JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Belo Horizonte, 2015
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FICHA TÉCNICA Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas Coordenadora do Projeto Márcia Xavier Passeado Organizadores Amilton Alexandre da Silva Carolina Silveira Flecha Maira Cristina Soares Freitas Sandra Regina Ferreira Valéria Andrade Martins Revisor Ortográfico Anderson Hander Brito Xavier Projeto Gráfico e Diagramação Núcleo de Comunicação e Mobilização / SMAAS Esse trabalho é composto por reflexões a partir da prática de acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em Meio Aberto. Qualquer dúvida, sugestões, contribuições ou críticas, envie seu email para gecmes@pbh.gov.br
Ficha catalográfica – Rosângela Alves Guimarães – CRB-1966 M489
BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. Medidas Socioeducativas em Belo Horizonte Reflexões Sobre a Prática. Org.por Amilton Alexandre da Silva, Carolina Silveira Flecha, et al...Belo Horizonte, PBH/SMAAS,2015. 240 p. ISBN: 978-85-60851-20-1 1.Medida socioeducativa. 2.Belo Horizonte I.Prefeitura Municipal.Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social II.Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas. CDU- 362.74(81)
Parceria: Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais/ Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas por meio de celebração do convênio 043/2009. 4
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sumário
Apresentação------------------------------------------------------------------------- 6 Circuito de Gestão Compartilhada--------------------------------------- 8 Márcia Xavier Passeado Circuito de Responsabilização-------------------------------------------- 21 Responsabilização ou Responsabilizações? O adolescente, o Técnico e o Sistema Amilton Alexandre da Silva, Grazielle Irailma G. Lopes, Maira Cristina S. Freitas, Pollyana Costa Penoni, Roberta Andrade e Barros e Valdiney Gonçalves de Quadros-------------------------------------------------------- 22 A Responsabilização do Estado como parte do processo de responsabilização do Adolescente Autor de ato infracional Amanda Fernandes de Carvalho, Darissa Marielle Lucas Ferreira, Fabrícia Miranda Oliveira.--------------------------------------------------- 36 Circuito de Trajetória de Vida nas Ruas----------------------------- 45 Os adolescentes em Trajetória de Vida nas Ruas e as medidas socioeducativas: o olhar do NAMSEP – Assistência Social Jucélia de Cassia Simões------------------------------------------------------ 46 Os adolescentes e suas experiências de vida nas ruas: possibilidades e desafios nas medidas socioeducativas. Carolina Silveira Flecha------------------------------------------------------- 53 A mudança na legislação e as implicações para a juventude de vida nas ruas: Desafios para o atendimento Henrique Cardoso Nunes----------------------------------------------------- 65
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Circuito de Orientador Social VOLUNTÁRIO e Educador de Referência-------------------------------------------------------------------------------71 Medida Socioeducativa em meio aberto: um convite a ser executado por muitos Amilton Alexandre da Silva-----------------------------------------------------72 Orientador/a Social Voluntário/a – Um exercício de cidadania Roberta Andrade e Barros------------------------------------------------------78 A importância do educador de referência no cumprimento da medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC Rosimeire Diniz-------------------------------------------------------------------84 Anexo - Acredito no ser humano------------------------------------------------------94 Circuito de Segurança-----------------------------------------------------------96 Entre a socioeducação e o Estado Penal: uma contribuição teórica a partir do trabalho nas medidas socioeducativas Ana Cláudia Rosa Pimenta de Mattos, Aiezha Flávia Pinto Martins Guabiraba, Carolina Silveira Flecha, Jair da Costa Júnior, Marcelle Cardoso Zibral Santos, Pâmela Mara Benevides Felício e Valéria Andrade Martins-----------------------------------------------------------------97 Circuito de Família--------------------------------------------------------------- 126 O lugar da família no Serviço de Medidas Socioeducativas da Prefeitura de Belo Horizonte Juliana Vilela Nogueira, Priscila Ferraz D. Barcelos, Sandra Regina Ferreira, Valéria Andrade Martins, Vinício Araújo Martins ---------- 127 Circuito de Toxicomania e Saúde Mental---------------------------- 145 Uso de Drogas: uma abordagem possível no Serviço de Medidas Socioeducativas em Belo Horizonte Amilton Alexandre da Silva, Flaviane Bevilaqua Felicíssimo, Maira Cristina S. Freitas, Marlúcia Oliveira de Assis---------------------------- 146 Os efeitos do discurso capitalista na subjetividade contemporânea na nossa prática no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas Laura Franchini de Campos Pinho------------------------------------------ 155
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Circuito de Juventudes Negras------------------------------------------- 164 Negros e Medidas Socioeducativa: o que conta a história? Carolina Silveira Flecha, Marcelle Zibral, Paulo Roberto da Silva e Vivane Martins Cunha-------------------------------------------------------- 165 Circuito de Gênero e Diversidade Sexual---------------------------- 184 Adolescência, gênero e diversidade sexual: Reflexões nas medidas socioeducativas em Belo Horizonte Amilton Alexandre da Silva, Gustavo Adolfo de Magalhães, Leonardo Tolentino Lima Rocha, Walkíria Glanert Mazetto----------------------- 185 Comissão de Sistema de Informação, Avaliação e Monitoramento------------------------------------------------------------------- 215 Gestão de Qualidade do Serviço de Medidas Socioeducativas no Município de Belo Horizonte Patrícia de Cássia Carvalho, Márcia Xavier Passeado, Kaiser Cleisson Pereira---------------------------------------------------------------------------- 216
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Apresentação
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A presente publicação é resultado da parceria entre a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social – SMAAS e a Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS para apoio e fomento à execução das medidas socioeducativas em meio aberto de Belo Horizonte. Considerando-se que os adolescentes e suas famílias são atendidos pelo Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade nas nove Secretarias Administrativas Regionais e que, durante os anos de 2013 e 2014, houve a substituição de quase a totalidade da equipe técnica desse Serviço, priorizou-se, nesse momento, a capacitação das equipes técnicas de acompanhamento. Os Circuitos de Gestão Compartilhada foram dispositivos criados com o objetivo, dentre outros, de capacitar a equipe técnica. Ao todo foram constituídos nove Circuitos que trabalharam temas relevantes ao acompanhamento de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade. Essa publicação materializa a produção dos técnicos do Serviço que participaram dos Circuitos ao longo do ano de 2014, ao final do qual realizou-se a Jornada de Trabalho dos Circuitos de Gestão Compartilhada em que as discussões e reflexões foram apresentadas. A produção expressa o empreendimento de cada técnico na reflexão sobre os desafios da própria prática e na apropriação dos processos de trabalho que compõem o acompanhamento de uma medida socioeducativa. Dessa forma, não se trata da conclusão de um trabalho, ou de uma orientação metodológica, mas da elaboração de alguns pontos que o constituem em uma construção que é constante. Acreditamos que essa iniciativa é importante para o fortalecimento e avanço do atendimento socioeducativo e, que esse material, por sua temática abrangente, poderá servir como ponto de partida para reflexão e debate. Gostaríamos de agradecer a cada um que se pôs a trabalho e aceitou esse convite, nosso muito obrigado pela dedicação, pelas discussões, pela disponibilidade e pela troca de ideias. Especialmente, gostaríamos de agradecer ao Professor Ibraim Vitor por sua participação na Jornada de Trabalho com a palestra: “A Produção Coletiva do Conhecimento”, que, de forma clara e precisa, tanto contribuiu para incitar o pensamento. Por fim, gostaríamos de agradecer aos mediadores das mesas de trabalho pela presença e pela troca de experiências. Desejamos a todos uma boa leitura. Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas/GECMES JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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CIRCUITO DE GESTÃO COMPARTILHADA Márcia Xavier Passeado
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introdução Durante o ano de 2013, diante da renovação de quase a totalidade da equipe técnica contratada por servidores efetivos, por meio da realização de concurso público, verificou-se a necessidade de capacitar os novos integrantes para que o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade, doravante, denominado Serviço de MSE em Meio Aberto mantivesse a qualidade. Inicialmente, houve uma apresentação institucional dos processos mais amplos do trabalho e de conhecimentos gerais sobre administração pública e políticas públicas. Percebeu-se que essa capacitação inicial não seria suficiente para a transmissão dos conceitos, da lógica, da concepção, da natureza e do objeto do Serviço e de sua interlocução com o Sistema de Justiça, com as demais políticas setoriais, enfim, transmitir toda a complexidade da organização, do processo e dos procedimentos desse trabalho. Pensou-se, então, como estratégia de gestão na criação dos Circuitos de Gestão Compartilhada, que tem como objetivos: (I) aproximar o trabalho prescrito do trabalho real1; (II) capacitar e qualificar equipe técnica; (III) promover reflexões sobre a metodologia, nos fluxos e nos procedimentos; (IV) possibilitar reflexão sobre a prática. Os circuitos pressupõem apropriação e produção simultâneas de conhecimentos relacionados à prática das equipes, agregando à gestão informações qualificadas para o monitoramento e avaliação das ações e para o traçado de novas estratégias de planejamento, procedimentos imprescindíveis para consecução das metas estabelecidas com maior efetividade.
DESCRIÇÃO DO PROJETO DOS CIRCUITOS Propôs-se uma forma de capacitação que fosse além dos aspectos formais, que proporcionasse uma apropriação do conhecimento, integrasse a prática ao campo teórico e promovesse Trabalho prescrito e trabalho real são conceitos ergonômicos ligados à Psicodinâmica do Trabalho. O prescrito refere-se à tarefa imposta pela organização do trabalho, já o trabalho real refere-se à atividade realizada pelo trabalhador, a partir da apreensão e modificação dessas imposições, já que são recursos incompletos para recobrir todas as situações cotidianas do trabalho. Essa diferenciação foi feita a partir de estudos das linhas de montagens da indústria nos anos 60 com a observação de situações reais de trabalho numa lógica taylorista.
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a transformação do próprio sujeito que está aprendendo. O conhecimento, assim assimilado, também sofre transformações, já que ocorre uma transdução do saber em algo novo. O dispositivo criado e adotado na capacitação foi por nós denominado de Circuito de Gestão Compartilhada, tendo como parâmetro o conceito de circuito elétrico da Física. A analogia do conhecimento à corrente elétrica traça uma circularidade no processo de aprendizagem e produz a transformação dos componentes constitutivos desse circuito e do próprio conhecimento. Pode-se, então, falar em sinergia, em que a soma do todo é superior à soma das partes, transformando-as. Destacam-se dois pontos, a saber: a tensão2 e a resistência3, importantes na definição dos valores de potenciais a serem utilizados para fazer circular a energia dentro do campo elétrico. De forma correlata, os pontos de tensão no interior dos Circuitos de Gestão Compartilhada e na interlocução destes com a cidade podem produzir um novo saber com potencial de transformação dos pontos de conexão de rede, assim como dos processos e dos procedimentos do próprio Serviço de MSE em Meio Aberto. A ideia do dispositivo foi motivada pela necessidade de capacitação ampliada da equipe e de desenvolvimento de recursos humanos, de adequação à nova legislação pertinente ao Serviço de MSE em Meio Aberto e de aperfeiçoamento da gestão. Yves Clot (2006) ressalta a importância de se resgatar a subjetividade como parte da apropriação e elaboração dos processos de trabalho. A consciência é mediada pela atividade concreta do sujeito, ou dito de outra forma, a experiência só passa a ter sentido se incorpora no bojo do seu processo a experiência do trabalhador, do seu saber produzido na prática e pela prática, além do diálogo e confrontação com outros saberes (CLOT, 2006). O valor dos Circuitos de Gestão Compartilhada encontra-se no desenvolvimento dos recursos humanos, ao propor um modelo de capacitação participativa, em que a subjetividade atua de forma dinâmica. O sujeito no processo de aprendizagem capta os códigos e os signos da realidade vivida, transformando-os e produzindo novos sentidos. Segundo Gil (1997), o corpo atua na educação como A tensão elétrica é também conhecida como diferença de potencial, ou seja, é a diferença de potencial elétrico entre dois pontos, dito de outra forma é o trabalho que deve se imprimir para deslocar uma determinada carga entre dois pontos do campo elétrico. 3 A resistência elétrica é a capacidade de um corpo se opor à passagem elétrica dentro do campo elétrico, independente da diferença de potencial aplicada. 2
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um transdutor de signos. Nesse processo de transdução, não só os códigos e signos são modificados, mas o próprio sujeito também se modifica em uma relação dialética com o meio. Alguns dos Circuitos lançaram-se em incursões pela cidade para mapear, dialogar e conhecer o estado da arte do que está sendo pensado, proposto e tratado sobre alguns dos temas que lhes são constitutivos. De forma análoga ao processo de aprendizagem acima descrito, quando os Circuitos fazem esse movimento e se lançam no território da cidade, eles captam, transformam e traduzem códigos e signos, produzindo novos sentidos para o seu interior. É nesse momento que surge a possibilidade de apontar novas direções para o funcionamento do Serviço de MSE em Meio Aberto e para o avanço da construção da política pública na qual se insere. Objetivos Propostos l Capacitar e desenvolver a equipe técnica; l Promover o diálogo entre a prática e a teoria; l Aperfeiçoar a gestão e qualificar o Serviço; l Formar circuitos com os seguintes temas transversais ao Serviço: (I) Família; (II) Responsabilização; (III) Saúde Mental e Toxicomania; (IV) Juventudes Negras; (V) Diversidade Sexual e Gênero; (VI) Sistema de Informação; (VII) Trajetória de Vida nas Ruas; (VIII) Segurança e Proteção. Resultados Alcançados: l Interlocução com as outras políticas setoriais; l Fortalecimento do diálogo com o Sistema de Garantia de Direitos e com o Sistema de Justiça; l Estabelecimento de parcerias com organizações sociais; l Realização de estudos permanentes sobre temas transversais e relevantes ao Serviço de MSE em Meio Aberto; l Levantamento de dados e elaboração de diagnósticos situacionais das ações existentes em relação aos temas propostos. Resultados Esperados: l Consolidação da interlocução com os diversos atores que integram a rede de atendimento socioeducativo; l Ajustes na gestão do Serviço de MSE em Meio Aberto; JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Avanços da metodologia do Serviço; Qualificação do atendimento prestado ao usuário.
Os circuitos, a partir dos objetivos propostos e dos resultados alcançados, poderão, dentre outras coisas, beneficiar os técnicos nas relações de trabalho e no seu desenvolvimento, já que há uma função psicológica do trabalho. Segundo Clot, “o indivíduo é e se torna cada vez mais para os outros, primeiro na prática, em seguida institucionalmente [...] o trabalho é a capacidade de estabelecer engajamentos” (CLOT, 2006, p. 72). Ainda citando o autor: O trabalho é sem dúvida, um dos gêneros principais da vida social em seu conjunto, um gênero de situação do qual uma sociedade dificilmente pode abstrair-se sem comprometer sua perenidade; e da qual um sujeito dificilmente pode afastar-se sem perder o sentimento de utilidade social a ele vinculado, sentimento vital de contribuir para essa perenidade, em nível pessoal (CLOT, 2003, p. 69). Dito de outra maneira, é com o trabalho que o indivíduo se inscreve em outra história, “uma história coletiva cristalizada em gêneros sociais, em geral suficientemente equívocos e discordantes para que cada um possa dar sua própria contribuição e sair de si” (CLOT, 2006). Há, portanto, a inscrição do indivíduo num projeto coletivo mais amplo. Compreende-se que a função psicológica do trabalho atua conferindo um sentido e, assim, uma proteção, já que a “[...] lei da reciprocidade que o trabalho impõe a cada um: poder ‘contribuir’ por meio de serviços particulares para a existência de todos, a fim de assegurar a sua própria” (WALLON, 1938, p. 203, citado por CLOT, 2003, p. 75). Públicos-alvo dos Circuitos l Técnicos de referência da Gerência de Coordenação das Medidas Socioeducativas; l Técnicos do Serviço de Medidas de LA e de PSC; l Atores da rede que fazem interlocução com o Serviço; l Beneficiários finais do Serviço de LA e de PSC. 14
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Ações e Etapas da Implentação O dispositivo dos Circuitos de Gestão Compartilhada foi implementado em janeiro de 2014. Os temas foram escolhidos pela relevância e transversalidade à natureza e ao objeto de trabalho, construídos com a participação da equipe técnica. A participação nos circuitos não foi obrigatória. Realizou-se um planejamento das atividades, de forma que os circuitos não interferissem na continuidade do serviço ofertado. A adesão aos circuitos se deu de forma espontânea, de acordo com a área de interesse de cada técnico. Compreende-se que, ao final do processo, todos os técnicos se beneficiarão dos resultados, seja pelas articulações feitas, pelo diálogo com as diversas instituições da rede, seja pela apresentação e divulgação do Serviço, pelos ajustes operacionais e metodológicos sugeridos à gestão, seja pela reflexão sobre a prática e pelo compartilhamento das construções feitas nos circuitos com os demais técnicos. Os encontros da maioria dos circuitos aconteceram quinzenalmente no horário de trabalho da equipe. As referências técnicas, que são ligadas à gestão do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e de PSC, participaram dos encontros, assim como das ações e das visitas técnicas que ocorreram. Inicialmente, a metodologia de trabalho previa: (I) definição da linha de pesquisa e da forma como o tema seria trabalhado; (II) o levantamento e estudo do material teórico e normativo existente sobre o tema na linha de trabalho escolhida; (III) elaboração de questões a partir de impasses vividos no trabalho; (IV) pesquisa sobre o estado da arte do tema do Circuito. A partir da ação de alguns desses Circuitos, teve início a realização de visitas técnicas cujos objetivos foram: (I) propor a articulação em rede; (II) apresentar o Serviço; (III) buscar conhecer a rede; (IV) discutir questões surgidas da prática do trabalho, relacionando-as ao campo teórico e normativo; (V) planejar ações conjuntas. Pode-se afirmar que todos os Circuitos partiram da leitura e do estudo de material teórico e normativo. Estas foram algumas ações realizadas como resultado da proposta inicial: Circuito Segurança e Proteção – visitas técnicas e articulações com os seguintes interlocutores da rede: JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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• Coordenadoria Municipal dos Direitos Humanos da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania; • Corregedoria de Polícia Civil; • Defensoria dos Direitos Humanos – que possibilitou abertura de espaço para discussão dos casos acompanhados pelo Serviço de Medidas Socieducativas de LA e de PSC; • Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes Violentos/ NAVCV – que convidou o serviço para participar da Rede de Enfrentamento à Violência Estatal. Circuito Saúde Mental e Toxicomania – visitas técnicas e articulações com os seguintes interlocutores da rede: • Programa de Acompanhamento das Medidas Protetivas — Novos Rumos — CATU, inserido no Programa PAI – PJ (Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário) do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais; • Cento de Atendimento e Proteção a Jovens Usuários de Tóxicos – CAPUT. Circuito Trajetória de Vida nas Ruas – visitas técnicas e articulações com os seguintes interlocutores da rede: • Conselho Tutelar; • Centro de Passagem Dom Bosco (equipamento da rede socioassistencia de acolhimento institucional); • Miguilim (Serviço de atendimento a adolescentes com trajetória de vida nas ruas). Circuito Juventudes Negras – visita técnica e articulação com o seguinte interlocutor: Coordenadoria Municipal de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania: Circuito de Diversidade Sexual e Gênero – visita técnica e articulação com os seguintes interlocutores: • Gerência de Articulação da Política Pública LGBT da Coordenadoria de Direitos Humanos da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania; • CONDIM – Coordenadoria de Direitos da Mulher da Secretaria Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania; 16
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• Núcleo de Gênero e Diversidade Sexual da Secretaria Municipal de Educação. Circuito Sistema de Informação – transformou-se em comissão permanente de trabalho com proposta de alteração do protocolo de registro de informações e revisão das metas4 e dos indicadores do Serviço.
Descrição dos recursos utilizados e caracterização da Situação Atual Essencialmente, os recursos utilizados foram os recursos humanos. Delimitamos o período de janeiro a julho de 2014 para exposição de parte das atividades realizadas a título de ilustração: • realização de 68 reuniões com duração média de 2 horas, perfazendo total de 136 horas técnicas; • realização de 12 visitas institucionais com duração média de 3 horas, perfazendo total de 36 horas técnicas; • realização de leitura de material normativo e teórico, previsão de 20 horas mensais, perfazendo total de 180 horas de estudo e pesquisa. Os Circuitos funcionaram durante o ano de 2014 e os técnicos dos circuitos foram motivados a escrever sobre questões relacionadas ao trabalho a partir das vivências que cada um teve nos Circuitos. O material produzido foi apresentado numa Jornada de Trabalho dos Circuitos de Gestão Compartilhada, que ocorreu, em dezembro de 2014. A produção escrita compõe esta publicação. Foi perceptível a motivação dos técnicos com os Circuitos. Sentimentos de pertencimento e de valorização constituíram a ambiência em que estes ocorreram.
4 A meta do Serviço de Proteção Social à Adolescentes em cumprimento de Medidas Socioeducativas de LA e PSC foi estabelecida pela Instrução Normativa 002/2011, que tem por finalidade estabelecer diretrizes e procedimentos necessários à execução das medidas de proteção, previstas no Art. 101, inc. III, IV, V e VI e socioeducativas em meio aberto, previstas no Art. 112. inc. III e IV da Lei Federal Nº 8.069/1990, de responsabilidade da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, aplicadas ao adolescente em conflito com a Lei. O indicador geral de desempenho escolhido para a Assistência Social foi a taxa de reincidência e a meta estabelecida foi de 5%.
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Mecanismos ou Métodos de Monitoramento e Avaliação de Resultados e Indicadores Utilizados • Os técnicos de referência da gestão do serviço de execução de medidas socioeducativas de LA e de PSC participaram dos Circuitos e do processo de discussão, estudos, visitas técnicas e produção escrita. Por meio da análise dos indicadores do Serviço no decorrer do primeiro ano de trabalho da nova equipe em comparação aos números atuais foi possível perceber um impacto positivo nos indicadores ao longo do período, demonstrando melhoria da efetividade e dos resultados. Uma das hipóteses para tal alteração é de que a apropriação do trabalho, por meio da capacitação, influencia os indicadores e resultados. Resultados quantitativos e qualitativos concretamente mensurados A nomeação e a entrada em exercício são os primeiros passos na carreira pública, contudo, tornar-se um servidor público na acepção do termo é tarefa mais demorada e complexa. O conhecimento da organização e dos processos de trabalho, assim como o entendimento de que as políticas públicas são construídas e sustentadas também pelos servidores que dela fazem parte são exigências para se prestar um serviço de qualidade ao beneficiário final da Administração Pública. Acredita-se que a capacitação nesse modelo abrange não só a apreensão dos conhecimentos, mas cria formas de aprofundá-los e de envolver os técnicos nas articulações e interlocuções imprescindíveis para o serviço. Essa atuação possibilita a compreensão mais ampliada do campo de atuação do serviço e uma consciência maior do significado e da importância do trabalho do servidor público na construção cotidiana das políticas públicas. Com relação à mensuração dos resultados, a partir do Circuito Sistema de Informação, que se transformou numa comissão permanente, foram avaliados e analisados os indicadores do Serviço e foram revistas as metas, tornando-as mais condizentes com a realidade. A ideia é a criação e inclusão de novos indicadores, que possibilitem um número maior de cruzamento de dados, enriquecendo as leituras e análises qualitativas. A Gerência de Informação e Monitoramento e Avaliação responsável pelo monitoramento da política realizou um estudo 18
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estatístico com um dos técnicos da comissão permanente, oriunda do Circuito Sistema de Informação. Esse estudo utilizou um dos indicadores do Serviço e fez um levantamento dos últimos três anos, fazendo uma extração quinzenal dos dados, o que possibilitou a inserção dos mesmos numa curva estatística dentro de um gráfico, desenhando a frequência do indicador com maior precisão. A apresentação desse trabalho aos técnicos, utilizando-se os dados do Serviço nas regionais administrativas5 e comparando-os com os dados municipais, fez com que os técnicos, ao se depararem com os números e com o comportamento dos indicadores ao longo do período, percebessem a importância do registro dos dados no sistema de informação, tanto para retratar o trabalho que desempenham quanto para subsidiar as decisões gerenciais. Essas apresentações provocaram impactos e a alteração dos indicadores nas regionais. Pode-se inferir que ao ter acesso aos dados e visualizar os resultados alcançados, a equipe assimilou e elaborou essas informações e produziu novos sentidos. Outra consequência que se produziu foi uma maior implicação dos técnicos nos resultados e nas metas estabelecidas pelo Serviço, bem como a possibilidade de reflexão sobre os desafios e impasses vividos, o que gera compromisso na elaboração de estratégias para maior efetividade do Serviço. O estudo indica para a gestão a necessidade de pensar estratégias relacionadas à organização do trabalho e à criação de procedimentos para controle dos processos, dessa forma, os resultados não ficam tão submetidos às variações dos aspectos subjetivos do trabalhador.
LIÇÕES APRENDIDAS Percebe-se que os Circuitos possibilitaram à equipe técnica participar do planejamento, elaboração e acompanhamento de políticas públicas, desenvolvendo análises e estudos para subsidiar decisões gerenciais. Esse método possibilita uma apropriação participativa, dinâmica e crítica dos processos de trabalho. Apreende-se desse processo que as mudanças se tornam possíveis a partir de um embrião, de uma ideia, que somados a O município de Belo Horizonte se divide em nove regiões admistrativas denominadas secretarias administrativas regionais municipais.
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atitudes propositivas, transformam-se em ação. O que não faltam são argumentações justificáveis para a permanência do instituído, contudo, estamos diante da constante necessidade de nos reinventarmos. Segundo Chasin (1993), o homem é o único ser que se autoconstrói, em constante movimento de constituir-se. Tratase de conferir sentido aos processos de trabalho e colocá-los na perspectiva de processos inacabados e em construção. Pode-se afirmar que é possível trabalhar de forma inovadora, proativa e autoral na Administração Pública, a partir da valorização das ideias e dos potenciais individuais. A construção do trabalho feita de maneira compartilhada e conjunta promove espaço para produção de novos sentidos, que podem levar à ressignificação da atividade laboral e ser fonte de satisfação e realização para o trabalhador, promovendo mais qualidade de vida e saúde para o mesmo. Soluções Adotadas Para a Superação dos Principais Obstáculos Encontrados Os Circuitos ocorreram durante o período de um ano. Após a apresentação do modelo concebido, percebeu-se, na organização das atividades, que cada Circuito adquiria características próprias, de acordo com a equipe técnica que o constituía, de acordo com as discussões feitas e de acordo com as prioridades definidas. As diferenças no funcionamento dos Circuitos devem-se, portanto, às suas peculiares, e exigem tanto dos seus participantes quanto da gestão, plasticidade, engajamento e uma atitude participativa. Especialmente da gestão, cujo desafio é acolher os processos que ocorrem em diferentes tempos e diferentes formas, monitorando-os e acompanhando-os. Dessa maneira, pode-se falar não em obstáculos à execução, mas na necessidade de empreender esforços para localizar estratégias que preservassem as diferentes trajetórias, garantindo a singularidade do funcionamento de cada Circuito. Seguem alguns pontos elencados de situações que exigiram nova estratégia: • O Circuito Sistema de Informação promoveu uma releitura do protocolo de registro de informações a partir das concepções, dos conceitos e da metodologia do serviço. Verificou-se que esse trabalho de monitoramento e avaliação das metas e dos indicadores do serviço deveria ser constante. Chegou-se à 20
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conclusão de que seu funcionamento deveria ser no formato de uma comissão permanente para tratamento da informação; • Pensou-se inicialmente que a frequência dos encontros dos circuitos seria semanal, contudo, os encontros passaram a acontecer quinzenalmente, na maioria deles, levando-se em conta o tempo utilizado para leitura e estudo do material teórico e normativo proposto; • O Circuito Juventudes Negras optou como produto dos encontros realizados a realização de oficinas com os adolescentes para que estes produzam um vídeo sobre o tema. Foi elaborado Termo de Referência e contratada entidade para esse fim. Essa opção envolveu todos os demais técnicos na necessidade de mobilização dos adolescentes para participação nas oficinas de produção de vídeo. O conhecimento produzido pelos técnicos, ampliou-se também para os adolescentes, resignificando o conhecimento. De forma geral, pode-se concluir que os resultados superaram as expectativas e trouxeram organicidade ao Serviço. Dentre as inúmeras possibilidades de capacitação, aperfeiçoamento e desenvolvimento, concebeu-se o modelo dos Circuitos, o que não exclui a possibilidade de utilização de outros modelos, que podem ocorrer concomitantemente. O concurso público é sem dúvida uma forma de reconhecimento e de fortalecimento das políticas públicas, além de um direito constitucional. Contudo, a aprovação no concurso é o primeiro passo da jornada, cabendo àqueles que se encontram na Administração Pública a tarefa de promover a formação dos novos servidores. Desafio seria uma definição melhor do que obstáculo, já que abarca na própria concepção as ideias de provocação e improviso, conceitos que expressam a necessidade de atitude criativa e dialógica no processo de desenvolvimento de recursos humanos no serviço público.
