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COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

P U C S P

TESE DE DOUTORADO

VISUALIDADE DAS MARCAS INSTITUCIONAIS E COMERCIAIS COMO CAMPO DE SIGNIFICAÇÃO

RICHARD PERASSI LUIZ DE SOUSA


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A VISUALIDADE DAS MARCAS INSTITUCIONAIS E COMERCIAIS COMO CAMPO DE SIGNIFICAÇÃO Richard Perassi Luiz de Sousa RESUMO A marca impressa na mídia gráfica é campo de significação composto por um sistema de signos visuais que identifica, representa e divulga uma instituição, empresa ou produto, o que manifesta seu caráter publicitário. A marca também apresenta e divulga atributos próprios, assinalando seus aspectos auto-referente e autopublicitário. Por fim, a marca ainda atribui valores aos seus referentes por meio de associações por homologias denotativas ou conotações metafóricas. A representação gráfica da marca é composta por um logotipo (nome grafado de modo peculiar) e um pictograma (imagem figurativa ou abstrata). Esses elementos compõem a expressão síntese de duas realidades: a primeira realidade é assinalada pelas formas de expressão técnica e material do símbolo gráfico (trademark); a segunda realidade determina a imagem de marca (brand), que é o acervo simbólico constituído durante o seu percurso de significação. Como um sistema de signos, aberto e dinâmico, a marca é um texto cultural em processo, cujo acervo ideológico é renovado, constantemente, por meio de trocas simbólicas com a cultura de mercado. Parte dessas trocas são estabelecidas no processo de comunicação da marca: sua visualidade gráfica é uma mensagem que informa os atributos peculiares de seus referentes e revela aspectos mais gerais a respeito da ideologia do mercado como um todo. Na cultura de mercado, há uma tendência que subverte o pressuposto de que o valor de uso é o promotor do consumo. O aumento da produção de bens de comércio impõe também um processo de produção de necessidades simbólicas, o que revela um paradoxo, porque os argumentos que justificam a oferta comercial ainda tomam por base a funcionalidade de seus produtos. A crescente oferta de produtos sem função prática é sustentada por uma aparência funcionalista. Enquanto isso, os produtos funcionais são esteticamente sobrecarregados com efeitos decorativos, para conotar atribuições simbólicas. Essa ambigüidade demarca um estilo maneirista e neokitsch, também expresso pela visualidade das marcas que recebem tratamentos estético-conotativos com o concurso da computação gráfica. O novo tratamento gráfico dado às marcas rompe com a estética funcionalista do design, como foi proposto pela pedagogia da Bauhaus. A visualidade das marcas institucionais e comerciais é campo de significação dessa tendência, que hipertrofia a função estética na comunicação e dissimula a função referencial. O caráter representativo e publicitário é diminuído dando prioridade aos aspectos auto-referente e autopublicitário. Assim, a evidência de que o prazer estético não está diretamente vinculado ao valor estético sustenta a apresentação da marca impressa como pseudo-arte. A própria visualidade da marca é oferecida como um bem de consumo e, antes de apontar seus referentes, ela é prioritariamente oferecida como mais um espetáculo ao público.


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INTRODUÇÃO Este trabalho relata um estudo sobre a visualidade das marcas institucionais e comerciais como campo de significação, que foi primeiramente motivado pela constatação de que as marcas publicadas na mídia gráfica, a partir da década de 1980, apresentam mudanças na sua visualidade em comparação àquelas publicadas anteriormente. E isso vem ocorrendo devido, principalmente, ao tratamento pictórico que é aplicado às suas formas. A tecnologia eletrônico-digital utilizada no design de marcas promoveu essas transformações no seu modo de apresentação, por meio da computação gráfica e com o auxílio das técnicas de reprodução fotográfica, obtendo efeitos visuais que denotam perspectiva, movimento, volume e texturas, com refinadas variações cromáticas e tonais. Os efeitos sugerem também conotações como dinamismo, luminosidade e espacialização, dentre outras possibilidades. As texturas representadas por esses processos reproduzem a aparência das superfícies metálicas (mimetismo), renovando a visualidade das marcas sem que, necessariamente, o seu desenho original seja alterado, exceto pelo ganho de sugestão espacial, volumetria e pelo tratamento expressivo que é dado às suas formas. As marcas gráficas são símbolos que, além de cumprir a sua função referencial, também sugerem significação ao que faz referência, seja uma instituição social, uma empresa comercial ou um produto. O seu caráter simbólico, aliado à evidência de que as transformações visuais formulam novos sentidos denotativos e conotativos, aponta para o fato dessas mudanças interagirem na composição dos valores expressos pelas marcas, os quais também são atribuídos aos seus referentes. Para empreender, contudo, uma análise dessa questão é preciso avaliar o significado e o processo de significação da marca, uma vez que esse termo, objeto ou fenômeno, apresenta diversos significados de acordo com a especificação de cada uma das áreas de estudos que o enfocam.


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A marca, quando registrada, apresenta um sentido legal e significa algo passível de registro jurídico. A marca também representa um valor comercial, o que significa um preço de comercialização do seu direito de uso. A marca ainda apresenta um significado histórico, publicitário e assim por diante. Surge, então, a necessidade de se analisar o que é marca, como ela se relaciona com o mercado e quais são a importância e a função da sua aparência no processo de comunicação para, em seguida, avaliar sua visualidade como campo de significação. Nesse sentido, o trabalho é orientado na busca de um melhor entendimento das marcas institucionais e comerciais, que são percebidas como textos culturais, dentro do macrossistema constituído pelo mercado. Isso impõe, além de estudos voltados para a sua estrutura interna, também um olhar atento às interações entre a marca como texto e o seu contexto cultural imediato. Assim, são consideradas as seguintes variáveis: 1a - O design de marca é independente na comunicação visual ou cumpre o papel de representar todos os atributos doados à marca? 2a - Qual o valor do design na atribuição de sentidos à marca: essencial, predominante, secundário ou irrelevante? Para fazer frente a essas variáveis, a hipótese que orienta este trabalho é dividida em quatro partes: A primeira aponta a visualidade determinada pelo design de marca como essencial para o desempenho da função estética na comunicação pela marca. A segunda afirma que isso é confirmado toda vez que as formas de expressão do design se mostram coerentes com a imagem de marca que se deseja estabelecer. A terceira alerta que essa imagem positiva que emissor da marca deseja constituir nas mentes do público consumidor tem que ser confirmada não só pela aparência da marca, mas, também pela performance da empresa ou produtos que ela representa. A quarta assegura que qualquer transformação na visualidade da marca retroage sobre o processo de significação, alterando a comunicação da marca como um todo.


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Há uma estreita relação entre o design de marca (trademark) e a imagem de marca (brand), que é formada na mente dos consumidores como um conjunto de atributos ligados à marca, à empresa ou aos produtos que representa. Contudo, essas instâncias são estudadas isoladamente, porque: A primeira é objeto de estudo da área do design, que propõe as condições gerais para uma boa comunicação visual  sem considerar devidamente as outras formas de expressão da marca, as quais são determinadas pela performance da empresa e de seus produtos ou serviços. A segunda é objeto da área do marketing, que propõe a administração da marca (branding), como gerência de um sistema de relações entre o consumidor e as diversas expressões da marca  que costuma priorizar apenas a performance da empresa e de seus produtos ou serviços. A peculiaridade deste trabalho é a adoção de um ponto de vista externo aos textos particulares do design e do marketing, trabalhando com uma abordagem comparativa entre a visualidade da marca (trademark) e a imagem de marca (brand), o que prioriza as interações entre as estruturas interna e externa do objeto em estudo que é a marca. A análise das transformações na visualidade das marcas depende, em primeira instância, do estudo sobre o papel das formas de expressão visual na constituição e expressão da imagem de marca. Desse modo, é possível refletir sobre as possíveis conseqüências no processo de comunicação da marca como decorrência das transformações na sua visualidade. Essa compreensão promoveu a definição do ponto de vista deste trabalho que é direcionado ao processo de comunicação da marca, cabendo aos textos particulares das áreas de design e marketing a função de demarcar e exemplificar a dinâmica de um processo que é determinado prioritariamente por textos das áreas da Estética, Teoria da Informação e Semiótica da Cultura. O primeiro capítulo apresenta um estudo introdutório, com uma ampla visão dos aspectos gerais das marcas, servindo de base para a análise mais específica da comunicação visual da marca. Assim, a apresentação das marcas sob as abordagens do Design e do


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Marketing é o ponto de partida de um estudo que prioriza a reflexão sobre a natureza simbólica da visualidade das formas de expressão gráfica da marca, como entidades emergentes no ecossistema da cultura de mercado. O termo marca é complexo, polissêmico e multiforme, abrangendo diversas formas de expressão: lingüísticas, visuais e sonoras, dentre outras, porque o seu conteúdo pode ser expresso e percebido de diversas maneiras. Neste trabalho, o termo marca denomina duas realidades conjugadas, sendo que: a primeira, determinada pela materialidade do texto gráfico, define a visualidade da marca; a segunda, determinada pela imagem mental, é constituída pelo conjunto de valores atribuídos à marca pelo público consumidor. Quanto às formas de expressão gráfica, pictograma é utilizado para designar a figura ou emblema que representa a empresa e logotipo serve para indicar o nome/marca da instituição, empresa ou produto, quando grafado de modo peculiar. A marca é correntemente identificada por um nome (signo sonoro), por um pictograma (signo visual) e por um logotipo (signo visual e lingüístico). Em todas essas formas de expressão, procura-se inserir peculiaridades perceptivas que sirvam para as distinguir como um símbolo particular que representa uma instituição, empresa ou produtos específicos. Além das funções de identificação e distinção, a percepção da marca também evoca uma imagem de marca na mente do público consumidor. Essa imagem é mais ampla e complexa do que pode sugerir à primeira vista a aparência do símbolo gráfico (pictograma ou logotipo), porque compõe uma síntese das diversas associações produzidas na convivência do público consumidor com todas as expressões da marca, incluindo o uso de seus produtos e serviços. A imagem de marca é construída pela incorporação de um conjunto de valores e atributos, os quais lhe constituem uma cultura específica, ou seja, uma memória coletiva sobre o seu percurso no mercado. Dentre as possibilidades associativas que podem compor a imagem de marca encontram-se todas as vivências do consumidor dentro do processo de construção e divulgação da marca, que, por sua vez, está relacionado a outras associações, decorrentes da herança cultural do consumidor. A marca produz diversos sentidos envolvendo as sensações, os sentimentos e a cognição. Isso amplia a significação para além do convencional, porque o termo sentido indica algo mais amplo que o significado e que, também, não depende só da


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linguagem, apesar de viver dentro dela. As relações entre sentido e significado indicam também as associações denotativas e conotativas que se estabelecem na determinação de um significado e na sobreposição de outros sentidos a esse significado primeiro, assinalando também as figuras retóricas da metonímia e da metáfora no discurso das marcas. Os conteúdos expressos pela marca não são determinados só pelo emissor, porque dependem, também, do público receptor, uma vez que a informação é constituída de modo diferenciado pelo emissor e pelo receptor, estabelecendo uma via de dois sentidos. A significação é fruto de um sistema de relações produzidas no tempo e no espaço. Um sistema/processo interpretativo influenciado por diversas cadeias de eventos dentro do ecossistema cultural. A percepção da marca aciona um vivido individual e coletivo, fazendo interagir experiências físicas, afetivas e psíquicas, de cunho objetivo, subjetivo e intersubjetivo. O sentido também não é necessariamente produto do consciente, porque suas raízes estão plantadas no inconsciente. É a partir do inconsciente que o sentido emerge ao consciente. Assim, o estudo da significação das marcas deve considerar diversos tipos de associação, inclusive aquelas afetivas e intuitivas; pois, o que garante a atualização dos sentidos decorrentes de um ato perceptivo do receptor são seus acervos sensível-afetivo (estético) e interpretativo (semântico). O conteúdo das marcas também representa aspectos míticos, que são propostos e atualizados por meio de ritos desenvolvidos durante o processo de comunicação da marca e de seu referente no ambiente da cultura de mercado. Para Roland Barthes, qualquer coisa pode ser mitificada, desde que seja objeto de uma fala mítica e transcendente dos aspectos naturais por força da criatividade. O mito é uma metáfora que empresta outro sentido ao cotidiano. A marca é um sistema cultural aberto em constante interação com o seu ecossistema, estando sempre à mercê da mitificação. O caráter simbólico da marca faz com que ela apareça para o público como registro interativo e produtor de memória coletiva, ou seja, de cultura, pois a marca atua por associações míticas ou lógicas, naturais ou casuais, etc. Apesar dessa afinidade com as associações oportunistas, a marca é constituída

por

uma

rígida

codificação

simbólica,

que

a

sobredetermina

arbitrariamente, da mesma forma como se arbitra um nome próprio, porque a marca


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deve ser, sobretudo, um texto identificador de uma instituição, empresa ou produto. O segundo capítulo é dedicado ao detalhamento dessa idéia de que a marca compõe um sistema cultural aberto inserido no macrossistema do mercado. A imagem de marca, portanto, é entendida como um conteúdo construído na dinâmica do mercado, como síntese mental emergente do sistema de significação formado pelas experiências do público com as formas de expressão da marca. A marca, como um sistema de signos tangíveis e intangíveis, compõe um texto cultural que propõe sentidos diferentes daqueles produzidos por seus signos em separado. É um texto cultural porque registra a memória coletiva do público consumidor ao interagir com suas vivências pessoais e históricas. Isso garante à marca uma dimensão diacrônica, ou seja, um percurso no tempo. Como sistema autônomo de signos, a marca pode ser estudada no seu presente, priorizando-se o estado atual de suas relações internas. Porém, ao saber que uma marca interage com todo o seu sistema de emergência, não é oportuno desconsiderar o seu percurso no espaço/tempo. A marca interage com o mercado de modo sincrônico e diacrônico, porque uma emergência sempre redimensiona o processo/percurso do seu ecossistema. Assim, uma nova marca exerce forte influência no mercado, colocando sob avaliação todas as marcas que se posicionam na mesma faixa do mercado, porque retoma a relação custo/benefício, que está sempre presente nas considerações do público consumidor. Para José Roberto Martins, três tipos de benefícios são relacionados a um produto, constituindo parte da sua imagem de marca: benefícios funcionais, que dizem respeito a performance do produto. benefícios experimentais, que dizem respeito às impressões, sensações e satisfação dos consumidores. (3) benefícios simbólicos, que dizem respeito à sua aceitação psicológica e afetiva pelo público consumidor, de acordo com valores simbólicos como status, nobreza, etc. Há aspectos tangíveis, funcionais e experimentais relativos às propriedades objetivas dos produtos e, também, aspectos intangíveis, simbólicos e subjetivos. Esses últimos configuram uma outra realidade sobre a realidade objetiva, material e tecnológica. Essa segunda realidade, de acordo com Ivan Bystrina, é constituída pelos elementos típicos da cultura e, nesse caso, consolida uma cultura das marcas. A cultura é formada pelo conjunto de entidades espirituais, míticas e simbólicas, que habitam as mentes. A conservação, o desenvolvimento e a


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multiplicação dessas entidades são garantidos por sua propagação, porque as impressões e idéias vão passando de uma mente para outra, por meio dos diversos recursos da expressão e comunicação. Os valores simbólicos constituídos por uma marca se tornam coletivos porque vão sendo replicados na mente dos consumidores, sendo também sustentados e constantemente evocados pelas expressões materiais da marca. O próprio produto, e toda estrutura física relacionada a ele ou à marca, faz parte da expressão material da marca. Toda vez que o público interage com as expressões físicas da marca, os seus valores simbólicos são relembrados e reavaliados de acordo com essa nova vivência As expressões gráficas como o logotipo e o pictograma incorporam e passam a representar desse modo também os valores simbólicos atribuídos à marca e a seus produtos ou serviços. Como os valores simbólicos são dinâmicos, sendo revisados e possivelmente alterados a cada nova experiência, todas as expressões da marca precisam ser constantemente administradas. Isso inclui também suas formas de expressão gráfica, como o logotipo e o pictograma. É necessário administrar não só o patrimônio material tangível da empresa, mas também o seu patrimônio simbólico, intangível. A qualidade e o bom desempenho dos produtos são condição necessária, mas não suficiente para garantir o posicionamento da marca no mercado. As impressões, sentimentos e a qualidade percebida pelo consumidor são mais distinguíveis do que as características funcionais que se mostram muito semelhantes nos produtos de marcas diferentes. Os produtos que ocupam uma mesma faixa de mercado tornaram-se praticamente indistintos, porque todas as empresas têm acesso garantido as mesmas tecnologias de produção. Em alguns casos não há necessidade de comprar nem mesmo a tecnologia, compram-se diretamente os componentes tecnológicos, que são montados sob a marca específica. Por isso, o que vem prevalecendo no jogo da concorrência são as estratégias de comunicação e marketing das empresas. A oferta simbólica procura atender desejos e interesses dos consumidores, produzindo a ilusão de uma relação intersubjetiva com as marcas. A compra passa a ser, nesse caso, uma interação entre a personalidade do indivíduo e a do produto. O terceiro capítulo apresenta um recorte do universo simbólico e associativo


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que constitui a cultura das marcas, tratando mais especificamente das associações ligadas ao design de marcas. Isso se dá a partir do estudo das semelhanças descritivas ou metafóricas entre o desenho da marca e a natureza da empresa ou produto a ser representado. Mas também acontece por meio de outras associações, que são estabelecidas pela publicidade e outros recursos de comunicação e significação, em momentos posteriores ao arbítrio da marca gráfica como representante de uma instituição, empresa ou produto. Os logotipos e pictogramas são representações lingüísticas ou figurativas que expressam mais do que aparentam à primeira vista, pois, além dos sentidos decorrentes de sua estrutura interna, essas expressões da marca também representam todo o conjunto de associações determinantes da imagem de marca. Para haver a associação de uma marca gráfica com o seu referente

é

sempre necessário algum nível de codificação, seja por meio de códigos do tipo lógico-objetivo ou expressivo-subjetivo ou ainda dos dois tipos. Como foi dito, a determinação de uma marca é sempre decorrente de alguma arbitrariedade. Uma determinada marca pode apresentar uma clara homologia ou analogia com a natureza da empresa ou produto que representa, porém, sempre haverá outras representações com possibilidades equivalentes, ou seja, outras marcas que também poderiam representar a empresa ou produto com o mesmo grau de homologia. A escolha entre as diversas possibilidades assinala o caráter arbitrário da marca, porque toda opção entre elementos equivalentes requer arbitragem. Os códigos lógicos acionam a razão e o conhecimento, sendo determinados sob forte convenção e arbitrariedade, o que garante uma notação livre de homologias ou analogias indesejáveis. No entanto, a homologia facilita à memorização e, por isso, é comum que a composição da visualidade da marca valorize afinidades desejáveis com a natureza da empresa ou do produto. Apesar de predominantemente subjetivos, os códigos expressivos também desenvolvem associações convencionais. Mas, geralmente, os códigos expressivos acionam a participação e a interpretação do público receptor, constituindo uma mensagem subjetiva mais carente da hermenêutica do que da decodificação. Desse modo, as associações podem ser diretamente arbitradas e determinadas por codificação direta ou previamente motivadas por uma homologia ou um hábito. Dessa situação, depreendem-se três tipos de relações associativas:


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a

1 - as relações associativas por convenção ou codificação direta, quando um nome a

ou sinal é associado a algo de modo arbitrário; 2 - as relações associativas por semelhanças aparentes, tangíveis, como analogias visuais ou outras similaridades a

entre os elementos de duas ou mais formas de expressão. 3 - as relações associativas ideais, intangíveis, estabelecidas por codificação, hábito ou outros modos de associação entre o visível e o idealizado, como produto das interações entre a mente, a cultura e a natureza. Essas relações associativas indicam a dualidade entre marcas arbitrárias e motivadas. Por sua vez, os logotipos e pictogramas arbitrários ou originais se subdividem em: 1o - abstratos, quando são formados por uma palavra ou imagem que não representa nada além da empresa ou produto a que foi associada; e 2o figurativos ou denotativos, porque apesar de indicarem algo já existente no mundo natural ou cultural, não apresentam qualquer motivação que justifique sua associação com a empresa ou produto que representam. Já os logotipos e pictogramas motivados, também, podem ser subdivididos em: 1o - descritivos, cujo significado descreve, no todo ou em parte, a natureza da empresa ou produto que representam. O desenho de uma lâmpada representando uma loja de artigos elétricos descreve parcialmente a natureza do negócio; e 2o – metafóricos, que expressam na sua aparência uma idéia que deve ser relacionada à empresa ou produto que representa. Por exemplo, uma lâmpada também pode representar uma agência de publicidade, servindo como metáfora da criatividade, que deve ser atribuída à empresa. Além dessas associações prévias, que relacionam a marca ao seu referente, existem outras associações posteriores, que passam a atribuir sentidos tanto às marcas quanto aos seus referentes. Todas as manifestações da marca, toda comunicação da empresa ou performance dos produtos são campos propícios para as associações posteriores. A publicidade também tem como tarefa específica divulgar a marca e seus referentes, proporcionando-lhes associações positivas e atributos desejáveis. Apesar desses diversos campos de significação, os valores simbólicos são, entretanto, decorrentes de quatro alternativas básicas de associação, as quais não são excludentes entre si: 1a - associação essencial, que utiliza a codificação lógica, sendo realizada de modo consciente e convencional entre um conteúdo e uma a forma de expressão; 2 - associação oculta, que utiliza a codificação expressiva para


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sugerir um conteúdo encoberto, mais evidente por impressões e sentimentos do que a

pela lógica conceitual. 3 - associação irracional, que envolve a criatividade e a complexidade do processo perceptivo-cognitivo, sugerindo sentidos não justificados pela racionalidade; 4a - associação inconsciente, que é motivada pela subjetividade e se estabelece de forma escondida da mente consciente do sujeito. O quarto capítulo é dedicado ao estudo dos aspectos técnicos da linguagem gráfico-visual. Há duas tendências básicas que orientam a composição e o tratamento das imagens: a tendência naturalista, cujo modo de representação é pictórico-fotográfico; e a tendência estilizada, onde predomina o modo gráfico de representação orientado à abstração. As marcas gráfico-visuais são transmitidas por um canal composto pelas ondas de luz, através de diversos meios e formatos variados. Por ser um objeto visivelmente distinto e significante, a marca aciona a percepção do espectador (valor de atração) e sua atenção interpretativa (valor de atenção). As marcas impressas selecionam e codificam a luz que lhes serve de canal, compondo uma mensagem visual por meio da interação de diferentes feixes luminosos, que atravessam o espaço e alcançam os olhos do espectador. A decomposição da luz propõe também composição das cores, uma vez que a luz é selecionada quando incide sobre superfícies pigmentadas ou outros tipos de estrutura espectral. Isso implica na absorção, reflexão ou refração, total ou parcial, da luz, determinando as diversas sensações visuais cromáticas (coloridas)

ou

acromáticas (preto e branco). Essas possibilidades de variação da luz são decorrentes de propriedades das superfícies pigmentadas, que podem absorver toda a luz ou parte dela, refletindo ou difundindo apenas a parte da luz que não foi absorvida durante esse processo. As superfícies que absorvem maior quantidade de luz são percebidas como sendo mais escuras, até a absorção total, que é indicada pela sensação visual do preto. As que refletem ou difundem a luz em maior quantidade são percebidas como sendo mais claras, até a difusão total, que é indicada pela sensação visual acromática do branco. Além disso, a absorção seletiva permite também uma seleção qualitativa da luz, que pode produzir a sensação visual das diversas cores perceptíveis. Ao se reunir a seleção quantitativa com a qualitativa, a luz pode ser codificada para expressar as mais diversas nuanças e tonalidades. A mídia visual trabalha com


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esses princípios de seleção da luz branca e, atualmente, a mídia gráfica ou eletrônica está apta a representar visualmente todos os requintes visuais como pode ser percebido na visualidade das marcas. O design de marcas deve considerar também algumas limitações quanto ao tipo e formato de impressão dos produtos gráficos, que às vezes excluem as grandes proporções e a policromia indiscriminada. A dimensão técnica da comunicação visual deve atentar para todas as possibilidades e limitações do canal básico, que é a luz. Mas também deve estar atenta às peculiaridades funcionais do produto e dos meios de produção, transmissão e retransmissão da imagem. Essa atenção deve garantir a eficiência da comunicação visual, atendendo o o o o aos seguintes fatores: 1 - visibilidade, 2 - atratividade, 3 - competitividade, 4 -

comunicabilidade, 5o - reprodutibilidade, 6o - versatilidade e 7o - bom acabamento. Esses fatores devem propiciar uma aparência coerente com a imagem que se deseja construir ou garantir para a instituição, empresa ou produto representado. A coerência e a excelência na composição e reprodução gráfica, além de expressar profissionalismo, estimulam a confiança do consumidor na qualidade dos produtos ou serviços oferecidos, influenciando na sua decisão de compra. Desse modo, a marca gráfica manifesta um aspecto autopublicitário, ao ser apresentada como um produto em si, com expressão requintada por um alto padrão de visibilidade, atratividade e bom acabamento, e conteúdos próprios assinalados pelo caráter estético e pela comunicabilidade de seus atributos formais. No entanto, manifesta também um aspecto publicitário ao evocar, representar e atribuir esses valores à instituição, empresa ou produto que representa. A marca é um conjunto de formas e cores organizado como uma mensagem visual. Essa mensagem, além de sua significação específica, é sobrecarregada de sentidos que lhe são sobrepostos pela dinâmica do mercado como seu sistema cultural de emergência. Há um processo de comunicação visual do qual a marca faz parte. Esse processo apresenta um emissor, que é o designer com o seu repertório; um contexto, constituído pelo ecossistema de emergência da marca; uma mensagem, que é a própria marca, e o público receptor. O emissor envia a mensagem ao receptor e, para a mensagem ser eficiente, é necessário um contexto que deve ser passível de ser representado, por meio de


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um código lógico ou expressivo que, pelo menos parcialmente, deve ser comum ao repertório do emissor e do receptor. É necessário também um contato, composto pelo canal físico e pela conexão psicológica, que garanta o envio da mensagem do emissor ao receptor. Cada parte desse modelo de comunicação está relacionada com uma das funções da linguagem proposta por Roman Jakobson: a função emotiva, que expressa os desejos e intenções do emissor; a referencial, que se refere ao objeto/conteúdo da mensagem; a poética, que se estabelece pelas peculiaridades estético-comunicativas das formas de expressão da mensagem; a fática, que determina a realidade tangível e perceptível da mensagem, demarcando e reforçando a sua presença; a conativa, que é associada às condições de recepção, e a metalingüística, quando o conteúdo da mensagem se refere à própria mensagem. Abraham Moles estabelece uma distinção básica entre um ponto de vista estético e outro semântico, dividindo a informação em dois tipos básicos, de acordo com sua função, estética ou semântica. A função estética determina o caráter auto-referente das formas de expressão, com predomínio das seguintes funções da informação: fática, emocional e poética. A função semântica determina o caráter denotativo da informação, privilegiando as funções referencial e conativa da informação. As estratégias que ressaltam as propriedades tangíveis e objetivas dos produtos ou serviços investem na função referencial e na informação semântica por meio de codificação lógica. Isso compõe uma comunicação mais adaptada à transmissão desse tipo de conteúdo. Por outro lado, as estratégias que apelam para os aspectos intangíveis e expressivo-subjetivos, que possam ser atribuídos à marca e seus produtos ou serviços, investem na função emotiva e na informação estética por meio da codificação expressiva. Nesse caso, a comunicação assume traços mais temáticos, metafóricos e abstratos, acionando a criatividade, o idealismo, a sensibilidade e a afetividade do receptor. No quinto capítulo, há uma abordagem comparativa entre a linguagem visual das marcas gráficas e diferentes estilos de representação artístico-visual entre o medievo e a modernidade para ressaltar o aspecto maneirista/barroco na visualidade das marcas contemporâneas.


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A retórica da imagem fotográfica, como é apresentada por Roland Barthes, destaca seis tipos de artifícios conotativos que são: a trucagem, que é uma interferência direta na estrutura material da fotografia para criar uma situação irreal, mas com todos os índices de realidade; a pose, que solicita a preparação e apresentação do modelo com gestos e expressões, cujos sentidos já fazem parte de um repertório simbólico-cultural; os objetos, que indicam lugares ou afazeres e hábitos dos personagens, constituindo informações objetivas e subjetivas a respeito da cena fotográfica; a fotogenia, que é o embelezamento idealizado da imagem; o esteticismo, que é a fotografia apresentada imitando as expressões artísticas, e a sintaxe, que organiza imagens fotográficas isoladas em um conjunto significante. As alterações na visualidade das marcas têm configurado uma tendência à representação pictórica, que é orientada à linguagem fotográfica. Além disso, características semelhantes às indicadas como fotogenia e esteticismo são recorrentes nas apresentações das marcas gráficas. O desenvolvimento dos recursos técnicos tornou corriqueira a reprodução do modo fotográfico através da mídia impressa. Tal procedimento era difícil e dispendioso até a década de 1970, porque os processos utilizados para a separação de tons e cores para impressão eram todos fotomecânicos. Atualmente, a computação aplicada à industria gráfica popularizou a produção e impressão de imagens com o uso de meio tom e policromia. A produção e a reprodução gráficas são práticas e ilimitadas, o que possibilita a livre utilização de uma infinidade de variações cromáticas e efeitos visuais, até mesmo nas produções caseiras, realizadas em microcomputadores e impressoras de mesa. Na mídia gráfica, os mesmos elementos básicos de expressão, as linhas e os pontos, informam o conteúdo estético e o semântico da informação. Até o que é percebido como mancha é representado por linhas ou pontos organizados em retículas gráficas. Assim, a partir da linguagem binária, de zero ou um ou cheio e vazio, como foi proposta por Claude Shannon na Teoria Matemática da Informação, a relação entre o ponto e o vazio, revitalizada e potencializada pela computação gráfica, passou a compor imagens muito elaboradas. Isso favoreceu a adoção de um estilo rebuscado na composição visual das marcas gráficas, em oposição à canônica formal do design gráfico modernista, cujas características são o rigor geométrico e a economia cromática.


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O design modernista propõe uma estética adaptada ao modo gráfico de representação e aos recursos técnicos da gráfica industrial, muito diferentes dos que compõem a produção eletrônico-digital de agora. A visualidade das marcas vem sendo determinada entre o estilo despojado e lógico do design funcional modernista e o tratamento mais rebuscado e expressivo doado pela tecnologia digital. Isso tem resultado em transformações estéticas que caracterizam um modelo estético que pode ser denominado de “maneirista”. As artes visuais, e conseqüentemente a história da comunicação visual, são ricas em variações de estilos, tanto na composição quanto na representação de imagens. Heinrich Wölfflin estabelece oposições entre as formas renascentistas e as barrocas ao estudar as diferenças entre estilos artísticos. Essas mesmas oposições podem ser aplicadas ao estudo das marcas, porque ocorrem entre os aspectos linear, plano, fechado, unitário e claro do clássico/renascentista e os aspectos pictórico, profundo, aberto, plural e obscuro do barroco/maneirista, coincidindo com as divergências formais entre os estilos funcionalista e maneirista na estética do design de marcas O prazer estético não é obrigatoriamente vinculado ao valor estético. Mesmo que normalmente as obras de arte reúnam em si essas duas qualidades, muitas obras de notório valor estético se negam a proporcionar prazer. Do mesmo modo, outras manifestações de pouco valor estético podem oferecer algum tipo de prazer estético e, por isso, tornam-se fascinantes. As marcas gráficas atuais não são artísticas, todavia, sua visualidade desempenha função estética, proporcionando um tipo de fascínio visual, que é sustentado pelo prazer estético que é capaz de proporcionar. O sentido estético também não é uma essencialidade do objeto, sendo proposto na relação entre o sujeito sócio-histórico e o objeto. Isso assinala que o valor estético é circunstancial ao indivíduo e ao contexto em que tanto o indivíduo quanto o objeto estão inseridos. Algo pode ser percebido como estético em um momento histórico e não em outro. Do mesmo modo, pode ser assim reconhecido por um indivíduo e não por outro. Essa apreciação individual e subjetiva costuma prevalecer, em alguns casos, aos valores sócio-históricos, apesar da subjetividade também ser constituída sob influência do meio. Há, porém, uma hipertrofia da função estética na visualidade das marcas,


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devido ao exagero no uso de recursos conotativos como a fotogenia e o esteticismo, o que dissimula a função referencial-comunicativa da marca, apresentando-a como um texto auto-referente e uma forma pseudo-artística. Isso assinala o traço kitsch da sua expressão ambígua que é assim determinada pela perda de objetividade. Abraham Moles estabelece cinco princípios indicadores da expressão kitsch : Inadequação, que manifesta um desvio em relação à função referencial. Acumulação, que apresenta formas saturadas e redundantes por empilhamento de traços decorativos. Sinestesia, que promove a sobrecarga de estímulo aos canais sensoriais. Meio termo, que é demarcado pela ambigüidade. Conforto, porque, apesar do grande número de elementos, a mensagem é altamente redundante, não exigindo grandes esforços interpretativos. O que é configurado ao fim deste trabalho é o conflito entre o princípio da funcionalidade, que prega o ascetismo formal e o predomínio funcional através da simplicidade, objetividade e durabilidade, e a lógica de mercado, que requer a aceleração da rotatividade das mercadorias pelo aumento do consumo e das necessidades de consumo. O conflito instaura uma ambigüidade maneirista, que dissimula a contradição ao encobrir o redundante com a máscara do funcional, ou seja, recobre o kitsch com aquilo que Moles denominou de neokitsch. O primeiro se destaca pelo excesso decorativo que recobre o funcional, o segundo dissimula essa linha divisória entre o decorativo e o funcional, transformando tudo em espetáculo, ao mesmo tempo em que dissimula o redundante com artifícios conotativos de funcionalidade. A visualidade das marcas gráficas também expressa esse conflito, por meio do tratamento maneirista que é sobreposto às formas geométrico-funcionalistas. Esse recurso serve para sacralizar o design das marcas como pseudo-arte, por meio dos artifícios da fotogenia e do esteticismo. A função referencial é dissimulada pela exacerbação estética e a visualidade da marca é oferecida como espetáculo para o fascínio das sensações. As associações prévias com a natureza da instituição, empresa ou produto são deixadas em segundo plano. O deslumbramento causado por sua aparição faz com que a relação entre a marca e seu referente sobreviva apenas do convencional, pois, a marca gráfica aparece autônoma, fascinante, como mais um produto oferecido ao consumo.


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Capítulo I

ASPECTOS GERAIS E O SIGNIFICADO DO TERMO MARCA Neste capítulo são estudados os aspectos gerais das marcas institucionais, comerciais e corporativas, a partir de uma revisão de recentes publicações sobre o tema. A bibliografia específica na qual esse estudo se referenda está concentrada prioritariamente em duas áreas: a Administração de Marketing e o Design Gráfico. Essas duas áreas manifestam aqui seu caráter técnico, através de textos predominantemente operacionais. Todavia, são as responsáveis pelos estudos de aplicação dos principais aspectos formadores da marca. O primeiro é sua aparência, sua imagem perceptível (trademark), criada e produzida pelos designers. O segundo é sua imagem mental, idealizada (brand), que é construída na mente dos consumidores, clientes, principalmente através das ações de marketing e publicidade. A apresentação das marcas sob as abordagens do design e do marketing é o ponto de partida desse estudo, que se propõe apresentar as marcas como sistemas semióticos associados ao seu contexto cultural, priorizando, contudo, a reflexão sobre a natureza simbólica da visualidade de suas formas de expressão gráfica: mais especificamente, os logotipos e pictogramas existindo como entidades emergentes no amplo ecossistema cultural. As idéias apresentadas neste primeiro momento são indicações do que será desenvolvido nos capítulos posteriores, propondo o início de uma reflexão sobre a significação da visualidade das marcas que estão sendo transformadas pelos recursos decorrentes dos avanços tecnológicos aplicados à computação gráfica.

1.1 . Formas de apresentação e percepção das marcas. Marca é um termo complexo, com significado polissêmico e multiforme,


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abrangendo diversos modos de expressão, sejam lingüísticos, visuais, sonoros ou outros. Isso ocorre porque uma marca pode ser apresentada e percebida de diversas maneiras. No posfácio do livro A Marca e o Logotipo Brasileiros (Pino e Santos, 1974), Antônio Houaiss discorre sobre as origens do termo marca: A base morfológica correspondente ao português marca ocorre em quase todas as línguas germânicas; e, através do teutônico, deve ter sido introduzida no românico, aparecendo, tanto em forma feminina quanto em masculina – ou também em ambas (como é o caso do português marca e marco, ademais de marcha, e sem contar seus cognatos) - no francês, no provençal, no italiano, no espanhol, com sentidos que se irradiam entre ‘sinal, signo, sinete, limite, moeda (porque ‘marcada’), padrão, módulo, modelo, traço, caráter’ e afins. Em português há documentação escrita, tardia embora, já a partir de 1179 e daí por diante com ocorrências nos diversos sentidos referidos. Mas o ligado mais diretamente à problemática deste livro, vale dizer, a “marca comercial”, não deve ser anterior ao século XVI, como se pode inferir da palavra inglesa correspondente, trade mark, cuja acepção se faz clara já por 1571, embora a forma fixa de composto só se documente por 1836. (in: Pino e Santos, 1974). A diversidade de interpretações sobre uma marca é decorrente dos diferentes modos como se expressa, podendo ser : um sinal visual ou sonoro, uma forma, figura ou imagem, que se apresentam como substância perceptiva, estruturada e destacada do meio: um som, um nome, uma forma geométrica ou orgânica, além de outras possibilidades; uma

representação

figurativa

ou

lingüística

constituída

a

partir da

estruturação de uma substância perceptiva, configurando elementos da natureza ou objetos culturais já conhecidos como: um guarda-chuva, um cavalo, uma estrela... um conceito sedimentado na sensibilidade e no imaginário coletivos, a partir do conjunto de percepções sobre o desempenho de algo ou de alguém, que motiva a distinção de uma identidade para uma pessoa ou instituição: A seriedade é a marca de sua personalidade.

Quando se trata de uma marca institucional ou comercial, sua expressão é mais comumente percebida como um signo lingüístico, sonoro ou visual que, no


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geral, é apresentada ao mesmo tempo em mais de uma forma de expressão. Tomando como exemplo a marca McDonald’s, é possível perceber claramente, em uma mesma composição, a associação do signo visual ao lingüístico para uma atuação em conjunto (fig. 01).

(Fig. 01. Marca McDonald’s.)

A percepção desse conjunto é evidenciada por alguns pontos que interagem entre si, solidificando seu conceito na mente do consumidor : a marca é pronunciada em anúncios de rádio, televisão, ou similares. Nesse caso, dado o seu caráter oral e lingüístico, constituído na relação entre a língua e a fala, seu nome é predominantemente um signo sonoro; por ser um nome, aparece como signo lingüístico nos textos impressos; esse nome é escrito de um modo peculiar, o que impõe um sobre-sentido visual ao signo lingüístico. Neste caso, a marca é uma composição gráfica que associa o signo lingüístico ao visual. Essa associação é denominada pela área de Design Gráfico como logotipo. O nome Coca-Cola parece ser mais perceptível e pregnante quando apresentado na grafia tradicional de seu logotipo (fig. 02).

(Fig. 02. Logotipo da Coca-Cola.)

Esse enfoque propõe uma maior eficácia na criação e desenvolvimento da marca, quando sua visualidade é associada a outros valores, que são determinados pela imagem mental que ela estimula no público consumidor. Há também outros elementos de identificação que são relevantes, porque a marca nem sempre é constituída apenas pelo signo lingüístico (nome) ou pelo texto lingüístico visual (logotipo), uma vez que a marca pode ainda ser representada também por outro tipo de texto visual, o pictograma, que se apresenta sob diversas formas, mudando de acordo com a instituição, empresa ou produto que representa. A forma do pictograma permite uma grande variedade de representações,


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modulações que vão desde uma representação figurativo-naturalista até uma abstração, podendo aparecer como um círculo, um guarda-chuva, uma mancha, etc. Pode-se tomar como ilustração o processo de transformação da marca do antigo Banco Nacional, que variou do naturalismo à abstração. É possível observar que a primeira representação naturalista do guarda-chuva (fig. 03-A) foi substituída por uma forma tão estilizada, durante o processo de revitalização da marca, que passou a ser percebida como uma abstração composta por três formas justapostas em círculo (fig. 03-B). A marca manteve, entretanto, uma associação (recall) mínima com a imagem anterior, por meio da forma circular e dos cortes que suscitam uma imagem de topo de um guarda-chuva aberto. Nas vinhetas televisivas de apresentação da marca, a figura do guarda-chuva aparecia em movimento, a partir da vista lateral, até ser percebido como um círculo que, em seguida, adotava a forma da marca, preservando as associações já solidificadas na mente dos diversos públicos alvos.

(A)

(B)

(Fig. 03. Duas versões da marca, pictograma e logotipo, do extinto Banco Nacional.)

Com base nos exemplos acima (fig. 03), é possível verificar que o pictograma (figura ou emblema) geralmente é apresentado em conjunto com o logotipo. Esse conjunto, no contexto do design gráfico brasileiro, também é conhecido como logomarca, nome que tem o mesmo significado do termo inglês trademark, porque esse último reúne em si as formas de expressão gráfica da marca. Apesar de haver outras terminologias e diferentes significações, que são adotadas pelas áreas de marketing e design gráfico1, utiliza-se neste estudo o termo marca para denominar duas realidades conjugadas. A primeira é determinada pela materialidade do texto gráfico, que define a visualidade da marca. Já a segunda realidade é determinada pela imagem mental que o público desenvolve a respeito da marca e de seus referentes. Isso caracteriza a imagem de marca, que é formada pelo conjunto de valores que lhe são atribuídos pelos consumidores. 1

As áreas de design gráfico e de marketing apresentam termos específicos para as diversas manifestações da marca, os quais aparecem neste texto com o propósito de estabelecer uma relação didática, entre o que já está proposto e a conceituação que está sendo definida neste estudo.


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No tocante às formas de expressão gráfica, utiliza-se neste estudo, como já foi visto, o termo pictograma para designar a figura ou emblema que representa a empresa. Por sua vez, o termo logotipo serve para indicar o nome da marca grafado de modo peculiar, apresentando-se, ao mesmo tempo, como texto lingüístico e visual. No geral, há três formas básicas de expressão da marca: a lingüística, a visual e a sonora, que compõem o conjunto básico de sua apresentação. David Aaker (1998: XI) afirma que “a marca é identificada pelo nome e, freqüentemente, por um símbolo e também por um slogan”. Esse último, o slogan, pode reforçar e descrever a marca: “Banco Nacional: o Banco do guarda-chuva”. Todavia, a simples menção do nome da marca é sua expressão sonora mais recorrente. Em todas as formas de expressão da marca é interessante inserir peculiaridades perceptivas que a tornem distinta das demais. Dentre outros fatores, as variações de entonação de voz e as peculiaridades do design são contribuintes consistentes para essa distinção perceptiva. Por outro lado, além de cumprir as funções de distinguir e identificar uma instituição, empresa ou produto, o ato de percepção da marca também induz à produção de uma síntese mental, que constitui a imagem de marca na mente do consumidor. A imagem de marca é muito mais ampla e complexa que a representação material desta - seja o nome, o pictograma ou o slogan  porque é resultante de diversas associações ocorridas durante a convivência do consumidor com a marca, seus produtos ou serviços. Como salienta J. B. Pinho (1996: 43): Uma marca passa a significar não apenas um produto ou serviço, mas incorpora um conjunto de valores e atributos tangíveis e intangíveis relevantes para o consumidor e que contribuem para diferenciá-la daquelas que lhe são similares. Assim, ao adquirir um produto, o consumidor não compra apenas um bem, mas todo o conjunto de valores e atributos da marca. O consumidor de produtos Nestlé, por exemplo, evoca nos produtos da marca valores como saúde, qualidade, sabor e, acima de tudo, a confiança que deposita na empresa. No conjunto das possibilidades associativas, para compor a imagem de marca, estão todas as vivências do consumidor no processo de construção e divulgação da marca; além de todas as associações decorrentes do meio social e da sua herança cultural. As experiências na recepção da marca e no uso dos produtos ou serviços também fazem parte do contexto de influência na formação da imagem


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de marca, configurando sua estrutura externa. Assim, como será visto mais adiante, em última e primeira instância, a cultura é o campo de emergência das marcas. Como motivadora de sínteses mentais, a marca quando é percebida produz sentido, através de sua manifestação visual, sonora ou lingüística, comunicando mais que significados, porque nenhum significado é desprovido de sentido, mas o âmbito do sentido é excedente, envolvendo impressões que vão além dos limites do significado. Nesse caso, é importante que se faça a distinção entre os termos ”significado” e “sentido”, discordando da sinonímia proposta por Edmund Hursserl (1859-1938)

nas suas “Investigações Lógicas” (in: Pensadores, 1992). O significado pode

ser encontrado no dicionário, assumindo um caráter denotativo. Já o sentido depende das relações entre o texto e o contexto e também das possibilidades interpretativas, apresentando assim um caráter conotativo. De acordo com os termos utilizados por Gottlob Frege (cf. Bystrina, 1995: 17), o sentido interage com a carga expressivo-afetiva, indicando intensidade, enquanto o significado indica extensão. O sentido propõe a apreensão do conceito na sua totalidade, incluindo suas variações poéticas e subjetivas. Isso coincide com o termo “conotação”, como proposto por John Stuart Mill (1806-1873) (Greimas e Courtés, 1979: 77).

Já o significado indica extensão e coincide com o termo “denotação” que,

segundo Stuart Mill, “visa a esgotar um conceito do ponto de vista da sua extensão” (ibid.:106).

O sentido não se resume ao significado, porque aponta uma relação no mundo que não depende só da linguagem. Apesar de viver dentro da linguagem, o sentido não é produzido por ela. Segundo André Martins (in: Face, vol.1, n.1,1998: 76): O sentido não depende somente do emissor, nem somente da mensagem, ou do meio, tampouco apenas do receptor: este é também autor - receber é criar. É necessariamente reelaborar (é, aliás, a re-elaboração que caracteriza propriamente uma informação); emitir é receber de si próprio e de tudo e todos que confluem naquela emissão autoritária. O sentido é da ordem do invisível, do extracódigo, em termos clássico-estruturais. Significantes e significados são apenas suportes de sentido, do sentido próprio ao instante. O meio, a mensagem, o mundo, se criam, se recriam e se transformam no processo, denso e não separável da comunicação. Tendo em vista que os conceitos de denotação e conotação, que são relacionados aos termos de sentido e significado, também podem ser aplicados aos


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textos visuais e a outros textos não verbais, o proposto por A. Martins na citação acima pode ser transposto para o universo das marcas, considerando todas suas formas de expressão. Quando é comunicada ao público, a marca passa a desenvolver novos atributos, além daqueles propostos pelo emissor, porque a informação é constituída de modo diferente pelo emissor e pelo receptor sendo que, inicialmente, a informação parte do emissor para o receptor, mas, posteriormente, ocorre o contrário (Bystrina: 1995: 7). Fica estabelecida uma via de dois sentidos: o primeiro parte do emissor para o receptor e o outro parte do receptor, colidindo com a mensagem e atualizando-a à luz de uma nova percepção. Depois dessa interação, o segundo sentido é encaminhado na direção do emissor. Esse processo de atualização gera outros sentidos, cuja origem é situada aquém e além dos significados codificados, porque não são produzidos em decorrência simples e direta de algum fator em particular, como é proposto nos modelos clássicos de comunicação. A marca pode informar tanto através do fornecimento de informações sobre sua própria estrutura, quanto sobre a empresa ou produto que representa (partindo do conceito que o anunciante faz de sua empresa ou produto), como também sobre o contexto e, ainda, sobre a cultura de sua época. Todavia, a imagem de marca na mente do consumidor não raro assumirá sentidos diferenciados de tudo o que foi previamente proposto. De acordo com José Roberto Martins (2000: 28), isso justifica como estratégia de marketing a busca de um claro posicionamento da marca no mercado e na mente dos consumidores, permitindo-lhes uma percepção e uma avaliação distinta com relação às concorrentes: Como as marcas encontram seu sentido na percepção dos consumidores, o posicionamento acaba sendo o processo pelo qual uma empresa oferece aos consumidores as marcas dos produtos ou serviços de que dispõe. Com o posicionamento, o foco passa a ser a maneira como apresentamos a oferta aos nossos consumidores e como eles a percebem, diante de suas expectativas (não exclusivamente das expectativas e desejos das empresas). Em todas as situações de compra, isso pode ser muito mais importante que os componentes tangíveis da oferta (ibid.). O sentido emerge de um processo, de um sistema de relações produzidas no tempo e no espaço, cujo princípio antecede ao próprio ato de percepção da marca.


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O sentido acontece no texto, mas sua existência antecede ao texto, porque tem como fonte uma exterioridade (estrutura externa), que é o próprio contexto cultural. O que Jorge de Albuquerque Vieira postula na citação abaixo esclarece o uso do termo “processo” na percepção dos fenômenos e também na produção de sentido, porque a própria qualificação de algo como um fenômeno implica na percepção de sentido e na busca de significações: Cadeias no tempo de eventos são chamados processos, que se propagam na estrutura do espaço-tempo e agem sobre outros sistemas. No caso de um sistema humano, os processos são percebidos e codificados em alguma estrutura cognitiva: o processo, visto por essa interface, constitui o fenômeno. (in: Face, vol.1, n.1, 1998:154). Consolidando a interação entre “sistema” e “processo”, Bystrina (1995:36) salienta que há uma inter-relação, envolvendo reciprocidade, entre os elementos de sistemas dinâmicos: Uma vez que a relação entre elementos de sistemas dinâmicos reais tem o caráter de reciprocidade, que se realiza através dos deslocamentos espaçotemporais, isto significa transformações através do comportamento do sistema. Às séries de mudanças ou de transformações temporais, nós denominamos “processos” ou “transcursos”. (ibid.). A percepção da marca pelo público inter-relaciona esses dois sistemas dinâmicos e, portanto, instaura um processo de interpretação que é influenciado por diversas cadeias de eventos dentro do amplo ecossistema cultural. A origem desses eventos influentes muitas vezes antecede o aparecimento da marca. Além disso, a percepção da marca como fenômeno envolve um vivido individual e coletivo, cujo terreno dinâmico é o solo da cultura, onde interagem experiências físicas, afetivas e psíquicas, as quais podem ser, ainda, objetivas, subjetivas e intersubjetivas. Através desse processo, a marca como fenômeno percebido passa a significar outras coisas e ter um sentido amplo, além daquilo que significa em um primeiro momento, pois, “cada texto pode ter diversos significados, sentidos múltiplos, num texto complexo surgem também diversas mensagens. Elas se armazenam à maneira de camadas superpostas umas às outras” (ibid.:18). Caso a marca seja expressa por um pictograma, o seu sentido, portanto, antecederá e ultrapassará o que aparenta ou representa à primeira vista. Quando expressa por um nome, a marca estará aquém e irá além de seu primeiro significado


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lingüístico e assim por diante. Dizer que o sentido antecede e está aquém da codificação indica também que, antes da interpretação lógica ou conceitual, que caracteriza a informação semântica, há uma percepção sensorial, não-conceitual e intuitiva, que caracteriza uma percepção estética, porque o termo sentido está diretamente ligado ao verbo sentir. Seguindo Friedrich Nietzsche (1844-1900), que na “Origem da Tragédia” (in: Pensadores,1991)

afirma o sentido trágico como fundador de um conhecimento

intuitivo, primordial e precedente ao estado lógico-conceitual, Deleuze e Guattari ilustram a participação do sentir, do intuir e da afetividade como pressupostos para o conceitual, ao propor que o não-filosófico (intuitivo) habita o coração da filosofia (conceitual): O não-filosófico está talvez mais no coração da filosofia que a própria filosofia, e significa que a filosofia não pode contentar-se em ser compreendida somente de maneira filosófica ou conceitual, mas que ela se endereça também, em sua essência, aos não-filósofos. (Deleuze e Guattari, 1996: 57). De acordo com Ivan Bystrina (1995: 6), o que caracteriza a informação como signo é a intencionalidade. Porém, o sentido não é algo necessariamente produzido pelo consciente e, exatamente, porque seu universo é prévio, ele é uma condição de possibilidade ou, ainda melhor, de virtualidade, que se estabelece primeiramente no inconsciente: “A informação que vem do inconsciente, como já disse Freud, é uma informação básica, primeira, e também é intenção, também é intencional. Algo na psique produz essa intenção” (ibid.). Os sentidos originais são armazenados no inconsciente e dali surgem, emergindo através de processos criativos para o campo consciente. Portanto, ao se dispor a estudar o sentido nas marcas, há que se considerar também as associações afetivas e intuitivas, tanto no plano consciente quanto no inconsciente. Além do quê, toda informação quando é emitida consiste, ainda, em uma informação latente, que precisa ser atualizada por um receptor capacitado (Bystrina, 1995:36).

Caso não haja um receptor capaz de receber a informação e lhe fornecer

sentido, ela não se atualiza e o ciclo da comunicação fica suspenso. O que subsidia a atualização é o acervo perceptivo-interpretativo do receptor. Qualquer estímulo pode ser apreendido como informação se conseguir também


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atualizar alguma informação, como parte da memória cognitiva ou afetiva, consciente ou inconsciente, do receptor. Desse modo, esse estímulo será percebido como um dado informativo. A informação que vem do inconsciente para colidir com os estímulos externos, além de ser básica, primeira, também é intencional. Pois, alguma coisa na psique produz essa intencionalidade (ibid.). Sobre a participação do afetivo, do lógico e do inconsciente na criação de sentido das marcas, Willian M. Backer (in: Randazzo, 1996:10) ressalta que:

Um produto pode vender devido ao apelo lógico que exerce sobre nossa mente consciente, mas uma marca – ao contrário de um produto individual – forma-se emocionalmente com o passar do tempo e entra no nosso inconsciente numa maré de emoções, e não por meios lógicos. E serve então para ocupar um vazio que precisa ser preenchido pelo mito. Assim, as marcas em sua totalidade, não apenas suas formas de expressão gráfica, são produtos míticos, porque são constituídas através de ritos especiais de atribuição de sentidos. As expressões da marca representam o mito constituído pela empresa ou produto através suas relações no mercado. Roland Barthes, no seu livro Mitologias (1999), diz que o mito é uma fala, podendo ser expresso pela oralidade, pela escrita ou por outras formas de representação. Por sua vez, Sal Randazzo (1997) propõe de modo bem sucinto que “mito é realidade produzida”. Tudo pode constituir um mito, desde que seja objeto de uma fala mítica, que é simbólica e transcende os aspectos tidos como naturais. Iúri Lotman e Boris Uspenskii (in: Lótman, et al., 1981: 133) afirmam ainda que o mito é um fenômeno da consciência e não dos objetos, caracterizando uma metáfora que transforma os objetos. A compreensão do mito depende do conhecimento dessa transformação, como nos exemplos: (1) “o mundo é matéria”, que é um texto descritivo, e (2) “O mundo é um cavalo, que é um texto mitológico” (ibid. 131). No segundo exemplo, ocorreu uma transformação simbólica, metafórica, dos objetos “mundo” e “cavalo”. As marcas são símbolos considerados pela psicologia, como mitos modernos, que habitam no espírito dos consumidores, de acordo com as características de sua atualidade histórica. Porém, a mítica em torno das marcas toma por base características ancestrais. Ao falar a respeito do sinal marcado no corpo do indivíduo para inseri-lo como


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membro do grupo nas comunidades primitivas, Nietzsche afirma que foi a marca dolorosa no corpo, como rito da cultura, que instaurou na memória do homem o compromisso social (in: Pensadores, 1991, vol.2: 84). Uma genealogia da marca aponta sua atuação na produção de memória, desde os primórdios da organização social. Por isso, as marcas comerciais são estratégicas para uma cultura de mercado no ambiente da sociedade de consumo por serem elementos de registro da memória coletiva. O desenvolvimento dos processos de impressão de marcas substituiu a construção agônica de memória, como registro doloroso no corpo, por técnicas sutis, psíquicas, e até prazenteiras (hedônicas), de grafar a marca nas mentes do público em geral como representações de mitos, falas, constituídos em torno de empresas e produtos. A marca é produtora de uma ação simbólica de codificação, quando é arbitrada como elemento identificador de um grupo social. Por sua vez, a marca comercial inaugura uma cultura ligada à instituição, empresa ou produto, porque a inscrição da marca na mente do público instaura todo um processo de memorização em torno dos valores propostos e amealhados pela instituição ou produto durante o seu devir no mercado. Quando a escolha de uma marca recai sobre um texto lingüístico ou visual já codificado, esse texto adquire mais significação porque, além de tudo o que representa, passará a representar também uma instituição, empresa ou produto. Como no caso da marca visual da WWF (fig. 04) que, além de representar o urso panda e possibilitar outras associações, passou a representar também a mundialmente conhecida Fundação Suíça: World Wildlife Fund for Nature.

(Fig. 04. Marca da WWF)

Ao ser associada institucionalmente a uma empresa ou produto, a marca tem garantido o seu aspecto simbólico, porque, ainda que não seja associada a mais nada, foi arbitrada como elemento de representação. Porém, há três situações interessantes que devem ser consideradas: 1. Mesmo que seja um texto inédito, original, sendo produzida especialmente para representar uma determinada empresa, sob quaisquer formas que ela se apresentar, sonora, lingüística ou visual, a marca suscitará associações com


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coisas pré-existentes, dando início a um processo de ampliação de sentido. 2. Ao serem associados a uma empresa, um nome ou um pictograma estarão incorporando, por relação ocorrida nas mentes do público, todos os atributos resultantes da relação da empresa e seus produtos com os consumidores. Isso também amplia as possibilidades de produção de sentido desses textos. 3. Além das possibilidades anteriores de analogia figurativa ou codificação lingüística, que podem associar a marca a um cavalo, um guarda-chuva, uma estrela, etc., a marca pode também reunir em si associações entre o cavalo e a velocidade; o guarda-chuva e a idéia de proteção ou a estrela e a luminosidade, etc. Como será proposto mais adiante, isso caracteriza uma associação metafórica por similaridade ou uma associação metonímica por contigüidade. Um exemplo de contigüidade ocorre entre a estrela e a luz, porque uma parte, o brilho da estrela, responde pelo todo, a idéia de luminosidade em geral. O particular responde pelo geral. Todavia, quando essa luz ou brilho passa a representar uma personalidade esfuziante, o termo luz adquire um “sentido figurado” e o que ocorre é uma metáfora. A palavra “estrela”, quando relacionada a brinquedos, identifica e representa uma indústria do ramo que, durante muitos anos, foi líder de mercado no Brasil (fig. 05). No entanto, a palavra estrela também é o signo lingüístico que identifica um tipo de astro celeste. Essa condição indica diversas possibilidades de sentido, tais como: o sentido de guia (estrela guia); de sorte (ele tem uma boa estrela); de realizadora de desejos (“primeira estrela que vejo satisfaça meu desejo”); de alguém com luz própria (ela brilha como uma estrela), etc. (Fig. 05. Brinquedos Estrela.)

