Revista SescTV - Setembro de 2013

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Foto: Fernanda Procópio

Setembro/2013 - edição 78 sesctv.org.br

Mirada

Documentários abordam o teatro ibero-americano

Documentário

Ópera

A experiência dos Ginásios Vocacionais nos anos 1960

A sonoridade dos trópicos em Magdalena, de Villa-Lobos


artes visuais

Obra Sem Título (1991) da artista Iole de Freitas. Foto: Divulgação.

Episódios inéditos em setembro Todas as quartas, às 21h30

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s e s c t v . o r g .b r


Diversidade como ponto de partida

Promover o encontro e a interação é um exercício constante de ampliação de repertório e de reinterpretação da nossa própria realidade. A televisão, com seu amplo alcance, pode exercer o importante papel de difundir, informar e nos colocar em contato com diferentes linguagens, propostas e conceitos, o que em outras palavras significa vivenciar a diversidade. Ao produzir e exibir obras culturais audiovisuais, o SescTV tem como missão proporcionar o acesso à discussão e apreciação das mais diversas manifestações da cultura brasileira, ou seja, a imersão ao universo particular e simbólico de cada arte e artista, com seus olhares e traduções de mundo. Diversidade esta que pressupõe a subjetividade presente em cada trabalho, resultado de um mergulho do autor naquilo que lhe toca, comove, instiga, incomoda ou emociona. Razões que, entre outras, moveram o cineasta Toni Venturi a dirigir o documentário Vocacional – Uma Aventura Humana, que será exibido neste mês. Toni Venturi fala sobre os bastidores da realização do filme nesta edição. A pluralidade de linguagens também é um marco do teatro ibero-americano contemporâneo, como mostra a programação especial que o canal exibe neste mês, com documentários produzidos durante o Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, evento bienal realizado pelo Sesc na cidade de Santos, no litoral paulista. Dramaturgos, atores e pesquisadores de países como Brasil, Argentina e México discutem, dentre outras questões: “Quais as fronteiras para o teatro iberoamericano?”. A faixa musical traz show inédito do percussionista Cyro Baptista e a banda Beat the Donkey, que se apresentaram no Sesc Pompeia. Destaque ainda para a ópera Magdalena, de Heitor Villa-Lobos, gravada no Teatro Municipal de São Paulo. A Revista do SescTV deste mês traz também artigo da professora Rosa Hercoles, no qual aborda a intersecção entre dança e TV. Boa leitura!

Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

CAPA: Espetáculo Mãe Coragem e seus Filhos, da Compañía Nacional de Teatro (CNT), da Costa Rica, apresentado na segunda edição do Mirada - Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas, em Santos/SP, em setembro de 2012. Foto: Fernanda Procópio.

destaques da programação 4 entrevista - Toni Venturi 8 artigo - Rosa Hercoles 10 3


Ópera

Foto: Gabriel dos santos

Às margens do Magdalena

Magdalena foi apresentada no Teatro Municipal de São Paulo, em 2012, em espetáculo gravado pelo SescTV e que será exibido neste mês. A ópera tem direção e regência musical de Luís Gustavo Petri e conta com a Orquestra Sinfônica Municipal, o Coral Lírico Municipal e o Coral da Gente. A direção para televisão é de Daniel dos Santos. Com passagens tragicômicas, Magdalena aborda a luta dos povos colonizados contra a opressão; as riquezas naturais da América; os conflitos religiosos; e o dilema essencial entre a força e o amor: o que prevalece no final? Nas palavras de Villa-Lobos: “Considero minhas obras como cartas que escrevi à posteridade, sem esperar resposta”.