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Referências CHASIN, J. O que é o trabalho? Conferência proferida na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, 1993. CLOT, Y. A função psicológica do trabalho. Tradução Adail Sobral, São Paulo: Vozes, 2006. GIL, J. Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio D’água, 1997.
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CIRCUITO DE RESPONSABILIZAÇÃO
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Responsabilização ou responsabilizações? O adolescente, o técnico e o Sistema Amilton Alexandre Grazielle Lopes Maira Freitas Pollyana Penoni Roberta Andrade Valdiney Gonçalves
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Introdução No início do ano de 2014, foi apresentada pela GECMES – Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas, uma proposta de trabalho para os Analistas de Políticas Públicas, que visava à discussão de temas do cotidiano no trabalho com os adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto. Tal proposta trouxe a ideia de circuitos elétricos, nos quais há uma ligação dos elementos com o intuito que se forme um caminho para que a corrente elétrica possa passar. Trazendo essa lógica para nossa realidade, esses elementos são os pontos de entrave da prática cotidiana com os adolescentes. Desse modo, a proposta teve como objetivo central fomentar a circulação de saberes, práticas e propostas visando à construção para que o produto dessa discussão pudesse ser transmitido dentro e fora do contexto das medidas socioeducativas. Antes de iniciar o tema central desse Grupo, intitulado Circuito Responsabilização, é importante primeiramente explanar sobre a MSE. Conforme estabelecido na legislação nacional, os adolescentes são sujeitos inimputáveis penalmente, no entanto, respondem por seus atos por meio do cumprimento das MSE’s previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). As medidas socioeducativas representam a possibilidade do Estado aplicar, a medida socioeducativa ao adolescente autor de ato infracional, sendo este atendido e responsabilizado pelo ato cometido de forma educativa. De acordo com a Lei Nº 12.594/12, conhecida como a Lei do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), aponta em seu capítulo inicial os principais objetivos de uma Medida Socioeducativa, sendo que o primeiro deles se refere à responsabilização: “A responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação” (BRASIL, 2012). Considerando-se essa dimensão da responsabilização no campo socioeducativo, a presente temática que se analisa neste estudo está entre as mais complexas e desafiadoras a ser discutida. Para tanto, faz-se necessário entender o que é responsabilização. Segundo o Dicionário Aurélio, o significado de responsabilidade é responder “pelos próprios atos ou pelos de outrem” (1988, p. 443). De acordo com Salum, “as Medidas Socioeducativas devem ser vistas como a possibilidade de que um adolescente seja JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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responsabilizado por seus atos” (SALUM, 2012, p. 163). Isso significa que o adolescente é convocado a lidar com consequências do seu ato, refletindo sobre o seu comportamento e suas escolhas. Para o jurista SARAIVA (2002), responsabilizar o adolescente na medida socioeducativa não é fazê-lo objeto de intervenção estatal, como se ele fosse portador de algum tipo de moléstia, no caso, uma moléstia social, e que precisaria ser corrigida. É, de fato, reconhecê-lo como sujeito de direito, acolhendo, respeitando e refletindo com ele o seu modo de ver o mundo e suas relações. Assim, a responsabilização do adolescente que cometeu ato infracional deve ser entendida como a produção de uma nova resposta do sujeito frente ao campo social. Então, considerandose o Sistema de Atendimento Socioeducativo, faz-se necessário questionar se é possível uma responsabilização do adolescente de forma desarticulada e quais atores fazem parte desse processo. Com o objetivo de responder a essas questões, o presente artigo trará reflexões acerca do acompanhamento técnico e da relevância do sistema na responsabilização dos adolescentes autores de ato infracional. Inicialmente, será apresentada uma contextualização do tema.
Responsabilização juvenil e uma breve análise de conjuntura Na conjuntura nacional, grande parte dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas encontra-se inserida em contexto de vulnerabilidade social, pois a realidade aponta, de um modo geral, para uma fragilização dos suportes de sociabilidade1. Conforme descreve Castel (CASTEL, 2000. apud Teixeira et al, 2000), os adolescentes em cumprimento de determinação judicial sofrem déficit de integração na educação, cultura, relações sociais primárias e secundárias, no trabalho, na moradia, sendo os fatores de exclusão Este termo foi utilizado neste estudo na definição de Georg Simmel (apud Alcântara, 2005) quando aponta que a sociabilidade é o resultante das condições inerentes e gestadas pelas múltiplas combinações interacionais acionadas a partir dos indivíduos, por grupos e por classes sociais, sintetizadas e cristalizadas na própria sociedade. E, embasado também no texto resumo, para fins didáticos da Professora da Escola de Serviço Social da PUC Minas, Maria Filomena Jardim, quando indica as duas lógicas de exclusão social: a) a primeira procede por discriminações oficiais e; b) a outra consiste em processos de desestabilização como a degradação das condições de trabalho ou a fragilização dos suportes (no caso as políticas públicas) de sociabilidade.
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mais preponderantes do que os fatores de integração, mesmo após iniciado o cumprimento da medida socioeducativa. Pensando-se a responsabilização juvenil pelo viés da realidade socioeconômica, percebemos, nos diversos relatos dos adolescentes, um discurso fulgente pautado na escolha da criminalidade para o acesso aos bens de consumo e ao dinheiro. Por outro lado, há também um envolvimento na criminalidade pela influência de amigos já envolvidos, que pode apontar pela busca de um reconhecimento pessoal e social. Para o jurista De Paula (2006), o ato infracional seria um crime de desvalor social, sendo que este representa uma ação que atenta contra a paz e consequentemente contra o exercício pleno dos direitos inerentes à cidadania, e de respeito. Quando ocorre o cometimento de um ato infracional, além de receber a aplicação de medidas socioeducativas, pode haver também a aplicação de medidas protetivas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas medidas, como bem assinala Salum (2012), preveem a proteção integral dos menores de idade e aliamse, no caso dos adolescentes em conflito com a lei, à proteção e à responsabilização. Atualmente, uma parcela significativa da opinião pública traz a ideia de que a inimputabilidade juvenil é sinônimo da não responsabilização pelos atos infracionais cometidos. Vicentim, Catão, Borghi e Rosa (2012) observam que as medidas socioeducativas não vão ao encontro da lógica penal dos adultos, na qual há punição, independentemente das características e das determinações sociais e, sobretudo, da etapa de desenvolvimento em que o “transgressor” se encontra. Entretanto, o Estatuto prevê a responsabilização do adolescente, considerando-se a condição peculiar de desenvolvimento que este se encontra. O cumprimento da MSE deve ocorrer de forma individual, respeitando a singularidade, as possibilidades e o contexto em que o adolescente está inserido. E, para que haja essa individualização, é imprescindível que o técnico responsável pelo acompanhamento do adolescente também faça parte desse processo de responsabilização.
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Responsabilização juvenil e o acompanhamento técnico No acompanhamento técnico, o profissional encontra-se diante de um sujeito em formação que, devido a determinadas circunstâncias, veio a cometer um ato infracional. Desse modo, esse encontro é desafiador para ambas as partes, tanto para adolescente quanto para o profissional em sua ação socioeducativa nesse acompanhamento. O pedagogo Antônio Carlos G. da Costa (1999) afirma que o adolescente necessita de uma efetiva ajuda pessoal e social para superação dos obstáculos ao seu pleno desenvolvimento como pessoa e como cidadão. A prática do trabalho, somada às bases conceituais e orientadoras, tem como elemento central a responsabilização do adolescente na perspectiva do acolhimento, da participação e da autonomia desse adolescente na construção de seu próprio plano socioeducativo e na construção de uma nova trajetória de vida e em sua maneira de vivenciar e de se inserir na cidade. Consideramos que todo o sistema socioeducativo deve estar comprometido e articulado para atingir o mesmo objetivo: a responsabilização do adolescente. Acreditamos que esse processo se inicia desde a apreensão do adolescente. A apreensão policial, a oitiva inicial, a audiência, e todos os trâmites legais que o adolescente vivencia em função de um ato infracional contribuem significativamente para o processo de responsabilização. Segundo o jurista Dr. José Honório Rezende , “A responsabilidade deve ser vista como uma resposta do adolescente frente às intervenções que lhe são dirigidas. Decorrerá, portanto, da adequação desta intervenção, de sua proporcionalidade e de sua necessidade” (REZENDE, 2012, p.44). Em Belo Horizonte, existe o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA), equipamento composto pelos principais órgãos que compõe o sistema socioeducativo, a saber: Juizado da Infância e Juventude, Ministério Público, Defensoria, Policia Militar, Policia Civil, SUASE-Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo do Estado de Minas Gerais, Prefeitura de Belo Horizonte por meio do NAMSEP (Núcleo de Medidas Socioeducativas e Protetivas). 28
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A chegada do adolescente ao CIA se dá após a apreensão policial. A partir daí, inicia seu percurso de peregrinação dentro dessa estrutura, o que, na maioria das vezes, pode durar mais de vinte quatro horas até a chegada ao NAMSEP. Nesse longo e exaustivo percurso, o adolescente passa pela Polícia Civil, Ministério Público, Defensoria e Vara Infracional e em audiência é interrogado sobre o ato infracional praticado para aplicação da medida socioeducativa. O que sobressai nesse momento são os atos infracionais, as provas e a materialidade. Com o consentimento do adolescente e a não recusa ao que lhe foi determinado, pode-se dizer que a responsabilização jurídica foi iniciada e a sua condução ao NAMSEP foi feita em seguida, iniciando os procedimentos de inclusão do adolescente junto à medida socioeducativa em meio aberto. O que podemos observar, no primeiro acolhimento realizado no NAMSEP, é que muitas vezes o adolescente e sua família não apresentam suas questões, angústias e motivações no espaço da audiência. O Núcleo configura-se como a porta de entrada do Serviço de Medidas e esse acolhimento inicial oferece ao sujeito a oportunidade de se posicionar, nesse sentido o sujeito se sobrepõe ao ato. A escuta qualificada e diferenciada contribui para esclarecer os direitos, deveres e possibilidades no cumprimento da medida socioeducativa. A escuta qualificada se faz com o adolescente em separado, momento no qual os técnicos do NAMSEP estimulam a falar do motivo que o fez chegar ali, pois o que se torna relevante nesse atendimento é o sujeito e o que ele nos traz por meio da palavra, uma vez que o ato durante percurso já ficou em evidência. O acolhimento do adolescente realizado no Núcleo tem o objetivo da orientação acerca da MSE, contribuindo efetivamente para o encaminhamento do adolescente para as regionais. A escuta também contribui para a identificação de outras demandas, como situação de ameaça, elementos que serão de extrema importância, pois inauguram um espaço de reflexão necessário nessa passagem da responsabilização da cena jurídica para a subjetiva. Essa abordagem cuidadosa ao adolescente e sua família é necessária desde a entrada deste no serviço, conforme aponta FUCHS, MEZENCIO E TEIXEIRA:
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“O respeito à singularidade de cada adolescente e a todas as expressões da diversidade presentes no grupo de adolescente (de gênero, étnico-racial, cultural, religiosa). Para isto é necessário compreender o adolescente quanto à sua etapa de desenvolvimento e sua história pessoal na qual se inscreve a prática do ato infracional” (FUCHS, MEZENCIO & TEIXEIRA, 2012, p.36). Para a construção desse espaço de reflexão acerca do ato infracional cometido é fundamental que o início do processo se dê de forma legítima, considerando-se a importância de trabalharmos de forma articulada e sistêmica, respeitando todos os princípios que orientam o Sistema Socioeducativo. Depois desse acolhimento inicial no NAMSEP, o adolescente será encaminhado para uma das nove regionais de BH, na qual se dará início ao cumprimento da medida, seja de prestação de serviços à comunidade, seja de liberdade assistida, conforme determinação judicial. A responsabilização no cumprimento da prestação de serviços à comunidade (PSC) propõe a ação responsabilizadora quando constrói de forma participativa, isto é, junto com o adolescente, uma atividade socioeducativa condizente com suas escolhas e implicações. Essa medida propõe que o adolescente se responsabilize tanto pela atividade como pelas novas relações construídas nesta prática. Ainda sobre esse processo de responsabilização, vale destacar a importância em relação à abrangência que este trabalho com o adolescente possa repercutir em vários lugares, cenários ou espaços. Nesse sentido, o acompanhamento técnico não deve se restringir somente à sala de atendimento e aos seus encaminhamentos. Desse modo, a responsabilização ocorre, como aponta Costa (1999), pela educação emancipadora, pois procura compreender o adolescente a partir do que ele é, do que ele sabe e do que é capaz. Busca-se, assim, criar espaços estruturados a partir dos quais o adolescente possa se desenvolver individual e socialmente. Em se tratando da medida de liberdade assistida (LA), a responsabilização se dará principalmente por um trabalho de reflexão propositiva, por meio da fala e da escuta. Essa será uma oportunidade para dar voz ao adolescente. E, a partir de então, fazê-lo repensar suas condutas e construir um novo projeto de vida. 30
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A partir dessa escuta e da construção de novos projetos, é fundamental a articulação em rede e a presença do Orientador Social Voluntário. O Orientador Social Voluntário é uma pessoa da sociedade civil que, voluntariamente, se dedica a acompanhar um adolescente que esteja cumprindo a medida de liberdade assistida. Esse acompanhamento se dará por meio de encontros semanais, seja para conhecer museus, teatros, praças, seja para aprender violão, inglês, dentro outros. As atividades realizadas ocorrerão de acordo com as possibilidades e demandas dos envolvidos. O Orientador faz parte do processo de responsabilização do adolescente, quando este se propõe a ser uma referência ética para os adolescentes. No trabalho com adolescentes, apostamos que sua responsabilização não se trata apenas de reconhecer o caráter ilícito do ato, mas, sim, de construir novas soluções que apontem para novo modo do adolescente se enlaçar com a cidade, com sua comunidade e também com sua família. Nas medidas socioeducativas, a relação educador e adolescente é um importante instrumento nesse processo Fuchs, Mezencio e Teixeira nos orienta que o educador deva ter a capacidade de estabelecer vínculos com o adolescente: “Esta compreensão exige que o educador tenha capacidade e se disponha a estabelecer vínculos significativos com o adolescente, uma condição para construir relações de confiança e para que o educador se constitua como referência para esse adolescente. Ou seja, para que apalavra do educador tenha potência para auxiliar o adolescente a mobilizar e a potencializar suas capacidades e habilidades para superar suas dificuldades e experimentar outras possibilidades de “estar no mundo” (FUCHS, MEZENCIO & TEIXEIRA, 2012, p.36). Essa relação não é sem desafios no acompanhamento. Os estudos de Costa (1999) podem elucidar dois aspectos: (I) quando o acompanhamento técnico tenta absorver somente o acompanhamento ao adolescente, esquecendo que o ato infracional pelo qual este responde é uma categoria essencialmente de natureza JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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jurídica e; (II) quando o cotidiano profissional se transforma em rotina, a inteligência e a sensibilidade fecham-se para o inédito e o específico de cada caso, de cada situação. Aprofundando-se nesse segundo desafio elencado, temse então a importância da presença técnica para o adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas, pois tal presença é fundamental no trabalho socioeducativo. No entanto, tal presença é desafiadora frente à cotidianidade do exercício profissional e das burocracias institucionais. Segundo Magalhães (2006), Via de regra, profissionais das áreas de serviço social e psicologia, por exemplo, interagem profissionalmente com pessoas que lhes contam seus sonhos, suas dificuldades, seus conflitos e até mesmo suas intimidades. Então, apesar da vivência de um cotidiano profissional muitas vezes massificante, seu trabalho é desenvolvido tendo como tônica o ser humano, seja no âmbito individual ou social. Sendo assim, deverão dispor de um tempo, ou dar-se um tempo, para que a cotidianidade do exercício de sua profissão não termine por se caracterizar pelo mecanicismo. Afinal, o cotidiano, segundo Heller, é a esfera da sociedade que mais possibilita a alienação (MAGALHÃES, 2006, p. 17). Frente a tais desafios no acompanhamento técnico, Costa enfatiza que: “nenhuma lei, nenhum método ou técnica, nenhum recurso logístico, nenhum dispositivo político-inconstitucional pode substituir o frescor e a imediaticidade da presença solidária, aberta e construtiva do educador junto ao educando” (COSTA, 1999, p.57). Desse modo, considerando-se a produção de uma nova resposta no campo social como elemento orientador do processo de responsabilização do adolescente, cabe destacar que ela acontece também pelo viés do acompanhamento técnico. Todavia, não 32
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podemos compreender que este seja suficiente, é de suma importância ressaltar o papel do sistema nesse processo de responsabilização.
Responsabilização juvenil e o sistema socioeducativo Vicentin, Catão, Borghi e Rosa destacam que o processo de responsabilização nas MSE não se restringe ao adolescente, “mas também aos diferentes atores envolvidos, inclusive do Poder Público, provocando rearranjos e novas fronteiras entre o sancionatório, o educativo e a garantia de cidadania” (VICENTIM, CATÃO, BORGHI e ROSA, 2012, p. 277), especialmente quando se refere ao acesso a direitos, como saúde, educação, esporte, lazer, cultura. Nesse sentido, levando-se em conta o atual contexto socioeconômico brasileiro, marcado por políticas públicas ainda fragilizadas, ressalta-se que a responsabilização do adolescente também dialoga com a responsabilidade do Estado. Caliman descreve que A marginalidade por frustração das necessidades emergentes, também identificada como nova marginalidade, não está ligada à insatisfação das necessidades materiais, mas à frustração das necessidades emergentes e pós-materiais. Trata-se basicamente do mal-estar que nasce de situações como: a falta de comunicação interpessoal, a solidão e o isolamento que atinge os jovens sem pertença social, os alienados e os culturalmente desenraizados; a deficiência e o mal-estar psíquico e físico; a privação cultural; a impossibilidade e a incapacidade de certos jovens em ter acesso às instituições (família, igreja, associações, movimentos) para a satisfação de novas necessidades. Imaginemos, por exemplo, as frustrações devidas à impossibilidade dos jovens pobres em participar das mais diversas modalidades esportivas, uma demanda juvenil que se manifesta particularmente forte nos últimos tempos (CALIMAN, 2008 p. 126).
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Retomando-se o viés de atuação do trabalho com os adolescentes são comuns os desafios relacionados à escassez ou carência das políticas públicas voltadas para juventude e suas garantias de direitos. Assim sendo, é importante ressaltar que essa reflexão não tem a proposta de vitimizar a juventude, mas sim, de considerá-la protagonista de suas escolhas. No entanto, com base na dimensão socioeducativa, não há como negar que tal realidade, aqui nomeada de “responsabilidade do Estado”, potencializa o desafio da responsabilização juvenil, pois coloca frágil a relação de reconhecimento do adolescente como cidadão de direitos nas políticas públicas e, inclusive, no próprio sistema socioeducativo. Segundo De Paula (2006), o Estado persegue a paz social e, para que isso ocorra, busca-se a construção de políticas públicas. O autor relata, portanto, que nesse contexto é difícil vislumbrar eficácia no combate à criminalidade infanto-juvenil derivada exclusivamente de uma única política pública, ainda que formalmente concebida como direcionada à questão. O adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas nesse contexto de fragilização de seu próprio reconhecimento como cidadão de direito em condição peculiar de desenvolvimento, de modo geral, é um sujeito rotulado e simplificado em relação a sua conduta infracional. Em alguns momentos, é possível observar que esse cenário de rotulagem é vivenciado pelos adolescentes até na cidade e na rede de atendimento socioeducativa. Tomando por base a realidade de fragilização das políticas públicas, observa-se a importância e o desafio para que também ocorra a responsabilização da sociedade e, principalmente, do Estado frente à garantia de direitos do adolescente. É fundamental um sistema socioeducativo integrado que tenha um novo olhar para esse adolescente, levando-se sempre em conta uma perspectiva emancipatória e ativamente socioeducativa. Assim, a responsabilização no cumprimento da medida socioeducativa deverá ser compreendida não apenas como um convite, mas como uma convocação para que o SINASE seja posto em prática. É reconhecer que o adolescente que cumpre MSE não seja rotulado como “o adolescente da medida”, mas sim um sujeito que, independentemente do cometimento de atos infracionais, esteja matriculado e frequente na escola, tendo fácil acesso ao Centro de Saúde, frequentando instituições que ofertam esportes, lazer, cultura 34
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etc. Desta forma, o processo de responsabilização do adolescente implica também em um envolvimento e participação efetiva da rede para garantir sua proteção.
Considerações finais Nosso percurso de discussão foi caminhando pelas diversas vertentes que esta temática nos convoca: a responsabilidade do adolescente, do técnico e de todo o sistema socioeducativo. Para que esse adolescente possa se responsabilizar pelo ato que cometeu, é imprescindível que todos os atores do Sistema Socioeducativo, sociedade civil, trabalhadores das políticas públicas e também a família se responsabilizem e se mostrem disponíveis a participar desse complexo processo na vida desse adolescente. O trabalho no Serviço de Proteção Social ao Adolescente em cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto busca a partir do acompanhamento técnico a cada adolescente responsabilizá-lo pelo ato infracional cometido, na perspectiva da garantia de direitos e, construir junto a ele novas formas de vivenciar a cidade e o seu direito a ela. E desse modo, seguimos articulando e envolvendo todos os atores para efetivação de uma política de atendimento socioeducativa.
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A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO COMO PARTE DO PROCESSO DE RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE AUTOR dE ATO INFRACIONAL Amanda Fernandes de Carvalho Darissa Marielle Lucas Ferreira Fabrícia Miranda Oliveira
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Introdução Este trabalho é fruto de reflexões realizadas durante encontros ocorridos no decorrer do ano de 2014, entre os profissionais que atuam no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade de de Liberdade Assistida da Prefeitura de Belo Horizonte. Tais encontros fizeram parte do circuito de discussões, cujo tema abordado se relaciona à responsabilização do adolescente autor de ato infracional. Trata-se de um tema complexo que desafia os técnicos no cotidiano profissional a buscarem sua compreensão, uma vez que se caracteriza como um dos objetivos da medida socioeducativa. Essa complexidade se deve ao fato da responsabilização de cada sujeito ocorrer de forma singular e o trabalho socioeducativo demandar o engajamento de diversos atores da rede de serviços públicos da cidade. Para pensarmos a responsabilização no processo do cumprimento da medida socioeducativa, durante a realização das discussões do circuito, foi preciso abordar o tema sobre diferentes perspectivas. Para isso, recorremos a diversas abordagens teóricas que tratam do tema. Sobre as diversas correntes que abordam o assunto durante as discussões, é possível observar que trabalhar a responsabilização dos adolescentes autores de ato infracional exige uma rede de serviços públicos que também esteja comprometida com sua função. Assim, é preciso que instituições, equipes e atores que atuam nas políticas públicas estejam efetivamente engajados em sua atuação e que, principalmente, reconheçam o seu papel no atendimento a esses sujeitos. Demonstrar a importância dessa responsabilização do Estado é o principal objetivo desse trabalho.
As diferentes formas de responsabilização Para discorrer sobre a responsabilização do Estado, é importante a compreensão dos conceitos de responsabilização jurídica e subjetiva que são constantemente utilizados no cotidiano pelos profissionais que atuam no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto e baseiam muitas decisões do fazer técnico nessa área.
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Responsabilização Jurídica De acordo com o volume 01 do Caderno de Metodologia de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Belo Horizonte (2010), a passagem pelo sistema judiciário pressupõe o advento da responsabilidade jurídica, o que poderia significar a obediência às exigências típicas e formais da lei em função do ato cometido, mesmo que o adolescente não se responsabilize subjetivamente por ele. Responsabilização Subjetiva Já a responsabilização subjetiva acontece quando o cumprimento da medida socioeducativa toma um valor para o sujeito. É importante considerar que esse valor é construído de forma bastante singular. São indicadores de responsabilização subjetiva quando as respostas frente à ordem judicial alcançam questões significativas relacionadas à forma de relacionamento do adolescente com os membros de sua comunidade, a disposição dos vínculos familiares, o seu envolvimento com o processo educativo e profissional, o modo como concebe sua vida e suas escolhas sociais e afetivas (Caderno de metodologia de medidas socioeducativas em meio aberto de Belo Horizonte, 2010, p.34). Para Salum (2012), a responsabilidade subjetiva será um efeito, ela virá como consequência e será fruto de um trabalho com o adolescente. No trabalho socioeducativo, a forma como o outro (seu semelhante) lhe aparece é fundamental: “pode ser aquele que acompanha, acolhe, acredita, ampara, ou, ao contrário, mesmo que de forma velada, pode ser aquele que segrega, exclui, preconcebe e determina” (SALUM, 2012, p.182). Se tomarmos esse “outro” como todas as instituições e atores com os quais cada adolescente se relaciona, podemos avaliar a importância de cada uma deles na construção do processo de responsabilização. Esse processo se inicia no momento da abordagem policial, logo após o cometimento do ato infracional e vai se desenvolvendo durante a passagem do sujeito no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA), no desenrolar da audiência, na forma como ele será orientado a retornar para casa ou 40
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encaminhado para permanecer no Centro de Internação Provisória (CEIP) e, finalmente, na forma como ele será acolhido para o cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto. Durante o cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto, novos atores da rede de serviços públicos vão se tornando esse “outro” com quem o sujeito irá se relacionar. Nesse trajeto, essas relações terão papel fundamental no processo socioeducativo. Para Salum, “o adolescente poderá formular respostas que o direcionem a responsabilidade subjetiva, desde que a medida seja realmente socioeducativa” (SALUM, 2012, p.183). Responsabilização do Estado No que tange ao poder público, vale ressaltar que as medidas socioeducativas de meio aberto em Belo Horizonte são executadas dentro da Política de Assistência Social, uma política que veio ganhar status de direito do cidadão na Constituição de 1988 e, somente cinco anos depois se concretiza na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS). Isso aponta o quão essa política é recente e mesmo diante de tantos avanços ainda se encontra em processo de construção. Diante desse cenário, em 2012, foi instituído o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) que regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescentes autores de ato infracional. De acordo com o § 1º da lei: Entende-se por SINASE o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei (BRASIL, 2012). Logo, esse Sistema institui a competência de cada ente federado e faz a interface dos demais subsistemas que são integrados a garantia de direitos do indivíduo, tais como a Saúde, Educação, Assistência Social, Judiciário e Segurança Pública. Para que haja a efetiva garantia desses direitos, faz-se necessária a intersetorialidade desses subsistemas, visto que o que se observa na prática é que muito desses adolescentes só são lembrados socialmente pela via da infração, muitos já tiveram seus direitos violados, mas ganham JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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visibilidade somente quando se tornam violadores de direitos, ou seja, quando praticam o ato infracional. A implicação da rede de serviços públicos é de suma importância na responsabilização do adolescente, uma vez que sem essa integração o trabalho se torna frágil e fácil de perder seu caráter socioeducativo, correndo o risco de entrar em uma lógica somente punitiva. Nessa perspectiva, Nicodemos afirma que: “(...) a execução da pena vai cumprir antes de tudo um papel estigmatizante sobre o indivíduo frente a sociedade. A condição de apenado potencializa o processo de exclusão social e econômica, criando categorias inferiores de pretensos cidadãos, que serão subjugados a toda sorte de vicissitudes de um sistema exploratório” (Nicodemos apud Baratta, 2002, p.64). Considerando-se essa visão equivocada sobre esse processo, o adolescente autor de ato infracional perde sua identidade de cidadão de direitos e passa a ser visto somente pela via do cometimento do ato infracional. Assim, devemos considerar a responsabilização do Estado nesse contexto, como colocado por Nicodemos “o aspecto político coloca em evidência um largo distanciamento entre a realidade em que estão milhares de infantojuvenis e o que a Lei Nº 8069/90, o Estatuto da Criança e Adolescente, determina” (Nicodemos apud Baratta, 2002, p.64). Esse distanciamento fica evidente no artigo 4º dessa legislação que preconiza: Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Lei federal 8068/90 ECA). O que se observa na prática é que há um abismo entre o que é preconizado pela referida lei e a realidade enfrentada pelos adolescentes, que, na maioria das vezes, estão fora da escola, vivenciam conflitos familiares complexos e não têm acesso à 42
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informações sobre serviços públicos básicos. Assim como destaca Salum (2012): Os adolescentes envolvidos com infrações têm geralmente, as mesmas características das quais destacaremos as principais: apresentam dificuldades familiares e estão em processo de ruptura, ou abandonaram o vínculo com a escola. Quer dizer, demonstram embaraços com as principais instituições socializadoras, instâncias que deveriam ampará-los na oferta de recursos na sua busca por emancipação (SALUM, 2012, p.173). Então, entende-se que a prática do ato infracional não pode ser compreendida de forma isolada, uma vez que se trata de um fenômeno complexo que surge em um contexto que tem enfoques subjetivos, sociais e econômicos. A reciprocidade de ações no contexto da responsabilização do Estado Durante os encontros denominados Circuitos, os profissionais do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e de PSC trouxeram para reflexão a importância da presença e sintonia das formas de responsabilização elencadas no desenvolvimento da medida socioeducativa. O Brasil apresenta um passado recente no qual crianças e adolescentes ficavam à margem na sociedade. Em um mundo totalmente adultocêntrico, esses dois segmentos não eram considerados em sua singularidade e tão pouco vistos como sujeitos de direitos. Mas o cenário mudou com a vinda da contemporaneidade, ultrapassamos ao Código de Menores e começamos a estabelecer outras relações com esses sujeitos. Esse novo tratamento foi consolidado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Foi dada a esse seguimento uma atenção especial e a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento foi levada em consideração. Porém, outras transformações estavam ocorrendo, tais como as famílias e suas novas formas de organização e dinamicidade.