Outro exemplo é a marca Jaguar, onde a imagem do animal saltando (fig. 06) sugere, reforça nos carros da marca as qualidades de rapidez e elegância, que são peculiares aos felinos e, em especial, ao jaguar, cujo nome e imagem foram escolhidos para representar a marca (Mollerup, 1997: 11). Essas associações permitem que a marca, além de representar a empresa e seus produtos, também lhes atribua qualidades.


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(Fig. 06. Imagem marca da Jaguar.)

Do mesmo modo, uma empresa transfere para sua marca uma série de sentidos positivos ou negativos, de acordo com seu desempenho junto aos consumidores, seja através de sua publicidade, de seus produtos ou serviços. Uma vez que a marca gráfico-visual foi vinculada a uma empresa para representá-la, a mesma passa a ser carregada de ideologia também pelo uso e não somente pela forma (Bittencourt: 1991:171).

1.2. Conceitos e terminologias gerais. Como foi dito anteriormente, marca é um termo complexo que abrange diversas formas de expressão e pode ser percebida de diversas maneiras. Mas, além dessas considerações gerais, cada área de interesse conceitua e define o termo marca de acordo com o seu escopo específico. Segundo a American Marketing Association, marca (denominada como trademark) “é um nome, designação, sinal, símbolo ou combinação dos mesmos, que tem o propósito de identificar bens e serviços de um vendedor ou grupo de vendedores e de diferenciá-los de concorrentes” (Kotler, 1996: 386). Preocupado em tornar mais abrangente o conceito de marca, incluindo as expressões sonoras ou visuais, dentre outras, cujas funções são de identificação e distinção de empresas e produtos, Mollerup (1997:97) diz que o termo trademark abrange qualquer letra ou combinação de letras, signo pictográfico, ou não-gráfico e até mesmo não-visual, ou qualquer combinação desses, cujo uso por uma organização ou por seus membros é para identificar comunicações, propriedades e produtos ou para certificar seus produtos e distingui-los dos de outros. Mollerup ainda analisa as propriedades formais e funcionais que justificam a nova definição de Trademarks (cf. ibid.). As conceituações acima privilegiam a estrutura interna, que determina a forma expressão da marca como elemento perceptível, destacado e diferenciado


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com relação ao meio circundante e às outras marcas. Destacam e privilegiam, portanto, a função de identificação da marca. Porém, os termos “signo” e “símbolo” apontam para outras funções que, de acordo com Platão e Fiorin

(1996:250),

“procuram traduzir as propriedades abstratas que definem o

caráter da empresa e, ao mesmo tempo, criar uma relação de identidade com o público a que se destinam”. Isso evidencia que a marca representa ainda um lastro psicológico, composto por sentimentos, idéias e conceitos. Esse lastro possibilita ao público consumidor ou usuário construir uma imagem mental (ideal) da marca e conseqüentemente da instituição, empresa ou produto que por ela é representado. Existe, portanto, uma forte inter-relação entre esses dois aspectos da marca: o perceptivo e o psicológico. O consumidor vai ao supermercado e compra um produto com a identificação do fabricante; caso a experiência de uso for bem sucedida, a aprovação do consumidor recai sobre a marca ressaltando-a com um sinal positivo. Na volta ao supermercado, o consumidor reincide na compra daquele produto, apoiado no reconhecimento da marca. Mas, caso o produto comprado seja do tipo commoditie, que é um tipo de produto que não traz a marca do fabricante, o consumidor ao retornar às compras, não terá a garantia de repetição da sua boa experiência, porque o supermercado poderá ter adquirido um produto aparentemente idêntico, mas de outra procedência e com características diferentes daquele que foi consumido anteriormente. Nesse caso, a marca é conveniente tanto para o produtor, quanto para o consumidor. O produtor a utiliza para individualizar as qualidades de sua empresa que, de outra maneira, seriam dificilmente distintas das de outros produtores. A individualização é conseqüência da criação de uma identidade, que pode promover um incremento nas vendas. Ao consumidor, por sua vez, ela garante a boa qualidade e atende ao desejo de identificação, auxiliando na repetição de experiências consideradas bem sucedidas. Como um sinal perceptível, a marca leva o consumidor a reconhecer algo simbólico além de sua aparência, sobrepondo aos produtos uma outra marca ideal, afetiva e conceitual. Essa última resulta do conjunto de percepções do consumidor, que é decorrente do seu convívio com as estratégias de divulgação da marca e também do uso de seus produtos ou serviços. Em um conceito ampliado e produzido à luz da Teoria dos Sistemas como foi


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proposta por Edgar Morin (1990), a marca como imagem mental, ideal, que é representada por um ou mais textos gráficos (pictograma, logotipo, etc.), emerge do sistema formado pelo conjunto de percepções e experiências que relacionam os consumidores a uma instituição ou empresa e a seus produtos ou serviços. Essa relação é mediada e constantemente alimentada pelo meio cultural, que é campo de emergência da marca, caracterizando-a como sistema aberto, dependente das trocas com o ambiente para se manter e continuar existindo. Isso “significa que um sistema aberto não pode encontrar em si a justificação total da sua própria organização; há sempre um elemento incapaz de ser solucionado porque depende do exterior ou do ecossistema” (Morin, ibid.: 68). A marca é um sistema aberto, que se constitui na relação comunicativa entre a empresa, representada por suas formas de expressão, e o público. Essa relação é intermediada em primeira instância pelo mercado e, em última, pela cultura que, como será proposto mais adiante, é o amplo ecossistema das marcas. A ação das formas de expressão da instituição ou empresa no mercado, incluindo a utilização de seus produtos e serviços, estabelece na mente do consumidor uma imagem de marca. Essa imagem síntese, que é constituída como uma emergência, pode ser compreendida como uma tomada de consciência, porque coincide com o que diz Morin (ibid.) a respeito desse fenômeno, ou seja, “não é nem uma essência nem uma substância, mas o produto de interações de interferências entre atividades cerebrais múltiplas, e este produto se constitui como emergência, como aparição global”. Em resumo, a imagem de marca, como uma tomada de consciência, formula uma síntese mental que conjuga elementos tangíveis (perceptíveis) e intangíveis (sentimentos, idéias e conceitos), os quais emergem do sistema constituído pelas relações de divulgação, ações de interação ou comercialização e uso de produtos ou serviços de uma empresa. Por outro lado, as formas de expressão da marca, como sinais perceptíveis, reúnem simbolicamente, apresentando, incorporando e representando todos esses elementos, tangíveis e intangíveis, que são compositores da imagem de marca. Para Décio Pignatari, como citado por Flávio Bittencourt no seu trabalho intitulado “Marcas Registradas” (1991), “a marca-símbolo (pictograma) pode ser considerada o principal produto ou serviço da empresa, pois ela é a imagem sintética de todos os seus bens e serviços”.


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A imagem de marca, portanto, é mais abrangente do que os sinais gráficos, lingüísticos ou sonoros. Porém, em última instância, são esses sinais que expressam a marca em sua totalidade e sua percepção faz ressurgir a imagem de marca na mente do público consumidor. De acordo com o escopo de cada área de interesse, o termo marca pode ser enfocado com destaque para sua estrutura interna (logotipo, pictograma ou outros elementos perceptivos), que reúne e organiza seu lastro perceptivo (identidade visual), atuando como estrutura de expressão, ou para sua imagem de marca, ideal e emergente, que determina o seu lastro psicológico e simbólico (sentimentos, idéias e conceitos), atuando como estrutura de conteúdo (sentidos e significados) em constante interação com a estrutura externa (contexto). O exemplo no primeiro caso é a área de Design Gráfico, cujos produtos do seu negócio são as próprias formas de expressão da marca, como os logotipos e outros elementos de identificação visual de empresas e produtos. As formas de expressão, além de compor seu lastro perceptivo, também são elementos influentes na constituição do conteúdo, lastro psicológico e simbólico. As cores, as formas, enfim, os elementos compositores e a própria composição visual são produtores de sentidos e significados. Porém, os sentidos expressos por esses elementos perceptivos são menos dinâmicos, menos instáveis, que outros conteúdos estabelecidos na relação entre a marca e o mercado, como a reação do consumidor a um tipo de abordagem ou atendimento por parte da empresa. A cada nova abordagem ou atendimento, o que é evento freqüente, a imagem de marca pode ser alterada na consciência do consumidor. Logo, o processo de produção simbólica envolve também e principalmente as ações de marketing, de publicidade e a performance dos produtos. Por isso, no segundo caso, onde a prioridade é dada à imagem de marca, o exemplo privilegiado é a área de Administração de Marketing ou de Branding, onde a marca e todos os seus elementos de identificação da empresa fazem parte de um conjunto mais amplo de relações, envolvendo todas as manifestações constituintes da identidade corporativa da empresa. No que diz respeito aos públicos interno e externo, a empresa pode ser apresentada de diversas maneiras, seja pela qualidade dos seus produtos e serviços ou pelo comportamento e apresentação de seus funcionários. Desse modo,


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a empresa vai constituindo, tanto para o público consumidor como também para seus integrantes, uma imagem mental de marca que, por ser muito dinâmica, deve ser constantemente gerenciada. Essa imagem emerge das relações de trabalho, produção, divulgação, percepção e uso de produtos e serviços representados por uma marca, constituindo assim as características da imagem de marca, a qual é associada às formas de expressão da marca, como o logotipo, o pictograma e o slogan, dentre outras. Tudo isso faz parte da administração da empresa ou das empresas e produtos, que são apresentados sob uma mesma marca. Assim, a área de Administração se subdivide em diversos setores administrativos e, dentre esses, aparecem os setores de administração de marketing e de marcas (branding). Tom Blackett (1998:8) conceitua o termo “trademark” como “um nome, signo ou símbolo que é usado para distinguir os produtos ou serviços de um indivíduo ou empresa de todos os outros”. Sendo assim, o termo trademark se adapta melhor ao que trata da aparência, às formas de expressão material que são percebidas como representação da marca e da empresa ou produtos. O termo “brand” é mais amplo e está ligado à imagem mental de marca, que é constituída a partir das múltiplas relações interativas entre a empresa, o mercado e os consumidores. Confirmando esse entendimento, o autor (ibid.) diz que termos como trademark ou trade name tendem primeiramente a ser usados por aqueles envolvidos na administração de propriedade intelectual - tipicamente advogados2 enquanto o pessoal de marketing tende a usar os termos equivalentes a brand name e corporate name. De acordo com Blackett, “brand é uma marca ou combinação de marcas que, por meio de promoção e uso, adquiriu uma significação maior, além e acima de seu papel funcional de distinguir as mercadorias ou serviços que representa” (ibid.). Aaker (1998), pelo que indica o título original de seu livro, Managing Brand equity, mesmo sem conceituar o termo brand, evidencia que compartilha desse mesmo entendimento. Os dois aspectos são manifestos na percepção dos consumidores, quando 2

O Código de Propriedade Industrial diz: “São registráveis como marcas os nomes, palavras, denominações, monogramas, emblemas, símbolos, figuras e quaisquer outros sinais distintivos que não apresentem anterioridade ou colidências com registros já existentes e que não estejam compreendidos nas proibições legais” (Bittencourt 1991: 32). As expressões da marca é que são registradas, isso as relaciona ao campo jurídico.


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esses vêem a marca: primeiramente como trademark, quando suas formas de expressão são percebidas. Mas, imediatamente, os valores intangíveis expressos pela marca também são sobrepostos ao estímulo perceptivo resultante de sua aparição, configurando uma imagem mental distintiva de suas qualidades. Essa percepção mais ampla, relacionando aspectos tangíveis e intangíveis é denominada como brand. A conjunção entre essas duas realidades é proposta por Sal Randazzo (1996:24)

quando diz:

A marca é mais do que um produto; é ao mesmo tempo uma entidade física e perceptual. O aspecto físico de uma marca (seu produto e embalagem) pode ser encontrado esperando por nós na prateleira do supermercado (ou onde for). É geralmente estático e finito. Entretanto, o aspecto perceptual de uma marca existe no espaço psicológico  na mente do consumidor. É dinâmico e maleável. Se quisermos entender o conceito de marca, precisamos compreender tanto seu aspecto físico quanto seu aspecto psíquico. Além de atuar como elemento de identificação e de representação, passando a expressar todo o percurso da relação com o consumidor, a marca pode propor, ainda, outros valores desejáveis a uma instituição, empresa ou produto. A marca, comportando-se como um sistema aberto, incorpora uma miríade de valores intangíveis. “Muito além do logotipo, existem informações acerca daquilo que os consumidores realmente valorizam nos movimentos de compra (...), existem possibilidades imensas de consolidação dos valores de nossas marcas junto aos nossos consumidores” (Martins, J.R., in: Aaker, 1998: XVIII). Nesse mesmo sentido, J.B. Pinho afirma que a definição formulada pela American Marketing Association é hoje muito restritiva:

(...) pois a marca é mais que um simples nome. Apresentando como seus principais componentes o produto em si, a embalagem, o nome de marca, a publicidade e a apresentação, a marca deve ser entendida como a síntese dos elementos físicos, racionais, emocionais e estéticos que nela estão presentes e foram desenvolvidos através dos tempos. (Pinho, 1996: 136)

Em suma, há um diálogo entre a parte (trademark), que é o sinal responsável pela síntese perceptiva, e o todo (brand), que é o conjunto das percepções ligadas à instituição ou aos produtos reunidos sob uma mesma marca. Esse diálogo precisa ser compreendido para que haja uma boa apreensão do conceito de marca, o qual reúne em si essa dualidade: o sinal gráfico, aparência


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(trademark), e a síntese mental, imagem de marca (brand); quando essas duas realidades são reunidas no pictograma ou no logotipo, eles se tornam textos culturais de complexa dimensão semântica: 1. Dentre outras formas de expressão da marca, o pictograma e o logotipo (trademarks) são elementos do conjunto perceptivo, que configura, representa e indica a imagem corporativa de uma instituição ou empresa. 2. O pictograma e o logotipo são formas de expressão da imagem de marca (brand). 3. A imagem de marca (brand) é o produto do conjunto de percepções do usuário sobre o consumo de formas simbólicas ou materiais, que expressam o caráter, personalidade ou espírito da instituição ou empresa. Por exemplo: a publicidade, as embalagens, a qualidade percebida dos produtos, as estratégias de vendas, etc. Enfim, a imagem de marca reúne todas as manifestações da imagem corporativa, incluindo também as formas de expressão e apresentação do pictograma e do logotipo. 4. O pictograma e o logotipo (trademarks) são uma parte do todo expressivo e representativo de uma instituição ou empresa (imagem corporativa). Ao mesmo tempo, o pictograma e o logotipo ainda representam todo o conjunto de valores associados à instituição ou empresa, porque passam a ser também a expressão síntese da imagem mental de marca (brand).

1.3. O valor comercial das marcas. A Philip Morris comprou a Kraft Foods e pagou US$ 1 bilhão por todos os ativos, fábricas e equipamentos, mas pagou US$ 10 bilhões para usar suas marcas. O Marlboro tem uma imagem valorizada em US$ 40 bilhões enquanto suas vendas são de US$ 16 bilhões. Quanto valeriam as fábricas da Coca-Cola em todo o mundo, se eles vendessem a marca para outra companhia? (Martins, J., 1995:9). Na esfera empresarial, a abrangência e a importância da marca têm sido cada vez mais ampliadas, por ser consideradas elemento fundamental nas estratégias de comunicação, administração e comércio de produtos e serviços. Seu papel é relacionar as empresas ou outras instituições similares ao público


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consumidor de seus produtos ou serviços no ambiente do mercado contemporâneo. Para José Roberto Martins (2000: 237), “a marca influencia a percepção dos atributos físicos do produto, funciona como indicador de procedência e qualidade, confere ao produto uma personalidade e um conjunto de valores e o identifica e o diferencia dos concorrentes no ponto de venda”. J. R. Martins (ibid.: 238-9) cita ainda as dimensões do valor percebido para a marca, de acordo com o proposto por David Aaker: fidelidade (grau de ligação do consumidor com a marca); consciência (habilidade da marca em ser reconhecida pelo consumidor como parte de uma categoria de produtos); nome, símbolos ou slogans (elemento gráfico e/ou nome que identifica a marca para o consumidor); qualidade percebida (percepção pelo consumidor de superioridade de um produto ou serviço em relação às alternativas disponíveis); associações (conjunto de significados que o consumidor atribui à marca). Larry Light (apud Aaker, 1998: IX), como um pesquisador da propaganda, considera que nas próximas três décadas “os negócios e os investidores reconhecerão as marcas como os mais valiosos ativos da empresa (...) será mais importante dominar mercados do que possuir fábricas, e a única forma de dominar mercados é possuir marcas dominantes”. Todos os autores pesquisados concordam que é condição básica de manutenção no mercado a qualidade do produto, cuja performance deve atender as exigências de sua faixa de consumo. Tendo isso em vista, eles apontam as marcas como fatores de diferenciação e distinção de valor, inclusive com relação ao preço dos produtos e, assim, as consideram os elementos mais valiosos no mercado contemporâneo. Clemente da Nóbrega (in: Exame, n.8, 1999: 92) diz: “Esqueça o produto. É tudo uma questão de mente. A grande marca ocupa a nossa mente. Não somos nós que a escolhemos. É ela que nos escolhe”. Aqui reaparece o caráter mítico-simbólico da marca como fenômeno mais da consciência que dos objetos, caracterizando-se como metáfora transformadora dos aspectos perceptíveis em indicadores de


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aspectos intangíveis, como a qualidade percebida. Por sua vez, Rafael de Castro (in Momento, n. 20, 1998:30) afirma: “Hoje qualidade não é mais parâmetro de comparação entre produtos. A clonagem de tecnologias de produção, banal para os computadores modernos, torna os concorrentes praticamente idênticos. A melhor estratégia é investir nas marcas”. Isso fica evidente pelo valor patrimonial atribuído às marcas bem sucedidas, que, muitas vezes, supera o valor do patrimônio material das empresas, incluindo a sua produção. Conforme uma estimativa feita na década de 1970 pela Interbrand, o valor patrimonial da marca Marlboro era de US$ 31 bilhões, da Coca-Cola era de US$ 24 bilhões e da Kodak era de US$ 13 bilhões (Kotler,1996: 388). É Philip Kotler quem diz: “não consumimos produtos, mas sim a imagem que temos deles” (ibid.). Sobre a avaliação das marcas, Kotler (ibid.) afirma que a “mensuração do valor patrimonial real de uma marca é algo arbitrário”, apesar de haver estratégias de mensuração dos índices de lembrança, de aceitabilidade, de preferência e de lealdade do público com relação a uma determinada marca. A base de cálculo é a avaliação e projeção do acréscimo das vendas de produtos e serviços, ou seja, do aumento do lucro, devido à força da marca. Aaker (1998: 25)

denomina de premium price o percentual a mais que é possível cobrar

pelos produtos de uma marca em relação aos similares de outras marcas: ”Os premium price também podem ser medidos por uma pesquisa junto ao consumidor, o qual poderia responder o quanto pagaria por vários atributos e características de um produto (uma característica seria o nome da marca). Relacionando a uma escala monetária, esse levantamento proporciona uma medição direta do valor da marca”. É possível prever estatisticamente quais as marcas que, quando não encontradas em um estabelecimento, serão procuradas em outros. Há também aquelas que não sendo encontradas serão substituídas no momento da compra. A preferência do consumidor garante a possibilidade de um preço maior para os produtos da marca preferida e a garantia do volume quantitativo das vendas, o que pode ser mensurado estatisticamente, como um adicional de lucro, tendo em vista a performance das marcas comuns. Sobre esses cálculos, que alimentam a certeza de lucro, é possível estimar o valor patrimonial das marcas registradas e, apesar de não aparecer nos balanços, geralmente, esse valor é confirmado na venda da empresa. Como exemplo, Kotler (1996:388)

informa que a Nestlé comprou a empresa inglesa Rowntree por U$ 4,5


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bilhões, pagando cinco vezes mais que seu valor contábil. Em 1995, José Martins (1995:14) publicou que a empresa Marlboro valia US$ 3 bilhões enquanto sua marca valia US$ 34 bilhões; a empresa Coca-Cola valia US$ 4 bilhões e sua marca US$ 36 bilhões; a empresa BMW valia US$ 4 bilhões e a marca US$ 18 bilhões; a empresa Kraft Foods US$ 4 bilhões e sua marca US$ 18 bilhões, e a empresa Levi’s US$ 1 bilhão e sua marca US$ 5 bilhões. Em agosto de 1999, Nelson Blecher escreveu na revista Exame (n.16, 1999:16) que a famosa empresa inglesa de consultoria Interbrand divulgara a lista das dez marcas mais valiosas, avaliando a Coca-Cola em US$ 83,8 bilhões; a Microsoft em US$ 56,6 bilhões; a IBM em US$ 33,5 bilhões; a GE em US$ 33,1 bilhões; a Ford em US$ 33,1 bilhões; a Disney em US$ 32,2 bilhões; a Intel em US$ 30 bilhões; a McDonald’s em US$ 26,2 bilhões; a AT&T em US$ 24,1 bilhões; a Marlboro em 21,0 bilhões; a Nokia em US$ 20,6 bilhões, a Mercedes em US$ 17,7 bilhões; a Nescafé em US$ 17,5 bilhões; a Hawlett-Packard em US$ 17,1 bilhões; a Gilette em US$ 15,8 bilhões. Acreditando que haja coerência no modo como as fontes de informação de Kotler, J. Martins e Blecher projetaram os valores das marcas, principalmente porque a Interbrand é citada como fonte, pode-se depreender que, em um período recente de quatro anos, os valores de algumas dessas marcas variaram substancialmente. A diferença entre o valor proposto para a marca Coca-Cola variou em US$ 10 bilhões no espaço de 25 anos entre 1970 e 1995. Todavia, em apenas quatro (4) anos, entre 1995 e 1999, o valor da marca Coca-Cola passou de 34 bilhões de dólares para 83,8 bilhões, atingindo uma alta de praticamente 40 bilhões, que indica uma valorização de 100% no período. Por outro lado, a marca Marlboro, que em 1970 valia 31 bilhões de dólares, em 25 anos atingiu lentamente o patamar de 34 bilhões. Porém, nos quatro (4) anos, entre 1995 e 1999, o valor da marca sofreu uma queda de 13 bilhões, uma desvalorização superior a 50% no período. Aaker (1998: 8) citou a RJR Nabisco, empresa bastante conhecida no Brasil, como a companhia que obteve um rendimento estimativo superior a US$ 25 bilhões com sua coleção de marcas. Do mesmo modo, Rafael de Castro (in Momento, n. 20, 1998:31)

informou que em 1989 o Grupo Kohlberg Kravis Roberts & Company

comprou a RJR Nabisco e suas marcas Winston. Camel, Benson ans Hedges e


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Nabisco, em um negócio de US$ 26 bilhões de dólares, envolvendo prioritariamente o valor das marcas do Grupo, a despeito de seus outros ativos. As vendas indicam que os valores propostos são reconhecidos pelo mercado, porque o comércio de marcas pratica preços coerentes com as estimativas de valoração. Mas, indica também que essa valorização de ativos intangíveis, como as marcas, também pode assumir um traço especulativo, agravado pela entrada no mercado de ações das empresas virtuais denominadas de “empresas ponto-com”. Há ainda uma diferença entre a marca de uma empresa, ou de seus produtos, e a sua razão social, que às vezes é um nome pouco conhecido. Em seu texto sobre a marca registrada, Bittencourt (1991: 13) diz: (...) nem sempre o nome comercial contém a ‘marca nominativa’: Embraco (‘marca nominativa’) é sigla de “Empresa Brasileira de Construção Ltda.” (nome comercial). A primeira foi registrada no INPI e o segundo, na Junta Comercial da unidade da federação onde se situa a sede da empresa. Comumente, diz-se, também, que a “marca nominativa” é o nome fantasia. Utilizando um exemplo dado por Gilberto Strunck (1989: 46), “uma firma pode ter o nome de Refrigerantes Silva Ltda, que é sua razão social, e fabricar o Tangerix e o Abacasuco, marcas de seus produtos”. Além disso, a “Refrigerantes Silva Ltda.” pode ainda apresentar um outro nome como por exemplo: Refris, que Bittencourt denominaria como “marca nominativa” ou “nome fantasia”, que é a marca publicitária da empresa. Logo, a marca poderia ser Refris e a razão social ser “Refrigerantes Silva Ltda.”, que é proprietária das marcas e fabricante dos produtos “Tangerix” e “Abacasuco”3. Diante dessas possibilidades, tanto Pinho (1996) quanto Mollerup (1997), classificam as marcas comerciais como marcas individuais que representam apenas um produto ou serviço. e marcas corporativas: que representam diversos produtos, os quais podem até dispor de marcas próprias. Por exemplo, a Fiat é uma marca corporativa, porque fabrica automóveis que são distintos por meio de marcas próprias, como o Pálio, o Siena, o Marea, etc. Aparece aqui uma identidade genérica da marca Fiat e uma identidade exclusiva para cada um de seus produtos. Manter a competitividade com um preço mais elevado e conquistar a 3

Tendo em vista os limites deste trabalho não é aconselhável estender o tema da adoção de nomes para marcas, Entretanto, sobre criação de nomes de marcas e as questões lingüísticas na relação


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fidelidade dos consumidores são fatores que têm garantido o valor das marcas de sucesso. Além disso, o valor financeiro de uma marca já constituída é hoje ampliado, devido ao alto investimento financeiro, que é necessário à construção de uma nova marca. O aumento nos custos de criação e consolidação de uma marca fica mais evidente, quando comparado com o investimento necessário para esse mesmo fim há algumas décadas. Isso é devido, principalmente, ao fato de que as marcas estão proliferando. Em média, são lançadas no mercado três mil novas marcas por ano. Aaker (1998: 8) identificou que no mercado americano, em 1991, já havia “750 marcas de automóveis, cerca de 150 batons e 93 marcas de comida para gatos”. Apesar de não haver números mais recentes para demonstrar a contínua proliferação das marcas, os números apresentados por Aaker são significativos para expressar a grande quantidade de marcas existente no mercado, que hoje é altamente diversificado no âmbito mundial. Mesmo considerando que há uma tendência de fusão e compras de empresas e também de diversificação de negócios, principalmente no que tange às empresas virtuais, a indicação é que o número de marcas não seja reduzido, porque as marcas bem sucedidas são mantidas pelas novas administrações. Além disso, há quem defenda marcas específicas para os diferentes negócios de uma mesma empresa ou corporação. “Creio que cada negócio diferente exige uma marca diferente” (Al Ries, in: HSM Management, n.19, 2000: 9). O crescimento das marcas em número e diversidade produz um acúmulo de informações que precisam ser passadas ao consumidor, contribuindo diretamente para um vultoso aumento na procura por canais de divulgação, o que encarece o preço dos espaços na mídia, encarecendo também o custo de divulgação e consolidação de novas marcas. Por outro lado, a proliferação de marcas divide o mercado em pequenos nichos, onde o volume de vendas não é suficiente para cobrir esses altos custos de criação e consolidação de novas marcas. “Muitas empresas começaram a tomar consciência de que estão gastando dinheiro demais em publicidade. A Heinz, por exemplo, decidiu investir mais em marketing direto” (Kotler, in: HSM Management, n.19,

entre marcas e nomes próprios (onomástica), cf. Martins, 2000:47-72 e Bittencourt, 1991: 155-163.


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2000: 12).

A importância da marca tem superado a do produto, invertendo, portanto, a concepção habitual de que o bom nome de uma marca seria uma conseqüência direta da qualidade do produto que representa. Stephen King, do grupo londrino WPP, afirma: “O produto é algo que é feito na fábrica; a marca é algo que é comprado pelo consumidor. O produto pode ser copiado pelo concorrente; a marca é única. O produto pode ficar ultrapassado rapidamente; a marca bem-sucedida é eterna” (apud Aaker, 1998: 1). A marca resiste às inovações técnicas, que implicam na necessidade de renovação de máquinas e instalações. Além disso, a marca também não é depreciada pelo uso. Ao contrário de outros ativos patrimoniais, a marca é fortalecida quando seu uso é adequado, quanto mais for utilizada mais se fortalecerá. A própria legislação de direitos autorais reconhece a marca como a única propriedade intelectual com validade ilimitada (Sampaio, 1997: 162). Aaker (1998: X) indica três pontos que evidenciam sobremaneira a ampliação do interesse em torno das marcas: 1. Algumas empresas estão dispostas a pagar valores consideráveis por marcas de sucesso, porque o desenvolvimento de marcas alternativas, além de arriscado, pode ser mais oneroso que a compra de uma marca já reconhecida; 2. Os profissionais de marketing acreditam que se deva investir na construção e fortalecimento das marcas, para desenvolver pontos de diferenciação e promover vantagens competitivas, que resultem em garantia de venda e de preço dos produtos sem a necessidade do uso excessivo de promoções e descontos; 3. Os gerentes compreendem que a marca se tornou um ativo importante em qualquer negócio que se diferencia de commodities (comércio de produtos não distintos por marcas). Em artigo escrito sobre suas experiências no Japão, Adriano Silva n.6,1998: 24-8)

(in: Exame,

aponta a boa qualidade e a pouca competitividade de diversos produtos

brasileiros. Porém, o autor lamenta que o Brasil ainda atue no mercado internacional com produtos commodities, como matérias-primas, insumos, etc. “Sem marcas não há marketing e não há estratégia” (ibid.:25), trabalhar com commodities é se sujeitar a uma taxa de lucro muito reduzida e aos baixos índices


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do mercado. Marcas fortes garantem o poder de decisão sobre os preços e a margem de lucro. A mesma queixa é feita por José Roberto Martins (2000: 43) quando diz: Preferimos insistir na exportação de commodities. Assim, fazemos questão de ser ‘grandes’ exportadores de café, de suco de laranja, soja, aço, etc. Enquanto vendemos no atacado, produtos cotados nas bolsas internacionais de mercadorias, alguns exportadores de países mais conscientes dos benefícios do branding exportam no varejo sua capacidade de transformar commodities em bens de alto valor agregado. J. R. Martins (1995:14) acredita que “o futuro está reservado àqueles que souberem administrar bem suas marcas, as empresas estão se tornando virtuais, a Nike, Mc Donald’s, Benetton, entre outras já não fabricam ou vendem seus produtos, eles cuidam das marcas e dos contratos de fornecimento, o resto é feito por terceiros”. Sem contar as empresas emergentes na Nova Economia que bateram recordes nas bolsas de valores e que têm a Internet como campo de expansão, todas essas empresas na área de softwares e de comunicação eletrônica são quase que totalmente virtuais. O Presidente da Microsoft e homem mais rico do mundo Bill Gates declarou: “O único ativo da fábrica da Microsoft é a imaginação humana e a sua marca” (in: Martins, J.1995:08). Em grande parte, a valorização da marca é decorrente de aspectos afetivos que interagem na relação entre a marca e o público. Nesse sentido, Martins (1995: 13)

alerta que “o marketing racional limitado e cartesiano não leva em consideração

o que é mais importante na formação da marca, que é a emoção viva e presente”. “A emoção dá vida à marca”, segundo Peter B. Letmathe, Vice-presidente da Nestlé, que também foi citado por J. Martins (ibid.). A percepção da marca envolve a percepção humana como um todo, o que abrange aspectos objetivos e subjetivos, incorporando vivências e sentimentos que são repassados à empresa e seus produtos. A atribuição de valores em geral e principalmente de valores afetivos é preponderante na valorização da marca, influenciando o aumento de seu valor patrimonial e dos preços de seus produtos no mercado. No caso de uma marca bem sucedida, o seu valor de mercado acaba predominando sobre os outros ativos da empresa, porque ela é capaz de atribuir valor e elevar os preços de seus produtos. Quando isso ocorre, é um prêmio para a empresa que desenvolveu bem a


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sua marca, através de uma boa reputação no mercado e de comunicação publicitária eficiente. Há um consenso em marketing sobre o fato de que um produto de marca sempre será mais valorizado, por isso, Kotler (1996:388) recomenda: Como um ativo, a marca precisa ser cuidadosamente administrada para não depreciar seu valor patrimonial. Isto requer manter ou melhorar a consciência da marca, sua qualidade e funcionalidade percebidas, suas associações positivas e assim por diante. Esta prática exige investimentos contínuos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), propaganda habilidosa, excelentes serviços aos distribuidores e consumidores e outras providências (...) As empresas líderes não acreditam que as marcas bem administradas precisam estar sujeitas a um ciclo de vida de marca. Muitas marcas líderes de 70 anos atrás ainda permanecem líderes: Kodak, Del Monte, Wrigley’s, Gillette, CocaCola e Campbell’s.

1.4. As marcas como objeto de estudo multidisciplinar. O estudo das marcas tem suas raízes em campos diversos como a Antropologia, História, Heráldica, Psicologia, Semiótica, Teoria da Comunicação e Design Gráfico (Mollerup, 1997:11). As marcas despertam interesses e exigem conhecimentos multidisciplinares e, sobre isso, Rafael Sampaio (1997:167) indica a Interbrand (empresa já citada no item anterior), fundada na Inglaterra em 1974, como “a mais famosa consultoria especializada em marcas do mundo”, a qual, em sua tarefa de criar, divulgar e proteger marcas, envolve-se em “campos como marketing, pesquisa, lingüística, psicologia, informática, design e direito”. As atividades da Interbrand foram expandidas para muito além da criação de nomes e símbolos gráficos que compõem a estrutura interna das marcas. As marcas constituem um variado lastro perceptivo, por exemplo, as marcas visuais podem ser expressas por palavras, letras, números, símbolos, assinaturas e emblemas (Blackett, 1998: 1). Além disso, uma música (jingle), uma frase falada (slogan), cores, formas, sons e odores também podem ser expressões de marca, desde que sejam relacionadas a uma empresa, produto ou serviço. A determinação do vínculo entre a empresa ou produtos representados e a marca que os representa indica o caráter simbólico da marca, como elemento de identificação e distinção. O emissor de uma marca a utiliza para se identificar no mundo, como proprietário, fabricante ou anunciante. Geralmente, o anunciante, é apenas um emissor da marca, porque não participa do seu processo de produção, podendo ser


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um representante da empresa ou um revendedor do produto (Mollerup, 1997:11). Apesar deste trabalho tomar como objeto de estudo os logotipos e pictogramas, esses não são as únicas marcas visuais de um produto ou empresa porque, às vezes, uma característica do próprio produto é reconhecida como parte de sua marca. Dentre esses casos, destaca-se a silhueta do antigo “Fusca”, automóvel da Volkswagen, e as linhas sinuosas da garrafa de Coca-Cola. Aaker discorre sobre o automóvel “Fusca” que, na sua opinião, se tornou uma marca das mais bem sucedidos na história do marketing americano, porque era facilmente reconhecido por sua forma diferenciada, marcando época na propaganda e na cultura ocidental. “Nos anos 60, ele chegou a representar, especialmente para seu proprietário, um tipo de pessoa e um estilo de vida (...) O símbolo do carro era sua forma inconfundível. O símbolo era, inquestionavelmente, uma parte importante do fenômeno Fusca” (Aaker, 1998: 193-4). Portanto, como tem sido reiterado neste texto, a marca compõe um objeto multifacetado e multidisciplinar, apresentando uma grande variedade de aspectos formais

e

conceituais.

Esses

aspectos

possibilitam

abordagens

teóricas

diferenciadas, que são resultantes das peculiaridades de cada uma das áreas envolvidas na constituição e estudo das marcas. Isso indica, também, que as marcas comerciais e institucionais não constituem um objeto de estudo intocado, à espera das primeiras conceituações e definições. Pois, além das áreas que têm as marcas como seu objeto específico, existem diversas outras áreas do conhecimento que se interessaram por esse objeto de estudo. Dessa maneira, justifica-se este empenho inicial em recompor o campo de estudo das marcas, a partir de uma amostragem das perspectivas que, até então, compõem o ambiente de estudos das marcas comerciais.

1.5. Origens históricas das marcas. As marcas da atualidade nos remetem aos textos mais antigos, como as simbologias ancestrais do Egito, Assíria, Babilônia, Grécia, Roma e também da era paleocristã, uma vez que, além dos sinais religiosos e de nobreza, “desde a mais remota Antiguidade existiam várias maneiras de promover as mercadorias. Sinetes, selos, siglas e símbolos eram as mais comuns” (Pinho,1996: 11). As formas de composição gráfica das marcas atuais são herança da Idade


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Média e, em parte, da Heráldica medieval, estudo que primeiramente designou o uso de formas e cores nos brasões feudais. Diz-se em parte porque as razões da emblemática medieval heráldica diferem daquelas que sustentam as marcas institucionais e comerciais como são reconhecidas atualmente. Flávio Bittencourt (1991:183) afirma que as marcas contemporâneas não são brasões modernos, esses é que são marcas antigas, não havendo, portanto, uma descendência direta entre eles, apesar de ambos comporem o acervo histórico das marcas. Mas, ainda hoje, há marcas que mantêm padrões da heráldica medieval, como é o caso, dentre outras, da marca de carros Porche (fig. 07). Os brasões na Idade Média tinham a função de identificar indivíduos e famílias. Naquele tempo, os objetos manufaturados também recebiam essa marca como indicativa de sua origem. Mas, os brasões e selos nem sempre identificavam o artesão fabricante, sendo na maioria das vezes um elemento identificador do mandatário do feudo. Portanto, essa deve ser considerada uma marca de posse mais que uma marca de origem. De acordo com Blacket (1998: 5), conceitualmente, o que distinguiu os brasões familiares na heráldica medieval das marcas comerciais foi a motivação. Uma vez que as marcas de família tiveram como motivação o desejo de identificação e distinção social de um indivíduo ou grupo familiar, as marcas comerciais, como o próprio nome indica, foram motivadas pela necessidade de garantir e anunciar a origem de produtos.

(Fig. 07. Marca Porche.)

Nessa direção, tanto Blacket quanto Mollerup (1997:16) apontam os artefatos cerâmicos da antiguidade, período anterior ao feudalismo, como produtores de uma variedade ancestral das marcas comerciais de agora. Os vasos gregos tiveram suas marcas feitas a risco ou pincel, sendo pintadas ou gravadas. Do mesmo modo, no classicismo romano as marcas gravadas nos potes cerâmicos (fig. 08) funcionavam como atestados de origem, cumprindo uma função mais próxima das marcas atuais. Os potes romanos eram reconhecidos por sua qualidade, motivando que, em outras regiões da Europa, fossem produzidas imitações desses produtos e também a falsificação de suas marcas.


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(Fig. 08. Lâmpadas a óleo romanas com marcas, in: Mollerup, 1997: 32.)

Os açougues romanos exibiam a figura de uma pata traseira de boi, os comerciantes de vinho colocavam na fachada de seus estabelecimentos o desenho de uma ânfora, enquanto a figura tosca de uma vaca indicava a existência de um estabelecimento que comercializava laticínios em geral” (Pinho, 1996: 11). Posteriormente, no decorrer da Idade Média, a ascensão econômica e social do modo de vida burguês concedeu distinta cidadania aos artesãos e comerciantes. Durante esse processo, determinou-se a obrigatoriedade das marcas de identificação das corporações de artesãos, que eram associações cujos membros adotavam princípios comuns de conduta. Cada corporação detinha o monopólio de fabricação e comercialização de um determinado produto. Além da marca da corporação era facultado e passível de registro legal o uso da marca do artesão fabricante. Como curiosidade, Strunck (1989: 27) destaca que, naquela época, uma só peça de tecido poderia apresentar até quatro marcas de identificação: 1 - do artesão que fabricou, 2 - do que tingiu, 3 - do mestre que supervisionou e 4 - do fiscal que controlou a produção. Podendo ainda ser impressa a marca símbolo do mercador nos produtos destinados à exportação, porque essa marca permitia a identificação e recuperação das peças roubadas por piratas. Mollerup (1997: 15) conclui que marcas com funções semelhantes às marcas comerciais de agora têm existido há pelo menos 5000 anos, sendo que algumas tais como as marcas cerâmicas continuam sendo usadas ainda hoje. Ao mesmo tempo, outras marcas antigas, como os já mencionados símbolos da heráldica, são muitas vezes lembradas ou reeditadas nos desenhos de marcas da atualidade.

(Fig. 09. Pictograma e logotipo da marca Mitsubishi.)

Essas ligações remotas na representação de algumas marcas comerciais podem ser confirmadas atualmente, como é o caso da marca Mitsubishi (fig. 09), cujo


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desenho reedita um símbolo ancestral japonês, que foi usado como identificação familiar na Idade Média. “No Japão os símbolos já eram usados para identificar as famílias nobres desde 900 a.C., tendo seu apogeu na época feudal” (Strunck,1989: 24). Até a idéia de logotipo, determinada pelo jogo visual do desenho das letras de um nome, já havia sido utilizada na identificação de armas antigas. Ao teorizar sobre o processo de estilização das formas naturais o que também possibilitou a constituição dos símbolos da escrita, Adrian Frutiger (1999: 208)

propõe que “já no primeiro estágio da inteligência humana, houve certa

comunhão entre o Homo sapiens e o objeto”. Esse último passou a ser portador de imagens, sinais ou decorações, além de apresentar uma forma peculiar para atender a algum tipo de função utilitária ou simbólica. Assim, as imagens, sinais e decorações também foram sendo adaptadas às formas dos objetos. “No início, portanto, não era o sinal, mas o objeto que contava! A forma e o material de que era feito determinaram a figura. Hoje esse processo de adaptação é denominado ‘estilização’. O desenho é ajustado ao material é à forma do suporte, elevando com isso a natureza simbólica da expressão” (ibid.). Voltando às marcas comerciais, Pinho (1996: 12) cita que, no século XVII, as tabernas e bares ingleses e escoceses já utilizavam a associação entre um pictograma e os nomes dos estabelecimentos. O autor adotou como exemplo a taberna “Three Squirrels” (Três Esquilos) que, até hoje, tem o nome conjugado ao desenho dos animais. Em princípio, as marcas cumpriram as funções objetivas de identificação e garantia de procedência, tendo em conta as qualidades inerentes aos produtos. No entanto, qualidades intangíveis foram sendo sobrepostas às marcas por meio de referências indiretas, como os “símbolos honoráveis” impressos nos produtos dos artesãos que atendiam aos reis (ibid.: 27). A inclusão do selo da preferência de reis e nobres, como qualificação dos produtos, deu início ao investimento consciente na imagem da marca, através da atribuição de valores intangíveis como a nobreza, indicada metaforicamente pela apreciação dos nobres. Essa função simbólica é o aspecto essencial do termo branding, que estabeleceu um outro parâmetro para a marca comercial (Aaker1998: 7). Até então, a marca era um sinal de origem, que garantia a procedência do produto. Ao incluir atributos virtuais, qualidades intangíveis e estranhas ao processo de fabricação dos produtos, a marca passa, no entanto, a qualificar a si própria e


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também a empresa e seus produtos ou serviços, com valores simbólicos, que vão além da identificação, exercendo ainda a função de distinção qualitativa. Essa perspectiva conotativa, simbólica, contrariou a lógica denotativa de representação e indicação da origem do produto, onde a marca predominava como um instrumento contra falsificações, Aaker (1998: 7) salienta que “em 1835, uma marca de Scotch de nome ‘Old Smugler’ foi introduzida para capitalizar a reputação de qualidade alcançada pelos contrabandistas, que usavam um processo de destilação especial”. Pinho (1996: 12) também cita a marca escocesa Old Smugler, como pioneira na estratégia de distinção qualitativa, indicando “um processo especial de destilação”. Portanto, esse exemplo demarca uma importante mudança na concepção de marca, que passou a atribuir ao produto algumas qualidades intangíveis, que não seriam naturalmente percebidas. A atual concepção de marca só foi consolidada a partir do século XX, quando o conceito de branding e as associações positivas se tornaram pontos centrais para o seu posicionamento no mercado, diferenciando-a das concorrentes. As associações qualitativas personalizam as marcas e seus produtos, fazendo-os emergirem da condição de commodities. Assim, as marcas passaram a influenciar nas decisões de compra dos produtos, atribuindo-lhes uma qualidade percebida que, inclusive, admite a elevação do preço sem a perda da competitividade. Essa possibilidade de cobrança de um preço maior com base na imagem de marca é denominada por Aaker (1998) como premium price. Ao refletir sobre as motivações que levaram o homem a criar e utilizar as marcas, Mollerup (1997:16) concluiu que os motivos da consolidação de seu uso foram a necessidade e o desejo de estabelecimento de uma identidade social ou comercial, por parte de um indivíduo ou de um grupo. Entretanto, não há uma relação excludente entre necessidade e desejo, porque, na maioria das vezes, as duas motivações interagem na criação e adoção da marca. Quem colocou sua marca pela primeira vez em um produto pode ter sido motivado por diversas necessidades objetivas, mas também o fez por orgulho de sua produção ou pela simples satisfação de possuir esse bem. Desse modo, Mollerup (ibid.) reconhece três maneiras objetivas de utilização das marcas como elementos de identificação:


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1. identidade social (quem é este ou quem diz isto); 2. relação de propriedade (quem é o dono disto); 3. origem (quem fez isto); Sobre as origens das marcas gráficas, Mollerup afirma, ainda, que as primeiras tentativas, nas três categorias acima, foram feitas com figuras pintadas ou gravadas e não com letras. Talvez a primeira marca de identificação gráfica tenha sido uma marca de propriedade e pode ter sido um simples sinal para mostrar que uma arma pertencia a um homem em particular (ibid.: 16). A tradição das marcas foi continuada e desenvolvida por artesãos medievais e teve seqüência através das primeiras manufaturas que, além de cumprir as exigências legais, demonstraram orgulho, necessidade e responsabilidade ao marcar seus produtos. A execução dessas marcas foi condicionada pelo tipo de material trabalhado, como a cerâmica, o papel, a pedra, a prata ou a madeira. Em síntese, a origem exata das marcas comerciais dificilmente será determinada. Todavia, as evidências levantadas durante o estudo do seu percurso histórico apontam dois parâmetros básicos: 1. O primeiro parâmetro é a condição de marca, que aponta para sua utilização como elemento de identificação e qualificação de alguém ou alguma coisa. 2. O segundo parâmetro é indicado pelas formas de expressão da marca, cuja estrutura interna demarca sua existência dentre as coisas do mundo. Para um estudo do processo histórico (diacrônico) das marcas comerciais sob esses dois parâmetros básicos: 1o - que determina os seus modos de uso e 2o - que considera sua apresentação através dos tempos, diversos tipos de marcas antigas devem ser e terão que ser reconsiderados, como os escudos e emblemas da heráldica, monogramas e, também, as primeiras marcas de gado e fazendas, além das marcas de cerâmica, marcas de pedreiros, de ourives e de impressor, marcasd’água e marcas de mobiliário, dentre outras. Sobre isso é importante consultar Mollerup (1997:17-41) e também o texto de Bernard Rudofsky (in, Bittencourt, 1991: 55114).

1.6. Programas e funções da marca. Devido à diversidade de suas formas de expressão, as marcas oferecem


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vários aspectos dignos de estudo. Todavia, tendo em vista os interesses deste trabalho, sua construção e administração serão consideradas dentro de dois programas

gerais:

produção

e

difusão

da

identidade

corporativa

e

administração da marca. O primeiro trata da identidade corporativa composta pelo amplo conjunto das formas de expressão e representação da empresa, incluindo o programa de design gráfico, que define a identificação visual da empresa, cuja síntese é a marca gráfica, trademark, seja só como texto visual (pictograma) ou como texto visual e lingüístico (logotipo). Contudo, como alerta José R. Martins (2000:74): a identidade corporativa não é formada, como pensa a maioria, por um desenho, nome ou slogan. Tudo em uma empresa precisa estar integrado à sua identidade: valores, metas e compromissos. Os produtos, serviços, atendimento, pessoas, produção, distribuição e afins fazem parte de um sistema de comunicação que é visto pelos consumidores como elementos de identidade da marca que eles escolheram comprar. O termo branding, como é adotado pelo marketing, caracteriza o segundo programa, cuja função é administrar a trajetória da imagem de marca associada à empresa e aos seus produtos ou serviços. Ou seja, esse programa deve administrar o devir da identidade corporativa. Assim, a abrangência do programa de administração da marca é mais ampla que a do primeiro, porque tem que encaminhar a marca no mercado, acompanhando inclusive a formulação do programa de produção e difusão da identidade corporativa, como parte das estratégias de marketing da empresa ou corporação. O desenvolvimento da marca ocorre através de sua relação com o mercado como um todo, considerando os concorrentes, os distribuidores, os revendedores e, mais especificamente, os consumidores. Essa relação é determinada por tudo aquilo de que a marca dispõe para consumo, produtos, serviços e também as peças publicitárias, o merchandising, etc., porque esses últimos também são dispostos ao consumo. A própria identidade visual da marca é consumida porque, juntamente com os produtos, a publicidade, o merchandising, os brindes, os elementos de identificação visual compõem uma miríade de bens materiais e simbólicos que são oferecidos ao consumidor. A possibilidade de consumo de bens simbólicos está expressa na frase Iúri Lótman, que foi traduzida por Boris Schnaiderman (1979: 35) da seguinte forma:


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“Um mesmo texto pode fornecer aos seus diferentes ‘consumidores’ informações diferentes”. Com relação às imagens publicitárias, aos slogans e à própria marca, como bens intangíveis, o consumo é sinônimo de uso, de atendimento de necessidades subjetivas e não de dissipação ou esgotamento material. Teixeira Coelho (1973) aponta, no contexto da cultura de mercado, o consumo da forma de apresentação dos objetos (aparência ou estética) enquanto novidade. Nessa situação, o objeto é consumido quando: A perda do valor “estético” do objeto acarreta simultaneamente a perda de seu valor funcional; depois de “consumido”, o objeto deixa de servir, seu detentor passa a sentir uma suposta inadequação do objeto em relação à função que lhe foi determinada: entra-se aqui no campo da obsolescência programada, caracterizada pela introdução contínua no mercado de “novos” modelos de um objeto, que só propõem, em relação ao anterior, modificações contingentes e não essenciais, tornando-o psicologicamente obsoleto e nãofuncional ainda que, na realidade, ele esteja perfeitamente apto, material e ergonomicamente, a continuar desempenhando sua função específica (ibid.:117-8). A marca é um bem simbólico que não se esgota com o uso e, ao contrário dos produtos, quanto mais a marca for utilizada, mais forte ela será. Todavia, a marca, para continuar sendo usada, necessita que a cultura criada em seu entorno seja constantemente renovada, realimentada, através da publicidade, das ações de marcas e de transformações nas empresas, produtos ou serviços que representa. Por exemplo, os lucros nas vendas de produtos ou serviços garantem ações de marketing por meio da distribuição de brindes para consumo, como canetas ou chaveiros. Mas também os bens simbólicos, como slogans, imagens publicitárias e a própria marca são entregues ao mercado consumidor através de distribuição gratuita ou vendas. Assim, a marca também é um bem de consumo, comprada e consumida junto com o produto. No Brasil, os jovens compram bonés impressos com a marca Nike e o fazem de bom-grado e por um bom preço. Nesse caso a marca (valor simbólico) é o grande estímulo para o consumo do produto (valor de uso). É muito mais difícil, no entanto, vender um boné com a inscrição (marca) “Armarinho São José”; geralmente, esses bonés são oferecidos como brindes (valor de uso), estimulando a difusão e o consumo da marca (valor simbólico), porque é agregada ao consumo do bem.


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No primeiro caso a marca é o estímulo principal para o consumo do produto e, no segundo, é o produto o responsável pelo consumo da marca e de outros tipos de produtos, a partir da difusão da marca. Contudo, em ambos os casos, tanto a marca quanto o produto são devidamente consumidos. Com relação a algumas marcas, os consumidores chegam a pagar bons preços para poder consumir esses bens simbólicos. Qualquer produto que ostenta escudos de times de futebol ou personagens de desenhos animados, dentre outros, custam mais caro, pois têm que pagar o direito de uso dessas imagens aos seus proprietários. Isso faz com que o mercado ofereça produtos similares com o mesmo material, modelo e função de uso, mas com preços diferentes, porque alguns ostentam e oferecem certos bens simbólicos e outros não. Assim, o programa de design, que organiza toda a identificação visual da empresa, também está submetido ao programa de administração da marca. Uma vez que os elementos propostos pelo primeiro, como o pictograma, o logotipo e diversos outros itens de identificação corporativa, compõem a imagem de marca que agregam valor ao produto e, por isso, são utilizados como elementos prioritários nas estratégias de comunicação e marketing. A relação entre a marca e o produto propõe duas situações diferentes: na primeira a necessidade de uso do produto é acionada para difundir a marca; nesse caso, as ações de propaganda e marketing serão centradas nas qualidades dos produtos ou serviços da empresa de modo que, por decorrência, sua marca seja consolidada; na segunda, a marca já consolidada é acionada prioritariamente para promover um diferencial na preferência do consumidor e no preço de venda dos produtos e serviços com relação aos produtos similares que concorrem no mesmo mercado. Como já foi descrito anteriormente, entre os autores da

área de

administração e marketing, como Kotler, Aaker, Pinho, J. R. Martins e outros, há o consenso de que a segunda situação é mais vantajosa. Eles afirmam que o mais importante é fortalecer a marca, porque é um ativo mais permanente e mais valorizado que os produtos, principalmente quando esses são vistos como commodities. Outro ponto que reúne o programa de administração da marca e o programa de produção e difusão da identidade corporativa é o fato de que ambos são métodos de controle da identidade corporativa, porque:


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1. O programa de design atua na esfera institucional e a empresa mantém um controle interno e externo sobre sua identidade, através de composições que utilizam constantemente as mesmas formas e cores pré-determinadas em todo o material apresentado ao público interno e ao público em geral. 2. O programa de administração da marca atua no controle do desempenho da marca no mercado. Portanto, é do interesse desse programa o desempenho de todos os produtos e serviços oferecidos pela empresa, sejam eles bens tangíveis (produtos e serviços) ou intangíveis (símbolos); dentre esses últimos, destaca-se a imagem de marca que é o produto final de todas as vivências do público com a empresa, envolvendo os elementos de identificação corporativa, incluídos aqueles propostos pelo programa de design. 1.6.1 Identidade corporativa e identidade visual. A identidade corporativa da empresa é formada pelo conjunto de todas as suas manifestações. Esse conjunto abriga os produtos, embalagens, folhetos, uniformes e procedimentos de atendimento, compostos com textos lingüísticos, sonoros, visuais e comportamentais, dentre outros, que expressam o caráter da empresa e constituem sua marca. Uma parte dos elementos de identificação corporativa é controlável. Por exemplo: a escolha do nome, das formas de tratamento, das marcas gráficas, slogans, uniformes, etc. Todavia, existe uma outra parcela de fatores, que deriva diretamente da relação com o público, sobre a qual não há controle satisfatório. A busca de conhecimentos sobre os sentidos constituídos durante as relações entre a empresa e o mercado consumidor é, portanto, o principal objetivo da administração de marca, visando garantir uma identidade corporativa e, conseqüentemente, uma boa imagem de marca, indispensáveis à manutenção da empresa no mercado com perspectivas de crescimento. A identidade visual da marca é gerida pelo programa de design da empresa que cria e regulamenta o uso dos elementos visuais de identificação corporativa, principalmente no tocante ao uso do logotipo e do pictograma. Uma vez definidos os seus símbolos de identificação, a empresa registra-os como parte de sua marca no Instituto Nacional de Patentes (INPI) e na Junta Comercial. Bittencourt (1991), consultando o manual normativo para utilização da marca


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Banco do Brasil, indica os seguintes elementos de identificação: 1 - marca-símbolo; 2 - logotipo; 3 - assinatura; 4 - assinatura institucional; 5 - assinatura setorial simplificada; 6 - assinatura setorial completa; 7- cores institucionais. Nesse caso, marca-símbolo é o “elemento gráfico convencional que, devido ao seu caráter de síntese, é utilizado como sinal de identificação da Empresa” e logotipo é a “denominação como é geralmente conhecida a empresa (Banco do Brasil), de forma simplificada e diferente da razão social” (ibid.:12). Prossegue Bittencourt: A assinatura é a justaposição marca-símbolo/logotipo e a assinatura institucional (manual mais recente adota a expressão assinatura empresarial) é o conjunto marca-símbolo/nome comercial (este composto na mesma família tipográfica do logotipo que, no caso dessa empresa, em 1986 era a Helvética, passando a ser a Univers desde 1988). O nome comercial ou razão social, no exemplo citado, é ” Banco do Brasil S.A.” eis que a única diferença entre o logotipo e a assinatura empresarial é o “S.A.” aposto no final (ibid.:12-3). No ambiente do design gráfico brasileiro esses elementos de identificação visual da empresa recebem denominações específicas, sendo que algumas já foram citadas no início deste texto. Mas Gilberto Strunck diz que “é grande a confusão na terminologia usada para definir alguns dos elementos institucionais” (1989:21). O verbete marca, no Dicionário de Comunicação de Carlos Rabaça e Gustavo Barbosa (1998: 383), indica que a marca é o “símbolo que funciona como elemento identificador e representativo de uma empresa, de uma instituição, de um produto, etc.” Afirma também que esse símbolo pode ser apresentado de várias formas, como o nome da empresa que em inglês é denominado de brand name, também como símbolo visual, figurativo ou emblemático, conhecido como marca-símbolo, e ainda como logotipo, que é a representação do nome da empresa. Deve ser ressaltado aqui que, para Rabaça e Barbosa (ibid.), todas as representações visuais da marca são símbolos, apesar do pictograma, figurativo ou emblemático, ser mais comumente denominado como símbolo no design gráfico e como foi visto é também denominado como marca-símbolo no manual normativo da marca Banco do Brasil. Neste texto, figuras ou emblemas recebem a denominação de pictograma (não é, portanto, símbolo ou marca-símbolo), porque são textos visuais e arbitrários, convencionados como representação de uma empresa ou produto, através de uma


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codificação não-verbal coincidindo com o proposto por Lótman (1981: 46), quando indica que “o símbolo pressupõe normalmente a expressão exterior – e relativamente arbitrária – dum conteúdo”. Concordando também com Rabaça e Barbosa (1998), deve-se considerar, portanto, que todos os elementos de identificação visual da marca são símbolos, porque sempre são formas de expressão visual da marca, que estão associadas a uma empresa ou produto por algum tipo de convenção. Esses autores (ibid.: 383-5) também anunciam que, com o mesmo sentido de trademark em inglês, “há quem proponha o termo logomarca” e, segundo eles, essa é uma “definição das mais felizes e sugestivas para o conceito de marca”. Por sua vez, Ana Escorel (in: Design Gráfico n.14, 1998: 52-4) se posiciona contra o uso da expressão logomarca como sinônimo de símbolo (pictograma) ou logotipo, porque, segundo a autora, esse termo se restringe ao Brasil, enquanto os termos símbolo e logotipo devem ser preservados e utilizados, pois são “designações que as primeiras gerações de designers aprenderam a usar e que ainda valem para qualquer país em que a atividade tenha atuação significativa” (ibid: 53). Gilberto Strunck (1989), que é um dos mais reconhecidos e seguidos autores da área de design gráfico, também indica nomes específicos, diferenciando as formas de expressão e designando como símbolo4 uma marca figurativa ou emblemática, visual e gráfica, mas não-lingüística. De acordo com esse autor: 1. Marca é o nome da instituição, empresa ou produto.