Em meados da década de 1940, o compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos recebe o convite de levar para os palcos norte-americanos o clima tropical, com a criação de um espetáculo inédito. O país vivia a era de ouro da Broadway, período marcado pelo investimento em espetáculos que fundiam teatro, dança e música, na construção de uma linguagem que se tornaria o marco cultural daquela região. Imbuído da missão, Villa-Lobos compõe Magdalena, ópera ambientada às margens do rio colombiano de mesmo nome, que retrata o processo de colonização e a luta entre espanhóis e ameríndios da tribo Muzo. No centro da história estão os personagens Maria, líder da tribo e devota de Nossa Senhora, e Pedro, um motorista de ônibus de perfil desajustado. A mistura de ritmos e a influência do folclore brasileiro estão presentes em Madgalena, reforçando os traços característicos da obra de Villa-Lobos. “Sou brasileiro e bem brasileiro. Na minha música eu deixo cantar os rios e os mares deste grande Brasil”, defendia. A letra é assinada por George Forrest e Robert Wright e o libreto (a narrativa), por Frederick Brennan e Homer Curran. A montagem estreou em solo americano em 1948, sem a presença do compositor brasileiro, que passava por um tratamento contra o câncer. Após a temporada de estreia, esta “aventura musical”, como foi chamada por Villa-Lobos, ficou esquecida no tempo, até 1987, quando ganhou uma montagem em forma de concerto musical. No Brasil, foi apresentada pela primeira vez em 2003, em Manaus. Mas foi em 2010, em Paris, que a obra foi remontada no formato de ópera, pelo Théâtre du Châtelet.

Obra composta por Heitor Villa-Lobos retrata o processo de colonização nas proximidades do rio colombiano

ópera Magdalena, de Heitor Villa-Lobos Direção musical e regência: Luís Gustavo Petri Duração: 1h57, em dois atos Dia 27/9, às 23h

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Documentário

Educar para transformar Foto: Aula de Ensino Musical dos Ginásios Vocacionais. Acervo Vocacional GVIVE.

de. Estes eram os princípios defendidos pela educadora Maria Nilde Mascellani, idealizadora dos Ginásios Vocacionais. Ela buscava estimular a autonomia e o olhar analítico dos alunos para sua realidade. “A gente aprendeu a se posicionar”, resume o analista de sistemas Marcelo Marone, aluno entre 1968 e 1971. A criatividade também era estimulada com atividades culturais que incluíam a saída dos alunos para assistir a filmes e peças teatrais. “Fomos ver O Burguês Fidalgo, com Paulo Autran, e ao final da peça havia um bate-papo com os atores”, conta o músico Fábio Caramuru, aluno do Vocacional entre 1967 e 1970. “Tinha uma inquietude criativa, intuitiva e que nos permitia esta liberdade de ousar, de tentar”, complementa o ator e ex-aluno Marcos Frota. O trabalho interdisciplinar e os estudos do meio ampliavam o repertório dos estudantes, colocando-os em contato com diferentes realidades. “Eu aprendi a conviver com o filho do padeiro e com o filho do banqueiro da mesma forma. E todos nós usávamos o mesmo uniforme”, recorda o engenheiro e ex-aluno Paulo Ricardo Simon. “Nós já fazíamos um trabalho comunitário quarenta anos atrás, o que hoje é considerado moderno as escolas fazerem”, afirma a socióloga Renata Delduque, aluna entre 1968 e 1971. Como um projeto tão inovador como este chegou ao fim? É o que Toni Venturi busca responder no documentário Vocacional – Uma Aventura Humana, que o SescTV exibe neste mês. Toni resgatou histórias e depoimentos de ex-alunos e professores para reconstituir a experiência do Vocacional. Com o endurecimento do regime militar, a proposta foi descontinuada nos anos de 1970. Para Toni Venturi, “cinquenta anos depois, a educação brasileira parece estar anos luz da experiência que vivemos”.