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Nessa perspectiva, a responsabilização compartilhada entre os diferentes atores envolvidos potencializa as ações construídas com os adolescentes autores de ato infracional. Novas estratégias precisam ganhar corpo tanto nos níveis individual e coletivo, “a fim de fortalecer os sujeitos e suas comunidades para que assumam seu lugar na gestão dos conflitos de que são parte” (VINCENTIN; CATÃO; BORGHI; ROSA, 2011/2012, p. 272). Tomar como caminho a culpabilização desses sujeitos impede a possibilidade de leitura dos processos de exclusão/vulnerabilização, os quais estão acometidos. No âmbito da socioeducação, a relação estabelecida com o adolescente, por meio da dicotomia obediência/ desobediência e a compreensão da responsabilização, como uma qualidade que o sujeito possa ou não possuir, conduz a sérios desafios na construção de laços sociais desses indivíduos, bem como de inclusão destes em políticas públicas. Tomando-se a nossa prática profissional como referência, percebe-se que o cumprimento da medida socioeducativa passa inevitavelmente pelo encontro entre um adolescente e diversos outros atores. Dessa forma, o contexto na qual a escassez de reciprocidade de ações entre as instituições envolvidas nesse processo se faz presente, caminha-se na contramão de “rearranjos e novas fronteiras entre o sancionatório, o educativo e a garantia de cidadania” (VINCENTIN; CATÃO; BORGHI; ROSA, 2011/2012, p. 271). No que se refere à implicação da rede de serviços públicos para a contribuição do processo de responsabilização dos adolescentes nas medidas socioeducativas, a reciprocidade de ações entre todas as instituições envolvidas se apresenta como um tema árduo, uma vez que essas instituições nem sempre se veem como parte desse processo. Isso favorece o surgimento de “buracos” na rede que impactam diretamente no processo de responsabilização do adolescente. Conclusões e Perspectivas É possível perceber que os adolescentes autores de ato infracional formulam diferentes respostas que os direcionam à responsabilização. Essas respostas podem surgir de diversas formas, pois cada um se apresenta a seu modo e de acordo com sua particularidade. O que se observa na prática é que a responsabilização de cada adolescente acontece em um momento muito peculiar, seja na 44
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audiência, seja no decorrer dos atendimentos ou mesmo na relação com o educador de referência (no caso da medida de prestação de serviços à comunidade) ou com o orientador social voluntário (no caso da medida de liberdade assistida). Outras vezes, a responsabilização acaba se atrelando a algum acontecimento da vida do adolescente que pode não estar relacionado à medida socioeducativa e o acompanhamento técnico pode favorecer a construção de novas escolhas baseadas nessas vivências. Quanto à responsabilização jurídica, percebe-se que, em alguns casos, ela pode ser alcançada, uma vez que muitos adolescentes temem pela aplicação de outras sanções judiciais. Dessa forma, o caráter punitivo da medida acaba tendo maior peso em detrimento ao caráter socioeducativo. Como já foi exposto, o cumprimento das exigências formais da lei pode ocorrer até mesmo sem o adolescente se responsabilizar subjetivamente. As instituições pelas quais o adolescente perpassa na trajetória pós-ato infracional são imprescindíveis para que os eixos do Serviço de Medidas Socioeducativas (família, escola, profissionalização, saúde, cultura e esporte) possam ser trabalhados. Tais instituições possibilitam o contato do adolescente com o diferente, com a produção de outras possibilidades de resposta, conforme a perspectiva apontada por Lewkowics (2009). Para esse autor, as condições de violência são criadas devido ao fato de o sujeito ter restringidas as suas possibilidades de escolhas e acabar respondendo de uma única maneira. Assim, não existe uma receita pronta para a responsabilização do adolescente e é importante que a rede de serviços públicos esteja interligada e funcionando de forma sistêmica para favorecer a construção de novos caminhos para esses sujeitos.
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Referências BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 07 de novembro de 2014. BRASIL. Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. LEWKOWICS, Ignácio. Uma respuesta ética ante la violência – Comentários en la Jornada sobre ética. 2009. Disponível em: <http:// http://www. academia.edu/7230161/Una_respuesta_etica_a_la_violencia_pdf_IL > Acesso em: 07 de novembro de 2014. NICODEMUS, Carlos. A natureza do sistema de responsabilização do adolescente autor de ato infracional. In: INSTITUTO LATINOAMERICANO PARA LA PREVENCIÓN DEL DELITO Y TRATAMIENTO DEL DELINCUENTE; Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, Brazil; Secretaria Especial dos Direitos Humanos; United Nations Population fund. (Org.) Justiça adolescente e ato infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo: ILANUD, 2006. RIBEIRO, Carla Andrea; MEZÊNCIO, Márcia de Souza; MOREIRA, Mário César R. Medidas socioeducativas em meio aberto: a experiência de Belo Horizonte. vol. 1. Belo Horizonte: Santa Clara, 2010. SALUM, Maria José Gontijo. Direito penal x direito infanto juvenil: qual a função da inimputabilidade penal? In: IMURA, Carolina Proietti; MACIEL, Elaine Rocha (Org.). Medidas socioeducativas: contribuições para a prática. Belo Horizonte: Editora FAPI, 2012. p. 174-185. SALUM, Maria José Gontijo. O adolescente, o ECA e a Responsabilidade. Revista Brasileira Adolescência e Conflitualidade, 2012, v. 6, p. 162-176. VINCENTIN, Maria Cristina et al. Adolescência e sistema de justiça: problematizações em torno da responsabilização em contextos de vulnerabilidade social. Responsabilidades. Belo Horizonte, v. 1, n. 2, set. 2011/fev. 2012, p. 271-295. 46
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CIRCUITO DE TRAJETÓRIA DE VIDA NAS RUAS
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OS ADOLESCENTES EM TRAJETÓRIA DE VIDA NAS RUAS E AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: O OLHAR DO NAMSEP – ASSISTÊNCIA SOCIAL Jucélia Cassia de Arruda Simões
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INTRODUÇÃO O presente artigo tem por finalidade trazer uma discussão sobre os adolescentes em trajetória de vida nas ruas na cidade de Belo Horizonte, que, após cometerem atos infracionais, são apreendidos e sentenciados com as medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Ao serem apreendidos, são encaminhados ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA/BH, que é formado por sete instituições que compõem o sistema socioeducativo, sendo uma delas a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, representada pelo Núcleo de Atendimento às Medidas Socioeducativas e Protetivas – NAMSEP, instituição a qual será dada ênfase. O NAMSEP é a porta de entrada do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Belo Horizonte, é responsável pelo acolhimento, orientação e encaminhamento dos adolescentes para as regionais1 do município onde o trabalho de acompanhamento da equipe técnica a esses adolescentes e o cumprimento de medida terão início. Dados da Primeira Pesquisa Censitária Nacional sobre Crianças e Adolescentes em Situação de Rua, realizada no ano de 2010 e divulgada em 2011, revelam que aproximadamente 24 mil crianças estão em situação de rua, com idade predominante entre 12 a 15 anos. A pesquisa foi realizada a partir de convênio entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH) e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável (Idest) em 75 cidades brasileiras com população superior a 300 mil habitantes. O conceito de trajetória de vidas nas ruas, neste estudo, será definido como percurso, considerando-se os adolescentes que fazem da rua sua moradia, como aqueles que ficam entre casa e rua, ou seja, passam períodos curtos ou longos nas ruas retornando para casa para dormir ou esporadicamente.
UM POUCO SOBRE A EXPERIÊNCIA DE BELO HORIZONTE O Centro integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA/BH surge em dezembro de 2008, para atender 1 O Município de Belo Horizonte se divide em 9 regiões administrativas denominadas Secretarias Administrativas Regionais Municipais.
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ao artigo 88 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, inciso V que traz a importância do atendimento ao adolescente autor de ato infracional acontecer preferencialmente em um mesmo espaço, conforme transcrito abaixo: “integração operacional de órgãos do judiciário, ministério público, defensoria, segurança pública e assistência social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a quem se atribua autoria de ato infracional” (BRASIL, 1990). Em 2012, a Prefeitura de Belo Horizonte passa a compor as instituições que o integram, sendo representada pelo NAMSEP, que é formado por técnicos das políticas de assistência social, saúde e educação. Os adolescentes atendidos pelo NAMSEP tiveram como determinação judicial pelo cometimento do ato infracional medidas protetivas e/ou socioeducativas, esta última executada em meio aberto, cuja responsabilidade de execução é do município. Abaixo estão listadas as medidas protetivas e socioeducativas, que originam o atendimento no NAMSEP. Art. 101 (Medidas Protetivas) II. orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. matrícula e frequência obrigatórios em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, a criança e ao adolescente; V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. Art. 112 (Medidas Socioeducativas) II. Advertência III. prestação de serviço à comunidade. IV liberdade assistida
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O NAMSEP é a porta de entrada do Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Belo Horizonte, bem como o atendimento e encaminhamento das medidas protetivas. Tem a proposta de um atendimento pontual, no entanto a realidade apresentada assume contorno um pouco diferente; alguns adolescentes cometem infrações novamente, sendo encaminhados ao NAMSEP para novo atendimento. Dentre os adolescentes atendidos, estão os adolescentes que possuem trajetória de vida nas ruas, e que, por essa condição, tornam-se um público desafiador para as políticas públicas. Esses adolescentes em meio à movimentação pela cidade vão construindo e reconstruindo seus vínculos, substituíram o espaço doméstico pelas ruas, fazendo delas o lócus ordenador de suas relações e identidade (GREGORI, 1978). De acordo com MELO (2011), a maioria das pessoas em situação de rua viveu um processo de “adentrar a rua”, ou seja, a vida nas ruas não estava posta desde que nasceram. Melo (2011), citando Snow & Anderson (1998), aponta uma questão importante: “Nossas observações indicam que o mundo social dos moradores de rua (...) é um mundo social que não é criado ou escolhido pela grande maioria dos moradores de rua, pelo menos não inicialmente, mas para o qual a maioria foi empurrada por circunstâncias além de seu controle. É, contudo, um mundo social no qual os habitantes partilham um destino singular: o de ter de sobreviver nas ruas e becos da cidade (...) (Snow & Anderson 1998:77) Ao serem atendidos no NAMSEP, é comum relatarem a existência de uma família, moradia, até o momento em que uma situação ou várias situações atravessam a história, trazendo desestabilização, contribuindo, dessa forma, para o início da trajetória de vida nas ruas, conforme relato de adolescentes: Adolescente Maurício:
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“Minha mãe faleceu em 2004, fui morar com um tio, depois com outra tia, já fiquei em abrigo...sabe quem gosta de filho é mãe.” Adolescente Juca: “Estou na rua já faz uns três anos e meio, foi após a morte de meu pai, foi assassinado, só encontrei o caminho do mau, fiquei revoltado com a morte dele, parei de estudar e ai saí para a rua... não quero morar com minha mãe, mas ela também sofreu muito com a morte de meu pai.” Relatam ainda semelhanças quanto à forma de sobrevivência nas ruas, sendo necessário, muitas vezes, recorrem ao ato infracional por meio do furto e do roubo para garantir esta sobrevivência. O que se percebe é que esses adolescentes, na maioria das vezes, são atendidos no NAMSEP e não iniciam o cumprimento da medida. O NAMSEP não deve ser um local onde os adolescentes criem vínculos, estes devem ser criados com o técnico na regional. No entanto, fica a angústia por parte da equipe técnica, angústia que vira ponto de trabalho. Sabe-se que inúmeras são as intervenções necessárias, mas que a primeira delas é formatar o atendimento de modo que adolescentes não precisem a cada novo atendimento repetir a história já contada, sendo que técnicos diferentes realizam os atendimentos nesse equipamento. O registro, por parte da equipe técnica, da história desses adolescentes é muito importante para que, caso aconteçam novos atendimentos, eles se sintam reconhecidos em sua singularidade, sintam-se vistos, é importante que eles identifiquem que sabemos quem ele é. Mais do que isso, faz-se necessário pensar o que está posto para esses adolescentes enquanto estratégias de intervenção, uma vez que, em novas passagens, eles relatam aos técnicos do NAMSEP que evadiram dos conselhos tutelares, dos abrigos e, na maioria das vezes, estão em descumprimento de medida. Neste cenário continuam nas ruas, tendo como mudança do atendimento anterior apenas um ato infracional a mais em sua Certidão de Antecedentes Infrancional – CAI, estando de “volta” ao sistema após cometimento 52
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de novo ato infracional, percorrendo como sempre as mesmas instituições. É fato que, ao serem apreendidos, muitas vezes, os adolescentes podem receber medidas mais gravosas, podendo ser determinada como intervenção estatal as medidas de internação e semiliberdade, bem como as consequências do descumprimento de uma medida determinada judicialmente.
CONCLUSÃO Sabemos ainda que o papel da medida socioeducativa é trabalhar com os adolescentes a responsabilização pelo cometimento do ato infracional, no entanto o que deve ser pontuado é se esses adolescentes precisam somente de punição e responsabilização, pois como trabalhar a responsabilização sobre o que os adolescentes em trajetória de vida nas ruas fizeram, sem primeiramente questionar qual proteção a eles foram, estão sendo e serão de fato efetivadas? Também foram ou estão sendo responsabilizados aqueles que, porventura, violaram seus direitos? O que realmente os adolescentes em trajetória de vidas nas ruas precisam em se tratando do ponto de vista das políticas públicas? A responsabilidade pela proteção está sendo de fato efetivada? Acreditamos que ainda temos um longo caminho pela frente para efetivar a prioridade absoluta e a proteção integral preconizadas pela Constituição Federal de 1998 e pelo ECA. De acordo com CAMPOS (2008), ainda temos muito a fazer enquanto Estado, sociedade e família para cumprir as obrigações elencadas nas leis.
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Referências ASSUNÇÃO, Karol. Pesquisa censitária identifica quase 24 mil crianças e adolescentes em situação de rua. Disponível em: http://site.adital.com.br/ site/noticia.php?lang=PT&cod=55042. Acesso em 05 de novembro 2014. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. CAMPOS, Suely de. Meninos de rua: uma trajetória de violências? Revista Pensar BH - Política Social, Belo Horizonte, n. 21, novembro de 2008. GREGORI, Maria Filomena. Meninos nas Ruas: a experiência da viração. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, São Paulo, 1997. Laboratório de Demografia e Estudos Populacionais. Maioria das crianças em situações de rua mora com os pais revela pesquisa. Disponível em: http://www.ufjf.br/ladem/2011/03/30/maioria-das-criancas-em-situacaode-rua-mora-com-os-pais-revela-pesquisa/ Acesso em 05 de novembro 2014. MELO, Tomas Henrique de Azevedo Gomes. A rua e a sociedade: articulações políticas, socialidade e a luta por reconhecimento da população e situação de rua. Curitiba, 2011.
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Os adolescentes e suas experiências de vida nas ruas: possibilidades e desafios nas medidas socioeducativas Carolina Silveira Flecha
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Introdução Este texto foi elaborado entre fevereiro a novembro de 2014, a partir de conversações de trabalhadores do Serviço de Proteção Social à Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa1 de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. Os encontros ocorreram com a criação do “Circuito Trajetória de Vida nas ruas”, cuja proposta era compartilhar e refletir sobre os desafios do acompanhamento aos adolescentes com trajetória/ experiência de vida nas ruas em relação às medidas socioeducativas em meio aberto. Várias indagações foram lançadas neste percurso, quando nos debruçamos sobre a leitura de autores que literalmente adentraram “o universo das ruas”, a fim de se aproximar das experiências e dos sujeitos que, por diversos motivos, passaram a viver nas ruas. À nossa maneira, também nos desalojamos dos saberes e saímos a campo, buscando uma interlocução com a rede parceira. Nosso desejo inicial era escutar e conhecer a prática de outros trabalhadores que também acolhiam adolescentes com trajetória de vida nas ruas. Assim foram realizadas conversas com atores sociais que atuam no Conselho Tutelar, rede socioassistencial2 e organizações não governamentais, além de entrevistas com psicólogos e assistentes sociais do Serviço que trouxeram pontos nevrálgicos sobre acompanhamento de adolescentes com experiências de vida nas ruas inseridos nas medidas socioeducativas de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade. Nesses encontros, transmitimos aos parceiros sobre nosso fazer, além de compartilhamos os impasses que vivenciamos no acompanhamento dos adolescentes com experiências de vida nas ruas no Serviço de Medidas Socioeducativas de Belo Horizonte, bem como na articulação com a rede. Nosso objetivo fundamentou-se na criação de um espaço de discussão, reconhecendo fragilidades e potencialidades tanto no 1 Medidas socioeducativas: são medidas aplicadas ao adolescente autor de ato infracional, pela autoridade competente, conforme a capacidade do adolescente de cumpri-las, as circunstâncias e a gravidade da infração. Essas medidas estão dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, artigo 112, incisos I a VI: advertência, obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional. (BRASIL, 1990). 2 Rede socioassistencial: Conjunto integrado de ações da iniciativa pública e da sociedade que ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas essas unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial, e ainda por níveis de complexidade. (BRASIL, 2005).
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acompanhamento aos adolescentes com experiência de vida nas ruas em relação às medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade como em relação à rede composta por outros serviços inseridos no Sistema Único de Assistência Social / SUAS3 e em outras políticas públicas. Nesse percurso, concluiu-se que será necessário um esforço para integração no âmbito da própria Assistência Social, além de um maior envolvimento de outras políticas públicas. Aliada à criação de políticas intersetoriais integradas, cabe ainda discutirmos sobre a mobilização da sociedade, uma vez que na atualidade há predominância de discursos higienistas, que apregoam a exclusão daqueles que não se enquadram aos modos de vida socialmente valorizados. Silva (1996) já afirmava que a ideia de responsabilidade de todos trocada por cordão sanitário ou por técnicas ruidosas de limpeza. Convém nos perguntamos se, em alguns momentos, as políticas públicas também não estariam a serviço de vozes da sociedade que clamam pela segregação em detrimento da convivência dos dessemelhantes na cidade. Diante de um tema tão complexo, delimitaremos essa escrita, abordando numa primeira parte o conceito de trajetória de vida nas ruas e as realidades postas para aqueles que ocupam a rua como espaço de moradia e sobrevivência. De antemão, já sinalizamos que não se trata de traçar um perfil tipológico sobre os adolescentes que vivem nas ruas, o que evidentemente aniquilaria a singularidade de cada um. Além disso, serão apresentados estudos sobre processos de exclusão relacionados à experiência de vida nas ruas, além de considerações acerca do que é a rua para o próprio adolescente. A intenção é lançar questões, bem como contribuir para a elaboração de propostas tangíveis para os adolescentes com experiência de vida nas ruas que estejam respondendo às medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. Numa segunda parte, daremos visibilidade às indagações e desafios surgidos no acompanhamento desses adolescentes em relação Sistema Único de Assistência Social (SUAS) conforme Coletânea de termos técnicos utilizados no SUAS/BH: é um sistema público, não contributivo, descentralizado e participativo previsto pela LOAS, que tem por função a organização das ofertas dos serviços, a gestão do conteúdo específico da assistência social, no campo da proteção social, de forma integrada entre os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). O SUAS se organiza em serviços de proteção social básica e proteção social especial de média e alta complexidade. (Brasil, 2005).
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às medidas socioeducativas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade.
Experiências de vida nas ruas: exclusão, violência e resistência O primeiro aspecto que merece nossa atenção se refere ao modo como cada adolescente ocupa a rua: há aqueles que trabalham na rua e retornam para casa. Outros “passam a utilizar as ruas (incluindo casas abandonadas, terrenos baldios, etc.) como seu local de moradia, trabalho informal, lazer, vivência de relações socioafetivas.” (Campos, 2008, p.39) Conforme Campos (2008), a trajetória de vida nas ruas seria uma categoria construída para auxiliar a reflexão sobre a realidade de adolescentes que fazem da rua sua moradia, identificandose outras vulnerabilidades advindas desse contexto: ausência de suporte familiar, abandono da escola, vínculo familiar e comunitário fragilizado ou inexistente, uso de substâncias psicoativas, prática de mendicância e de delitos, aspectos de abandono e descuido com a aparência. A invisibilidade, o estigma e a violência, associados ao processo de exclusão são fenômenos que incidem sobre aqueles que vivem nas ruas. Nos parágrafos abaixo, serão expostas ideias de autores sobre os temas mencionados acima. A exclusão social é uma categoria de análise, que pode ser compreendida de várias formas. No contexto brasileiro, alguns autores argumentam que a exclusão social não seria demarcada por fronteiras nítidas entre um grupo que estaria “fora” e aqueles que estão “dentro”. Para Da Matta, citado por Escorel, o Brasil opera com uma lógica de inclusividade através de relações hierárquicas complementares, delineando contínuas diferenciações entre os iguais. Conforme Escorel na sociedade brasileira a categoria de exclusão social tem pertinência quando “é pensada como um processo que opera uma interação excludente.” (ESCOREL, 1999, p.73) Nesse artigo, a categoria exclusão social será pensada a partir dessa ideia de “interação excludente”. Os fenômenos da invisibilidade, estigma e violência podem ser pensados por esse viés da exclusão social. 58
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Soares (2005) afirma que a invisibilidade seria: “quando não se é visto e se vê o mundo oferece o horizonte, mas furta a presença, aquela a verdadeira que depende da interação, da troca, do reconhecimento, da relação humana. Tudo aparece apenas à visão, não ao toque ou à troca: o mundo da vida social fecha-se à participação. Não ser visto significa não participar, não fazer parte, estar fora, tornar-se estranho.” (Soares, 2005, p. 167). O estigma conforme Soares (2005), seria uma forma de anular o sujeito, dissolvendo sua identidade e lhe impondo um retrato estereotipado sobre quem ele é. Quanto ao fenômeno da violência, nos limitaremos aos aspectos apontados por Campos (2008) e Walty (2005), uma vez que a discussão sobre essa temática é multifacetada. Campos (2008) analisa o fenômeno das crianças e adolescentes que vivem nas ruas como uma trajetória de violências. Ela afirma que “a violência pode, em muitos casos, ser o motivo que levou a “escolha” por viver nas ruas. Assim, a rua como espaço de moradia e sobrevivência apresenta-se, para alguns, como uma opção de fuga da violência vivida em casa e/ou comunidade, tanto a violência física como outras formas de violência.” (Campos, 2008, p. 40) A violência teria a função perversa de “educar para a rua”. Os profissionais do campo socioeducativo devem compreender esse ciclo de violências, bem como os fenômenos de invisibilidade e estigma, uma vez que os atos infracionais cometidos por esses adolescentes, geralmente, têm sua origem nesse contexto. Ivete Walty (2005), autora do livro Corpus rasurado: exclusão e resistência na narrativa urbana nos oferece outro olhar sobre a violência na vida dos sujeitos que se apropriam das ruas. Por meio de pesquisa sobre a produção cultural da população de rua de Belo Horizonte, Walty demonstrou que a violência se inscreve também nas narrativas, traduzindo o cotidiano de suas vidas. Nos depoimentos de moradores de rua, em dez grupos distintos, a autora observou “a incidência de verbos ligados a ações que resultam no padecimento dos corpos, como bater, machucar, brigar, revoltar, prejudicar, queimar, estuprar, matar e suicidar”, JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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(Walty, 2005, p. 65) enfatizando que estes verbos aparecem centenas de vezes. As investigações dessa autora indicam que o corpo do morador de rua é objeto de violência, inclusive da violência institucionalizada. Contudo, apesar das vulnerabilidades e exposição à violências enfrentadas pelos adolescentes com trajetória de vida nas ruas, há também significados positivos sobre essas experiências. Os adolescentes vivenciam a liberdade e a aventura de “ganhar” a vida. Nesse sentido, o livro publicado por Esmeralda Ortiz, habitante de São Paulo, que viveu nas ruas durante infância e adolescência exprime de forma contundente os significados atribuídos pelos adolescentes ao espaço da rua. “Eu me sentia mal pra caramba, tinha inveja dos mendigos, tinha inveja de todo mundo. E eu pensando: “Eles são felizes. Não precisam acordar cedo, não precisam trabalhar, não precisam fazer nada. Todo mundo aí na pior, mas feliz” (ORTIZ, 2001, p.149). Tendo em vista a perspectiva de Esmeralda Ortiz, devemos nos perguntar como trabalhamos, auxiliando o adolescente a “atravessar” a rua. Certamente, não se trata apenas de providenciar encaminhamentos, tais como: abrigo, moradia, escola, trabalho, pois houve um processo de ruptura, ainda que parcial com a ordem social, e um engajamento num outro modo de vida. Dessa forma, é fundamental o acolhimento do adolescente e dos significados que o mesmo atribui às suas experiências. Num outro trecho do livro de Ortiz (2001) sentimentos de perda e dor são descritos pela autora durante o processo de saída da rua. “Na minha nova casa, mesmo que eu quisesse não poderia entrar metade daquelas pessoas que passaram pela minha vida, que viveram no mesmo ambiente que eu, que usavam drogas, que furtavam, porque metade deve ter morrido ou está presa, a outra metade deve estar usando drogas. A Pizinha, minha grande amiga de rua, de Febem, de todos os lugares, tive que abrir mão da Pizinha, tive que abrir mão dos meus outros amigos. Foi uma grande mudança, foram as piores perdas que eu tive 60
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na minha vida. Meu mundo tinha acabado. Eu achava que todo mundo era feliz, menos eu.” (ORTIZ, 2001, p. 191). O texto evidencia que a saída da rua interrompeu uma trajetória de violências, entretanto desencadeou processo de luto. Nessa escrita, Esmeralda traz representações da rua como lugar de amizade, liberdade, aventura, drogas. Dessa maneira, conclui-se que o modelo de política pública adotado deve ser balizado pelos saberes daqueles que vivem nas ruas. É por essa via que será possível sustentar uma prática que acolha o adolescente como sujeito de direitos e de sua própria história.
Desafios e saídas possíveis Conforme já apresentado anteriormente, o acompanhamento dos adolescentes com experiências de vida nas ruas em relação às medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade tem apontado desafios que incidem tanto no fazer técnico como na interface com o Poder Judiciário e articulação com a rede de proteção. Dessa maneira, torna-se fundamental problematizar essa realidade visando à construção de novos saberes e fazeres. Um primeiro desafio incide diretamente no fazer técnico e se refere à baixa adesão dos adolescentes com experiência de vida nas ruas em relação ao Serviço de Medidas Socioeducativas. Após passagem pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infrancional (CIA), alguns desses adolescentes “somem”, não comparecendo ao primeiro atendimento na regional4. Diante dessa não adesão dos adolescentes logo após a aplicação da medida socioeducativa, os técnicos realizam busca ativa, com objetivo de localizá-los. É importante destacar aqui que as intervenções construídas devem levar em consideração que esse adolescente está ocupando a rua e esse espaço incide diretamente em seu modo de vida. O município de Belo Horizonte se divide em nove regiões administrativas denominadas secretarias administrativas regionais municipais.