Malhas Hering

2. Logotipo é o nome escrito da empresa ou produto quando é apresentado de modo recorrente e com um desenho específico para suas letras (fig.10).

(Fig.10. Logotipo Hering.)

3. Símbolo é marca visual não-lingüística (pictograma), que representa uma empresa, produtos ou serviços, podendo ser figurativa ou abstrata. A representação de peixes (fig.11), estrelas e guarda-chuva são exemplos figurativos. Já os

(Fig.11. Símbolo Hering.)

abstratos têm formas tipicamente ideais, abstratas, como manchas, círculos ou triângulos em suas várias possibilidades de composição.

4

Considera-se que o uso do termo símbolo é específico da área de Design Gráfico quando está designando apenas figuras, emblemas e monogramas, sem incluir os logotipos e outros símbolos.


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Uma empresa ou produto que mantêm uma unidade visual no seu material impresso (fig.12),

nos seus letreiros e nos uniformes de

seus funcionários, possui uma identidade visual, que representa a unidade empresarial ou corporativa. Esse termo, identidade visual, aparece e é assim conceituado nos textos das áreas de publicidade e propaganda; marketing e comunicação visual.

(Fig.12. Identidade visual - sabão Minerva)

De acordo com Mollerup (1997:46), tudo que é visual no conjunto das manifestações da identidade corporativa é reconhecido como parte da identidade visual. A identificação visual, como atividade programada e controlável, é um campo bem delimitado e sistematizado, sendo objeto de estudo e trabalho do programa de design e, mais especificamente, da área de design gráfico. O autor ainda relaciona a identidade

visual

ao

conjunto

de

elementos

gráficos,

que

formam

uma

personalidade visual e estabelecem com o espectador um nível ideal de comunicação. Esse conjunto de elementos é decorrente do programa de design. Recordando, os programas de design e branding são métodos para o controle da identidade corporativa, a qual inclui a identidade visual. O primeiro interage com a identidade empresarial, o outro atua na esfera dos produtos e serviços da empresa. Porém, esses dois programas estão firmemente interligados. As marcas visuais são os elementos dominantes nos programas de design corporativo e, também, são instrumentos de branding ou marketing. Rafael Sampaio (1997: 164 - 5) propõe a imagem de marca (brand) como “uma experiência total (no famoso conceito alemão de gestalt)”, inserindo nesse conceito desde o design da marca até os serviços de pós-venda, o que inclui a propaganda, o canal de venda, a entrega e a performance do produto. “A marca é compreendida pela sua gestalt. E a gestalt é formada de pequenas parcelas que o consumidor só entende como parte de um sistema, nunca como um fato isolado” (ibid.). O mesmo conceito de Gestalt, extraído da Psicologia da Percepção, é retomado por J. B. Pinho (1996: 51) para indicar a complexidade decorrente do fato da marca incorporar, ao longo do tempo, uma coletânea de valores e qualidades que fornecem significação às duas partes na relação entre o produto e o


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consumidor. Uma marca então atua como uma gestalt no sentido de que ela é um conceito muito maior que suas partes e o qual leva um longo tempo para estabelecer-se na mente do consumidor. Naturalmente, para abranger todo um complexo conjunto de crenças e valores e internalizá-los como uma gestalt, o receptor precisa reconhecer que aquilo que está em oferta é apropriado e atrativo. (Murphy apud Pinho, ibid.)

A marca como forma percebida é o texto que expressa essa totalidade, constituindo-se, por uma forte convenção, como síntese ideológica associada a uma instituição, empresa ou produto, que passa a exercer a dupla função de incorporar e atribuir valor. Para Kotler (1996: 387), as boas marcas representam uma garantia de qualidade, porque são símbolos complexos capazes de atribuir significados e valores à empresa ou ao produto, possibilitando a formação de uma ideologia e de uma mítica em seu entorno. Por sua vez, Wolfgang Schmittel, no livro Corporate Design Internacional (1984: 6),

propõe definir e apontar os benefícios de uma boa imagem corporativa,

cujos elementos primordiais são: 1. Igualdade de intenções das partes responsáveis, o que corresponde ao fato de que uma identidade empresarial bem definida atua na organização e reunião das ações setoriais em torno dos objetivos da empresa, porque as marcas sintetizam uma personalidade empresarial que deve ser assumida por todos os seus membros. 2. Efeito cumulativo, que é decorrente da constante lembrança dos valores atribuídos à empresa, porque são recordados e fixados pela repetição rigorosa das expressões de marca, atuando na memória do público interno e externo. 3. Intensidade da imagem expressa, porque, cada vez que a identificação visual é repetida e reafirmada sob as mesmas formas de expressão, intensifica-se a capacidade de reconhecimento e de aceitação da empresa, intensificando sua presença na mente do público. 4. Convicção no poder da empresa, uma vez que garante um tipo de onipresença da empresa em todos os lugares; a constante apresentação de uma identidade visual rigorosa reforça sobremaneira os valores expressos pela empresa.


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5. Qualidade no trabalho realizado, que é alcançada através da correspondência entre objetivos e ações, sob a forte imagem da empresa, cuja identidade foi reafirmada e intensificada na mente do público interno e externo, fazendo com que o primeiro sinta orgulho de empunhar a bandeira com suas cores. Confirmando o que foi dito anteriormente, o autor ressalta que, dentre todos os tipos de imagens de identificação, algumas são intencionais e outras são produtos do acaso (Schmittel, 1984: 6). Mesmo que a empresa não tenha constituído e apresentado uma imagem ao público, a sua presença e atuação no mercado vão compondo a imagem de marca pelo acúmulo de atributos positivos e/ou negativos. No caso de uma imagem pré-definida, entretanto, o rigoroso controle da identificação e da intenção original propõe um padrão de imagem que passa a atrair e corrigir os atributos não-intencionais, integrando-os de modo coerente à imagem projetada para a empresa. Mollerup (1997:46) diz que todas as empresas têm uma identidade visual. Em uma parcela das empresas, os membros procuram criar e manter essa identidade visual. Mas em outras empresas esse aspecto não é considerado ou é esquecido. No tocante à produção gráfica, que outros autores denominam de identidade visual gráfica ou programa de design, Schmittel (1984: 7) diz que os designers podem produzir imagens pertinentes, transferindo para o design gráfico a consciência da empresa, que foi sendo adquirida e interpretada pelo público interno, através de uma atitude mental de percepção da sua própria imagem empresarial, combinada à clara consciência de seus propósitos. “Desse modo puramente estético, aspectos qualitativos criam valores econômicos e sucesso” (ibid.). Por isso, Mollerup (1997:46) comenta que grande parte da identidade visual de uma empresa pode ser controlada por um rigoroso programa de design, o qual especifica as formas visuais de apresentação da empresa. Um exemplo disso é dado pelo manual normativo para utilização da marca Banco do Brasil, que foi citado anteriormente. Um Programa de Design é o conjunto de elementos gráficos e de regras para sua aplicação. Os elementos mais usados e, portanto, básicos em um programa de design são: o logotipo, o pictograma, as cores e o alfabeto institucional (Trademark, Lettermark, Picture mark and Colours). Esse programa define as formas e composições utilizadas para identificar visualmente a empresa, através dos papéis


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de carta e outros papéis, como folhetos de vendas e propaganda, além de outros suportes como os uniformes, veículos, produtos, embalagens e, ainda, as fachadas e interiores das lojas. 1.6.2 Funções do programa de design. Quando propõe para constituir uma boa imagem corporativa a igualdade de intenções entre as partes responsáveis, Schmittel (1984: 6) indica que todos os envolvidos em uma empresa devem comungar de seus princípios e objetivos. O pessoal interno deve assimilar a identidade da empresa e se identificar com ela. Por isso, é importante constituir uma identidade, porque, além de ser uma referência para o público externo, também é fator de coerência para o público interno. O programa de design, para além de sua função de identificação imediata, torna-se também uma referência dinâmica5 (fig.13) das aspirações da empresa, porque serve de inspiração aos funcionários, melhora a performance do grupo e, conseqüentemente, influencia também na satisfação dos clientes. Um programa de design bem sucedido é um sinal de realização das aspirações da empresa, a qual busca concretizar os seus objetivos negociais. Desde os primórdios da humanidade, os textos visuais de origem natural ou cultural desempenham a função de constituir sentidos comuns nas mentes que compõem um coletivo, uma vez que essa função foi atribuída já para os primeiros pictogramas rupestres da era pré-histórica. Além disso, as estrelas e outros elementos naturais também foram sendo incorporados como textos da cultura, passando a servir de guia para muitas gerações de desbravadores e navegantes.

5

Continuidade e dinâmica: a visualidade da marca muda com as transformações da empresa e do ecossistema cultural (dimensão diacrônica). Ex. transformações no desenho da marca Shell (fig. 13).


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Sobre o caráter de identificação imediata, o programa de design “permite ordenar a forma pela qual se faz a comunicação visual da instituição ou empresa e, por meio dele, podemos dirigir, com um nível bastante razoável de segurança, o modo pelo qual o entendimento das imagens se processa” (Strunck, 1989:10). O design gráfico é uma área do conhecimento que busca entender e efetivar a comunicação visual. O estudo sistemático do design gráfico é relativamente recente, porque teve início em 1919, na escola alemã Bauhaus (Wick, 1989). No Brasil, o estudo formal do Design começou somente em 1963, através da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), na cidade do Rio de Janeiro (Niemeyer, Lucy, 1998).

Para Schmittel (1984: 9), não há qualquer outro tipo de discurso ou texto que substitua o Programa de Design, porque mais importante que falar sobre ele, é estar diante de seus elementos e conviver com a força de sua expressão visual. (Fig.13 Shell.)

Em resumo, os objetivos mais imediatos do Programa de Design são controlar a identidade visual da empresa, identificando-a e expressando como a empresa é, deseja ser ou pretende ser percebida, tanto pelo público interno quanto pelo público externo, ampliando a visibilidade da companhia para grupos de clientes, sócios, investidores, jornalistas e autoridades públicas. O programa de design pode ampliar qualitativamente a identidade da empresa, porque intensifica sua imagem, como soma das percepções da empresa por parte do público externo. Além disso, “o melhor acabamento das imagens que recebemos no momento da compra oferece ao detentor dos melhores padrões uma chance a mais de ser consumido” (Martins, J. R. 2000: 205). Quando não há outros fatores de distinção, a apresentação das marcas e produtos passa a ser o principal indício de qualidade e melhor justificativa de preço. Ë comum acreditar que os melhores produtos estão nas embalagens com maior qualidade percebida. Como já foi indicado sobre as vantagens da “boa aparência empresarial”, o programa de design atua diretamente na motivação e lealdade dos funcionários, possibilitando mais eficiência porque “uma boa imagem começa em casa” (Schmittel, 1984: 9).

Schmittel aponta o programa de design como auxiliar na redução de custos


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o

e no aumento da lucratividade da empresa porque: 1 - amplia a identificação o

interna e externa e, com isso, as vendas da empresa; 2 - melhora a motivação e a performance dos funcionários e baixa os custos de produção; 3o - simplifica e estandardiza as mensagens visuais (redundância), promovendo uma rápida e clara comunicação, que atua na redução dos custos com comunicação. 1.6.3 O programa de administração da marca. Quando corporativas, as marcas não representam só empresas, mas também produtos, grupos de produtos ou serviços. Mollerup (1997: 56) lembra a marca Nívea, que representa toda uma classe de produtos da indústria Beiersdorf. As marcas corporativas de produtos ou classes de produtos são denominadas “brands”. De fato, como foi salientado anteriormente, brand é mais que o sinal lingüístico, sonoro ou visual. Nesse caso, o termo representa também o produto, ou classe de produtos, e sua relação com o mercado, incluindo nisso o nome da empresa e as outras expressões da marca, como o pictograma, o logotipo, etc. A imagem de marca (brand) incorpora toda reputação e atmosfera, que foram sendo construídas em torno dos produtos, do nome e demais expressões da marca. Quando é mencionada como brand, a marca abrange todos os aspectos, sejam verbais, visuais, conceituais ou comportamentais, relacionados à empresa, seus produtos e serviços. Portanto, a marca como brand é alimentada por tudo o que é associado à empresa, envolvendo também o programa de design e as outras mensagens que aparecem em embalagens, propagandas, etc. Apesar do objetivo de o programa de administração da marca ser basicamente o mesmo do programa de design corporativo, seu foco é a imagem de marca, a partir das relações entre empresa ou empresas e seus produtos e o público no contexto do mercado, tendo como parâmetro final o fluxo dos produtos no ambiente de consumo. ”A marca influencia a percepção dos atributos físicos e funcionais do produto, funciona como um indicador de procedência e qualidade, confere ao produto uma personalidade e um conjunto de valores e o identifica e o diferencia dos concorrentes no ponto de venda” (Martins, J. R. 2000:237). Administrar a imagem de marca é definir uma estratégia e buscar o máximo de informação e controle sobre o devir da marca no mercado. “A estratégia de marca é, portanto, a marca” (ibid.:27). Isso envolve um grande número de variáveis, porque constituir e manter uma marca implica em administrar um amplo espectro de


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relações, envolvendo os seguintes elementos: 1 - os sinais perceptíveis que representam a empresa; 2 - os produtos ou serviços e sua performance em situação de uso; 3 - o atendimento ao público e a distribuição de informações, de bens e serviços; 4 - a efetivação da imagem de marca na mente dos consumidores. A marca é um sistema composto por idéias, conceitos e sentimentos, que emerge desse conjunto de relações, envolvendo os elementos citados nos itens acima. Esse conjunto é amplo, dinâmico, e resulta em função memória que vai sendo constituída dentro de um sistema mais amplo ainda, que é o sistema de emergência da marca. No caso da marca comercial, o seu sistema de emergência envolve todo o processo cultural interagente no mercado de consumo. José Roberto Martins (2000) denomina de “pontos de contato”, os momentos onde a marca, seus produtos e serviços interagem com os consumidores no contexto cultural de mercado. As experiências mais relevantes, dentre as que constituirão a imagem de marca percebida, o autor denomina de “momentos da verdade”; assim, ele considera que: (...) essa percepção ocorre num “todo” sistêmico, pelo “somatório” de todos os pontos de contato, em especial os de maior impacto, aqui denominados “momentos de verdade”, que formam o ciclo de contatos, desde o primeiro até o último registrado, numa determinada ação ou operação (consulta, orçamento, propaganda, mala-direta, devolução, reserva, compra, uso, retirada, reclamação, recebimento, instalação...). Portanto, um ciclo de contatos de qualidade superior deve, necessariamente, contar com a coerência e a convergência de todos os pontos, para obter uma totalidade coesa que faça sentido e tenha valor para o consumidor e suas associações ou imagem de marca, em especial nas situações em que ele faz o confronto entre os custos e benefícios com outras marcas (ibid.:131-2).


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Capítulo II

EMERGÊNCIA E CONSOLIDAÇÃO DA MARCA COMO SISTEMA CULTURAL

A idéia de sistema cultural aberto inserido no macro-sistema do mercado é um instrumento propício para se pensar o processo de construção e administração das marcas. Contudo, para que essa idéia seja devidamente apresentada, é necessário desenvolver conhecimentos a respeito de cada um de seus termos e das relações estabelecidas entre eles. No capítulo anterior foi proposto um conceito ampliado de marca produzido à luz da Teoria dos Sistemas, onde a imagem de marca, como síntese mental da marca, é uma emergência do sistema de significação decorrente das percepções e experiências do público, com relação à empresa e seus produtos ou serviços no ambiente do mercado. A marca se constitui como um sistema de signos, cuja reunião dos mesmos produz novos sentidos, ou seja, sentidos diversos dos anteriormente propostos por cada signo em particular, porque se mostra diferente de uma simples soma de elementos significantes, apresentando “qualidades e propriedades desconhecidas ao nível das partes tomadas isoladamente, e a estas qualidades que aparecem, emergem, chamemo-las emergências” (Morin, 1990: 69). Para Ivan Bystrina (1995: 4), “os textos são complexos de signos com sentido”. Desse modo, a denominação de “texto” é atribuída aos sistemas de signos, que são capazes de cumprir funções significativas de modo diferente de suas partes isoladas. A marca como um texto, portanto, não é só um conjunto, uma somatória de elementos discretos, mas é o resultado de uma interação desses elementos, incluindo perdas e ganhos de sentido durante sua projeção temporal (diacrônica). A

temporalidade

é

expressa

através

de

“encadeamentos

sígnicos,

ordenações hierarquizadas, não necessariamente lineares” (Baitello Jr, 1997: 41) e a marca é produto de um percurso diacrônico de encadeamentos de sentidos


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responsáveis por sua emergência como texto cultural, como um sistema de signos que se apresenta ao consumidor como imagem de marca. Além disso, será visto a seguir que “cultura é memória” ou “gravação na memória de quanto tem sido vivido pela coletividade” (Lótman e Uspenskii, in: Lótman et al., 1981: 41).

Como um sistema de signos que registra um tipo de memória coletiva

dos consumidores, a marca é texto cultural, relacionando-se necessariamente e predominantemente com a história, ou seja, com experiências passadas. Porém, apesar dessa ligação com o passado, como um sistema aberto, a marca é um texto cultural dinâmico, promovendo sua renovação, desenvolvimento e conservação por meio de trocas com o seu ambiente cultural. A marca é um sistema cultural dentre outros, que se organiza como sistema simbólico diferente e oposto a tudo que lhe é exterior. Essa estrutura externa caracteriza uma zona de entropia, de “não-cultura”, representando a desordem ou abrigando sistemas com organizações diferenciadas, não identificadas com sistema de referência, que no caso é a marca em questão. Mas, por meio de movimentos de inclusão e exclusão, sua estrutura interna se relaciona com essa estrutura externa, promovendo o intercâmbio de elementos simbólicos. Assim, sob um ponto de vista externo, uma cultura é configurada em oposição às outras (Ivanov, et al., 1979). Esse entendimento possibilita a adoção de uma abordagem analítico-comparativa capaz de evidenciar a dinâmica de inclusão e exclusão de elementos simbólicos, cujo intercâmbio é necessário para a renovação e continuidade da cultura. Apesar de existir por oposição ao que lhe é externo, a cultura necessita de sua contraparte, uma vez que não pode existir só para si e tão pouco por si mesma. A análise cultural necessariamente deve considerar esses movimentos de passagem, porque essa movimentação denota o processo de formação e desenvolvimento cultural. Com relação às marcas, seu acervo cultural interage primeiramente com o seu ecossistema de origem que é a cultura de mercado e, em última instância, com todos os textos culturais, porque esses são suas fontes de dinamismo e renovação. A situação de uma marca no mercado é determinada com relação a todas as marcas afins, uma vez que o lugar do texto cultural no espaço textual é definido pela sua relação com o conjunto dos outros textos potenciais (ibid.: 205). A marca é um elemento de linguagem, um texto cultural complexo que inter-


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relaciona sua estrutura interna (texto ou sistema) com uma estrutura externa (contexto ou ecossistema). Essa inter-relação acontece tanto na dimensão sincrônica do agora quanto na perspectiva diacrônica que se desdobra no tempo. Enquanto um sistema autônomo de signos, a marca pode ser estudada como um fenômeno isolado, porém sua dinâmica está incorporada ao sistema geral da cultura, integrando-se em uma totalidade complexa. A emergência de uma marca atua como um feedback, retroagindo sobre a memória de todo o sistema de emergência, porque, como toda emergência, ”é dotada de certa autonomia e retroage sobre o conjunto para se autoconservar” (Morin,1990: 69). Cada marca compõe um conjunto único e dinâmico de entidades associadas, sendo ao mesmo tempo uma entidade (texto) e um sistema (conjunto dinâmico de signos), com uma combinação específica de formas de expressão que produz idéias, sensações e sentimentos. Esse texto diferenciado amplia, transforma e renova seu ecossistema de emergência, porque esse último passa a contar e interagir com o novo sistema constituído pela marca. Ao interagir com o ecossistema, a marca recente (que é uma parte do todo) manifesta seu poder de retroagir sobre o todo de modo sincrônico, pois, a um só tempo, a nova marca redimensiona o percurso diacrônico do ecossistema, que passa a ser campo do percurso de emergência de uma nova marca. Isso exerce forte influência no mercado porque, por exemplo, uma nova marca de café solúvel recoloca em questão todas as experiências e valores atribuídos às outras marcas que representam o mesmo tipo de produto, seja por parte dos consumidores, distribuidores ou concorrentes. As características de todas as marcas de café solúvel, tais como: preço, embalagem e performance do produto, serão revistas a partir dos atributos dados à nova marca, cujo grau de influência será maior ou menor de acordo com a sua capacidade de penetração e propagação no mercado. Exemplos do mercado brasileiro indicam as alterações no posicionamento reagindo à emergência das novas marcas. De acordo com J.R. Martins: No segmento de refrigerantes, a líder Coca-Cola baixou significativamente seus preços para combater as “tubaínas”; no segmento de sabões em pó, a nova entrante Ariel provocou uma série de ações promocionais da líder Omo, incluindo diminuição de preços e reposicionamento da linha de produtos (Martins, J. R. 2000:225).


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A marca é estabelecida como um fenômeno coletivo, intersubjetivo, que transcende a subjetividade de cada consumidor e as preferências manifestas por grupos isolados de consumidores. Um amplo conjunto de atributos da marca é disseminado entre muitos, incluindo os que ainda não consumiram e os que não irão consumir seus produtos. Dentre as características e atributos da marca, alguns elementos vão consolidando uma estrutura invariante que suporta a constituição da imagem de marca, garantindo-lhe uma identidade básica, a qual permanece a despeito das inevitáveis variações na dinâmica dos valores que lhe são atribuídos. A própria subjetividade se constrói a partir da vivência histórico-social do indivíduo em um meio cultural, pois os valores subjetivos também são embasados por valores culturais e “a subjetividade deve ser entendida como objetividade interiorizada” (Menezes, in: Lótman et al., 1981: 19). Essa perspectiva permite o encaminhamento de estudos objetivos sobre temas como “gosto” e “preferências”, que são interessantes ao desenvolvimento e administração das marcas.

2.1 A conceituação de cultura e uma cultura das marcas. Lótman e Uspenskii (ibid.:40-1) conceituam o termo cultura “como memória não hereditária da coletividade, expressa num sistema determinado de proibições e prescrições” ou “gravação de memória de quanto tem sido vivido pela coletividade”, determinando, por definição, a cultura como um fenômeno social e informacional. “Cultura é informação” (Lótman in Schnaiderman, 1979: 32). A estruturação sistêmica da cultura é proposta pela coletividade que irá utilizá-la como um instrumento ordenador, modelizante6, para “aquilo que é amorfo” (ibid.).

Essa característica ordenadora indica uma tendência dos sistemas de signos

à estagnação ou automatização, o que é prejudicial à continuidade do sistema. Assim, um sistema tem que se manter dinâmico para não estagnar e, ao mesmo tempo, ordenado o suficiente para não se desestruturar completamente, evitando os graus extremos de entropia. “A exigência duma constante autorenovação, de conversão em outro, conservando-se embora ele próprio, constitui um dos mecanismos fundamentais da cultura.” (ibid.) Sob os modos como os sistemas culturais incorporam e organizam seus 6

O termo modelizante indica a propriedade de constituir representações de mundo por meio das linguagens, como aparece na tradução do texto “Sobre o Problema da Tipologia da Cultura”


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elementos simbólicos, Pino e Santos (1974: 37) indicam a formação de duas culturas: 1. Uma Cultura de Expressão, que é alimentada pela tradição, incorporando elementos já estratificados em outros sistemas. Isso permite a percepção de uma cultura geral das marcas institucionais e comerciais, onde elementos comuns são recorrentes em diferentes sistemas, possibilitando o seu reconhecimento como marca e indicando ainda alguma coisa sobre o tipo de produto que representa e sua posição no mercado. Exemplo disso são as marcas de automóveis onde a circunferência é um elemento recorrente em suas formas de expressão (fig. 14).

(Fig.14. Semelhanças formais entre marcas de automóveis.)

2. Uma Cultura de Levantamento, que busca constituir algo novo e, partindo da novidade para constituir uma outra tradição, que ainda está por fazer. Para tanto, é necessário assumir uma posição crítica diante do que já está consolidado, promovendo uma ampla revisão desde as fontes originais e permitindo interpretações e formulações diferentes e inovadoras. Isso pode ser percebido na busca de um novo conceito de marketing, comunicação ou produto, o que requer também mudanças na concepção e apresentação da marca. Por exemplo, de acordo com José Kozel Jr. (1997:31), a marca Avon, que atua no Brasil desde de 1959, passou em 1993 por uma renovação de imagem, com um trabalho de marketing sobre a atualização tecnológica de seus produtos e embalagens (fig. 15).

(Fig.15)

Segundo Lótman e Uspenskii (in: Lótman et al., 1981: 19), “pode falar-se de cultura pan-humana em geral, da cultura desta ou daquela área geográfica, desta ou daquela época, da cultura enfim desta ou daquela comunidade variável em suas dimensões”. E, ao tratar do “Problema da Tipologia da Cultura” (in: Schnaiderman, 1979: 33),

Lótman argumenta que qualquer texto cultural, quanto ao tipo de cultura, pode

(Schnaiderman, 1979: 31-42).


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ser estudado como um texto único e com um único modo de codificação ou, ainda, como um conjunto de textos que apresenta códigos diversificados. A cultura é formada como um conjunto de textos que responde pelo registro da memória coletiva. Além disso, cada texto pode reunir em si outros textos que estão conjugados para exercer uma mesma função, que é diferente de suas funções originais. Logo, cada texto cultural se constitui também como um tipo de cultura. Tendo em vista a coletividade dos consumidores e o ambiente de mercado é possível considerar uma cultura de mercado, ou de consumo e, dentro dela, uma cultura das marcas, a qual é composta por diversos textos polissêmicos que são cada uma das marcas em particular. A marca em si mesma é um texto cultural porque é constituída como um sistema de signos. E os seus signos componentes ou os subconjuntos formados por eles também podem ser vistos como textos. Por exemplo, o conjunto de cores ou até mesmo uma cor que compõe a marca, com base na teoria dos conjuntos e na idéia de conjunto unitário, pode ser compreendida como texto. A emergência de uma cultura contemporânea das marcas no contexto da cultura de mercado também pode ser apreendida a partir das culturas identificadas por Teixeira Coelho no seu Dicionário Crítico de Política Cultural (1999). Uma vez que a cultura de mercado compõe um ecossistema onde interagem diversos sistemas culturais como a “cultura do narcisismo, cultura do consumo ou do consumismo, cultura da autenticidade, cultura da lamentação, cultura do politicamente correto, cultura da performance ou do desempenho e a cultura da atitude ou do comportamento”. Apesar de apresentarem aspectos e codificações diferenciadas entre si, essas culturas podem ser consideradas variantes de um certo esquema invariante, uma estrutura de relações que organiza a cultura de mercado. Como expõe Teixeira Coelho, o indivíduo no âmbito do mercado está pouco inclinado a construir os seus próprios capitais simbólicos, permanecendo “imerso no que Brecht chamava de cultura do entretenimento”. Segundo o autor, “Hannah Arent teria preferido abolir a palavra cultura desse rótulo por entender que se formara na contemporaneidade uma oposição decidida entre cultura e lazer diante da qual o homem contemporâneo, dito de massa, buscaria apenas o segundo pólo” (ibid.: 133). Porém, o próprio Teixeira Coelho considera esse sistema de entretenimento ou lazer como cultura devido à sua estrutura capaz de gerar definidas concepções de mundo


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(o que Lótman denominaria como “modelizante”). Os fragmentos de linguagem e os elementos comportamentais apreendidos nos programas e nos spots ou jingles publicitários de rádio e TV definem um vasto repertório de atitudes, o qual é reproduzido no cotidiano por crianças, jovens e adultos. De acordo com Massimo Canevacci (1988), os modelos televisivos chegam a constituir uma “antropologia da comunicação visual”. Atualmente, a cultura de entretenimento ou do lazer se apresenta como cultura de mercado, sendo estruturada na interação das diversas culturas citadas anteriormente e que serão descritas a seguir: A cultura do narcisismo e do hedonismo, que libera e instiga o culto à beleza e a busca do prazer ilimitado, também inverte prescrições tradicionais ao condenar o feio e o trágico, além de propor o individualismo e um tipo de neo-idealismo. A cultura de consumo, ou consumismo, é alimentada porque alimenta a cultura do narcisismo, mas não se confunde com ela. A cultura de consumo que, segundo Teixeira Coelho (1999: 130), é fruto das “sociedades da opulência caracterizadas pela proliferação de bens materiais (...) desencoraja a iniciativa e a autoconfiança ao mesmo tempo em que incentiva a dependência, a passividade e o estado de espírito, típicos do espectador”. É uma cultura que estimula a “ética do hedonismo” de modo perverso, porque o prazer sem medida, proposto pela infinidade de produtos oferecidos, não se encontra ao alcance de todos nem pode ser plenamente garantido pelo uso dos produtos em questão. Em última instância, o pleno prazer não será conquistado por ninguém, o que gera “um estado de permanente desconforto espiritual e de ansiedade crônica”. As prescrições tradicionais também são invertidas; neste caso, a máxima que diz quem tudo quer tudo perde é substituída por outra que prega deve-se querer tudo ao mesmo tempo e agora. A cultura da autenticidade ou da identidade parece reagir contra a massificação consumista, no rastro da contracultura e das manifestações de maio de 1968, reivindicando o direito à diferença e produzindo conceitos como o de multiculturalismo e termos como afro-americanos ou afro-brasileiros, para garantir os direitos de identificação, existência e participação das chamadas minorias étnicas, religiosas ou sexuais. Contudo, em artigo intitulado “Golpe de


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Marketing” (in: Caderno Mais, Folha de São Paulo de 10 de maio de 1998), Contardo Calligaris afirma que a segmentação cultural vem ao encontro da “segmentação do marketing” já prenunciada pela teoria da administração empresarial e comercial, antes mesmo da negação da sociedade de massas pela contracultura. De acordo com o autor, quando Herbert Marcuse publica em 1964 o livro O Homem Unidimensional, sua crítica chega atrasada e “abre uma porta já aberta por seus pretensos inimigos”, porque, de acordo com Calligaris (ibid.): Nos anos 60, enquanto a contracultura tece elogios à diversidade, o neoliberalismo descobre ou inventa a “segmentação do marketing”. Ou seja, o futuro comercial e produtivo do capitalismo não está na difusão extensiva de produtos massificados, mas em uma crescente diferenciação dos bens e dos consumidores alvejados. O marketing segmentado encorajará a identificação com as marcas mais do que a promoção dos produtos e produzirá psicodramas de grupos e subgrupos de consumidores se deleitando na constante invenção de estilos de vida ditos alternativos. A cultura da lamentação compõe o modelo proposto por Robert Hughes (1993), sendo citada por Teixeira Coelho (1999:131) como o “par imediato” da cultura da autenticidade. É também considerada uma cultura da vitimização, onde encontram eco reclamações ou queixumes de segmentos sociais que se sentem vitimados pela discriminação religiosa, étnica, etária e sexual, entre outras. Teixeira Coelho afirma que para essa cultura, “a condição de vítima não é um detalhe num conjunto maior, mas uma visão de mundo da qual todo o resto decorre: preferências estéticas, níveis de desempenho, representação de direitos e deveres, figuração do lugar na sociedade e assim por diante” (ibid.). Essa cultura demanda o fim das prescrições e modelos de gosto, qualidade, valor, etc., tomando a condição de vítima como parâmetro de interesse e valor. A cultura do que é politicamente correto também foi descrita por Hughes (1993) e sua ética parte do subjetivo, constituindo uma idéia de cidadania unilateral a partir de direitos, que estão acima e desligados dos deveres. Segundo Teixeira Coelho (1999: 132), seus “elementos são extraídos do domínio dos sentimentos e não da razão ou, em todo caso, dos conceitos teóricos”. A cultura da performance, assentada no mito do “produtivismo”, como um dos


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7

mitos fundadores da cultura ocidental , parece também, a princípio, oferecer um contra-ponto simbólico à cultura de consumo, que se justifica porque as demandas dos consumidores sejam elas estimuladas ou não, requerem de atendimento por parte do mercado. Todavia, ao se constituir como cultura a performance e a produtividade não ficam restritas ao atendimento das necessidades práticas do mercado, propondo ser, como toda cultura, um sistema de valores estruturadores de uma visão de mundo. Teixeira Coelho aponta como “seus sinais exteriores mais prosaicos” (ibid.) a prática de atividades físicas como o cooper e a aeróbica e toda a cultura das academias de ginástica e práticas competitivas, seja no esporte ou fora dele (como por exemplo, a busca insana pela elevação dos índices de produtividade e venda). Isso suplantou a prescrição tradicional que diz: o importante não é vencer, mas competir, substituindo-a pela máxima: o importante não é vencer, mas derrotar. Assim, a cultura da performance também dá vazão ao narcisismo e ao exibicionismo. A cultura da atitude ou do comportamento segue o consumo e a performance , uma vez que os índices performáticos não estão ao alcance de todos, induzindo à simulação de performances, cujos modelos são oferecidos por toda a mídia e principalmente pela TV. Isso promove, por exemplo, o consumo simbólico de equipamentos

esportivos,

como

calçados

especiais para um tipo de esporte (fig.16), que são consumidos como acessórios da moda. Essa (Fig.16. Tênis Reebok.)

cultura também dissemina padrões para o comportamento em público, propondo atitudes tipificadas para o convívio com amigos ou namorados, etc. Porém, “essas atitudes e comportamentos surgem como fragmentos de uma existência (freqüentemente imaginária) regidos muito mais por valores simbólicos, postos a girar em alta rotatividade pelo mercado, do que por um capital simbólico acumulado autonomamente pelo indivíduo” (Teixeira Coelho, 1999: 133). A atual cultura de mercado é constituída pela interação dessas culturas após 7

O antropólogo francês Gilbert Durand considera o mito do produtivismo como um dos mitos fundadores da cultura ocidental (cf. Teixeira Coelho, 1999:132).


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a fragmentação da cultura de massas ou de entretenimento. Nela interagem sistemas de signos muito diversificados, conjugando os signos de moda e beleza da cultura do narcisismo, com os slogans, marcas e grifes das confecções e de todas as demais empresas componentes do sistema de produção e consumo. Por outro lado, as palavras de ordem, símbolos e bandeiras dos setores que reclamam por identidade, assinalam sistemas de

signos

componentes

da

cultura

da

autenticidade e da reclamação, os quais se constituem também como símbolos dessas culturas, que se mostram ativistas pelo menos nos seus movimentos de superfície. Mas, até mesmo as culturas ativas têm seus elementos simbólicos absorvidos e integrados ao sistema de consumo. Por exemplo, as imagens de Jonh Lenon e Yoko Ono nus se tornaram símbolos pacifistas, mas também foram usadas em um anúncio

publicitário

das

toalhas

Artex,

publicado na Revista Cláudia, de junho de 1971 (in: 100 Anos de Propaganda,1980:150) (fig. 17).

(Fig. 17. John, Yoko e toalhas Artex.)

Os signos de produtividade como índices e gráficos estatísticos são totalmente identificados com a cultura de mercado, porque caracterizam a cultura performática ao indicar valores de competência, produtividade e competitividade. Por fim, a cultura da atitude ou do comportamento reúne os mais sofisticados produtos da cultura de mercado por ser especialista em produzir e promover o comércio de bens simbólicos, os quais, como foi já dito, são adquiridos e consumidos em conjunto com os bens materiais de consumo (fig.18). No sistema de mercado emerge a cultura das marcas e também cada uma das marcas comerciais ou institucionais. Por sua vez, o mercado interage com todos os outros sistemas culturais, com os quais é composta a cultura em geral ou panhumana (Lótman in Schnaiderman, 1979: 32). Há essa esfera cultural mais ampla, constituída em oposição e interação à esfera natural, da qual a própria história das marcas emerge. Assim, a marca escapa dos critérios biológicos de necessidade e de uso, sendo instituída culturalmente como símbolo de status econômico, social e


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.

ideológico, dentre outros. De acordo com J. R. Martins (2000: 205-6), há três tipos de benefícios que podem ser proporcionados aos consumidores, a partir das qualidades que lhes são atribuídas e que constituem uma parte de sua imagem de marca: 1.

Benefícios

funcionais,

cuja

esfera

de

ocorrência é intrínseca ao produto e de valor reduzido quanto à qualidade percebida da marca, porque de modo geral são proporcionados por todos os produtos de uma mesma faixa de mercado. Nesse caso, o melhor preço passa a ser (Fig.18. Budweiser: poses/atitudes)

um fator decisivo para a compra do produto.

2. Benefícios experimentais, também são ligados aos funcionais, mas são mais relevantes para a imagem de marca, porque se relacionam nos casos positivos às sensações de prazer, como é o caso dos produtos degustáveis ou de colchões, dentre outros. Isso permite ao consumidor avaliar aquilo que lhe parece ser o mais agradável. O fato de o cliente se sentir mais confortável na poltrona de um carro, no geral, pode ser mais decisivo para a compra do que cinco cilindradas a mais no motor, etc. 3. Benefícios simbólicos possuem elevado grau de importância porque são relacionados ao conceito que cada consumidor faz de si mesmo, devem então estar de acordo com uma posição social idealizada ou colaborar para a superação de alguma sensação de baixa-estima. “Os consumidores podem valorizar durabilidade e simplicidade ou, ao contrário, exclusividade e prestígio, se isso se encaixa à imagem que fazem de si mesmos” (ibid.).

2.2 A marca entre duas realidades. De acordo com Ivan Bystrina (1995:14), o homem é um ser cultural que vive entre dois mundos ou duas realidades. A consciência da primeira realidade é constituída no contato com o mundo natural, com base na irredutibilidade do real, que é assim considerado porque persiste e permanece independente das


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contingências da consciência ou da razão. As relações tecnológicas com a primeira realidade são, necessariamente, limitadas pelas características do mundo natural. Por isso, a primeira realidade também é território das técnicas de transformação e síntese de materiais a partir do uso de elementos da natureza. Por sua vez, a segunda realidade é constituída na própria consciência pela capacidade humana de incrementar simbolicamente a primeira realidade. Bystrina (ibid.)

indica o sonho e o jogo ou brincadeira como aspectos naturais que dão origem

à cultura. Porém, a arte e os estados alterados da consciência que, segundo o mesmo autor, já são produtos culturais também renovam a própria cultura. A possibilidade de sentir, sonhar e pensar povoa a segunda realidade com textos imaginativos e criativos. Os sentimentos afetam e modulam as informações dos sentidos; os sonhos são manifestações de desejos, e as idéias são pensamentos sobre os sentidos, sentimentos, sonhos e desejos. Através desses componentes, o homem ultrapassa os limites do mundo natural, constituindo um outro mundo imaginário e simbólico. Bystrina considera a segunda realidade como um fenômeno nitidamente psíquico. Porém, é necessário um suporte físico para a produção de signos. O autor afirma que “os processos psíquicos são produzidos materialmente no corpo” (ibid). A segunda realidade, como é próprio da cultura, “possui um caráter sígnico, é construída em signos e realizada em textos” (Bystrina apud Baitello Jr., 1997: 29). Edgar Morin (1998) afirma que as representações culturais, simbólicas, são “noológicas”, uma vez que essas são formadas ou informadas por fenômenos mentais. “Os símbolos, mitos e idéias são englobados ao mesmo tempo pelas noções de cultura e de noosfera”, como esfera das impressões, das idéias e das significações (ibid.:145). O

conceito de “noosfera” é similar e equivalente ao conceito de “semiosfera”,

proposto por Lótman como sinônimo de segunda realidade ou de mundo da cultura (Baitello Jr, 1997: 37).

E apesar de Morin não utilizar os conceitos de primeira e

segunda realidade, seu pensamento, com base na teoria dos sistemas, estabelece muitos pontos de convergência com as propostas de Lótman e também de Bystrina, a respeito das formas de estruturação da cultura. A noosfera reúne a produção cultural, cuja motivação é a busca de explicação e superação dos limites perceptivos, transformando, complementando, inventando e


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reinventado as informações extraídas da primeira realidade, através da criação de mitos, hipóteses e teorias a respeito do desconhecido. Por exemplo, diante da morte, um limitador radical imposto pela primeira realidade, a cultura instaura os mitos e os ritos funerários, convertendo o fim de uma vida em início de outra. A segunda realidade supera simbolicamente os limites da primeira, anunciando uma outra vida, a qual não pode ser vislumbrada na observação simples dos elementos naturais. Qualquer que seja a situação, a segunda realidade interfere na primeira transformando o mundo natural, pois, mesmo o que é considerado como fato, como real, permite diversas interpretações, que manifestam os desejos de mudança e abrem perspectivas de transformação dos modelos de compreensão desses dois mundos. Por exemplo, atualmente sérias críticas são dirigidas à divisão da cultura em: erudita, popular e de massas. Primeiro, porque não há uma tão nítida divisão cultural por classes sociais. Segundo, porque a cultura de massa reúne em si elementos das culturas popular e erudita. Terceiro, porque muitas manifestações assinaladas como eruditas manifestam origens populares e vice-versa. Teixeira Coelho (1999: 129), além de criticar a divisão descrita acima, também questiona a validade do conceito de cultura de massas para a continuidade dos estudos culturais, pois a fragmentação da cultura no âmbito do mercado deu origem a diversos sistemas simbólicos, os quais foram descritos no item anterior (2.1), e que são denominadas pelo autor como “culturas pós-modernas” (ibid.:127). Essa interpretação inviabiliza, portanto, a possibilidade de um único conceito ser abrangente o bastante para representar toda a diversidade do conjunto. Teixeira Coelho (ibid: 128), todavia, citando as idéias de C. P. Snow, reconhece no mundo contemporâneo a existência de “duas grandes culturas abrangentes: a cultura dos intelectuais literários (...) e a cultura dos cientistas naturais”, que foram sendo constituídas enquanto se distanciavam uma da outra ao longo da história. Hoje essa classificação em cultura humanista, literária ou cultura científica ainda se mostra mais pertinente e duradoura do que categorizações posteriores. Adotando o mesmo princípio, Edgar Morin (1998: 87) afirma que a tradição grega e renascentista foi dividida nessas duas culturas onde: 1o - os sistemas de hipóteses e teorias constituem os princípios da cultura teórico-explicativa, dita o científica; 2 - e os textos da cultura humanista ou literária atuam como expressões


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de desejos, fantasias, impressões e conjecturas, constituindo dentre outros os sistemas de idéias míticas e místicas, como a Cosmogonia ou a Teologia, e as disciplinas humanísticas como a Filosofia, a Literatura e a Arte. No âmbito da noosfera as representações mentais são consideradas como “entidades feitas de substância espiritual e dotadas de certa existência” (ibid.: 145). A cultura como memória coletiva é um processo que envolve a produção, a conservação e a propagação de idéias, hábitos, crenças, conceitos e práticas. No entanto, para haver trocas e transformações no sistema é preciso que sua substância espiritual, composta por idéias, impressões e sentimentos, seja compreendida através de entidades independentes, porque são possuidoras até certo ponto de uma existência individualizada. Morin (ibid.: 149) divide o conjunto dessas entidades em dois grandes grupos: O primeiro reúne as entidades figurativas, componentes dos mitos e religiões, tais como, os gênios, espíritos e deuses, porque essas assumem formas animais e humanas. O segundo agrupa as entidades abstratas que compõem os sistemas de idéias, como as doutrinas, as teorias e as filosofias. As marcas, como formas de expressão visual, também interagem com essas culturas e representam suas entidades. Os pictogramas figurativos apresentam, dentre outras, imagens de gênios e deuses, enquanto os emblemas sugerem relações ideais através de formas e cores, dando corpo a mitos e idéias (Fig.19). A cultura das marcas é um dos vetores de construção e propagação da esfera das entidades espirituais nesta sociedade contemporânea, que se caracteriza pelo consumo massificado de bens materiais e simbólicos.

A L.H. Kellog Chemical Co. EUA

B Company Mobil Oil EUA

C Manson Laboratories Inc. EUA

(Fig.19. Marca, mito e ciência.)

A propagação é a chave da conservação das entidades espirituais, porque os mitos e as idéias vão passando de uma mente para a outra, por meio de recursos diversos como a oralidade, a visualidade, a escrita e, mais especificamente no caso das marcas, através da publicidade institucional, empresarial, de produto, etc. Por


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esse processo de propagação e conservação, as entidades espirituais vão sendo perpetuadas e passam a constituir um sistema cultural como memória coletiva. “As idéias são dotadas de vida própria porque dispõem, como os vírus, num meio (cultural/cerebral) favorável, da capacidade de autonutrição e de autoreprodução. Assim, os cérebros humanos e, acrescentemos, as culturas formam os ecossistemas do mundo das idéias” (Morin, 1998:142). A analogia entre as idéias e os vírus é citada por Morin a partir dos estudos de Richard Dawkins (1989), que faz uma analogia entre a propagação dos genes biológicos e a propagação das idéias. Esse autor propõe, por comparação e associação, o termo memes para identificar as idéias replicantes, que passam de uma mente para outra através dos instrumentos da cultura. A imagem de marca é formada e também replicada na mente dos consumidores como emergência do mercado, o qual se apresenta como seu ecossistema constituído em torno das práticas de produção, de divulgação publicitária e dos hábitos de consumo. As imagens de marca são construídas como conjuntos de entidades espirituais: idéias, impressões e sentimentos relacionados especificamente a uma marca e seus produtos ou serviços. As marcas necessitam, porém, de um suporte físico, uma base material de expressão dos signos que dá acesso ao seu conteúdo. Assim, o estudo de alguns aspectos das artes visuais, principalmente no tocante ao design gráfico, poderá fornecer evidências sobre o modo como as marcas compõem sua segunda realidade, reunindo atributos sensíveis, simbólicos e míticos. O processo de atribuição de sentido visual às marcas e seus produtos ou serviços é composto e proposto nas peças publicitárias divulgadas nas propagandas de revistas, nos outdoors e nas cenas do cinema e da televisão. Apesar das transformações na mídia visual, a imagem publicitária ainda mantém ligações isomórficas com a concepção de quadro, que foi inaugurada pelas artes visuais do Renascimento, que foram incrementadas por concepções estéticas posteriores. Expressões gráficas como o logotipo e o pictograma incorporam e passam a representar os valores atribuídos à marca e a seus produtos ou serviços, através do processo de produção de sentido desenvolvido, inclusive por meio das imagens publicitárias. O logotipo e o pictograma (trademark) são a síntese dessas duas realidades,


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porque ainda como textos isolados já apresentam uma estrutura de expressão, primeira

realidade,

e

também

um

conteúdo,

segunda

realidade.

Assim,

independentes da empresa ou produto que representam, as manchas ou sinais gráficos, que também podem configurar um cavalo com asas ou uma tartaruga, trazem em si e por si mesmos uma possibilidade de expressão (valor de atração visual) e uma possibilidade de conteúdo (valor de atenção ou significação). Sua estrutura de expressão (mancha gráfica ou trademark) serve, porém, de base material, ou se apresenta como primeira realidade, para incorporar e representar todos os atributos recebidos pela empresa e seus produtos durante sua experiência no mercado. Esses atributos constituem uma segunda realidade que é aqui denominada de imagem de marca (brand). Portanto, o pictograma e o logotipo se apresentam como textos ou sistemas de signos geradores de diversos interpretantes, expressando e comunicando a imagem de marca como conjunto de entidades espirituais: 1. A primeira realidade é tangível, material, sendo composta pelo conjunto das formas de expressão da marca, principalmente aquelas que compõem o logotipo e o pictograma e determinam sua dimensão sincrônica. Sua esfera de atuação é a dos elementos tangíveis e perceptíveis (trademark). 2. A segunda realidade da marca é intangível, caracteriza-se pela imagem de marca constituída ao longo do tempo, o que determina sua dimensão diacrônica, resultante do devir da empresa e de seus produtos no mercado. A segunda realidade é o sistema onde são propostos e incorporados os atributos da marca, em decorrência das ações de marketing, publicidade e consumo, que formulam os ritos de contato com o público. Assim sua esfera de atuação é a dos elementos de conteúdo, intangíveis (brand).


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Ao consolidar sua imagem na mente dos consumidores, a marca ganha significação autônoma, com relação aos produtos ou serviços que representa, passando a atribuir sentido a tudo que for associado a ela. Como diz um antigo slogan: “Se a marca é Cica bons produtos indica” (fig. 20). Assim, independente do produto, a marca se apresenta como uma garantia de qualidade e possibilidade de um maior

(Fig. 20, produto Cica.)

preço ou prestígio para seus produtos. Esse tipo de valorização da marca evidencia a substituição do valor de uso dos produtos, elementos tangíveis da primeira realidade, por valores simbólicos, elementos intangíveis da segunda realidade que, de modo autônomo, passam a ser incorporados e representados pela marca. Por atribuir valor a novos produtos e serviços, a marca gráfica, que é expressa pelo logotipo e pictograma, passa a ser considerada também como um importante ativo financeiro da empresa que deve ser registrado e protegido legalmente, passando a contar com uma expectativa de permanência no mercado que, no geral, é bem maior que a dos produtos que representa. Muitas vezes é divulgado que um produto, por exemplo, um sabão em pó, está com nova fórmula ou nova embalagem. Contudo, as transformações na marca são mais sutis e bem mais lentas, até porque é a continuidade da marca que garante a continuidade e a integridade do produto, que não perde sua identidade. Apesar de nova fórmula e nova embalagem, o produto continuará o mesmo, porque ainda é apresentado sob a mesma marca. O que está proposto aqui é a preservação do percurso diacrônico da marca, cujo vetor temporal demarca o processo de aquisição dos sentidos que lhe são atribuídos, caracterizando o seu maior patrimônio. A cada momento que é reapresentada ao público, a marca refaz o seu percurso de significação na mente dos consumidores. Assim, as atribuições positivas doadas pelo público no decorrer de suas vivências com a marca e com o produto não sofrem quebra de continuidade, porque a permanência da marca reintegra esses atributos aos novos produtos, fazendo-os aparecer como uma versão aprimorada do produto anterior. Para um produto mudar sua marca ou uma marca mudar suas formas de apresentação, são necessárias estratégias de marketing eficientes para que haja a transferência dos valores anteriormente atribuídos e também a incorporação dos valores propostos pela nova concepção ideológica ou pelo novo design de marca.


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A imagem de marca é dinâmica, sendo reforçada ou renovada a cada contato do público com os produtos, serviços ou expressões da marca. Isso exige uma constante administração dos modos de aparição de tudo que está ligado à marca (administração de marca), para garantir a continuidade e o desenvolvimento de uma imagem positiva, de acordo com os propósitos da empresa anunciante. Em síntese, parafraseando Philip Kotler (1996: 387), o logotipo e o pictograma (que expressam a primeira e a segunda realidade da marca) são símbolos complexos e capazes de atribuir ao produto significados, valores, personalidade e identificação com o usuário, possibilitando a formação de uma ideologia e de uma mítica de consumo. A marca autônoma inaugura uma cultura através da produção mítico-simbólica, passando a atribuir valor a tudo o que possa representar, constituindo-se também como um elemento da segunda realidade, portanto, a marca vai muito além das formas do logotipo e do pictograma, mas é por meio desses elementos que ela é sinteticamente percebida.

2.3 A marca como acervo de valores intangíveis (segunda realidade). A incorporação de elementos afetivos e intelectuais se desenvolve como um processo, cujo percurso no espaço/tempo pode ser descrito por estágios indicativos do posicionamento da marca no mercado em um determinado tempo e lugar. Um bom posicionamento e a liderança do mercado devem ser almejados e, uma vez atingidos, devem também ser assegurados indefinidamente. De acordo com J. R. Martins (2000): O objetivo do posicionamento é incorporar os atributos da oferta ao conceito de marca. Se a marca transmite uma personalidade sensível e integral, todas as atividades programadas para comunicar essa mensagem devem conter a mesma concepção de posicionamento. Cada uma das experiências individuais dos consumidores pode, então, reforçar a posição básica que será aceita por eles como a imagem de marca (ibid.: 45). Por exemplo, quando o automóvel de uma determinada marca é considerado “o carro do ano”, isso assinala o seu reconhecimento como líder de mercado durante um determinado período. Porém, indica também que a marca foi associada com êxito a percepções, conceitos e sentimentos de maior qualidade, mais beleza e comodidade, bom preço, etc., garantindo a sua liderança nas vendas devido ao reconhecimento dos consumidores.


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Tendo em vista a preferência dos consumidores, o bom desempenho da marca estabelece o seu posicionamento dentre as outras marcas, garantindo inclusive a sua liderança nas vendas, embora o bom desempenho do produto também seja imprescindível. Aaker (1998: 97) diz que “é desperdício tentar convencer os consumidores de que a qualidade é alta, quando não o é. A menos que a experiência de uso dos consumidores seja consistente com a posição de qualidade, a imagem não pode ser mantida”. Portanto, não há como se descuidar dos benefícios funcionais e experimentais dos produtos tendo em vista a performance dos concorrentes. Sobre o descompasso entre o produto e a imagem de marca, Pinho (1996:49) relembra que a Coca-Cola foi mantida praticamente imutável desde 1880, até que a New Coke (Nova Coca), lançada na segunda metade da década de 1980, propôs uma sutil mudança de sabor ao produto. Tal mudança foi ruidosamente rejeitada pelos consumidores. Por outro lado, a imagem de marca da Coca-Cola foi sendo renovada e reestruturada constantemente ao longo do século, incorporando ainda o nome Coke, para garantir a manutenção de seus apelos de atualidade e jovialidade. Isso indica que o consumidor espera encontrar na Coca-Cola um produto tradicional, mas com uma imagem de marca constantemente renovada. Essa estratégia consolidou a Coca-Cola como líder mundial no mercado de refrigerantes. De acordo com todos os autores estudados, a qualidade do produto é condição necessária, mas não suficiente para o bom desempenho da marca, porque as impressões, os sentimentos e a qualidade percebidos pelo consumidor com relação à marca são mais importantes que as características do produto. As causas dessa evidência advêm de interações complexas, pois nem mesmo a qualidade percebida com relação ao produto é fator definitivo para a preferência e fidelidade do público consumidor, que também reage de acordo com outras impressões e associações. Um exemplo disso é a marca McDonald’s, que obtém altos índices de preferência e fidelidade do público e seu produto não é reconhecido como sendo de alta qualidade. Em um artigo na revista Exame (n.1, 2001: 16-7), “McDonaldização da Economia”, a correspondente da revista em Nova Iorque, Tânia Menal, escreve sobre o aumento das vendas de fast food no mundo e demonstra seu espanto com o consumo da marca McDonald’s em uma cidade como Nova Iorque, que dispõe de 25000 restaurantes com cardápios de todo o mundo. Mas “um turista preguiçoso e


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faminto acaba se rendendo ao McDonald’s por se sentir confortável com a marca”. Ray Kroc, um dos fundadores da marca, diz ser essa mesma a armadilha, uma aposta nos conformistas com pressa. Hoje, segundo o artigo, o posicionamento da marca McDonald’s nos EUA ultrapassou a Coca-Cola em popularidade. “Uma pesquisa conduzida com crianças de escolas americanas apontou que 96% reconhecem o personagem Ronald McDonald. O palhaço só perdeu para um tal de Papai Noel” (ibid.). Os valores atribuídos pelos consumidores são determinantes para o posicionamento da marca e do produto no mercado e, mesmo sem querer desconsiderar a base material das relações comerciais, é preciso salientar a necessidade de distinção simbólica entre as marcas, porque “tanto a qualidade percebida como as associações da marca podem aumentar a satisfação do consumidor com a experiência de utilização. Para este, saber que uma jóia foi criada na Tiffany pode afetar a experiência de usá-la. O usuário pode realmente sentir-se diferente” (Aaker, 1998: 17). Sobre essa necessidade de distinção, vale observar que produtos equivalentes, ocupando a mesma faixa de mercado, tornam-se praticamente indistintos no tocante às suas características funcionais8. A homogeneidade entre os produtos pode ser evidenciada nas revistas especializadas em testes de automóveis. Nesses testes, as diferenças aferidas entre os veículos que disputam uma mesma faixa de mercado são mínimas e alternam entre si. Uma vantagem atribuída a um dos modelos é compensada por outra atribuída ao concorrente. As pontuações recebidas pelos participantes também são muito próximas entre si. Portanto, cresce em importância a mitificação positiva, qualquer valoração simbólica, que puder ser atribuída à marca e repassada aos produtos. Durante as décadas de 70 e 80, em comparação aos veículos de fabricação norte-americana, houve uma superioridade dos automóveis japoneses no aspecto de “isenção de defeitos de fábrica”. Contudo, Aaker (ibid.:96) informa que: No final dos anos 80, os carros americanos começaram a chegar perto, a ponto das diferenças serem mínimas. O problema para os fabricantes 8

Horkheimer e Adorno apontam a homogeneização dos produtos sob as diferentes marcas no texto: “A Indústria Cultura: O Iluminismo como Mistificação de Massas” (in: LIMA, 1990: 159-204).


