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Homenagem

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Um número de Universidade e Sociedade com o tema central

na luta empreendida pelas mulheres não poderia ter melhor homenageada que Carolina Maria de Jesus, uma mulher-símbolo de inúmeros preconceitos e violências que marcam nossa sociedade e

que conseguiu vencê-los e ser reconhecida como um dos mais altos expoentes de nossa literatura, representante da literatura marginal.

Dos lixos para os livros -

Carolina Maria de Jesus:

a escritora marginal

A autora

Filha de pais pobres, de origem ex-escrava, de ettarde, fez contato mais direto com as letras, através nia banto, Carolina nasceu em Desemboque, zona da biblioteca particular da casa de uma família (onde rural de Sacramento, interior de Minas Gerais, em 14 trabalhou como doméstica) e nos livros recolhidos de março de 1914. na rua e no lixo.

Desde jovem, trabalhou como agricultora em faCarolina enfrentou todo tipo de problema vivenzendas e cursou apenas dois anos do primário no do em São Paulo. Trabalhou em fazendas, em casas Colégio Allan Kardec, quando se alfabetizou. Foi de famílias (como doméstica e diarista), faxineira nesse momento que teve contato inicial com a litede hotel, catadora de papel e lixo nas ruas, moranratura, ouvindo as narrativas feitas em público para do num barraco na favela Canindé. Seu interesse crianças que em geral não tinham acesso à escola. pela leitura levou-a a escrever seus primeiros diários, Posteriormente, quando se deslocou para a cidade numa trajetória que se manifestaria no conto, poesia, de São Paulo, teve contato com outras leituras – jorletra musical (samba e marchinha) e romance. Revenais, revistas, a literatura brasileira e universal. Mais lando-se uma escritora perspicaz, audaciosa e jamais

Arquivo fotográfico Carolina Maria de Jesus: Projeto Fotografias do Jornal Última Hora

enquadrada nos moldes impostos pela sociedade e os limites do seu tempo, Carolina manifesta em sua obra de diferentes gêneros os vários elementos que compõem o universo de suas vivências e suas influências, notadamente de seu avô, quando absorveu conhecimento e saberes próprios de seus ancestrais, capacitando-a a uma consciência social e ética.

Foi o acaso que nos proporcionou o conhecimento de sua vasta produção literária. Em 1958, pautado para cobrir a inauguração de um parque infantil na favela do Canindé, o jornalista Audálio Dantas, integrante à época da Folha da Noite, ouviu a reclamação de uma mulher depois que alguns homens expulsaram as crianças dos brinquedos do parque, ameaçando-os de que “iria colocá-los em seu livro”. Curioso, Audálio procurou a mulher e encontrou Carolina e, com ela, uma quantidade enorme de cadernos recolhidos no lixo com anotações de seus escritos diários, todos dentro de um saco de pano. Os 35 volumes encontrados transformaram-se naquele momento na obra Quarto de despejo – diário de uma favelada, publicado em 1960 e responsável por revelar ao país e ao mundo uma escritora multifacetada, representante da literatura marginal. Esta e outras obras de Carolina foram traduzidas para mais de 10 idiomas, destacando-se o inglês, alemão, espanhol, catalão, romeno, iraniano, francês, turco, italiano e japonês.

Com o sucesso, Carolina passou a morar em uma casa de alvenaria própria, num bairro de classe média paulistana. Dona de um temperamento forte, não admitia provocações por conta de sua cor. Por isso, invariavelmente, enfrentava conflitos com os vizinhos. Em 1969, mudou-se para um sítio, em Parelheiros, onde viveu praticamente esquecida pelo mercado editorial até sua morte, em 13 de fevereiro de 1977. Está sepultada no cemitério do bairro do Cipó, município de Embu Guaçu, grande São Paulo. Carolina viveu e sofreu na própria pele toda carga de preconceito, próprio de uma sociedade discriminadora e machista, mas ela o encarou de modo altivo, no cotidiano de sua vivência e na sua produção escrita, o que evidencia que era uma verdadeira intelectual e uma mulher de grande coragem.

Sua obra inspirou cineastas, produtores de TV, pesquisadores da área social, escritores e jornalistas. Além das traduções e edições estrangeiras de seus escritos, foram realizados os documentários cinematográficos Favela: a vida na pobreza (1971), de Christa Gottman-Elter, produção alemã; O despertar de um sonho (1975), de Gerson Tavares, produção alemã inédita no Brasil; Carolina (2003), de Jeferson De, produção brasileira; a realização televisiva Quarto de

despejo – de catadora de papéis a escritora famosa

(1983), da série “Caso Verdade”; e a adaptação teatral Quarto de despejo (1961), feita por Amir Haddad. Carolina Maria de Jesus

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A obra

Em sua vasta obra, Carolina Maria de Jesus expressa uma inquietação constante, decorrente de sua experiência de vida, inclusive posicionando-se ironicamente em relação à condição imposta ao gênero feminino. Seu inconformismo revela-se quando fala do lugar social e político destinado à mulher. Assim, em momentos de fúria, se autodenomina “poeta do lixo”, “idealista da favela”. É reconhecida como representante da literatura crítica do modo de vida imposto pela sociedade aos excluídos.

A variedade de gêneros da obra de Carolina inclui composições musicais, antologias, contos, poesias, aforismos, memórias, romances e diários, estes em destaque no conjunto da sua produção. Está expressa nos seguintes títulos que destacamos:

• Quarto de despejo –

diário de uma favelada (1960)

• Casa de alvenaria –

diário de uma ex-favelada (1961) • Pedaços da fome (1963) • Provérbios (1965) • Onde estais, felicidade? (1977) • Diário de Bitita (1986) • Minha vida (1994) • Meu estranho diário (1996) • Antologia pessoal (1996)

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