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Assim, tanto nos contatos com a rede (serviços socioassistenciais, educação, saúde, cultura, esporte, lazer, organizações nãogovernamentais) como nos contatos com familiares desses adolescentes, é necessário colher informações sobre à quanto tempo o adolescente se encontra na rua, se há preservação de vínculos familiares, se há vinculação com espaços da rede/profissionais, etc. O objetivo é conhecer a realidade desse jovem possibilitando intervenções mais qualificadas no processo de busca ativa. Tratase de uma primeira questão que se coloca para os técnicos. Como alcançar este adolecente que se encontra na rua? Outra questão concerne ao manejo do profissional para suportar o acompanhamento de adolescentes que estão expostos às várias violações de direitos na rua. Afinal, como acompanhar adolescentes que vivenciam uma trajetória de violências? Trata-se de um ponto delicado do trabalho, pois os técnicos podem ser afetados por essa árida realidade, e certamente, não é tarefa fácil suportar a “desproteção” e “desamparo” dos adolescentes. Contudo, esse trabalho de “garantir a proteção” faz parte de um processo de construção em conjunto com os adolescentes, afim de não torná-los meros objetos de intervenção do Estado. Desse modo, o trabalho inicia-se a partir da escuta do adolescente, acolhendo o que o mesmo tem a dizer sobre sua vinculação com a rua, os riscos aos quais está exposto, uma vez que o desejo de se “proteger” e ser “protegido” deve partir do próprio adolescente. Outro aspecto a ser discutido refere-se à circulação dos adolescentes que ora estão em casa, ora na rua, ora no acolhimento institucional. Por meio de um relato de um técnico5 do Serviço de Medidas de Liberdade Assistida, abordam-se impasses que podem surgir a partir da não fixação dos adolescentes a um domicílio. Foi exposto que a adolescente respondia à medida, quando uma mínima organização era possibilitada com sua permanência num abrigo
5 Material colhido a partir de entrevistas realizadas com o psicólogo Vinício de Araújo Martins, da regional Noroeste e a assistente social Camila Ticiane, da Regional Centro- Sul. Ambos trabalhadores do Serviço de Proteção Social ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade. Material colhido a partir de supervisão coletiva de caso apresentado pela psicóloga Pâmela Mara Benevides Felício que compõe a equipe do Serviço de Proteção Social ao adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade da Regional Leste no município de Belo Horizonte.
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institucional. Ressaltou-se ainda que quando “a adolescente evadia do abrigo, sumia da medida”. Por meio desses relatos, levanta-se a hipótese de que as respostas dos adolescentes às medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade variam conforme o espaço onde eles se encontram: abrigo, rua, ou casa. Portanto, é fundamental construir com os adolescentes um projeto que seja possível durante o cumprimento da medida socioeducativa, pois é provável que num abrigo os adolescentes possam estabelecer relações consigo mesmo e com o mundo de maneira mais organizada, com respostas mais próximas às expectativas sociais. Por outro lado, evidenciase que quando o adolescente está vivendo nas ruas, esse contexto propicia a criação de novos modos de vida e as respostas às medidas socioeducativas serão distintas. Outra discussão indispensável refere-se às articulações entre os técnicos do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e PSC e profissionais da rede de proteção. Inicialmente cabe nos indagarmos sobre as expectativas do Serviço em relação ao ideal de proteção integral, uma vez que, como vimos anteriormente não basta encaminhar os adolescentes para a rede de serviços socioassistenciais. Isso ocorre porque usualmente os adolescentes não acolhem as ofertas que lhes são disponibilizadas. Ademais, é preciso lembrar que os profissionais que atuam na rede de proteção também demandam tempo para construção de vínculos com os esses jovens. Assim é tarefa primordial conhecer a realidade de cada ator envolvido no processo pois desta forma as intervenções propostas serão construídas, considerando possibilidades e limites do adolescente de sua família do campo socioeducativo e da rede de proteção. Durante o percurso do Circuito foram realizadas visitas institucionais. Nas discussões os profissionais que trabalhavam com adolescentes com trajetória de vida nas ruas apontaram como principais impasses a sobreposição de ações e a falta de diálogo. Dessa forma, avaliamos que seria fundamental o estabelecimento de fluxos e pactuação de responsabilidades entre os atores que atuam na rede de proteção e no Serviço de Medidas Socioeducativas de Belo Horizonte. Outro desafio que está posto para o Serviço refere-se aos efeitos da avaliação do descumprimento de medida, que ocasionam nova JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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intervenção do Judiciário. Para ilustrar essa situação, apresentamos análise inicial dos dados extraídos do Sistema de Gestão de Políticas Sociais (SIGPS) sobre a situação dos adolescentes com trajetória de vida nas ruas no período de março a agosto de 2014. Naquele período, foram registrados vinte e quatro inserções de adolescentes com trajetória de vida nas ruas, em um universo de aproximadamente mil e oitocentos adolescentes. Treze casos foram desligados. Desses desligamentos, apenas um caso foi encerrado por conclusão da medida socioeducativa. Nove desligamentos foram registrados pelos seguintes motivos: regressão de medida, devolução técnica do caso, abandono/ infrequência/ evasão, esgotamento das possibilidades de intervenção. Posteriormente a esse período, identificamos que outros adolescentes foram desligados, destacandose os seguintes motivos: descumprimento de medida e aplicação de medida mais gravosa. A amostra dos dados apresentados retrata um cenário dramático, uma vez que os adolescentes com trajetória de vida nas ruas cumprindo medidas de Liberdade Assistida e Prestação de Serviços à Comunidade têm, de um modo geral, retornado ao Sistema Judiciário de maneira cíclica. A partir dessa constatação avalia-se que é necessário ampliar o leque de respostas diante do não alcance da medida socioeducativa. Nossa aposta é de que a criação de um espaço de debate com participação dos técnicos do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e PSC, dos profissionais que compõem a rede de proteção, Conselheiros Tutelares e técnicos do Sistema Judiciário auxiliaria na transformação dessa realidade. Não resta dúvida de que o sistema socioeducativo não deve se apresentar como a única saída para os adolescentes com experiência de vida nas ruas. Frente a essa exposição, por fim, retomamos o objetivo desse estudo, destacando que o acompanhamento dos adolescentes com experiência de vida nas ruas em relação às medidas socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços à Comunidade apresenta desafios que exigem reflexão e intervenções construídas a partir das realidades vividas por esses sujeitos. A ruptura com a ordem social, a trajetória de violências, o desamparo, a invisibilidade, os estigmas, o circuito casa – ruaacolhimento institucional, a fragilidade de vínculos familiares e comunitários, o uso de substâncias psicoativas, todos esses 64
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fenômenos atravessam o acompanhamento desses adolescentes em relação às medidas socioeducativas e impactam em suas respostas no âmbito socioeducativo. O estabelecimento de fluxos e a pactuação de responsabilidades entre os atores envolvidos bem como a construção de intervenções em rede devem garantir à proteção integral sem abrir mão da singularidade desses jovens. Por último, esse texto nos orienta que nossa prática deve ter como ponto de partida o acolhimento dos modos de vida dos adolescentes com experiência de vida nas ruas, pois somente por esse viés, será possível construir com esses jovens uma resposta à interpelação da lei.
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A mudança na legislação e as implicações para a juventude com trajetória de vida nas ruas: desafios para o atendimento Henrique Cardoso Nunes
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O presente artigo foi concebido a partir das idas a campo, leituras e discussões realizadas pelo Circuito promovido pela Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas, cuja temática é Trajetórias de Vida nas Ruas. Conforme afirma Melo (2011), em sua experiência etnográfica com pessoas em situação de rua, cada indivíduo possui em sua história singular um “processo de ruptura” em algum momento de sua vida, tornando substrato crucial para avaliar os determinantes que culminam no início e permanência nas ruas. Depreende-se que conflitos familiares, uso abusivo de drogas, desilusões amorosas, fracassos trabalhistas e outros podem se tornar desencadeadores desse processo, caracterizado pela fragilidade e rompimento de vínculos familiares e comunitários. Trata-se, em muitos casos, de uma forma de lidar com angústias e desenlaces, alinhado a uma desestrutura econômico-social que aflige o país historicamente. Porém, não existe apenas um perfil de trajetória nas ruas, ou seja, ela não é caracterizada da mesma forma e nem sempre é a mesma. Alguns podem permanecer fora de casa por anos seguidos, outros apenas por pouco tempo. Já existem aqueles que ora estão na rua, ora retornam para casa. O público de adolescentes encaminhados para cumprimento de medidas socioeducativas abrange também esse contingente. Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990, determinações judiciais da Vara da Infância e da Juventude sentenciadas para responder a essas sanções são aplicáveis a crianças e adolescentes quando verificada a prática de ato infracional análoga ao crime. De acordo com os níveis de complexidade estabelecidas na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) encontra-se situado na Média Complexidade, estando o Serviço de Proteção a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de LA e PSC dentro do CREAS, conforme Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, Resolução CNAS nº 109 de 11 de novembro de 2009. Nesse sentido, um dos grandes desafios de técnicos e demais profissionais, que realizam o acompanhamento de casos de adolescentes em situação de vida nas ruas, seja para cumprimento de medidas socioeducativas ou de outros Serviços da área da Assistência Social, é justamente tentar criar algum tipo de laço naquilo que já se encontra rompido, bem como lidar com o perfil “nômade” desses adolescentes. A busca ativa torna-se diferenciada nesses 68
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casos, já que muitas vezes não há uma família presente na vida do adolescente, o que demanda uma articulação maior com a rede. Na experiência de um ano de atendimento no Serviço de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida, pude me deparar com casos em que adolescentes não são localizados ou descumprem a medida permanecendo na trajetória de rua, caracterizando infrequências que acabaram culminando no retorno dos processos à Vara da Infância e da Juventude. Assim, a tendência itinerante e o fato de não haver um endereço fixo dificulta a localização e, em decorrência disso, a continuidade do acompanhamento. O filme O Contador de Histórias, do diretor Luiz Villaça1, é embasado no livro de mesmo nome do autor Roberto Carlos Ramos. Ele retrata a história real desse antigo morador da Pedreira Prado Lopes em Belo Horizonte, que passou determinado período na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM). Roberto, tido como “irrecuperável”, segundo prontuários dessa instituição de “acolhimento”, torna-se tempos depois mestre em Pedagogia e é tido como um dos melhores contadores de história do mundo, conforme informações do site Wikipedia. Naquele momento vigorava o Código de Menores, instituído pelo Decreto nº 17.943, de 12 de outubro de 1927, anterior ao ECA. Roberto se enquadrava no perfil da população de crianças e adolescentes da chamada Doutrina da Situação Irregular, contingente que necessitaria, de acordo com a sociedade da época, passar por esse “acolhimento” que mais se assemelhava ao que ele menciona como ‘recolhimento’, uma espécie de limpeza urbana e controle social. Consta no texto daquele Decreto que o objetivo daquele Código seria garantir “medidas de assistência e proteção”, ao mesmo tempo que submeter crianças e adolescentes à autoridade competente. Dessa forma, podemos pensar, conforme Barros-Brisset (2014), que crianças e jovens denunciam em suas histórias e falas o “mestre de seu tempo”. Para a autora, cada sujeito emite saídas e significações próprias ao sufoco dos significantes dominantes. Essa crítica se dá pelo controle desse Outro, a partir da docilização dos corpos (Foucault, 2007). Nesse sentido, depreende-se do filme vários exemplos dessas lógicas punitivas da instituição que incidem sobre a vida dos adolescentes, dificultando ainda mais a formação de vínculos positivos que poderiam trazer alguma ressignificação e mudança em suas vidas. 1
Lançado em 2009. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Ainda nessa direção, nos remetemos à Análise Institucional2. Ardoino & Lourau (2003) afirmam que uma abordagem institucional estuda o invisível presente nas instituições. O olhar da Psicossociologia, por exemplo, considera as normas e valores, além de também dar importância a como os atores se posicionam no cotidiano institucional. Assim, quando nos referimos às instituições não estamos somente nos remetendo às partes visíveis das organizações, suas estruturas físicas ou organogramas, mas às lógicas sutis que perpassam as relações e sinalizam um modo de funcionamento imperceptível a uma visão mais superficial da situação. Os que compartilham daquele contexto podem chegar à conclusão de que podem senti-la. Algumas vertentes dentro da Análise Institucional tiveram bastante influência de pressupostos da Psicanálise, na medida em que passam a considerar na análise os “não ditos”, repetições e sintomas dentro da instituição. Os autores citam análises evidenciando, por exemplo, dificuldades dentro da escola frente às mudanças do mundo moderno e intervenções para reforma de hospitais psiquiátricos, no caso da Psicoterapia Institucional. Na esperança de que aquela instituição disciplinasse o filho, ensinando-lhe uma profissão, a mãe de Roberto, e de outros de nove filhos, resolve apostar na propaganda chamativa do televisor de que a FEBEM traria um futuro melhor para a criança, como no caso de ensinar-lhe alguma profissão. Talvez ela pensasse “que fim terá meu filho ali na comunidade, naquelas condições?” Sem ter o que comer, cuidando da casa sozinha, uma vez que o marido abandonara os filhos, a mãe devolve ao Estado a falta, mas encontra em contrapartida o que alguns autores chamariam de “Deserto do Outro”. A partir do que Roberto denomina no filme de “metodologias pedagógicas” daquela instituição, ele deparou-se até mesmo com a violência física, evidenciando lógicas claras de vigilância e punição endereçadas a esse segmento juvenil, majoritariamente pobre e negra do país. Apesar disso, de forma bastante excepcional, Roberto acaba tendo uma história diferente de todos os outros internos da FEBEM, já que conseguiu ser adotado, no caso por uma francesa chamada Margherit Duvas. Algumas perguntas importantes podem então ser levantadas a partir da análise do filme pensando nos dias atuais com a promulgação A Análise Institucional considera que as instituições não seriam apenas a estrutura física, mas as lógicas sutis que perpassam as relações e sinalizam um modo de funcionamento invisível a uma visão mais superficial da situação.
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do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei 8.069/90. Haveria lógicas sutis subjacentes às instituições que acompanham esses adolescentes e que dificultam a efetividade da ação? Por que há tantas evasões de adolescentes das instituições, como Conselhos Tutelares, Centros de Passagem, Abrigos, Acolhimento Institucional ou até mesmo descumprimento das medidas socioeducativas? Qual histórico cada um desses indivíduos possuem com cada instituição? Uma fala interessante pode ser talvez um bom começo para responder a essas questões: “nós não é fácil. Se nós fosse fácil, nós ‘tava em casa”. (Barros-Brisset, 2014). De todo modo, percebemos esse desafio posto para os Serviços e para as Políticas Públicas voltadas a essa população. No caso das medidas socioeducativas, como um adolescente em trajetória de vida nas ruas pode responder satisfatoriamente a uma determinação judicial a partir de indícios de responsabilização considerando seu contexto de fragilidade ou rompimento dos vínculos sociais e familiares? Percebe-se ainda uma dificuldade em lidar com o perfil dinâmico e itinerante desses adolescentes, bem como garantir os aspectos de proteção.
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Referências ARDOINO, Jacques, LOURAU, Rene. As pedagogias institucionais. São Carlos: Editora Rima, 2003. BARROS-BRISSET, Fernanda Otoni de. Direito e psicanálise: controvérsias contemporâneas. Editora CRV. Curitiba, 2014. BRASIL. Presidência da República. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Brasília, 2004. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF, 2009. Disponível em:http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/secretaria-nacional-deassistencia-social-snas/cadernos/tipificacao-nacional-de-servicossocioassistenciais/tipificacao-nacional-de-servicos-socioassistenciais. Acesso em: 24 de novembro de 2014. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 2007. MELO, Tomás Henrique de Azevedo Gomes. A rua e a sociedade: articulações políticas, socialidade e a luta por reconhecimento da população em situação de rua. 195f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Curitiba. 2011 BRASIL. Decreto nº 17.943-a de 12 de outubro de 1927 – Código de Menores. Consolida as leis de Assistência e Proteção a menores. Filme: O contador de histórias, Brasil (2009). Direção: Luiz Villaça. Roteiro: Mauricio Arruda, José Roberto Torero, Mariana Veríssimo, Luiz Villaça. Fotografia: Lauro Escorel. Elenco principal: Maria de Medeiros, Marco Ribeiro, Paulo Henrique Mendes.
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CIRCUITO DE orientador social VOLUNTÁRIO e educador de referência
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Medida Socioeducativa em Meio Aberto: Um convite a ser executado por muitos Amilton Alexandre da Silva
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“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já tem a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia e, se não ousarmos fazê-la teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Fernando Teixeira de Andrade Este texto introduz algumas reflexões acerca da prática no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade no Município de Belo Horizonte, principalmente no que tange à participação da sociedade civil como corresponsável na intervenção socioeducativa. No modelo do Município, a metodologia se utiliza de duas estratégias de participação da comunidade que incide diretamente sobre a qualidade de trabalho realizado com os adolescentes que cumprem essas medidas socioeducativas citadas: a presença do Educador de Referência no acompanhamento no posto de atividade da medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade e o acompanhamento do Orientador Social Voluntário na medida socioeducativa de liberdade assistida. Sem detalhar muito no Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade requer um acompanhamento ao jovem que cometeu o ato infracional e necessita de uma instituição para desenvolver a atividade, como forma de responsabilizar-se pelo ato infracional cometido. Esse acompanhamento, diferentemente daquele realizado pelo técnico da área social, é o de ser suporte no desenvolver da rotina de cumprimento da atividade. Para tal, esse agente se torna também um “educador”, o qual denominamos Educador de Referência, que lidará diretamente com adolescente e as questões que ele apresenta no dia a dia da atividade. Sobre essa função, o texto seguinte da autora Rosimeire Diniz “A importância do educador de referência no cumprimento da JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC” traz importantes reflexões, inclusive com localização da medida no Estatuto. Na medida socioeducativa de liberdade assistida, além do acompanhamento do técnico, o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade em Belo Horizonte conta também com a participação voluntária de um ator da sociedade nesse processo. Essa experiência é reconhecer que lidar com o adolescente que vive situações difíceis, como dizia Antônio Carlos Gomes da Costa (1999), não é um trabalho exclusivamente do Estado, designado para tal, mas que todos são convidados a contribuir. Essa prática será mais desenvolvida no texto “Orientador/a Social Voluntário/a: um exercício de cidadania”. A discussão sobre o tema termina com um relato de uma Educadora de Referência dizendo do que é, no cotidiano, acompanhar um adolescente que se apresenta para o cumprimento da medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade na instituição. Toda essa produção foi proposta para debate e reflexão pela gestão por meio de discussões em grupo, o qual foi denominado Circuito de Gestão Compartilhada. Uma prática nova no Serviço, que acumula uma experiência de 17 anos de execução da medida de LA e 10 na medida de PSC. O Circuito de Gestão Compartilhada discutiu o trabalho dos Orientadores Sociais Voluntários e dos Educadores de Referência, buscando enfatizar o papel desses atores como ponto atuante da sociedade nas medidas socioeducativas. Muitos desafios foram visualizados durante a discussão do Circuito, como por exemplo, o papel do voluntariado na política pública, a resposta da sociedade frente a esse convite, o olhar estigmatizante da sociedade para com o adolescente autor de ato infracional, o sistema de justiça e as intervenções das próprias políticas públicas. Entretanto, a Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas não abriu mão de discussão desse tema tão caro para o trabalho das duas modalidades de intervenção socioeducativa. Desta forma priorizou-se destacar que essa política pública está alinhada com o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que preconiza em seu artigo 4º que é dever da família, da comunidade 76
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e da sociedade geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a garantia dos direitos sociais básicos. Se a intervenção estatal já preconiza o acesso às várias políticas públicas, e com a efetiva participação da família nesse processo, a comunidade e a sociedade em geral que irão “validar” e acompanhar esse momento de mudança do jovem. E é nela que o adolescente vai construir novas formas de relacionamento, que não a prática do ato infracional. Falar sobre medida socioeducativa requer sempre uma reflexão sobre a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente e a mudança de lógica na abordagem de crianças e adolescentes autores de atos infracionais, a partir da promulgação da lei. A lógica que vigorava anterior ao ECA era não como sujeito de direitos, mas como objetos de intervenção do Estado, classificando a infância “desvalida ou desviada” como situação irregular. O “menor”, nessa condição, caberia ao Estado acolhê-lo, ou por assim dizer, recolhê-lo e intervir com a perspectiva de corrigi-lo. Crianças e adolescentes que cometem algum delito sempre existiram na sociedade. A grande questão refletida neste estudo refere-se à forma com que essa própria sociedade, representada pelo poder do Estado, lida com essa questão, de forma a auxiliar, com responsabilidade, aqueles que acreditamos ser o “futuro do amanhã”. O Código de Menores – legislação que precedeu o ECA – entrou em declínio justamente pela insuficiência de resposta ao futuro das crianças e adolescentes, pelos movimentos da sociedade civil organizada que, no momento político favorável, lutou pela democratização do país, pela promulgação de uma nova Constituinte, e, por conseguinte, pela criação do Estatuto da Criança e do Adolescente. A partir de toda a mudança no país, muda-se também o olhar, sobretudo, à adolescência. Acredita-se, a partir de então, que o adolescente não é mais somente problema, mas solução de muitas distorções da sociedade. A perspectiva de se trabalhar cidadania com os adolescentes demonstra-se como alternativa às mazelas por anos desconsideradas pela sociedade. O adolescente passa a ser visto não mais como crianças grandes, e nem adultos não formados. São sujeitos que têm direitos específicos e que vivem um momento intenso e excepcional de mudanças. Além JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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de ser uma fase de descoberta, deve-se incentivar principalmente as oportunidades, visto que é um momento de ir tentando as escolhas que são necessárias para a formação do indivíduo. Mesmo com toda essa inovação trazida pela concepção do Estatuto da Criança e do Adolescente, ele passa a ser visto de forma ambígua, incerta e muitas vezes associadas a interpretações negativas do nosso tempo. Algumas pessoas entendem a instabilidade emocional, a postura desafiadora, o imediatismo e as ações irrefletidas atitudes típicas de pessoas que estão em transgressão com as normas e as leis. Contudo, essas pessoas desconsideram que essas marcas são características da sociedade moderna, que leva todos, independentemente de serem adolescentes ou não, a tais atitudes. Devemos atentarmo-nos, neste momento, à necessidade de parâmetros de valores morais e éticos para os adolescentes. A existência de estruturas fortes e de figuras de identificação são fundamentais para a construção de valores pessoais e formação de caráter para as crianças e adolescentes Esperamos que, por meio dessas reflexões, possamos olhar para o Orientador Social Voluntário e para o Educador de Referência como colaboradores imprescindíveis do papel de agentes socioeducativos para os adolescentes.
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Referências BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br> Acesso em: 07 de novembro de 2014. BRASIL. Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. COSTA, Antônio Carlos Gomes da. A pedagogia da presença. Teoria e prática da ação socioeducativa. São Paulo, Global, 1999. _______. De menor à cidadão. Centro Brasileiro para a Infância e Juventude - CBIA, Ministério da Ação Social. Brasília, 1991. ________. Por Uma Pedagogia Da Esperança. Brasília. Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência. Ministério da Ação Social. 1991. RIBEIRO, Carla Andréa; MEZENCIO, Márcia de Sousa, MOREIRA, Mário César R. (ed). Medidas socioeducativas em meio aberto: a experiência de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Santa Clara, 2010. Vol. 1 Metodologia SÊDA, Edson. A criança e o Direito Alterativo. Campinas: ADÊS, 1995.
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Orientador/A Social Voluntário/A - UM EXERCÍCIO DE CIDADANIA Roberta Andrade e Barros
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Em Belo Horizonte, o cumprimento da medida socioeducativa (MSE) de liberdade assistida (LA) é referenciado a um/a técnico/a, Analista de Políticas Públicas (APP), formado/a em Psicologia ou Serviço Social. Essa medida socioeducativa tem como principais eixos a responsabilização, a família, a escola e a profissionalização/trabalho dos/as adolescentes que cometem atos infracionais. Essas questões são trabalhadas com o/a adolescente no período mínimo de seis meses. Além do/a APP, um ator que pode fazer parte do processo de cumprimento da liberdade assistida é o/a orientador/a social Voluntário/a, desde que o adolescente aceite. Para ser orientador/a o/a cidadão/ã deve ter mais de 21 anos de idade e residir no Município de Belo Horizonte, não sendo exigida escolaridade nem formação profissional. Os interessados no trabalho voluntário procuram o Serviço de Medidas Socioeducativas em uma das nove Regionais1 da Prefeitura de Belo Horizonte sendo encaminhados para a Gerência de Coordenação das Medidas Socioeducativas (GECMES) onde passarão por um acolhimento e receberão as informações necessárias. O termo orientador tem como definição “que, ou aquele que orienta” e orientar significa “dirigir, encaminhar, guiar” (Dicionário Michaelis/versão digital). O termo social remete ao pertencimento da sociedade e o termo voluntário refere-se ao que foi feito por vontade própria e sem remuneração. Assim, no contexto do Serviço de Medida Socioeducativa de LA, o/a orientador/a social pode ser compreendido como uma pessoa da sociedade que se prontifica a acompanhar um/a adolescente em cumprimento de medida de LA. Ele/a vai voluntariamente se comprometer a ser uma referência ética para o/a adolescente. Na prática, o papel do/a orientador/a social voluntário/a será o acompanhamento de um/a adolescente que cumpre LA por, aproximadamente, 3 horas semanais, em que haverá o convívio e a troca de experiências entre os dois. A ideia é que o/a orientador/a possa apresentar a cidade para o/a adolescente que, muitas vezes, não tem acesso a equipamentos de esporte, lazer, cultura, dentre outros. O/a orientador/a social voluntário/a pode levá-lo/a para conhecer museus, parques, praças. Há experiências de orientadores O Município de Belo Horizonte se divide em nove regiões administrativas, denominadas Secretaria de Administração Regional Municipal, conhecidas também como Regional: Barreiro, Centro-Sul, Leste, Oeste, Pampulha, Noroeste, Nordeste, Norte e Venda Nova.
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que ensinaram inglês e violão. As atividades desenvolvidas variam de acordo com o perfil do/a adolescente e do/a Orientador/a Social Voluntário/a, com os conhecimentos, demandas e possibilidades de cada um deles. De acordo com Zacché, dois importantes princípios do Serviço de Liberdade Assistida de Belo Horizonte são “a participação da sociedade civil e da garantia de um acompanhamento individualizado ao adolescente” (2012, p. 53). E esses dois pontos estão relacionados aos/às orientadores/as sociais, uma vez que trata-se de alguém da sociedade civil. Além disso, a escolha desse/a orientador/a social voluntário/a é baseada no perfil tanto do/a orientador/a como do/a adolescente. Pode acontecer que o primeiro contato entre orientador/a Social voluntário/a e adolescente ocorra motivado pela necessidade desse último retirar os documentos civis, como Carteira de Identidade e CPF. Por exemplo, o/a adolescente não sabe se locomover no centro da cidade e aceita ser acompanhado por um/a orientador/a. O que, inicialmente, poderia parecer como uma ajuda estritamente de deslocamento, acaba se tornando uma oportunidade de um encontro desses dois sujeitos. Em algumas ocasiões, o acompanhamento do/a orientador/a social voluntário/a se restringe a um único encontro, “apenas” para fazer os documentos civis, em outras, esse acompanhamento se estende durante todo o cumprimento da Medida. Mas, mesmo quando ocorre um único encontro, essa pode ser a possibilidade de transformação, tanto do/a adolescente como do/a orientador/a. Para ilustrar, podemos relatar o caso de um adolescente, Vitor2, de 15 anos, cuja namorada, de 13 anos, estava grávida de gêmeos. Ele não tinha a Carteira de Identidade e necessitá-la providenciá-la para registrar os filhos. Depois de alguns encontros marcados com a orientadora e do não comparecimento do adolescente, ele se apresentou. Nesse mesmo dia, os dois seguiram para o centro da cidade, ele começou a contar a sua vida, o que pretendia fazer: começar a trabalhar “fichado” para arcar com as despesas da criação dos filhos, os valores que gostaria de transmitir aos dois, os nomes que havia escolhido... E ela foi escutando o que Vitor tinha para dizer, conhecendo aquele Com o objetivo de resguardar a identidade do adolescente, ao longo deste texto, será usado nome fictício, inventado pela autora.