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americanos foi que os fabricantes japoneses mudaram o jogo da qualidade (...) a fabricação isenta de defeitos é coisa comum e resolvida, e o enfoque muda para a fabricação de carros que fascinem e proporcionem prazer. A idéia é introduzir nos carros níveis extraordinários de aparência, som e sensação, cujo efeito cumulativo mude a personalidade do carro. A agência de propaganda BBDO realizou uma pesquisa sobre treze categorias de produtos. O objetivo da pesquisa era saber, do ponto de vista do consumidor, quais os índices de paridade dentre as marcas de produtos similares. Ou seja, quantas marcas seriam semelhantes e plenamente substituíveis umas pelas outras na preferência e nas compras do consumidor? Os resultados indicaram que “para produtos como toalha de papel e sopa em pó – que enfatizam benefícios de desempenho – o percentual foi notavelmente mais alto do que para produtos como cigarros, café, cerveja, para os quais o atributo da imagem tem sido a norma” (Aaker, 1998: 10). Wolfgang Haug (1997) e Jean Baudrillard (1997: 199) também questionam a importância dada ao valor de uso do produto, pois, seja de um ponto de vista afirmativo como o do marketing e da publicidade, tendo em vista as indicações de autores como Kotler, Aaker e Randazzo, ou ainda de uma perspectiva crítica contra a massificação e o consumismo, como se posicionam Haug e Baudrillard, no rastro da Escola Crítica de Frankfurt, todos consideram que a primeira função da marca é indicar e representar uma empresa ou produto, mas, “sua função segunda é mobilizar as conotações afetivas” (Baudrillard, 1997: 199). O bom desempenho dos produtos passou a ser condição elementar para a manutenção de todas as marcas no mercado, porque, dentro de cada um dos níveis de consumo, todos têm acesso garantido às mesmas tecnologias de produção que podem pagar. Sal Randazzo (1996:24) afirma que em um “mundo de comunicações instantâneas não há segredos. A tecnologia necessária para criar uma cerveja light, um sorvete com baixo teor de gordura, ou um saudável cereal de flocos está ao alcance de todos”. Em alguns casos, como nos produtos eletro-eletrônicos não há necessidade de comprar ou copiar a tecnologia de fabricação, compra-se o produto tecnológico pronto. Por exemplo, videocassetes de diferentes marcas apresentam peças essenciais idênticas, porque todas elas compram esse item de um mesmo fornecedor. Em estrito senso, as reflexões de Hokeimer e Adorno (in: Lima, 1990) ainda repercutem a realidade ao observarem que a chamada “indústria cultural” foi


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construída sobre a padronização dos meios de produção e também dos produtos. A

fragmentação

do

mercado,

aliada

às

notáveis

diferenciações

e

especificidades dos produtos, que são conquistadas por meio de requintes tecnológicos, principalmente dos advindos da tecnologia eletrônica, aponta para um atendimento personalizado, atento às necessidades de cada consumidor. Porém, essas diferenças são estabelecidas mais na esfera das aparências do que das essências, como bem ilustra a concorrência entre os automóveis japoneses e os norte-americanos. Haug (1997) vai ainda mais longe, ao tratar da significação da marca sobre o produto, indicando que produtos exatamente iguais e produzidos por uma mesma empresa são vendidos com marcas e preços diferentes, para atender a diferentes parcelas do mercado: Os trustes atraem também os chamados mercados baratos – os compradores de menor poder aquisitivo ou, no mínimo, mais parcimoniosos – vendendo o mesmo produto mais barato com uma outra etiqueta, através de uma subsidiária (Haug, 1997: 38). Assim, atende-se aos que procuram bom desempenho e bom preço e também aos outros, que estão dispostos a pagar mais caro por atributos intangíveis, comprando produtos cuja marca é identificada com um gosto de “primeira classe”. A opção por preços mais elevados é considerada fator de distinção, tanto para as marcas e produtos quanto para os consumidores. Aaker (1998: 103) indica o preço como uma sugestão de qualidade, citando como exemplo a marca de whisky Chivas Regal, que passou a ter sua qualidade reconhecida e vendas ampliadas depois que optou pelo aumento de seus preços. Para Baudrillard9 (1995:108), o que está em jogo no ato de consumo não é mais o valor de troca, com base no valor de uso, mas a pura e simples manifestação de riqueza. O valor do gasto sob o signo da ostentação, indicando o alto status do consumidor, que despreza e avilta o bem mais precioso, que é o próprio dinheiro. Nessas condições, a compra se tornou um signo de diferenciação social: O acto de consumo nunca é apenas uma compra (reconversão do valor de 9

Em parte de sua obra, Jean Baudrillard escreve sobre a dominação simbólica dos objetos como signos atuantes na sociedade de consumo. Baudrillard aponta o “valor de signo” como um feitiço ainda maior da mercadoria que o “valor de troca”, um feitiço em relação ao “valor de uso”, como foi apontado por Karl Marx no texto “Para a Crítica da Economia Política” (Cf. Baudrillard. Para uma Crítica da Economia Política do Signo, 1995 A).


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troca em valor de uso), é também – aspecto radicalmente negligenciado, tanto pela economia política como por Marx – um DISPÊNDIO, ou seja, uma riqueza manifestada, e uma destruição manifesta da riqueza. É este valor ostentado para além do valor de troca, e fundado na destruição deste, que investe o objecto comprado, adquirido, apropriado, do seu valor diferencial de signo (ibid.). Com base em pesquisas de campo, Aaker (1998: 103) afirma que, na falta de outros indícios de qualidade, uma diferença substancial no preço do produto atua como elemento de qualificação da marca, principalmente para produtos como vinhos, perfumes e bens duráveis. Constituindo um reforço à tese de que a aparência tem crescido em importância perante as características objetivas do produto, o mesmo autor (ibid.) reúne uma série de estudos de casos de marketing, onde o parecer foi mais eficiente que o ser, porque os indícios de qualidade são extraídos da sonoridade dos nomes, da aparência das embalagens e do design da marca ou produto. Desse modo, confirma-se o processo de identificação estética perceptiva, porque sons, formas, cores e outros elementos sensíveis influenciam na decisão de compra. Além disso, há o traço exibicionista, porque a compra e a exibição de produtos de marcas caras são indicativas do elevado status do consumidor. J.B. Pinho (1996:48) cita três fases de evolução de um produto novo como foi proposta por John Murphy (1990: 10). A primeira é a fase de lançamento, onde o produto é reconhecido como “único e exclusivo”. A segunda fase é o período competitivo onde a concorrência se instala e passa apresentar produtos similares quanto à funcionalidade, fazendo com que o fabricante atualize o produto para manter sua originalidade. A terceira fase se caracteriza pela igualdade entre os produtos concorrentes e “os valores simbólicos passam a ter maior importância na diferenciação da marca perante seus concorrentes” (ibid.). Como disse Haug (1997: 40), o desempenho do produto, sua “função de realização”, já é determinado pela concorrência. A maioria dos produtos que concorrem em uma mesma faixa de preço e qualidade tem que apresentar características muito similares, oferecendo pelo menos o mesmo padrão de qualidade que os concorrentes. A diferença e a individuação ficam por conta das estratégias de apresentação e divulgação das especificidades da marca e do produto, uma vez que as características técnicas, como foi dito, são praticamente idênticas. Diferentes


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estratégias de discurso é que são utilizadas para compor uma imagem de marca peculiar. “A concorrência deslocou-se consideravelmente para o plano da imagem. Agora uma imagem concorre com outra imagem – com investimentos que chegam a bilhões” (Haug, 1997: 43). De acordo com J. R. Martins (2000:232), mesmo em certas linhas de produto onde a tecnologia sempre foi um diferencial, aparecem slogans que não citam os benefícios tecnológicos dos produtos, apelando para a construção de imagens simbólicas. Esse é o caso dos eletro-eletrônicos da marca Toshiba, cujo slogan é: “Nossos japoneses são mais criativos”, e da Sharp: “Essa marca pensa”, ou da Motorola: “Te dá asas”. A magia da imagem reside no seu poder de síntese, colocando-a no centro das culturas míticas ou místicas, dentre as quais se destacam no mundo contemporâneo a publicidade e toda a cultura em torno das marcas comerciais. As imagens mentais (metáforas) produzidas por slogans e outros recursos e as imagens físicas possibilitam a composição de um tipo de mensagem que é capaz de traduzir, de modo eficaz, as abstratas significações centradas em torno de idéias como status, charme, virilidade, sofisticação e descontração, dentre outras, que compõem os atributos das marcas. Além disso, a imagem faz isso de modo “conciso e com alto grau de legibilidade” (Campos, 1987: 61). Decorre daí a importância cada vez maior que a imagem vem assumindo na mídia publicitária e na cultura das marcas, porque condensa em si os conteúdos expressos, que são deslocados de suas fontes e direcionados para a imagem de marca ou para o produto. A oferta simbólica atende aos desejos e interesses dos consumidores, porque “uma marca pode funcionar como portadora de projeções na qual o anunciante projeta os valores e a sensibilidade do consumidor, ou como um distintivo, um meio de reforçar nossas identidades pessoais e culturais” (Randazzo, 1996: 28-9). Tanto Randazzo (1996) quanto Baudrillard (1997) citam Pierre Martineau (1957) que, a respeito da identificação entre o consumidor, a marca e seus produtos, recorre à idéia de que, exceto “no caso de comportamentos meramente orgânicos, todos os atos do comportamento humano são uma forma de auto-expressão; são uma representação simbólica do eu interior. Uso produtos que vejo como símbolos capazes de satisfazer minhas forças motivadoras que são coerentes com a idéia que tenho de mim mesmo” (apud Randazzo, 1996:44).


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Baudrillard (1997:196) salienta a função da publicidade na personalização da marca e dos produtos, a qual nos faz crer que “os produtos se diferenciaram e multiplicaram de tal forma que se tornaram seres complexos, e que assim a relação de compra e de consumo é igual em valor a não importa que tipo relação de humana” (ibid.). Dessa idéia advêm frases do tipo: você deve comprar este produto porque ele é a sua cara. Isso possibilita aos produtos o mesmo tipo de empatia que aproxima os seres humanos. Ao afirmar a crença na complexidade de marcas e produtos e sua equivalência com as diversificações da personalidade humana, Baudrillard indica que as marcas são percebidas como portadoras de personalidade. Logo, é possível produzir a ilusão de uma relação intersubjetiva entre marcas e consumidores, fazendo valer a afirmação de Martineau sobre a idéia de que “todo processo de compra é uma interação entre a personalidade do indivíduo e a do produto” (apud Baudrillard, 1997:196).

Randazzo diz que:

Os consumidores precisam sentir-se psicologicamente à vontade com a imagem e a personalidade da marca. E é por isto que geralmente escolhem marcas com as quais podem se identificar – marcas coerentes com sua própria personalidade, com seus valores e suas crenças ou com alguma forma idealizada dos mesmos. Em certa altura, os consumidores descobrem que as marcas escolhidas dizem claramente quem eles são. Usam um Rolex ou um Timex? Tomam Budweiser ou Heineken? Os termos “personalidade de marca” e “personalidade de produto” fazem parte do jargão das áreas de marketing e design e José Martins (1995) cita algumas marcas bem sucedidas que, segundo ele, dispõem de personalidade definida por uma imagem síntese, descrita em poucas palavras: Coca-Cola: emoção e vitalidade; Marlboro: o domínio sobre seu território; Benetton: respeito e solidariedade humana; Hugo Boss: veste os líderes; Calvin Klein: o simples sofisticado; Levi’s: rústico e autêntico; Omo: respeito e valorização do papel da dona-de-casa; BMW: poder e sofisticação; Impulse: o sonho de Cinderela; Channel: a beleza clássica (ibid.:14). Na formação da imagem de marca são combinadas as imagens do produto ou serviço, a imagem da empresa e também e especialmente a imagem do usuário. Alexander Biel, escrevendo na revista Mercado Global (n. 90, 1993: 73), indicou “a impressão que as pessoas têm dos usuários da marca”. A partir do tipo de usuário as “marcas são vistas e descritas como masculinas, femininas, simples ou


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sofisticadas, tradicionais ou modernas. Outras suscitam sentimentos como felicidade, confiança, segurança, ou ainda evocam sentimentos de tédio e confusão” (Pinho, 1996:51).

Por isso, a imagem de marca faz do seu produto um formador de opinião, seja esse produto um sabonete, uma estrela de cinema ou um político. A divulgação das marcas muitas vezes abdica de dar prioridade aos aspectos objetivos, referenciais, porque aposta que fortes fatores de decisão estão no campo da subjetividade da recepção, que é também fonte de projeção dos desejos de compra (Schmidt apud Haug, 1997: 44).

Nesse caso, a divulgação da marca deve ser guiada de acordo com as condições subjetivas da recepção, que se constitui como uma estética da recepção, tendo em vista a necessidade de a marca e de o produto serem expressões do gosto dos consumidores. Para tanto, é preciso conhecer “os desejos, os interesses e as curiosidades presentes em seus corações” (ibid.). Em seu livro A Criação de Mitos na Publicidade (1996: 282-9), Sal Randazzo dedica parte de seu texto à apresentação de um método de construção e avaliação do “perfil de identidade de marca” (brand-identidy) e de sua personalidade, uma vez que ambas são resultantes do processo de construção ou análise do inventário perceptual da imagem de marca ou das imagens ligadas à marca. Um dos exemplos citados pelo autor foi a respeito da personalidade da cerveja Budweiser, sobre a qual poderiam ser feitas as seguintes perguntas aos consumidores do mercado norte-americano: “Quando pensa na cerveja Budweiser o que lhe vem à cabeça?” Que imagens ou sensações você associa com a Budwiser? Para orientação dos entrevistados seriam indicadas quatro áreas de associações: “1 - o produto e o serviço em si; 2 - o uso do produto; 3 - os usuários do produto; 4 - os valores e benefícios do produto”. Em seguida Randazzo apresenta uma lista hipotética de respostas recorrentes em um possível inventário perceptual da Budweiser: 1. Sobre o produto – cavalos de carga; alívio da sede; relaxante; álcool; suave; refrescante; satisfaz; símbolo dos EUA; gelada; águia, rótulo vermelho, branco e azul; envelhecimento em barris de madeira; cão de pelo manchado. 2. Sobre o usuário – “viril; qualquer homem; cara legal; macho; operário; durão; amigo do peito”.


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3. Sobre o uso – “relaxamento; ficar entre amigos, alívio da sede; acompanha a comida; depois do esporte; acalma e refresca; merecido descanso”. 4. Sobre o valor ou benefícios – “sociabilidade; afirma a identidade masculina; vínculos masculinos, um sentido de pertencer a determinado grupo masculino; sabor limpo e definido”. Ainda de acordo com o autor, a partir desse inventário inicial, outras providências devem ser tomadas como, por exemplo, a comparação desses dados com os de outras marcas de cerveja atuantes no mesmo mercado, o que é indicativo do posicionamento da marca na mente do consumidor. De acordo com as suposições de Randazzo, a cerveja Budweiser no mercado norte-americano certamente seria percebida como a que mais expressa o sentido de masculinidade ou a identidade masculina. A pesquisa também poderia ser retomada sob o seu aspecto temático, perguntando-se aos consumidores, por exemplo, o que representa a figura dos cavalos de carga? O autor supõe que a resposta seria: “’poder’, ‘força’ e ‘tradição’. ‘São cavalos de trabalho – agüentam firme puxando carros pesados... era assim que entregavam a cerveja antigamente... a Budweiser já existe há um bom tempo’. Testando em maior profundidade, poderíamos descobrir que o cavalo de carga simboliza o homem da classe operária” (ibid: 285-6). No caso do levantamento da imagem ou personalidade da marca que também está relacionada com sua identidade, Randazzo (ibid.) propõe que sejam feitas ao consumidor perguntas do tipo: “Com o que se pareceria a marca se fosse uma pessoa? Seria homem ou mulher? Jovem ou velho? Qual seria a sua profissão? Como é que se vestiria? Como passa seu tempo livre? Quais são seus hobbies e interesses? Que tipo de carro dirige? De que tipo de música gosta? Onde gostaria de passar as férias?” Além disso, também, poderia ser perguntado como seria a marca caso “fosse uma viagem de férias”; “um tecido”; “um restaurante”; “um carro”ou ainda “uma estrela de Hollywood”. Desta vez, Randazzo (ibid.: 287) toma como exemplo a marca IBM, que representa uma das mais importantes empresas dos EUA, líder mundial de mercado na produção de grandes computadores. Sua personalidade revela que caso fosse uma pessoa apresentaria aspectos vistos como positivos e outros como negativos.


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Dentre os positivos aparecem que é sólida e estabelecida; confiável; profissional; republicana; paternal; dependente; conservadora; capaz; executiva. Dentre os negativos estão características como: conservadora; burocrática; insensível; fria; mal-humorada;

pesada;

calma,

maçante;

fanática

por trabalho;

contadora

minuciosa. Caso fosse um carro seria um Mercedes, como tecido seria lã; a cor indicada é azul listrado e também seria uma música clássica. A personalidade da IBM de acordo com Randazzo (ibid.:288) é de “um bemsucedido homem de negócios de 40 anos. É um republicano conservador que dirige um Mercedes e gosta de música clássica. Ele é dedicado, trabalha duro, é consciencioso e confiável. Ao mesmo tempo, também é um tanto pesadão e maçante.” Independente de Randazzo estar correto ou não nas suas suposições ou no seu método de prescrição e avaliação da identidade e da personalidade da marca, o que seus exemplos ilustram de mais interessante para este trabalho é a preocupação das áreas de administração e marketing com a imagem de marca de uma empresa ou produto. Além disso, o mesmo acontece na área de design, onde pesquisas muito semelhantes são realizadas para a definição ou avaliação de desenho da marca, tendo em vista as suas possibilidades simbólicas (cf. Strunck,1989:53-7).

Tudo isso estabelece que elementos prioritariamente simbólicos e aspectos intangíveis associados à imagem de marca são fatores de distinção e qualificação de marcas e produtos, invertendo a primazia da objetividade e da qualificação técnica. A marca é a síntese final de um amplo processo de significação, situandose na interseção de várias cadeias associativas, porque é capaz de condensar significações e sentidos, permitindo a remissão de uma grande diversidade de conteúdos atribuídos a uma instituição, empresa ou produto.

2.4 Administrando a cultura da marca e construindo o brand equity. Criar uma marca é fazê-la emergir. Por outro lado, administrá-la é continuar a evidenciar seus pontos fortes e superar as dificuldades encontradas, tornando-a um sinal predominantemente positivo, dentro do contexto cultural de mercado. A qualidade e a competitividade do produto é fundamental, mas, como foi dito anteriormente, apesar de necessária não é suficiente para a consolidação da marca,


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o processo de administração da marca deve ser visto como um processo de busca de controle das relações entre a instituição ou empresa e seus clientes. Ou seja, é um processo de controle da informação que circula entre ambas as partes. Isso configura uma tarefa das mais difíceis, porque tudo, sejam pessoas ou objetos, constitui veículos de informação. E, apesar das promessas de atendimento especial e individualizado, a maioria dos produtos colocados no mercado contemporâneo depende de vendas massivas, em série, com alta rotatividade. Nem tudo irá ocorrer como proposto nas situações idealizadas pela publicidade e isso torna o atendimento ao consumidor uma área de grandes possibilidades de atrito, de ruído, mesmo quando ela não é terceirizada. A boa imagem de marca, conquistada por meio de um trabalho contínuo de administração e divulgação, garante, todavia, um valor afetivo e financeiro para tudo o que está ligado à marca. Esse acervo de valores tangíveis e intangíveis é denominado, principalmente por Aaker (1998), como brand equity10. Para constituir a marca como um sinal forte e positivo, dentre outras medidas, deve-se constantemente associá-la com experiências, percepções e sentimentos gratificantes ao consumidor e, assim, garantir sua propagação e reputação no devir do mercado, como campo das relações de comércio e consumo, porque “a base do brand equity é a memória do consumidor” (Martins, J. R. 2000:199). Todas as experiências sensíveis são memorizadas em maior ou menor grau, de modo consciente ou inconsciente, passando a compor um amplo repertório de antecedentes. Essas experiências (sensações, sentimentos e pensamentos, em imagens ou palavras) podem ser rememoradas ou revividas e ainda associadas entre si. Herbert Read (1958/1982: 52) diz que associação é o nome que se dá ao processo de ligação entre um ato presente de percepção e um ato revivido de percepção ou entre dois ou mais atos revividos por meio da memória. Read ressalta que ”o método terapêutico conhecido como psicanálise é edificado sobre o fato de que as associações podem ser indiretas (e) estão muitas vezes escondidas da mente consciente do sujeito” (ibid.). Um modelo possível, no campo da Psicologia Cognitiva (Martins, J. R.2000: 199), considera que a memória é formada por “pontos” (fatos de percepção e de memória)

10

J.R. Martins (2000:196) relacionou sete definições de diferentes autores para o termo brand equity.


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e “elos” (associações entre esses fatos), sendo que esses elos se apresentam em ordem de prioridade e com força variável. Diante de uma situação ocorre um processo de “reação em cadeia” que conecta diversos pontos de memória para o reconhecimento da situação. Ao se deparar com a chuva depois de abrir a porta de casa, um homem irá associar essa percepção a diversos fatos da memória ligados à chuva. Além disso, irá considerar sua real necessidade ou vontade de sair de casa e a distância que deverá percorrer. A precisão de sair e a memória dos desconfortos que poderão serlhe causados pela chuva o fazem associar essa situação aos meios de proteção de que dispõe naquele momento. Cada uma das associações, com uma capa, um guarda-chuva ou um carro, dentre outras, será avaliada de acordo com uma ordem de prioridade e cada uma delas irá se apresentar com uma determinada força, que será considerada no processo de escolha da solução para os problemas causados pela chuva. No caso de uma decisão de compra o processo será semelhante. E diante de uma variedade de marcas capazes de oferecer produtos tecnicamente similares, todos os pontos de familiaridade entre o consumidor e a marca são importantes fatores de diferenciação ou pelo menos de reafirmação das características gerais daquilo que é aceito como gratificante pelos consumidores, porque uma série de conceitos, já generalizados, compõe uma cultura geral da gratificação como memória das experiências vividas no âmbito do mercado, as quais foram e continuam sendo apreendidas e registradas nos diversos textos que são remetidos aos consumidores. Todos os consumidores dispõem de uma capacidade de presumir ou manter alguma expectativa com relação às novas marcas e produtos. Isso advém de uma memória das marcas que, como textos culturais, carregam no seu conjunto de expressão uma série de registros das suas promessas de gratificação. Por exemplo, espera-se que as novas marcas de automóveis continuem oferecendo mais conforto, rapidez e segurança, porque, ao longo do tempo, essas gratificações foram propostas recorrentes nos slogans dessas mesmas marcas ou similares. Porém, os promotores uma nova marca almejam ampliar as expectativas dos consumidores, através do oferecimento de gratificações maiores ou mais tentadoras do que as anunciadas pela concorrência. A partir disso, é justo ponderar que o processo de criação e consolidação de


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uma nova marca, além de procurar a inovação, não deve desconsiderar as peculiaridades da cultura de mercado, como memória das características e de valores já consolidados. Teixeira Coelho (1973) analisa a intrigante situação do objeto produzido em série, o qual deve ser submetido às normas (segundo o autor, contestáveis) da economia de mercado que requer condições de consumo fácil e abundante: O problema que então se apresenta é: se só o novo desperta a atenção do receptor, se só o original tem valor, deve-se concluir que quanto mais novo mais um objeto será vendido? Não. Na verdade, só o novo chama a atenção do receptor (no caso do consumidor), daí a abundância de falsas novidades introduzidas em todo objeto industrializado decorrido um certo período tempo (as pequenas variações nos modelos dos automóveis a cada ano, as “inovações” nos sabões em pó, etc.); porém, a atenção despertada do receptor freqüentemente vem acompanhada por uma repulsa da inovação sugerida (pelo menos na grande maioria dos receptores). O novo sempre perturba, sempre incomoda e a ele é feita uma oposição sistemática: as ciências sociais e humanas já disseram suficientemente que, nas condições sócio-culturais atuais, é muito grande no homem médio a tendência para o conservadorismo (ibid.115). A novidade faz parte do jogo, porque o público tem a inovação como parte de suas expectativas, principalmente, em alguns tipos específicos de empreendimentos e produtos como, por exemplo, os que envolvem as novas tecnologias. No entanto, a tradição ainda é uma qualidade importante, principalmente para alguns tipos de negócio. O jogo entre novidade e tradição é típico da dinâmica dos sistemas culturais, ocorrendo também no campo das estratégias de divulgação da marca. Esse jogo se estabelece entre a imposição e o respeito às normas e restrições, o que é típico da tradição e as opções de satisfazer ou violar as normas propostas, o que permite ou não a renovação ou novidade. De acordo com Herman Parret, (1997) esse jogo envolve cooperação e se desenvolve também através de relações cooperativas e colaborativas, sendo que: O caráter cooperativo de uma interação não é prejudicado pela nãocolaboração. Nesse sentido, é possível dizer que um ato estratégico, embora não-colaborativo, continua sendo cooperativo. (...) Esse caráter lúdico da estratégia se manifesta particularmente no fato central de que a estratégia modifica ou sobredetermina as “gramáticas” ou os sistemas de normas, regras e restrições. De fato, comportar-se estrategicamente consiste em sobredeterminar pelo desvio, pela intensificação, pelo enfraquecimento, ou por colocar entre parênteses o sistema formal. (ibid.:39)


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Nas estratégias de divulgação da marca, há sempre cooperação entre a tradição (domínio das normas e restrições) e a novidade (campo do desvio), porque uma só é percebida em relação à outra. Por isso, será mais aceita a informação que, apesar de inovadora, estabeleça algum vínculo com valores pré-existentes, mesmo que seja para negá-los ou mudá-los (relação não-colaborativa). Assim, há slogans que mostram um vínculo de passagem entre a tradição e a novidade, são aqueles que dizem algo parecido com a seguinte frase: Antigamente usava-se o coador de pano! Mas, hoje, existe Coel, um coador de papel que facilita o uso e garante o sabor do melhor café caseiro. Reaparece no exemplo acima a noção de estratégia, no contexto das estratégias de comunicação publicitária, pois, a frase atua entre a imposição da restrição e a sua satisfação parcial: 1o - Acontece o rompimento com a restrição que indica o “coador de pano” como símbolo de qualidade do “café caseiro”. 2o - Mas, ao mesmo tempo, propõe a satisfação parcial da norma ao assegurar que o “coador de papel”, apesar de diferente, garante o sabor do “café caseiro”. 3o - Além disso, oferece uma vantagem extra, ao dizer que o novo coador facilita o trabalho. Já a colaboração entre os dois termos é mais eventual, porque só ocorre em casos mais específicos. Um exemplo é o slogan que reúne tradição e novidade dizendo: “Banco do Brasil: tradição que se renova”. Ainda sobre tradição e novidade, envolvendo a marca Banco do Brasil, a Revista Momento (n.24, 1998: 32) trouxe uma nota, abordando a polêmica em torno da privatização da empresa Banco do Brasil Distribuidora de Títulos e Valores Monetários (BBDTVM). Geraldo Alonso, da Norton Publicits, disse que essa marca em particular, apesar de fazer parte do conglomerado Banco do Brasil, era uma novidade para o grande público e, portanto, não estava vinculada à marca corporativa do Banco. Porém, na opinião do consultor José Roberto Martins, uma empresa distribuidora de títulos e valores trabalha com o aspecto “confiança” e, por isso, o seu sucesso é associado à tradição do Banco do Brasil. A publicidade e a propaganda, dentre outras ações de mercado, visam promover a constante interação entre a marca e os valores do sistema cultural, pois, através da propaganda e da publicidade, a marca é associada a experiências gratificantes e, ao mesmo tempo, é dissociada de experiências frustrantes para o


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consumidor. Nesse último caso, a marca é apresentada inclusive como garantia contra as experiências frustrantes de consumo. Um exemplo disso é a frase publicitária: “Não é nenhuma Brastemp” que, ao citar essa marca de eletrodomésticos, insinua que os produtos de outras marcas serão frustrantes para o consumidor. O sistema cultural de consumo, porém, é constantemente alterado por renovações culturais e tecnológicas, mudando repentinamente os conceitos de qualidade e pertinência de marcas e produtos. Os modismos também alteram o gosto e as exigências do consumidor e, constantemente, ampliam suas expectativas. Tudo isso torna o mercado muito dinâmico, exigindo rapidez nas reiterações da marca. Para resistir à amplitude e ao dinamismo do mercado, Rafael Sampaio (1997:160)

diz que, atualmente, “a marca (brand) é mais que uma trademark, ela é

uma trustmark (marca de confiança)”. Uma Identidade ideal é constituída na mente do consumidor por um conjunto de impressões que configuram positivamente a imagem e a personalidade da marca associada ao seu produto, ou produtos. Pierre Martineau, como indica a citação abaixo, antecipa a importância e a necessidade de eficácia na administração da marca dizendo: Na nossa economia fortemente competitiva, poucos produtos conservam por longo tempo uma superioridade técnica. É preciso lhes dar ressonâncias que os individualizem, dotar-lhes de associações e de imagens, dar-lhes significações em numerosos níveis, se quisermos que se vendam bem e suscitem apegos afetivos expressos pela fidelidade a uma marca. (Martineau apud Baudrillard,1997:200)

A valorização da imagem de marca é que fez surgir na área de administração de marketing o conceito de “brand equity” (Aaker, 1998:16) que, como foi dito, reúne os ativos e passivos ligados à marca, ao seu nome e a todas as suas formas de expressão, o saldo disso pode ser somado ao valor atribuído aos produtos ou serviços de uma empresa, porque atua na percepção positiva dos consumidores. Isso propõe o gerenciamento dos valores agregados à marca como: 1 lealdade à marca; 2 - conhecimento da marca; 3 - qualidade percebida pelo consumidor por meio da marca; 4 - associações promovidas pela marca na mente do consumidor; 5 - outros ativos da empresa que se relacionam com a marca. No livro, cujo título é Branding (2000), José Roberto Martins confirma a idéia de que o gerenciamento de marca (e a própria marca) consiste em uma estratégia


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de mercado que tem como elemento primordial a troca de informação. Nesse sentido, o autor propõe diversos tipos de pesquisa de mercado e outros meios de contato com o consumidor, ressaltando a importância do que ele denomina de “ciclos de contato” e “momentos da verdade”. Os primeiros são estabelecidos pelos vários pontos de contato entre a marca, com todos os seus produtos e serviços, e o público consumidor. Os momentos da verdade caracterizam aqueles contatos relevantes para os consumidores, nos quais a marca deve cumprir suas promessas e atender às expectativas que despertou no seu público. Para J. R.Martins, a coerência e a perseverança na construção e divulgação de uma sólida imagem de marca indicam o sucesso da administração. Todavia, esse autor alerta para alguns perigos que vêm instaurando uma crise nas marcas comerciais. Um deles é a busca de ganhos rápidos, por meio de campanhas de venda, promoções, ofertas, etc., que dilapidam o patrimônio simbólico da marca. Outro problema é a crença de que investir na marca é investir muito em publicidade sem que haja uma idéia clara de qual o posicionamento da marca e dos atributos que são relacionados a ela pelo público. Como exemplo de que o posicionamento da marca não depende só dos veículos de publicidade, J. R. Martins (ibid.:201) diz que “a marca Cerratti de mortadelas, frios e embutidos, que raramente anuncia, vende tão bem quanto as marcas concorrentes que investem pesadamente em comunicação”. Assim, o autor se rebela contra a publicidade dita “criativa”, mas que não tem compromisso com a reafirmação dos valores simbólicos da marca. Reforçando a tese de J. R. Martins, é possível perceber que a publicidade televisiva tem-se mostrado autopublicitária, a ponto de o público se lembrar de certos anúncios com facilidade (em alguns casos até com euforia) e, ao mesmo tempo, não ter certeza quanto à marca do anunciante. Por outro lado, uma vez que já existe a confiança do consumidor na identidade quanto à qualidade dos produtos similares de uma mesma faixa de mercado, as marcas que se sujeitam à “guerra de preços” em vez de investir em algum diferencial simbólico estão destinadas a perder sua imagem de marca e a terem seus produtos tratados como commodities. As vantagens do bom gerenciamento de marcas são apresentadas por David Aaker no livro Marcas: Brand Equity gerenciando o valor da marca (1998), a partir da


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história do sabonete Ivory, cuja marca é administrada pela empresa Procter & Gamble desde 1881. O autor informa sobre a importância das estratégias de divulgação e propaganda da marca. Ele aponta também a existência de associações intangíveis, obtidas através da divulgação das características do produto, como informa a citação a seguir: As afirmações de pureza e suavidade eram apoiadas pela cor branca, pelo nome Ivory, pelo slogan duplo e pela associação com crianças. O nome da marca do sabonete, juntamente com sua embalagem diferenciada, propiciava aos consumidores a garantia de que estavam comprando o sabonete suave e delicado que desejavam. [...] O Ivory, agora com mais de 110 anos de idade, é um exemplo magistral do valor de criar e sustentar o brand equity [...] que é um conjunto de ativos  como conhecimento do nome, consumidores leais, qualidades percebidas e associações (por exemplo, ser “puro” e “flutuante”)  que se liga ao produto ou serviço em oferta. (Aaker,1998:4) Os administradores da marca de sabonetes Ivory, como foi proposto por Aaker, construíram uma imagem de marca positiva na mente dos consumidores, consolidando a idéia de pureza e leveza, ou seja, de que o produto não é agressivo à pele e, portanto, é apropriado até para o uso infantil. No referido slogan do Ivory há a dupla informação de que o sabonete flutua e que seu índice de pureza é de 99,44% (Aaker, 1998: 1). Sobre esses dois dados, aliados à tonalidade branca do sabonete, foi sendo construída a imagem de marca. O próprio nome reforça essa imagem, porque “Ivory”, em inglês, quer dizer marfim, indicando um produto raro, valioso e de tonalidade branca. Segundo Aaker (ibid.), a tonalidade branca indica a pureza. Já a idéia de leveza, que o branco também insinua, foi reforçada pelo fato de o sabonete flutuar, denotando leveza na constituição física e sugerindo suavidade e pureza na composição química do produto. Além disso, o que foi sugerido até aqui, é confirmado, em parte, pelo notável índice de pureza do sabonete, 99,44%. Porém, caso não fossem bem associados, administrados e divulgados, todos esses aspectos favoráveis do produto não seriam elementos constitutivos de sua boa imagem de marca.


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Capítulo III

OS PROCESSOS DE ASSOCIAÇÃO E SIGNIFICAÇÃO VISUAL DAS MARCAS Via de regra, as representações visuais como os logotipos e os pictogramas são estilizações gráficas. Os logotipos resultam de combinações entre formas e cores para compor um desenho particular para as letras que expressam o nome do produto. Já os pictogramas são emblemas ou figuras esquemáticas que, na melhor das hipóteses, se assemelham por analogia visual às formas de algum elemento da natureza ou objeto da cultura. Como textos culturais que conjugam sistemas de signos, essas formas de expressão da marca devem, todavia, representar mais do que denotam. Por isso, além da comunicação dos sentidos produzidos pelos signos componentes de sua estrutura interna, como formas, cores, etc., as marcas arregimentam uma miríade de significações decorrentes de associações com elementos de sua estrutura externa que é de imediato representada pela cultura de mercado. A publicidade é um campo privilegiado para as associações significantes. Entretanto, as matrizes associativas de modo geral, incluindo as utilizadas pela publicidade, são predispostas não só pela cultura de mercado como também por todas as relações culturais pan-humanas, o que habilita as interações culturais mais diversas como ambientes de associação. Os ambientes objetivos e subjetivos de propagação da marca e também as situações de uso dos produtos e serviços são, portanto, seus campos de significação. Mas, muitas vezes, os sentidos, impressões e até ações, que parecem ser decorrentes das interações diretas entre consumidores e produtos, são previamente estimulados pelas imagens da comunicação publicitária. A maneira de o indivíduo se posicionar no seu ambiente ao se relacionar com pessoas e objetos é influenciada pela publicidade, como confirma Teixeira Coelho ao falar sobre a influência da indústria cultural no comportamento individual e social (cf. também Canevacci, 1988. Op cit item 2.1)

e também a tese da subjetividade como

objetividade interiorizada proposta por Menezes (in: Lótman et al., 1981: 19., op. cit. cap.II,


100

introdução: 71).

Sobre a relação entre a consciência individual e a cultura, Jan

Mukarövský (1993: 11), afirma que: Cada vez se compreende melhor que o conteúdo da consciência individual é dado, até sua maior profundidade, pelos conteúdos da consciência coletiva. Por isso são cada vez mais importantes os problemas do signo e da significação, visto que um conteúdo psíquico que ultrapassa os limites da consciência individual adquire - pelo simples fato de sua comunicabilidade – o caráter de signo. A publicidade, produto típico da cultura de consumo ou de mercado, é influenciada por todas as ações e interpretações cotidianas que, por sua vez, constituem a cultura pan-humana (a cultura como um todo). Por outro lado, a publicidade e, por meio dela, a cultura de mercado influenciam ou sobredeterminam comportamentos que, a princípio, seriam mais pertinentes como objetos da antropologia e da sociologia do que da publicidade ou do mercado. Isso constitui um ciclo de interatividade, desfazendo os limites entre a cultura dita pan-humana e a cultura de mercado. Por isso, apesar de o mercado ser o contexto imediato de uma cultura das marcas, em alguns momentos é necessário indicar a cultura pan-humana como ecossistema da cultura de mercado. O mercado é um sistema que se autodefine, constituindo uma cultura própria, sustentada por símbolos e mitos criados nas ações de marketing e publicidade em torno das relações comerciais: produção e consumo de bens materiais e simbólicos. Todavia, a cultura é fonte permanente de motivação e renovação dos sistemas culturais, inclusive, do que é denominado como “mercado”.

3.1 Codificações na composição da marca (associações prévias). A associação de uma marca gráfica, de um pictograma ou logotipo, com uma instituição, empresa ou produto sempre depende de algum nível de codificação. Os códigos são sistemas que incorporam significações, relações e sentidos, podendo variar de modo geral entre códigos objetivos (lógicos) e subjetivos (expressivos) que, do ponto de vista teórico, compõem um contínuo que varia desde o código puramente lógico ao código puramente expressivo (Mollerup, 1997: 80). Roland Pasner (in: Oliveira, 1987:40), ao falar sobre as transformações nos códigos numéricos, cita que no Egito antigo, para codificar o número quatro (IIII)


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grafavam em seqüência quatro vezes o número um (I), “que refletia em sua estrutura a estrutura do significado”. Na concepção chinesa, o quatro foi representado por um signo individual, não refletindo em nada seu significado equivalente a quatro unidades. A partir de relações desse tipo, Pasner (ibid.) assinala: “Todo progresso na economia do signo foi acompanhado da perda de uma parte de sua expressividade”. Os códigos lógicos conclamam a ação da razão e do conhecimento. São essencialmente simbólicos e objetivos, porque são estabelecidos por uma forte convenção que, via de regra, é explícita. Isso dispensa qualquer tipo de homologia entre o texto codificado e a coisa ou idéia por ele representada. As significações lingüísticas servem de exemplos privilegiados, porque são estabelecidas por convenções que determinam o significado das palavras, as quais podem ser associadas e passam a representar coisas tangíveis e intangíveis como representam, por exemplo, a palavra “pedra” ou a palavra “amor” respectivamente. Apesar da convenção lógica, a associação lingüística pode contar também com o auxílio de algum tipo de homologia. Por exemplo, uma analogia sonora, como é o caso da “onomatopéia”, onde as palavras são similares aos sons das coisas que representam. A analogia, ou similaridade, entre um som natural e o som de uma palavra serve como motivação associativa. Assim ocorre com a palavra “cochicho” e com o verbo “cochichar”, que são sinônimos de “murmúrio” e de “murmurar”, porque são associados por similaridade ao som de pessoas murmurando. Além disso, a “paronomásia” é outra figura de retórica que estabelece como meio de produção de sentido a homologia sonora, aproximando palavras com sons semelhantes e sentidos diferentes (Todorov in: Ducrot e Tzvetan, 1998: 254), através da analogia ou similaridade entre os sons silábicos. Um exemplo, que será retomado mais adiante, é o nome Importex, que não consta nos dicionários porque é um nome inventado para representar uma marca, mas sua sonoridade pode ser associada a produtos importados. Apesar do caráter simbólico, arbitrário, da língua, essas relações entre os sons estabelecem tipos de associação motivada, caracterizadas por figuras de retórica que denominam tipos de relação entre homologias sonoras como a paronomásia e a onomatopéia. Para Mollerup (1997:80), a arbitrariedade é uma notação livre de homologias ou analogias indesejáveis. No entanto, o autor admite que a homologia facilita a


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memória. Por isso, o nome ou o pictograma que apresenta alguma afinidade com a atividade da empresa ou com a natureza do produto dispõe também de uma vantagem para estabelecer associações afins na memória do consumidor. Esse é o caso da marca “Abacasuco”, inventada por Strunck (1989: 46) e citada neste trabalho (op. cit. item 3.1: 44). Pois, apesar da cacofonia do nome e da inexistência do produto, a marca é imediatamente associada a algo como suco de abacate, sendo facilmente identificado como um suposto produto da marca. A homologia também pode ocorrer por uma referência gráfica, com base em uma analogia visual, como ocorre no caso de uma empresa chamada, por exemplo, “Lanche Rápido”, cujo nome é grafado com letras inclinadas, sugerindo, assim, rapidez ou velocidade (fig. 21).

(Fig.21)

Apesar de ser predominantemente subjetivo, um código expressivo também pode desenvolver (ou se desenvolver a partir de) algum tipo de associação convencional. Todavia, os códigos expressivos são interpretantes e clamam pela participação do ouvinte, do leitor ou do espectador, pois, caso seja mínima ou minimizada pela ação do tempo, a convenção não existirá na prática. Assim, a mensagem aparecerá como plenamente subjetiva, estando mais para hermenêutica, como uma interpretação possível de acordo com as peculiaridades da mente do receptor, do que para decodificação. As associações podem ser arbitrárias por princípio, determinando e sendo determinadas por codificação direta. Mas também podem ser motivadas, por estarem previamente relacionadas por uma homologia ou por um hábito. Uma marca motivada é aquela que pode ser compreendida sem uma forte convenção. Para Mollerup (1997: 82), não é preciso muito aprendizado para saber que a imagem de um peixe fora de uma loja indica uma peixaria. O peixe é parte da peixaria, o que o torna um símbolo indicial, metonímico e descritivo do todo, sendo percebida como uma marca natural, uma marca motivada. Já a imagem de uma coruja (fig. 22) fora de uma outra loja habitualmente pode significar uma livraria. No entanto, não há uma relação imediata e natural entre a coruja e os livros. Por isso, a coruja indicando a livraria é uma arbitrariedade, que necessita de uma forte convenção, decorrente de um código ou de um hábito


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associativo muito constante. Mollerup (ibid.) afirma que a marca da coruja, quando relacionada à livraria, só será motivada e percebida como símbolo metafórico por aquelas pessoas familiarizadas com a coruja como atributo do mito de Atena ou Minerva, que são designações do grego e do romano para a deusa da sabedoria. Nesse caso, há uma relação prévia, metafórica, estabelecida por meio da idéia de sabedoria que, concomitantemente, está relacionada aos livros (ao saber letrado) e ao mito de Atena, apresentando-se como elo de ligação entre a coruja e a livraria. Todavia, como apontou Solange Silva, em um diálogo sobre a construção do texto simbólico, as associações relacionando a idéia de sabedoria com a figura da coruja estão ligadas também a outras relações de similaridade, cujos elementos são as formas físicas e as atitudes do animal, constituindo um campo de codificações primárias.

A, B, C (Fig. 22.Corujas.)

Assim, a configuração dos olhos e a constante atitude de observação, dentre outros aspectos, possibilitaram a associação milenar entre a coruja e a sabedoria, a qual também é representada pela deusa Athena. Bystrina (1995: 6) diz que “um dos problemas mais importantes quando o homem tenta dar conta da sua existência é saber como ele chegou à sua materialidade atual”. O caminho de hominização se constituiu também como um percurso de significação. E, ao representar para si o mundo, através de sistemas modelizantes, o homem conseguiu responder às exigências impostas não só para sobreviver como espécie, mas também para se tornar um ser cultural e histórico. Até as significações mais prosaicas decorrem de um longo percurso de variáveis associativas. No caso da construção dos sentidos na comunicação visual é preciso lembrar-se, por exemplo, de que mesmo antes de denotar algo denominável como sangue ou, até mesmo, tinta, uma mancha vermelha não se mostra como uma imagem pura e livre de qualquer sentido, porque sua percepção já provoca sensações e afecções, códigos expressivos, produzindo impressões conotativas do tipo: “atenção” ou “perigo”. Essas impressões precedem as associações lógicas e conscientes entre, por exemplo, a cor vermelha e a idéia do sangue ou do perigo.


104

Além disso, o sentido indicado por um mesmo signo varia de um texto para outro. Por exemplo, a cor verde em um vegetal assume os sentidos de viço e saúde. Mas, uma matização esverdeada no rosto de uma pessoa assume outros sentidos, incluindo o sentido de doença. Assim, os sentidos dos signos, como elementos componentes de um texto, são determinados pelo sentido geral do texto, configurando sua dimensão sincrônica. Mas, por outro lado, as amplas possibilidades de sentido desses signos foram decorrendo de processos consecutivos de criação de textos semelhantes e precedentes. Sobre isso, uma parte das Tesi per un’analisi semiotica delle culture (Ivanov et alii, 1979)

a respeito do texto literário pode ser esclarecedora para o

entendimento da composição dos textos em geral: ... a quantidade de informação própria de um certo texto é definida em relação a todo o conjunto dos textos. Atualmente, é possível descrever de modo mais claro o efetivo papel dos “escritores menores” na seleção coletiva que prepara o nascimento de um texto portador do máximo de informação. A seleção individual, realizada pelo escritor pode ser considerada uma continuação da seleção coletiva, sendo que às vezes é descendente direta dessa mesma seleção coletiva, a qual muitas vezes rejeita (...) A presença de memória no canal de comunicação pode também ser associada ao se refletir, na estrutura dos gêneros, às vezes particularmente na comunicação ascendente de um período anterior (ibid.)11. Os textos da comunicação visual conquistam sua identidade por semelhança ou oposição aos outros textos, dentro dos processos de produção de sentido, e isso caracteriza sua dimensão diacrônica. Retomando os exemplos propostos acima, o conjunto de sentidos da cor verde decorre tanto da informação dos vegetais, onde a cor verde assume os sentidos de viço e saúde, quanto da apreensão das aparências faciais, onde a matização esverdeada assume o sentido de doença. O verde nas folhas dos vegetais assume os sentidos de viço e saúde em oposição ao recorrente tom do amarelo queimado que, repetidas vezes ao longo dos tempos, cobre as folhas outonais, indicando sua perda de vitalidade. As associações das cores com a saúde, com a doença, ou com a alegria, surgem de impressões prévias no tempo, advindas de observações da natureza e ordenadas pelas relações culturais, essas últimas sempre predominam, porque é a 11

Tradução do texto original em italiano realizada pelo autor deste trabalho.


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cultura que ordena e dá sentido (intencionalidade) às percepções naturais. Apesar de os sentidos ocasionais dos signos serem determinados no texto, a maior parte das possibilidades de sentido de cada um deles em separado, no mais das vezes, já foi preconizada anteriormente, por ter origem em textos precedentes, estando agora pré-determinada pela cultura. Como um conjunto unitário, cada signo é um texto em particular, com diversas possibilidades de sentido que, posteriormente, serão selecionadas e especificadas de acordo com o contexto. Os textos com mais de um elemento são, portanto, o contexto de definição de sentidos dos seus signos componentes, quando esses não são percebidos como textos independentes. Qualquer relação entre texto e contexto, ou sistema e ecossistema, resulta de um

ponto

de

vista

pré-determinado

seja pelo emissor ou pelo próprio

espectador/receptor. Diversos sistemas culturais contextualizam os signos e os textos em geral. Por fim, mesmo o amplo ecossistema cultural também se organiza como texto, muito extenso e variado. Bystrina (1995: 5) indica a idéia de processo e percurso quando diz: “Primeiramente são ativados os códigos primários (...) As regras para a composição dos textos provêm de códigos secundários, os códigos da linguagem (...) Os códigos secundários (a gramática das línguas chamadas naturais) assim como os códigos primários, não são ainda a cultura. Somente a partir dos códigos terciários, ou culturais, é que surgem os textos da cultura”. Assim, Bystrina identifica três tipos de códigos: 1 - primários; 2 - secundários e 3 - terciários. 1. Os códigos primários são aqueles “que regulam toda informação presente no organismo e, portanto, na vida biológica” (ibid.: 5). Os códigos primários não processam signos, mas processam informações. Para Bystrina: o signo é portador de informação, mas nem toda informação é um signo (...) A cor de uma flor transmite uma informação segundo a qual os pássaros e os insetos se orientam. Mas essa informação ainda não é um signo é um pré-signo. O que falta para que ela se torne um signo é a intenção: a planta não tem intenção de ter uma cor; essa informação está contida no seu código genético (ibid.: 6). Voltando-se ao exemplo anterior, as características físicas e as atitudes das corujas também não são intencionais, no caso, o sentido (a intenção) é uma premissa do observador, que faz da coruja seu objeto de atenção. “É claro que o


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receptor tem também uma intenção consciente ou inconsciente, mas ele também deve estar aberto aos estímulos que chegam até ele”. Ao se dar atenção e intencionalidade às características naturais, como os traços biológicos dos seres vivos ou a morfologia de outros elementos do mundo natural, esses servem de base informativa para os outros códigos, secundários ou terciários. Quando se diz que uma cor é “laranja”, a língua se serve primeiramente de uma codificação primária, indicativa do estado de maturação da laranja. Logotipos e pictogramas,

como

expressões

visuais

das

marcas,

também

recebem

informações retiradas dos códigos primários, como as formas e cores de frutos, folhas, animais e de outros elementos da natureza. O uso de elementos cujos referentes estão situados na esfera natural é abundante na cultura das marcas. 2. Os códigos secundários respondem pela comunicação coletiva entre indivíduos de uma mesma espécie, sendo estabelecidos ao nível da comunicação corporal, gestual, sonora e verbal. “O que para os códigos primários é uma necessidade – por exemplo, a oposição entre claro e escuro - só será realizado pela atuação de um código secundário – a construção gramatical da frase, por exemplo” (ibid.). Assim, a distinção significativa das características dos seres da natureza e a denominação

de

“coruja”

para

aqueles

que

apresentam

determinadas

características específicas e recorrentes são determinações dos códigos secundários. “As regras para as composições dos textos provêm de códigos secundários, os códigos da linguagem” (ibid.: 5). Porém as linguagens não são exclusividade da espécie humana, porque “a existência de textos instrumentais, evidentemente, pode ser atestada no mundo animal” (ibid.: 4) e também não são elementos da cultura, “pois têm a ver apenas com a técnica” (Ibid.: 5). A cultura das marcas necessariamente utiliza códigos secundários ao representar visualmente as formas ou citar o nome “coruja”. O mesmo acontece quando a palavra naranja (laranja) é retirada do acervo da língua espanhola para representar uma empresa, como é o caso da marca Naranja Sucos Naturais. 3. Os códigos terciários caracterizam a produção tipicamente cultural, porque tratam de associações simbólicas, constituintes de valores intangíveis, que são indispensáveis aos textos da cultura. As oposições que mencionamos, como dia/noite ou claro/escuro, são mais que uma necessidade técnica de comunicação ou expressão lingüística


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adequada. Vistas pelo eixo cultural, vão até a estrutura mais profunda do texto. Por exemplo: têm a ver com os bons e os maus espíritos, com o céu e o inferno, com uma visão luminosa como teve Jesus, até o medo primordial do reino das trevas (ibid.: 6). As associações estabelecidas para a formação da imagem mental, como segunda realidade da marca, também a caracterizam como texto simbólico. Algumas associações relacionam as formas de expressão da marca com aspectos que lhes são naturalmente distantes. Um exemplo é a própria relação entre a coruja e a sabedoria, outro é a associação da marca de carros Jaguar com a velocidade e elegância do animal (op. cit. item 1.1: 33). Essa associação ultrapassa a codificação secundária e, além do uso do nome e da imagem do felino, constrói uma metáfora, identificando as qualidades dos automóveis com a performance do animal. Portanto, na ausência de motivações objetivas, lógicas, ou mesmo a despeito delas, o jogo poético-criativo é acionado, em busca do envolvimento simbólico e emocional do público. As associações ligando a marca a uma empresa ou produto se estabelecem através de diversos códigos. Por exemplo, os códigos primários são atuantes nas semelhanças morfológicas, onde uma coisa se parece ou faz lembrar a outra, passando assim a descrevê-la e representá-la. No campo simbólico as relações descritivas manifestam um caráter metonímico, porque as semelhanças surgem por contigüidade, através de elementos formais comuns aos dois textos que estão sendo relacionados. As associações também podem ocorrer através de relações ideais, metafóricas, como no exemplo que associa a coruja e a livraria por meio da idéia de sabedoria. Contudo, além das analogias morfológicas ou motivações ideais, há também a possibilidade de associação por arbitrariedade, partindo de uma convenção e com posterior formação de um hábito. De tudo isso, pode-se distinguir três tipos de relações associativas: 1. Relações associativas por convenção ou codificação direta, quando um nome ou sinal é associado a algo de modo arbitrário, sem haver qualquer relação anterior justificando essa associação que, em seguida, será divulgada e difundida para criar um hábito associativo entre duas alteridades. 2. Relações associativas por semelhanças aparentes, tangíveis, como analogias


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visuais ou outras similaridades entre os elementos de duas ou mais formas de expressão. O princípio de semelhança ou descrição é estabelecido por uma analogia percebida, pois “aquilo que consideramos imagens mentais conjuga essa dupla impressão de visualização e semelhança” (Joly, 1996: :20). 3. Relações associativas ideais, intangíveis, estabelecidas por codificação, hábito ou outros modos de associação entre o visível e o idealizado, como produto das interações entre a mente, a cultura e a natureza. Uma imagem de marca, uma imagem mental, cuja representatividade ou significação é construída por associações conotativas, indiretas, metafóricas, que não são estabelecidas primordialmente por analogia visual ou codificação lingüística (Joly, 1996: 21), pois essas associações resultam de um conjunto ampliado de relações internas e externas, envolvendo todas as formas expressivo-perceptivas da marca. É a imaginação que relaciona percepções, sensações, sentimentos, idéias e lembranças de vivências perceptivas, concatenando-as nas ações do espírito: criação, invenção, inspiração, cogitação, reflexão e meditação. O importante é frisar que, independente do seu grau de motivação, a marca institucional e comercial é sempre arbitrária, porque dentre as possibilidades de escolha de uma marca motivada para representar uma instituição, empresa ou produto, uma delas deverá ser arbitrada como sendo a marca. Além disso, a afirmação de um nome ou sinal como marca depende de sua contínua e sistemática reapresentação associada à instituição, empresa ou produto que representa. Nessas condições, uma marca, seja um nome ou um pictograma, passam a atuar como um nome próprio para a instituição, empresa ou produto, apresentando todas as características dessa categoria lingüística (cf. Bittencourt, 1991: 144-63).

A

designação de uma marca, como de todo símbolo, exige uma forte convenção, de onde decorre uma codificação associativa entre a marca e a empresa ou produto. Muitas marcas são totalmente arbitrárias como, por exemplo, a marca Elefante para um extrato de tomates (fig. 20), que não apresenta qualquer afinidade prévia com a empresa ou produto. Nesse caso, há um grau máximo de convenção no indicativo da marca. Mas, como foi dito, mesmo as marcas que apresentam uma prévia e forte motivação com relação a uma empresa ou produto também são convencionais, pelo fato de ser uma escolha dentre outras possibilidades, manifestando o caráter arbitrário presente na indicação de qualquer marca.


109

No caso de uma peixaria, por exemplo, a figura de um peixe é uma marca descritiva. Porém, também há uma motivação para se nomear uma empresa como Peixaria São Pedro porque, segundo a história, o santo era um pescador e, neste caso, a marca da empresa poderia ter também a sua imagem, ao invés da figura de um peixe. Mas, mesmo que a escolha recaia sobre a figura de um peixe, existem inúmeros tipos de peixe, sendo que qualquer um deles poderia ser o escolhido (fig.23).

E, quando há diversas opções satisfatórias, a escolha sempre exige algum

arbítrio.

A

B

C

(Fig. 23. Três pictogramas figurativos – peixes.)

A partir do momento em que uma determinada figura de peixe for escolhida para representar uma peixaria, essa figura deverá ser associada à empresa e a seus produtos, procurando criar no público consumidor o hábito de associar a exata figura do peixe escolhido àquela peixaria específica e não às peixarias de um modo geral. Essa especificação assinala um alto coeficiente de arbítrio. Por outro lado, uma marca abstrata e específica, um nome ou figura inéditos e especialmente criados para representar uma empresa ou produto, sempre possibilitará outras associações, além da associação arbitrária que a liga à empresa ou ao produto. Isso poderá ocorrer por analogia morfológica, porque “tudo que vemos nos comunica alguma coisa. Cores, formas e texturas. Um enorme e complexo universo de pequenos detalhes se combina para trazer-nos informações processadas instantaneamente pelos nossos cérebros” (Strunck, 1989: 9). Essas possibilidades já são consideradas e antevistas quando da escolha de um nome ou de um outro símbolo, porque uma marca também é escolhida para atribuir qualidades à empresa ou ao produto que representa.

3.2 Morfologia e classificação das marcas. O processo de escolha e composição das formas de expressão e do conteúdo denotativo dos nomes, logotipos e pictogramas, geralmente, toma por base as relações associativas entre as marcas que estão sendo compostas e as instituições, empresas ou produtos representados, tudo isso sob influência do


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ambiente cultural. A partir das relações associativas ou de sua negação pela busca de composições originais, decorrem as possibilidades de classificação das marcas. Dentre essas possibilidades, há uma geral, que considera a existência ou não de associações prévias (já que as associações podem ser anteriores ou posteriores à composição da marca) e há outras mais específicas que consideram os diferentes tipos de associação. As relações associativas podem ocorrer nos seguintes casos: •

Por analogia entre as características das formas e figuras da marca e as atividades da empresa.

Porque a marca pode descrever a origem ou atividade da empresa ou a natureza do produto.

Por uma metáfora que relaciona a empresa ou produto à marca.