“1967. Tinha 11 anos quando andei pela primeira vez por estes corredores. Passei num vestibulinho e entrei no Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, no bairro do Brooklin, em São Paulo. Eu não imaginava que iria fazer parte de uma das experiências mais ousadas da educação pública no Brasil”. No início da década de 1960, uma portaria do governo estadual de São Paulo dava início a um projeto inovador na educação pública brasileira. Eram criados os Ginásios Vocacionais, que ofereciam aos alunos do então período ginasial – o equivalente atual do sexto a nono anos do fundamental – um ensino preparatório para as demandas da vida em sociedade naquela época. Dentre as disciplinas extras, havia a Educação Doméstica, as Práticas Comerciais e as Artes Industriais. O cineasta Toni Venturi estava entre os alunos que viveram esta experiência, considerada inspiradora por ele e por seus colegas. Formar um cidadão consciente e crítico de sua realidade, capaz de pensar, de agir e de se relacionar, desempenhando seu papel transformador na socieda-

Filme de Toni Venturi retrata a experiência pioneira dos Ginásios Vocacionais, na década de 1960

documentário Vocacional – Uma Aventura Humana Direção: Toni Venturi Parte 1: Dia 21/9, 22h. Parte 2: Dia 28/9, 22h

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Mirada

Olhares cênicos Foto: ED FIGUEIREDO

cenário, mas como uma reunião em que todos os participantes são importantes”, afirma o peruano Miguel Rubio Zapata, diretor do Grupo Cultural Yuyachkani. Compreender essas semelhanças e diferenças é, para os grupos teatrais, um exercício crítico necessário para a busca de sua originalidade. “Acho que o melhor é conservar as diferenças, seguir explorando e continuar o intercâmbio”, comenta a atriz mexicana Karina Gidi. O dramaturgo e diretor Antunes Filho, coordenador do CPT-Sesc, compartilha dessa ideia. “É fundamental que cada país conserve suas características, suas etnias, suas culturas e tal, e passe a uma discussão geral para ampliar, porque a experiência de um vai enriquecer a do outro”, defende. Neste mês, o SescTV propõe uma reflexão sobre este tema com a exibição de documentários produzidos durante duas edições do Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, promovido pelo Sesc em parceria com a prefeitura de Santos, o Instituto Nacional de Bellas Artes e o Conaculta. Os programas trazem entrevistas com diretores, atores e pesquisadores de países como México, Cuba, Argentina, Brasil e Espanha, que opinam sobre o teatro contemporâneo no continente americano e também em Portugal e Espanha, e suas inquietações como, por exemplo, as barreiras que ainda existem entre esses países.

Existe um teatro ibero-americano? É possível estabelecer uma relação de identidade comum nas artes cênicas nestes diferentes países? Estas são questões presentes no trabalho de atores, diretores, dramaturgos e pesquisadores da área teatral contemporânea. É também ponto de partida para aproximar companhias teatrais que realizam trabalhos distintos, como forma de identificar e qualificar convergências e realçar diferenças. “Eu creio que existe um teatro ibero-americano, sim, e talvez isso pudesse ser algo que poderia nos dar identidade. Somos parte de uma mistura paradoxal, às vezes dolorosa, violenta, raivosa, conflituosa, portanto muito teatral”, afirma Mauricio Garcia Lozano, diretor do grupo mexicano Teatro del Farfullero. Num primeiro plano, essa aproximação ocorre pelo fator geográfico, continental, mas não se limita a ele. O idioma também contribui. “Muita coisa nos une: a língua, que tem uma raiz comum, e pelo qual nos une uma série de conotações sociais, políticas, econômicas e, por isso, culturais. E, pensando além do conceito geográfico e ideológico, há o conceito da reciprocidade, do feedback”, acredita Pepé Bablé, diretor artístico do Festival Ibero-Americano de Teatro de Cádiz, na Espanha. A condição de colonizado presente na História desses países também interfere na linguagem construída pelo teatro ibero-americano ao longo do tempo. “É evidentemente um teatro mestiço... Há uma teatralidade, uma performatividade originária da América, que nós chamamos de ‘Teatro da Mãe’. O teatro do ritual, o teatro como cerimônia, como um acontecimento, um evento, não como algo que acontece em um

