A CENTRALIDADE DO FEMINISMO NEGRO NA LUTA ANTIRRACISTA
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or muito tempo, as mulheres negras foram invisibilizadas nas teorias feministas. A ideia da mulher universal, partindo da perspectiva de que essa era branca, foi a base da produção de uma vasta bibliografia sobre a luta das mulheres e do feminismo. A partir dos anos 1970, e com maior ênfase nas décadas de 1980 e 1990, Angela Davis, bell hooks, Audre Lorde e Patricia Hill Collins contribuíram para aprofundar a análise e a compreensão da marginalização social, econômica e política das mulheres negras nos EUA. A proposta dessas lideranças era questionar as bases epistemológicas eurocêntricas. Entretanto, tiveram seus conhecimentos rejeitados sob a justificativa de que a produção do conhecimento com base nas experiências de vida das mulheres negras era excessivamente subjetiva, uma forma de pensar que foi sendo desconstruídas com o tempo. No Brasil, o movimento feminista negro passa a se organizar a partir de 1970. Nomes como Lélia Gonzales, Maria Beatriz do Nascimento, Sueli Carneiro, Lúcia Xavier, Luciene Lacerda, Thula Pires, Djamila Ribeiro, Ana Maria Gonçalves, Carla Akotirene, Ana Flavia Magalhães, Geni Guimarães, Alzira Rufino, Zélis Amador de Deus, Denize de Almeida Ribeiro, Roseneide Cristina de Freitas e tantas outras marcaram/marcam a sua trajetória. Essa segmentação foi fundamental, tendo em vista que os feminismos ainda estavam muito ligados a mulheres brancas, heterossexuais, pertencentes à classe média e alta. O recorte de raça, de etnia e de orientação sexual se impôs. Doravante, não seria mais possível falar do feminismo no singular. Lidamos com feminismos, os quais abarcam as diferentes experiências de vidas das mulheres. Não existe a mulher, existem as mulheres, autônomas e diferentes entre si. A consciência de tal diversidade, no trato com os vários feminismos, faz da noção de interseccionalidade uma chave de leitura para o feminismo negro. O fragmento do discurso de Sojourner Truth, na convenção de mulheres realizada em Akoron, Ohio, 1851, em meio à efervescência do movimento sufragista norte-americano, ilustra com nitidez tal condição de múltiplas opressões de mulheres negras pobres:
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“Contra todas as formas de assédio, em defesa dos direitos das mulheres, das/os indígenas, das/os negras/os, e das/os LGBT”