Por uma vinculação arbitrária, onde um nome e uma imagem são associados por convenção a uma empresa ou produto, sem que haja qualquer relação a priori entre a marca e o que ela representa. Com base na taxionomia das marcas proposta por Per Mollerup (1997) e de

acordo com o tipo de associação, é possível indicar uma classificação para as marcas gráficas, ou seja, pictogramas e logotipos, através de suas diferenças morfológicas, textuais e associativas: •

Os pictogramas representam as marcas pictóricas, icônicas, podendo ser figurativas ou abstratas.

Os logotipos representam as marcas lingüísticas, que aparecem na forma de texto: nomes, siglas, etc. Dentro de cada um dos termos básicos: pictogramas (imagens ou

diagramas) e logotipos (nomes ou siglas), ambos compondo a categoria marcas gráficas, há outras subcategorias em que aparecem as marcas arbitrárias e marcas motivadas, as quais são associadas ao que representam a partir de alguma relação prévia estabelecida por denotação ou conotação. Mollerup (1997: 10514)

as subdivide em marcas descritivas (denotativas) e marcas metafóricas

(conotativas):


111

3.2.1 Primeira classificação por tipo de associação. A categoria geral das marcas gráficas pode ser classificada de acordo com o tipo de associação estabelecida com a instituição, empresa ou produto, dividindose em: 1 - marcas arbitrárias, 2 - descritivas e 3 - metafóricas. 1. Marcas arbitrárias são as que não apresentam elementos que proponham quaisquer associações prévias com uma determinada instituição, empresa ou produto. Logo, a associação entre a marca e seu referente é estabelecida por pura convenção, indicando essas marcas como genuinamente simbólicas. Como é o caso do Extrato de Tomates Elefante, que já foi citado anteriormente (fig. 20). 2. Marcas descritivas representam, por meio de uma imagem ou nome, o todo ou Uma parte da empresa

ou dos

produtos que

representam. Por exemplo, a empresa Concremix, produtora e fornecedora de concreto pré-misturado, com nome e pictograma descritivos (fig. 24).

(Fig. 24. Marca descritiva.)

3 Marcas metafóricas apresentam uma idéia em comum com a empresa ou produto. Por exemplo, a marca de pneus Goodyear representa um pé com asas, referindo-se ao veloz Mercúrio, deus mensageiro da mitologia grega. Mas mesmo quem não conhece o mito grego também percebe a imagem de um “pé com asas” como uma metáfora de velocidade, relacionando-a aos pneus produzidos pela marca (fig. 25). Algumas marcas de automóvel como Jaguar, Corcel ou Corsa assumiram os nomes que representam animais velozes e elegantes.

(Fig. 25. Marca: Pneus Goodyear.)

3.2.2 Segunda classificação pela forma de apresentação. Quanto à forma de apresentação das marcas gráficas, os pictogramas e logotipos diferem entre si. Os pictogramas arbitrários se dividem em: abstratos,


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figurativos

ou

emblemáticos,

e

os

logotipos

arbitrários

em:

siglas,

monogramas e nomes originais ou adotados. Primeiramente será apresentada a classificação dos pictogramas que podem ser classificados como figurativos ou abstratos e esses dois termos podem ser intermediados por um terceiro que reúne os pictogramas emblemáticos. 1. Pictogramas figurativos (fig.26) são os que representam figuras naturais ou objetos materiais, extraindo seus motivos diretamente da primeira realidade. Por exemplo, figuras de animais, vegetais e de objetos como âncora e guarda-chuva, dentre outros, ou figuras míticas, produzidas pela conjunção de formas naturais, como cavalos alados, anjos, etc.

(A)

(B)

(C)

(D)

(Fig. 26. Pictogramas figurativos.)

2. Pictogramas abstratos (fig.27) são aqueles cujas formas não representam qualquer figura natural ou objeto material. Por isso, são símbolos abstratos, ideais, cujas informações da primeira realidade foram totalmente dissimuladas ou reinventadas pela idealização, caracterizando-os como elementos típicos da cultura.

(A)

(B)

(C)

(D)

(Fig.27. Pictogramas Abstratos)

3. Pictogramas emblemáticos (fig.28) compõem a terceira possibilidade quanto à forma de apresentação, podendo reunir em si textos pictóricos, ideográficos e até lingüísticos, organizados de modo hierático e cultural, porque assim se apresentam bandeiras, escudos, monogramas e outros emblemas que, antes mesmo da tradição heráldica, organizavam formas e figuras de acordo com uma lógica genuinamente cultural, simbólica e emblemática.


113

(A)

(B)

(C)

(D)

(Fig. 28. Pictogramas emblemáticos.)

Os logotipos, quanto à forma lingüística de apresentação, podem ser classificados como nomes, siglas ou “alfanuméricos” (Martins, J.R. 2000: 68) porque os logotipos nem sempre são nomes inteiros e legíveis; às vezes, são nomes abreviados, abreviaturas ou composições reunindo letras e números. Como todas as marcas gráficas, os logotipos também compõem um fenômeno visual, onde o design das letras desempenha um papel importante na identificação e significação da instituição, empresa ou produto. Todavia, as possibilidades de identificação e comunicação visual dos logotipos serão tratadas mais adiante, dando-se prioridade agora aos seus aspectos lingüísticos e fonéticos, que permitem classificá-los da seguinte maneira: nomes originais e nomes adotados ou siglas monogramáticas e siglas silábicas ou composições alfanuméricas: 1. Nomes originais são formados por uma ou mais palavras que não significam nada além da marca. Mas, apesar de seu significado ser sempre arbitrário, os nomes originais seguem a classificação geral das marcas, quanto ao tipo de associação, porque o sentido proposto pela grafia ou sonoridade do nome pode sugerir uma marca descritiva, metonímica, ou metafórica. Como já foi proposto, há o exemplo da marca Importex que, no seu todo, forma um nome original. Porém, a grafia e sonoridade das sílabas dessa marca indicam algo ligado à importação e exportação. Isso evidencia as possibilidades de classificação dos nomes originais de acordo com sua forma de associação à empresa ou ao produto: •

Associação arbitrária é confirmada quando, além do significado único, o nome original também não apresenta em sua grafia ou sonoridade qualquer relação descritiva ou metafórica com a empresa ou produto. Por exemplo, para o mercado brasileiro o nome Vogler, como marca de roupas masculinas, soa


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como original e totalmente arbitrário. •

Associação descritiva acontece, apesar do significado único, quando há uma descrição onde a grafia ou sonoridade de parte ou partes do nome original propõem um sentido descritivo da natureza da empresa ou produto, como é o caso da marca Importex, já citada.

Associação metafórica ocorre, apesar do significado único, quando há uma relação por metáfora onde a grafia ou a sonoridade de parte ou partes do nome original propõem uma idéia comum entre a marca e a natureza da empresa ou produto. Por exemplo, o nome Kibon sugere a idéia de sabor agradável, relacionando-a aos sorvetes e similares que representa.

2. Nomes adotados resultam da apropriação de palavras já conhecidas, que são associadas a uma instituição, empresa ou produto para exercer funções de identificação e representação. Os nomes adotados podem ser subdivididos em nomes próprios ou nomes comuns. 2.1 Nomes próprios são, geralmente, indicativos da família ou da região produtora, funcionando como um certificado de origem. Às vezes, são adotados nomes de santos ou outras entidades religiosas. Além disso, os nomes próprios podem ser também uma referência direta ao proprietário do negócio. Por exemplo,

(Fig.29. Levi’s.)

marcas como: Calvin Clain, Márcia Cabeleireiros, Bar do João e Levi’s (em inglês, o apóstrofo e a letra “s” indicam uma relação de propriedade, assim, Levi’s quer dizer: “do Levi”) (fig. 29). 2.2 Nomes comuns são quaisquer palavras já conhecidas associadas às empresas de modo arbitrário, descritivo ou metafórico, seguindo a classificação geral das marcas, quanto ao tipo de associação: •

Associação arbitrária, no caso dos nomes adotados, ocorre quando o nome não apresenta qualquer relação descritiva ou metafórica com a empresa ou produto. Salvo exceções, os nomes próprios são considerados arbitrários, porque não se referem à natureza da empresa ou produto, apesar de designarem o proprietário ou o lugar de origem. Há inúmeros nomes arbitrários associados a empresas e produtos. Por exemplo: Café Pilão, Brinquedos


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Estrela, Tintas Âncora, etc. •

Associação descritiva ocorre quando o nome adotado descreve uma parte ou o todo da natureza de uma empresa ou produto. Por exemplo: Banco Econômico, Super Pizza, Fertilizantes Solo Verde, Câmera1 Material Fotográfico, Só Brinquedos, Super Flora Jardinagem, etc.

Associação metafórica ocorre quando o nome adotado se relaciona com a instituição, empresa ou produto, por meio de uma idéia significativa. Quando qualifica um produto, devido a sua tradição na fabricação de produtos similares, o nome próprio de um lugar constitui uma exceção à regra de que os nomes próprios são marcas arbitrárias, pois um nome assim expressa um caráter metafórico, como é o caso dos queijos mineiros ou massas italianas. Uma empresa de massas, cujo nome é Itália, qualifica-se através da idéia generalizada de que a Itália goza de uma tradicional reputação positiva na fabricação de massas. Por outro lado, nomes comuns também promovem associações metafóricas, como nas marcas: Restaurante Sabor, Padaria Predileta, Academia Energia e TV Educativa.

3. Siglas monogramáticas são aquelas formadas por letras iniciais, monogramas, podendo também apresentar outras letras do nome da instituição, empresa ou produto, desde que o conjunto não possa ser pronunciado como um nome. Por exemplo: BM&F (Bolsa Mercantil e de Futuros), WWF (World Wildlife Fund for Nature), ABM (Associação Brasileira de Marketing), CNI (Confederação Nacional da Indústria), INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), etc. 4. Siglas silábicas são as que permitem ser pronunciadas como nomes devido à presença de vogais, que propiciam a formação de sílabas. Por isso, muitas vezes, essas siglas são percebidas como nomes originais, possibilitando inclusive associações descritivas ou metafóricas. A Vasp (Viação Aérea São Paulo), por exemplo, aparece como um nome (inclusive por ser comumente escrito com letras maiúsculas e minúsculas), cuja sonoridade sugere um sentido de rapidez e velocidade, atribuindo qualidade à empresa. Como nesse caso, muitas outras siglas são tomadas por nomes e, no geral, há uma preocupação com a eufonia na composição da sigla em busca de uma sonoridade harmônica e, portanto,


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agradável: FEPASA (Ferrovias Paulistas S.A.), CELETRA (Companhia de Eletricidade do Amazonas), FEBRABAN (Federação Brasileira das Associações de Bancos). 5. Composições alfanuméricas são produto da justaposição de letras e números e, com relação à sonoridade, acompanham os nomes porque são pronunciados como nomes, por exemplo, a composição PX4 é pronunciada como o nome pexisquatro ou o nome Studio 7 é pronunciado estudiosete. Todavia, a presença de numerais caracteriza particularidades quanto aos aspectos visuais do logotipo e quanto à produção de sentidos, uma vez que são elementos diferenciais de valor numérico indicativo de quantidade, de prioridade ou de sentido mítico, como os números sete e treze dentre outros. A classificação das marcas, a partir de variações morfológicas, lingüísticas e fonéticas, indica o conjunto das formas perceptíveis como campo de expressão para as significações determinadas pelas funções lingüístico-textuais e associativas. A percepção das formas de expressão dispara o processo de associação, como uma reconstituição imaginativa dos resíduos da memória consciente e inconsciente. A marca gráfica constitui e reconstitui sua parte intangível nas mentes dos consumidores, a partir de suas formas de expressão visual. Os estímulos gráficovisuais passam a suscitar e são associados aos signos sonoros e lingüísticos que expressam. Todo esse conjunto perceptível faz emergir conceitos e sentimentos ligados à marca.

3.3. Associando as expressões da marca (associações posteriores). Como foi proposto no item anterior, a marca gráfica, tanto o logotipo quanto o pictograma, detém um conjunto de sentidos próprios, independente de sua associação com uma instituição, empresa ou produto. As amplas possibilidades de sentido, que são propostas pelas formas e cores recortadas e apropriadas do ambiente natural ou cultural, têm seu leque de significação afinado e definido pela seleção e ordenação do conjunto, que reúne os signos componentes da marca como texto gráfico. É esse conjunto de formas e cores com seus sentidos (aspecto conotativo) e significados (aspecto denotativo) que é avaliado para ser ou não associado a uma


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instituição, empresa ou produto, podendo então atuar como sua marca (associações prévias). Portanto, mesmo quando manifesta uma composição abstrata e independente do fato de estar ou não inserida em um texto publicitário, ou seja, mesmo quando isolada e desassociada de outras referências, a marca gráfica manifesta uma atitude, uma ordenação e uma intencionalidade que caracteriza seu aspecto autopublicitário. GilIo Dorfles (1984), ao falar do valor publicitário e autopublicitário do objeto industrial, diz que: Todas as artes (começando pela arquitetura) contêm em si um elemento de autopublicidade (aquilo que lhes confere a máxima visibilidade, perfectibilidade e fruibilidade), devemos admitir que no design industrial há, para além deste aspecto autopublicitário, um outro - que freqüentemente temos observado – de “simbolismo representativo ” (ibid.:71). E ao comentar a marca, como foi transcrito por Bittencourt (1991: 3), Dorfles (1962)

propõe: “A marca é um exemplo típico de comunicação por meio de um signo

de caráter emblemático que assume por si mesmo um aspecto autopublicitário graças a sua evidência gráfica, e um aspecto simbólico porque expressa uma relação institucionalizada”. Por sua vez, Bittencourt (1991: 4) salienta a independência da marca gráfica ao afirmar que “vários tipos de signo dispensam ou até recusam sua inserção em sintagmas (frases): comumente vêm isolados com é o caso de expressões imperativas e interjeições”. O caráter emblemático12 é definido pela atitude autônoma, auto-significante de se mostrar presente e atrair esteticamente a atenção (ibid), indicando também o aspecto autopublicitário da marca13. Isso assinala intencionalidade e ordenação, distinguindo-a de uma simples mancha ou de um rabisco (fig. 30). Há que expressar uma intencionalidade e alguma ordenação, apesar desse último ser um conceito dinâmico, variável no espaço-tempo e de acordo com o modo de percepção do sujeito. Segundo Teixeira Coelho (1973:69), “a estética é uma disciplina do conhecimento que se organiza ‘desorganizadamente”, ‘caoticamente’, a 12

Flávio Bittencourt, em sua dissertação de mestrado: Marca Registrada (1991), desenvolve a partir das considerações de Gillo Dorfles uma análise do caráter emblemático dos signos e em especial das marcas registradas.

13

Aqui a questão é pertinente à teoria da percepção, porque toda forma em contraste com o fundo apresenta valor de atração e quanto mais ordenada ou configurada maior será o seu valor de atenção (sentido). Por outro lado, qualquer forma isolada, emoldurada pelo espaço branco do papel, ascende à condição de representação (de signo) (Uspënski in Schaiderman,1979:175-79).


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partir da experiência do sensível”. Caso a marca seja confundida com uma rasura, o erro é de apresentação e não da teoria. É, portanto, uma questão pragmática, técnica, e não teórica, às vezes, uma rasura pode ser percebida como uma marca, mas o fato inverso é verdadeiramente lastimável.

(Fig. 30) A – Rabiscos circulares

B – Pictograma Campanha do Banerj

C – Pictograma Cia. Rowntree UK

D – Pictograma Cia. Lantmânnen - Suécia

Além do aspecto autopublicitário, a marca também apresenta um aspecto publicitário. E, assim como há uma interação entre autopublicidade e caráter emblemático, também há uma relação entre o aspecto publicitário e o que Dorfles denominou de “simbolismo representativo”. O caráter simbólico da marca prenuncia que, para além do conteúdo imediato expresso por sua estrutura interna, suas formas, cores e organização representam outras entidades espirituais, tais como as que constituem uma identidade institucional, empresarial, de produto ou serviço. Um consumidor que não mantém uma convivência com a marca por meio dos produtos e serviços, ao observar os seus elementos de expressão gráfica, logotipo e pictograma, constituirá uma imagem de marca com o que é expresso de imediato por suas cores e formas, justificando em grande parte a importância que deve ser atribuída ao design de marca. Mas, ver uma marca isolada não é o acontecimento mais comum. No geral, a marca é vista em um anúncio publicitário, na fachada de uma empresa, impressa na embalagem ou sobre o próprio produto. Assim, a marca gráfica passa a ser associada (associações posteriores ao design de marca) com diversos campos de significação, sendo acrescida de outros sentidos propostos ao consumidor por meio da mídia publicitária, do atendimento da empresa, da visualidade da embalagem, do uso do produto, etc. Todas as formas de expressão e divulgação da marca e seus produtos ou serviços assinalam um caráter publicitário e ideológico. Para Haug (1997: 42), “o que realmente promove as vendas – como em quase nenhum outro setor – é a embalagem”. A embalagem, além de garantir a integridade do produto, deve também exercer a função publicitária de divulgação da marca e


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sedução do consumidor. A importância das embalagens é também expressa por seu custo, de acordo com Mark Pendergrast (1993: 372), “a lata de Coca-Cola custa o dobro do preço da bebida que ela contém”. J. B. Pinho (1996: 51) ressalta a publicidade como “um importante componente da marca que, por sua natureza, constitui ferramenta essencial no processo de construção da imagem de marca”, enquanto Randazzo (1996:27) afirma que “dentro do espaço perceptual da marca podemos criar sedutores mundos e personagens que, graças à publicidade, ficam associados a nosso produto e que finalmente passam a definir nossa marca”. As formas de expressão e divulgação da marca promovem sua interação social por meio de mensagens apresentadas como instrumentos de significação. Os sentidos e significados são estabelecidos por relações associativas que, como nas associações prévias motivadoras da escolha das marcas gráficas, também podem ser arbitrárias ou motivadas por diversos fatores. O ambiente publicitário compõe uma estrutura externa, um contexto, para as marcas, fazendo-as interagir com diversos elementos da cultura de mercado e da cultura em geral, o que indica ou salienta valores atribuídos à marca e aos produtos ou serviços que ela representa. Mas, como foi visto no item anterior, há a ressalva feita por J. R. Martins (2000), cuja crítica é direcionada à publicidade que desconsidera a necessidade de coerência com os valores já constituídos pela marca. A interação entre a estrutura interna e os elementos da estrutura externa, como as embalagens e outros meios de divulgação da marca, incorpora e reúne diversos elementos culturais, tangíveis e intangíveis para compor uma ideologia e uma estratégia de mercado. A marca gráfica é uma imagem síntese, um símbolo convergente de toda essa incorporação de diferentes formas de discurso e, mais especificamente, do discurso visual, as quais são cooptadas para compor um amplo espectro de significação que compõe a imagem de marca. Um exemplo clássico é dado por Roland Barthes no texto Rhétorique de L’image (in: Communications, n.4, 1964), onde o nome e os elementos visuais do macarrão Panzani, que são apresentados nas embalagens e anúncios do produto, atuam para constituir e divulgar uma imagem de marca. Apesar de a marca Panzani ser de uma empresa francesa, a própria


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sonoridade do nome propõe associações conotativas com a culinária italiana, que tem alta reputação no ramo de massas. Do mesmo modo, as cores, que são o verde, o vermelho e o branco da embalagem (signos plásticos), repetem o colorido da bandeira italiana, reforçando a ligação valorativa. Por outro lado, as imagens dos ingredientes como os tomates, pimentões e cebolas, além da lata de molho e do queijo (signos figurativos) aparecem nas embalagens e nos anúncios publicitários em uma disposição que lembra os arranjos pictóricos denominados de “natureza morta”. Junto com a oferta do produto (macarrão), há também uma proposta de consumo de bens simbólicos de caráter eminentemente ideológico. Nesse sentido, há referências à tradição da pintura acadêmica ocidental (“natureza morta”) e à cozinha mediterrânea (tomates e pimentões), envolvendo ”um sistema de hábitos e valores conotativos da sociedade” (Maranhão, 1988: 56). Os elos que interligam a marca Panzani à culinária italiana, com o reforço do uso de cores apropriadas e produtos naturais dispostos como em uma pintura acadêmica são associações conscientes. Contudo, a publicidade e outras circunstâncias de divulgação e consumo das marcas atuam também por associações inconscientes, ampliando o seu poder de persuasão. A psicanalista Irene Tiski-Franckowiak (1991: 22-3) atribui essas associações inconscientes, que ocorrem através da divulgação da marca, aos desejos também inconscientes e à capacidade de projeção simbólica desses desejos nos atos cotidianos do sujeito. Sob uma perspectiva semelhante, considerando as estratégias do mercado como estratégias do desejo, Baudrillard (1997) diz que há condições propícias para a projeção dos desejos nos bens de consumo: O propósito é permitir as pulsões outrora bloqueadas pelas instâncias mentais (tabus, superego, culpabilidade) que se cristalizem nos objetos, instâncias concretas em que fica abolida a força explosiva do desejo e se materializa a função repressiva ritual da ordem social. Perigosa é a liberdade de ser, que dirige o indivíduo contra a sociedade. Mais inofensiva é a liberdade de possuir, pois esta volta ao jogo sem o saber. (...) Tabus, angústias, neuroses que fazem do indivíduo um marginal, um fora-da-lei, serão suprimidas ao preço de uma tranqüilizadora regressão aos objetos, o que reforçará de todos os lados as imagens do Pai e da Mãe. (ibid.: 195) Assim, Baudrillard defende que as estratégias de mercado desempenham a função de direcionar os desejos perturbadores ao consumo de objetos, que passam


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a ser considerados bens simbólicos. Suas palavras reforçam as afirmações de TiskiFranckowiak, ao confirmar a necessidade de auto-realização como aquilo que impele as pessoas ao consumo por razões subjetivas. Por exemplo, os utensílios distintivos dos antigos fumantes de alta classe, como a cigarreira, o isqueiro e a piteira, todos folheados a ouro, foram objetos de desejo que a indústria cultural substituiu pelas embalagens (cigarreiras) descartáveis e por cigarros, que já vêm com filtros (piteiras), além de produzir em grande quantidade isqueiros descartáveis. As necessidades subjetivas de glamour e sofisticação passaram a ser atendidas pelas embalagens de luxo, com detalhes dourados, com cigarros cujos filtros também exibem fios dourados, etc. Esses recursos de sofisticação são prenunciados pela apresentação das marcas de cigarros, que expressam esse glamour em letras douradas e desenhos elegantes (fig. 31). No caso das marcas de produtos como os cigarros, os valores simbólicos, metafóricos, são ainda mais utilizados do que nas marcas em geral, devido às dificuldades intrínsecas de valorização do produto. Algumas vezes, salientam-se qualidades relacionadas ao valor de uso, como o sabor e a pureza dos produtos. Porém, no geral, propõe-se ao público um desvio do olhar, que é retirado do produto e direcionado

para

as

associações

sucessivas,

convenções simbólicas, que devem ser apreendidas e atribuídas ao produto pelos consumidores.

(Fig. 31. Detalhe – embalagem de cigarros Carlton.)

Além de assinalar o glamour na apresentação dos produtos, as ações de marketing e publicidade procuram associar as marcas de cigarros à sofisticação de certos estilos de vida, como os propostos pelo ambiente dos esportes de ação ou dos grandes espetáculos musicais. A marca Marlboro, por exemplo, aparece como um agrupamento de letras numa palavra carente de sentido em língua portuguesa. No entanto, ela é repetidamente associada a significações de força, virilidade, competitividade e rusticidade, advindas de um conjunto de elementos e valores, que configuram o “Homem de Marlboro” (fig. 32). As cores e formas vêm ganhando significação ao longo do percurso histórico, da mesma maneira


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como

as

advindos

palavras vêm

angariando

sentidos

desde suas origens etimológicas ou

filológicas, o que às vezes perpassa por diversas línguas. Há também uma história das imagens, dos tipos, das cenas, etc., ou seja, toda composição visual ou audiovisual, abstrata ou figurativa, está repleta de sentidos e possibilidades interpretativas. A cultura em torno do “homem de Marlboro” é herdeira da cultura cinematográfica que reconta a saga colonizadora do West americano, integrando-se ao processo cultural de atualização e universalização do mito do cowboy que, como será visto a seguir, (Fig. 32. Homem de Marlboro.)

recompõe o mito do herói. O ambiente constituído em torno de uma marca visa especificar suas significações dentro de um conjunto maior de possibilidades e, mesmo uma marca nova, que ainda está constituindo sua própria cultura, é alvo das atribuições de sentidos diversos, devido à sua relação com a cultura das marcas e, principalmente, por conta da convivência com as marcas que disputam a mesma faixa de mercado. Sal Randazzo (1996: 27) indica que, provavelmente, a “campanha do Homem de Marlboro” lançadada, primeiramente, pela agência Leo Burnett, seja “a mais bem sucedida estratégia criativa centrada na criação de uma imagem de marca fascinante e apropriada”. Os cigarros Marlboro foram introduzidos no mercado europeu como “cigarro feminino de filtro cor-de-rosa” (ibid.). Segundo Nóbrega (in: Exame, n.8, 1999: 102),

em 1937, a Philip Morris o lançou como cigarro para mulheres e

as propagandas usavam slogans do tipo: “Suave como o mês de maio”. Depois de dezessete anos, a marca ainda não atingia 1% do mercado e praticamente não existia. Por ser quase desconhecida nos Estados Unidos, o trabalho de Leo Burnett, um publicitário de Chigago, mudou a imagem da marca naquele país, modificando a embalagem de seus produtos e constituindo, através da publicidade, uma imagem máscula e inovadora para o consumidor. A escolha do cowboy para os anúncios contrariava as pesquisas que revelavam haver muito


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poucos cowboys nos EUA. A despeito disso, já no primeiro ano, a marca conquistou 2% do mercado e, em 1976, tornou-se a marca mais vendida no mundo. 3.3.1 O arcaico nas associações da marca. Reafirmando a tese de que, na cultura das marcas, se investe mais em ressaltar a imagem de marca do que as características do produto, Randazzo (1996: 27) diz

que a inovação proposta pela publicidade da Marlboro foi uma maior ênfase à

imagem de marca do que aos atributos do produto. Segundo esse autor (ibid.), a princípio, a campanha publicitária “mostrava homens de traços marcados, com tatuagens nas mãos, e isto acabou evoluindo até a campanha do Caubói Marlboro”. Os anúncios da publicidade reapresentam, sistematicamente, o ambiente agreste e a lida do vaqueiro americano. Tudo com requintes de realismo (códigos objetivos) e sutis efeitos expressivos (códigos subjetivos), garantindo um ambiente propício à mitificação, pois constrói uma fala de significado simbólico (Cf. Barthes, 1999, op. cit., item 1.1: 30),

cuja origem e finalidade ocupam o campo do imaginário, de

modo similar aos sonhos. O mito envolve as forças da natureza e os aspectos humanos com virtudes e especialidades acima do comum, revestindo os gestos, os objetos e os elementos da natureza de simbolismo mágico. De acordo com Joseph Campbell (1991:49-50): Os mitos são produtos da imaginação humana. Suas imagens, em conseqüência, embora oriundas do mundo material e sua suposta história, são como os sonhos, revelações das mais profundas esperanças, desejos e temores, potencialidades e conflitos da vontade humana (...) Ou seja, todo mito, intencionalmente ou não, é psicologicamente simbólico. Suas narrativas e imagens devem ser entendidas, portanto, não literalmente, mas como metáforas. O vaqueiro dos anúncios incorpora a figura lendária do herói que, desde tempos arcaicos, representa o protótipo do homem consciente de suas limitações, buscando se superar e vencer em todos os sentidos, materiais e espirituais, equiparando-se assim a um deus ou semideus. Em uma fala sobre a possibilidade do teatro, Augusto Boal aponta o homem como um animal que, além de ver o mundo ao redor, percebe a si mesmo em ação, podendo, também, projetar-se e viver simbolicamente através do outro. O herói mítico constitui um “outro eu”, um personagem proposto pelo imaginário para expressar o desejo constante de ser mais, ou melhor. Uma entidade


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que assume características diversas, de acordo com o momento histórico, mantendo uma estrutura básica que persiste em todas as culturas. Aliás, a persistência é característica dos mitos, que reaparecem constantemente sob formas diferentes, assinalando sua natureza cíclica. A figura do vaqueiro atrai para si a empatia do consumidor que, por projeção, passa a ocupar o seu lugar e viver através dele. O biótipo, o porte, a pose, a expressão e o vestuário denotam realismo. Contudo, há um reforço positivo adicionado em cada um desses itens, conotando um modelo ideal em aparência e personalidade. O produto, que nesse caso são os cigarros, é o elo de (re) ligação (religião) entre o real e o imaginário, um elemento simbólico que propõe a superação do “eu” em busca do “outro eu” idealizado. O simbólico sugere a presença do outro, do ausente. Um inventário das imagens simbólicas indica sua gênese relacionada primeiramente à religião, devido à necessidade de configurar o intangível, condensando idéias e sentimentos (Pino e Santos, 1974: 33).

É dessa cultura em torno da marca que o logotipo e pictograma (símbolos) retiram grande parte de seus sentidos conotativos. As conotações produzidas pela publicidade convergem para as expressões da marca, as quais emergem como símbolos capazes de atribuir qualidades aos seus produtos e, de acordo com Sal Randazzo (1996), constituir para si um receptor/usuário ideal: A imagem do usuário é a descrição do tipo de pessoa que o anunciante deseja retratar como usuária de seus produtos. [...] A imagem criada pela publicidade pode ser um usuário real ou uma imagem de um usuário idealizado (mitologizado). (ibid.: 36) Randazzo (ibid.:37) alerta para o fato de que, provavelmente, as pessoas que mais façam uso de produtos diet sejam “gordas e comuns”. Porém, ao mostrar mulheres lindas e esbeltas consumindo produtos dietéticos, o anunciante espera constituir uma imagem positiva de elegância e beleza permanentes, para quem comprar e usar os seus produtos (aqui, novamente, o produto é apresentado como elo entre o real e o ideal). Agora, a entidade mítica que reaparece é Vênus, deusa da beleza na Grécia antiga, expressando o desejo perene de perfeição estética, que habita todos seres humanos. Os padrões de beleza também se alteram com o tempo, mas, essas formas esbeltas recompõem Vênus como uma entidade imaginária, com medidas


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ideais para a projeção do “eu” no momento histórico atual. Ainda sobre as possibilidades de composição do consumidor ideal, há uma série de imagens publicitárias, onde personalidades das artes e espetáculos assumem o papel de usuários dos produtos ou serviços de uma determinada marca (Pinho, 1996: 107-9).

Contudo, J. B. Pinho (ibid.) afirma que a associação da marca com

tipos anônimos, como o homem de Marlboro, ou personagens de ficção, pode ser mais vantajosa, possibilitando um maior controle da imagem de marca. A diferença é que celebridades e outros personagens vivos deverão envelhecer ou passar por mudanças ao longo tempo. O contraponto para essa afirmação de Pinho é dado pela extensa campanha da marca Bombril que, desde 1979, é protagonizada pelo ator Carlos Moreno, sendo primeiramente de responsabilidade da agência de publicidade DPZ e, depois de 1988, continua sendo produzida pela W/GGK. Durante todo esse tempo, o ator interpretou inúmeras personagens do ambiente cultural e político, misturando ficção e realidade na representação de uma personalidade ou de um tema em destaque no momento de veiculação do comercial. Todavia, apesar dos diversos papéis assumidos pelo ator no decorrer da campanha, sua postura propõe de modo sistemático e coerente a mítica do antiherói, representada pela estrutura arcaica e tragicômica do palhaço, que foi celebrizada por personagens como Arlequim e Pierrô. O primeiro representando um tipo extrovertido e o segundo um tipo introvertido, como o que é composto na atuação de Moreno. Assim, os códigos culturais são estabelecidos por registros cumulativos do tempo histórico, que se consolidam no diálogo entre épocas diversas e não desaparecem, porque seu tempo é circular. Por isso, os mitos arcaicos sempre retornam, fazendo-se novamente presentes sob uma aparência atualizada. A respeito do uso do mito na publicidade, Sal Randazzo publicou o livro: A Criação de Mitos na Publicidade (1996), estabelecendo diversas relações entre a publicidade das marcas comerciais de agora e os mitos recorrentes desde culturas muito antigas. “De certa forma, na nossa sociedade consumista as marcas publicitárias acabam tendo uma função parecida com a do panteão dos deuses da antiga Grécia. Funcionam como portadores de projeções nas quais projetamos os nossos sonhos, medos e fantasias” (ibid.:19). Com um enfoque distinto, cuja base é a teoria dos arquétipos de Carl G.


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Jung, José Martins publicou o livro Arquétipos em Marketing: o uso de arquétipos emocionais na formação da imagem da marca (1995). “Os arquétipos são formas a priori ou imagens primordiais, virtuais em todo espírito humano (...) Ainda que não existam independentes de nós, dependemos deles, pois carregamos as suas exigências e as suas tiranias” (Morin: 1998: 138). Por sua vez, Ivan Bystrina (1995: 25) também reconhece os arquétipos como “estruturas muito importantes para toda a cultura”, porque integram a base de informações originais que se instala, primeiramente, no inconsciente. A atuação dos arquétipos na comunicação publicitária das marcas é estudada por J. Martins (1995), porque esse autor considera que os arquétipos, como “universos emocionais” persistem na psique humana desde tempos primordiais e são expressos nos processos da comunicação contemporânea. Para o autor, isso propicia a elaboração de uma imagem síntese denominada por ele de “espírito da marca”, que é “subjetivo e simbólico”, sendo constituído por estímulos que podem tocar em “pontos sensíveis na mente e no coração do consumidor” (ibid.: 15). J. Martins cita marcas bem sucedidas, cuja personalidade é definida por uma imagem síntese expressa em poucas palavras: Coca-Cola: emoção e vitalidade; Marlboro: o domínio sobre seu território; Benetton: respeito e solidariedade humana; Hugo Boss: veste os líderes; Calvin Klein: o simples sofisticado; Levi’s: rústico e autêntico; Omo: respeito e valorização do papel da dona-de-casa; BMW: poder e sofisticação; Impulse: o sonho de Cinderela; Channel: a beleza clássica (ibid.:14). Considerando ainda a ótica de Martins, vale ressaltar que não basta somente elaborar um slogan interessante e tentar associá-lo à marca. Isso é necessário, mas não é suficiente, uma vez que esse slogan também deve ser coerente com a personalidade da marca, estando previamente em sintonia com algum arquétipo ou universo emocional pré-existente na psique do consumidor. Assim, o slogan irá apenas sintetizar, relembrar, atualizar e reforçar uma relação que foi sendo previamente construída entre os consumidores e a marca. A princípio, todos esses procedimentos parecem simples, porém, o êxito depende do conhecimento dos desejos, interesses e curiosidades presentes no coração e mente do público. Assim, a estratégia de publicidade da marca deve atender também às condições subjetivas do público receptor (Haug, 1997:44). O conceito de “dissonância cognitiva”, como desenvolvido por Leon Festinger


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(apud Randazzo,1996: 43),

caracteriza um tipo de informação que, ao invés de

sensibilizar a mente e o coração do público receptor, provoca um estado “psicologicamente desconfortável”, por não estar em concordância com seus valores e crenças, constituindo uma incoerência de sentidos, que dificulta a assimilação e impõe a rejeição da informação. Talvez essa dissonância sirva para explicar o insucesso da marca Marlboro, quando direcionada ao público feminino. Algo provocou uma incoerência de sentidos entre o mito da “feminilidade”, como exterioridade do elemento feminino que habita o espírito humano, e os modos de expressão e comunicação da marca. O caráter coletivo da publicidade encontra ressonância em um princípio geral dos mitos e arquétipos que, apesar de serem expressos de maneira variada e até contraditória, mostram-se como estruturas recorrentes nas diversas culturas constituídas ao longo do tempo e em diferentes lugares. Os mitos “são os sonhos do mundo. São sonhos arquetípicos e lidam com magnos problemas humanos” (Campbell, 1990: 16),

o que evidencia sua presença no espírito de todos os homens e,

por isso, são também elementos poderosos para a comunicação publicitária. O mito é um fenômeno coletivo, como um sonho sonhado por muitos, reunindo indivíduos de uma mesma cultura em atividades comunitárias, ritualísticas. Isso é confirmado por Campbell (ibid.:11) quando diz que os temas míticos como: “criação, morte, ressurreição, ascensão aos céus, nascimentos virginais” são constantes nas múltiplas religiões e, também, que a saga do herói e outros mitos de caráter universal são expressos por todas as culturas. Por último, em A Marca e o Logotipo Brasileiros (1974), Pino e Santos pesquisaram e relacionaram antigas imagens míticas da cultura universal com as modernas marcas comerciais brasileiras, produzindo um estudo predominantemente visual e comparativo que, com base nas imagens apresentadas, relata o processo de formação e renovação de sentido na comunicação visual. A evidência do arcaico na expressão e comunicação das marcas contemporâneas assinala que, em grande parte, os processos de comunicação publicitária subsistem na associação de fatos e mitos, como atualizações das raízes culturais, que brotam no inconsciente e são expressas pelo imaginário do homem de todos os tempos.


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3.3.2 Associações simbólicas ao design de marca. De modo geral, as convenções simbólicas decorrem de quatro alternativas de associação, as quais não são excludentes entre si, podendo ser superpostas, inclusive em uma mesma marca, tendo em vista o tema deste estudo. A partir da dualidade primordial que opõe as associações conscientes e inconscientes, destacam-se quatro alternativas básicas que podem ser assinaladas como: essencial, oculta, irracional, e inconsciente (cf. Noth, 1995: 115-20). Essas alternativas relacionam fatores tangíveis e intangíveis, objetivos e subjetivos, conscientes e inconscientes, que influenciam na construção e disseminação da imagem de marca nas mentes do público. 1. A primeira delas, associação essencial, relaciona de modo consciente um conteúdo a uma forma de expressão. Desse modo, um sentido concreto e ordinário passa a simbolizar um conteúdo imaterial. Por exemplo, a imagem de uma estrela é associada por convenção a uma indústria de brinquedos, envolvendo também aspectos intangíveis e bastante complexos, porque a marca Estrela não representa somente as instalações e a produção material dos brinquedos, uma vez que na imagem da marca são inseridos aspectos intangíveis e complexos como: os desejos, o imaginário infantil e a relação entre pais e filhos. Isso implica “uma série complexa de associações, incluindo qualidades emocionais, e dificilmente pode-se descrevê-las em outros termos que não seja uma representação parcial” (Firth apud Nöth, 1995: 119). 2. A segunda, associação oculta, aponta um conteúdo encoberto e inescrutável cujo sentido decorre de redundâncias míticas, rituais e iconográficas, que são sustentadas mais por impressões e sentimentos do que pela lógica conceitual. Reaparece aqui a alusão aos arquétipos e a outros elementos formuladores de sentidos ocultos ou convenções inconscientes. Relembrando Rafael Sampaio (1997: 164. op. cit., item 1.6.1: 46),

a marca é uma experiência total e deve ser

compreendida a partir de sua “gestalt”, que é uma síntese de pequenas parcelas, envolvendo todas as partes desse sistema que é a própria marca. A imagem de marca é sempre maior que a simples soma de seus aspectos constitutivos. Por isso, o sentido geral da marca é bem mais abrangente que o conteúdo imediato expresso pelo nome ou sinal gráfico. Logo, todas as marcas expressam um sentido oculto, que é diferente e maior do que a soma dos sentidos de suas


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partes componentes. 3. A terceira, associação irracional, é uma resposta à complexidade do processo perceptivo-cognitivo, que acaba por inferir sentidos, os quais não poderão ou ainda não podem ser justificados pela racionalidade. Nesse caso, há a hipótese de que o irracional sempre tem um significado, mas não há consenso sobre a possibilidade de compreensão de todo sentido irracional, porque a falibilidade da razão transcende à racionalidade e uma parcela de irracionalidade sempre resistirá à interpretação. Ao escrever sobre a percepção humana, Herbert Read (1958/1982: 53)

afirma que muitas impressões e decisões são conduzidas pelos

sentimentos estéticos e não pelo discernimento. Do mesmo modo, as marcas também estimulam reações afetivas geradoras de sentidos, que não são produzidos nem explicados pelo discernimento racional. Por exemplo, nos testes de sabor, sem o reconhecimento da marca, o produto da marca Pepsi-Cola costuma ser considerado como de melhor sabor que o da marca Coca-Cola. Todavia, o produto da Coca-Cola é considerado como o de melhor sabor em outros testes, onde ocorre um prévio reconhecimento da marca. A variação de opinião sobre o sabor dos produtos, como decorrência do reconhecimento da marca, não se encaixa na lógica do produto, onde o sabor é determinado pelo paladar e não pela visão ou audição, que são os sentidos capazes de reconhecer a marca. Logo, fica evidente que parte do sentido oculto das marcas é decorrente de associações e avaliações irracionais. 4. A quarta, associação inconsciente, propõe que a totalidade dos sentidos não é condicionada pelo consciente, porque até mesmo os sentidos conscientes encontram no inconsciente o seu campo de emergência (cf. Bystrina, 1995: 36). Isso é reforçado por Freud quando diz que o contexto simbólico não é exclusivamente peculiar aos sonhos, uma vez que ele é característico da ideação inconsciente, a qual ocorre no “folclore e nos mitos populares, lendas, idiomas, provérbios, sabedoria popular e brincadeiras” (Freud apud Nöth, 1995: 120). Herbert Read (1958/1982: 52)

também cita as associações indiretas, “ligações entre um

conhecimento e um conhecimento revivido, ou entre dois conhecimentos revividos, que estão muitas vezes escondidas da mente consciente do sujeito”. Por fim, Jung especifica a interação do símbolo com o arcaico, por meio da teoria dos arquétipos, a qual José Martins (1995: 15) evidencia na comunicação da marca, propondo a possibilidade de criação de um “espírito da marca”, que deve


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ter um caráter “subjetivo e simbólico”.

Capítulo IV

O PROCESSO DE COMUNICAÇÃO DAS MARCAS GRÁFICAS No caso específico das funções das marcas gráficas, como o logotipo e o pictograma, a relação coerente entre a expressão visual de sua estrutura interna e os sentidos que lhe são sobrepostos, funda-se sobre um amplo processo de construção de sentidos a partir de figuras, formas, cores e outros elementos visuais, os quais também vêm acumulando significações desde tempos remotos. Por exemplo, a figura de uma âncora, representando uma determinada companhia de navegação, é uma associação motivada entre os elementos âncora e navegação, decorrendo também de uma codificação lógica que associa um desenho específico a uma empresa específica. Essa âncora pode ser representada, entretanto, com os recursos oferecidos pela computação gráfica e o tratamento dado às suas formas passa a indicar um sentido de modernidade tecnológica como atributo da empresa de navegação. Do mesmo modo que a inclinação nas letras componentes do logotipo “Lanche Rápido” (fig. 21)

pode sugerir velocidade e rapidez. A figura da âncora associada à empresa de navegação exerce uma função de

identificação, ao assinalar que ela é uma “companhia de navegação”; também uma função de representação (significação) ao atribuir-lhe um sentido de “modernidade” (Mollerup, 1997: 88)

e, ainda, uma função indicativa ao salientar que a empresa existe,

que “está aqui”, e deve ser utilizada, ”aproveite”. Portanto, depois de estar devidamente

associada

à

empresa,

uma

possível

leitura

do

desenho

(computadorizado) da âncora é a seguinte: Aqui está uma companhia de navegação moderna, aproveite. De acordo com a proposta de Pierre Guiraud (apud Mollerup, 1997: 81), as funções específicas da marca são em número de três: identificação, indicação e representação, conforme o descrito a seguir.


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1. Identificação é a função cujo papel é semelhante ao dos nomes, apelidos e outros elementos de identificação, como uniformes, insígnias, etc. A identificação de uma instituição, empresa ou produto é a atribuição primordial das marcas. 2. Representação é a função que visa promover o conhecimento em todas as áreas, descrevendo objetos e informando sobre suas atribuições e qualidades. A marca além de identificar uma instituição, empresa ou produto, ainda testemunha sobre suas atribuições e informa suas qualidades. 3. Indicação é a função que instrui o receptor por comando ou sugestão, indicando-lhe como agir. As setas, placas de saída ou entrada, etc., comunicam por indicação. Além disso, sobre a marca Coca-Cola costuma aparecer a palavra “beba”, compondo a frase: “beba Coca-Cola”, que sugere o consumo do produto. Todas as outras marcas, independente de serem precedidas de qualquer palavra, via de regra, também indicam um apelo de compra ou consumo, com relação ao objeto que representa. A marca na parte externa de um depósito, um refrigerador comercial dos sovertes Kibon, por exemplo, é indicativa de que ali se encontra o produto. Já a marca estampada em um out-door na entrada de uma cidade indica a presença da instituição, empresa ou produto naquele lugar. Para exercerem suas funções, as marcas utilizam a codificação lógica (objetiva) e a expressiva (subjetiva). Os códigos lógicos requerem atenção e entendimento enquanto os códigos expressivos clamam pela participação sensível e afetiva do receptor. Mas, assim como as funções cumulativas da marca, as codificações também não são excludentes entre si, possibilitando sua interação em uma mesma marca. Porém, cada função é exercida sob o domínio de uma codificação em especial, tendo em vista que: 1. A identificação impõe o domínio da codificação lógica, porque a escolha de uma marca para exercer a função objetiva de identificar uma instituição, empresa ou produto, é objetivamente efetivada por convenção e arbítrio, a despeito de qualquer outra motivação que possa estar envolvida na escolha. 2. A representação impõe o domínio da codificação expressiva, pois, ao representar uma instituição, empresa ou produto, a marca deve expressar também os atributos e sentimentos que o emissor deseja direcionar ao objeto da


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representação. O pictograma e o logotipo são predominantemente estéticos, porque sua potencialidade informativa, por maior que seja, não consegue descrever a totalidade de seu objeto. A natureza das marcas é sintética e inspiradora e não analítico-descritiva. 3. A indicação também impõe o domínio da codificação expressiva, porque além de indicar a existência e às vezes a localização de uma empresa ou produto, essa função inclui constantemente o apelo subjetivo que sugere: “compre tal produto” ou “prefira a empresa tal”, etc. Vale assinalar o domínio quantitativo da codificação expressiva com relação às funções das marcas, bem como a importância dos seus aspectos plásticoformais na sua composição e significação. As figuras compõem sentidos de realidade ao representar algo configurado como âncora, cavalo, estrela ou navio. Porém, as categorias tipicamente plásticoformais como cores quentes versus cores frias ou formas dinâmicas versus formas estáveis vêm sendo estabelecidas há muito tempo e também constituem um repertório sobre as possibilidades de variação ou confirmação dos sentidos propostos por meio da repetição (redundância) ou da diversificação dos elementos visuais compositores da marca. Acontece uma associação prévia entre a estrutura de expressão visual da marca e os atributos indicados pela cultura constituída em seu entorno. Uma codificação estabelecida entre os formandos de sua expressão visual, linhas, cores, etc., e alguns conteúdos específicos. Há também uma disposição para o uso dessas associações já instituídas, produzindo uma série de marcas visualmente similares, dentre as que representam uma mesma categoria de produtos. Por exemplo, a recorrência da circunferência que assemelha a aparência dos desenhos das marcas de automóveis (fig. 14). Além disso, quem lança uma nova marca espera, de algum modo, beneficiarse da memória dos textos culturais já constituídos (atitude de cooperação), seja para negar a cultura instituída (não-colaboração) ou para reafirmá-la (colaboração). Por exemplo, uma circunferência já está associada a uma série de sentidos e, dentre esses, o sentido de movimento. Cabe, portanto, aos idealizadores de uma marca reafirmar ou não esse sentido, pois, como foi proposto anteriormente, os sentidos dos signos componentes são definidos pela estruturação do texto.


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Reaparece aqui a questão estratégica entre inovação, contigüidade ou continuidade confirmando, também na comunicação visual, a necessidade de estabelecimento de estratégias de relação entre a tradição e a novidade. As marcas, cujo conjunto de expressão é semelhante, diferenciam-se por meio de detalhes morfológicos, como variações na proporção ou no tratamento das formas com texturas e cores, dentre outros recursos. Vale assinalar que essas variações estéticas nas formas de expressão interferem também nos sentidos propostos, como será visto no capítulo seguinte deste trabalho. Nesses casos, contudo, percebe-se uma estratégia de comunicação cooperativa/colaborativa no interior da cultura das marcas, a qual impõe diferenciações, mas sem negar os valores tradicionais que foram sendo estabelecidos na relação entre as estruturas de expressão e de conteúdo. Decorre, desse fato, que uma série de marcas diferentes são representadas por figuras semelhantes como peixes, pássaros, círculos ou manchas. É a variação na composição figurativa que constrói um repertório de diferenciação, distinção, e de significação dentre os pictogramas similares que representam figuras homônimas, como é o caso das imagens das corujas (fig. 22) e das imagens dos peixes (fig. 23) apresentadas neste trabalho. Há uma categoria geral, opondo duas tendências básicas a respeito da composição e tratamento de imagens que, apesar de impor outras subdivisões, estabelece um princípio para a sistematização dos modos de representação: 1. A tendência naturalista, que apresenta um tratamento pictórico (modo de representação pictórico-fotográfico), tendendo ao aspecto fotográfico. 2. A tendência estilizada, que revela um tratamento gráfico (modo de representação gráfico), tendendo ao aspecto abstrato.

(Fig. 33) A – Naturalista →fotográfico

B – Estilizado →abstrato

As estratégias de comunicação da marca gráfica se organizam em torno das possibilidades de interação ou das gradações entre esses dois extremos da


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representação. O que envolve perguntas do tipo: 1 - Haverá ou não o uso de cores? 2 - Quais cores serão utilizadas? 3 - Como essas cores serão apresentadas, com variações de tons e nuanças ou planas, sem variação? 4 - As linhas e formas serão orgânicas ou geométricas? 5 - As formas serão representadas planas ou volumétricas? As questões acima propõem opções quanto à técnica, ou seja, a respeito de como fazer a representação. Propõem, também, opções quanto à estética, isso é, sobre o modo formal de apresentação. E, ainda, quanto à semântica, ou seja, o que e como dizer ou representar, tendo em vista a produção de sentido sob os aspectos denotativos e conotativos.

4.1 A teoria da comunicação e a marca. Para o estudo da marca como parte do processo de comunicação e em atendimento aos interesses deste trabalho, deve-se levar em consideração os estudos de Claude Elwood Shannon, matemático e engenheiro, que em 1948 publicou a monografia intitulada The Mathematical Theory of Communication, como uma publicação de pesquisa dos laboratórios Bell Sistem, filial da empresa de telecomunicações American Telegrafh & Telephone (AT&T) (Mattelart, 2000: 58). A teoria de Shannon ocupa o centro das questões em torno da transposição de modelos científicos, característicos das ciências exatas, para as ciências da comunicação. E seu trabalho é apresentado por Warren Weaver que escreveu as Contribuições Recentes à Teoria Matemática de Comunicações (1949/1975). A princípio, os estudos da teoria foram centrados no problema do transporte de mensagens como assinala o “sistema geral de comunicação” desenvolvido por Shannon. Segundo o autor, “o problema fundamental das comunicações é reproduzir, em um determinado ponto tão exato quanto possível, uma mensagem originada em outro ponto” (ibid.: 33). Há uma ordenação linear no sistema de comunicação (fig. 34), estabelecido entre um pólo inicial que dá origem à mensagem e um pólo final que é seu destino. Os componentes do sistema são: 1. Fonte de informação, que produz a mensagem (na telefonia, a fonte é a palavra). 2. Codificador ou emissor, que converte a mensagem em sinais transmissíveis


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(o telefone transforma a voz em sinais elétricos). 3. Canal é o meio usado no transportes dos sinais (o cabo telefônico). 1. Decodificador ou receptor, que recompõe os sinais como mensagem. 6. Destino (uma pessoa ou aquilo para o qual a mensagem é transmitida). FONTE

TRANSMISSOR

MENSAGEM

RECEPTOR

SINAL

SINAL RECEBIDO

DESTINO

MENSAGEM

(Fig.34) FONTE DE RUÍDOS

Nesse sistema, a comunicação é primeiramente uma questão de como os canais serão utilizados com maior eficiência, sejam os cabos telefônicos ou as ondas de rádio, etc. A palavra informação, segundo Weaver (ibid.: 9), “é utilizada com um sentido especial, que de maneira alguma deverá ser confundido com o de seu uso generalizado. Especificamente, comunicação não deve, por equívoco,

ser

compreendida como significado”, uma vez que, uma mensagem sem sentido e outra repleta de significação, sob o escopo dessa teoria, poderão apresentar o mesmo grau de informação. O caráter quantitativo da informação assinala a irrelevância dos aspectos semânticos, qualitativos, com relação aos problemas da engenharia. Porém, Shannon e Weaver afirmam que a recíproca não é verdadeira, ou seja, a eficiência técnica não é irrelevante aos aspectos semânticos da comunicação. Essa interação é assinalada pelos três níveis de problemas da comunicação apontados pela teoria, no qual aparecem, além dos problemas técnicos, os problemas de semântica e de eficiência, classificados como nível A, B e C. •

O nível A trata sobre com que exatidão os símbolos da comunicação podem ser transmitidos? (Este é o problema técnico).

O nível B trata sobre com que precisão os símbolos transmitidos transferem o significado desejado? (Este é o problema de semântica).


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O nível C trata sobre com que eficiência o significado recebido afeta o comportamento ou a conduta do receptor em relação à finalidade desejada ou prevista. (Este é problema da eficiência). Weaver (ibid.: 6) assinala que a Teoria Matemática da Comunicação se aplica

em primeira instância somente aos problemas do nível A, o nível técnico. Mas, argumentando em favor de sua influência sobre os outros níveis, aponta que: • A teoria representa uma garantia de que os níveis B e C poderão utilizar com precisão os sinais viabilizados pela eficiência do nível A. • As limitações do nível técnico certamente irão afetar igualmente os demais. • Grande parte do significado tem origem no fato de que o nível A se justapõe e coincide com os outros níveis, com muita freqüência. •

A teoria do nível A é também uma teoria para os níveis B e C. Por sua vez, Mollerup (1997:69) fez a adaptação desses três níveis de

problema para o ambiente das marcas, propondo as seguintes questões: 1. A marca é suficientemente visível? (problema técnico) 2. A marca é compreendida? (problema de semântica) 3. A marca produzirá o efeito desejado? (problema da eficiência) No âmbito do sistema proposto, o “ruído” é detectado pelo aumento da quantidade de informação recebida em comparação ao que foi selecionado e transmitido. Portanto, ruído é o acréscimo não intencional de informação, interferindo na liberdade de escolha que é devida ao transmissor da mensagem. Os ruídos são indesejáveis, porque impedem o “isomorfismo”, que corresponde à plena correspondência entre os pólos de emissão e recepção (Mattelart, 2000:59). Vale ressaltar que o objetivo do sistema de Shannon é buscar condições que garantam o máximo de fidelidade entre a informação emitida e a informação recebida. Tendo em vista o processo de codificação e decodificação, a isomorfia expressa a possibilidade de se manter a mesma informação em códigos diferentes. Porém, sempre ocorrem interferências aleatórias, produzindo perdas e acréscimos


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na informação recebida, que não são originárias da fonte e passam a interferir na precisão da mensagem. O ruído descrito no sistema é “ruído de engenharia”, ruído técnico, que ocorre no nível A. Mas Shannon e Weaver também indicam que o ruído pode ser semântico, interferindo na comunicação no nível B. Para Mollerup (ibid.:70), o conceito de ruído aplicado ao nível técnico da comunicação das marcas deve ser considerado quando uma marca gráfica se mostra muito sensível aos ruídos técnicos. Por exemplo, quando há um pequeno grau de contraste entre a marca e o fundo sobre o qual ela será apresentada. Sobre o conceito de ruído semântico aplicado à comunicação das marcas deve ser considerado, por exemplo, quando uma marca gráfica se mostra muito similar a outros elementos que ocupam o mesmo campo de observação. O termo “canal”, como proposto no sistema de Shannon, é utilizado na denominação do elemento físico de transferência do sinal, que é codificado pelo transmissor e decodificado pelo receptor, podendo ser um cabo telefônico, ondas de rádio, de som ou de luz e qualquer outro elemento capaz de carregar um sinal. Para uma mensagem ser enviada através do canal, é necessário que ela seja codificada e convertida em sinal. Como termo técnico da comunicação, “mídia” (adaptação de “media” que é plural de “medium”) é aquilo que converte a mensagem em um sinal, preparando-o para ser transmitido pelo canal em questão. Por exemplo, a voz, o telefone, o rádio e a televisão são mídia, bem como os meios de impressão gráfica. Mollerup (ibid.:72) indica uma classificação que separa as mídia de apresentação, como a voz, a face e o corpo, das mídia de representação, como a pintura, a impressão gráfica, a fotografia e a escrita. A mídia de apresentação promove uma performance ao vivo e sua audiência é presencial, ocorrendo em tempo e espaço reais. Já a mídia de representação oferece uma performance de recordação, porque sua audiência sempre está ausente, no tempo, no espaço ou em ambos. Os elementos de composição da mídia de apresentação são atos e da mídia de representação são obras. O telefone, rádio e televisão são mídia mecânica/eletrônica, podendo ser veículo da mídia de apresentação e de representação. O uso normal do telefone produz atos, o mesmo fazem o rádio e a televisão ao transmitir programas ao vivo. A reprodução de obras ocorre quando um telefone repete as mensagens de


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uma secretária eletrônica e um rádio ou uma televisão transmitem material gravado. A mídia impressa sempre atua como mídia de representação. Além disso, Mollerup (ibid.)

informa que a mídia pode ser dividida em “formatos”. A mídia impressa é

dividida em jornais, livros, brochuras, etc.