Programação inédita de documentários discute o teatro ibero-americano contemporâneo

Mirada Segundas e sextas, às 20h

Teatro Ibero-Americano e Suas Fronteiras / Olhar Jovem Dia 9/9

Continente Teatral Ibero-Americano Dia 13/9

Teatro do Eu Profundo Dia 16/9

A Dança dos Paradigmas Dia 20/9

Quando o Teatro Rompe suas Fronteiras Dia 23/9

Poéticas Políticas Contemporâneas Dia 27/9

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Música

Foto: guilherme bessa

Misturas sonoras

(cantada em português, inglês e japonês), forró, com Anarriê; funk, com a versão Got to Morto (Got to Move); e até mesmo classic rock, com Immigration Song (de Robert Plant e Jimmy Page). O SescTV exibe, neste mês, o espetáculo Cyro Baptista e Beat the Donkey, gravado no Sesc Pompeia. Acompanham Cyro Baptista os músicos: Zé Maurício, na percussão e vocais; Tim Keiper e Gil Oliveira, na bateria; John Lee, El Chino, na guitarra; Brian Marsella, no teclado; e Nicholas Young, no sapateado. “O interessante aqui é que parece uma Nações Unidas, com pessoas de diferentes países”, afirma Cyro. O show tem participação da banda convidada Bixiga 70. Direção para TV de Max Alvim.

O humor surge antes mesmo de o músico subir ao palco, quando apresenta sua banda: “Beat the Donkey é uma tradução para ‘Pau na Mula’. Comecei a receber e-mails de pessoas questionando: ‘Como você bate num bichinho que ajudou a desenvolver a sociedade?’ Não entenderam absolutamente nada. Mas agora é tarde demais”, comenta e se diverte o músico Cyro Baptista. A irreverência está presente no trabalho do compositor brasileiro, que desde a década de 1980 vive nos Estados Unidos, onde é reconhecido como um dos principais percussionistas da atualidade. Inventividade e experimentação são outras características atribuídas a seu trabalho, que já lhe rendeu cinco prêmios Grammy, com os álbuns Yo-Ma’s Obrigado Brasil; Cassandra Wilson’s Blue Light ‘Til Dawn; The Chieftains Santiago; Ivan Lins A Love Affair; e Gershwin’s World. Percussionista e pesquisador interessado em novas sonoridades, Cyro se apropria de objetos como chapas metálicas, panelas, canos de PVC e até mesmo chinelos de borracha para criar efeitos inusitados em suas composições. “O fato de poder tocar percussão... você pode orquestrar seu meio ambiente, as coisas que a gente faz no dia a dia. Nós vemos dessa maneira”, explica. Os espetáculos de Cyro Baptista e sua banda adquirem caráter performático, a começar pelo figurino dos integrantes – o pianista Brian Marsella, por exemplo, se veste de Papa. Apresentações de sapateado e de dança balinesa também compõem seus shows. O repertório, basicamente de composições próprias, explora diferentes ritmos, passando pelo samba, em Parar de Fumar

Conhecido por sua irreverência e experimentação musical, Cyro Baptista se apresenta com a banda Beat the Donkey