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sujeito que ali se apresentava, não um adolescente em conflito com a lei, mas um adolescente que fazia planos, que estava preocupado com sua nova família e que se mostrava responsável. No caminho, eles enfrentaram olhares curiosos de pessoas que não compreendiam qual era a relação entre aqueles dois, uma jovem branca e um adolescente negro, com cabelos e bigode pintados de loiro. Ao chegarem ao órgão que emitia os documentos, a atendente perguntou se Vitor sabia assinar, ele respondeu que sim, mas, na hora da assinatura, não conseguiu escrever seu nome. O adolescente tentou algumas vezes, a funcionária, já sem paciência, disse que a próxima seria a última vez e que, se ele não conseguisse, sua carteira não teria a assinatura, mas apenas o seu “dedão” e que aquilo seria “uma vergonha para um pai de família, imagina o que seus filhos vão pensar quando crescerem.. que o pai não sabe escrever” (sic). A orientadora pediu um tempo para a atendente e foi para o canto com o adolescente. Em uma folha em branco, ela escreveu no topo “Vitor” e ele copiou embaixo, por diversas vezes, até que o socioeducando se sentisse confiante para assinar. Eles voltaram ao guichê e deram continuidade ao procedimento. Na hora da assinatura, os dois ficaram apreensivos, trocaram olhares. A orientador/a social voluntário/a se incumbiu de motivá-lo, dizendo que ele tinha a letra muito bonita e que os filhos ficariam orgulhosos ao verem a Carteira de Identidade do pai, com sua assinatura. Muito concentrado, Vitor conseguiu escrever seu nome. Sua carteira não teria apenas o seu “dedão”, mas nela constaria seu nome, escrito por ele próprio, com a ajuda de uma Orientadora Social Voluntária. Depois disso, foram agendados outros encontros, mas ele não compareceu, pois estava trabalhando com o tio. Para a orientadora, ficou a lembrança daquele adolescente que queria construir um novo caminho e a alegria de ter podido, de alguma maneira, ajudá-lo nesse processo. Para Vitor, não podemos saber das consequências subjetivas, mas temos a certeza de que há a materialização desse encontro, uma Carteira de Identidade que ele foi capaz de assinar. Em tempos de efervescentes discussões sobre a redução da maioridade penal e da crescente defesa pela internação de adolescentes que cometem atos infracionais, tornar-se um/a Orientador/a Social é uma resposta possível e diferente para pessoas que acreditam que existem outros caminhos. Ser OSV é ter consciência do seu direito e do seu dever enquanto cidadão, de participar de JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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uma política voltada aos adolescentes que, por algum motivo em sua história de vida, se envolveram com a prática de ato infracional. É sair de uma posição queixosa e passiva e assumir um papel ativo, de esforço coletivo para mudanças sociais. Quando o/a socioeducando/a tem a oportunidade de ser acompanhado por um/a orientador/a, ele/a compreende que não está sozinho/a, que junto dele/a e do/a técnico/a de referência existe uma rede que está disposta a participar da construção de um novo rumo para sua vida. Sendo essa rede composta não apenas pela Assistência Social, pela Educação, pela Saúde, dentre outros setores, mas também pelo/a cidadão/ã que, sem nenhuma retribuição financeira, está disposto/a a acompanhá-lo/a. Segundo Brandão (2010), a orientação social voluntária oferece: “A possibilidade de que o Orientador perceba o adolescente para além ou muito antes do ato infracional e, ao mesmo tempo, se perceba como cidadão que se importa com esse adolescente. Trata-se da possibilidade de se viver um exercício de cidadania” (BRANDÃO, 2010: p. 73). Diante do exposto, podemos refletir que compete à Prefeitura de Belo Horizonte colocar as medidas socioeducativas como um dos principais temas na agenda da cidade e que cabe ao Serviço de Medidas Socioeducativas mostrar aos/as adolescentes quão positivo pode ser esse acompanhamento e convidar a sociedade civil a compartilhar conosco essa responsabilidade, aceitando como cidadãos/ãs esse desafio.
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Referências Dicionário Michaelis, versão online. Verbetes “orientador” e “orientar”. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/ Acesso em: 06 de novembro de 2014. RIBEIRO, Carla Andréa; MEZENCIO, Márcia de Sousa, MOREIRA, Mário César R. (ed). Medidas socioeducativas em meio aberto: a experiência de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Santa Clara, 2010. Vol. 1 Metodologia ZACCHÉ, Kátia Simone. Orientadores Sociais Voluntários no Programa Liberdade Assistida de Belo Horizonte: contextualização e experiência. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação, Belo Horizonte. 2012. 104 fls.
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A importância do educador de referência1 no cumprimento da medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC Rosimeire Diniz
Do Conceito - Educador/ adj.s.m: e·du·ca·dor |ô| : Que ou aquele que educa. Referência| s. f. | s. f. pl.: re·fe·rên·ci·a (latim referentia, -ae, plural neutro de referens, -entis, particípio presente de refero, referre): trazer ou levar de novo, remeter, dar, responder, relatar. 1. .Ação de referir; 2. A coisa referida; 3. Menção, .registro; 4. Ponto de .contato ou relação que uma coisa tem com outra; 5. Conjunto de qualidades ou características tomadas como modelo; 6. Alusão.
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“Ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos humanos uns aos outros.” Savater, Fernando
Da Contextualização As medidas socioeducativas surgem em consequência da promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, quando as crianças e adolescentes passam a ser vistos como sujeitos de direito de uma “proteção integral”, o que os possibilitam ser reconhecidos como cidadãos em condição peculiar de desenvolvimento. Esse entendimento vem ser regulamentado no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA pela Lei Nº 8.069/90. O ECA prevê que sejam aplicadas aos adolescentes que cometem algum tipo de ato infracional uma medida socioeducativa, na perspectiva de educar e não apenas de punir. É necessário refletir sobre o motivo do ECA, embora ter superado a compreensão do “menorismo”, ainda ser interpretado muitas vezes equivocadamente. Por exemplo, quando é explícita a contradição que mostra que o mesmo adolescente que legalmente não é mais tratado como incapaz, ainda permanece privado da garantia de direito de ser ouvido sobre suas “verdades” em audiência, tendo, apenas, que responder por uma medida hora carregada de unilateralidade. Para que possamos pensar sobre a real efetivação desses direitos, é necessário esclarecer que a maioria dos adolescentes que chegam a receber uma medida socioeducativa são do sexo masculino em situação de vulnerabilidades sociais. Geralmente são adolescentes pobres e negros oriundos dos vários aglomerados existentes na cidade (não que adolescentes de outras classes sociais não cometam atos infracionais; na verdade, percebe-se que as condições socioeconômicas os colocam em situação menos vulnerável, o que percebemos cotidianamente) que, como todos, estão expostos às várias mazelas do capitalismo. A grande desigualdade socioeconômica expõe e cobra dos adolescentes uma resposta que só pode ser apresentada com notável discrepância entre um adolescente de classe média e um adolescente que chega todos os dias para cumprir uma medida socioeducativa. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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“O chamado ao consumo busca retardar a tomada de consciência, mergulhando o consumidor numa atmosfera irreal, onde o futuro aparece como miragem.” (SANTOS, 2007, p. 39) A lógica do capitalismo expõe os adolescentes à necessidade de se adequar ao consumismo de qualquer forma, independentemente da consequência. Nos atendimentos realizados aos adolescentes, é possível perceber que o cometimento do ato infracional é oriundo, na maioria das vezes, “da necessidade” de obter dinheiro. Embora socialmente incorreta, é o adolescente respondendo à sua maneira, a pressão do mundo capitalista. “Trabalhava no tráfico para comprar coisa para mim, um celular bacana da hora, suave, e ser igual aos outros, ser igual à galera”. A fala de um adolescente em cumprimento de Medidas também pode ser lida como quero existir, quero ser incluído. Quando o adolescente responde a tal cobrança com o cometimento de um ato infracional, ele passa a não ser mais visto como sujeito pertencente ao sistema, mas como um sujeito, necessário a ser logo colocado à parte da lógica capitalista. O mesmo sistema que inclui exclui sem a possibilidade de escolha em ambas as situações. Ao adolescente é atribuído a identidade de quem ameaça e traz insegurança à população. Os condicionantes não são mais avaliados e o ato infracional equivocadamente passa a ser atribuído à identidade do adolescente, quando deveria ser visto como uma contingência na sua vida, que pode e deve ser trabalhada, para que seja alterada. Afinal, o cometimento do ato infracional não priva o adolescente do direito/condição de ser alguém em processo de desenvolvimento, pelo contrário, faz parte deste.
Das Medidas Socioeducativas Embora sancionatórias, as medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes, têm o propósito de ser pedagógica e educativa, uma vez que a finalidade é que o adolescente consiga produzir uma reflexão crítica em relação ao ato infracional cometido e aos 88
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condicionantes que o levaram ao cometimento deste, em que se priorize a orientação, reflexão e responsabilização. Neste processo é de extrema importância que estejam envolvidos o adolescente, sua família a sociedade e o Estado. O ECA define no seu Art. 112. que verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. § 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. As medidas socioeducativas são aplicadas levando-se em consideração: > a gravidade da situação; > o grau de participação e a circunstância em que ocorreu o ato infracional; > sua personalidade, a capacidade física e psicológica para cumprir a medida socioeducativa; > as oportunidades de reflexão sobre seu comportamento visando à mudança de atitude.
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Da medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade – PSC Conforme dispõe o ECA, Art. 117: A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente há seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais. Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho (BRASIL, 1990). Mesmo já normatizada/regulamentada, a vivência diária com os adolescentes que recebem uma medida socioeducativa, no caso da medida de prestação de serviço à comunidade –PSC, deixa claro a discrepância entre o normatizado e o real vivido por eles na Medida Socioeducativa. A prioridade absoluta, que lhe é garantida devido a sua fase peculiar de desenvolvimento, é burlada o tempo todo e vários de seus direitos são violados. Muitos são privados de uma condição de saúde adequada, estão fora da escola, expostos cotidianamente às influências do tráfico de drogas, além de viver em situação de vulnerabilidade social. Diante desta violação dos direitos constitucionais desses adolescentes, percebemos que a fragilidade por parte dos órgãos fiscalizadores e da própria sociedade em geral, demonstra a ausência de preocupação que se deveriam ter com as possíveis consequências e repercussões dessas violações nas relações sociais. Quando da aplicação da medida socioeducativa de PSC por parte do poder judiciário, vários condicionantes devem ser
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observados como: a condição socioeconômica, a falta de estrutura familiar e falta de oportunidades. A medida socioeducativa de PSC exige do adolescente que o cumprimento obrigatório gratuito de uma atividade na comunidade, preferencialmente onde está inserido. No entanto, para que esta possibilite a efetivação de um processo de reflexão, é necessária a participação da família, da comunidade e do poder público. Somente assim será possível garantir a promoção desse adolescente de forma não punitiva, mas formativa e pedagógica, por meio de orientação, manutenção dos vínculos familiares e comunitários, escolarização, qualificação e inserção no mercado. “A escolha da atividade e do lugar para o cumprimento da medida não são alheios a historia do adolescente, pois ambos têm um significado singular que se apura durante o acompanhamento de cada adolescente” (RIBEIRO & MEZÊNCIO & MOREIRA, 2010, p.37). “O adolescente é chamado a pensar em locais para cumprimento da medida. Tais escolhas não deixam de ser marcadas por um acento subjetivo, o que abre a perspectiva para que ele se sirva da medida para se reinventar e se apresentar de outra forma para sua própria comunidade.” (RIBEIRO & MEZÊNCIO & MOREIRA, 2010, p.38). Para que a medida socioeducativa de PSC realmente tenha o alcance esperado, é de extrema importância que o local onde o adolescente se apresente para cumpri-la tenha uma pessoa que se disponha a exercer a função de “educador de referência”.
Do Educador de referência Quando o adolescente se apresenta à instituição escolhida, para cumprir a medida socioeducativa, é de extrema importância, para o processo de responsabilização, que este encontre um espaço acolhedor e respeitoso, onde não repitam o movimento tão comum JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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de vincular sua identidade ao ato infracional, mas sim, às suas características, qualidades e competências pessoais. Por essa razão, há uma suntuosidade do papel do educador de referência nesse processo. Papel que ultrapassa a intensão de querer mudar o adolescente a todo custo, desconsiderando sua essência, até mesmo porque o cometimento de ato infracional na adolescência não é definitivo para a vida deste. A adolescência é um tempo de experimentação. É nesse momento de escolha, em que o adolescente requer uma orientação, que o educador de referência torna-se peça primordial no processo de responsabilização e reflexão sobre o ato infracional cometido. O adolescente não deve ocupar o papel de um agente passivo, mas, sim, de quem interage e coparticipa do próprio processo de desenvolvimento. Sentir-se acolhido e reconhecido é o primeiro passo para que se reflita sobre a necessidade de mudar e progredir. Os adolescentes não se vinculam às instituições, mas às pessoas que dela fazem parte. Segundo um adolescente em cumprimento de medida socioeducativa: “Aqui me senti aceito, não fui discriminado como em outros lugares.” Por estarem vivendo uma fase de desenvolvimento e de construção, os adolescentes entendem e absorvem grande parte do que lhe é apresentado, o que justifica muitas vezes a entrada na “vida infracional”. Diante desse contexto, é claro que não existe uma relação de ações prontas e acabadas para que o educador possa cumprir, não existe uma receita. É uma construção individual com cada adolescente, que responde também, diferentemente, um do outro à interferência do educador no processo de responsabilização pelo ato infracional cometido. É um ensaio de erros e acertos, mas que devem ser desempenhados por pessoas que realmente acreditam no que fazem. Os adolescentes autores de atos infracionais não nascem infratores. Na maioria das vezes, o cometimento do ato infrancional é oriundo das sequelas da vida cotidiana, são reflexos das possibilidades que lhe são apresentadas. É necessário que a pessoa que se disponha a ser um educador de referência, num processo de cumprimento 92
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de uma medida socioeducativa de PSC, tente se despir de todo e qualquer tipo de preconceito para que consiga absorver o que realmente é apresentado por cada adolescente, que esteja disposto a receber/acompanhar. O papel de um educador de referência não deve se restringir a procedimentos formais e/ou burocráticos, caso contrário, sua ação irá retroagir e centrar equivocadamente apenas no ato infracional em si. “A adolescência é o tempo propício para testar a consistência das referências e se aventurar na experimentação de outros mundos, oportunizada pela circulação social em busca de um reconhecimento diferente do recebido na infância, distante do infantil. Esse reconhecimento, via de regra, é buscado e encontrado no grupo de iguais”. (CEDEDICAS/ RS, p. 14). Ao educador de referência cabe “fazer-se referência”, tornarse parte de um processo de reconhecimento e apropriamento de uma “Lei Simbólica”1 através da construção de laços para além da determinação judicial. Já que, embora ciente de uma “Lei Jurídica”, o adolescente, ainda assim, pode cometer um ato infracional. É neste papel de referência que o Educador tem a possibilidade de trabalhar junto com o adolescente as construções apresentadas por ele no processo de reflexão sobre o ato infracional cometido, ainda que estas não sejam as esperadas, afinal a resistência faz parte deste processo. O Educador de Referência no campo socioeducativo é mais um recurso para que o adolescente no seu processo de reflexão aproprie da Lei Simbólica. Vale ressaltar que nesse processo não se pode excluir a necessidade da apropriação de Lei Jurídica, uma vez que a Lei Simbólica possibilita a apropriação da Lei Jurídica, à qual o adolescente legalmente responde. Para que o adolescente responda a Lei Jurídica, ele precisa construí-la no simbólico, ela precisa ter sentido para ele, caso contrário, o provável será que, mesmo se distanciando da vida infracional por certo tempo ele não conseguirá realizar movimentos capazes de sustentá-la podendo voltar a infracionar outras vezes.Esse 1 Estes termos Lei Simbólica e Lei Jurídia foram apresentados pelo Manual de Orientações para Implementação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço a Comunidade – Centros de Defesas da Criança e do adolescente (CEDEDICAS/RS, Santo Angelo e Santa Maria).
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sentido para a Lei Jurídica, muitas vezes é construído no espaço de cumprimento da medida socioeducativa junto com o educador de referência, por isso sua importância neste processo. Percebe-se que passar pelo processo socioeducativo sem se apropriar dos objetivos das medidas não é o suficiente para que o adolescente rompa a trajetória infracional. As sequelas das mazelas que o colocaram neste lugar os impossibilitam muita vezes de se movimentarem para superar o lugar ocupado. Portanto, este espaço da medida socioeducativa, onde o educador de referência tem um papel muito importante, deverá possibilitar ao adolescente tornar-se um sujeito reflexivo para que este consiga questionar o motivo que o levou a ocupar tal lugar, e assim conseguir romper com a trajetória infracional.
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Referências BRASIL. Lei nº 12.594 de 18 de janeiro de 2012. Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional; e altera as Leis nos 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); 7.560, de 19 de dezembro de 1986, 7.998, de 11 de janeiro de 1990, 5.537, de 21 de novembro de 1968, 8.315, de 23 de dezembro de 1991, 8.706, de 14 de setembro de 1993, os Decretos-Leis nos 4.048, de 22 de janeiro de 1942, 8.621, de 10 de janeiro de 1946, e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943. BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente: Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. CEDEDICA - Manual de Orientações para Implementação das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade – Cededica RS/ Santa Maria). Disponível em: http:// www.cededica.org.br. Acesso em 04 de novembro 2014 CRAIDY, Carmem Maria. Medidas Socioeducativas – PSC Faculdade de Educação/ UFRGS. Disponível em http://www.mprs.mp.br/areas/infancia/ arquivos/revista_digital/numero_03/revista_digital_ed_03_1.pdf Acesso em 26 de março 2015. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa Priberam – disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/chave Acesso em 04 de novembro 2014. IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2000. PEREIRA, Maria Nazaré. (Org). Coletânea de Termos Técnicos Utilizados no SUAS/BH. Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. Belo Horizonte: ASCOM, 2012. RIBEIRO, Carla Andréa; MEZENCIO, Márcia de Sousa, MOREIRA, Mário César R. (ed). Medidas socioeducativas em meio aberto: a experiência de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Santa Clara, 2010. Vol. 1 Metodologia SANTOS, Milton. Espaço do Cidadão. 7.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2007. SAVATER, Fernando. As perguntas da vida. Tradução de Mônica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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ANEXO
Acredito no Ser Humano Acredito no ser humano, acredito que todos têm que ter uma oportunidade de mudança. Infelizmente vivemos em uma sociedade totalmente consumista e que fez da tecnologia a sua muleta de vida. Nossos jovens estão perdidos diante de tantas informações e tantas cobranças ao mesmo tempo. A necessidade de as mulheres hoje ajudarem no orçamento familiar ou até mesmo de serem a mantenedora faz com que seus filhos se sintam sozinhos ou abandonados. Mas ou se come ou morre de fome. A facilidade em que o mundo das drogas oferece hoje para os nossos jovens é muito maior do que as oportunidades de emprego e estudo. Ao acompanhar esses jovens, tenho acompanhado também o sofrimento da família e a discriminação da sociedade diante desse grande problema que é de todos! Quando um jovem comete qualquer delito, a sua família fica fadada pela sociedade como se todos fossem criminosos, o preconceito é muito real e mais triste do que possamos imaginar. A nossa cultura egoísta faz com que todos pensem que não temos nada a ver com os crimes e delitos, acorridos pela nossa juventude. Ao contrário do que se pensa, somos sim responsáveis pela construção da dignidade humana e de um país melhor. Receber um jovem assistido é muito mais do que acompanhalo para cumprir a pena determinada pela justiça; é uma oportunidade de sermos melhores do que somos, ensinarmos e recebermos ensinamentos deles. Esses jovens estão gritando por socorro, por compreensão, oportunidade e pelo amor. E suas famílias estão gritando pela recuperação de seus filhos. Quando recebemos os jovens, recebemos também suas famílias. A diferença está na forma que iremos recebê-los. Não há recuperação na humilhação e discriminação. Não há recuperação no julgamento e no medo. 96
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Não há recuperação na indiferença e na falta de amor. A recuperação se dá quando mostramos a esses jovens que eles são amados, quando acreditamos neles e lhes mostramos a importância que eles têm na sociedade. Esses jovens precisam se sentir úteis e confiantes. Colocar um jovem infrator para fazer aquilo que ninguém quer fazer não adianta, escondê-los em repartições ou setores em que não terão contatos com outros só o fazem se sentir inúteis e diferentes. Para todo o ser humano, a base de qualquer mudança tem que estar pautada e edificada no amor, paciência e compreensão. Marta Amélia Moreira Santos Lima
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CIRCUITO DE segurança
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ENTRE A Socioeducação e O Estado Penal: UMA CONTRIBUIÇÃO TEÓRICA A PARTIR DO TRABALHO NAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Ana Cláudia Rosa Pimenta de Mattos Aiezha Flávia Pinto Martins Guabiraba Carolina Silveira Flecha Jair da Costa Júnior Marcelle Cardoso Zibral Santos Pâmela Mara Benevides Felício Valéria Andrade Martins
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INTRODUÇÃO Falar do início do trabalho realizado pelo Circuito de Proteção e Segurança ao Adolescente Ameaçado de Morte é remeter ao sentimento de indignação, angústia e impotência frente a um fenômeno tão avassalador para o adolescente, sua família e trabalhadores envolvidos no acompanhamento da medida socioeducativa. A ameaça à vida, a um direito primordial a todo ser humano, traz interrogações em relação aos limites do trabalho realizado junto ao adolescente e sua família. O caráter socioeducativo perpassa a concepção da responsabilização e também da proteção. Mediante uma situação de ameaça ou de extrema violência, qual intervenção deve ser feita? Como dialogar com este adolescente sobre sua responsabilização, se seu direito fundamental está em risco? A quem cabe garantir a proteção desse adolescente de forma a preservar a sua vida? Essas inquietações, questionamentos, frustrações frente aos dados, que a cada ano mostram o número elevado de adolescentes em situação de ameaça à suas vidas, bem como os casos de óbito por assassinato, mobilizaram alguns técnicos, representando também a angústia da equipe das medidas socioeducativas, a discutir e iniciar uma escrita sobre o tema. Vale ressaltar que todo o trabalho é fruto de debates, contribuições teóricas e avaliações realizadas pelos membros do circuito a partir, principalmente, de seu trabalho junto aos adolescentes e familiares que vivenciam, ou vivenciaram, situações de violência e ameaça à vida. Este estudo visa contribuir com a compreensão desses fenômenos, tensionando o diálogo junto a Rede de Proteção1 ao Adolescente, bem como com a sociedade em geral, para que se busque novas intervenções e práticas que garantam a segurança e sobrevivência dos adolescentes. O debate não é novo no serviço de medida socioeducativa de BH e, certamente, não se encerra com este trabalho. Este material objetiva compor o que já foi debatido e escrito até então e manter o caminho e o diálogo, tão necessário e urgente, aberto para futuras contribuições. A Rede de Atendimento Socioeducativo é o conjunto de ações articuladas entre as diversas políticas públicas, instituições privadas e outras instituições (Saúde, Educação, Assistência Social, Poder Judiciário, Conselho Tutelar, Ministério Público, Defensoria Pública, ONG´s, Cultura, Esporte, dentre outros) de maneira a atender não só as necessidades básicas do adolescente como também promover integralmente seu desenvolvimento considerando todas as especificidades e singularidades.
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O Circuito se encontrou quinzenalmente, desde março de 2014. As discussões realizadas foram registradas e compõem o trabalho que será apresentado a seguir. Os participantes do circuito, Analistas de Políticas Públicas (Psicólogos e Assistentes Sociais) tanto da Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida – LA quanto da Prestação de Serviços à Comunidade – PSC podem e devem se definir como militantes na defesa pela vida, pelo acesso aos direitos, pela construção de uma sociedade mais inclusiva e, consequentemente, menos violenta. No decorrer da discussão, muitas questões foram trazidas, debatidas e expostas. Assim, foi necessário traçar uma prévia do caminho que se buscaria seguir na construção deste trabalho. O fenômeno é complexo e, neste momento, a escrita não conseguiria abarcar todas as possibilidades de discussão. Nos encontros, os participantes trouxeram como ponto de maior incômodo as situações de violência policial e o lugar do Estado neste contexto. A partir daí, foi avaliado pelo grupo que este seria o foco da discussão, porém pensando qual seria a melhor estratégia a ser adotada, tendo em vista a delicadeza da questão. É importante ressaltar que essa discussão continuará, tendo em vista que as situações de ameaças de morte e violência sofridas pelos adolescentes não se restringem à ação policial, mas tem múltiplas facetas que devem ainda ser tratadas em outros momentos e espaços a serem construídos e fortalecidos. Foram então realizadas leituras de textos que trataram sobre a questão da violência sofrida pela população brasileira, principalmente a jovem, negra e pobre, sobre o papel do Estado na garantia da segurança e defesa social, além de relatos de situações vivenciadas pelos participantes do circuito, bem como por seus colegas do Serviço de Medidas de LA e PSC na Regional. O grupo também avaliou que para contribuir com a construção do texto, que podemos considerar como um manifesto, como para fomentar e fortalecer a Rede que também lida com essa situação de violência, era necessário agregar outros parceiros. Essa ação também será apresentada neste trabalho. É importante esclarecer que a apresentação do trabalho realizado pelo circuito se divide em duas partes, condizentes com as duas frentes de ações assumidas pelo grupo. A primeira parte, de caráter mais téorico, objetiva contribuir com a discussão sobre a construção das MSE’s na perspectiva do reconhecimento da JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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garantia de direitos, porém em um campo que, muitas vezes, se constitui por um Estado historicamente penal. A segunda parte, a qual denominamos “Circulando”, traz um breve relato de duas ações construídas e vivenciadas pelo Circuito. O objetivo deste relato é compartilhar a proposta desse grupo de se fazer “circular”, junto à Rede que também acolhe os adolescentes que vivenciam este tipo de violência, os incômodos, as angústias, dúvidas e anseios gerados pelas situações relatadas no serviço de medidas socioeducativas.
Primeira Parte PERCURSO HISTÓRICO: A INSTAURAÇÃO DE UM PROCESSO PIONEIRO Em Belo Horizonte, no ano de 1998, depois de uma série de convenções internacionais que rezam sobre os direitos dos povos e oito anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, é implementado na cidade o Programa Liberdade Assistida – LA. Vale ressaltar que o município, nesse momento, desponta como precursor na implantação de uma nova política de atendimento ao adolescente autor de ato tipificado como infracional2. O foco é o atendimento socioeducativo, conforme preconiza a legislação citada acima, em campo de atuação que visava à construção da responsabilização junto ao adolescente, porém sem desconsiderar os aspectos de proteção necessários para que essa travessia fosse possível. Entretanto, como iremos observar ao longo da descrição deste trabalho, essa concepção não foi assimilada por todos os envolvidos na Rede de Atendimento aos adolescentes. Antes de tratar das especificidades da cidade de Belo Horizonte, faremos uma breve contextualização da discussão que culminou na elaboração de instrumentos normativos para dar tratamento Consideramos esse termo mais coerente com a base teórica adotada por nosso grupo, uma perspectiva crítica, de que os atos são considerados infracionais ou tipificados como infracionais no atual momento histórico e social, e principalmente que os atos são considerados infracionais de acordo com a classe social a que se pertence. No caso dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, a classe subalternizada, como descrevemos em nosso texto, uma vez que aqueles adolescentes de classes dominantes, embora cometam atos considerados ilegais, não chegam, de modo geral, às medidas socioeducativas. Ademais, optar por tais termos significa mostrar que não concordamos com as diversas denominações comuns que definem os adolescentes pelo ato cometido, como adolescentes em conflito com a lei, autores de ato infracional, excluídos, menores, bandidos, infratores, delinquentes, jovens em situação de risco, pivetes, trombadinhas, traficantes, ladrões, adolescentes perigosos, marginais, nomeações as quais presentificam e ratificam esse ato como se imutável fossem aqueles que os cometeram.