4.2 O nível técnico na comunicação das marcas. As marcas gráficas, logotipos e pictogramas, são objetos primordialmente visuais, cujas imagens ou mensagens são transmitidas por um canal composto pelas ondas de luz, através de diversos meios com formatos variados. Os meios e os formatos de transmissão influenciam no caráter da mensagem, porque, como diz Marshall Mc Luhan (in Mortensen, 1980: 428), “o meio é a mensagem‘. Por exemplo, na área de design, a computação gráfica não só acelerou o tempo de execução dos trabalhos, como também estabeleceu dimensões lógicas, estéticas e semânticas peculiares aos seus desenhos, a tal ponto que, como foi exemplificado anteriormente, o desenho de uma âncora concebido por meio do computador, além de denotar o instrumento náutico, também indica por conotação a idéia de “modernidade”. Como objetos visuais, as marcas atraem para si a atenção do olhar, porém, algumas

de

suas

manifestações

atraem

ainda

o

tato

e a audição e,

circunstancialmente, podem atrair outros sentidos. Às vezes, as marcas assumem também o aspecto de escultura e são apresentadas em três dimensões, como a figura de metal (fig. 06) disposto na frente dos automóveis da marca Jaguar. Além disso, os logotipos sempre propõem a sonoridade dos nomes das marcas, o que assinala o caráter audiovisual apresentado por todos as palavras escritas, as quais associam sua imagem a um som. Todavia, tendo em vista os objetivos deste trabalho, esses aspectos sonoros que interagem nos símbolos visuais foram apresentados e de certa forma contemplados em itens anteriores. A aparição das marcas gráficas, portanto, será percebida doravante como um fenômeno tipicamente visual e comumente apresentado na mídia impressa em formato

bidimensional,

tridimensionalidade

sendo

que

(espacialização)

suas ou

apresentações temporalidade

ou

sugestões

(movimento)

de

serão

consideradas situações de exceção e dignas de enfoque especial. Às vezes, quando aparecem no vídeo, no cinema, ou em outros veículos que


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transmitem efeitos de animação, as marcas podem manifestar uma dimensão espaço-temporal. Porém, na mídia impressa, que é uma dimensão puramente espacial, a sugestão temporal só pode ser proposta por relações espaciais. Apesar de manifestar um forte caráter criativo, a construção gráfica das marcas, logotipos e pictogramas, pode ser analisada, primeiramente, tendo em vista os aspectos técnicos, cuja composição deve propor uma marca bem visível, legível e individualizada, de modo a cumprir suas funções de identificação e representação de uma instituição, empresa ou produto. Nesse sentido, é importante recuperar as preocupações de Shannon e Weaver a respeito emissão da mensagem e da eficiência dos canais de comunicação. No caso da percepção da marca (fig. 35), o processo é composto pelas seguintes fases: 1o Os logotipos e pictogramas são geralmente apresentados como sinais impressos que selecionam e codificam a luz, que também lhes serve de canal para a transmissão de sua imagem pelo espaço. 2o A mensagem é a imagem física, constituída por feixes de luz de diferentes comprimentos de onda, que atravessam o espaço e alcançam os olhos do espectador. 3o O conjunto luminoso que compõe a imagem penetra no globo ocular (que passa a ser o novo canal da mensagem) sendo decodificada na retina, de modo que o sinal luminoso é retransmitido ao cérebro através de estímulos químicos e elétricos. 4o O cérebro decodifica ou interpreta os estímulos recebidos em forma da imagem mental, que é percebida a partir da imagem física luminosa da marca e transmitida, primeiramente através do espaço até os olhos e depois como estímulos nervosos, até ser decodificada e formada na mente do espectador


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FONTE DE LUZ

INCIDÊNCIA E REFLEXÃO DA LUZ

MARCA (Penguin Books)

RETINA

NERVO ÓPTICO IMAGEM – MENSAGEM

(Fig. 35. Incidência, codificação e reflexão da luz até o olho do espectador.)

No caso de emissões da marca através do vídeo, o processo de composição da imagem é diferente, porque na tela as cores já estão compostas em luz. Contudo, o processo de percepção da marca, ou seja, da emissão da mensagem visual até o cérebro do espectador é exatamente idêntico. Quanto às cores pigmentares, as diferentes tintas selecionam quantitativa e qualitativamente as freqüências luminosas, quando as marcas são apresentadas na mídia impressa. Por outro lado, a própria luz é o agente de formação da imagem na tela do vídeo. Assim, em quaisquer instâncias, são as ondas luminosas que se apresentam como sinal codificado e canal de transmissão da imagem física das marcas. As ondas de luz são os canais específicos da imagem, porque os raios incidentes de uma fonte luminosa natural ou artificial são codificados por reflexão, refração e absorção, de acordo com as características específicas de cada uma das superfícies das coisas visíveis. Os resultados da codificação decorrente da seleção da luz são percebidos como imagens pelo espectador. A possibilidade de composição da luz e das cores não é novidade para a maioria dos leitores14. Todavia, a retomada do tema neste momento se justifica porque é a decomposição da luz em contato com as superfícies dos corpos que determina, por exemplo, a variação cromática manifesta na diversidade da flora, estabelecendo os processos de codificação primária. 14

Existe uma ampla bibliografia nas áreas da física, comunicação, arte e design a respeito da composição das cores. Contudo, há um livro bastante completo sobre a percepção e a composição cromática, que foi produzido por Israel Pedrosa, Da Cor à Cor Inexistente (1978).


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Ao contrário das cores florais, que caracterizam um fenômeno natural, há um alto grau de intencionalidade na determinação das cores das marcas, que busca uma codificação cromática peculiar para garantir ao pictograma e ao logotipo um destaque que os torne totalmente distintos, sem serem confundidos com os apelos cromáticos do meio ou de outros símbolos visuais. A possibilidade de variação na quantidade de luz refletida é determinada pela propriedade de certas superfícies pigmentadas absorverem a luz ou parte dela. As superfícies ou suas partes que absorvem mais luz serão percebidas também como mais escuras. Enquanto as outras partes, que refletem ou difundem a luz em maior quantidade, serão percebidas como mais claras. Por exemplo, estas letras que estão impressas aqui sobre este papel contrastam com o fundo, porque a tinta de impressão, que define o desenho de cada letra em particular, absorve toda a luz branca incidente; por sua vez o fundo do papel se mostra branco, porque difunde a luz, devolvendo-a ao ambiente. A variação quantitativa, que é determinada pela absorção da luz que incide sobre as superfícies, define toda a gama perceptível de tonalidades de cinza, como indica a imagem a seguir (fig. 36).

Branco

Cinzas

Preto

(Fig. 36. Tonalidades: variações quantitativas na absorção da luz branca.)

Há também a possibilidade de variação qualitativa da luz, que é a variação cromática propriamente dita, porque um feixe de luz branca é formado por três freqüências de ondas luminosas que produzem a sensação das três cores básicas em luz. Por variarem com relação ao seu comprimento de onda de luz, cada uma das freqüências básicas provoca uma sensação cromática específica, ou seja: 1 - a sensação do matiz puro vermelho, 2 - do matiz puro verde e 3 - do matiz puro violeta, que são denominados de estímulos cromáticos puros. Vale reforçar que, no entanto, quando estão reunidos em um feixe único, esses feixes de luz com diferentes freqüências luminosas produzem por adição a sensação visual acromática do branco que é, portanto, um estímulo visual acromático.


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Quando misturados, dois a dois, a adição dos estímulos puros dá origem aos estímulos cromáticos compostos, provocando a sensação visual 1- do matiz composto amarelo, 2 - do matiz composto azul e 3 - do matiz composto magenta. Nesse caso, uma experiência esclarecedora é a refração da luz através do prisma. Porém, o matiz que não aparece na decomposição da luz pelo prisma é o magenta, uma vez que esse é formado pela mescla do matiz vermelho e do violeta, os quais ocupam posições extremas no campo de decomposição da luz, não tendo como haver a sobreposição dos dois durante a experiência. Entretanto, todos os outros matizes primários e secundários aparecem no espectro de luz visível decomposta pelo prisma (fig. 37). v e r m e l h o (estímulo puro) laranja amarelo verde (estímulo puro) azul índigo violeta (estímulo puro) luzbranca (Fig.37. Representação de um prisma decompondo a luz branca nas cores do arco-íris.)

As superfícies dos corpos também atuam como estruturas espectrais, decompondo e selecionando, por absorção e difusão, os feixes compositores da luz branca. A substância responsável por essa característica é o pigmento que está presente nas superfícies. Qualquer substância que dispõe de propriedades físicoquímicas capazes de selecionar a luz é denominada como pigmento. Devido a uma pigmentação específica doada pela tinta de impressão, uma parte da superfície deste papel pode, por exemplo, produzir a sensação visual do verde (fig. 38). Isso ocorre por seleção qualitativa da luz por parte da superfície pintada que absorve as freqüências de onda dos feixes de luz violeta e vermelho, que são dois estímulos cromáticos puros, refletindo apenas uma única freqüência luminosa, a qual produz a sensação cromática do verde, ou seja, do terceiro estímulo cromático puro.


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Verde = estímulo puro Absorção do vermelho e do violeta e reflexão do verde. Amarelo = estímulo composto Absorção do violeta e reflexão do verde e do vermelho. (Fig. 38. Pictograma da marca Banco Real - estímulos cromáticos: puro e composto.)

De modo diferente, uma outra parte da superfície deste papel pode produzir a sensação visual da cor amarela (fig. 38), porque foi recoberta por uma outra tinta, cuja pigmentação é capaz de absorver apenas a freqüência de onda do violeta. Assim, a parte irá refletir, conjuntamente, as freqüências dos matizes vermelho e verde. Em conjunto, esses dois matizes refletidos produzem a sensação visual do matiz amarelo, que fica caracterizado como estímulo cromático composto pela mescla de dois matizes componentes. A absorção seletiva da luz por meio das superfícies pigmentadas possibilita a sua codificação, informando ao espectador sobre as características visíveis peculiares a cada uma das partes de uma superfície em policromia. Qualquer que seja a mídia, visual ou audiovisual, ela irá trabalhar com processos de apresentação ou representação visual, que utilizam possibilidades de seleção da luz enquanto meio de codificação da imagem. Isso pode ocorrer por meio da luz incidente, como é o caso das imagens que são produto da fusão das cores na tela dos computadores, atuando por adição de matizes puros com a mescla física das luzes. Mas, também, como é o caso desta e de outras impressões gráficas em jornais e revistas, a imagem pode ser formada através das luzes refletidas pelas superfícies que, por sua vez, atuam por subtração de matizes compostos, com mesclas físicas e químicas de tintas coloridas. A imagem pintada é transmitida pela própria luz refletida. A mídia gráfica ou eletrônica está apta a representar visualmente as marcas. Todavia, conhecer e dominar os processos e possibilidades de composição e seleção da luz, através dos recursos técnicos específicos a cada uma delas, é fundamental para boa composição e transmissão da imagem, com nitidez e segurança, já que toda mídia sempre apresenta alguma limitação na sua capacidade de representação.


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Como em todo elemento visual, há que se destacar na marca dois tipos de valores objetivos 1 - o valor de atração e 2 - o valor de atenção ou sentido (Scott, 1978: 22).

Há ainda um terceiro tipo que é o valor estético, mas, por envolver

características expressivo-subjetivas, esse valor não será estudado neste item que é dedicado prioritariamente ao nível técnico da comunicação visual. O valor de atração está relacionado aos problemas do nível A na comunicação da marca, porque é o valor que dá resposta à seguinte pergunta: Como sinal visível, a marca é capaz de atrair o olhar do espectador? Caso a resposta seja afirmativa, a marca apresenta valor de atração, porque o conjunto de suas formas e cores se destaca do fundo (background) ou do meio que a circunda (environment), mantendo-se como unidade perceptiva em contraste com o fundo e com o entorno. Mostrando-se como uma forma que se distingue do seu ambiente, a marca atrairá naturalmente o olhar do espectador, como qualquer forma contrastante, e quanto maior for o grau de contraste maior será o seu valor de atração. Por exemplo, uma mancha escura em uma superfície clara, assim como uma mancha clara sobre um fundo escuro, atrai o olhar do espectador que, depois de percorrer outras partes do seu campo de visão, retornará invariavelmente ao ponto contrastante para nele se fixar (fig. 39).

(Fig. 39. Uma mancha no campo de visual atrai o olhar do espectador.).

Por sua vez, o valor de atenção está relacionado ao fenômeno da construção de sentido por meio da associação mental entre um dado perceptivo e outros dados do acervo da memória. Uma marca, como forma ou palavra percebida, sempre pode ser associada a outras coisas as quais também passa a representar, porque uma forma, assim como uma palavra, suscita lembranças que lhe são associadas produzindo significação. O dado percebido recebe maior ou menor atenção de acordo com o seu grau de importância para espectador. A constituição e o reconhecimento da imagem na mente pode ocorrer por


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analogia morfológica quando, por exemplo, aquela mancha citada no exemplo anterior suscita a lembrança ou a presença de uma mosca, cujos aspectos visuais (tonalidade, textura e configuração) são associados à aparência da mancha percebida. Nesse caso, além de atrair o olhar do espectador, por contrastar com o fundo, a mancha manifesta ainda valor de atenção, passando a produzir sentidos relacionados e decorrentes da visão de uma mosca (fig. 40).

(Fig. 40. Atribuição de sentido por analogia morfológica.).

Podem ocorrer também associações convencionadas por codificação ou hábito. A associação entre uma determinada marca e uma instituição, empresa ou produto sempre é convencional, podendo ser resultante de uma convenção arbitrária ou motivada. Portanto, a associação a uma instituição, empresa ou produto agrega valor de atenção e sentido às formas e palavras que expressam uma marca. A efetividade da marca está relaciona à sua capacidade de atração e seu potencial de comunicação, indispensáveis para atrair a atenção do público consumidor. Para tanto, é preciso que a marca seja apresentada primeiramente de modo atrativo e legível, para em seguida poder ser igualmente efetiva quanto à produção dos sentidos pretendidos pelo emissor. Caso não haja uma boa percepção, a possibilidade de uma boa interpretação também fica comprometida. Dentre os impedimentos à sua plena efetividade, encontram-se os ruídos na comunicação da marca, que são as interferências nocivas a sua boa percepção e compreensão por parte do público consumidor. A idéia de ruído é relativa à fidelidade da emissão. Às vezes, o que é considerado ruído pelo emissor pode até enriquecer a comunicação para o receptor. Nesse caso, há um acréscimo qualitativo, porque, quanto à quantidade, é aceito pela teoria que todo ruído representa um acréscimo (indesejável) de informação. O barulho de veículos em torno de uma comunicação telefônica, quando não interfere a ponto de inviabilizar a boa compreensão da fala, não só pouco prejudica


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o reconhecimento e o entendimento da mensagem como, também, acrescenta no conjunto da mensagem o entendimento de que o falante está em meio ao trânsito. Mas, como é prioritariamente descrito no sistema de Shannon, o ruído ocorre no âmbito da engenharia, caracterizando-se como uma interferência no sinal que se encontra no nível técnico. Na comunicação visual o ruído técnico envolve primeiramente o valor de atração. Há também notações sobre o ruído semântico, que surge como perturbações ou distorções de sentido não percebidas pelo emissor, mas que interferem na compreensão da mensagem pelo receptor. Na comunicação visual isso envolve prioritariamente o valor de atenção ou sentido. Aplicando o conceito de ruído ao estudo das marcas, pode-se detectar alguns ruídos técnicos. Sobre isso, o exemplo proposto envolve a falta de contraste visual entre figura e fundo ou ambiente, dificultando a percepção da marca. Gilberto Strunck (1989: 58) alerta para o perigo de confusão, quando os elementos visuais compositores de uma marca não se distinguem do meio e das outras marcas. Uma atenção especial deve ser dada à criação de símbolos. Os que se originam de letras estilizadas, círculos, triângulos, quadrados e setas apresentam diferenças muito pequenas, não têm personalidade. Irão ser parecidos com milhares de outros já existentes. Quando isso acontece com empresas num mesmo segmento o resultado é muito negativo. Quanto aos logotipos, o mesmo autor (ibid.: 74 - 5) questiona a possibilidade de uma boa percepção e leitura do nome da marca, quando a espessura das linhas, a distância entre os caracteres e as combinações tonais e cromáticas utilizadas não são adequadas ao desenho da marca. Além disso, as características e a qualidade de impressão variam de um meio para o outro e a não previsão dessas variações pode provocar ruídos na comunicação, como as letras ou as linhas das letras se embaralharem, prejudicando a boa percepção e a correta leitura do texto (fig. 41).

A

B

C

(Fig. 41, logotipos de difícil percepção e leitura.)

Os pequenos produtos e formatos da mídia gráfica impedem a impressão em grandes proporções, por exemplo, um cartão-de-visita, que deve ser impresso em


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formato de bolso. Por outro lado, diversos meios e formatos requerem as grandes proporções como, por exemplo, um outdoor. Isso obriga que as marcas sejam criadas de modo a propiciar compreensão e legibilidade em diversos tamanhos. Em alguns casos os meios gráficos ainda restringem o uso de cores e também trabalham com pouca capacidade de resolução, impondo estudos que prevejam a adaptação do design de marca às características da mídia. Por exemplo, alguns tipos de papel com mais textura, como aqueles rústicos ou muito porosos, não permitem a impressão de bordas absolutamente retas. Nesses casos, a distância entre os caracteres deve ser suficiente para não provocar a fusão das bordas das letras depois da impressão. A dimensão técnica da comunicação visual, desse modo, reúne aspectos que vão desde o canal mais básico que é a luz, perpassando por toda a mídia de produção, transmissão e retransmissão dos sinais, com vista a garantir a eficiência que está ligada aos seguintes fatores: 1. A visibilidade é a primeira necessidade prática de qualquer marca, porque as características formais de sua estrutura interna devem contrastar com o fundo e com o ambiente. As circunstâncias nas quais a marca será mostrada merece uma cuidadosa análise dos designers para garantir a sua visibilidade nos diversos meios de exposição e comunicação como jornais, revistas, televisão, outdoors, etc. 2. A atratividade está diretamente ligada à visibilidade, porque, quanto mais distinta a marca se mostrar, mais visualmente atrativa ela será. 3. A competitividade também é determinada pela distinção da marca. Pois, além de ser visualmente distinta do fundo e do ambiente, a marca para ser competitiva deve ser inconfundível com relação as outras marcas. A peculiaridade da marca possibilita sua identificação e proteção legal. 4. A comunicabilidade envolve simplicidade e clareza para garantir a atenção e o entendimento. A marca deve chamar a atenção e propor entendimento e sentimentos de acordo com a natureza da instituição, empresa ou produto que representa. A marca mais eficiente nem sempre é a mais bonita, às vezes, despertar interesse e comunicar são aspectos mais valiosos que a expressão de bom gosto. Além disso, a comunicação da marca deve evitar mal-entendidos.


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Em culturas diferentes, a exposição da marca deve ser precedida por uma pesquisa sobre os sentidos que poderá suscitar. 5. A reprodutibilidade garante a ampla divulgação da marca e a construção de sua identidade visual, que depende de uma exposição recorrente, com uso de formas e cores padronizadas. Por mais próspera que seja a empresa, a marca deve ser traduzida em poucas cores básicas e também em preto-e-branco, para ser facilmente reconhecida em reproduções de copiadoras e telefax, que não respeitam as nuanças do design. Além disso, a marca tem que poder ser reproduzida em vários tamanhos sobre diversos lugares, variando desde os papéis de carta até os veículos e os muros da empresa. 6. A versatilidade garante que o design de marca se adapte às diversas situações propostas pelo marketing da empresa, colaborando com sua efetividade. Um design versátil pode se adaptar às mudanças tecnológicas, por exemplo, ganhando volume e movimento na tela dos televisores ou acompanhando as alterações impostas pela moda. 7. O bom acabamento que propicie uma aparência coerente com o estilo da instituição, empresa ou produto representado, indicando profissionalismo pela excelência na apresentação e reprodução gráficas. A expressão de qualidade na sua construção e apresentação fornece à marca um alto apelo de consumo, estimulando a confiança do consumidor e encorajando sua decisão de compra.

4.3 As funções da linguagem e as marcas. Ao participar de processos de comunicação, em decorrência de seus aspectos publicitário e autopublicitário, os logotipos e pictogramas atuam como mensagens, pois, dentre outras evidências, atendem à conceituação de Abraham Moles (1978: 24) ao apresentar “um grupo finito e ordenado de elementos de percepção tirados de um ‘repertório’ e reunidos numa estrutura”. Portanto, as marcas são capazes de gerar informação, cujo sentido é estabelecido de acordo com o repertório do receptor. No seu sentido mais amplo, a comunicação consiste na troca de informações por meio de “todo processo pelo qual uma mente (ou organismo, ou mecanismo)


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influi sobre a outra (ou outro organismo ou mecanismo)” (Weaver, 1975:3), englobando não só as formas orais ou escritas, mas também as musicais, corporais, pictóricas, orgânicas, mecânicas, eletrônicas, etc. O logotipo e o pictograma respondem pela estrutura interna da marca, representando-a visual e graficamente, como síntese expressiva de todas as qualidades que lhes são atribuídas. Por meio desses sinais gráficos, as marcas se tornam perceptíveis como um conjunto de formas, cores e outros elementos visíveis. Esses desenhos são produzidos por um designer ou por uma equipe de design e apresentados como mensagem, ou seja, “um grupo finito e ordenado de elementos de percepção” que, a princípio são retirados do repertório do emissor. Todavia, esse grupo de elementos perceptíveis é sobrecarregado de possibilidades de sentido propostas pelo sistema cultural de emergência da marca, que se caracteriza como contexto de significação. Em seguida, o desenho deve ser visto pelos receptores. O público deve percebê-lo e interpretá-lo como mensagem a partir de seu próprio repertório. A comunicação visual da marca (fig. 42)15 apresenta, portanto, um emissor, o designer ou a equipe. Há também os repertórios dos emissores e dos receptores, constituídos como recortes do contexto que, por sua vez, é composto pelo ecossistema de emergência da marca, ou seja, a cultura de mercado. A mensagem é a própria marca, que propõe uma quantidade de informação e o receptor é coletivo e formado pelos consumidores e pelo público em geral.

CONTEXTO

MARCA EMISSOR REPERTÓRIO

MENSAGEM

RECEPTOR REPERTÓRIO

(Fig. 42)

15

É importante assinalar que, no gráfico apresentado (fig. 42), os repertórios do emissor e do receptor abrangem de modo igual e pleno a mensagem (marca). Isso propõe uma situação ideal onde o que foi emitido foi igualmente recebido e percebido (isomorfia), ou seja, o emissor e o receptor apresentam repertórios equivalentes com relação à mensagem. Todavia, como foi proposto, o sujeito receptor recompõe, dá sentido ou interpreta a mensagem de acordo com as condições do seu repertório que não é necessariamente idêntico ao do emissor.


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Há considerações interessantes relacionadas ao modelo proposto (fig. 42), as quais alteram ou, dependendo do ponto de vista, complementam o modelo apresentado por Shannon e, ao mesmo tempo, mostram-se mais coerentes com o que foi apresentado nos capítulos anteriores deste trabalho. 1. A primeira diz respeito ao contexto e aos repertórios que são termos acrescidos de sentidos com relação ao modelo original em conseqüência de adaptações e transformações propostas por outros autores como, por exemplo, Wilbour Schramm, que denomina os repertórios como “campo de experiências” (in: Rabaça e Barbosa 1998:158-9).

“O repertório é um conjunto de signos conhecidos ou

assimilados por um indivíduo ou por um grupo de indivíduos, uma espécie de estoque de experiências, fixado por determinado código” (ibid.:508-9). A referência aos signos propõe, além das possibilidades técnicas de recepção ou biológicas de percepção, que o repertório passa a incorporar também as significações propostas por emissores e receptores. Além disso, Roman Jakobson (1977), cuja proposta de compreensão das “funções da linguagem” será apresentada a seguir, também incorpora à sua teoria o termo contexto. Apesar da grande repercussão do modelo de Shannon e das considerações de Weaver a respeito de sua importância para os três níveis de problemas da comunicação, a questão semântica, envolvendo os problemas do sentido, impõe a ampliação da teoria para além do nível técnico. Assim, é válida a crítica de Edgar Morin (1987:278) à Teoria Matemática da Comunicação, quando o autor diz que “o sentido funciona fora da teoria”. O sentido não é produto da linha de transmissão, codificador, cabo, etc. O campo de emergência social do sentido é a cultura, ou seja, o contexto de influência em que estão inseridos o emissor e o destinatário como sujeitos produtores de sentido, retornando aqui a idéia de que “a subjetividade deve ser entendida como objetividade interiorizada” (Menezes, op. cit cap.II: 71). Toda crítica a respeito da incapacidade da teoria original em lidar com a semântica, que não proponha alguma transformação no sistema, portanto, é obvia e inócua. Tanto, pelo aspecto da engenharia, cuja base é quantitativa e estatística, quanto pela lógica comercial. “A teoria é businnes like: só se interessa pelo custo da informação” (Morin, 1987:278).


151

Assinalando a cultura de mercado, é preciso recordar que a pesquisa de Shannon foi proposta pelos laboratórios Bell Sistem, filial da empresa AT&T, que é uma fornecedora de serviços telefônicos; ao estrito interesse do mercado, é indiferente o que está sendo transmitido, seja uma obra com grande sentido poético, a fórmula de uma poção milagrosa ou uma série de palavras sem sentido, a empresa deve garantir a qualidade do sinal e cobrar pelo tempo de uso. O ouvinte não irá questionar a empresa a respeito do teor da mensagem que recebeu; o que é requerido é a certeza de que a audição é perfeitamente fiel à emissão. Isto é, sem interferências. Um processo semelhante sobre as exigências mercadológicas foi vivido por Theodor Adorno (1903-1969) no final dos anos trinta, que o levou a abandonar suas pesquisas patrocinadas pela Fundação Rockefelller, porque, na sua opinião (Adorno apud Mattelart, 2000:76),

a proposta do financiador restringia a pesquisa ao

campo das rádios comerciais nos EUA, impedindo ainda a “análise desse sistema, suas conseqüências culturais e sociológicas e seus pressupostos sociais e econômicos”. Mais tarde Adorno declara: “Quando fui confrontado à exigência de ‘medir a cultura’, vi que a cultura deveria ser essa condição que exclui uma mentalidade capaz de medi-la”.

2. A segunda consideração diz respeito às setas de duplo sentido, constituindo a idéia de retorno ou feedback, porque, como foi visto, a nova marca retroage sobre todo o seu sistema de emergência. O que pode ser proposto aqui da seguinte maneira: toda mensagem se mostra como mensagem não só para o receptor, mas também para o emissor. O designer, depois de criar e produzir a marca, passa a se relacionar com ela também como espectador, apreendendo informações e sentidos que não foram percebidos durante o processo de criação, porque dependiam da interação do conjunto. Isso talvez explique o fato de alguns escritores dizerem que escrevem para conhecer melhor suas próprias idéias. Por outro lado, há um conjunto de sentidos proposto a partir do acervo de emissão que, em parte ou no todo, só serão reconhecidos na mensagem recebida se forem devidamente atualizados pelo receptor. Sem contar que parte dos sentidos atualizados pelo receptor pode não ter sido prevista pelo emissor, constituindo mais informação inclusive para esse último.


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Apesar das variantes na comunicação, o que garante a eficácia do sistema de Shannon, de acordo com Morin (1987:278), é o fato de o emissor pagar ou se esforçar para emitir uma mensagem porque sabe que tem algo a dizer para alguém que é capaz de compreendê-lo. Se por acaso, um vírus de computador embaralhar todas as letras de um texto jornalístico, um editor ao receber o texto

incompreensível

não

irá

autorizar

sua

publicação.

O

sentido

é

desconsiderado pela Teoria Matemática porque é decidido pela prática “antropossocial”. Com relação às marcas, logotipos ou pictogramas, suas funções de identificação e representação de uma instituição, empresa ou produto, são reforçadas pelo fato de que tanto a estrutura de expressão quanto o seu conjunto de significação são diretamente associados a uma mesma instituição, empresa ou produto. Isso estabelece uma relação de conformidade entre os componentes físicoexpressivos e simbólicos da marca inteiramente direcionada ao referente, a instituição, empresa ou produto. Nesse sentido, Bittencourt (1991: 155-65) classifica a marca como “nome próprio”, referindo-se não só ao nome, mas também ao logotipo e ao pictograma como nomes próprios. Ao ser associada a uma instituição, empresa ou produto, como elemento de identificação e representação, a marca é (re)significada e reorientada ao seu objeto de identificação. Um exemplo disso pode ser a marca Shell, que representa, identifica e distingue uma empresa distribuidora de combustíveis. Independente do amplo sentido da palavra, cujo significado é concha em inglês, no Brasil, seu som, sua grafia e sua tipografia específica (logotipo) indicam uma marca, como sendo um nome original para uma empresa, pois, quando perguntados sobre o que é Shell, os consumidores brasileiros responderão que é a marca de uma empresa de combustíveis. É muito pouco provável que digam que é a palavra que significa “concha” na língua inglesa. Com relação ao seu significado original em inglês, a palavra Shell passou por um processo de (des)lexicalização, sendo (re)significada como nome de uma empresa de combustíveis. Ao ser apresentado em conjunto com o nome, o pictograma, cujo desenho é a estilização de uma concha (fig. 13), faz a ligação entre o sentido original da palavra e o seu novo significado como marca corporativa.


153

O símbolo gráfico também passou por um processo de (re)significação ao ser associado à empresa, porque incorporou e segue incorporando novos sentidos, os quais são decorrentes das interações entre a empresa e o público. Portanto, mesmo para quem reconhece a forma de uma concha e o significado original do nome Shell, a marca como um todo passou a representar mais informação ao ser acrescida com os sentidos produzidos por sua associação com a empresa. Além disso, a associação entre a marca e a empresa passou a ser fortemente dominante com relação às outras possíveis associações. A expressão visual quantitativa dessas mudanças qualitativas na significação é dada pelo acréscimo de informação sugerido pelos requintes e peculiaridades na apresentação de letras, formas e cores específicas, que compõem um estilo próprio para a marca, tornando-a bem distinta do desenho prosaico de uma concha ou da impressão corriqueira da palavra shell. A condição de marca e suas formas típicas de expressão reorientam todo o sistema de produção de sentido de um nome ou imagem. A interação entre o nome ou a imagem e aquilo que representam envolve todas as funções da comunicação. No livro, Lingüística e Comunicação (1977), Roman Jakobson apresenta o seu modelo de comunicação aplicado à Lingüística, o qual foi utilizado por Mollerup (1997: 75)

no estudo das marcas institucionais e comerciais.

O modelo que foi criado em 1960 associa as funções da linguagem, uma a uma, com os seis fatores da comunicação (fig. 43), que são: 1 - remetente ou emissor, 2 - contexto, 3 - mensagem, 4 - contacto ou canal, 5 - código, 6 destinatário ou receptor. Como diz o próprio Jacobson (apud Nöth, 1996: 114-5): O EMISSOR envia uma MENSAGEM ao RECEPTOR. Para ser operativa, a mensagem requer um CONTEXTO referido (“referente”, numa outra terminologia um pouco ambígua). Este contexto deve ser acessível ao emissor verbal e/ou capaz de ser verbalizado. O outro fator requerido é o CÓDIGO, completamente ou pelo menos parcialmente, comum ao emissor e ao receptor (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem). Finalmente, um CONTATO é requerido, ou seja, um canal físico e uma conexão psicológica entre emissor e receptor, capaz de fazer com que ambos entrem e permaneçam em comunicação. CONTEXTO (função referencial) EMISSOR ------------------ MENSAGEM ----------------- RECEPTOR (função emotiva) (função poética) (função conativa)


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CONTATO (função fática) CÓDIGO (função metalingüística)

(Fig. 43)

De acordo com o modelo proposto, qualquer comunicação estará relacionada com alguma das funções da linguagem que, também, são em número de seis: 1 emotiva, 2 - referencial, 3 - poética, 4 - fática, 5 - conativa e 6 - metalingüística. Assim, apesar de sua origem na linguagem, Jakobson fornece um instrumento teórico eficaz também para o estudo da comunicação das marcas, ampliando e refinando as relações já estabelecidas entre as funções da marca que são: identificação, representação e indicação, e os dois modos de codificação, o lógico e o expressivo. Em um artigo cujo título é Lingüística e Poética (1977:119), Jakobson considera que “a poética trata dos problemas da estrutura verbal, assim como a análise de uma pintura se ocupa da estrutura pictorial”. O autor destaca a atuação das formas expressivas no processo comunicativo, estabelecendo uma correlação eficiente entre o estudo da composição verbal e da composição pictórica. Ao mesmo tempo em que indica o seu modelo para o estudo da comunicação visual, Jakobson informa também que as funções comunicativas não são mutuamente excludentes, apesar de concorrerem entre si: Embora distingamos seis aspectos básicos da linguagem, dificilmente lograríamos, contudo, encontrar mensagens verbais que preenchessem uma única função. A diversidade reside não no monopólio de alguma dessas funções, mas numa diferente ordem hierárquica de funções (ibid.:123). A função referencial e a função emotiva tendem a uma oposição recíproca, porque quanto mais emotiva for a mensagem, mais indicativa do ponto de vista do emissor ela será e menos referência ao objeto ela fará e vice-versa. Há também uma oposição entre a função referencial e a função poética, quando o objeto simbólico deixa de se referir a algo, porque é percebido como auto-referente. As funções da linguagem são estabelecidas sobre os três pilares da comunicação,

a

mensagem,

o

remetente

e

o

destinatário,

designando

primeiramente as funções: referencial, emotiva e conativa, e as outras funções são decorrentes dessas funções básicas. Assim, as funções propostas pelo modelo de Jakobson são as seguintes:


155

1. A função referencial, também entendida como denotativa ou cognitiva, está voltada para o objeto sobre o qual se fala. Por isso, ela trata das relações entre a mensagem e seu referente. É tida como a função básica da comunicação. Jakobson (1977: 123) indica que esta função é “a tarefa dominante de numerosas mensagens”. A função referencial da marca reside no fato de que ela sempre identifica e denota uma instituição, empresa ou produto, podendo incluir ainda outras informações objetivas, como uma referência à função dessa mesma instituição, empresa ou produto. Por exemplo, a figura de uma âncora quando é associada a uma empresa de navegação.

2. A função emotiva ou expressiva é centrada no remetente, envolvendo a relação entre o emissor e a mensagem, de modo que essa última possa expressar uma atitude emocional, verdadeira ou simulada, da parte de quem fala sobre aquilo que está sendo dito. Em síntese, diz respeito ao modo como a mensagem representa as emoções do emissor. A função emotiva da marca está expressa nas suas próprias atribuições que, como indicam Platão e Fiorin (1996: 250), “procuram traduzir as propriedades abstratas que definem o caráter da empresa”. Através do desenho do pictograma ou do logotipo, a marca busca reconstituir a percepção subjetiva que a corporação mantém sobre si mesma. 3. A função conativa é orientada ao destinatário, através de sua relação com a mensagem, tratando mais especificamente sobre o modo como a mensagem afeta o destinatário. A função conativa da marca também está expressa nas suas atribuições, indicadas por Platão e Fiorin (ibid.), porque essas atribuições, além de traduzirem o caráter da empresa, procuram, “ao mesmo tempo, criar uma relação de identidade com o público a que se destinam”. Para Mollerup (1997: 75),

as marcas são criadas para influenciar uma audiência, mesmo que o

resultado específico desta função conativa dificilmente possa ser mensurado. 4. A função fática busca consolidar e prolongar a comunicação, tratando da própria comunicação para estabilizá-la e dar-lhe continuidade. A função fática da marca é sua função preponderante, pois, para a marca poder marcar, o mais importante é que ela seja percebida. A atribuição fundamental de uma marca é individualizar


156

e evidenciar a existência de uma instituição, empresa ou produto. Tanto é que muitas campanhas publicitárias de lançamento primeiramente divulgam a marca, sem revelar que tipo de empresa ou produto que ela representa. Nos estádios de futebol, as marcas são mostradas ao longo do campo unicamente para serem vistas. Ou seja, para garantirem sua presença. Além disso, os anúncios em néon estampam as marcas piscando, que é um modo de marcar e, em seguida, renovar a presença da marca, dando continuidade à comunicação (Mollerup, ibid.). 5. A função metalingüística está voltada para a própria comunicação, visando garantir que ela seja estabelecida de modo correto. A função metalingüística da marca está ligada ao nível técnico e ao nível semântico da comunicação da marca. Quando há uma preocupação com a espessura dos traços de um logotipo ou de um símbolo, de modo que a marca visual não fique confusa ou desapareça em um processo de redução de tamanho, é a função metalingüística que esta sendo expressa nessa proporcionalidade, uma vez que a mensagem está sendo proposta de modo a garantir a sua própria capacidade de comunicação. Além disso, com relação ao nível semântico, quando uma marca é percebida como um símbolo comercial e não como um sinal rodoviário é a função metalingüística que também está estruturando a mensagem. 6. A função poética se dedica à relação entre a mensagem e sua própria estrutura interna, tendo em conta suas características formais e materiais. Como disse o próprio Jakobson (1977:128-9), “qualquer tentativa de reduzir a esfera da função poética à poesia ou de confinar a poesia à função poética seria uma simplificação excessiva e enganadora. [...] o estudo lingüístico da função poética deve ultrapassar os limites da poesia”. A função poética da marca também diz respeito aos símbolos pictóricos, envolvendo formas, cores e figuras. Nesse sentido, o termo “estética” parece mais apropriado que o termo “poética”. Do mesmo modo que a função poética deve superar os limites da poesia, a estética também deve ser estudada para além da arte, porque o seu objeto de estudo são as formas de expressão e as respostas afetivas que são dirigidas a elas. Como propõe Herbert Read (1958/1982: 53), há um fator estético em todos os atos da percepção.


157

4.4 Apresentação, representação e função semântica das marcas. A evidência gráfica dos logotipos e pictogramas estabelece o seu caráter autopublicitário e “emblemático”, como foi proposto por Gillo Dorfles e ratificado por Flávio Bittencourt (1991: 184). Esse último, apesar de refletir bastante sobre o conceito, admite que ainda “a noção de emblematicidade merece ser desenvolvida”. Todavia, o importante é reconstituir a idéia que está por detrás do termo, uma vez que um signo de caráter emblemático pode aparecer isoladamente, o que revela o seu aspecto autopublicitário, envolvendo o ato de se mostrar presente, “em forma de espetáculo, de atração, remetendo à emergência simultânea das funções fática e estética” (ibid.). De acordo com Moles (1978:189), há dois pontos de vista sobre a mensagem, correspondendo a dois tipos de informação: 1. O ponto de vista semântico é lógico, estruturado e de domínio coletivo, produzindo informações lógica e preparando ações. 2. O ponto de vista estético é intraduzível, produzindo informações estéticas e preparando estados perceptivo-afetivos. A função estética indica o caráter auto-referente das formas de expressão da marca, reforçando sua função fática, que conjuga em conjunto os verbos ser e estar. Quanto à sua apresentação, a marca é e está por si e para si, postando-se esteticamente e divulgando a si mesma (autopublicidade) como objeto perceptível. Não são somente as formas que fazem a marca, porque a condição de marca implica primordialmente numa função referencial e representativa, uma vez que a marca para ser percebida como tal deve representar uma instituição, empresa, produtos, serviços ou similares. A associação institucional a um referente define o aspecto simbólico da marca. Por fim, a marca é estabelecida ainda pela possibilidade de atribuir qualidades aos seus referentes, o que no contexto da função semântica, como função geral em oposição à função estética (Moles), ressalta de modo específico a função emotiva (Jakobson), que constitui a marca como expressão dos valores que o emissor pretende atribuir-lhe. A função referencial e a função emotiva são apontadas por Mollerup (1997:75)


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como as mais importantes e fundamentais funções da linguagem, dentre as que foram propostas por Jakobson. Entretanto, a função referencial é objetiva e cognitiva (onde predominam os códigos lógicos), sendo muito diferente da função emotiva, que é subjetiva e expressiva (onde predominam os códigos expressivos). A primeira é dirigida ao entendimento e a segunda aos sentimentos do espectador. Em uma outra perspectiva, como nos modos de orientação do discurso propostos nas Tesi per un’analisi semiotica delle culture (Ivanov et alii 1979: 201-3), há indicações de que o discurso objetivo-cognitivo da função referencial é orientado ao receptor, que busca compreender e, por conseqüência, obter um domínio crítico sobre o que está sendo comunicado. Já o discurso subjetivo-expressivo, característico da função emotiva, é orientado ao emissor, que busca expressar seus sentimentos com relação ao que está sendo comunicado e, com isso, conquistar a empatia do espectador ou ouvinte. A função emotiva e a referencial muitas vezes opõem-se entre si, por serem inversamente proporcionais em muitas circunstâncias, onde o predomínio de uma impõe a pouca influência da outra, pois, quanto mais objetivo é um texto, menos subjetivo ele será e vice-versa. A polaridade entre objetividade e subjetividade é tida como a dupla função da linguagem, tendo em conta o que é compreendido e o que é sentido. Os textos cognitivos e objetivos clamam por atenção, enquanto os textos expressivos e subjetivos induzem à participação. Nos processos de comunicação da marca, através do marketing e da publicidade, é cada vez maior o predomínio da função emotiva (expressiva). Com isso, a função poética, ou estética, também vem crescendo em importância. A subjetividade e a emoção são estimuladas, através das possibilidades expressivas nas composições visuais. O fator estético nos atos perceptivos promove afecções, cuja principal via de acesso é a participação perceptivo-afetiva do espectador, sua vivência sensível. Mesmo nesses casos, contudo, cabe à cognição um papel importante, pois, apesar de aparecer como um aspecto auxiliar ou adjutório, a informação semântica influencia na constituição da informação estética, do mesmo modo que a percepção estética influencia na construção dos sentidos lógicos. A informação semântica é importante nesse caso, porque o conhecimento lógico a respeito de algo ou de alguém influencia na reação afetiva das pessoas


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com relação ao referente da informação. O depoimento de alguém a respeito da qualidade de um produto poderá despertar a simpatia de outra pessoa com relação a esse mesmo produto, mesmo que nunca o tenha experimentado. Essa lógica orienta, por exemplo, a criação de muitos comerciais de televisão. As informações semânticas que circulam no âmbito de uma cultura em particular afetam o tipo de apreciação e os sentimentos direcionados a determinados textos, independente das pessoas individualmente apreciarem ou não certas formas e cores. Assim, o aspecto simbólico, associativo, que as formas e cores assumiram num contexto cultural, pode produzir sentimentos diferenciados, Por exemplo, padrões visuais semelhantes recebem significações diferentes em culturas diversas, como é o caso de uma bandeira listrada nas cores vermelha e preta que é percebida no Brasil como um texto eufórico, representativo do Flamengo, que é um time do futebol carioca associado à alegria, popularidade, descontração e animação. Já no contexto sócio-político da Espanha, uma bandeira rubro-negra é associada ao grupo guerrilheiro separatista ETA, que luta pela independência do país basco. Nesse caso, as afecções estimuladas pela percepção da bandeira serão muito diferentes das brasileiras. Na comunicação da marca, portanto, as funções emotiva e estética também interacionam com diversos fatores objetivos. Da mesma forma que não há uma informação puramente estética ou puramente semântica, exceto quando o espectador é convencido a isolar um tipo de informação para participar de uma experiência de caráter didático. Com relação aos componentes semânticos e estéticos das marcas, a qualidade e o bom desempenho dos produtos e serviços propõem informações lógico-objetivas, ressaltando o aspecto semântico da comunicação da marca. Por outro lado, há diversos apelos expressivos e subjetivos, como a alteração na cor original de um produto. Aaker (1998: 100) cita o caso de um líquido de limpar vidros muito eficaz que, inicialmente, foi produzido totalmente incolor, entretanto, o produto só correspondeu às expectativas quanto às vendas, depois que passou a ser oferecido na cor azul. A conclusão do autor, depois de narrar o caso, é que “a cor do produto fez toda a diferença: um produto incolor não merecia credibilidade”. Outros exemplos de apelos expressivos e subjetivos são dados por estratégias de comunicação que substituem o enaltecimento das qualidades objetivas dos produtos ou serviços por slogans, como os assinalados por J. R.


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Martins (2000:232) e também já citados neste trabalho (item 2.3), que apelam para construção de imagens do tipo: “nossos japoneses são mais criativos” (Toshiba) e “essa marca pensa” (Sharp), ou ainda “Te dá asas” (Motorola). O que estabelece a importância da codificação e da informação expressiva na comunicação das marcas são as evidências de que a qualidade de produtos e serviços é fundamental e muito importante para se constituir uma boa marca, mas, não é o suficiente para garantir sua continuidade e desenvolvimento no mercado. Os esforços de construção das marcas buscam configurar uma boa imagem composta por atributos tangíveis e intangíveis. Para esse fim, o parecer (subjetivo) é tão ou mais importante que o ser (objetivo). “Para competir com sucesso, o fabricante precisa aprender a olhar para a marca, que está além do produto físico” (Randazzo, 1996: 24).

Há um conjunto de atributos e associações que os consumidores

reconhecem e conectam com a imagem de marca, configurando-a como uma entidade perceptual cujo conteúdo psíquico é maleável e dinâmico. A função semântica estabelece a marca como campo de significação que, além de se apresentar como entidade perceptível e de atuar como símbolo de representação de uma instituição empresa ou produto, também, é instrumento de qualificação daquilo que representa. A marca é um texto complexo composto por diversos conjuntos de signos tangíveis e intangíveis que, em conjunto, passam a representar ou significar três tipos de valores gerais ou básicos: 1 - valores publicitários, a marca é conhecida e sempre reconhecida como um símbolo distinto e precisamente associado a uma instituição, empresa ou produto; 2 - valores simbólicos, por exemplo, a marca é percebida como um símbolo de status social; 3 - valores materiais, por exemplo, a marca detém um valor comercial, que equivale a uma quantia de dinheiro que o mercado lhe propõe como preço, porque é capaz de atribuir um melhor preço aos produtos ou serviços que representa. Além de outras significações gerais como, por exemplo, ser objeto de estudo para este trabalho, ou sentidos específicos como os de elegância e velocidade atribuídos aos veículos da marca Jaguar, a marca deve comunicar sua existência e a existência de seu referente (instituição, empresa, produto ou serviços), deve comunicar também valores simbólicos como atributos seus e de seu referente e, por via de conseqüência, deve expressar ainda um valor comercial interagente com o valor comercial do seu referente.


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A função referencial é fundamental para a condição de marca e, naquilo que estritamente designa o referente, porque é preciso estabelecer a identidade por meio de uma forte convenção entre a marca e a empresa, produto ou etc. a que ela se refere. Os códigos lógicos e a informação lógica são essenciais e insubstituíveis, uma vez que, como foi dito, a identificação impõe o domínio da codificação lógica porque, a despeito de qualquer outra motivação envolvida, a escolha de uma marca é objetivamente efetivada por convenção e arbítrio. A representação, porém, impõe o domínio da codificação expressiva, porque nessa função a marca deve expressar também os atributos e sentimentos que o emissor deseja direcionar ao referente. Essa dupla função (identificação e representação) aciona as funções referencial e emotiva da informação. Essa última arregimenta também a função estética por conta de uma identidade expressiva, envolvendo duas estratégias de comunicação visando ao posicionamento da marca e de seus produtos: 1. Na primeira estratégia utiliza-se a informação lógica para divulgar as qualidades objetivas e o desempenho dos produtos, predominando a função referencial da linguagem. A praticidade é, em geral, a característica dominante nesses produtos, quer seja uma marca de toalhas de papel ou de alimentos produzidos e embalados industrialmente, como as sopas em pó, etc. 2. Na segunda estratégia, investe-se na associação da marca a um estilo de vida, determinando o predomínio da subjetividade e da expressividade da função emotiva, que busca configurar uma imagem positiva para os produtos, principalmente para aqueles considerados supérfluos, como cigarros, café, cerveja, etc., pois, a marca do produto em questão torna-se diferenciada e exclusiva, quando a comunicação procura constituir uma imagem paralela ao desempenho do produto, por meio do uso da função emotiva, ou seja, priorizando os “sentimentos” que o falante expressa sobre a marca e seu produto. Para Pinho (1996: 100), desse modo os atributos intangíveis como “qualidade percebida”, “liderança”, “saúde”, “vitalidade e jovialidade” desempenham um papel deveras importante na construção da marca. Por exemplo, “a marca Carlton, líder de mercado no segmento de cigarros suaves e de preço superior, enfatiza em sua publicidade, desde a década de 70, a emoção de desfrutar ‘um raro prazer’” (ibid.).


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Conforme as características dos produtos, é possível distinguir duas categorizações: 1

a

- As características hard que dizem respeito aos atributos

funcionais, “tangíveis”, e 2

a

- as características soft, que são emocionais,

“intangíveis”. De acordo com Pinho (ibid.: 50), “os atributos soft garantem um maior reconhecimento das diferenças entre as marcas mais importantes de uma categoria e, portanto, causam maior impacto no comportamento do consumidor”. O desempenho do produto ou serviço é um fato lógico e objetivo que, ao ser transposto para o processo de comunicação, privilegia a função referencial. Mas a imagem de marca é um fato psicológico e sua natureza subjetivo-afetiva privilegia as funções emotiva e estética da comunicação. No âmbito das relações entre essas duas instâncias, Haug (1997: 38) diz que a “marca e as promessas mediatas e imediatas do valor de uso nela contidas não precisam, absolutamente, referir-se à característica particular da mercadoria designada por ela”, porque: A determinação da função da mercadoria e, sobretudo, do artigo de marca é racional, considerando a função de realização; mais ainda, ela é prescrita diretamente pela concorrência. A característica particular do artigo de marca baseia-se obrigatória e unicamente na sua imagem, que por sua vez se torna o fundamento do preço dado pelo monopólio (ibid.). Na comunicação da marca, o predomínio da função emotiva está associado ao incremento da função estética, uma vez que seus apelos se têm mostrado predominantemente formais, emergindo no âmbito da aparência. Os apelos estético-formais podem ser sonoros, incluindo a sonoridade dos nomes, dos slogans, das músicas e a expressão da voz. Mas também são visuais com base na expressividade das formas visíveis, por meio de suas cores e configurações. De acordo com Haug (ibid.: 40), a importância da informação estéticoformal reside no fato de que “o comprador escolhe entre diversos nomes, formas e configurações quando precisa decidir-se entre artigos de marcas concorrentes. Para os vendedores que se mantêm na concorrência, os nomes, as formas e as configurações são uma questão de sobrevivência”.


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Capítulo V

VISUALIDADE, ESTÉTICA E INFORMAÇÃO Em geral, as imagens aqui apresentadas são reproduções de marcas gráficas originalmente impressas em revistas, catálogos, livros e folhetearia publicitária. Portanto, este trabalho enfoca prioritariamente o processo de comunicação visual na mídia gráfica, procurando identificar as possibilidades de significação das marcas institucionais e comerciais e, em especial, na composição e nas transformações de sua visualidade. A imagem na mídia impressa é bidimensional e essa limitação espacial impede o uso de movimentos e da terceira dimensão espacial, configurando a marca gráfica como uma representação estática e plana. Mas, apesar disso, os avanços na aplicação da tecnologia eletrônico-digital à produção e reprodução das imagens gráficas começaram a promover mudanças na sua apresentação a partir da década de 1980. Uma nova visualidade para as marcas foi proposta pelo uso desses recursos de computação gráfica, apresentando efeitos visuais cada vez mais sofisticados, os quais passaram a sugerir volumes, perspectiva e movimento, por meio de sutis variações cromáticas e tonais. Além disso, esses recursos ofereceram inovações quanto ao tratamento das formas representando, por exemplo, texturas similares às superfícies metálicas.

(Fig. 44. Marca Tégula, telhas cerâmicas.)

Tudo isso propôs novidades, inclusive, para as marcas cujo desenho básico


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não foi alterado. E este é um dos pontos que devem ser estudados, uma vez que essas transformações na visualidade das marcas têm ocorrido, via de regra, no tratamento das superfícies das formas que mantêm a sua geometria anterior. Um exemplo desse procedimento pode ser visto na marca Tégula (fig. 44), que identifica um fabricante de telhas cerâmicas, cuja construção é rigorosamente geométrica, baseada em quadrados e retângulos, com apenas alguns ângulos arredondados. No entanto, o tratamento tonal e cromático que foi aplicado sobre o desenho compõe uma visualidade carregada de sombras, luzes e brilhos, que além de emprestar à marca uma textura metálica, compõem no interior de suas formas o reflexo de uma paisagem (céu, solo e montanhas no horizonte). As variações tonais e cromáticas sobre a marca em questão aparecem como um outro texto visual, que é composto por áreas de cor azul, branca, ocre e preto, e sobreposto ao desenho básico. A organização dessas áreas de cor, do ponto de vista estritamente formal, geométrico, é caótica. Mas elas são ordenadas por analogias visuais que impõem sentidos como os de “textura metálica” e “reflexo de paisagem”. Na estrutura interna da marca, há um contraste formal entre o desenho básico e o tratamento que lhe é sobreposto: a aparência do primeiro é essencialmente gráfica e a do segundo é pictórica. Um é geometricamente ordenado e seu sentido é lógico, outro é visualmente organizado, analógico, por semelhança ao mundo natural. A coerência visual da marca Tégula (fig. 44) é estabelecida pelas possibilidades imaginativo-perceptivas de sua imagem, representando as letras como objetos de metal cromado e justapostos um ao lado do outro. Além disso, o conjunto parece estar disposto, não no plano como de fato está, mas em um espaço natural e desértico, que é denotado pelo reflexo sugerido na superfície das letras, representando, ao mesmo tempo, parte do céu e da terra. Há um contraste conceitual entre a natureza do produto e a aparência da marca, porque o metal não faz parte do contexto dos produtos cerâmicos. Logo, não é possível estabelecer qualquer tipo de relação entre a textura metálica, que foi sugerida e sobreposta à marca, e a superfície do barro, que é a matéria-prima dos produtos da empresa. Não há aqui a intenção de afirmar que isso seja necessário ou conveniente. Mas é preciso assinalar que, se as estratégias de marketing costumam investir na


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construção da imagem de marca sem necessariamente enfocar as características dos produtos, o mesmo acontece com o tratamento visual dado ao design da marca. Uma possível aproximação conotativa entre a realidade do produto e a aparência da marca também não é evidente porque, de acordo com as considerações de Baudrillard (1997:44-9), o elemento barro assume um caráter artesanal, sendo percebido como material quente, enquanto o metal é associado à indústria e percebido como material frio. A textura emprestada à marca não sugere a presença do produto, exceto, talvez, pela cor ocre que pode propor uma frágil e imprópria relação com um solo de barro, que é representado como parte dos reflexos sugeridos no desenho da marca. Sua visualidade remete as associações para um plano que não é o do produto, mostrando-se semelhante ao slogan: “nossos japoneses são mais criativos” da Toshiba, que é citado por J. R. Martins (2000:232) e mais de uma vez foi reproduzido neste trabalho. As referências aos produtos ou às peculiaridades da empresa foram substituídas por imagens expressivas e metafóricas, que são distanciadas da realidade de produção dos bens tangíveis. Recuperando as palavras de Platão e Fiorin (1996: 250, op. cit. item 1.2: 34), os logotipos, através dos desenhos das letras procuram traduzir as propriedades abstratas que definem o caráter da empresa e, ao mesmo tempo, criar uma relação de identidade com o público a que se destinam. Assim sendo, não é perceptível uma relação coerente, a ser estabelecida entre o caráter objetivo da empresa Tégula e o público, através da apresentação de sua marca. Isso salienta um investimento na produção de propriedades simbólicas cada vez mais abstratas, intangíveis, cujas relações de identidade ou identificação ocorrem mais na esfera afetiva e do imaginário, sendo mais idealizáveis que realizáveis. Há uma exortação das funções estética e emotiva, compondo para a marca, junto ao público espectador, associações com um mundo ideal, imaginário. Mesmo quando se trata da apresentação do produto, sua aparição na mídia publicitária é sempre cercada de idealizações sobre o real. Em um artigo intitulado “A Mensagem Fotográfica” (in: Lima, 1990: 303-20), Roland Barthes analisa uma série de artifícios retóricos da linguagem fotográfica que servem para conotar a imagem. Tais artifícios são desenvolvidos por meio de: 1. “Trucagem”, onde, por exemplo, elementos de fotografias diferentes são reunidos


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em uma mesma composição, como é o caso da publicidade das toalhas Artex que recobrem os corpos de John Lenon e Yoko Ono (fig. 17). 3. “Pose”, onde a posição do corpo no momento da fotografia se relaciona com o repertório simbólico das atitudes, reunindo o real e o teatral. No anúncio da Budweiser (fig. 18), além das moças serem bonitas, elegantes e fotografadas com maiôs que complementam o rótulo do produto ao fundo, sabe-se que elas cumprem o papel de modelos porque assumiram poses específicas, que são diferentes das atitudes de quem simplesmente está tomando sol. 4. “Objetos”, onde a escolha e a disposição do local e dos objetos que compõem o cenário da fotografia fornecem um sentido conotativo à composição, por exemplo, em uma publicidade de chá, a presença de xícaras, pires e chaleira de porcelana finamente decorada atribuem sofisticação ao produto. 5. “Fotogenia”, onde a própria imagem é “embelezada” por filtros de luz e outros recursos técnicos de produção, edição e impressão, como indicam as fotografias abaixo, em que a imagem “B” recebeu um tratamento especial (fig. 45).

A

B

(Fig. 45. Tratamento dado a uma foto já impressa pelo grupo de diseño FJF.)

6. “Esteticismo”, onde, por meio de efeitos especiais, as fotografias passam a apresentar uma visualidade semelhante à pintura ou a outras formas de expressão artística. 7. “Sintaxe”, onde são conjugadas diversas fotografias e essa conjugação atribui ao conjunto um sentido sintético que não é encontrado nas fotografias quando apresentadas isoladamente. Com o desenvolvimento da computação gráfica esses recursos técnicoexpressivos podem ser utilizados sobre os mais diversos tipos de imagem e não só na fotografia. Assim, esses instrumentos teóricos propostos por Barthes são aplicáveis a todas as formas de composição e comunicação da imagem. Por


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exemplo, mais adiante (fig. 50 - item 5.2), a TVT Produções utiliza o “esteticismo” e a “sintaxe” como recursos conotativos na apresentação de sua marca. Após o desenvolvimento da computação gráfica, as estratégias de apresentação visual das marcas incorporaram muitos recursos utilizados na apresentação dos produtos. Atualmente, tanto o produto quanto a marca são geralmente representados de um modo fotográfico ou pictórico, que corresponde aos aspectos apresentados pelas fotografias, ou seja, cores mescladas, podendo compor variações de tom, matiz e nuança em uma mesma área de tinta. Anteriormente, utilizava-se mais freqüentemente o modo gráfico que, em oposição ao fotográfico, corresponde ao tratamento dado à forma, de acordo com as características originais das artes gráficas, ou seja, cores planas e separadas, sem variação de tom ou nuança. Agora a representação no modo gráfico é uma opção de linguagem e não uma limitação técnica. Nas imagens “A” e “B”, a seguir, a marca do Banco Excel Econômico é apresentada respectivamente no modo gráfico e no fotográfico ou pictórico (fig. 46).