Música Cyro Baptista e Beat the Donkey Dia 11/9, 22h

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entrevista

Vocação para mudar o mundo Foto: Alexandre Nunis

Como surgiu a ideia de realizar um documentário sobre os Ginásios Vocacionais? Comecei este projeto sem a intenção de fazer um filme. Fui aluno do Vocacional Oswaldo Aranha (no bairro do Brooklin, em São Paulo), entre 1967 e 1970. Em 2006, fundamos uma associação de ex-alunos e passamos a organizar encontros. Nas conversas com os ex-colegas, percebemos que a grande maioria das pessoas está realizada e bem-sucedida e notamos o quanto essa etapa no Vocacional foi importante em nossas vidas. Como eram encontros ricos em histórias e lembranças, tive a ideia de registrar os depoimentos. Queria fazer um arquivo de memória. Certo dia, alguém chega com a informação de que nos arquivos da Escola de Comunicações e Artes da USP havia um filme sobre o Vocacional. Ele tinha sido feito para um trabalho de conclusão de curso e mostrava registros do Vocacional, em 1968. A fotografia era assinada por ninguém menos que Jorge Bodanzky! Quando eu me vi neste filme fiquei emocionado. Diante desta joia histórica e dos depoimentos que eu tinha em mãos, decidi fazer o documentário. Quais foram os desafios e dificuldades para concretizar o projeto? Como em todo trabalho de resgate de memória, comecei a vasculhar arquivos. Fomos até a PUC-SP, que mantém todo o material pedagógico e fotográfico sobre o Vocacional. Com os encontros dos ex-alunos, comecei a receber arquivos pessoais. Mas a maior dificuldade foi no processo de montagem. Meu desafio foi enxugar o excesso de emoção e efetiva adjetivação, para dar um tom mais equilibrado ao filme. Era difícil, porque os depoimentos eram muito carregados de emoção e eu não queria que o filme parecesse uma propaganda. Depois, tomei a decisão de estrear o documentário na televisão em vez do cinema, porque a TV chega a uma população mais ampla e esse filme tem uma função social e, por isso, precisa chegar a um número grande de pessoas.

Toni Venturi é cineasta e produtor. Formado em Cinema pela Ryerson University, de Toronto (Canadá), é diretor dos longas-metragens de ficção Estamos Juntos (2011) e Cabra Cega (2004) e dos documentários Rita Cadillac: A Lady do Povo (2007) e O Velho – A História de Luiz Carlos Prestes (1997). Dentre seus trabalhos recentes está Vocacional – Uma Aventura Humana, documentário sobre a experiência dos Ginásios Vocacionais de educação pública, nos anos 1960, que o SescTV exibe neste mês.

“Ter uma educação pública brasileira de qualidade... Esse filme dá a possibilidade de sonhar que isso é possível”

No filme, você faz a escolha de uma linguagem mais pessoal e faz uma abordagem em primeira pessoa. Por que? Porque eu me emocionei muito quando encontrei o material da ECA e quando vi um pouco da minha

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história lá. Não queria contar essa história de uma forma fria, eu queria me colocar de forma subjetiva e mais calorosa. Mas com o cuidado de não cair no sentimentalismo. Estava sempre preocupado em não aparecer demais. Por isso a montagem demorou tanto.

“A educação libertária seria subversiva para qualquer regime totalitário, fosse de direita ou de esquerda”

Como ex-aluno do Vocacional, que contribuições essa experiência teve em suas escolhas pessoais e profissionais? Do ponto de vista pedagógico, o Vocacional trazia uma proposta inovadora, que deixou enormes contribuições, como a introdução dos estudos de meio, os trabalhos comunitários, a ideia da escola em tempo integral. Pena que isso foi absorvido pela educação brasileira de forma tão pulverizada! Do ponto de vista pessoal, eu vivia ali num mundo bastante protegido. Até conto isso no filme: depois que saí de lá, virei um aluno-problema, quase fui expulso do colégio. Tentava me encontrar no mundo, havia a repressão, o movimento hippie. Ficava procurando meu espaço. Tentei estudar Psicologia, História, até me decidir pelo Cinema. Fui morar no Canadá, onde me formei e voltei, aos 29 anos, para começar minha carreira. Acho que essa escolha vem muito dessa experiência libertária.

