempo do Design Gráfico no Brasil, a ser exibido em duas partes, nos dias 8 e 15, às 21h30. O professor e designer Chico Homem de Melo aborda os marcos e principais passagens do design gráfico brasileiro, desde a chegada da família real, passando pelo século 19 e destacando trabalhos de referência dos anos de 1950 e 1960, como os publicados na revista Senhor, na revista Realidade e em capas de discos como Tropicália, até os dias atuais. Direção de Cacá Vicalvi.

Homenagem a Raulino

O SescTV exibe, neste mês, episódio inédito da série Instrumental Sesc Brasil com o saxofonista e clarinetista Nailor Proveta. No espetáculo, gravado no Sesc Consolação, Proveta é acompanhado dos músicos: Carlos Roberto, no piano acústico; Paulo Paulelli, no baixo acústico; e Celso de Almeida, na bateria. No repertório, samba, choro e frevo, em composições de Pixinguinha e Moacir Santos. O programa faz ainda um resgate da trajetória de Proveta e traz depoimentos do compositor e maestro Roberto Sion e do pianista e compositor André Mehmari. Dia 26/5, 21h. Direção para TV: Max Alvim.

O Sala de Cinema presta uma homenagem ao diretor de fotografia Aloysio Raulino, morto no mês passado, com a reapresentação da entrevista concedida por ele ao programa, em 2012. Conhecido por trabalhar em filmes políticos e engajados, Raulino adotava uma linguagem experimental, optando por planos longos e sem cortes. Trabalhou em parceria com os cineastas João Batista de Andrade (O Homem que Virou Suco), Kiko Goifman (Filmefobia) e com o estreante Tiago Mata Machado (Os Residentes). Direção de Luiz R. Cabral. Dia 29/5, 23h.

Para sintonizar o SESCTV: Anápolis, Net 28; Aracaju, Net 26; Araguari, Imagem Telecom 111; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; São Paulo, Net 137 (Digital). Uberlândia, Imagem Telecom 111. No Brasil todo, pelo sistema DTH: Oi TV 28 e Sky 3. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

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A revista SESCTV é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. sescsp.org.br Coordenação Geral Ivan Giannini Supervisão Gráfica e editorial Hélcio Magalhães Editoração Ana Paula Fraay e Rosa Thaina Santos Revisão Ana Lúcia Sesso

Esta revista foi impressa em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

Direção Executiva Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação Regina Gambini Coordenação de Programação Juliano de Souza Coordenação de Comunicação Marimar Chimenes Gil Redação Adriana Reis Divulgação Jô Santina e Jucimara Serra

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Foto: Djanira Chagas

O artista e a preservação da Amazônia e do Meio Ambiente. Narração de Maria Bethânia. Direção: Renata Rocha. dia 5/6, às 20h

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