A

B

(Fig. 46. Modo gráfico “A” e modo pictórico – fotográfico “B”.)

Com o desenvolvimento dos recursos gráficos, a mídia impressa (mídia gráfica) passou a reproduzir o modo fotográfico, através da fragmentação das áreas em pontos. Mas os processos físicos, que são utilizados na execução dessa tarefa, são totalmente diferentes dos processos químicos do modo fotográfico. James Craig (1987) informa que todos os modernos processos industriais de impressão são derivações das primeiras manufaturas: (1) A tipografia resulta dos tipos móveis de Gutemberg, (2) a rotogravura advém da gravura em metal dos artistas renascentistas e barrocos e (3) a impressão ofset, que atualmente é a mais difundida, resulta da aplicação industrial do princípio da litografia, baseado na repulsão entre água e gordura, sobre chapas de metal. Uma imagem em tom contínuo, produzida por técnicas que utilizam a mescla química, como pinturas e fotografias, passa para a representação a traço, com


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codificação binária, tinta ou não-tinta, através dos processos de transformação da imagem em uma ou mais retículas de pontos, combinadas por impressões sucessivas com superposição de cores. A impressão das retículas sucessivas produz a mescla física de quatro cores básicas: vermelho magenta, amarelo, azul ciano e preto. Esse procedimento permite a reprodução gráfica de todas as imagens em tom contínuo, incluindo as imagens fotográficas. A princípio o processo de seleção das cores era realizado por meios mecânicos com a fotografia dos originais sobrepostos com retículas, através de quatro diferentes filtros de luz. Tal procedimento era difícil e dispendioso, dificultando a difusão gráfica de imagens fotográficas em policromia, o que era restrito a algumas poucas publicações de grande tiragem. Os recursos da computação aplicados à indústria gráfica propiciaram a popularização da impressão em meio tom e policromia. A reprodução gráfica tornouse prática e quase ilimitada, permitindo aos designers utilizarem livremente as variações cromáticas e os efeitos visuais que, até então, eram inviáveis diante das dificuldades de reprodução. A computação gráfica também foi sendo cada vez mais utilizada na produção de imagens, principalmente depois da popularização dos microcomputadores, que dão acesso a qualquer usuário aos programas de manipulação eletrônica de imagens através de processos inteiramente digitais. O princípio de configuração da imagem por computador utiliza a mescla física das cores, através de uma infinidade pontos luminosos (pixels), que são devidamente ordenados sobre a tela. O controle de cada um dos pontos da imagem digital permite uma total interação entre a vontade do produtor gráfico e cada milímetro da imagem.

5.1 Sobre a informação estética. A partir da Teoria Matemática da Informação e com base na Psicologia do Comportamento, Abraham Moles propôs a Teoria da Informação e Percepção Estética (1978), onde propõe as duas classes de informação, a semântica e a estética, como já foram anteriormente citadas.


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Recordando a crítica de Morin (1987:278, op. cit., item 4.3: 157-8), a teoria matemática original não considera a qualidade da informação, por se ater aos problemas quantitativos e estatísticos da engenharia (problemas do Nível A). Portanto, a classificação de Moles, a respeito dos dois tipos de informação, justificase pelo seu próprio interesse em qualificar e quantificar um tipo específico de informação, que é a informação estética, uma vez que, para a teoria matemática original, a qualidade ou o tipo de informação é irrelevante. Até mesmo a presença de ruídos na informação não é identificada por qualquer critério qualitativo, mas pela diferença quantitativa entre a informação emitida e a recebida (perda de isomorfia). Por isso, Moles precisa utilizar critérios qualitativos para distinguir a informação estética, uma vez que, pela Teoria Matemática

da

Comunicação,

os

dois

tipos

de

informação

não

seriam

necessariamente distintos. O conceito de estética como compreensão pelos sentidos (Aisthanesthai), mantém o significado idêntico ao termo original grego, que propõe um conhecimento pelos sentidos, fazendo interagir, diretamente, os estímulos sensíveis (aistheticos) e as respostas afetivas, sem acionar a priori a mediação lógico-racional. A percepção é uma via de duplo sentido, porque não envolve apenas a captação dos estímulos sensíveis, mas também as reações (respostas) que podem ser físicas, afetivas e (ou) intelectuais. Herbert Read (1977: 53) afirma que há um fator estético em todo ato de percepção e que esse fator é o que relaciona os estímulos sensíveis às respostas afetivas (sentimentos). Isso consiste em algo que interfere no planejamento dos textos, diferenciando um texto de caráter técnico-informativo de um outro texto predominantemente estético. O sucesso do primeiro pode ser plenamente garantido por um projeto lógico, já o seguinte dependerá de uma vivência expressiva, a qual pode ser planejada, esperada, motivada, mas não encontra outras garantias além das potencialidades expressivas do emissor ou emissores e da sensibilidade do receptor ou receptores. A informação semântica na linguagem, devido ao seu caráter lógico, organiza-se no plano do conteúdo, obedecendo a uma estrutura universal de significação, tornando-se, portanto, “logística, no sentido de que suas regras, seus símbolos, são universalmente aceitos por todos os receptores da mensagem” (Moles, 1978:191).

Isso possibilita a tradução da informação semântica de uma língua para


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outra, sem que haja perda de significação. O mesmo não acontece, entretanto, com a informação estética, a qual decorre particularmente de uma determinada estrutura de expressão, não podendo ser transportada de um tipo de código para outro sem que haja consideráveis perdas, alterações ou recriações. Abraham Moles assinala o caráter lógico-utilitário da informação semântica, porque essa propõe ser uma informação útil, servindo de instrumento lógico sob o domínio do conhecimento intelectual, o qual orienta e conclama as ações do receptor, sendo capaz de prepará-lo para um ato ou atitude. Por outro lado, a informação estética propõe impressões e sentimentos que, por si mesmos, não preparam uma ação, mas provocam um estado de alma, produzindo vivências. Ao dizer “bom dia”, alguém espera uma resposta ou propõe ao receptor que se posicione a respeito da situação do dia. E, quando diz “é meio-dia”, essa informação propõe que seja cumprida ou negada a rotina prevista para esse horário. Porém, há percepções que, propiciando ou não informações úteis, ainda produzem algum tipo de sentimento. O sentimento pode ser de alegria, como uma resposta afetiva à entonação entusiasmada de um “bom dia” recebido. Além da alegria, há muitos sentimentos que podem ser claramente identificados e denominados, como o sentimento de medo, por exemplo. Há também sentimentos difusos, inomináveis, porque são respostas afetivas menos intensas e precisas. Todavia, quando um sentimento é produzido como resposta a um estímulo percebido, o que ocorre não é uma preparação ou indicação para a ação, porque o que já aconteceu foi um tipo de vivência. A informação estética não propõe ao sujeito uma ação em continuidade à sua recepção, pois, em primeira instância, promove uma mudança de estado afetivo e tudo o mais será decorrência dessa mudança de estado e não da informação recebida. Moles (1978) postula que a informação semântica é focada no mundo externo, enquanto o foco da informação estética é interno. ”O ponto de vista estético, ao contrário do precedente não tem por objetivo preparar decisões (...), determinando de fato estados interiores” (ibid.:193). Ao negar o caráter utilitário da informação estética, Moles não procura desqualificá-la, mas apenas diferenciá-la, porque pretende compreender suas


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especificidades enquanto linguagem. A importância da informação estética é inquestionável, Immanuel Kant (17241804), em sua Crítica da Razão Pura, denominou de “estética transcendental” o princípio de todo conhecimento a priori, que é a base sobre a qual se assenta o conhecimento lógico. Assim, não há uma oposição entre a informação estética e a semântica, uma vez que, no pensamento e na vida prática, elas se complementam. Por sua vez, Herbert Read (1977:54) assinala que antes do indivíduo ser capaz de apreender os fatos da vida, utilizando-se do raciocínio lógico, ele relaciona e organiza suas percepções não pelo discernimento, mas pelo sentimento. “Uma disposição para sentir a totalidade de um acontecimento experimentado como certo e adequado constitui aquilo a que temos chamado de fator estético da percepção”.

(Fig. 47. Na ampliação da mancha aparecem os pontos da retícula.)

A informação estética como toda estruturação de um conteúdo necessita de uma forma de expressão para ser comunicada. Na mídia gráfica, que é o campo de referência deste trabalho, os mesmos elementos básicos de expressão informam o conteúdo estético e o semântico, são eles as linhas e os pontos, porque nessa mídia até mesmo o que é percebido como uma mancha é representada por um conjunto de linhas ou de pontos minúsculos (fig. 47), que compõem as retículas gráficas. Por exemplo, a marca da empresa de produtos alimentícios Quaker representa o rosto redondo de um senhor de chapéu, que está emoldurado por formas geométricas, onde também aparece a palavra “Quaker” (fig. 48).


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A

B

C

(Fig. 48. Marca gráfica da Quaker.)

Nessa marca gráfica, os pontos são organizados sob diversas codificações fornecendo uma grande quantidade de informação. Com relação ao aspecto semântico, deve-se considerar que: 1. Apesar de seu caráter arbitrário, a marca é suficientemente conhecida no mundo todo para estabelecer uma norma lógica ligando a figura específica desse senhor de chapéu com o nome Quaker (que como logotipo e como trade-name também é um nome específico) e também com a empresa de alimentos identificada por sua associação normativa com a figura e o nome em questão. Essa é a informação semântica que predomina por ser altamente redundante, porque constantemente reafirma a marca como nome próprio da empresa. Porém, o texto que compõe essa informação é constituído por diversos conjuntos de signos que também informam muitas outras coisas. Assim, a função semântica determina também a informação sobre o rosto humano e suas características indicativas de sexo, idade e tipo físico (mais gordo que magro, com cabelo mais comprido que curto, etc.), sua expressão alegre, o chapéu e o conjunto de sua aparência que remete ao passado. Além disso, os pontos que compõem a marca também são organizados para compor as letras, colocando-as uma ao lado da outra na ordenação do nome Quaker. 8. Cada conjunto denotativo, que configura o rosto, o chapéu, as letras, etc., traz consigo um acervo conotativo, o qual ainda é determinado pela função semântica. A palavra Quaker, ao ser lida por alguém, revela, além de uma sonoridade, um significado. De acordo com os dicionários de língua inglesa, a palavra designa um membro de uma seita que apregoa a simplicidade no vestuário e nos hábitos cotidianos. Para quem conhece seu significado, a palavra pode produzir muitos sentidos,


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tais como: simplicidade, honestidade, responsabilidade ou, por outro lado, severidade, sisudez, etc. Do mesmo modo, as formas que denotam o rosto configuram também um tipo físico e uma personalidade, relacionando simplicidade e asseio (rosto limpo e cabelos tratados), ainda saúde e vigor (rosto franco e corado, “luminoso”, como citado por Tom Blackett, 1998). Isso desmente os atributos desfavoráveis e reforça a idéia de responsabilidade (aparência de meia-idade) e acrescenta as idéias de amabilidade e alegria (expressão do olhar e sorriso). 9. Esses aspectos denotativos e conotativos são decorrentes da função semântica porque em todos eles há a pré-fixação “do conteúdo lógico da mensagem por meio de símbolos normalizados, isto é, reconhecidos por um grupo mais ou menos grande, porém definível, de indivíduos cujas propriedades, a ‘estrutura receptora’, se caracteriza por propriedades estatísticas objetivas” (Moles, 1978: 194).

Dentre o número mais ou menos grande de indivíduos definidos como

leitores deste trabalho, acredita-se que todos concordam que há uma coerência normativa nas associações denotativas e conotativas propostas sobre a marca Quaker, porque elas compõem símbolos já “normalizados” neste ambiente cultural e, caso seja feito um levantamento estatístico, provavelmente essas associações irão constar no repertório da maioria de possíveis leitores. O fato de a cabeça do homem aparecer sozinha e emoldurada, sem a representação do corpo, é algo que também já foi normalizado pela tradição do retrato na cultura ocidental. 10. Considerando as três imagens apresentadas (A,B,C - fig. 48), o número de elementos da imagem “C” é maior, correspondendo também a uma maior quantidade de informação, pois a presença da cor e o tratamento mais naturalista enriquecem a imagem, reafirmando o aspecto do rosto (redundância), além de acrescer e complementar a informação, indicando a cor da pele e do chapéu. As molduras geométricas das imagens “B’ e “C” também evidenciam o caráter emblemático da marca. Restringindo a análise do que há em comum entre as imagens “A” e “B” (duas representações para um mesmo modelo de rosto), é possível avaliar que elas são perfeitamente idênticas quanto à codificação semântica.


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Quanto à morfologia da imagem “A”, entre uma área totalmente preta e uma outra totalmente branca, há tonalidades de cinza, indicando que na sua composição foi utilizado um número maior de pontos do que na imagem “B“, composta apenas por áreas pretas e brancas. Mas, exceto por esse aspecto quantitativo relacionado ao número de elementos, a informação semântica das duas mensagens é idêntica, já que as duas imagens denotam o rosto arredondado de um homem de meia idade, de cabelos volumosos e cumpridos, que usa chapéu. Por isso, do ponto de vista semântico, a variação quantitativa não é percebida como variação de significado, mas como redundância na informação, porque as áreas cinza na imagem “A” reafirmam as formas do rosto, reforçando seus apelos figurativos ou naturalistas. Do ponto de vista da codificação estética, entretanto, essas imagens “A” e “B” são muito diferentes, porque apesar de os dois textos evocarem a mesma mensagem semântica, a “entonação” ou interpretação naturalista do primeiro texto (imagem “A”) é muito diferente da “entonação” ou interpretação estilizada, simplificada do segundo (imagem “B”). E as respostas afetivas a cada um desses textos também são diferentes entre si. “Existe, pois, um campo das variações individuais independente do conteúdo universal da mensagem” (Moles, 1978:194), as quais são determinadas pelas diferentes possibilidades estéticas, que se constituem como uma larga margem de incerteza e liberdade entre as diversas formas de expressão de um mesmo conteúdo semântico. Por outro lado, com relação ao aspecto semântico, deve-se considerar que: 1. A informação estética é específica de acordo com as características de emissão e recepção. No exemplo dado, com as imagens da marca Quaker, as condições de emissão são alteradas pelas diferenças de tratamento entre as imagens “A” e “B”. Na imagem “B”, há uma oposição entre as diferentes áreas do texto, seja pela difusão total da luz (áreas brancas) ou pela absorção total da luz (áreas pretas). Porém, na imagem “A”, há uma mediação entre as diferentes áreas do texto, que é promovida pelas áreas de difusão parcial da luz (áreas cinzas), apresentando as tonalidades médias entre os tons máximos de preto e branco.


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3. O transmissor na mensagem estética não aparece mais “normalizado”, como na mensagem semântica, mas personalizado, personificando também a mensagem. No tocante à marca gráfica, a mensagem estética será determinada pela escolha preferencial feita pelo designer de acordo com os recursos técnicos e expressivos à sua disposição, com os sentimentos que deseja evocar e com a influência do momento cultural. A imagem “A” apresenta o símbolo tradicional da empresa Quaker, que foi recuperada e colorida na década de 1990, como reaparece na imagem “C“. Já a imagem “B “ é uma estilização do original, produzida em 1971 por Saul Bass & Associates. Cada uma das imagens evidencia um conceito estético como síntese de um estilo pessoal, de equipe ou de época. Todavia, as sutilezas do estilo, que evidenciam a codificação estética, não são necessariamente

determinadas

pela

temática, mas principalmente pela

organização e pelo tratamento expressivo que é dado às formas compositoras das imagens (morfologia). A organização e os tipos de tratamento são expressos por elementos mensuráveis e quantificáveis, tais como as medidas da onda luminosa quanto à amplitude (que indica a quantidade de luz e determina a sensação de tonalidade), e à longitude (que indica a qualidade da luz e determina a sensação cromática), além das relações de proporcionalidade entre as partes, etc. A diversidade morfológica também altera a codificação estética dos nomes escritos, devido às mudanças no desenho das letras, que propõem sentidos estéticos diferentes ou respostas afetivas diferenciadas, sem alterar o significado. Assim, o logotipo da empresa Quaker é representado de maneira esteticamente diferente na imagem “B“ e na imagem “C“. Esses nomes apresentam as mesmas letras, mas com desenhos diversos em cada uma das imagens, sugerindo pronúncias idênticas com “entonações” diferenciadas.

5.2 Demarcando tendências. As estratégias de apresentação das marcas, com base no avanço da computação gráfica, passaram a compor imagens muito elaboradas. Isso favoreceu a adoção de um estilo rebuscado na composição visual das marcas gráficas, em oposição à canônica formal do design gráfico modernista, cujas características são o


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rigor geométrico e a economia cromática. O design modernista propõe uma estética adaptada ao modo gráfico de representação e aos recursos técnicos da gráfica industrial, muito diferentes dos que compõem a produção digital de agora, promotora da informatização de todos os processos de produção, preparação e controle da imagem a ser impressa. Os parâmetros estéticos do design modernista seguiram os pressupostos do estilo depurado pela Bauhaus, a famosa escola de design de Weimar, que foi fundada no começo do século XX. A seguir são as palavras de Johannes Itten que ressaltam os valores desse estilo: A forma mais inteligível e definível é a geométrica, cujos elementos básicos são o círculo, o quadrado e o triângulo. Nesses elementos formais tem sua origem toda forma possível. Visível para quem vê, invisível para quem nada vê. A forma é também cor. Sem cor não há forma, sem forma não há cor. Forma e cor são uma única e mesma coisa. As cores do espectro são as mais tangíveis. [...] As formas geométricas, as cores do espectro, são os meios mais simples e sensíveis e, portanto, mais fortes e delicados, de representação de uma obra formal expressiva (Itten apud Wick, 1989: 131). Nas marcas comerciais sob influência do estilo modernista predominam o concretismo geométrico e as cores planas, como é o caso das marcas Olivetti e Mitsubishi (fig. 49), que estão ladeando a marca Deutsche Bank, que não é muito conhecida no Brasil. Do ponto de vista do design modernista, cujo caráter é predominantemente funcional, os efeitos visuais observados no logotipo da Tégula (fig. 44),

por exemplo, aparecem como uma decoração excessiva, superficial,

sobreposta às formas básicas, geométricas.

A

B

C

(Fig. 49. Pela ordem, as marcas A - Olivetti , B - Deustche Bank , C – Mitsubishe.)

A visualidade das marcas vem sendo determinada entre o estilo despojado e lógico do design funcional modernista e o tratamento mais rebuscado e expressivo doado pela tecnologia digital. Isso tem resultado em transformações estéticas que, como

será

desenvolvido

denominado “maneirista”.

mais

adiante, caracterizam um modelo estético


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Essa evidência deve ser devidamente considerada porque influi no processo de significação e informação das marcas. Pois, como propõe Abraham Moles (1978), as variações estéticas determinam mudanças no conjunto da informação, que é composto não só pela informação semântica, mas também pela informação estética. Esse tipo de informação aponta para a existência de uma significação e uma comunicação estética, que fazem parte do processo de comunicação das marcas.

(Fig. 50. Sintaxe visual com diversas representações da marca TVT.)

As artes visuais, e conseqüentemente a história da comunicação visual, são ricas em variações de estilos, tanto na composição quanto na representação de imagens. Um exemplo disso é o anúncio publicitário da empresa TVT Produções (fig. 50),

o qual apresenta a sua marca em uma composição onde constam diversos

estilos artísticos individuais (Dali, De Chirico, Miró, Mondrian, Magritte, Lichtenstein, Kandinsky, Volpi e Van Gogh), que foram muito divulgados durante o século XX e, por isso, são facilmente reconhecíveis. Há diversas particularidades formais, sociais e filosóficas que especificam um estilo de época, um movimento estético ou a obra de um criador, fazendo com que essas sejam manifestações únicas, marcadas por personalidades de um tempo e um lugar histórico, portanto, irreproduzíveis na sua totalidade. Quando um estilo retorna à cena cultural, os críticos e estudiosos costumam assinalar a ocorrência de um “neo-estilo”. Por exemplo, há o estilo barroco e o neobarroco que, apesar de manter algumas características do primeiro, ocorre sob influência de um outro momento histórico-cultural, o que lhe garante a distinção de ser um fenômeno explicativo dos tempos mais recentes, apresentando semelhanças


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sócio-culturais com o passado, que justificam a reedição de formulações estéticas anteriores. Os termos: “maneirismo” e “barroco” foram retomados para descrever as manifestações da estética da década de 1980. Jorge Lúcio Campos escreve o livro A Vertigem da Maneira (1993), para falar da pintura de vanguarda nos anos 80. Por sua vez, Omar Calabrese escreve a Idade Neobarroca (1987), referindo-se à arte e à cultura da atualidade, e Wilton Azevedo no livro Os Signos do Design (1996) descreve a década de 1980, como aquela em que o design, ao contrário do que propôs a Bauhaus, abdicou de dar precedência ao funcionalismo. Os designers da escola Menphis, dentre outros, enfatizaram os aspectos estéticos e conceituais, com a produção de objetos puramente expressivos ou incapazes de funcionar como objetos. Como exemplo, Azevedo cita uma cadeira feita com um único fio de arame, que não está apta a cumprir sua função. Ao se referir ao design de estamparia dos anos 80, esse autor usa também a expressão “barroco de plástico” (ibid.:61). O distanciamento do design funcional é justificado pela reivindicação em defesa do direito de expressão do artista. Em parte, isso foi garantido pela evolução nos processos de produção e comércio na sociedade pós-industrial, que permitiu o atendimento ao consumo de massa e liberou as peculiaridades expressivas. Porém, provocou também a revalorização e a reedição de padrões até então considerados antigos, artesanais e adornados. A proposta da Bauhaus adotou o princípio do menor esforço, tendo em vista, principalmente, as necessidades de seriação dos produtos, que indicava a “mínima diversidade com o máximo de inventividade, fazendo o máximo com o mínimo” (Azevedo, 1996:19),

determinando o tipo de informação que predominou na sociedade

industrial. A contra-informação ao racionalismo tecnocrático e funcionalista da Bauhaus foi proposta por Marcel Duchamp e o Dadaísmo que, dentre outras proposições, apresentara o conceito de ready-made, separando a forma da função e reunindo a arte ao objeto não-artístico. Além disso, Jean Baudrillard (1995) opõe a Bauhaus e o Surrealismo como contra-pontos inseparáveis. Todavia, até os anos 70 o formalismo geométrico defendido por Piet Mondrian ainda se sobressaiu como influência no design, apesar de contaminado pelo abstracionismo de Kandinsky, que propõe formas mais orgânicas.


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Baudrillard faz uma crítica feroz ao funcionalismo e ao que denomina “puritanismo da Bauhaus” (ibid.:199), que pretende reunir funcionalidade e arte, alegando a impossibilidade tanto da função (valor de uso) quanto da estética (valor artístico) em um objeto que se tornou signo de valores pré-fixados pelo mercado e pela cultura de consumo. Baudrillard aponta a irracionalidade do consumo pelo consumo, que substitui o valor de uso pelo valor de signo, propondo o ato de consumir, de esbanjar, de ostentar e vilipendiar o próprio dinheiro como símbolo de status. Isso retira a prioridade funcional e propõe ao mercado uma infinidade de objetos não funcionais e tão pouco artísticos, enterrando “cada vez mais o traçado funcionalista sob um neokitsch” (ibid.: 203). Sobre o aspecto semiológico da questão, a Bauhaus pretende para cada forma e cada objeto um significado objetivo e determinável, que é a sua função, indicando para Baudrillard (ibid.) o nível de denotação do objeto. Todo o resto que não é direcionado à funcionalidade é residual, supérfluo, excedente, excêntrico, decorativo e inútil (kitsch), configurando o nível da conotação. Por essa lógica, o denotado, funcional e objetivo, é belo e verdadeiro, enquanto o conotado, ideológico, é feio e falso. “Ora é este postulado da denotação que atualmente está em vias de desabar” (ibid.: 204). As considerações de Baudrillard reforçam as observações de Azevedo (1996) sobre uma tendência à não-funcionalidade do design nos anos 80-90. Além disso, esse último também observa que nessas duas últimas décadas há uma recorrência aos recursos de adaptação e recomposição de estilos e formas já conhecidas, sem haver um esforço de inovação no design. Analisando a arquitetura e o cinema, entre outras linguagens visuais, inseridos no contexto que reúne a arte, a estética e a sociedade, autores como David Harvey (1993) e Fredric Jameson (1996) apontam a quebra no predomínio do formalismo e do iluminismo, diante dos avanços do individualismo, do relativismo e do informalismo na ideologia contemporânea. Os sinais da mudança foram primeiramente expressos em determinadas transformações nos produtos artísticos e culturais, que são vistas como indicadores de mudanças prévias ocorridas nas relações econômicas e políticas. Jameson (ibid.:82)

lamenta que modificações tão evidentes não se tenham manifestado da

mesma maneira em “outras artes”, ou seja na economia e na política.


180

5.3 Elementos compositores do estilo e da linguagem visual. São incontáveis os arranjos formais que possibilitam a grande diversidade de estilos e as variações internas em cada um deles. Contudo, há duas tendências gerais, a naturalista e a estilizada, propostas no início do capítulo IV (fig. 33), as quais são utilizadas na apresentação ou representação das imagens. Essas duas tendências permanecem as mesmas desde os primórdios rupestres da comunicação visual, com o naturalismo prevalecendo no período paleolítico e a estilização no neolítico. Por outro lado, ambas são estruturadas pela diversidade no tratamento e organização de uns poucos elementos básicos: A composição da forma pode ser resumida a dois elementos básicos: 1o - a linha o (composição da forma por fechamento da linha), e 2 - a mancha (composição

da forma por contraste de área) (fig. 51).

A

B

(Fig. 51. A – fechamento por linha, B – fechamento por área)

A identificação das figuras pode ser resumida em dois elementos básicos: 1o - a forma (composta por fechamento da linha ou de áreas) e 2o - a cor. Há ainda os dois pólos da composição: o naturalista e o abstrato, que seguem as tendências gerais influentes na composição e tratamento das imagens (fig. 33). Como intermediação a essas categorizações binárias, polarizadas, aparecem também outros elementos: Na composição das formas, o ponto é um elemento primordial e intermediário, porque pode compor tanto a linha quanto a mancha. Uma seqüência de pontos é percebida como linha, e um conjunto de pontos é percebido como uma mancha. As estrelas no céu sugerem desenhos lineares que denominam as constelações (por exemplo, a constelação de Escorpião), por outro lado, os aglomerados de estrelas são percebidos como manchas, nebulosas.


181

Adotando um conceito amplo de cor, que inclui também o preto, o branco e o cinza, considera-se que, na natureza, toda forma tem uma cor, portanto, sendo a cor parte da forma, não deveria ser assinalada como um elemento independente. Todavia, na esfera da representação existem formas sem cores, que são corriqueiras nos livros para colorir. Caso o branco do papel fosse percebido como cor das formas que estão desenhadas sobre ele, não haveria o que colorir. Na representação, as cores são elementos distintos das formas, porque assumem sentidos independentes. A cor vermelha representa a expressão “cuidado pare” quando é percebida no círculo do semáforo, também no triângulo de sinalização e ainda no retângulo da lanterna de freio do carro. A cor na representação é um elemento ambíguo. O processo de estilização propõe a passagem da forma naturalista para a forma abstrata. A forma estilizada reelabora a forma natural, via de regra, com o uso da linha, a qual assume ritmos e movimentos mais simplificados e ordenados sob uma tendência geométrica (fig. 52).

A

B

C

(Fig. 52. A - naturalismo, b – estilização, C – abstração.)

Análises similares sobre as relações estético-formais são apresentadas por Heinrich Wölfflin (1989), a partir da oposição entre formas renascentistas e barrocas, estilos que emergiram no campo das artes no período de transição entre o fim do Período Medieval e o início da Idade Moderna.


182

A

pintura

renascentista,

como

é

bem

representada na obra de Leonardo da Vinci (1452-1519), tem um caráter matemático, lógico, objetivo e naturalista (fig. 53). Por outro lado, a pintura maneirista, sob a inspiração da obra de Michelangelo Buonarroti (1475-1564), propõe uma passagem ao estilo barroco, cujo caráter expressivo e dramático contribuiu como discurso imagético para a ContraReforma, como reação da Igreja Católica contra o Humanismo e a Reforma.

(Fig. 53. Cabeça de uma jovem.)

Com relação aos modos de orientação do discurso, as Tesi per un’analisi semiotica delle culture (Ivanov et al., 1979) indicam a composição renascentista como um tipo de discurso orientado ao ouvinte, enquanto a composição barroca é direcionada ao falante. A primeira, renascentista, por ser mais objetiva e naturalista, formula um discurso dirigido ao receptor, informando-o com clareza especular sobre as qualidades sensíveis e naturais das coisas (Abbagnano, 1982: 08). A segunda, maneirista/barroca, mais subjetiva e expressiva, elabora um discurso direcionado ao emissor, cujo estilo e argumentação rompem com o modelo naturalista, que é considerado mais próximo do receptor. Apesar de as estruturas subjacentes das composições renascentistas serem muito complexas, suas superfícies se mostram límpidas e perfeitamente legíveis ou inteligíveis, configurando as imagens como representações do naturalismo visual, que posteriormente foi denominado como modo fotográfico16. Voltando um pouco mais no tempo, pode-se comparar as artes visuais da Idade Média com as do Renascimento. Na iconografia medieval, o sagrado e o espiritual foram compostos por imagens evidentemente simbólicas, configuradas por formas planas e estilizadas, compondo um discurso orientado ao emissor/falante.

16

Os pintores renascentistas inauguraram a imagem fotográfica, representando o espaço por meio da perspectiva, cujo ponto de vista é monocular e fixo, e dos recursos da câmera obscura. Esses procedimentos foram repetidos pela mecânica da fotografia.


183

As figuras gráficas e descarnadas da arte sacra medieval (fig. 54) também estão em oposição direta ao naturalismo pictórico renascentista, que é orientado ao receptor. No entanto, o discurso artístico medieval e o renascentista, ideológicas

e

correspondência

a

despeito

formais, e

de

suas

apresentam

coerência

entre

diferenças uma

clara

intenção

e

representação no seu discurso visual. O

Maneirismo,

porém,

apresentou

uma

mudança importante ao desvincular a intenção da representação. A representação maneirista mantém aparentemente a estética naturalista, mas por meio de

(Fig. 54. Pintura medieval.)

sutilezas retóricas, inseridas sob essa aparência natural, o estilo maneirista reafirmou a subjetividade, a expressividade e o drama metafísico-religioso nas artes visuais do século XVI. O autor dessa façanha foi Michelangelo (fig. 55), que fez escola, porque o estilo maneirista se caracterizou pela tendência de pintar à maneira de Michelangelo. No geral, os seguidores não alcançaram a expressão do mestre, assim, o termo maneirismo também passou a apresentar-se sob um conjunto de rígidas convenções, redundâncias que costumam aparecer como decoração superficial e imitativa. Arnold Hauser, no prefácio do seu livro Maneirismo (1993: 09-10), diz que esse período “foi sem dúvida marcado pelas convenções mais impessoais, inflexíveis e mecânicas”, porém adverte também que o Maneirismo não se restringiu só ao convencionalismo, uma vez que as formulações da linguagem maneirista foram utilizadas não só por incompetentes, mas também por gênios da arte, assinalando que, nesse período, “a originalidade sentia-se livre e movia-se desenvolta dentro dos limites dos meios de comunicação estabelecidos”. Esse mesmo autor ressalta, ainda, que o estilo maneirista não pode ser percebido só pelo aspecto iconográfico, levando em conta apenas a história das formas, porque, além de uma morfologia peculiar, a visualidade maneirista está relacionada às inovações histórico-sociais, econômicas e tecnológicas de sua época. O seu estudo deve constituir, portanto, uma iconologia, como foi proposto


184

também por Erwin Panofsky (1991) no que diz respeito ao significado nas artes visuais no medievo e na renascença. A grande expressividade fervorosa das obras de Michelangelo, por exemplo, pode ser percebida na sua morfologia, ou seja, no modo como são compostas e tratadas as formas. Os corpos humanos, por exemplo, são representados em poses teatrais, contorcidas e pouco comuns, como se seus espíritos vivessem constantemente sobressaltados pelas forças naturais e sobrenaturais.

(Fig. 55. Michelangelo, detalhe do “Juízo Final”, Capela Sistina, Roma.)

Formas semelhantes de expressão já haviam sido registradas anteriormente na arte helênica, que marcou o pós-classicismo na arte da Antigüidade. Porém, a retomada desses recursos dramáticos e conotativos nas artes plásticas do século XVI forneceu os recursos necessários, ao maneirismo e a outros estilos posteriores, para corromper a objetividade e o naturalismo da visualidade renascentista. A pintura ilusionista do renascimento fundara o mito de que a representação deveria compor o retrato fidedigno da realidade que, além da mimese, revela aos sentidos a ordem lógica da natureza apreendida pela razão. Esse mito foi reforçado pelo uso da moldura, que consolidou a metáfora onde a pintura é apresentada como janela do mundo. Depois disso, os maneiristas de todos os tempos17 (românticos, expressionistas, surrealistas e outros) vêm substituindo a configuração naturalista pela consciência da linguagem visual, a partir das convenções formais e iconográficas que possibilitam uma retórica visual fortemente conotativa sobre um suposto discurso naturalista. O uso consciente da retórica visual configurou uma super-realidade, reunindo 17

No livro Maneirismo: o mundo como labirinto (1974), Gustav Hocke indica o fenômeno artístico ocorrido imediatamente após a decadência do Renascimento, mas defende que seus princípios estéticos permearam toda a história da arte e do pensamento, antes e depois do período indicado.


185

o real e o ideal ou mítico (trucagem), por meio do embelezamento (fotogenia) e de efeitos dramáticos de forte apelo emocional (objetos simbólicos, poses teatrais, esteticismo e sintaxe), conotando o real (primeira realidade) como superrepresentação (segunda realidade), e tornando indistintos definitivamente, o natural e o simbólico (caso algum dia tenham sido nitidamente distintos). Os vários ramos das artes visuais seguiram caminhos diversificados, mas o culto à ilusão naturalista permaneceu como marca da modernidade e sua sofisticação e continuidade foram sendo garantidas pelo desenvolvimento das técnicas mecânicas e eletrônicas de produção e composição da imagem fotográfica. Nesse sentido, a mídia publicitária, que compõe a cultura das marcas, manteve-se fiel à expressão pseudonaturalista, ou seja, ao artifício verossímil que na maioria das vezes procura ocultar sua ambigüidade. E, mesmo quando apresenta formulações fantasiosas ou abstratas, a cultura das marcas o faz como referência e representação do mundo cotidiano idealizado para o consumidor. Por exemplo, os gênios são extraídos dos contos maravilhosos, mas vêm oferecer produtos para o dia-a-dia do consumidor. O cotidiano assume, a um só tempo, um caráter real e simbólico ou mítico. O sistema cultural das marcas, como campo de mediação, incorpora e mitifica tudo que lhe é exterior, restaurando a mítica no cotidiano, que é reincorporada pelo público como substância do real (segunda realidade). Assim, fica estabelecida a continuidade entre o real e o mito. Qual é o momento em que acaba a realidade e começa a fantasia? Quando, aparece a dona-de-casa, quando ela pega a colher ou quando com um único gesto, como se a colher fosse uma “vara de condão”, faz o alimento aparecer pronto? Porém, elimina-se o gesto e a mágica continua na fotogenia da cena, na sofisticação e limpeza da cozinha, no estado de novo das panelas, etc. O ambiente contemporâneo é o tempo todo percebido como significação, estando constantemente emoldurado pelo visor de uma câmera, por uma tela de vídeo, pela janela da casa ou do carro. A realidade é sempre percebida como superrealidade ou hiper-realidade18. O cotidiano é potencializado pelo revestimento 18

A hiper-realidade caracteriza o momento em que tudo é visto como representação. “Daí a hiperrealidade que parece ter-se constituído nossa realidade (...) Com esta proliferação das imagens, entramos na era da produção do real (...) Nossa identidade e lugar são constituídos a partir de um imaginário e uma iconografia criados pela indústria cultural.” (Brissac Peixoto, in: Novaes, 1988:362).


186

arquitetônico, pelos recursos de edição, de reprodução, de ampliação e avivamento de imagens. As imagens são enormes, reluzentes e obscenas. Contudo, os maneirismos contemporâneos não podem mais ser percebidos como algo à parte do cotidiano, uma vez que há muito tempo o real é formado e informado pelo hiper-real. O percurso que levou à interação entre a representação e a realidade indica a imagem fotográfica, ou melhor, o modo fotográfico de representação, como elemento primordial. Além do que a fotografia foi colocada em movimento, dando origem ao cinema e a todas as linguagens audiovisuais. Até mesmo as imagens sínteses da computação gráfica, que independem da luz natural, ainda são identificadas com o modo fotográfico, porque reafirmam na sua produção os aspectos de luz e sombra, textura e coloração, de acordo com as lições do ilusionismo fotográfico-naturalista. Verificando as influências da denotação fotográfica e da conotação maneirista, através do tempo, é possível verificar a aplicabilidade das observações de Wölfflin (1989) quanto às diferenças formais entre os estilos renascentista e barroco, ao estudo das marcas institucionais e comerciais. Wölfflin trabalha com oposições entre o caráter linear e o pictórico; o plano e a profundidade; a forma fechada e a aberta; a unidade e a pluralidade, a clareza e a obscuridade. Os

primeiros

termos

dessas

oposições

são

referentes

às

formas

renascentistas, enquanto os segundos dizem respeito às formas barrocas. Com relação à primeira oposição entre os termos linear e pictórico, Wölfflin (ibid.:23-4) considera que: O estilo linear é um estilo da discriminação visualizada plasticamente. O contorno nítido e firme dos corpos suscita no espectador uma sensação de segurança (há uma perfeita percepção dos contornos)... Representação e objeto são, por assim dizer, idênticos (há uma perfeita isomorfia entre a configuração do objeto e de sua representação). Ao contrário, o estilo pictórico libertou-se, de certa forma, do objeto tal como ele é (o objeto passa a ser representado como é percebido e sua forma original pode ser alterada pelas relações entre luz e sombra). Para esse estilo, já não existe o contorno ininterrupto, e as superfícies tangíveis são dissolvidas. Manchas se justapõem sem qualquer relação. Em sentido geométrico. Desenho e modelação já não coincidem com a forma plástica, mas reproduzem apenas a aparência óptica do objeto. No tocante às marcas gráficas, mesmo que haja um motivo figurativo (âncora, cavalo ou guarda-chuva), via de regra, não há um compromisso mimético, ou seja,


187

não há a busca da plena verossimilhança na representação, tanto é que a estilização e a abstração são amplamente utilizadas. Inclusive, o estilo clássico de apresentação da marca é essencialmente gráfico, com formas constituídas por fechamento de linha e preenchidas com cores planas.

Entretanto, depois de

desenhada pela primeira vez, a marca passa a ser um objeto gráfico, devendo e podendo ser reproduzido de diversos modos e, também, como objeto tridimensional forjado em plástico ou metal. Além disso, mesmo quando a marca está sendo reproduzida no plano do papel, em grande parte das vezes, a tendência maneirista aqui assinalada propõe a representação de volumes e texturas sobre as formas planas, simulando o produto da impressão gráfica como imagem de um objeto tridimensional. Nesse sentido, é possível o estudo das marcas impressas (artes gráficas) a partir do que foi proposto por Wölfflin para as artes plásticas. Como exemplo, serão apresentadas a seguir duas versões formais para a apresentação da marca da Rede de Televisão RBS (fig. 56). Ambas receberam tratamentos para representar a luz e o volume. As duas versões são maneiristas, com relação ao modelo clássico de marca, porque mesclam o estilo gráfico e o pictórico. Contudo, o aspecto linear na primeira imagem (imagem “A”) é bem mais marcante que na segunda (imagem “B”). Na primeira imagem os contornos são bem definidos, sugerindo ao expectador a forte sensação de conhecer o desenho original. A segunda imagem informa mais sobre a aparência do objeto sob a luz do que sobre sua configuração original, havendo inclusive descontinuidade no contorno da figura.

A

B

(Fig. 56. Duas versões da marca RBS, A – linear e fechada, B – pictórica e aberta.)

Com relação à segunda oposição entre plano e profundidade, Wölfflin (ibid.: 79)

considera que “nada há de especial em afirmar-se que houve uma

evolução da representação plana para a representação em profundidade, pois é


188

evidente que os meios utilizados para a expressão do volume dos corpos e da profundidade espacial se desenvolveram gradualmente. Não é nesse sentido apenas que vamos abordar os dois conceitos”.

A

B

(Fig. 57. A – direção das linhas, B – superposição de planos e efeitos de luz.)

A representação das marcas, por meio de muitas etapas, vem rompendo com o predomínio das formas planas. Primeiramente, a profundidade é determinada pela disposição e pelo movimento das próprias linhas compositoras da marca (Fig.57, imagem “A”),

depois pela representação do volume através de recursos de luz e

sombra, como ressalta a segunda versão da marca RBS (Fig.56, imagem “B”), e, por último, a representação de planos diferentes, distanciados, como componentes de uma mesma marca, obrigando o olhar a supostamente penetrar no plano, que adquire características visuais de espaço tridimensional (Fig.57, imagem “B”). Sobre a terceira oposição entre forma fechada e forma aberta, Wölfflin (ibid.:135)

diz que:

Por forma fechada entendemos aquele tipo de representação que (...) apresenta a imagem como uma realidade limitada em si mesma, que, em todos os pontos, se volta para si mesma. O estilo de forma aberta, ao contrário, extrapola a si mesmo em todos os sentidos e pretende parecer ilimitado, ainda que subsista uma limitação velada, assegurando justamente o seu caráter fechado, no sentido estético. Em outras palavras, a forma fechada é voltada sobre si mesma, porque apresenta uma rigorosa estruturação lógica, indicada por rígidas simetrias e uma ordem geométrica que induz o olhar para dentro da forma. Por outro lado, a forma aberta não revela, a princípio, uma ordenação rígida, aparecendo como produto de movimentos mais aleatórios ou seguindo uma ordem externa ditada pela forma natural do modelo. O olhar nesse caso é remetido para fora. Essa diferenciação em diversos graus é percebida na oposição entre formas orgânicas e geométricas. (Fig. 58.)


189

A – emblemático/geométrico B – orgânico

C – naturalista

D – sem rigidez/aberto

No geral, as marcas gráficas apresentam uma forma fechada, definida pela rigidez do desenho que é tradicionalmente estruturado por ordenação geométrica. Há gradações entre os tipos de formalização geométrica: os pictogramas mais rígidos (fechados) são os abstratos geométricos (fig. 27) e os emblemáticos (fig. 28). Existem também os pictogramas menos rígidos, como os naturalistas, cuja ordem é externa, sendo determinada pelo modelo e, ainda, os que não revelam rigidez na sua estruturação, apesar de esses casos serem mais raros (fig. 58 - D), Como pode ser exemplificado pelo tratamento da marca RBS (fig. 56, imagem “B”), as representações de texturas e efeitos de luz e sombra costumam, também, dissimular a rigidez dos contornos, integrando e fazendo interagir a figura (pictograma ou logotipo) e o fundo. Quanto à oposição envolvendo a pluralidade e a unidade, Wölfflin (ibid.:16970)

informa que: O princípio da forma fechada já pressupõe que a obra seja concebida como uma unidade. Somente quando a totalidade das formas for percebida como um todo é que se poderá compreendê-la como uma composição subordinada a determinadas regras. (...) Esse senso de unidade desenvolveu-se paulatinamente. Na história da arte não existe um momento preciso em que se possa acusar com certeza absoluta a sua presença: também aqui é preciso levar em consideração uma série de valores relativos. As formas plurais chamam a atenção pelos detalhes, primeiramente se

sobressaem as partes e depois o todo. Já as formas compositoras de uma unidade estão prioritariamente relacionadas umas às outras e cada detalhe induz à percepção do conjunto. Isso pode ser percebido nas imagens a seguir (fig. 59). Na primeira imagem (A), o espectador é induzido a perceber prioritariamente dois quadrados justapostos, reforçando a autonomia das partes. Na segunda imagem (B), o espectador percebe prioritariamente um único retângulo com uma divisão ao meio, em vez de priorizar a idéia de dois retângulos justapostos. Assim, reforça-se a unidade da figura com relação às partes.


190

A primeira imagem (A) apresenta um caráter mais unitário do que a terceira (C),

onde a idéia de conjunto é ainda mais distante pela ausência de simetria. Na

quinta imagem (E) a unidade é garantida não por coerência formal, mas por associação com um estereótipo naturalista (cabeça e corpo - valor de sentido). Na quarta imagem (D) ocorre uma subordinação das formas ao conjunto.

A

B

C

D

E

(Fig. 59. A – quadrados, B – retângulo, C – justaposição, D – superposição, E – associação.)

Quase todas as imagens apresentam uma relação cooperativa entre formas independentes, seja com destaque para a pluralidade ou para a unidade. Contudo, como foi dito, na quarta imagem (D) ocorre um sentido de unidade por subordinação das formas ao conjunto, porque não é simples separar visualmente as partes do todo, uma vez que o círculo aparece como inscrito em um suposto quadrado, que só é percebido como tal, tendo em vista que o círculo o perfura ou está sobre ele. Caso as formas da quarta imagem forem consideradas em justaposição, uma ao lado da outra, ao invés de serem percebidas como superposição, uma sobre a outra, serão propostas três formas ao invés de duas: a primeira será um tipo de retângulo com um lado abaulado, a segunda será o círculo e a última será novamente o retângulo com um lado abaulado só que desta vez em sentido contrário. Para Wölfflin, o classicismo propõe a unidade como cooperação entre as partes, enquanto o barroco investe na subordinação das formas ao conjunto, Portanto,

nos

dois

estilos

a

busca

de

unidade,

porém

a

unidade

barroca/maneirista não é associativa, é compulsória, mais profusa e confusa, uma vez que suas partes são moldadas umas às outras e não somente associadas como unidades distintas e compostas para um mesmo fim (cf. detalhe do painel de Michelangelo, “Juízo Final”, fig. 55).

A marca Yellow Natural (fig. 58, imagem “D”), como foi apresentada anteriormente, é um bom exemplo de unidade por subordinação. O grafismo que compõe o fundo preto para o nome, apresenta um ritmo inclinado com predomínio da horizontal, enquanto o desenho do nome assinala um ritmo inclinado com domínio da vertical e, apesar do desencontro rítmico, o sentido de leitura do nome coincide com a direção predominante no grafismo. A figura e o fundo estão


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plasmados um no outro, sem esclarecer a identidade particular de cada uma das formas. Outro exemplo de unidade por aglutinação, e que também se enquadra em todas as características do estilo maneirista, é a versão “metalizada” da marca RBS (fig. 56, imagem “B”).

A quinta e última oposição, entre clareza e obscuridade, é apresentada por Wölfflin (ibid.: 217-18) da seguinte forma: Para a arte clássica, não existe beleza se a forma não se manifesta em sua totalidade; no Barroco, a clareza absoluta torna-se obscura até mesmo naqueles casos em que o artista pretende reproduzir com perfeição a realidade. A imagem não coincide com o grau máximo de nitidez objetiva, mas, pelo contrário, evita-o (...) Sua arte vincula-se a propósitos decorativos, e não apenas imitativos. Reaparece nesse caso, porque isso já foi tratado quando da oposição entre o estilo linear e o pictórico, a evidente contradição entre o tratamento da forma e da luz. Quando se representa a luz sobre as formas nem sempre a representação da forma é respeitada. Todavia, a ilusão do jogo furtivo entre luz e sombra caracteriza um tratamento recorrente às formas do design gráfico contemporâneo, com destaque especial para o design de marcas. O que pode ser percebido nos diversos exemplos apresentados neste trabalho é que as cores planas do (neo) classicismo moderno e funcionalista estão sendo substituídas por variações tonais e cromáticas dentro de uma mesma forma. Porém, essa variação na superfície das cores não determina um caráter abstrato, uma vez que se pretende simular texturas e volumes já reconhecidos nos objetos do cotidiano, por meio da representação de luzes e sombras. Isso aparece na comparação entre as duas imagens abaixo do pictograma da empresa Aerocolor (fig. 60), onde a primeira imagem é apresentada na cor amarela, gráfica e plana, sobre um fundo chapado em cor azul claro. Já a segunda imagem recebeu um tratamento pictórico, através de tonalidades de sépia, ocre e branco, sugerindo uma superfície dourada, para representar a tão usada textura metálica com variações que sugerem luzes e sombras.


192

A

B

(Fig 60. Pictograma da empresa Aerocolor: A - versão plana e B - versão com luz e sombra.)

Primeiramente, o discurso estético das modernas marcas institucionais e comerciais, expresso através do rigorismo lógico-geométrico, assemelha-se ao discurso da representação medieval (fig. 54), porque tanto as suas formas de expressão quanto o seu conteúdo revelam o caráter simbólico da representação, apresentando-se como um discurso hermético, mas nitidamente direcionado ao emissor (falante). Sempre que os indícios de realidade, denotativos, são apresentados na sua composição, a marca propõe direcionar seu discurso ao receptor (ouvinte) porque, apesar de manter seu caráter simbólico, passa a representar elementos do cotidiano, que podem ser percebidos e compreendidos pelos espectadores, mesmo quando estão estilizados. Nesse sentido as marcas passam a assemelhar-se à representação renascentista (fig. 53), mesmo tratando de temas essencialmente simbólicos, apresenta-os contextualizados ao universo do receptor. O estilo maneirista, todavia, é reconhecido no tratamento dado à visualidade das marcas mais recentemente, o que intensifica com efeitos expressivos a realidade, criando super-realidades mitificadas por sentidos trágicos, maravilhosos, mais

direcionado

ao

deslumbramento,

ao

encantamento

dos

sentidos

e

arrebatamento dos sentimentos. O maneirismo (fig. 55) de todas as épocas adota a codificação expressiva e busca subverter as codificações essencialmente lógicas e intelectivas, como as do funcionalismo, voltado à intelecção e representação de uma ordem prático-objetiva. A estética maneirista vai além da pragmática, construindo um discurso direcionado ao emissor (falante), que não é acessível ao pleno entendimento do receptor (ouvinte), mas é cativante e fascinante pela idealização e dramatização da realidade, produzindo uma super-realidade. O discurso estético é construído ao nível da forma, decorrendo das


193

peculiaridades de apresentação visual de um tema, que é representado de acordo com as possibilidades de uma determinada estrutura de expressão. Assim, diferencia-se do discurso semântico decorrente do conteúdo, que obedece a uma estrutura universal de significação. Um mesmo tema, portanto, pode ser apresentado por discursos visuais totalmente distintos, sem perder seu significado. Mas, o modo de apresentação escolhido passa a conotar a primeira significação (denotativa) acrescentando-lhe sentidos particulares, de acordo com o repertório expressivo de cada estilo. Ao tratar da classificação do repertório morfológico de uma composição visual, Wölfflin oferece suas categorias básicas, para identificação do discurso expressivo nas artes visuais. Essas categorias são perfeitamente aplicáveis às transformações na visualidade das marcas institucionais e comerciais, cujo desenho básico linear e plano tem sido ocupado por texturas visuais e sombreamentos que, por sua vez, são essencialmente pictóricos e volumétricos.

5.4 A estética na arte e no design gráfico. Jean Mukaröviský (1993:22-3) diz que a arte é o campo de domínio da função estética, porém, apesar do número relativamente restrito de pessoas que mantêm contato direto com a arte, a função estética ocupa uma posição de destaque na vida dos indivíduos e da coletividade. Isso se deve ao fato de que a função estética se desenvolve em um espaço bem mais amplo do que a esfera artística. A função estética é predominante na arte, entretanto, há uma ampla esfera estética extra-artística, porque a função estética pode estar eventualmente presente em todas as ocasiões. Contudo, sua presença, exceto em situações especiais, não busca substituir outras funções nem ser, necessariamente, uma função dominante, pois qualquer objeto ou ação, de ordem tipicamente natural ou cultural, pode ser portador da função estética, porque ela se estabelece na “relação da coletividade humana com o mundo” (ibid.: 34). Além disso, o traço estético é algo estabelecido pela relação entre o objeto e o sujeito observador em um contexto determinado. Manifesta-se, portanto, sob circunstâncias específicas aos sujeitos específicos. Aquele objeto estético, que foi assim reconhecido por uma comunidade ou por um indivíduo em um determinado tempo e espaço, pode não ser percebido da mesma forma em tempos ou espaços


194

diferentes (ibid.). E, apesar de se concretizar na relação entre o sujeito e o objeto, o indivíduo recebe maior liberdade para a adoção de uma atitude estética de acordo com os valores do seu contexto sociocultural (ibid.: 36). O traço estético também influencia o contexto sociológico, primeiramente, porque, de acordo com Mukaröviský (ibid.: 37), sua função consiste em dirigir a máxima atenção sobre um dado objeto, como confirmam suas seguintes palavras: Sempre que no convívio social surge a necessidade de pôr em evidência algum ato, coisa ou pessoa, a necessidade de sobre eles dirigir as atenções ou libertá-los de conexões indesejáveis, a função estética aparece como fator adjunto; veja-se a função estética de qualquer cerimonial (culto religioso incluído); veja-se o caráter estético das festas. Mukaröviský (ibid.) assinala também que a função estética pode ser um fator de distinção social, devido à sua capacidade de acentuar a importância dos detentores do poder através do aspecto de seu vestuário e de seus bens, além do que um gosto estético tido como “refinado” também é peculiar às elites. Além disso, sua capacidade de distinção, por meio da atração dos olhares sobre uma determinada coisa ou pessoa, torna a função estética aliada da função erótica, e na vida social, muitas vezes essas duas funções estão reunidas Outra característica interessante é que a função estética provoca prazer, facilitando a aceitação dos atos e dos objetos acrescidos de qualidades estéticas. Além do mais, é específico da função estética o fato de estar unida à forma da coisa ou ao ato. Isso revigora coisas que perderam suas funções originais durante seu transcurso no tempo e que são substituídas pela função estética. Por exemplo, ritos antigos, que perderam suas funções mágicas, podem continuar sendo apreciados como atos estéticos, do mesmo modo algumas ruínas arquitetônicas e, também, objetos utilitários que são retomados como objetos de decoração. Como fenômeno social, a estética está relacionada às noções de valor estético e de norma estética, sendo que a primeira noção, valor, é determinada em relação à segunda, norma. A norma tende ao obrigatório, mas não é tão válida quanto uma lei natural, porque, assim sendo, não seria norma. “A norma baseia-se, pois, numa antinomia dialética fundamental entre a validez incondicional e a potência meramente reguladora e até simplesmente orientadora, que implica uma possibilidade de violação” (ibid.: 40). Assim, os critérios de valor gravitam entre o


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atendimento da norma ou a sua violação. Em alguns períodos artísticos, a norma estética é proposta como critério de valor insuperável, como é o caso do classicismo, onde a forma é rigidamente subordinada à norma. Porém, em outros momentos mais progressistas ou anarquistas, o valor é estabelecido exatamente pela violação ou superação da norma vigente. Ambos os casos, no entanto, apresentam suas obras artísticas como aplicações inadequadas da norma estética e esse efeito transformador não é um ato involuntário, mas intencional. Na arte, a norma é violada incessantemente (ibid.:45). O parâmetro normativo é, todavia, essencial para a avaliação estética, porque qualquer juízo de valor será formado com relação a esse parâmetro, seja ele feito por aproximação ou distanciamento. “Uma obra autêntica oscila sempre entre os estados passados e futuros da norma estética: o presente, sob cujo ponto de vista a percebemos, surge como tensão entre a norma passada e sua violação, destinada a fazer parte da futura norma” (ibid.: 47). O design, no momento de sua fundação oficial marcada pelas primeiras exposições industriais no final do século XIX, ainda não apresentava uma estética própria e, segundo Teixeira Coelho (1973: 122), integrava-se, “(ainda que de forma degradada) na estética da arte; o próprio objeto tinha vergonha de sua natureza industrial e era praticamente oculto atrás de construções esteticistas”. No começo do século XX as bases da estética funcionalista já estavam, entretanto, sendo esboçadas pelo binômio forma e função, associando a beleza à funcionalidade e vice-versa, apesar de, em muitos casos, a função ser subordinada às exigências formais e o design se mostrar ainda caudatário da estética artística. Mas, desde o final da primeira guerra, em 1918, e principalmente após a depressão de 1929, nos EUA, o styling marca um tipo de design desvinculado dos grandes ideais estéticos e até mesmo do funcionalismo porque, segundo Teixeira Coelho (ibid.:123), os produtores passaram a colocar atrativos no objeto, que lhe dão uma “elegância” popularesca (kitsch), sem querer torná-lo mais nobre, porém apresentando-o como novidade tecnológica. “Não resta dúvida de que esse momento do desenho industrial (que, aliás, se estende até hoje), com seus rabos de peixe, aletas supostamente aerodinâmicas, etc., marcou um instante da separação absoluta entre a estética da arte e a estética do objeto – se é que, como foi dito, houve uma estética do styling”. Essa separação (entre a estética artística e o design) foi reforçada depois da


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segunda guerra mundial (1945), momento em que a arte primou pelo informalismo da action painting e o design reforçou o seu caráter formal-funcionalista. Ou seja, normas diferenciadas passaram a estabelecer valores discrepantes entre si, determinando estéticas específicas para a arte e o design, como argumenta Teixeira Coelho (ibid.): Esse irracionalismo, essa desordem, essa entropia na informação estética era incompatível com os objetivos e com a própria natureza do sistema dos objetos que, encaixados num sistema maior da ordem social, política e econômica, necessitava ser, pelo contrário, racional, funcional, lógico, reto, limpo – ordenado, tranqüilizante, redundante (muitos diriam: “por conseguinte inócuo”)... Nesse momento, pela primeira vez, o objeto elabora sua estética própria, de todo, independente da estética da arte, uma estética quase “renascentista”, se se pode dizer, na sua tentativa (bem sucedida) de impor o equilíbrio, a harmonia, a técnica, a minúcia, a proporção, o pensamento matemático. Apesar de evidenciar a separação estética entre arte e design, esse autor (id., ibid.)

prossegue em seu estudo, indicando as influências e interações posteriores

entre essas duas instâncias. Nesse sentido, cita e critica o uso de materiais tipicamente industriais na produção artística, assinalando o fascínio de algumas tendências, as quais fizeram predominar no meio artístico as formas polidas e as cores planas, além de ressaltar também a apropriação estética do design industrial pela pop art. A presença da função estética no design fica totalmente evidente na tendência contemporânea, já assinalada por Azevedo (1996: 61, op. cit. item 5.2: 185), de produção de objetos que não cumprem qualquer função, porque não foram concebidos para qualquer função em particular, a não ser existir esteticamente, o que contrasta com os objetos comuns, que são tipicamente funcionais. Esses objetos fazem jus ao nome, porque são vendidos em lojas e não em galerias ou salões de arte; também não são chamados de obras de arte, porque mantêm uma relação analógica com os objetos comuns (Teixeira Coelho, 1973: 127). Porém, eles vêm substituindo as obras de arte tradicionais na decoração dos ambientes familiares e comerciais. Refletindo a respeito de fenômenos semelhantes, Mukaröviský (1993: 35) nota a recorrência de um típico “artesanato artístico contemporâneo, que amplifica excessivamente a esfera da arte”. Além disso, esse mesmo autor indica que “todos esses fenômenos são sintomas de uma excessiva hipertrofia da função estética no


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contexto social contemporâneo”. A influência da arte no design de marcas pode ser exemplificada pelo percurso de criação da marca Akzo (fig. 61). O desenho da marca, planejado para expressar “a natureza realizadora da organização”, é uma adaptação do motivo de um baixo relevo produzido na Grécia Antiga, há cerca de 450 anos a.C., e que hoje pertence ao acervo do Museu Ashmolem. A marca representa a imagem de um homem e foi adaptada pelos designers para que “demonstre força sem ser assustador, não pareça nem jovem nem velho e, também, não se distingam nele características (Fig. 61. Marca Akzo.)