é possível. Passei dez anos no Canadá, onde 70% das escolas são públicas – e são melhores que as privadas. É possível! É só pagar um bom salário para o professor. Tem de haver um plano de carreira para que as pessoas queiram seguir esta profissão. Você acredita que o Vocacional deixou heranças na educação brasileira? Deixou, mas de forma pulverizada. Temos de acordar para a necessidade de uma boa educação. Mas acho que o pior já passou, acredito que nos últimos dez anos demos um salto, trabalhando a inclusão social, permitindo o acesso da população mais carente à universidade. O filho do mestre de obras, morador da periferia, está chegando à faculdade. Isso muda a realidade de todos ao seu redor. Mas é uma mudança lenta e só pela educação ela será efetiva, com acesso à cultura, às artes, tornando a sociedade mais equilibrada.

O projeto dos Ginásios Vocacionais foi encerrado durante o regime militar. Na sua opinião, era um modelo de fato ameaçador para um governo totalitário? De fato, não. Era um nicho pequeno de bebês! Mas a educação libertária, sim. Seria subversivo para qualquer regime totalitário, fosse de direita ou de esquerda, porque constrói cidadãos com visão crítica. O que fizeram no Vocacional foi uma excrescência. Era uma semente de uma árvore que poderia virar uma samaúma. Então, eles resolvem trocar essa experiência de educação generalista por um modelo importado norte-americano de educação especialista. Ou seja, era o oposto. Mas o Vocacional não era uma ameaça. Era só uma escola.

Como você avalia o mercado cinematográfico brasileiro atual, em especial para os documentários? Vivemos um momento pujante, muito forte para o documentário. Há um florescimento da produção brasileira, com cada vez mais conteúdo para as TVs pagas. Também é um momento histórico de convergência de mídias, da transição do analógico para o digital. Antes, o acesso aos equipamentos era difícil, filmar era inacessível. Hoje, qualquer menino tem acesso. E o documentário é um olhar sobre a realidade. Mas, como um ex-aluno do Vocacional, procurando enxergar o outro lado, também vejo uma enorme banalização da imagem. As pessoas acham que fazer um filme é só registrar algo pontual. E não é bem assim. Cinema é linguagem, é narrativa. As pessoas deveriam se preocupar mais com o foco. Está faltando isso.

De que forma a experiência do Vocacional pode contribuir para um debate sobre a melhoria da educação pública brasileira? A contribuição para este imenso contingente de educadores e políticos é a ideia de que é possível ter uma educação pública brasileira de qualidade. Mas não sou saudosista, não acho que devemos recriar o Vocacional. Foi a experiência de uma época. Acho, sim, que devemos beber da fonte e criar algo novo. Esse filme dá a possibilidade de sonhar que isso

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artigo

Teledança – As Poéticas da Imagem O século 19 é considerado por alguns estudiosos,

que o produto audiovisual não se distancie demais da proposta coreográfica. Para os profissionais da dança, os registros videográficos mais desejados por se aproximarem, mesmo que precariamente, do que ocorreu no espaço cênico são aqueles gravados em plano geral com no máximo alguns zooms, sem nunca cortar ou recortar a totalidade das ações. Mas, apesar de legítimo, este desejo de se produzir uma “cópia fiel” precisa ser revisto, dado que, a partir do que foi discorrido anteriormente, isto seria uma forma de dominância unilateral de um meio sobre o outro. Assim, uma proposta que interseccione dança e televisão precisa encontrar uma maneira de articular estes fazeres distintos e buscar formas que deem visibilidade às especificidades destes fazeres, isto para que suas relações se estabeleçam enquanto a proposição de um entendimento/pensamento sobre o cruzamento pretendido. Sabemos que as experiências perceptivas decorrentes do contato com qualquer obra artística variam de acordo com o modo como somos expostos a ela; por exemplo: ouvir um concerto musical ao vivo se constitui como uma experiência distinta a de ouvir sua gravação. Não há aqui nenhum julgamento de valor, trata-se apenas da constatação de que são experiências distintas. Contudo, quando o assunto se volta para a questão da difusão destas obras para o grande público, os ambientes nos quais são apresentadas, apesar de adequados a elas, possuem restrições no que se refere a sua ocupação espacial e a sua duração no tempo. Frente a esta circunstância, os seus registros, quando televisionados, não só ampliam a possibilidade do acesso, mas, também, garantem a permanência do produto artístico ao longo do tempo. E, dependendo do modo como articula os fazeres e saberes de cada campo, poderá adquirir o status de documento histórico que disponibilize para gerações futuras: as questões, as formas de discuti-las e os entendimentos estéticos ali materializados.