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à questão que envolve crianças e adolescentes a quem se atribui a autoria de atos infracionais. O processo de elaboração dos instrumentos normativos, a exemplo do ECA e SINASE3, fora pensado como forma de buscar contemplar uma questão social complexa, de adolescentes envolvidos em atos nomeados como violentos e criminosos. Segundo Castel, a “questão social pode ser caracterizada por uma inquietação quanto à capacidade de manter a coesão de uma sociedade. A ameaça de ruptura é apresentada por grupos cuja existência abala a coesão do conjunto” (Castel, 2005). Toda discussão, em torno da construção e implementação de um estatuto e normativas específicas para dar tratamento a essa questão, emerge da necessidade de pensar Políticas Públicas capazes de lidar com as situações que envolvem adolescentes no cometimento de atos considerados infracionais. Essas Políticas Públicas, mediadas por essas legislações, devem compreender que a pessoa a quem se atribui a autoria do ato infracional é um sujeito em desenvolvimento. Dessa forma, está em um processo de travessia para a vida adulta, o qual deve ser balizado por referências que o auxiliem nessa construção, garantindo a proteção e ao mesmo tempo mediando a definição de acordos, regras e normas. O processo, portanto, deve ser conduzido tendo como foco central a humanização do sistema e rede de atendimento aos adolescentes que se envolveram em atos tipificados como violentos e criminosos. Ademais, o horizonte almejado considera o valor intrínseco de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e pessoas em situação peculiar de desenvolvimento, instituído pela doutrina da proteção integral, conceito basilar do ECA. Significa, assim, uma ruptura radical com a velha doutrina da situação irregular do código de menores. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, O SINASE prevê compromissos da União, dos estados/Distrito Federal e dos municípios para o atendimento do adolescente em cumprimento de medidas socioeducativas. Conta com a participação das políticas setoriais básicas, tais como educação, saúde, formação profissional, cultura, esporte, lazer, visando ao atendimento dos adolescentes e acompanhamento de suas famílias. (Lei 12594/2012-BRASIL, 2013).
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à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010). Esse novo ordenamento no tratamento de tais questões, não somente relacionadas à garantia de direitos das crianças e dos adolescentes, como também, de outras classes e minorias, faz parte de uma série de convenções das quais o Brasil passa a ser signatário. É importante salientar que o que nomeamos como novo ordenamento está inserido no fundamento de uma noção de dignidade da pessoa humana que emerge politicamente ao final da Segunda Guerra Mundial. Diante das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra, é criada a Organização das Nações Unidas – ONU, em 1945 e, na sequência, em 1948 é promulgada a Declaração dos Direitos Humanos. A partir desse marco, teremos a criação de importantes documentos normativos internacionais e nacionais, que visam preparar o terreno para uma postura renovada dos governos diante de questões específicas. Retomando o diálogo sobre o processo de implantação do Serviço de Medidas Socioeducativas – MSE’s em Belo Horizonte, é importante dizer que em 1998 o serviço ainda respondia sob a denominação de Programa, e apenas na modalidade de Liberdade Assistida – LA. Somente em 2004 é assumida pela PBH a execução da medida de Prestação de Serviços à Comunidade – PSC. Com a instauração do Sistema Único de Assistência Social – SUAS esses programas passam a compor o Centro de Referência Especializado de Assistência Social – CREAS, com a denominação de Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC). O serviço de acompanhamento de medidas socioeducativas segue a mesma lógica de atendimento pelo georreferenciamento, sendo executado nas nove regionais administrativas da cidade. Assim, pode-se dizer que o atendimento ao adolescente autor de atos considerados infracionais, no município de Belo Horizonte, tem um novo princípio que norteará a sua execução. Passa-se
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para a lógica de serviço, compondo uma Rede de políticas públicas intersetoriais que devem promover ações socioeducativas e traz, já em sua denominação, a referência ao princípio da proteção, que deverá mediar a condução de todo o processo junto ao adolescente e sua família. Em 2008, de forma pioneira e inédita no Brasil, é inaugurado em Belo Horizonte o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional – CIA, uma iniciativa do sistema de justiça em parceria com o Município e o Estado. O centro representava naquele momento um avanço histórico e acenava para uma perspectiva de garantia de direitos e busca da efetivação dos preceitos do ECA e da Constituição Federal. O CIA conta com uma estrutura a qual estão integrados os serviços que fazem o atendimento socioeducativo, são eles: a Vara Infracional da Infância e Juventude, o Ministério Público (MP), a Defensoria Pública, a Polícia Militar (PMMG), a Polícia Civil, a Secretaria de Estado de Defesa Social e a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Esse espaço foi criado para dar maior agilidade aos procedimentos inerentes à apuração do ato infracional, bem como suas consequências, sendo assim, cada um desses atores deve desenvolver seu papel, de modo a trabalhar interinstitucionalmente. É fundamental, ao falar do CIA, destacar a criação do Núcleo de Atendimento às Medidas Socioeducativas e Protetivas – NAMSEP – em novembro de 2011, iniciando o funcionamento em janeiro de 2012. Sua função é atender às diretrizes do Sistema Socioeducativo tratadas pelo SINASE no que se refere ao atendimento integral e ágil para apuração do ato infracional e a execução das medidas socioeducativas e protetivas. O NAMSEP tem por objetivo agilizar o processo de execução das medidas quando trata das que são de responsabilidade da PBH. O núcleo é formado por técnicos da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, Secretaria Municipal de Educação e Secretaria Municipal de Saúde.
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SOCIOEDUCAÇÃO, SISTEMA DE PROTEÇÃO E POLÍCIA O acompanhamento ao adolescente em cumprimento de MSE, em meio aberto, traz a perspectiva de um trabalho que se desenha na construção de novas possibilidades, de novos laços, com apoio da família e da Rede. Essas referências devem estar disponíveis para serem acessadas, contribuindo para novos experimentos, trazendo novos significados auxiliando no reposicionamento diante a prática tida como infracional. A liberdade é o “lugar” possível onde essas construções devem se dar. Essa é uma das dimensões mais interessantes do trabalho, que foca a perspectiva restaurativa em contraposição ao viés da punição. Porém, é importante pensar e problematizar sobre que campo de trabalho se estar falando. Ao mesmo tempo que se desenha uma nova perspectiva, visando à responsabilização desse adolescente frente a um ato considerado infracional cometido, nos deparamos com muitos adolescentes, sujeitos de ação, que respondem de forma violenta a uma sociedade que insiste em não se reposicionar frente a questões históricas de desigualdade, preconceito e inclusão perversa. Considera-se importante fazer uma reflexão sobre a concepção do termo inclusão perversa. A autora Sawaia (2006) concebe a ideia de inclusão social como um processo de disciplinarização dos excluídos, portanto um processo de controle social e manutenção da ordem na desigualdade social. Para ela, o conceito de exclusão social não pode ser reduzido à dimensão econômica, colocada tão somente como sinônimo de pobreza material, ou à dimensão social, em que o conceito de discriminação é eleito como aquele que irá dar conta de tal definição. De tal modo, essas análises acabam por enfocar apenas uma das características do processo, relegando, então, talvez a noção central do conceito, que seria o de injustiça social, que se define pelo viés da discriminação social e do sofrimento ético-político vivido pelos sujeitos excluídos. É preciso tomar essa análise sob perspectiva éticopsicossociológica, em que uma visão sócio histórica possa contribuir em se pensar a exclusão como uma dialética inclusão/exclusão. 106
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Sob esse olhar, exclusão social e inclusão social perversa parecem ser gradações – tonalidades diferenciadas – da mesma coloração: a desigualdade social. Existe, portanto, uma contradição: a sociedade inclui para excluir e essa transmutação é, segundo Sawaia(2006), condição da ordem social desigual, o que implica o caráter ilusório da inclusão. Isso permite dizer que todos estão incluídos de algum modo, nem sempre decente ou digno, mas por meio de uma inserção marcada por insuficiências e privações. Utilizando-se desse conceito, pode-se pensar como as relações sociais se estabelecem e como as ofertas das políticas públicas serão dimensionadas. Tendo como foco o sistema de segurança pública, percebe-se que ele abarca toda a sociedade, porém as intervenções são direcionadas de maneiras distintas para os diferentes grupos sociais. Em Minas Gerais, por exemplo, a Secretaria de Estado de Defesa Social, em seu site, afirma como “missão” pública “promover a segurança da população, desenvolvendo ações de integração operacional dos órgãos de Defesa Social, custódia e reinserção social dos indivíduos privados de liberdade, proporcionando a melhoria da qualidade de vida das pessoas” (SEDS, 2013). Em outras palavras, a ideologia da defesa social visa excluir do convívio comunitário as pessoas condenáveis, elegendo seus inimigos internos, esses sim não terão qualquer “melhoria na qualidade de vida”. E, ao invés de fortalecer a proteção social, a Defesa Social fortalece o aparato policial, prisional, punitivo (OLIVEIRA, 2010). O Estado pensa em dispositivos disciplinares de contenção da violência e da criminalidade pela via da repressão cada vez mais violenta, do isolamento e da vigilância ostensiva como no caso dos modelos de penitenciária e centros socioeducativos. Como descrito, a resposta do Estado para as questões da criminalidade têm sido a ampliação do aparato policial. A polícia, portanto, é apontada como produtora e promotora de segurança pública para toda sociedade. Mas será que a segurança pública está para toda a população? Será que a segurança pública se limitaria a esse tipo de intervenção? Em relação à representatividade que tem a polícia na sociedade, esta está de acordo com a posição social que as classes ocupam. Para alguns, a polícia representa de fato a segurança e para outros, uma profunda insegurança e medo. A socióloga Vera Malagutti em JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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um vídeo gravado para o programa Café Filosófico cita um trecho de um antigo jornal carioca, o “Pão de Açúcar”, onde o editorial dizia: ¨Precisamos de uma polícia que a nós inspire confiança e aos escravos infunda terror¨. Segundo ela, essa continua sendo a matriz ideológica da polícia brasileira até hoje, na medida em que a polícia continua defendendo a “demanda social” que na verdade significa a demanda das elites brasileiras. Diante disso, é importante refletir que essa realidade assola cada dia mais, pois quando se vê atualmente na “zona sul” residências monitoradas pela polícia militar, sabemos que aquele local é uma área segura, onde esse monitoramento é uma forma ostensiva de repressão às atividades criminosas. Por outro lado, na favela ou aglomerado, a monitoria da polícia é uma forma de contenção a determinada população vista como potencialmente criminosa. Os agentes, a todo tempo, estão abordando “cidadãos” e tentando ao máximo contê-los restritamente na comunidade local, como se só ali estes pudessem estar. Segundo Filho (1999), a função policial tem dois aspectos centrais: a manutenção da ordem que é o principal caráter da ostensividade policial que reprime ações criminosas pela presença e atua para mediar conflitos; e o aspecto simbólico da justiça, que refere-se à aplicação da legislação penal vigente quando a contenção pela ostensividade não é possível. A polícia está perdendo o caráter ostensivo, que preconiza um empoderamento pela presença e não pela atuação, tendo em vista que o ideal é atuar o mínimo e quando necessário, mas o que acontece atualmente é uma ¨brutalidade policial cujas raízes parecem ser mais profundas que o ato de indivíduos isolados¨ (Filho, 1999, p. 1). Para compreender o que é prescrito pela própria instituição, é importante se referenciar nas fontes da Polícia4: Visão da PMMG: Sermos reconhecidos como referência na produção de segurança pública, contribuindo para a construção de um ambiente seguro em Minas Gerais. Para maiores informações, consultar o site da PMMG - https://www.policiamilitar.mg.gov.br/ portal-pm/9bpm/conteudo.action?conteudo=1213&tipoConteudo=itemMenu 4
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Missão da PMMG: Promover segurança pública por intermédio da polícia ostensiva, com respeito aos direitos humanos e participação social em Minas Gerais. Valores da PMMG: Representatividade, respeito, lealdade, disciplina, ética, justiça e hierarquia. Essas são, portanto, as prescrições que norteiam o trabalho da polícia. Contudo, percebe-se que essa instituição vem se distanciando de seus princípios, na medida em que, no cotidiano do trabalho, com os adolescentes estes relatam que são vítimas de ações truculentas da polícia. A contradição se instaura entre o que é prescrito nas normas e o que é real. Combater o crime não é o mesmo que ir à guerra. Os modelos de policiamento que foram pensados no Brasil, de repressão pela ostensividade e de apreensão para exemplo social e não para encarceramento da população, parecem não ser mais vigentes nessa sociedade. O que a sociedade espera da polícia não é o combate ao crime, mas a eliminação dos criminosos e como dito na “missão da polícia”, deve-se atender às demandas da sociedade, essa que cada vez mais grita por justiça. Mas que justiça é essa que se quer enquanto sociedade? Deseja-se mesmo resolver os conflitos sociais ou procurase exterminar da sociedade o que (ou quem) se conflita e teme? Portanto, a polícia se utiliza do poder que lhe é concedido pelo Estado, enquanto garantidor da segurança, mas desfruta ainda de um poder que lhe é dado pela sociedade justiceira. Não justiceira que clama por justiça, no sentido puro da palavra, mas justiceira que escolhe as classes que podem circular, atuar e ser julgadas, e mais, como devem ser julgadas, por exemplo, com os episódios nos quais se vê os adolescentes sendo amarrados em postes, sendo espancados, além dos linchamentos divulgados pela mídia.
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ESTIGMAS, MÍDIA E RACISMO INSTITUCIONAL Esse capítulo foi pensado a partir de um incômodo, compartilhado entre os técnicos das medidas socioeducativas que participam deste circuito, no que se refere aos adolescentes que chegam para cumprir as medidas socioeducativas. Nota-se que há um “perfil” dominante entre os adolescentes atendidos no serviço. Porém, cabe neste estudo, antes de dizer desse “perfil”, pensar na atuação da polícia na cidade para compreender a predominância destes nas medidas. De acordo com Coelho (1986), a polícia enquanto instituição necessita selecionar as áreas da cidade nas quais irá focar as suas atividades repressivas, uma vez que não há contingente suficiente de profissionais para atuarem em todos os territórios da cidade. Com isso, os adolescentes que chegam às medidas, em sua maioria, fazem parte desses locais preestabelecidas para serem alvos das abordagens, e não dizem, dessa forma, de todo o contingente de jovens que cometem atos considerados infracionais. Coelho aponta que os locais “selecionados” para terem a atuação da polícia são os mesmos estigmatizados pela sociedade: a periferia. De acordo com Piccolo (2006), essa imagem que se possui da favela faz com que a nossa sociedade viva uma representação social5 de cidade “bipartida”: uma parte seria a do asfalto, visto como algo organizado, estruturado e que vive com medo, já a outra parte, a periferia, é vista como violenta, desorganizada e precária, precisando a todo o momento ser vigiada e contida pelo Estado. A partir dessa visão que se tem da periferia, cria-se também um estereótipo dos sujeitos que residem nesse local.
E são esses jovens moradores da periferia que chegam para cumprir as medidas socioeducativas, e como visto, não aleatoriamente. Segundo Coelho:
O conceito de representações sociais foi abordado pela primeira vez por Serge Moscovici em 1978, no seu livro A Representação Social da Psicanálise, com inspiração no conceito de Representações Coletivas de Durkheim. Serge Moscovici é psicólogo social e pretendia nessa obra verificar qual era a representação que o leigo tinha da psicanálise quando ela passou do alvo dos especialistas para o das pessoas “comuns” (MOSCOVICI, 1978).
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Também os estereótipos que os policiais têm do criminoso ou do infrator contumaz das leis constituem referências importantes para a sua atuação; e, como os indivíduos de status socioeconômico baixo são aqueles que mais se ajustam a tais estereótipos, são eles que constituem os alvos por excelência policial (COELHO, 1986: 276). Ainda pensando nesse perfil do jovem que chega às medidas socioeducativas, em relação à raça/cor, perceber-se analisando o “Diagnóstico do acompanhamento e fiscalização da execução das medidas socioeducativas da Vara Infracional da Infância e Juventude de Belo Horizonte” realizado pelo CRISP em 2013, que 31% dos jovens atendidos no CIA são pretos, porém esse dado, como é colocado na própria pesquisa, pode ser acrescido, uma vez que apenas 30% dos casos que chegam ao CIA possuem a informação raça/cor devidamente preenchida nos cadastros. No Sistema de Informação e Gestão de Políticas Sociais – SIGPS6, também é possível extrair tais informações. Os dados coletados no período de março a agosto de 2014 revelaram que foram atendidos 656 jovens brancos do sexo masculino e 333 jovens pretos do sexo masculino. Em contrapartida, o número é elevado quando se fala de jovens pardos, o mesmo sobe para 1595. Nos atendimentos realizados nas regionais pelos técnicos, é notório o número superior de jovens negros que chegam para cumprir a medida, sendo que esses adolescentes, em sua maioria, também são moradores da periferia. O estereótipo associado à raça e à classe social aumenta, dessa forma, a probabilidade do negro e do pobre de sofrer uma abordagem policial e de ter uma punição pelo ato tipificado então como infracional. Coelho (1986) comenta que o jovem branco que reside em um bairro de classe média ou alta quando comete o mesmo ato do jovem negro morador da periferia não possui as mesmas sanções do que esses últimos, uma vez que há, como o autor coloca, “imunidades institucionais” que protegem os sujeitos com o status SIGPS – Instrumento utilizado pelos trabalhadores da Prefeitura de Belo Horizonte. Prevê o desenvolvimento de solução tecnológica baseada no conceito de Prontuário Eletrônico do Usuário/grupo familiar. Sua função é proporcionar aos usuários da Secretaria Municipal de Políticas Sociais e de suas Adjuntas (Abastecimento, Assistência Social, Direitos de Cidadania), em parceria com as Secretarias de Saúde e de Educação, maior mobilidade no atendimento prestado aos cidadãos e reunir informações fidedignas e atualizadas para a avaliação das políticas e de seus resultados.
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socioeconômico alto e de cor/raça branca. Dessa forma, esses jovens não chegam, em sua maioria, às medidas socioeducativas. Esse “processo seletivo” dos jovens – preto, morador da periferia – está associado à invisibilidade e à inclusão perversa desses sujeitos por parte da sociedade e aos estigmas e preconceitos que lhe são associados, fazendo com que tudo que é singular àquela determinada pessoa deixe de existir. Nesse sentido, comenta Soares: Um jovem pobre e negro caminhando pelas ruas de uma grande cidade brasileira é um ser socialmente invisível... No caso desse nosso personagem, a invisibilidade decorre principalmente pelo preconceito ou da indiferença. Uma das formas mais eficientes de tornar alguém invisível é projetar sobre ele ou ela um estigma, um preconceito... Tudo aquilo que distingue a pessoa, tornando-a um indivíduo; tudo o que nela é singular desaparece. O estigma dissolve a identidade do outro e a substitui pelo retrato estereotipado e a classificação que lhe impomos (ATHAYDE & BILL SOARES, 2005: 175). O estigma ocorre devido às categorizações que a sociedade cria em relação aos sujeitos, colocando atribuições e características a estes, sendo que estas podem incluir ou excluir a pessoa/grupo da sociedade, de acordo com Goffman: Enquanto o estranho está à nossa frente, podem surgir evidências de que ele tem um atributo que o torna diferente de outros que se encontram numa categoria em que pudesse ser incluído, sendo, até, de uma espécie menos desejável – num caso extremo, uma pessoa completamente má, perigosa ou fraca. Assim, deixamos de considerá-lo criatura comum e total, reduzindo-o a uma pessoa estragada e diminuída (GOFFMAN, 1988: 12). Os sujeitos estigmatizados passam a ser discriminados devido a sua não aceitação por parte da sociedade. Goffman (1988) relata que, a partir dessa discriminação, as “chances de vida” do sujeito são diminuidas, uma vez que se cria uma “teoria do estigma”, aceitando sua inferioridade e justificando práticas sociais excludentes. 112
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Um fator que é discutido em relação ao morador da periferia no documentário Notícias de uma guerra particular7 é a falta de oportunidades – relacionadas à sua invisibilidade na sociedade, devido ao estereótipo criado em torno dele. Os moradores dos aglomerados relataram no documentário o tratamento arbitrário que recebiam da polícia quando essa realizava suas operações nas comunidades em questão, utilizando de meios violentos e desrespeitosos. Isso gera uma sensação de desconfiança dos moradores para com os policiais, pois a polícia está relacionada aos abusos e violências cometidos contra “as classes inferiores em geral e contra os moradores de favelas e conjuntos em particular” (ALVITO e ZALUAR, 1999, P. 244). Nesse documentário, é demonstrado também que as desigualdades socioeconômicas e a falta de oportunidades reforçam a posição de estigmatizado do morador de periferia, como, por exemplo, falar que quem mora na periferia é praticante de alguma atividade criminosa. De acordo com Otoni (2008), essa exclusão e invisibilidade não ocorre de maneira explícita, uma vez que todos os sujeitos, perante o Estado, possuem os mesmos direitos e deveres na nossa sociedade. Os recursos e os serviços estão distribuídos na cidade – há equipamentos de políticas públicas, de segurança, saúde, educação – porém, apesar de todos terem o direito a sua utilização, nem toda a população possui o mesmo acesso a esses recursos. A inclusão desses sujeitos passa a ser restritiva, fazendo com que haja uma manutenção da desigualdade social. Essa falsa inclusão resulta no sentimento de não pertencimento da cidade e faz com que os sujeitos criem maneiras de se tornarem visíveis nesta, seja pela arte ou violência, por exemplo. Sendo que Otoni (2008) relata que quando há o acesso aos recursos que lhe são de direitos “a violência esvazia sua potencialidade de expressão”. E ainda:
O documentário: “Notícias de uma guerra particular”, de João Moreira Salles e Kátia Lund, é uma das mais significativas produções a respeito do grave problema da violência urbana. Ao retratar os conflitos entre a polícia e o tráfico, o documentário se propõe a ouvir os principais envolvidos na questão trazendo a reflexão para o espectador. Não procura culpados, mas compartilha com a sociedade a responsabilidade sobre a “tragédia social” brasileira. Estruturado em forma de entrevistas, a sucessão dos depoimentos se encadeiam de forma que esclarece sobre a forma como o tráfico se processa, sem estabelecer um juízo de valor sobre a respeito dos traficantes, dos policiais e dos próprios moradores (XAVIER, 2006, p.18).