étnicas” (Pinho, 1996:31).

Continuando a tratar da estética extra-artística e de sua relação com a arte, vale destacar que para Winfried Nöth

(1987),

a comunicação visual publicitária, de

modo geral, apresenta características estéticas, entretanto, distingue-se da obra de arte porque certamente não apresenta o que é denominado como originalidade material (que é típico das obras-primas) e manifesta um predomínio da função prática (funcionalidade) em detrimento da função estética, que é função peculiar e dominante na arte. Isso indica que, de modo diferente da arte, o predomínio da função estética não é comum nem necessariamente desejável no design gráfico. Como fora assinalado por Azevedo, Teixeira Coelho e Mukaröviský, no tocante ao objeto industrial, Nöth também assinala a existência de situações onde o design gráfico publicitário é apresentado como imitação da arte e, portanto, como pseudo-arte. Nesses casos, a função prática é omitida da estrutura externa da mensagem, ocorrendo uma hipertrofia da função estética em busca de similaridade com a arte. Essa analogia é possível através do que foi denominado por Roland Barthes de “esteticismo” (como foi descrito na introdução deste capítulo), ou seja, reprodução maneirista das formulações já utilizadas nas obras artísticas, que se tornam estereótipos (redundâncias) capazes de simular um sentido artístico que não existe. Isso fica bem evidente nas palavras de Mukaröviský (1993: 89) ao assinalar que “uma obra calculada para pacífica harmonia com os valores vitais reconhecidos não é entendida como não-estética, mas como não-artística, e feita simplesmente para agradar (kitsch)”. O prazer estético não está necessariamente vinculado ao valor estético,


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embora, tradicionalmente, as obras de arte costumem reunir essas duas qualidades, ou seja, apresentam valor estético e promovem o gozo estético. Porém, muitas obras consideradas de valor não demonstram o interesse ou até rejeitam a possibilidade de proporcionar prazer. Do mesmo modo, tomando-se como parâmetro de valor as obras de arte, muitas manifestações estéticas de pouco valor são capazes de promover algum tipo de prazer estético e, nesse sentido, tornam-se fascinantes. Com relação às transformações produzidas na visualidade das marcas, é preciso ressaltar que o tratamento dado às suas formas busca promover o fascínio visual, sustentado pela possibilidade de prazer estético, independente do valor estético que possam apresentar. Quando há uma hipertrofia da função estética, marcada pelo exagero do “esteticismo” e da “fotogenia” em detrimento da função comunicativa da marca, então fica evidenciado o caráter pseudo-artístico da representação, indicando a presença do traço kitsch e uma perda de objetividade, porque a função estética predominando sobre a função comunicativa, tanto na arte quanto na pseudo-arte, transforma a própria essência da comunicação (Mukaröviský, 1993: 72). Além dos aspectos já indicados para configurar a tendência maneirista no tratamento das formas e no modo de representação das marcas, ainda há uma componente dinâmica na sua apresentação visual na mídia gráfica. O aspecto dinâmico contraria a representação plana e estática da apresentação convencional das marcas, cujo princípio básico consiste na reapresentação sistemática de um modelo que permanece imutável por longos períodos de tempo. Todavia, as marcas vêm sendo reapresentadas com variações de ângulos e perspectivas, algumas vezes planas e outras representando volume e profundidade e, também, com texturas visuais diversificadas.

(Fig. 62. Marca Bamerindus na capa dos talões de cheques.)


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Um primeiro exemplo percebido foi a transformação da marca do extinto banco Bamerindus (fig. 62), de acordo com o modo como foi impressa nos talões de cheques e cartões. Isso ocorreu em um período anterior, mas bem próximo à data de incorporação do banco Bamerindus pela marca HSBC. A marca do Bamerindus foi originalmente composta pela estilização geométrica da letra B maiúscula rebatida em simetria e formando um losango no centro das duas formas, que são um “B” normal e um “B” invertido. No losango está inserido um círculo, sugerindo, inclusive, a figura central da bandeira brasileira. Por sua estruturação, depreende-se que essa marca foi construída sob a norma geométrica, com a harmonização de formas planas, como propõe a estética geométrico-funcionalista. Porém, no seu modo de apresentação nos talões e cartões de crédito, a figura central da marca Bamerindus está em evidência sobre um fundo com texturas, sugerindo tridimensionalidade entre outras inferências. A geometria plana sucumbiu sob esse efeito expressivo/decorativo, que acrescenta um sentido dramático e sublime à representação e a mudança no tratamento da figura lembra as formas barrocas, apontando o predomínio da tendência maneirista, ao reunir a razão geométrica do desenho e o tratamento expressivo/decorativo de suas formas. A marca recortada, apesar de recompor a imagem de marca na mente do consumidor, submete a função referencial à função estética. O tratamento dado ao fundo sugere efeitos espaciais reforçados pelo fato de que, do lado esquerdo do observador e direito da imagem, a figura encobre o fundo, porque parece estar à sua frente, enquanto do lado direito do observador e esquerdo da imagem, o fundo parece encobrir parte da figura, prejudicando ainda mais o reconhecimento do desenho da marca. As texturas e tonalidades do fundo invadem a figura produzindo um efeito de transparência e movimento, como se fosse um espaço ocupado por uma bruma ou fumaça esverdeada. O ritmo das manchas e o jogo de tonalidades sugerem efeitos de luz e sombra, indicando que a área central adquire maior profundidade e sugerindo também que a figura está emergindo para frente da cena. Os sentidos de profundidade e dinamismo reforçam o aspecto barroco/maneirista de toda a composição.


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5.5 Informação estética e visualidade. A informação estética depende primordialmente da sensibilidade e da subjetividade, que segundo Teixeira Coelho (1973:16), é campo da percepção diferencial, mesmo aceitando a subjetividade como um tipo de objetividade interiorizada. Por isso, a informação estética não pode ser reduzida ou traduzida sob pena de perder seu sentido original, além de ser uma mensagem que não se esgota em uma única transmissão, porque está aberta a diversas impressões e interpretações subseqüentes. Deve-se reconsiderar ainda que, para se apreender esse tipo de informação, é facultativo o uso de recursos lógico-racionais, ao contrário do que impõe a informação semântica. Toda informação semântica sempre apresenta algum grau de informação estética, porque qualquer tipo de informação tem que recorrer primeiramente aos sentidos do receptor. Toda informação estética também apresenta elementos semânticos que, todavia, não comprometem o seu caráter essencialmente sensível. O valor de uma informação ou mensagem é diretamente proporcional à sua capacidade de modificar o comportamento do receptor, seu procedimento físico, mental ou afetivo. No entanto, para promover compreensão, além das respostas sensíveis ou afetivas, o repertório envolvido em uma mensagem, ou pelo menos boa parte dele, deve compor também o repertório do receptor. Isso sugere dois enfoques a respeito do valor da informação: 1. o enfoque subjetivista, qualitativo, que diz respeito ao sujeito receptor da mensagem, a esse interessa o que Jorge Vieira denomina como gramaticalidade (que neste caso apresenta uma coerência com os parâmetros gramaticais que são reconhecidos pelo sujeito receptor), ou seja, o repertório da mensagem deve compor uma significação passível de ser interpretada de acordo com o repertório de um sujeito receptor definido; 2. o enfoque objetivista, quantitativo, que atua com o conceito de probabilidade, onde a gramaticalidade corresponde a uma expectativa estatística, que é extraída por operações matemáticas; portanto, associações estocásticas que são comuns no repertório da língua portuguesa, como por exemplo uma única associação


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entre as letras “e“ + “u” (eu), estatisticamente apresenta alta probabilidade gramatical para um suposto receptor médio, indefinido, que, por princípio lógico, detém o acervo lingüístico-gramatical do português. O tratamento matemático dado à informação é possibilitado por sua formulação como um processo estocástico, no qual: Mudanças de estado são regidas por probabilidades e a definição implica que, quanto mais provável for o signo, menos informativo ele é. Ou seja, para uma visão subjetivista, centrada no observador ou receptor, o improvável, a novidade, a originalidade, constituem informação. Do ponto de vista objetivista , do que realmente acontece no emissor, o fato de um signo ser mais ou menos provável não se refere ao original e sim à estocástica do processo, que tem a ver com seu caráter gramatical (Vieira, 2001: 2). Do ponto de vista subjetivista, o que qualifica e valoriza a informação é seu aspecto inovador, constituindo uma nova formulação para os signos já conhecidos. Alguém que apreende uma informação inédita em português, por exemplo, é alguém que conhece o repertório da língua (alfabeto, sílabas e um razoável conjunto de palavras) e, em um dado momento, percebe esse repertório organizado de maneira inusitada para si. Quanto mais original e inédita for a mensagem, maior será o valor da informação. Nesse sentido, o seu valor reside na sua imprevisibilidade, e, por via de conseqüência, quanto mais óbvia for a mensagem menor será a informação final. O enfoque subjetivista e o objetivista concordam que uma mensagem com grande repertório amplia suas probabilidades gramatical e estocástica, aumentando mesmo que indiretamente a informação. Mas, para ser compreendida, esse tipo de mensagem impõe ao receptor a posse de um repertório amplo, o que não corresponde à realidade do sujeito receptor e tão pouco à realidade estatística, fazendo prevalecer a máxima que apregoa: “quanto maior o repertório de uma mensagem, menor será sua audiência” (Teixeira Coelho, 1973: 19). O desafio proposto para ao emissor de uma mensagem é produzir o máximo de informação final (provocar o máximo de modificações) no máximo de receptores. A eficácia da mensagem depende então da capacidade do emissor de encontrar um ponto eficiente entre os dois extremos: informação máxima e máxima audiência. De acordo com Vieira (2001: 2), tendo em vista que as mensagens são sistemas de signos, os quais dispõem de informações individuais, Shannon julgou


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interessante a idéia de trabalhar com a informação média contida na mensagem, representando-a como “propriedade de ensemble ou conjunto”. Esse procedimento fornece a informação média dentro da mensagem, cuja fórmula matemática é coincidente com a utilizada para determinar a entropia nos sistemas termodinâmicos. Nesse sentido, Shannon adotou o termo entropia para indicar a informação média na Teoria Matemática da Informação. Quando a entropia se aproxima do máximo, é a informação média do conjunto que também se dirige para o seu ponto mais alto, indicando que todos os signos têm a mesma probabilidade de ocorrência. Objetivamente, o que está em jogo neste caso não é diretamente o tamanho do repertório, mas a homogeneidade determinada pela eqüiprobabilidade das ocorrências, seja: 1. pela carência de organização, por exemplo, como uma folha de papel recoberta por figuras geométricas, com diversos tamanhos e formatos, dispostas em todas as posições, de maneira que qualquer uma das figuras pode ocupar com igual probabilidade qualquer posição do papel; 2. ou pelo excesso de organização do sistema, por exemplo, uma outra folha de papel ocupada por quadrados idênticos, dispostos em rígida simetria, dois ocupando a metade superior da folha e dois a metade inferior, do mesmo modo, qualquer uma das figuras pode ocupar com igual probabilidade qualquer posição do papel. A frase: não ponta mina coisa apresenta um alto grau de imprevisibilidade19, uma vez que esse arranjo sígnico é improvável e incoerente nas mensagens em língua portuguesa, e também há um alto grau de entropia, do ponto de vista da teoria matemática, o que representa excesso de homogeneidade por falta de organização e gramaticalidade. Qualquer palavra pode ocupar com igual probabilidade diversas posições na frase. No interior desse sistema não há espaço para um significado ou para a coerência lingüística. Jorge Vieira (2001: 6) assinala, entretanto, que a incoerência do conjunto garante alta entropia e alta informação média, apesar da baixa previsibilidade, uma vez que a mensagem chama atenção por sua incoerência e se apresenta como um 19

A imprevisibilidade da frase não é determinada pela ausência de significado do seu conjunto. O que é raro é o encadeamento das palavras cuja freqüência pode ser medida matematicamente no uso da língua. Por exemplo, é incomum o conjunto de letras: n, ã, o; preceder o conjunto: p, o, n, t, a.


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”improvável informativo”. Nesse ponto, Vieira toca numa questão fundamental para este trabalho, que vem desenvolvendo uma seqüência de idéias distintivas entre o valor de atração e o valor de atenção (op. cit., item 4.2: 150), ao mesmo tempo que propõe o sentido como algo diferente e mais amplo do que o significado (op. cit., item 1.1: 26-7), além de propor também a distinção entre informação estética e informação semântica. De qualquer modo, deve ser ressaltado que a incoerência informativa apontada por Vieira, por ser carente de conteúdo significativo, é um produto específico da estrutura de expressão, sendo motivada primeiramente pelo seu valor de atração, como uma informação expressiva e predominantemente subjetiva, que não pode ser indicada pela teoria matemática. Por outro lado, quando alguém diz a uma pessoa: você é uma pessoa, essa frase apresenta alto grau de previsibilidade, coerência e gramaticalidade, portanto, alto grau de homogeneidade e de entropia. A coerência emerge como algo informativo (informação média), mas sem grandes novidades, porque cada signo tem seu lugar rigidamente definido na frase; qualquer troca de posição entre os signos, proporcionaria uma perda de homogeneidade, mas também uma conseqüente perda de gramaticalidade. Excetuando as possibilidades conotativas, que podem ser propostas pelo contexto ou pelas formas de expressão, a frase você é uma pessoa, sob o ponto de vista subjetivista caracteriza algo corriqueiro, com baixa informação final, devido à sua rígida organização e alta gramaticalidade. Para aumentar o coeficiente de inteligibilidade semântica e gramaticalidade, uma mensagem pode ser acrescida de redundância, por meio da reafirmação ou repetição de dados capazes de facilitar a apreensão de uma mensagem. Na frase: não ponta mina coisa, é possível aumentar

a redundância

acrescentando os itens sublinhados: (não) é a (ponta) da (mina) aquela (coisa) lá? Do ponto de vista objetivista, isso ocorre porque estatisticamente a palavra “é” comumente procede à palavra “não” ou a palavra “aquela” comumente precede à palavra coisa e assim por diante. Partindo do ponto de vista subjetivista, como descrito por Vieira (2001), Teixeira Coelho (1973.: 26) relaciona valor informativo e originalidade e afirma que a informação utilitária e a informação de massa são feitas basicamente de redundâncias.


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De modo geral, a comunicação cotidiana é plenamente redundante, as mensagens só não são estéreis porque são revalidadas pelas circunstâncias. Assim, quando alguém diz a uma outra pessoa: está na hora de se levantar, utiliza-se de uma mensagem redundante, sendo que a utilidade da informação é garantida pela necessidade de se acordar em tempo hábil para cumprir compromissos, necessidade que, provavelmente, é renovada dia após dia. Esse mesmo autor propõe que “a informação estética de nível superior (ou seja, a arte) procura sempre o máximo de originalidade, introduzindo na mensagem elementos novos, que ampliam o repertório transmitido, baixando a redundância e aumentando a taxa de informação”. Nesse sentido, a redundância, que é fator importante para a gramaticalidade da informação semântica, não é igualmente valorizada no tocante à informação estética, que privilegia a originalidade. Há uma ambigüidade na relação da informação estética com os códigos convencionais, porque este tipo de informação busca corromper essa codificação no sentido usual (romper com a redundância) com a finalidade de alcançar outras possibilidades de significação. Refletindo em conjunto com Humberto Eco, Teixeira Coelho (ibid.: 28) diz: Dentro do contexto em que são apresentados, os elementos significativos se movimentam e se cambiam através de “clarezas” e “ambigüidades” sucessivas que acabam por remetê-los a um determinado significado que, logo a seguir, se apresenta como a possibilidade de outros significados diferentes dentro de uma rede de escolhas possíveis. Os códigos estéticos são essencialmente pessoais, apoiando-se na função emotiva da linguagem, porque sua estruturação está baseada nos aspectos característicos e nos desejos do emissor. Uma vez corrompido no seu sentido literal, o código fica exposto aos diversos tipos de interpretação, obrigando o receptor a um esforço interpretativo, cujo caráter também é pessoal. Com relação à mensagem visual, há uma analogia entre os conceitos de forma aberta e fechada, como foram propostos por Wölfflin, e a relação entre redundância e originalidade, como foi aqui apresentada: ao configurar uma forma aberta, busca-se originalidade, inserindo ambigüidade na sua composição. Isso exige a participação interpretativa do receptor. Na estruturação da forma fechada, lança-se mão do recurso da redundância, para encerrar a forma em si mesma. A primeira tende aumentar a originalidade e diminuir a gramaticalidade sendo,


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portanto, mais difícil de ser transmitida com sucesso. Os vazios espaciais estabelecem também vazios perceptivos e interpretativos, tornando complexa a composição e exigindo um esforço de interpretação do receptor. O contraponto da ambigüidade, variabilidade, e não-simetria é a previsibilidade determinada pela periodicidade e gramaticalidade, ou seja, aquilo que é recorrente dentro de certos intervalos de tempo ou espaço. O jogo entre imprevisibilidade/ambigüidade e previsibilidade/periodicidade faz parte da constituição das mensagens semânticas e estéticas. Nesse jogo, a expressão típica das formas interage com o significado semântico, produzindo a redundância apaziguadora ou a originalidade inquietante. De acordo com as palavras de Amálio Pinheiro, na expressão “I like Ike” (cuja sonoridade é algo próximo a: “ai laique aique”), o rebatimento sonoro é usado para subtrair complexidade, a periodicidade dos sons reforça a redundância tanto na expressão quanto no conteúdo, consistindo em uma mensagem que visa massificar uma mensagem política (na pronúncia original, a frase “eu gosto de Ike”, compõe uma forma fechada, que faz menção a um candidato norte-americano). Há, portanto, um tipo de periodicidade perniciosa, massiva, onde a redundância não está a serviço da gramaticalidade organizadora, mas da simples repetição viciosa. Sobre isso,Teixeira Coelho (1973: 35) argumenta: Introduzindo-se uma periodicidade marcada na forma transmitida, criando-se nela um ritmo ordenado, consegue-se portanto um alto grau de adesão do receptor à mensagem – o que não significa idêntico grau de participação: a adesão configura freqüentemente uma atitude passiva, um comportamento consumidor e não criador. Por outro lado, Pinheiro ressalta as expressões poéticas: “amar amaro” e “amor humor”, como exemplos onde a periodicidade sonora é usada para ampliar a complexidade da mensagem, porque há uma aproximação sonora (paronomásia) entre palavras aparentemente contraditórias. O amor é algo sério ou engraçado? O amor é doce ou amargo? Essas inquirições, subtendidas nas afirmações poéticas, propõem uma forma aberta, que possibilita outras percepções e interpretações. O sistema sonoro infere no sistema semântico e vice-versa. Os exemplos do parágrafo anterior servem também para ilustrar as possibilidades citadas por Vieira (2001:7), de sistemas que são complexos devido ao seu alto coeficiente de organização; nesse sentido, é estabelecida a diferença entre


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ordenação e organização, uma vez que nem tudo que é ordenado como a frase I like Ike é organizado e nem tudo que é organizado como a expressão amor humor é simples ou perniciosamente redundante. Teixeira Coelho (ibid.:93) confirma a tese do estilo barroco como uma das primeiras formas de obra aberta, sugerindo um conjunto de possibilidades interpretativas. De qualquer modo, a informação estética nunca se mostra totalmente fechada, permitindo ao espectador considerar a mensagem de um ponto de vista pessoal de acordo com sua formação e sensibilidade. Certas manifestações estéticas, porém, são propositalmente abertas e foi assim que Wölfflin considerou as manifestações estéticas do barroco, como formas abertas em oposição às formas mais fechadas e simétricas do renascimento, onde a gramaticalidade é muito considerada. Com relação às formas clássicas, fechadas, as formas abertas do barroco ampliam consideravelmente a desordem e o repertório, aumentando o coeficiente de originalidade e diminuindo a redundância. A partir dessas evidências, Teixeira Coelho (ibid.: 95-6) aponta um paradoxo no processo de comunicação da arte barroca porque, pela lógica proposta por ele próprio, a ampliação do repertório deveria provocar uma redução na audiência. Entretanto: audiência do Barroco foi uma das maiores da história da arte, (...) tanto que o Barroco pode ser chamado o primeiro grande estilo mundial (...) A pergunta que então se coloca é: o barroco, com sua abertura, sua desordem, sua extensão para fora do plano dos suportes materiais, com sua proposta de participação do receptor, é ou não, efetivamente, um tipo de mensagem estética de maior taxa de informação, é ou não um estilo de grande audiência? (ibid.) A

Em resposta a essas questões, Teixeira Coelho (ibid.:97) afirma, então, que não é suficiente maior quantidade de informação e, conseqüentemente um repertório mais amplo, um maior grau de desordem para que uma mensagem estética ou semântica seja portadora de informação de alto valor. Nesse sentido, o autor propõe que se faça uma diferenciação entre qualidade e quantidade de informação, apontando a fragilidade da teoria matemática quanto a avaliação qualitativa da mensagem, fato que já foi mencionado e analisado por diversos autores, inclusive Morin (1987:278, op. cit., item 4.3:157- 8), e reconhecido até mesmo por Weaver (1945/1975: 6, op. cit., item 4.1: 141). Apesar de não colaborar diretamente na análise qualitativa da comunicação,


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a teoria matemática consegue determinar quantitativamente o grau de redundância, gramaticalidade, ou de originalidade de uma mensagem. A análise quantitativa orienta a análise qualitativa no tocante à informação semântica, uma vez que o grau de recorrência dos elementos de uma mensagem no processo estocástico da informação, indica seu grau de gramaticalidade como possibilidade de significação. Elementos

estatisticamente

comuns,

quando

ordenados

de

modo

convencional e recorrente, indicam uma mensagem também convencional e provavelmente compreensível. Por outro lado, em termos qualitativos, uma indicação matemática da originalidade de uma mensagem é bem imprecisa, pois, quando se estabelece estatisticamente uma baixa redundância (ou gramaticalidade) na mensagem, isso não atesta seu grau de coerência ou de significação, apesar de assegurar sua originalidade. É possível, também, que mensagens com coeficientes de originalidade compatíveis com índices de redundância estatisticamente aceitáveis não sejam inteligíveis para o público receptor, mesmo que o repertório desse público seja compatível com o repertório da mensagem. Prosseguindo a argumentação, Teixeira Coelho (1973: 97) diz que o estilo barroco é mais imprevisível e original que o renascentista, porém o primeiro não apresenta uma produção qualitativamente uniforme, porque nem toda manifestação de arte barroca foi amplamente aceita pelo público. As obras com altos índices de originalidade, imprevisibilidade e de repertório extenso, segundo esse autor, foram ignoradas pelo público da época devido à sua complexidade. Algo semelhante foi dito por Hauser (1993: 09-10, op. cit., item 5.3: 190 -1) com relação ao maneirismo que serviu de repertório aos gênios da arte e também aos medíocres. Há um tipo de variedade que, por sua insignificância qualitativa, só adquire sentido como índice quantitativo sendo apresentado como um único elemento. Por exemplo, quando se diz: João e Pedro estavam lá, mas Maria não foi, cada um dos elementos representa em si e por si mesmo valor quantitativo (cada um é mais um) e qualitativo (cada um é insubstituível: João ou Pedro ou Maria). Por outro lado, quando se diz: havia uma multidão de alunos no pátio, um grande número de elementos (alunos) passou a ser tratado como um único elemento (multidão). Em seus aspectos mais decorativos, o maneirismo/barroco apresenta uma profusão de formas e arabescos em grande variedade, mas com pouco valor distintivo no conjunto. Isso caracteriza um tipo específico de redundância, que Moles


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denominou de empilhamento, pois, apesar de apresentarem diversidade em suas formas, esses elementos redundantes aparecem como “sinônimos” na composição. Por exemplo,

estatisticamente, a frase: mas porém contudo todavia

entretanto demonstra alto grau de originalidade, porque

a possibilidade dessa

seqüência de palavras é muito rara no processo estocástico da língua portuguesa, porém, com relação ao significado ou à informação semântica, é um conjunto de signos altamente redundantes. A maioria dos elementos decorativos utilizados na composição visual serve para preencher espaços ou compor ritmos e, exceto por um ou outro elemento, que agrega algum sentido específico ao conjunto, o restante colabora para compor um sentido no coletivo, que expressa o “empilhamento”, estando mais relacionado ao aspecto quantitativo do que ao qualitativo. Teixeira Coelho (1973: 98) recorre então ao conceito de kitsch, como proposto por Moles (1971/1975), para explicar que as manifestações mais populares do barroco apelam para o exagero, a dramaticidade emotiva e para outros efeitos expressivos. Moles (ibid.:73), por sua vez, assinala essas mesmas características nos estilos maneirista e rococó: “O princípio de acumulação ou frenesi não é, contudo, exclusivo do kitsch, e também o maneirismo e o rococó participam deste fator latente”. Contudo, é muito difícil definir, a partir de aspectos formais, aonde termina o maneirismo e inicia o barroco. Hauser (1965/1993) trata esses termos como sinônimos e Hocke (1957/1974) considera o barroco como um tipo de expressão maneirista. Do mesmo modo, é difícil demarcar os limites entre o barroco e o rococó, exceto nas expressões mais características de cada estilo. Enfim, para Moles (ibid.: 71-5), os princípios indicadores da expressão kitsch são: inadequação, acumulação, sinestesia, meio-termo e conforto. 1. O primeiro, princípio de inadequação, caracteriza-se por um desvio com relação à função proposta ao objeto ou a um de seus aspectos, que permanentemente se afasta de seu objetivo nominal, substituindo o puro (funcional) pelo impuro (decorado) e aliando o bom acabamento à concepção formal sempre distorcida. 2. O segundo, princípio de acumulação, que se manifesta nas formas saturadas, sobrecarregadas e redundantes pelo empilhamento da ornamentação. 3. O terceiro, princípio de percepção sinestésica, caracteriza-se pela tomada de


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assalto de vários canais sensoriais do receptor, simultaneamente, estando imediatamente ligado ao princípio de acumulação. 4. O quarto, princípio do meio-termo, busca o deslumbramento do espectador pela novidade, mas fica a meio caminho do novo, opondo-se à vanguarda e se mantendo como arte de massa, que é proposta ao público como um sistema. 5. O quinto, princípio de conforto, propõe uma mensagem de fácil aceitação, que seja próxima do receptor, não lhe opondo resistência ou exigindo-lhe maiores esforços: “formas difusas, cores desmaiadas, espontaneidade perceptiva e aceitação fundamental”. Há uma discrepância entre o segundo princípio, de acumulação, que fala do excesso decorativo, e o último que, ao exemplificar o conforto, sugere uma visualidade desbotada (cores desmaiadas), o que não combina com a idéia de excesso. Nem Moles ou Teixeira Coelho consideraram devidamente o fascínio e o deslumbramento provocados por formas profusas e excitantes, que é um dado relevante na aparente contradição apresentada pelo estilo maneirista/barroco, ao combinar aumento da diversidade e aumento da audiência. Moles aponta o cacoete pequeno burguês de inquirir sobre o significado da obra de arte, ao perguntar constantemente: o que isso quer dizer? Mas, apesar disso, o público em geral é capaz de aceitar algo que não compreende totalmente, contentando-se em admirá-lo, desde que não lhe exija grande esforço ou, nas palavras de Moles, desde que não contrarie o princípio de conforto (que necessariamente não é reforçado pela falta de estímulos visuais). Retomando Mukaröviský (1993: 89), vale recordar que o prazer estético não está necessariamente vinculado ao alto grau de valor estético, portanto, apesar de ser comum a preocupação com o significado (com o valor de atenção), há também a atração visual (valor de atração), que atua na esfera primeira das sensações e provoca sentimentos de fascínio e deslumbramento. As pessoas costumam dar nomes associativos aos fogos de artifício, como “chuva de lágrimas” ou “chuva de estrelas”, etc., entretanto, isso atende prioritariamente à necessidade de identificação e não de significação, porque os fogos de artifício primam pelo deslumbramento e fascínio que provocam.


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Conclusão

VISUALIDADE E SIGNIFICAÇÃO NAS MARCAS GRÁFICAS No capítulo anterior (item 5.3) ficou indicado que as transformações ocorridas na visualidade das marcas gráficas (logotipos e pictogramas), a partir da década de 1980, rompem em certos aspectos com o estilo geométrico-racional da estética funcionalista, cujo modelo foi proposto pela Bauhaus no início do século XX. De acordo com Moles (1975: 166): A tese funcionalista e rigorosa da Bauhaus estava destinada a um êxito tal que, na perspectiva histórica, vemo-la promovida como uma das doutrinas máximas da Estética desde o Renascimento (,,,) Seu princípio básico estabelece que os objetos devem ser rigorosamente determinados por sua função. Introduz uma idéia de rigor, de disciplina, e por esta via, de ascetismo (...) Uma de suas conseqüências traduz-se pela luta sistemática contra toda e qualquer irracionalidade, contra tudo que parece excrescente à função, inclusive a decoração. As transformações nos modos de apresentação das marcas comerciais questionam esses preceitos teóricos e normativos do design racional-funcionalista que, de acordo com o proposto acima, privilegia o ascetismo, representado pela simplicidade formal e cromática, valorizando-o em conjunto com o domínio da funcionalidade. Além disso, seguindo as oposições propostas por Wölfflin, ao contrapor formas clássicas e barrocas, ficou evidente que a nova visualidade das marcas apresenta uma estética com aspectos maneiristas, porque sobrepõe um tratamento pictórico-expressivo aos contornos gráfico-lineares do design funcional. Há uma oposição dual no plano de expressão das marcas. Assim, a apresentação gráfica mais simples e objetiva, com formas e cores planas, vem sendo substituída por uma formulação pictórica mais diversificada e complexa, repleta de variações tonais e cromáticas. Por meio da computação gráfica, as marcas passaram a ser apresentadas com acabamento técnico sofisticado, representando perspectiva, movimento e volume, efeitos obtidos pelas variações cromáticas e tonais, que aparecem como o


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segundo texto visual sobreposto ao desenho. Essas transformações alteram a significação das marcas, interferindo em todo seu processo de comunicação (ao agir e retroagir sobre ele), uma vez que essa tendência aponta um desvio na norma estética adotada até então. Além de um desvio, a visualidade atual demarca um maior investimento nas funções emotiva e estética da informação em detrimento da função referencial. Nesse sentido, as características visuais parecem seguir uma tendência geral da administração e comunicação das marcas, que reforça as codificações expressivosubjetivas (conotativas), destacando os atributos intangíveis e simbólicos da marca, em detrimento das codificações lógico-objetivas (denotativas), referentes às propriedades materiais, tangíveis e objetivas dos produtos. O tratamento dado às formas busca promover o fascínio estético-visual, dissimulando os aspectos comunicativos e funcionais das marcas gráficas (fig. 63). Por outro lado, o predomínio da função estética é característica essencial da obra de arte. Portanto, as transformações na visualidade das marcas, ao recorrer sobremaneira aos recursos conotativos da fotogenia e do esteticismo, investem na constituição de um sentido artístico, que aparece como “pseudo-arte”, visualmente associada às características do estilo maneirista.

A

D

B

E

C

F

(Fig. 63. Fotogenia, esteticismo e maneirismo.)

Pelas semelhanças formais e estético-comunicativas, as análises e observações feitas com relação ao estilo maneirista/barroco também se aplicam à apresentação visual das marcas. Assim, guardando-se as devidas proporções, aquilo que foi observado sobre a informação estético-visual no estilo barroco (item


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5.5),

também é evidente na formação do estilo gráfico digital que configura a

visualidade das marcas institucionais e comerciais, inclusive nos aspectos redundantes, que demarcam a presença do traço kitsch em ambos os casos. Moles (1975:166-7) observa que há uma nova consciência kitsch, aparecendo em grande escala no ambiente do consumo de varejo: A sociedade da abundância caracteriza-se pela vontade de fazer funcionar a máquina econômica através da demanda eterna do consumidor, ou seja, o mercado encontra-se envolvido em um processo de circulação que deve necessariamente acelerar-se. Trata-se de uma ética do supérfluo, da extinção planejada e do consumo forçado (...) Segundo Baudrillard, a ética consumidora é anti-ascética, uma vez que o asceticismo da função constrói o objeto com vistas a uma eternidade razoável. Logo, deve necessariamente surgir um conflito pelo fato de que a sociedade cria o sistema neoKitsch visando, em relação a cada um dos objetos inúteis que ela cria, neles incorporar uma funcionalidade. O conflito a que Moles se refere é estabelecido porque o princípio da funcionalidade propõe, dentre outras coisas, objetividade e durabilidade ao produto, enquanto a lógica de mercado requer a aceleração da rotatividade de consumo. Essa contradição é dissimulada de diversas maneiras, abrindo espaço para simulação, redundância e excesso como características kitsch. As marcas gráficas expressam esse mesmo conflito pelo tratamento maneirista que é sobreposto às formas geométrico-funcionalistas, do mesmo modo que a aparência funcionalista é sobreposta aos produtos supérfluos. Assim, a ambigüidade barroca é assinalada tanto no texto semiótico, quanto no seu referente. As considerações de Moles sugerem estratégias conotativas para o aumento do consumo de produtos, incluindo a criação de necessidades por meio de discursos míticos e apelos simbólicos (conotativos). Essas estratégias atuam com os dispositivos e discursos que são incorporados aos produtos: 1. A primeira estratégia é a extinção incorporada ao produto, por meio de defeitos voluntários, que são introduzidos sistematicamente para garantir uma dissolução programada após um certo tempo. “A extinção, mais ou menos prevista... como condição necessária de renovação” (ibid.: 171). 2. A segunda estratégia incorpora ao produto uma especificidade funcional. Por exemplo, uma faca convencional é hábil para descascar diversos tipos de fruta. Mas, há uma faca cujo desenho é especial para descascar laranjas. O discurso


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que justifica essa nova aquisição envolve os benefícios do consumo diário de laranjas frescas, que requer um instrumento especial para garantir segurança e rapidez na tarefa de descascar as laranjas, além de oferecer também durabilidade (qualidade funcional por excelência), porque o material utilizado no produto é inoxidável. Assim, a redundância se justifica pelo discurso pseudofuncional. “A funcionalidade falsa que reduz a dissonância entre o ser real e o ser que se considera racional” (ibid.). 3. A terceira estratégia incorpora a mítica da modernidade técnica por meio da renovação na aparência onde o produto é revitalizado, modernizado basicamente pela renovação de sua aparência. “A moda que traz ao espírito as alegrias da participação no progresso com pequenas despesas” (ibid.). 4. A quarta estratégia incorpora a sacralização, porque, segundo Moles (1975:166): “o neokitsch recobre o kitsch, ou seja, quando ocorre o reconhecimento do kitsch como novo período da arte e do empilhamento como valor autônomo. A tese de Baudrillard é a de que o papel significante supera o papel funcional no âmbito do consumo”. Aqui a novidade não corresponde mais à modernidade tecnológica, que ainda se refere às qualidades do produto. A novidade vale por si mesma, como símbolo de atualidade, o modelo anterior fica “fora de moda”, um arcaísmo. O neokitsch recobre o kitsch porque uma nova aparência recobre a antiga sem necessariamente pretender alterar a função ou mesmo ter outra função além de ser atual. “A partir do momento em que uma coisa é tomada como objeto estético específico, deixa de ser uma coisa no sentido de pura materialidade. A arte pura, diz Baudelaire, consiste em criar uma imagem sugestiva capaz de comentar o objeto e o sujeito, o mundo exterior ao artista e o próprio artista” (ibid.). 5. A quinta estratégia é a publicidade, como elemento “gerador de desejos, e criador de funções” (ibid.). A publicidade é uma das principais fontes de simbolização e de construção de discursos míticos que são incorporados à marca e ao produto. “Os prazeres do jogo que vêm excitar o espírito” (ibid.). Essas estratégias não são excludentes entre si, pelo contrário, elas são constantemente reunidas para formar a estratégia de marca (branding) e constituir a imagem marca. “A estratégia de marca é, portanto, a marca” (Martins, J. R. 2000:27. Op cit. Item 1.6.3).

O que justifica os estudos de Moles e um trabalho como este aqui é o


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fato de que os profissionais que compõem essas estratégias não têm a consciência exata de sua natureza simbólica, como têm de suas ações e objetivos. As estratégias de “especificidade” e “sacralização”, por exemplo, compõem uma outra estratégia da diversidade, por meio de diferenças incorporadas em um produto básico. Isso nega a reprodução do antigo e propõe a distribuição de objetos novos: “um plano de ação baseado no recenseamento das necessidades e sua excitação permanente, plano realizado pelo designer (...) tendo por objetivo inocular no público um quantum determinado de novidade” (Moles, 1975: 169). Moles (ibid.: 170) apresenta o supermercado como o templo do neokitsch, ou seja, campo de ambigüidade entre o funcional e o superficial, compondo “uma atmosfera de ‘festa’, a festa da aquisição, e simulando oferecer generosamente, como brinde, iluminação, cores, claridade, sorrisos”. Assim, o autor reforça a idéia proposta anteriormente de que o consumo não se fixa unicamente no produto, porque tudo, até o brilho, as luzes e as cores, é oferecido ao consumo. “A extinção do objeto constitui talvez o primeiro critério distintivo entre o neokitsch e seu antecedente o kitsch” (ibid.: 173). As considerações de Moles a respeito do neokitsch servem de síntese para o conjunto de proposições feitas ao longo deste trabalho sobre a visualidade das marcas institucionais e comerciais, cuja tendência é assumir um valor autônomo e ambíguo, entre a funcionalidade e o excesso decorativo, mas, ressaltando seus aspectos auto-referente e autopublicitário. Para acompanhar a estética neokitsch, que inclui a extinção incorporada no produto e a diversificação, a apresentação visual das marcas vem rompendo com vários dogmas do design tradicional. O primeiro deles diz respeito à invariabilidade visual das marcas, que deveriam ser constantemente reapresentadas na mesma posição e com as mesmas cores. Porém, atualmente, as reapresentações da marca variam as cores, texturas e ângulos de apresentação, sendo expostas tanto em partes como no todo (fig. 62) sem desintegrar sua unidade. Isso é possível porque, depois da popularização do vídeo (televisão, computadores multimídia, etc.), vive-se imerso cotidianamente em uma cultura da imagem em movimento. As animações gráficas reconstroem os elementos dispersos das marcas formando vinhetas dinâmicas que educam visualmente o grande público que forma a audiência das redes de televisão. Um exemplo disso é a apresentação do novo pictograma da marca Bradesco,


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que é reconstruída diariamente no vídeo a partir de elementos a princípio dispersos, mas que são agrupados para compor o pictograma da marca. Ao definir um repertório gráfico, o designer sempre faz escolhas para distinguir e especificar o desenho da marca. Todavia, o desenvolvimento das possibilidades perceptivas do público e as sofisticações tecnológicas permitem uma relação interessante entre especificidade e variedade, fazendo com que a mesma marca possa ser modificada de acordo com cada situação, para “inocular no público um quantum determinado de novidade”. O livre tratamento das formas permite a diversidade e, ao mesmo tempo, preserva a especificidade funcional do desenho. Os excessos são amparados pelo discurso gráfico-geométrico, que reduz a dissonância entre o real e o que se considera racional. Há um investimento conotativo na modernidade tecnológica, devido à aparência high tech das marcas gráficas. Há também a sacralização quando o neokitsch recobre o kitsch, no momento em que a marca é tomada como objeto estético específico, dissimulando sua função referencial. O kitsch é assinalado pelo excesso agregado ao funcional, por sua vez, o neokitsch dissimula o caráter funcional e apresenta o desenho da marca como auto-suficiente (pseudo-arte), cujo sentido conotativo caracteriza sua completude. As funções fática e estética estabelecem as marcas gráficas como textos emblemáticos e autopublicitários, ou seja, um sinal visível que aparece por si e para si, com força de atração e espetáculo. Por sua vez, a função referencial assinala a função prioritária da marca como texto representativo de uma instituição, empresa ou produto comercial. Mas são as funções fática e estética que estão sendo reforçadas em detrimento da função referencial, o que estabelece também no design de marcas o paradoxo neokitsch. No tocante à visualidade das marcas, a estética neokitsch propõe a hipertrofia da função fática e da função estética em detrimento da função referencial, configurando um tipo especial de função emotiva, revelando uma intenção nãofuncionalista do emissor. Isso é diferente do que acontece com relação aos produtos, porque nesse caso, o neokitsch oferece a aparência funcionalista para recobrir objetos supérfluos. Mas, em ambos os casos, o que fica estabelecido é a ambigüidade. Moles assevera que, na atualidade, todas as expressões kitsch investem


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contra o funcionalismo. Na visualidade das marcas gráficas, o neokitsch investe na estética do espetáculo, propondo logotipos e pictogramas como elementos de fruição e consumo. A marca oferecida como espetáculo para consumo e fruição ressalta as características da função emotiva, que expressa os valores que o emissor quer atribuir à marca para também serem atributos às empresas e instituições ou a seus produtos e serviços. No geral, todas as formas de expressão das marcas compartilham dessa tendência, seja um nome, símbolo gráfico ou slogan o elemento identificador. Por exemplo, ao compor nomes originais, que não são associados de modo denotativo ou metafórico com os referentes da marca, há a preocupação em criar sentidos ou eufonias por similaridade sonora. Na formulação dos slogans e outras peças de marketing e publicidade, é recorrente o uso da codificação expressiva, com apelos subjetivos e valores intangíveis, indicando que tudo é oferecido ao consumo, seja no campo da aparência ou essência. A marca Motorola oferece “asas” ao consumidor, o slogan: “te dá asas”, caso fosse julgado pela ética funcionalista, deveria ser considerado como “propaganda enganosa”, uma vez que a marca representa produtos eletro-eletrônicos de áudio e não aviões ou similares. O que tem sido esclarecido nas estratégias de posicionamento das empresas é que, no geral, sua missão vai além da fabricação ou fornecimento de bens e serviços. Assim, uma locadora de automóveis revela sua missão ao anunciar que “nós alugamos liberdade”, e uma empresa de cosméticos diz “nós produzimos beleza”. No âmbito da composição do produto também se destaca essa tendência. De acordo com Aaker (1998: 96., op. cit. 2.3: 88), os fabricantes japoneses retiraram do foco principal do marketing o discurso em torno das qualidades técnicas, como durabilidade e resistência, ressaltando na fabricação e apresentação dos carros elementos que fascinam e proporcionam prazer, com níveis extraordinários de aparência, cujo efeito cumulativo (neokitsch?) muda a personalidade do carro. Os designers, em especial os que desenham as marcas, têm assumido como tarefas simultâneas: 1o - a aplicação das novidades estéticas e tecnológicas aos o desenhos clássico-funcionalistas e 2 - a configuração de uma estratégia que

propõe envolver o desenho de marca em um invólucro, que ressalte e sobreponha


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as funções fática e estética, produzindo fascínio e deslumbramento.

A

B

C

(Fig. 64. Pictograma da TV Globo. A – desenho Original, B – monocromático, C – policromia.)

A marca gráfica da Rede Globo de Televisão (fig. 64) é um trabalho do designer Hans Donner, que representa a principal empresa da maior corporação brasileira no ramo da informação jornalística e dos espetáculos televisivos. O seu desenho tem uma história interessante, porque foi esboçado primeiramente em um guardanapo de papel, dentro de um avião da Swissair, que voava sobre o Atlântico e, apesar dos diversos tratamentos recebidos, o desenho básico de suas formas se mantém igual ao original de acordo com as palavras do próprio Donner (1997): Foi num guardanapo da companhia aérea, guardado até hoje, que nasceu a marca da Globo. De repente me dei conta de que Globo só podia ser mundo, só podia ser volume (...) o primeiro rabisco que fiz foi uma esfera, com uma tela de televisão, e uma esfera menor dentro. E visualizei aquele globo solto, flutuando no ar. Precisaria esperar dez anos para um gênio matemático conseguir produzir em computação aquele símbolo, como o vi do avião. Até lá, teria que simular a liberdade da esfera no espaço, e seu volume, com efeitos especiais. Sem necessariamente copiar, o designer estabelece um diálogo mediador entre os grandes inovadores e o mercado consumidor, adaptando as novas idéias e formas para serem assimiladas pelas camadas consumidoras (Moles, 1973, 175-6). Nas três imagens da marca TV Globo aqui apresentadas (fig. 64), é possível perceber: A - a expressividade no desenho realizado com caneta esferográfica sobre guardanapo; B - a ordem geométrica na representação monocromática; e C o tratamento dado às formas em policromia. A primeira imagem (A) é muito expressiva acionando mais a vivência perceptiva que a intelecção cognitiva. Apesar da estruturação geométrica, a sua execução evidenciou um conjunto de índices visuais, remetendo a percepção para fora dos limites da marca, tanto ao nível da expressão quanto do conteúdo. Isso


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caracteriza a imagem como obra aberta. Pois, além do contorno geométrico das linhas, demarca também a expressividade do traçado impreciso (quando as linhas abandonam os limites do contorno e apontam o espaço) e o registro dos materiais utilizados: caneta e papel de guardanapo. A pessoalidade do traçado constitui a figura de um narrador desenhista que, a despeito das irregularidades do desenho, aparece no texto gráfico como hábil, determinado e portador de conhecimentos sobre sombra e luz (tudo isso, independente das peculiaridades do desenhista de fato). Portanto, essa primeira imagem “fala” do desenho, das habilidades e dos materiais envolvidos no ato de desenhar, assinalando o desenho como representação e ensejando perguntas do tipo: O que isso representa? O que se quer dizer com isso? Quem desenhou? Portanto, apesar dos valores estético-expressivos da representação, sobressai também sua função referencial. A segunda imagem (B) é essencialmente gráfica e, apesar de mostrar valores expressivos concentrados na representação da luz e sombra, o texto é dominado pelo aspecto intelectivo com maior estímulo à leitura do que à vivência perceptiva. O seu caráter hierático, emblemático, ressalta a função simbólico-referencial e a funcionalidade expressas na exatidão e limpeza da imagem, As qualidades técnicas e estéticas estão a serviço da comunicação. Imagem ascética, didática e fechada sobre si mesma, nada se pronuncia na composição além da marca, que remete imediatamente a uma outra coisa, ressaltando o domínio do simbólico. A terceira imagem (C) provoca um deslumbramento visual tão forte que, no primeiro momento, aciona a pura sensação visual, sem priorizar a vivência perceptivo-afetiva ou a intelecção cognitiva. A imagem explode ofuscante nas retinas. Passado o momento inicial, os processos sensíveis e intelectivos são ambos acionados para a interpretação das formas, definição de contornos, leitura dos volumes e decodificação das cores. As vivências expressivo-afetivas se esgotam com mais rapidez e, a partir de então, a experiência torna a se fixar nas sensações (estesia). As variações tonais e cromáticas usadas na representação do volume e da textura das formas, apesar da aparente complexidade, apresentam-se como informações redundantes, onde grande número de elementos produz um baixo coeficiente de informação final. Isso fica evidente quando comparado às imagens


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anteriores onde luz, sombra e volume são eficazmente representados por poucos elementos. A imagem recebe um tratamento pictórico e, sob esse aspecto expressivo, mostra-se como uma imagem mais aberta que a anterior, porque, dentre outros fatores, a representação mostra o fundo refletido na figura, relacionando e misturando essas duas instâncias. O contorno da figura também é dissimulado por essas interações entre a figura e fundo, principalmente nas bordas mais claras que representam a luz. Além disso, as inúmeras manchas que se misturam e entrecortam formam incontáveis ritmos e desenhos internos, compondo na imagem um labirinto visual. Tudo isso, no entanto, reafirma uma mesma informação denotativa: duas esferas, uma menor dentro de outra maior, que tem uma abertura em forma de tela de vídeo. O que excede os elementos essenciais que denotam a forma básica manifesta um aspecto redundante do ponto de vista denotativo, introduzindo outras possibilidades conotativas, metafóricas. Um sentido importante que se destaca dessas relações é a ambigüidade entre o aberto e o fechado, entre a funcionalidade e a decoração. A redundância na representação do volume e dos brilhos produz uma dinâmica interna que capta o olhar e as sensações, aprisionando-os dentro da forma. O requinte se manifesta pelo excesso, configurando a estética do empilhamento. A imagem recobre a si mesma, mostrando-se auto-suficiente e auto-referente, calam-se as perguntas e os sentimentos e resiste o fascínio visual, o êxtase dos sentidos. A hipertrofia da função estética propõe a marca como objeto estético puro, sonegando a função referencial, até mesmo no tocante à representação naturalista, porque a sobrecarga de efeitos visuais constrói uma super-realidade ou hiperrealidade, com recursos de avivamento e detalhamento da imagem super-reluzente. O real, que poderia ser expresso pela representação naturalista das duas esferas de metal cromada, sucumbe diante da hiper-idealização. Como no estilo maneirista que emergiu na arte do século XVI, o real e o ideal foram mesclados de tal maneira que não há como perceber o ponto de passagem entre a realidade e a super-realidade. Como assinala Moles (1973: 71), “o objeto está sempre, e ao mesmo tempo, bem e mal situado: ‘bem’, ao nível da realização cuidada e acabada (o acabamento visual da marca da TV Globo é primoroso), ‘mal’ no sentido de que a concepção está sempre amplamente distorcida”.


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Perguntar o que significa é inutil, porque o significado (uma esfera dentro de outra - o mundo dentro do mundo da tv) é dissimulado e perdido em meio à exacerbação da estesia. O significado está lá, a referência também está implícita, o próprio poder de informação da TV Globo garante a todos o reconhecimento do símbolo gráfico da empresa. Todavia, não são esses aspectos denotativos que sobressaem no momento de percepção da forma. Por outro lado, essa apresentação não deixa de produzir sentido ou significação, porque apresenta aspectos conotativos e aponta a própria marca gráfica como espetáculo. A marca também é disposta como bem de consumo e, como representação de uma empresa do ramo dos espetáculos, é apresentada como um produto, um espetáculo, a ser consumido antes dos demais. Durante o desenvolvimento deste texto, a imagem de marca foi apresentada como um sistema aberto de significação, que se alimenta da interação de todas as expressões da marca com o público (produtos, serviços, contatos, comunicação, publicidade, etc.), caracterizando uma área administrativa de gerenciamento de marca (branding). A marca gráfica (trademark) também foi apresentada como o principal texto de expressão dessa imagem de marca. Uma marca gráfica, ao ser associada por convenção a uma empresa, por exemplo, atua como um nome próprio dessa empresa, passando a representá-la e a todas as atribuições que lhe são dedicadas, seja pelo emissor da marca, pela publicidade e, principalmente, pelo público. Essa propriedade de representação significativa justifica o caráter predominante simbólico da marca. Tanto a imagem de marca (brand) quanto sua expressão gráfica (trademark) são produtos das estratégias de comunicação e marketing e de design de marcas. Portanto, apesar de sempre ser definido para cumprir uma função de representação (função referencial), o texto visual gráfico também é escolhido de acordo com uma série de possibilidades associativas, criativas e de fruição que, de modo voluntário ou involuntário, definem também uma estratégia de comunicação e marketing. A imagem de marca é um conjunto de associações que, como tal, pode ser relacionado a qualquer marca gráfica, desde que haja recursos para estabelecer essa relação associativa entre a marca e seu referente na mente do público. A primeira grande função de importância da marca gráfica, portanto, é a identificação de uma instituição, empresa ou produto, possibilitando-lhes o recebimento das atribuições que lhes são destinadas.


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Um produto oferecido como commoditie acarreta o prejuízo de ser confundido com qualquer outro. Assim, por melhor que tenha sido a experiência de consumo por parte do público, isso não irá constituir um atributo para sua imagem de marca, porque não há uma forma de expressão distintiva dessas qualidades percebidas. A aparência e significações próprias da marca gráfica (trademark) também participam da composição da imagem de marca (brand). Isso ocorre por meio das associações prévias e significativas com as características peculiares da instituição, empresa ou produto, que irá representar, também, associações posteriores, que reforçam e sustentam todas as significações atribuídas aos seus referentes da marca. Quando o consumidor não reconhece a instituição, empresa ou produto representado, é a aparência da marca que informa sobre suas qualidades. Sentidos como modernidade, bom acabamento, seriedade, criatividade e “beleza” são propostos de forma conotativa pela aparência das marcas gráficas. As formas de expressão da marca, portanto, compõem também uma apresentação para aquilo que representam. Uma apresentação incoerente com a imagem de marca, negando o que o emissor pretende atribuir a uma instituição, empresa ou produto é desastroso para a comunicação e efetividade da marca. Muitas vezes, o primeiro contato do público é com a marca gráfica, nesse caso, a sua apresentação e significação são decisivas na aceitabilidade e valorização de todos os elementos tangíveis e intangíveis que a marca representa. Do mesmo modo que uma empresa precisa de uma boa marca, que seja coerente com seus atributos, uma boa aparência de marca precisa necessariamente de que a empresa também corresponda ao que é apresentado pela marca. É necessário, portanto, estabelecer níveis coerentes de aparência e eficiência em todos os pontos de contato com o público: publicidade, comunicação, atendimento, serviços e produtos, etc. Ao propor uma marca para si, a instituição ou empresa deve estar ciente dos seus projetos de expansão de maneira que essa marca possa ser estendida aos novos ativos e domínios que serão agregados. Isso irá possibilitar a permanência da marca e de sua imagem, porque a marca poderá ir se adaptando às mudanças sem correr o risco de ter que ser substituída o que envolveria também perda total parcial da imagem de marca. Pois, apesar da complexidade que envolve o conceito e a imagem de marca (brand), a sua parte tangível e significante é a marca gráfica


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(trademark). Toda a significação da marca (brand) é reunida e representada pela marca gráfica (trademark), que é a estrutura de expressão da imagem de marca e também parte integrante do seu processo de significação, porque os seus atributos simbólicos particulares também passam a influenciar e compor o conjunto de significação da marca. A marca gráfica é um vasto campo de significação, garantindo visibilidade e servindo como registro de todos os sentidos atribuídos à instituição, empresa ou produto que representa: 1. A marca tem um sentido jurídico. De acordo com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, são registráveis as expressões da marca, o nome, o logotipo e o pictograma, assinalando a grafia do nome e sua sonoridade correspondente e, também, a visualidade da marca. 2. A marca tem um sentido comercial, porque o direito de uso das formas de expressão da marca pode ser comprado e vendido, destacando novamente o nome, o logotipo e o pictograma. 3. A marca representa uma instituição e um amplo leque de associações que são produzidas nas mais diversas instâncias, como na publicidade e em outras formas de comunicação com o público: serviços de informação, atendimento, uniformes e qualidades percebidas nos produtos e serviços. Todavia, a imagem que compõe uma síntese expressiva de todas essas associações é composta pelas formas de expressão do nome, do logotipo e do pictograma. Todo o percurso da marca está representado nas suas formas de expressão gráfica, contando com o fato importante de que essas formas não são neutras, como estruturas em branco à espera de significação. Como foi proposto anteriormente, até os nomes e imagens criadas especificamente para representar uma instituição, empresa ou produto se tornam imediatamente significantes, porque suas formas são associadas a outras já existentes anteriormente, passando a interagir com todo um percurso de significação por similaridade. Desse modo, fica justificado o interesse pela composição visual das marcas como campo significação, o que passou a ser mais especificamente considerado neste trabalho, a partir da classificação morfológica dos pictogramas (item 3.2),


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indicando três grupos básicos de pictograma: figurativos, abstratos e emblemáticos. O que foi proposto em seguida, no desenvolvimento deste mesmo texto, considera, todavia, as possibilidades mais sutis de significação das marcas gráficovisuais (logotipos e pictogramas), as quais variam de acordo com as características de sua visualidade. Uma mesma mensagem denotativa como, por exemplo, a representação de um peixe (fig. 23), irá variar o sentido proposto de acordo com o tipo de composição das formas, sejam elas estilizadas ou naturalistas, com estilização geométrica ou orgânica, etc. Tudo isso altera a significação de uma imagem para outra. Até a década de 1970, era comum observar na mídia gráfica brasileira o padrão funcionalista, plano e ascético, na apresentação das marcas gráficas, que primavam pelas formas planas e cores chapadas. Com o passar do tempo, o tratamento dado à visualidade das marcas passou a ser incrementado pelos efeitos visuais da computação gráfica, fenômeno que pode ser perfeitamente percebido na imprensa cotidiana (tanto de folhetos publicitários quanto nos anúncios em jornais e revistas) e também foi destacado como parte importante do objeto deste trabalho . A difusão dessa linguagem estético-tecnológica no tratamento da visualidade das marcas gráficas ampliou o seu campo de significação e passou a conotar outros sentidos. Como foi evidenciado neste estudo, há um sentido conotativo mais geral, que é determinado pela tendência maneirista/neokitsch, propondo a marca gráfica como um fenômeno estético puro, objeto de fruição e consumo, antes mesmo de apontar simbolicamente o seu referente. De acordo com cada caso em particular, outras inúmeras possibilidades de sentido são estabelecidas pela composição e apresentação visual da marca. Tudo isso implica a visualidade como discurso interagente no processo de constituição da imagem de marca e campo privilegiado de significação.


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