entre eles Armand e Michele Mattelart, como sendo o período no qual a observação e a análise dos fenômenos comunicacionais promoveu a sistematização das primeiras Teorias da Comunicação. Muito se investigou sobre esta questão e, na sua generalidade, teorias mais recentes se ocupam em olhar para os modos como se dá a organização das informações, observando-se sua transmissão, sua veiculação, seu fluxo, bem como, as relações que fundam e estabelecem na sociedade. Assim, a Comunicação se configura como uma vasta e complexa área de conhecimento, que abre

possibilidades

de

estudo

e

aplicabilidade

diversificadas. Esta complexidade nos permite afirmar que os processos de comunicação não se restringem ao verbal. Frente a esta afirmação, a plausibilidade da existência de meios igualmente diversos precisa ser considerada, assim proponho que não só a palavra, mas também o corpo, o movimento e a imagem sejam considerados como meios de comunicação. A forma como as informações se organizam está condicionada ao meio através do qual são processadas e transmitidas. Ou seja, a materialidade e as propriedades constitutivas dos meios fundam e determinam suas possibilidades de organização e de operação. Assim, se a matéria é o movimento de dança, suas propriedades são táteis-cinestésicas; já se a matéria é a imagem, temos propriedades audiovisuais. O

professor

Muniz

Sodré,

da

Universidade

Federal do Rio de Janeiro, propõe no seu livro As Estratégias Sensíveis: afeto, mídia e política (2006), que o relacionamento entre campos de conhecimento distintos somente é possível quando ocorre a flexibilização de seus operadores. Nesta proposta, não cabem relações unilaterais de dominância de um campo sobre o outro. Ao aplicarmos nossa proposta no nosso assunto, ou seja, a relação entre dança e televisão, obviamente, também não caberia a determinância dos operadores de um meio sobre o outro. Assim, a questão que se impõe, para ambas as partes, é a de quais operadores necessitam, bem como,

Rosa Hercoles é dramaturgista da dança, professora do curso de Comunicação das Artes do Corpo e chefe do Departamento de Linguagens do Corpo, ambos na PUC-SP.

podem ser flexibilizados sem que as propriedades formais de ambos os meios sejam violadas. No caso da dança, sua temporalidade precisa ser preservada para

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último Bloco Foto: foto: Alex Ribeiro

Violão em dose dupla

História do Brasil no cinema A pesquisadora Mary Del Priore e a professora de Comunicação Ivana Bentes analisam o olhar do cinema sobre a História do País no episódio inédito A Invenção do Brasil, da série Contraplano, no dia 6/9, 22h. Elas debatem sobre os filmes O Descobrimento do Brasil; Independência ou Morte; Bye Bye Brasil; e Cronicamente Inviável. A apresentação é do jornalista e escritor Miguel De Almeida e a direção, de Luiz R. Cabral. Com episódios inéditos semanais, a série analisa como o cinema interpreta a vida e produz mundos, a partir dos eixos temáticos: cultura, poder, sociedade e comportamento. Sextas-feiras, às 22h.

Foto: roberto assem.

Virtuoses do violão instrumental, nos gêneros erudito e popular, apresentam-se semanalmente na série Movimento Violão. Neste mês, o SescTV exibe quatro apresentações com duplas de violonistas. Paulo Bellinati e Weber Lopes mostram repertório de composições próprias, com mistura de ritmos como valsa, samba e blues, dia 3/9. Na semana seguinte, dia 10/9, é a vez do Brasil Guitar Duo, com os músicos Douglas Lora e João Luiz. O Duo Siqueira Lima, formado por Cecília Siqueira e Fernando Lima, apresenta-se no dia 17/9. Encerra essa programação o Duo Assad, dos irmãos Sérgio e Odair Assad, dia 24/9. Curadoria de Paulo Martelli. Terças-feiras, 20h.