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O acesso a recursos o leve a tolerar o mal-estar que habita o mundo e alguma satisfação possa se inserir no seu convívio com o mundo e com o próximo. Não todo o gozo, não toda a liberdade, mas o direito de viver fazendo parte da cidade e de sustentar o peso de sua responsabilidade e dos seus atos, de ligar suas ideias, sonhos e paixões aos elos e grilhões que, por toda parte, encontram-se (OTONI, 2008: 146). Desta forma, percebe-se que os ditos excluídos da sociedade começam a se aglomerar em áreas afastadas do contexto urbano, essas são de baixa infraestrutura e acessos escassos aos serviços do estado, apesar de possuírem todos os deveres de cidadãos do “asfalto”, seus direitos são frequentemente violados. A mídia em nossa sociedade possui um papel importante em relação ao discurso criado e propagado quanto ao morador da periferia e que está diretamente ligado a esse “processo seletivo” dos jovens que chegam para cumprir a medida socioeducativa. Batista (2010) coloca que “a mídia é a principal protagonista do sistema penal. O que estiver no Jornal Nacional hoje é o que vai pautar a ação da polícia amanhã”. E não é diferente quando o assunto está relacionado ao jovem que está em “conflito com a lei”. Há uma hipervisibilidade na mídia quando ocorre algum crime/ato infracional atribuído a jovens moradores da periferia. De acordo com Bourdieu “Os jornalistas têm óculos especiais a partir dos quais veem certas coisas e não outras; e veem de certa maneira as coisas que veem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado”. Assim, a mídia pode influenciar para que a sociedade tenha sentimentos de ódio ou de pena por determinados sujeitos. O autor ainda aponta que a mídia não vai servir a toda sociedade, mas sim as pessoas que fazem parte da classe socioeconômica alta, sendo responsável por expandir e impor o pensamento dessa elite dominante. Dessa forma, o discurso produzido pela mídia acaba por reforçar a imagem de marginal e a periculosidade desses jovens que cometem atos tipificados como infracionais, produzindo na sociedade o medo, e o anseio de eliminação e/ou exclusão desses sujeitos por medidas mais duras como a redução da maioridade penal e assim ter a sua segregação da sociedade. 114
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ESTADO PENAL E A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA Em um contexto mais amplo da concepção de política pública, podemos situar Minas Gerais como um dos estados que leva a cabo a implementação e execução dos preceitos e medidas neoliberais, em especial na política de Segurança Pública. Tais preceitos são facilmente notados na expressiva alocação, quando comparamos com outras políticas públicas, de recursos públicos na incrementação e ampliação do aparato repressivo e construção de novas unidades prisionais e centros socioeducativos. Em Minas Gerais, segundo site da Secretaria de Estado de Defesa Social8, entre 2003 e 2012, foram criadas 930 vagas para atendimento às medidas socioeducativas de meio fechado. Nesse período, o número de unidades mais do que dobrou. Em 2005, eram 16 unidades e 420 vagas. Em 2010, 29 unidades socioeducativas, entre 19 centros de internação, internação provisória e 10 casas de semiliberdade, totalizando 1.090 vagas. Já atualmente, conta-se com 33 unidades socioeducativas, sendo 23 centros socioeducativos para internação e internação provisória e as mesmas 10 casas de semiliberdade. Segundo o Plano de Defesa Social de 2014 e 20159, até dezembro de 2014, haverá a criação de mais 170 vagas no meio fechado e a médio prazo, afirmam que haverá a ampliação de mais 605 vagas. Esse elevado aporte de recursos na área de segurança pública, de forma acentuada nos mecanismos de repressão, detenção e contenção, não se traduziria em uma relação injusta e perversa, se essa escolha não se desse à revelia e em detrimento de políticas sociais que visam garantir desenvolvimento de potencialidades e superação das condições de vulnerabilidade e risco. De acordo com Wacquant (2001), essa dissiparidade entre o investimento em políticas sociais e o recrudescimento das penas tem explicação em uma visão de mundo neoliberal, onde um paradoxo se coloca: tratar com “mais Estado” policial e penitênciário o “menos Estado” social. https://www.seds.mg.gov.br/index.php?option=com_ content&task=view&id=1128 9 https://www.seds.mg.gov.br/images/seds_docs/PlanoEstadual/plano%20 estadual%20defesa%20social%202014-2015.pdf 8
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Nesse terreno, a doutrina da “tolerância zero”, iniciada em Nova York na década de 90, pretende legitimar a gestão policial e judiciária da pobreza. Tal proposta foi difundida também por outros diversos países. “E com ela a retórica militar da “guerra” ao crime e da “reconquista” do espaço público, que assimila os delinquentes(reais e imaginários), sem-teto, mendingos e outros marginais a invasores estrangeiros”(Wacquant, 2001: 30). Segundo o autor, o tratamento social da miséria colocase em termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da América do Sul, tais como Brasil, Argentina, Chile, Paraguai e Peru. No Brasil, tal concepção ganhou expressão no ano de 1999. Segundo Wacquant (2001), neste ano o Governo Federal importou tal instrumento aumentando significativamente o seu efetivo de policiais militares e civis. A partir daí notamos, como já apontado no Estado de Minas Gerais, um elevado crescimento do aparato policial-judiciário como ferramenta de combate à criminalidade e consequentemente o fortalecimento do Estado Penal. Entretanto, tal perspectiva não é sem consequências. Além do risco em sustentar um Estado policialesco e tirânico, a sobrecarga dos tribunais e das prisões se torna um problema. É interessante a perspectiva de Wacquant (2010), que define as principais instituições cuja existência está intrinsecamente relacionada à existência do Estado Penal: Polícia, Tribunais e Prisão. Para compreender o Estado Penal, é preciso observar que ele tem uma estreita relação com as mudanças do mundo do trabalho. A partir da década de 70, ocorreram marcantes transformações, como a globalização, crescimento do capital móvel e transnacional, revolução tecnológica, queda do modelo fordista, o crescimento do toyotismo, o que culminou com desemprego alto, precarização das relações e vínculos de trabalho, como terceirização, trabalhos temporários e trabalho informal, bem como desregulamentações das leis do trabalho. Assim, como nos diz Vera Telles (2006), se as gerações anteriores estavam todas empregadas em indústrias e trabalhos perenes, atualmente, as gerações mais novas das classes populares se deparam com empregos temporários, com vínculos precarizados, longos períodos de desemprego, subemprego e trabalho informal. Assim, com o avanço da globalização e do neoliberalismo, o qual Wacquant (2010) considera ascendente, houve um desenvolvimento 116
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do setor terciário como o responsável por absorver a maior parte dos trabalhadores, o setor de serviços. Desse modo, houve uma erosão do salário estável e a decomposição das solidariedades de classe que a estabilidade econômica sustentava. As mutações do emprego trouxeram efeitos destruidores na estrutura social, principalmente nos níveis inferiores dessa estrutura. Àqueles a quem não são garantidas as pré-condições para se inserirem na competição atual, na busca pela pequena esfera do mundo do trabalho que ainda significa estabilidade, sobraram opções precárias de inserção. É preciso considerarmos então que aqueles que não se inserem nesses trabalhos precarizados ofertados, os que resistem a essa inserção ou são, como diz Wacquant (2010), “indóceis”, “insubmissos” como muitos adolescentes atendidos nas medidas socioeducativas, que buscam “no tráfico de drogas uma forma de inserção ilegal no mundo do trabalho” (Fefferman, 2006), são punidos pelo Estado Penal. Em seu Livro, Prisões da Miséria, Wacquant (2001), enfatiza que as políticas penais se voltam a este restante – aos miseráveis, aos inúteis e aos insubordinados que não conseguem responder à ordem econômica. Nesse sentido o que há é uma transição do Estado Providência para o Estado Penitência, que com mãos de ferro se destinam a esse público. Focando na polícia, uma das principais instituições do Estado Penitência, de acordo com as discussões realizadas ao longo do Circuito, podemos compreender que sua função é bem explicitada pelo chefe da polícia civil, Hélio Luz, no documentário Notícias de uma Guerra Particular (1997): É uma polícia política mesmo. Nós vivemos em uma sociedade injusta e nós garantimos essa sociedade injusta. O excluído fica sob controle. Ai dele que saia disso. A instituição que existe é uma instituição que foi criada pra ser violenta e corrupta, não é? E o pessoal estranha. Por quê ela foi criada pra ser violenta e corrupta? A polícia foi criada pra fazer segurança de estado, e segurança da elite. Eu faço política de repressão, entende? É em benefício do estado, pra proteção do estado, tranquilamente. Mantenho a favela sobre controle. Como é que você mantém dois milhões de habitantes sobre controle? Ganhando salário mínimo? JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Quando ganha. Como você mantém todos os excluídos sobre controle, calmos? Com repressão, lógico. A polícia foi feita pra isso, pra separar quem não é igual perante a lei. Todos são iguais perante a lei dependendo de quanto cada um ganha. A polícia brasileira cumpre bem o seu papel de proteger o Estado e a classe dominante. Então ela sempre foi violenta, ela sempre foi corrupta. A polícia para a proteção da sociedade não existe, ela vai ter que ser construída, existe a polícia para a segurança do estado (Documentário Notícias de uma Guerra Particular, 1997). Pensar em algumas perspectivas que buscam compreender o lugar do Serviço de Medidas Socioeducativas na política de Assistência Social é fundamental para conceber como se dará a execução do trabalho. Segundo Wacquant, a Assistência Social é um braço do sistema penal, na medida em que significa a regulação institucional dos pobres, ela integra esse Estado Penitência. Se antes das transformações ocorridas a partir da década de 70, a Assistência Social tinha como função assistir aos pobres, protegendoos, segundo Wacquant (2010, p. 204), “a regulação das famílias das classes populares não passa mais apenas pelo braço maternal e complacente do Estado” e se dá pela vigilância e controle das novas classes perigosas. Wacquant traz a contribuição a partir da criminologia crítica, que, assim como outros autores desse campo, compreendem a criminalidade como construída socialmente em meio às correlações de força que constituem uma sociedade. Conforme Baratta (2002), a criminalidade não existe na natureza, não reside na genética, não reside apenas na subjetividade. Criminosos há nas classes mais favorecidas, entretanto, suas condutas não são criminalizadas, são impunes. Há uma seleção da população criminosa na perspectiva macrossociológica da interação e das relações de poder entre os grupos sociais, do mesmo modo que há uma desigual distribuição de bens e oportunidades entre os indivíduos (Baratta, 2002). Há uma seleção social dos indivíduos que se envolvem com a criminalidade e aqueles com maiores chances de rotulação como população criminosa, estão concentrados nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos marginais). A posição precária no mercado de trabalho (desocupação, subocupação, falta 118
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de qualificação profissional), baixa escolaridade e vínculos familiares fragilizados são características dos indivíduos selecionados como classe perigosa. Essa perspectiva crítica desvela que, na visada criminologia tradicional, não se questiona o Estado, uma vez que as escolhas pelo crime são compreendidas como meramente individuais, portanto, deve-se transformar o sujeito e seus comportamentos individuais, e não o Estado, não a distribuição de renda desigual, tampouco a política socioeconômica atual. Essa perspectiva vai no sentido oposto do que diz Wacquant (2001), de que a urgência, no Brasil é lutar em todas as direções não contra os criminosos, mas contra a pobreza e a desigualdade. A criminologia tradicional persiste, cada vez mais, fortalecida pela sociedade punitiva. O sujeito deve ser punido por ter escolhido o crime, como se dispusesse à mão de toda uma gama de escolhas de atuações. Desse modo, uma leitura meritocrática recai sobre os sujeitos, de acordo com a ideologia individualista e neoliberalista atual. Segundo Souza (2011) esta é uma área da qual também é importante se lançar mão: A desigualdade tem que assumir uma forma “individual” para ser legítima. Essa forma individualizada de desigualdade, construída para negar a forma real e efetiva da produção classística da desigualdade, é exatamente a ideologia da meritocracia. Segundo essa ideologia, a desigualdade é “justa” e “legítima” quando reflete o “mérito” diferencial dos indivíduos. (...) É precisamente o efeito gigantesco e universal dessa ideologia que permite que se fale todos os dias da desigualdade econômica brasileira sem que isso incomode ninguém. (...) O que é escondido pela ideologia do mérito é, portanto, o grande segredo da dominação social moderna em todas as suas manifestações e dimensões, que é o “caráter de classe” não do mérito, mas das precondições sociais que permitem o mérito (SOUZA, 2011: 120-121). Manter, portanto, um olhar individualizante sobre o cometimento de atos considerados socialmente como infracionais, vai de acordo com a ideologia que constitui uma das bases do Estado Penal, favorecendo a manutenção desse estado punitivo. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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SEGUNDA PARTE Circulando Nomear essa experiência como CIRCULANDO, de certo não é mera coincidência ou sem qualquer intenção. Os adolescentes ameaçados de morte e vítimas de violência policial vivenciam situações de cerceamento e restrição de circulação, ainda mais severos se comparadas a experiências até então. Nesse sentido, quando o grupo se propõe a circular pela cidade, faz um manifesto contra esse panorama e busca provocar e fortalecer uma rede de proteção, a fim de garantir a esses sujeitos oportunidades de desfrutar da cidade e de suas vidas. Relato do que tem sido construído, vivido, experimentado
Rede Mediante os relatos de casos de ameaça e violência policial, que suscitaram uma série de indagações, dúvidas e anseios, o grupo se sentiu instigado a conversar com algumas instituições que também discutem políticas de direitos humanos e proteção a crianças e adolescentes. O objetivo principal foi discutir como acolhem, escutam e encaminham os casos, bem como as possibilidades de construir e qualificar fluxos. Inicialmente, foi pensado sobre como seria feito o mapeamento dessa Rede. Partindo do conhecimento e da vivência dos próprios participantes, alguns locais foram sendo sugeridos: – Corregedoria de Polícia; – Coordenadoria Municipal de Direitos Humanos; – Defensoria dos Direitos Humanos; – Núcleo de atendimento às vítimas de crimes violentosNAVCV; –Fórum de Medidas Socioeducativas nas Comissões de Violência Institucional e Prevenção da Letalidade de Adolescentes e Jovens; – Rede de Enfrentamento a Violência Estatal – REVE. 120
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Outros espaços também foram sugeridos, mas, tendo em vista a dinâmica do grupo e a disponibilidade para algumas ações, foram priorizadas as instituições citadas acima. Também foi realizada a discussão de que a ida à Corregedoria, tendo em vista a especificidade de sua atuação, bem como pontos ainda frágeis neste diálogo e fluxo, seria acessada posteriormente, se possível, contando com a presença e apoio dos demais componentes da Rede, a ser fortalecida. Não se pretende aqui pormenorizar a ida realizada em cada instituição, mas apontar questões que foram interessantes nesta trajetória. Um dos principais aspectos observados foi a resistência da maioria das instituições visitadas em falar, abertamente, sobre as situações de violência policial e sobre como tratar/ cuidar desta situação. As orientações, em sua maioria, foram de fluxos já conhecidos pelo serviço, principalmente em relação ao encaminhamento à Corregedoria de Polícia. Esse ponto foi bastante debatido, tendo em vista que, apesar dessa instituição ser o espaço legítimo para se tratar esse tipo da violência sofrida pelo adolescente e sua família, também pode se configurar como um local de exposição. Essas mesmas instituições pontuaram que não recebem formalmente denúncias em relação à violência policial, e, quando surge algum relato, remetem à Corregedoria. No decorrer destas interlocuções, foi possível perceber que um dos problemas que essas instituições identificam como motivo que dificulta o seu envolvimento nesses casos refere-se ao fato de os adolescentes não falarem sobre isso. Foi debatido que, na maioria das situações, os adolescentes e seus familiares além de estarem assustados e amedrontados com a situação vivenciada, ficam receosos de também receberem represálias por se tratar de uma instituição do estado, ligado à polícia, que os ameaça. Como confiar na proteção desse Estado? Vale ressaltar que esse também é um ponto de grande incômodo no Serviço de MSE, pois, quando ocorre uma situação de ameaça que necessite do envolvimento de outros atores da rede para que haja a segurança do adolescente/família, percebemos uma dificuldade em tê-lo. Além disso, há sempre a preocupação de que a família esteja sendo colocada em uma situação delicada, pois a Rede orienta sobre os procedimentos a serem feitos, mas também indaga a essa mesma família se “vale a pena” assumir as consequências da denúncia. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Um dos desafios apresentados em todos os espaços nos quais o circuito apresentou essa discussão foi o de como dialogar com a instituição policial, pensando não apenas nas situações de ameaça, mas também em relação às abordagens, muitas vezes violentas, que não condizem com uma proposta socioeducativa. O debate ocorrido nesses encontros foi extremamente rico para que, além de provocar e fortalecer uma aproximação, o trabalho dos demais integrantes dessa Rede ficasse mais claro para o serviço. O diálogo foi possível, mas ainda com questões a serem melhor esclarecidas, bem como assumidas por todos os envolvidos neste trabalho. Um das reflexões construídas nesses encontros foi que o grande desafio é integrar a ponta de um processo que não é integrado, dialogando com quem executa. É necessário fomentar um processo de mudança no sistema, repensando seu modelo. As demandas são recebidas pelo próprio sistema denunciado e a resposta será uma reprodução das facetas deste sistema. Neste trabalho junto à Rede, foi possível reafirmar que o campo de trabalho não é tranquilo e simples. A atuação da polícia envolve práticas e posições enraizadas há anos no funcionamento do Sistema de Segurança Pública e Defesa Social do Brasil. Ficou claro que isoladamente cada instituição fica frágil nas intervenções a que se propõe. Os componentes do Circuito, assim como os demais colegas de trabalho das regionais, tentam, em seu cotidiano, lidar com todos os sentimentos que permeiam esse limite de atuação. Ao mesmo tempo, o trabalho realizado com o Circuito, e que certamente não para por aqui, se desenha como uma forma de dialogar com os outros sobre esses limites e também criar espaços para que novas ações sejam criadas. Ainda há muito que se fazer, porém pode-se dizer que nestes encontros algumas possibilidades começaram a ser desenhadas. Talvez, a principal foi a possibilidade de levar e colocar a temática na pauta de outros espaços, garantindo que a voz do técnicos, assim como a dos adolescentes e seus familiares, possam “circular” e serem ouvidas, com vistas a construção de ações concretas. Conforme nos alerta o autor Antônio Carlos Gomes da Costa, em seu livro Pedagogia da Presença:
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Por vezes, o educador interroga-se sobre o sentido de seus esforços. Sente que, para que uma solução orgânica e consequentemente para o conjunto desses jovens fosse encontrada, seria necessário reanimar milhares de consciências adormecidas, sensibilizar no seu todo e chamar à responsabilidade os que têm nas mãos o poder de decidir, para que se pudesse romper de forma radical, com a incompetência, a organização irracional, o interesse mal formulado e a legislação inadequada. Este tipo de questionamento leva o educador a perceber que a sua atuação não é apenas trabalho; ela é também e fundamentalmente, luta. (COSTA, 1997: 36). Discussão, análise e avaliação referente às situações de adolescentes (e seus familiares) ameaçados de morte e adolescentes que vieram a óbito no Serviço de MSE de Meio Aberto de Belo Horizonte Mediante as situações acompanhadas pelos técnicos do Serviço de MSE que se deparam cotidianamente com relatos dos adolescentes que descrevem estarem vivenciando situações de ameaça de morte, além das situações mais agravantes nas quais os adolescentes vêm a óbito por motivo de assassinato, devido principalmente ao envolvimento com o tráfico, faz-se necessário, e urgente, qualificar a discussão e as ações frente a esse fenômeno. Os dados tornam-se alarmantes a cada ano, tornando fundamental que se estabeleça um diálogo mais qualificado e propositivo frente a essa realidade. Dessa forma foi pensado que uma estratégia para qualificar essa discussão seria estabelecer uma conversa mais próxima das equipes regionais, bem como da coordenação CREAS. A proposta é que, a partir da apresentação dos dados referentes às situações de ameaça e óbito do ano de 2013 e primeiro semestre de 2014, se possa qualificar as informações, compartilhando experiências, agregando parceiros, buscando compreender melhor a realidade vivenciada pelos adolescentes, suas famílias e pela comunidade onde vivem, ampliando as possibilidades de intervenção para garantia do direito à vida, à proteção e à segurança de nossos adolescentes. Para tanto, é fundamental estabelecer espaços que dialoguem sobre essa realidade que perpassa o cumprimento da medida
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socioeducativa. Também é imprescindível ampliarmos a percepção de todos os envolvidos no atendimento aos adolescentes em cumprimento de MSE sobre o contexto no qual eles e seus familiares estão inseridos, a forma como lidam com as situações de violência que vivenciam cotidianamente e, assim, assumir uma posição que aponte para “perspectiva da vida” em contraposição “a naturalização da morte”, o que muitas vezes é a posição assumida pelo adolescente, sua família e a própria sociedade. Tendo em vista que as situações de ameaça e óbitos têm sido foco de estudo e intervenções do Circuito de Segurança e Proteção ao Adolescente em situação de Ameaça de Morte, foi proposto que a equipe que compõe este grupo fizesse a discussão junto às equipes das regionais, dialogando a partir das situações vivenciadas por cada equipe, mediando à discussão com a coordenação e demais parceiros. O trabalho realizado em cada regional propiciará a construção de um material a ser utilizado para fortalecer e também rever algumas práticas e fluxos, agregar novos parceiros, buscando estratégias que possam garantir efetivamente a proteção e a garantia do direito a vida dos adolescentes e seus familiares em situação de ameaça. Esse produto será discutido e apresentado posteriormente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS O Circuito de Segurança e Proteção ao Adolescente Ameaçado de Morte se debruçou sobre a temática das violências sofridas pelos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto; violências específicas, das quais são vítimas os adolescentes e seus familiares. Focou nas agressões e ameaças à vida dos adolescentes e seus familiares, cometidas por parte do Estado, encarnado nos trabalhadores de uma instituição, a polícia. Esse foco se deu a partir de uma escolha decorrente de discussões do grupo, e que tinha como ponto comum contribuir para a atuação dos trabalhadores que acompanham esses adolescentes como também integrar e fortalecer a rede de serviços. Essa violência permeia o cotidiano de nosso trabalho, e nos deixa sempre com grandes questões. Nesse sentido, mais do que procurar dar respostas, a intenção foi de provocar reflexões.
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Para tanto, foi importante realizar uma discussão teórica que colabora para uma perspectiva crítica sobre o fenômeno da violência policial, ampliando o olhar para a compreensão de que essa violência é legtimada por todo o sistema. É necessário compreender a complexidade dessa violência que não deveria, mas que ainda faz parte do nosso cotidiano, e que também se reflete no trabalho das medidas socioeducativas. Há que se localizar a função posta para a polícia, de ser a responsável por “proteger” parte da sociedade e conter aqueles considerados perigosos para essa mesma sociedade. O objetivo foi, portanto, aprofundar em uma perspectiva crítica a respeito da atuação desse Estado, do qual o maior braço parece ser a polícia e o próprio Sistema Judiciário. Sobre o ponto trazido por Wacquant (2010), de que a assistência social pode ser vista como braço do sistema penal, embora possa parecer incômodo, é necessário encará-lo de frente, já que o Serviço no qual estamos inseridos é constantemente tensionado por ideologias diferentes e muitas vezes divergentes. Deve-se cuidar para que não se reproduza o lugar de punição da pobreza na execução das medidas socioeducativas. É preciso que a execução busque a promoção e inserção social, papel da Política de Assistência Social, o diálogo com a Rede de Proteção a partir de uma concepção de política pública em um Estado de Direito. E é nessa perspectiva que este Circuito aposta seu trabalho e suas contribuições. Essa perspectiva também alerta que é necessário compreender como as demais políticas públicas se desenham em uma sociedade que pune, na qual o direito não é para todos, e que a segurança pública é uma defesa do Estado que define quem será protegido e quem será punido. Há toda uma rede, com a se lida, que está igualmente inserida nesse sistema social. E é preciso questioná-la e, ao mesmo tempo, fortalecê-la. Essa foi a conclusão construída a partir das reuniões e discussões das quais o Circuito participou, descrita na segunda parte deste estudo. Procurou-se conhecer a rede de proteção ao adolescente e quais recursos há disponíveis, bem como seu modo de funcionamento, para o acesso dos adolescentes e familiares que sofreram violência policial e, consequentemente, violência estatal.
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Finalmente, sem considerar o presente estudo como um trabalho concluido, o objetivo deste Circuito é propor um enfrentamento a essas práticas que reforçam que os adolescentes devem ser temidos e perseguidos cotidianamente como delinquentes, como assuntos de polícia. Busca-se apresentar um contraponto, no qual fica evidente que na concepção do trabalho nas MSE, a socioeducação deve ser assunto não de polícia, mas de política.
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CIRCUITO DE FAMÍLIA
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o lugar da Família no serviço de medidas Socioeducativas da prefeitura de Belo horizonte Juliana Vilela Priscila Barcelos Sandra Ferreira Valéria Martins Vinício Martins
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Introdução No início deste ano de 2014, os técnicos responsáveis por executar as medidas socioeducativas em meio aberto, previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente – liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade –, foram convidados pela Gerência de Coordenação das Medidas Socioeducativas a participarem de grupos de discussão a respeito de diversos temas referentes ao cotidiano de seu trabalho. A proposta era que, a partir de uma problemática que desafiasse o dia a dia do trabalho e, por meio de encontros de conversação, fosse construído um percurso que lograsse alcançar algum saber sobre o problema com o qual se iniciou. Por esse viés, o coletivo se formou com pessoas tocadas por um tema, que circulou de forma horizontalizada para exposição de ideias, questionamentos, confrontação de argumentos e ideais. O texto que segue é um testemunho do percurso construído pelo Circuito Família, que se propôs a discutir o trabalho realizado com as famílias dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto. Trata-se de um saber provisório, que não pretende esgotar o tema e que descortinou mais novas perguntas do que propriamente respostas definitivas, fato que deve motivar o grupo a seguir instigado e implicado na continuação da proposta do Circuito no próximo ano. Os participantes estavam motivados por demandas e anseios que cada um trazia em relação a essa problemática. Muitos questionamentos, dúvidas e críticas, levantados pelos membros do grupo, convergiram para um ponto comum. As discussões da temática nos espaços regionais também ecoaram na construção deste trabalho, contribuindo para que importantes reflexões sobre o tema fossem apresentadas pelos participantes do Circuito na discussão desenvolvida neste estudo. As contribuições técnicas que culminaram na escrita deste texto se constituíram, portanto, a partir das experiências de cada um, inquietações das equipes regionais, relatos de casos, experiências e pela busca por esclarecimentos e respostas possíveis, bem como a identificação de desafios futuros. O debate suscitou um rico diálogo a respeito do tema, permitindo aos participantes obterem algumas elucidações sobre a prática cotidiana, a partir da discussão sobre intervenções bem-sucedidas, bem como sobre outras práticas a 130
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serem mais bem discutidas e avaliadas quanto à pertinência de sua incorporação na metodologia do serviço. Além disso, também se discutiu sobre a intervenção realizada pelo conjunto da rede de atendimento ao adolescente na cidade, e sobre as ações realizadas junto às famílias destes. No que se refere aos serviços previstos nos diferentes níveis de proteção do Sistema Único de Assistência Social-SUAS, a partir da leitura das diversas normativas que orientam a execução de cada um, buscou-se identificar os pontos comuns, e principalmente, as orientações que demarcam a especificidade na execução de cada serviço (foco, campo, metodologia, entre outros elementos). O objetivo visou compreender aquilo que compete aos executores, de forma a localizar melhor no Serviço de MSE nesta rede e, assim, alinhar o entendimento em relação à referência e à contrarreferência. Sobre o grupo, é interessante ressaltar um aspecto que, apesar de pouco discutido ou analisado por seus componentes, nos chamou a atenção: todos os técnicos que demonstraram interesse em participar deste Circuito são do Serviço de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e psicólogos, com exceção da técnica Valéria, que é Assistente Social. O grupo se propôs a reunir-se quinzenalmente às quintasfeiras, porém, devido a contratempos, alguns encontros previstos não aconteceram. Foram discutidos documentos legais que orientam a execução do serviço dentro do SUAS, textos que focam na discussão sobre a importância, necessidade e especificidades do trabalho junto com às famílias, além de troca de experiências, visões, pontos críticos e posicionamentos pessoais e técnicos. Os encontros foram registrados, permitindo, por meio das discussões realizadas, a construção do texto. Podemos considerar que o ponto de partida no debate do Circuito foi a problematização sobre a existência do trabalho com famílias no Serviço de Medidas Socioeducativas e como este trabalho se dá. Tal discussão se justificou, principalmente, pelos questionamentos que frequentemente são feitos por trabalhadores de outros serviços socioassistenciais, bem como por parceiros externos, de que as medidas socioeducativas de LA e PSC não contemplam, no acompanhamento ao adolescente, intervenções junto à família do mesmo. Essa questão ganhou espaço no debate do grupo, definindo-se como um dos principais temas discutidos e JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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postulados neste trabalho. Propiciou um espaço em que se pode aprofundar a discussão desses questionamentos e afirmativas, demarcando o posicionamento técnico dos participantes do grupo com vistas a contribuir para o posicionamento dos demais técnicos, da gerência, dos outros serviços do SUAS e da rede parceira. Um consenso, já inicial na discussão do Circuito, refere-se à afirmação de que existe e é realizado o trabalho com as famílias dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto. A partir deste ponto, o percurso trilhado pelos participantes foi de exposição de questionamentos, ideias, confrontação de argumentos, principalmente no que se referia sobre quando e como este trabalho acontece. Na medida em que as discussões avançavam, houve a ampliação do campo de percepção dos participantes sobre o fenômeno, realçando as diferentes visões e compreensões acerca do tema. Houve contraposição de ideias sobre como acontece – ou deve acontecer – o trabalho com famílias no serviço, bem como divergências em relação a alguns pontos e mal entendidos sobre outros. Porém, à medida que a discussão avançava, o Circuito foi afinando o diálogo e percebendo que, apesar de alguns membros privilegiarem enfoques diferenciados – muitas vezes orientados por formações e orientações teóricas distintas –, todos estavam dizendo sobre possibilidades, limites e intervenções bastante semelhantes, próprias ao trabalho com a família. Neste processo percebeu-se que é primordial que se mantenha a discussão e o diálogo mediado pelas legislações, orientações e contribuições teóricas, para que se tenha cada vez mais clareza de nosso foco e também sobre qual campo o trabalho será realizado. É importante dizer que em todas as legislações vigentes sobre o trabalho do serviço em questão, o eixo “Família” está colocado para as duas medidas socioeducativas em meio aberto, porém as discussões e questionamentos foram mais intensamente direcionados para a medida de Liberdade Assistida (LA). Infere-se que isso ocorreu em função da composição do grupo, bem como pela orientação metodológica dessa medida, na qual o acompanhamento dos eixos norteadores do cumprimento, dentre eles o eixo família, tem um enfoque mais sistemático, com tempo e espaços que se diferem da execução da medida de PSC. Deve-se ressaltar que as reflexões devem ser apropriadas e debatidas pelos técnicos de ambas as medidas, contribuindo para que possam refletir acerca do trabalho comum que 132