Bienal Sesc de Dança

Danças brasileiras O SescTV exibe, neste mês, quatro episódios inéditos da série Coleções sobre Danças Brasileiras. Em linguagem documental, os episódios de 30 minutos de duração apresentam diferentes manifestações da cultura regional do País, sempre às quintas, 21h30. Xaxado é tema do programa do dia 5/9; a Ciranda é apresentada no dia 12/9. O Caboclinho praticado em Goiânia está no episódio do dia 19/9. E a Catira, dança cujo ritmo é marcado pelos pés, está no programa do dia 26/9. Coleções tem direção de Belisario Franca.

A cidade de Santos, no litoral paulista, recebe, entre os dias 5 e 12 deste mês, a oitava edição da Bienal Sesc de Dança, evento realizado pelo Sesc São Paulo que reúne companhias e profissionais da dança para pensar e apreciar diferentes aspectos dessa arte no mundo contemporâneo. O SescTV exibe, no mesmo período, espetáculos de seu acervo com companhias que participam desta edição, sempre às 23h. Dentre os espetáculos, Ai, Ai, Ai, de Marcelo Evelin, dia 6/9; Caixa Preta, de Claudia Muller e Cristina Blanco, dia 9/9; e Sapatos Brancos, do Núcleo Artístico Luis Ferron, dia 12/9. Confira programação completa no site.

Para sintonizar o SESCTV: Anápolis, Net 28; Aracaju, Net 26; Araguari, Imagem Telecom 111; Belém, Net 30; Belo Horizonte, Oi TV 28; Brasília, Net 3 (Digital); Campo Grande, JET 29; Cuiabá, JET 92; Curitiba, Net 11 (Cabo) e 42 (MMDS); Fortaleza, Net 3; Goiânia, Net 30; João Pessoa, Big TV 8, Net 92; Maceió, Big TV 8, Net 92; Manaus, Net 92; Natal, Cabo Natal 14 (Analógico) e 510 (Digital), Net 92; Porto Velho, Viacabo 7; Recife, TV Cidade 27; Rio de Janeiro, Net 137 (Digital); São Luís, TVN 29; Uberlândia, Imagem Telecom 111. No Brasil todo, NET 137; Oi TV 29 e Sky 3. Assista também em sesctv.org.br. Para outras localidades, consulte sesctv.org.br

SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO – SESC

Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente: Abram Szajman Diretor Regional: Danilo Santos de Miranda

A revista SESCTV é uma publicação do Sesc São Paulo sob coordenação da Superintendência de Comunicação Social. Distribuição gratuita. Nenhuma pessoa está autorizada a vender anúncios. sescsp.org.br Coordenação Geral: Ivan Giannini Supervisão Gráfica e editorial: Hélcio Magalhães Redação: Adriana Reis Editoração: Rosa Thaina Santos Revisão: Marcelo Almada

Este boletim foi impresso em papel fabricado com madeira de reflorestamento certificado com o selo do FSC® (Forest Stewardship Council ®) e de outras fontes controladas. A certificação segue padrões internacionais de controles ambientais e sociais.

Direção Executiva: Valter Vicente Sales Filho Direção de Programação: Regina Gambini Coordenação de Programação: Juliano de Souza Coordenação de Comunicação: Marimar Chimenes Gil Divulgação: Jô Santina, Jucimara Serra e Glauco Gotardi Envie sua opinião, crítica ou sugestão para atendimento@sesctv.sescsp.org.br Leia as edições anteriores em sesctv.org.br Av. Álvaro Ramos, 776. Tel.: (11) 2076-3550

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Foto: Renata Massetti

estreia em outubro

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