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compõem o Serviço de Proteção ao Adolescente em Cumprimento de Medida Socioeducativa de LA e PSC. Neste trabalho são apresentadas questões que objetivam compor o que já foi construído até o momento, bem como abrir caminhos para outras possibilidades de diálogo. O debate não se esgotou, como é viável ser. Ao contrário, suscitou nos próprios componentes do Circuito o ensejo para que a discussão se mantenha viva, seja agregada as equipes do Serviço de MSE de LA e PSC das Regionais, caminhe para produções que contribuam para ampliar a metodologia, propor práticas que enriqueçam o trabalho e que incorporem mais esclarecimentos aos fluxos articulados junto à rede. Uma possibilidade, que não será muito aprofundada nesta produção, mas que já se configurou como uma proposta do Circuito a ser dialogada com os técnicos, refere-se à formação de grupos de adolescentes e jovens para discussão a respeito da representação da família em suas vidas e de seu papel/responsabilidade no apoio ao cumprimento da MSE aplicada. Discutir o trabalho realizado com as famílias nas medidas socioeducativas demanda trabalho e esforços teóricos e práticos por parte dos envolvidos com esse fazer. A presente produção, que busca contribuir com este debate, foi escrita a várias mãos e olhares e é fruto dessa possibilidade de encontro denominado Circuito. Desfazendo nós É sabido que o questionamento acerca do trabalho realizado com famílias no Serviço de Medidas Socioeducativas tem sido recorrente em discussões entre os executores dos serviços do SUAS e dos demais trabalhadores da Rede de Proteção da Infância e Adolescência. Uma pergunta que se repete ao longo do processo de implantação, implementação e execução do serviço de MSEs, refere-se a qual trabalho é, ou deve ser, desenvolvido com as famílias dos adolescentes. O questionamento muitas vezes ocorre devido à compreensão equivocada de que o trabalho das medidas se desenvolve apenas com o adolescente, na construção de um processo de responsabilização subjetiva frente à prática de atos infracionais. É verdade que um processo de responsabilização deve acontecer, porém, ele não é solitário. Uma vez que o trabalho se dá com sujeitos em desenvolvimento e que se encontram sob responsabilidade de JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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outros – adultos responsáveis por sua formação e cuidados – estes devem obrigatoriamente participar de seu processo socioeducativo, e isso está claramente previsto nas legislações que norteiam nosso trabalho. Portanto, é sim realizado um trabalho com as famílias dos adolescentes em cumprimento de medida em meio aberto, e seu direcionamento se dá a partir da especificidade do adolescente e da família que nos chega e de como é construído e planejado o trabalho de acompanhamento a ambos. É preciso compreender que uma análise superficial deste processo distorce a discussão sobre como a execução das medidas socioeducativas de LA e PSC em Belo Horizonte, ancorada em concepções reguladas por princípios, normas e orientações metodológicas e éticas, constrói seu trabalho com adolescentes e/ou com a adolescência. A situação peculiar de sujeito em desenvolvimento, inserido em uma rede que inclui não apenas a família, mas também os espaços comunitários, a escola, entre outros, com a qual ele estabelece diversos laços, deve ser considerada a todo o momento. É necessário superar a dicotomia “sujeito - adolescente” versus “outros - rede - coletividade”, e estar sempre avisado de que não existe sujeito sem outro. Cada adolescente que se apresenta possui sua “rede” própria que o liga a outros, singularmente constituída, a qual participou – e participa – de seu processo de subjetivação. Portanto, conhecer e trazer a “rede” singular do adolescente para a cena do acompanhamento socioeducativo é essencial para que qualquer movimento de responsabilização, e de invenção de novas possibilidades, aconteça. O que nos orienta Neste item, propõe-se visitar as principais leis que regem a execução das medidas socioeducativas, a saber, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei nº 12.594/2012 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, bem como a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais do SUAS. A finalidade é resgatar os objetivos essenciais das medidas socioeducativas, seus princípios e diretrizes, e também recolher o que está previsto no que se refere ao trabalho com famílias. Ao longo deste percurso, também buscar-se-á estabelecer um diálogo entre tais direcionamentos, específicos às medidas, e os 134
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princípios e diretrizes gerais da política de Assistência Social. Esse diálogo nos parece particularmente importante, uma vez que as MSE´s se encontram, no município de Belo Horizonte, inseridas na política pública de Assistência Social, conforme orienta o SUAS. Conforme esclarece o autor Mário Volpi as medidas sócioeducativas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção integral e oportunização, e do acesso à formação e informação. (Volpi, 2002: 20). Portanto, é preciso compreender que as duas dimensões devem estar contempladas na execução das medidas socioeducativas. Posto esse tensionamento, deve-se atentar para que o trabalho contemple a responsabilização do sujeito/cidadão a quem se atribui a autoria do ato infracional, porém, reconhecendo que estamos acolhendo, trabalhando com adolescentes cuja situação peculiar de pessoa em desenvolvimento coloca os agentes envolvidos na operacionalização das medidas sócio educativas a missão de proteger, no sentido de garantir o conjunto de direitos e educar oportunizando a inserção do adolescente na vida social. Esse processo se dá a partir de um conjunto de ações que propiciem a educação formal, profissionalização, saúde, lazer e demais direitos assegurados legalmente. (Volpi, 2002: 14). A execução da medida pela Política de Assistência Social nos obriga a refletir sobre esse tensionamento, tendo em vista que compomos hoje o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que trata de intervenções estatais que visam à proteção social e à garantia de direitos de cidadania para a população que se encontra em situação de vulnerabilidade e violações. Estabelecer pontes e interlocuções, assim como pontos de encontro e desencontro, entre a responsabilização frente ao ato infracional e a proteção social JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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é fundamental para o acompanhamento junto aos adolescentes, cumprindo de fato aquilo que cabe ser trabalhado em uma medida socioeducativa. Buscar a correlação dessas dimensões é um desafio, visto que, se a execução enfoca apenas a proteção, desconsiderase a necessidade, e até mesmo o direito, do adolescente refletir sobre a sua prática. Mas se apenas a dimensão coercitiva é tomada, desconsidera-se todo um processo social em que esse adolescente está inserido, além de não reconhecer sua condição de adolescente. O ECA, como as demais legislações que se seguiram, ampara-se na doutrina da proteção integral, configurando-se como um avanço na política de atendimento ao adolescente a quem se atribui a autoria do ato infracional e buscando o rompimento com os princípios da doutrina da situação irregular do antigo Código de Menores. “Todo o sistema de contenção do adolescente do antigo Código e da Política de Bem-estar do Menor estava organizado para tratar um delinquente e não para atender um adolescente que transgrediu uma norma (Volpi, 2002:15).” Os objetivos das medidas socioeducativas a partir do Sinase A Lei nº 12.594/2012 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional. Tratase de um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescentes em conflito com a lei. (BRASIL, 2006). Logo no princípio da lei, no artigo 1º, estão listados os objetivos de todas as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). São estes: I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus 136
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direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. (Art. 1º § 2º Lei nº 12.594). No artigo 35 da referida lei, encontram-se os princípios que devem reger a execução das medidas socioeducativas: I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam as necessidades das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão da etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo. (BRASIL, Lei nº 12.594/2012). No que diz respeito aos objetivos das MSEs, tem-se como essencial a responsabilização do adolescente frente ao ato cometido – da qual inevitavelmente participa a desaprovação da conduta infracional –, somada à garantia de seus direitos enquanto cidadão e da possibilidade de construção de novas saídas de integração social, materializada em seu Plano Individual de Atendimento. Em síntese, responsabilização, garantia de acesso aos direitos de cidadania e construção de um projeto de integração social definem o objetivo do processo socioeducativo. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Já em relação aos princípios que devem reger a execução das medidas, percebe-se o seu caráter excepcional, breve e proporcional ao ato cometido. A intervenção deve acontecer no menor tempo possível para alcançar os objetivos almejados. O princípio da brevidade deve ser observado na perspectiva de que a construção de novas saídas se dará por parte do adolescente, junto a sua Rede, que podemos denominar como de apoio (familiar e comunitária). Este ponto é bastante importante para se pensar nossa relação com a política de Assistência Social, na qual o serviço de MSE se insere. Dimensionar e ter claro o foco, o tempo e como a intervenção vai se dar, considerando a necessidade de sanção/socioeducação, como também de proteção social e garantia de direitos, muitas vezes não é fácil no trabalho cotidiano. Isso se torna mais complexo quando se considera que, na maioria esmagadora dos casos, o público (incluindo não apenas os adolescentes, mas também seus familiares) que chega ao serviço é marginalizado e possui inúmeros direitos violados. É absolutamente necessário se ater a todo esse contexto vivenciado pelo adolescente e sua família, respeitando na intervenção os princípios da excepcionalidade e brevidade e concluindo a medida sempre que os objetivos socioeducativos tenham sido alcançados. Porém, é imprescindível dizer que esses objetivos serão alcançados à medida que se considera que toda intervenção é mediada pelos princípios da doutrina da Proteção Integral. Não se separa, não se exclui, compõe. E, nessa perspectiva, a construção do cumprimento da medida junto ao adolescente deverá contemplar os diversos campos de sua vida, considerando como sujeito em desenvolvimento e de direitos. A família e a Rede serão convocadas a compor e se responsabilizar junto ao adolescente na garantia desses direitos. Mas, é necessário se questionar sobre a particularidade de cada família que se apresenta, suas condições de garantir a proteção, o lugar do adolescente nesse espaço familiar, o tempo de se trabalhar com o adolescente e o tempo de se trabalhar com o núcleo familiar. Esses pontos serão mais bem discutidos no capítulo posterior. A Rede também deve ser pensada, mas esse é um tema para outro trabalho. A família no processo socioeducativo No que tange à família no Serviço de Medidas Socioeducativas, uma das competências dos serviços de Prestação de Serviço à Comunidade e de Liberdade Assistida visa “receber o adolescente e 138
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seus pais ou responsável e orientá-los sobre a finalidade da medida e a organização e funcionamento do programa”. (BRASIL, 2006). Já no artigo 49, que trata dos direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa, tem-se, como primeiro direito listado, “ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial”. (BRASIL, 2006: 15). A Lei nº 12.594/2012 do SINASE também prevê a obrigatoriedade da participação da família do adolescente nas medidas socioeducativas, especialmente quando, no artigo 52, dispõe sobre o PIA – Plano Individual de Atendimento, que é “um instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente”. Nesse artigo, consta um parágrafo único que relembra as responsabilidades da família no processo socioeducativo do jovem, já previstas no ECA: O PIA deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, sendo esses passíveis de responsabilização administrativa, nos temos do art. 249 da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), civil e criminal. (BRASIL, 2006: 16). Segundo Volpi “a operacionalização deve prever, obrigatoriamente, o envolvimento familiar e comunitário, mesmo no caso da privação da liberdade (Volpi, 2002: 21)”. E não podemos nos esquecer que, no princípio de número IX, postulado no artigo 35 anteriormente citado, é previsto o “fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.” (BRASIL, 2006: 12). O envolvimento da família no processo de construção do cumprimento da medida não pode ser visto como uma prática para atender procedimentos. É claro que o espaço primordial no cumprimento da MSE é construído com e para o adolescente “(...) partindo do que ele é, do que ele sabe, do que ele se mostra capaz, e, baseando nisso, busca criar espaços estruturados a partir do quais o educando possa ir empreendendo (ele mesmo) a construção do seu ser em termos pessoais e sociais (Costa, 1997: 30). Porém não é uma JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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travessia solitária, sem referências ou pontos de apoio que auxiliem o adolescente nessa construção. No desenho do processo socioeducativo, o adolescente é considerado em todo o processo enquanto sujeito de direitos, cidadão, que possui condições de ter uma posição crítica, refletindo sobre seus atos e ações, “participando nas decisões de seu interesse e no respeito à autonomia no cumprimento das normas legais (Volpi, 2002: p.14).” Mas também é um sujeito em transição, que necessita de orientações, apoio, mediações, “balizes” que venham a ser construídas e reconstruídas de forma positiva, sendo que uma das principais referências é seu núcleo familiar. Toda a constituição do sujeito ocorre em processos sociais e relacionais ao longo de sua vida, a família tem papel primordial nesse processo de desenvolvimento. Nesse sentido, o trabalho desenvolvido deve considerar que possibilidades podem ser criadas quando se envolve esse grupo na intervenção com o adolescente. Durante o acompanhamento socioeducativo do adolescente, a família deve ser envolvida, considerando-se tudo aquilo que é trazido e posto pelos seus membros, observando como estes se organizam e o lugar do adolescente nessa dinâmica. Importante localizar os pontos de conflitos e de potencialidades presentes nessa relação, e pensar o “efeito” disso na posição do adolescente. É necessário ressaltar que nem sempre a família representa uma referência de proteção aos seus membros. Torna-se fundamental entender a sua dinâmica, compreender os seus movimentos e a sua participação no processo do e com o adolescente. A partir de então, cabe ao técnico avaliar as situações e planejar as intervenções com o adolescente, a sua família e a Rede, buscando fortalecer e/ou construir o apoio da família no cumprimento da MSE. Também cabe à equipe técnica, quando necessário, mediar a inserção da família em outros espaços de promoção dos seus laços e fortalecimento da função protetiva de seus membros. Para além das descrições e orientações nas legislações e no SINASE, a família é reconhecida como um espaço de afetividade, proteção, acolhida, convívio, conflitos, sociabilidade, autonomia, exercício da cidadania. Dessa forma, ela participa ativamente e contribui no processo socioeducativo do jovem, indicando orientações e, uma vez que o fortalecimento dos vínculos familiares também é almejado, ela pode vir a participar de intervenções orientadas nesse sentido, sendo atendida com maior frequência e/ou apontando 140
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encaminhamentos a serem realizados, que lhe sejam necessários, por exemplo. A vulnerabilidade social crônica nas medidas: um dilema ético Não é raro chegarem famílias extremamente vulneráveis, com demandas que extrapolam o alcance da atuação do Serviço de Medidas Socioeducativas frente às desigualdades, em suas múltiplas dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais. Cotidianamente, é demandando ao serviço o acompanhamento das famílias dos adolescentes mediante diversas situações que perpassam o núcleo familiar, principalmente as situações decorrentes das violações de direitos. Ao serem identificadas pelos executores, é necessário refletir sobre qual é intervenção mais adequada e a quem lhe compete. Porém, percebe-se impasses em realizar essas discussões na Rede. Pode-se supor que tais dificuldades são oriundas de embaraços em relação a alguns conceitos acerca dos princípios gerais e organizativos da política de Assistência social. Um dos pontos a considerar refere-se ao entendimento sobre a centralidade da família e a matricialidade sociofamiliar1, previstas para todos os serviços que compõem essa Política. Verifica-se que muitas vezes os princípios, citados anteriormente, são postos como finalidades nos diferentes serviços desconsiderando as especificidades de cada um deles dentro do SUAS. Considera-se que cada serviço socioassistencial deve incorporar os princípios e as diretrizes da normativa nas suas ações, estabelecendo as suas competências, de modo que o atendimento e acompanhamento tenham finalidades e objetivos distintos, alcançando assim, os resultados esperados. Atualmente, em Belo Horizonte, as equipes técnicas são orientadas a acolher as demandas trazidas pelos adolescentes e seus familiares. Muitas vezes são situações que apontam para extrema vulnerabilidade social, necessitando de outras intervenções em Nas Diretrizes apontadas na Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 2004, que devem reger os serviços socioassistenciais, encontramos como diretriz número IV a “Centralidade na família para concepção e implementação dos benefícios, serviços, programas e projetos” (PNAS, 2004 p. 27). Nos objetivos da mesma Política, encontramos como o terceiro: “Assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na família, e que garantam a convivência familiar e comunitária;” (PNAS, 2004, p. 27). E, por fim, temos, também, colocado como o primeiro eixo estruturante dos serviços e da rede socioassistencial, a “Matricialidade Sócio-Familiar” (PNAS, 2004, p. 33), que se refere à centralidade da família como núcleo social fundamental para a efetividade de todas as ações e serviços da política de assistência social.
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serviço socioassistencial e ou da rede de atendimento pública. Cabe ao técnico, no acompanhamento ao adolescente, e à própria família, delimitar quais questões serão trabalhadas na MSE e quais serão referenciadas nos demais serviços da proteção social, também com vistas à garantia de direitos. Nesses casos, assinala a incompletude institucional dos diversos serviços e, dessa forma a interlocução permanente, estabelecendo fluxos de encaminhamentos, informação, referência e contrarreferência a outros serviços socioassistenciais – principalmente aqueles especializados no acompanhamento a famílias –, é fundamental. Os programas socioeducativos deverão utilizar-se do princípio da incompletude institucional, caracterizado pela utilização do máximo possível de serviços (saúde, educação, defesa jurídica, trabalho, profissionalização, dentre outros), na comunidade, responsabilizando as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes. (Volpi, 2002:21). Ressaltar esse compromisso ético das no Serviço de Medidas Socioeducativas é particularmente importante para não corrermos o risco de criminalizar a pobreza, as injustiças e as vulnerabilidades sociais mais do que elas já são criminalizadas. Essa discussão proporciona a reflexão, tão importante e necessária, sobre o fazer na execução das medidas, atentando aos limites e possibilidades desse serviço no SUAS, dialogando sobre como operacionalizar o princípio da centralidade e a matricialidade da família no fazer da socioeducação. Revisitando as legislações que orientam a execução do serviço, fica claro que deve ser considerada a centralidade da família, porem não é um serviço cuja especificidade seja o acompanhamento a famílias. A própria Tipificação Nacional dos Serviços Socioassitencias define: O serviço tem por finalidade prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto, determinadas judicialmente. Deve contribuir para o acesso a direitos e para a resignificação de valores 142
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na vida pessoal e social dos adolescentes e jovens. Para a oferta do serviço faz-se necessário a observância da responsabilização face ao ato infracional praticado, cujos direitos e obrigações devem ser assegurados de acordo com as legislações e normativas específicas para o cumprimento da medida. (BRASIL, 2009: 34). O Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e PSC se configuram como os únicos serviços dessa política de Assistência que possuem, além do caráter de proteção e reinserção social, um viés sancionatório. As medidas socioeducativas são aplicadas a um adolescente quando comete um ato infracional e todos os procedimentos devem incidir na sua responsabilização como eixo central da intervenção socioeducativa. No cumprimento da medida, caso o usuário negue o acompanhamento, ou seja, descumpra a medida socioeducativa, pode, por decisão judicial, sofrer a aplicação de sanção com a privação de liberdade e responder judicialmente por sua recusa. Trabalhase com medidas judiciais e, dessa forma, é importante se ater aos princípios da excepcionalidade e da brevidade na intervenção, buscando alcançar a responsabilização do adolescente. Tomar o processo socioeducativo do adolescente, judicialmente imposto, como algo indiferenciado do tratamento a ser dado às demandas assistenciais e às vulnerabilidades que sua família possa apresentar, significa judicializar tais vulnerabilidades, gerando um impasse importante a ser problematizado. A abordagem e os procedimentos metodológicos do serviço de MSE imprimem características no desenho das suas ações que garantem a construção do caso a caso. Isso significa que o acompanhamento é um processo a ser construído com o adolescente e a sua família, a partir da identificação de potencialidades, riscos e vulnerabilidades apontadas por eles. Pode-se ainda ofertar diferentes possibilidades de intervenção, encaminhamentos para outros serviços da rede e até mesmo a concessão de benefícios socioassistenciais, necessários à superação da demanda apresentada. Tais estratégias visam potencializar os recursos e a capacidade de proteção da família. Porém, quando a vulnerabilidade familiar é crônica, exige um tipo de cuidado e manejo que não coincide com o processo JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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socioeducativo do adolescente. O tempo de conclusão do processo socioeducativo nem sempre coincide com o tempo necessário de acompanhamento à família frente as suas demandas e complexidades das suas relações. Portanto, o adolescente não pode responder judicialmente pelas vulnerabilidades que seu contexto sociofamiliar apresenta, cabe a ele responder e se responsabilizar pela autoria da prática infracional. É direito da família e do adolescente que essas demandas sejam tratadas por um serviço da proteção social, e não em uma medida judicial, em que o que está em jogo é um processo infracional em nome do adolescente.
Considerações Finais O Circuito “Família” teve como função provocar discussão e tecer elementos que possam contribuir para o direcionamento do trabalho realizado com famílias nas MSE´s em meio aberto. Fortalecer a concepção desse trabalho e aprimorar a prática para os executores também eram objetivos almejados pelo grupo de discussão. A ampliação do debate, por meio de conversas e perguntas em torno do tema, propiciou aos participantes obterem mais clareza da prática e do foco de intervenção, não apenas com as famílias dos adolescentes, mas também com o conjunto da rede de atendimento a esse público na cidade. Os tensionamentos presentes nos fluxos de trabalho e em conceitos disseminados no cotidiano da prática foram apontados e discutidos, e saídas para os impasses que tais tensionamentos suscitam também puderam ser rascunhadas. Ao longo do percurso construído, ficou claro que a forma com que a família estará presente no acompanhamento – presença prevista para todas as suas etapas – deve ser construída junto ao adolescente. Cabe a ele apontar quais são suas referências positivas, seus pontos de embaraço e sofrimento, suas fragilidades e potencialidades, assim como determinar seu espaço e seu tempo de elaboração. O técnico, mediador dessa construção, deve estar atento a esses detalhes, considerando-os no planejamento de seu trabalho. É igualmente importante não perder de vista que existe uma responsabilidade da família nesse processo. O convívio familiar e comunitário é direito de todos os adolescentes, inclusive daqueles a quem se atribui prática de ato infracional. 144
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Conforme nos esclarece o autor Antônio Carlos Gomes da Costa, Existir para o adolescente não é um problema metafísico, é dispor de alguns bens (materiais e não materiais) essenciais. O primeiro deles é ter valor para alguém, ser acompanhado e aceito, estimado num universo que lhe é particular, onde possa desenvolver as capacidades ainda não (ou insuficientemente) manifestas de sua pessoa (Costa, 1997, p: 40). Considera-se que a família é um dos bens mais essenciais dos quais os adolescentes dispõem na construção de sua existência. Assim, torna-se ainda mais importante ao Serviço de Medidas de LA e PSC trabalhar junto ao grupo familiar, orientado pelas necessidades e particularidades que o adolescente e seus familiares apresentam. Este trabalho consistiu em um ensaio reflexivo sobre o fazer com as família no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Foram discutidos os eixos e a estrutura do serviço, suas ações e formas de implementação bem como sobre as metodologias existentes. Toda essa discussão esteve alinhada a conceitos, concepções e diretrizes definidas nas normativas vigentes sobre o tema em questão. Reconhece-se que ainda há poucas publicações e teorizações sobre o assunto, existindo, portanto, um terreno fértil e propício à construção de reflexões e produção. Espera-se que essa exposição favoreça à continuidade desse debate e estimule novas construções.
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CIRCUITO DE TOXICOMANIA E SAÚDE MENTAL
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Uso de drogas: uma abordagem possível NO SERVIÇO DE Medidas Socioeducativas EM BELO HORIZONTE Amilton Alexandre Flaviane Bevilaqua Maira Freitas Marlúcia Oliveira
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A proposta deste Circuito surge a partir de alguns impasses vivenciados na prática do atendimento aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade. Os encontros foram permeados por várias discussões, tanto políticas quanto clínicas, em torno da criminalização do uso de droga, da aplicação de medida protetiva para tratamento toxicômano, conforme estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, e principalmente em relação a quais respostas possíveis a intervenção socioeducativa pode encontrar para os casos de uso abusivo de drogas. O consumo de drogas sempre esteve presente na sociedade e ocupa, ao longo da história, lugares privilegiados como elemento fundamental nos rituais religiosos, presença constante em momentos de comemoração e envolvido em diferentes simbolismos (Gigliottia & Bessa, 2004). Dessa forma, esse consumo não pode ser analisado isoladamente, mas, sim, deve ser visto no conjunto da vida social, uma vez que as consequências desse uso dependem de fatores psicológicos, contextuais, culturais e das propriedades das substâncias entorpecentes (Andrade & Espinheira, 2008). Em se tratando de adolescência, verifica-se que esta constitui um momento peculiar na vida do sujeito, momento de transformação da imagem, do corpo, uma vez que não se é criança, mas também ainda não é adulto, vive-se numa travessia. Nesse momento, o sujeito vive o desligamento da autoridade dos pais, e uma aproximação e identificação com o seu grupo de pares (Marques & Cruz, 2000). O encontro do adolescente com a droga é um fenômeno muito mais frequente do que se pensa e, por sua complexidade, difícil de ser abordado. Esse período de transformações, de não saber fazer diante do encontro com o outro sexo, junta-se a exigências de responder a normas e padrões da sociedade que o coloca num lugar de desconforto e angústia. Se, para o adolescente, há uma instabilidade causada pela sua condição de adolescer, para o técnico do Serviço das Medidas Socioeducativas, a necessidade é reconhecer e considerar essa condição desse jovem. Durante o acompanhamento no Serviço de Medidas Socioeducativas, alguns adolescentes são apreendidos e recebem medida protetiva numa perspectiva de garantia dos direitos quando estes já foram ameçados ou violados. Recebem, além da medida socioeducativa, as Medidas Protetivas V prevista no ECA, que se refere JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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à requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; e a Medida Protetiva VI, que impõe a inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento de alcoólatras e toxicômanos. A aplicação dessas medidas protetivas se dá, na maioria dos casos, em resposta ao relato do adolescente e/ou de seu familiar sobre o seu envolvimento com as drogas ou quando o adolescente é apreendido com quantidade de drogas que atribui ao ato infracional somente como uso. São relatos breves em um espaço em que não há a possibilidade de uma avaliação técnica sobre seu envolvimento, tendo frequentemente encaminhamentos precipitados ou equivocados. É notável que o Serviço de Medidas Socioeducativas tem recebido, frequentemente, adolescentes que relatam uso de drogas. Muitas vezes os familiares que nos endereçam dificuldades em lidar com esses adolescentes e o uso, demarcando que esse uso segrega-o da convivência familiar e impossibilita-o de construir novos projetos para sua vida. As instituições públicas também nos trazem os embaraços vivenciados com adolescentes usuários de drogas. A infrequência dos adolescentes nas instituições, as poucas participações em atividades, apatias ou agitações são justificativas atribuídas como consequência a esse uso, sem de fato considerar o sujeito adolescente e as condições que o faz usar a droga. Os adolescentes nos apresentam os excessos no uso da droga e as consequências nefastas vivenciadas no corpo e nos laços sociais. Relatam o uso da droga e a dimensão que esta prática ocupa na vida, com todos os seus desdobramentos e efeitos. Há ainda aqueles que não conseguem sequer elaborar de forma reflexiva esse mal-estar que vivem no corpo. Faria lembra que o usuário de drogas “é aquele que chega ao serviço tentando fazer acreditar que há um problema entre ele e a droga” (FARIA, 2006, p.35). Nesses casos, os sujeitos já localizam o seu uso de drogas e se nomeiam como usuários, mas que chegam nos serviços sem demandas e sem transferência. No caso dos adolescentes autores de atos infracionais, é comum essas nomeações vir dos outros: judiciário, família, escolas e outras instituições, mas muitas vezes, não se trata de uma questão para o jovem. Com isso, surgem algumas questões inerentes ao acompanhamento no Serviço de Medidas Socioeducativas: qual 150
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tratamento possível nas medidas socioeducativas? O que cabe a cada técnico deste Serviço das Medidas Socioeducativas em Meio Aberto no acompanhamento destes adolescentes? Seria o uso de drogas uma demanda endereçada a este serviço? No início do cumprimento das medidas socioeducativas, o jovem se depara com a proposta de construção de seu Plano Individual de Atendimento – PIA. O PIA consiste, segundo a própria lei, 12.594/2012, em instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente. É citado em outra parte da lei que esse projeto será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento, com a participação efetiva do adolescente e de sua família, representada por seus pais ou responsável. Esse processo se aproxima bastante de uma concepção que a saúde propõe para cada usuário do sistema, sobretudo no que diz respeito à saúde mental e ao usuário de drogas: o projeto terapêutico. Cirino cita que: “Este projeto, sempre individual, é definido como conjunto de ações propostas ao usuário, com o objetivo de incentivar o aumento de sua autonomia, organizar o aumento de sua permanência/frequência na instituição e propiciar melhoria na sua qualidade de vida. Ela deve se fundamentar nas queixas, nas escolhas, nas necessidades e nas aspirações dos usuários, bem como nos recursos dos CAPSad para sua realização” (CIRINO & MEDEIROS, 2006, p. 43). O primeiro ponto orientador da nossa prática é o princípio ético não segregativo. Como nos adverte Beneti: “Necessário hoje não recuar diante desse real contemporâneo, que é o consumo de droga” (BENETI, 2014, p.28). Não recuar é suportar o encontro com o real, dando lugar à palavra, para que cada adolescente possa dizer da sua vida, da história, e de seu encontro com a droga. Ao escutar esse adolescente, é importante manter-nos afastados de julgamentos e da visão estigmatizante que a sociedade imprime ao usuário de drogas. Usuários de drogas são mais estigmatizados pela sociedade que outros agravos de saúde. Com essa marca imposta pela sociedade, são considerados, únicos responsáveis pela sua condição, colocando mais dificuldades na abordagem e tratamento de seu uso/abuso de droga. (Corrigan et al. 2005; Schomerus et al. 2011). JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Nesse sentido, a condição de estigmatização se torna muito mais danosa ao sujeito do que o próprio uso em si. Pertencer a um grupo socialmente desvalorizado, pode produzir uma identificação com tais estigmas e reforçar uma segregação, sem que elas ocorram efetivamente. Diante desse desvalor social sobre o adolescente usuário de drogas, deparamo-nos com adolescentes silenciados, mortificados, e sem alcance das políticas públicas. A orientação ética na condução desses casos visa querer saber qual o lugar, a função desse objeto na vida de cada adolescente. A pergunta se endereça ao sujeito, e não ao objeto droga. “Vamos escutar esse tipo de sujeito, vamos dar a palavra a esse tipo de sujeito, desejando saber por que ele consome esta substância droga.” (BENETI, 2014, p.28). Ao dar a palavra, se instaura o lugar da acolhida. Um lugar que o sujeito pode se colocar, a despeito de qualquer preconceito ou julgamento, de qualquer saber a priori. “O que se oferece na entrada, mais do que um diagnóstico e um saber fazer, é a hospitalidade, a oferta de um lugar para o sujeito depositar o sofrimento que porta em si, para desembaraçar-se disso.” (Barros, 2010, p.58). Em relação ao acolhimento desses adolescentes nessa condição, nos reportamos também à reflexão da professora Gontijo (2006), quando esta faz referência à necessidade da hospitalidade para o ato de acolher. Uma hospitalidade que nos remete a acolher o “estrangeiro”, aquele que não sabemos como chegará. Portanto, esse acolhimento é anterior à demanda, ou seja, não deve haver nenhuma condição prévia ao acolhimento. Nesse espaço de acolhimento, o técnico se posiciona para a construção de um vínculo com o adolescente. Estabelecer vínculo exige um movimento de abertura, sensibilidade e compromisso do profissional para conhecer esse adolescente, suportando a própria dinâmica da adolescência. Por meio do vínculo estabelecido com o adolescente, será possível provocar reflexões importantes sobre o uso da droga, e com isso, possibilitar a construção de novas soluções, respeitando as escolhas do próprio sujeito. Ressaltamos que o sujeito não deve ser olhado apenas a partir do seu consumo de drogas e, sim, em sua 152
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totalidade, considerando seus desejos, dificuldades e potencialidades. Os novos modos do adolescente se enlaçar com a cidade aponta para saídas diante dos prejuízos ocasionados pelo uso de drogas.
Acolhimento, Orientação e Encaminhamento As discussões desse circuito caminharam para a compreensão que o tratamento possível de ser ofertado ao adolescente usuário de drogas no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Abertoa ponta para esta tríade: Acolhimento, Orientação e Encaminhamento. O acolhimento qualificado e cuidadoso conforme discorrido anteriormente é o ponto crucial na vinculação do jovem ao serviço e é o ponto de partida para a construção de uma demanda, seja na perspectiva do tratamento do uso de drogas ou de outras escolhas que o próprio adolescente visualiza como alternativa para sua vida, como o trabalho, o retorno à escola, um namoro. Escolhas que demonstram que o uso de droga não mais ocupa o lugar central. Frente aos adolescentes que expressam demanda por tratamento, o Serviço das Medidas Socioeducativas pode contribuir como ponto de interlocução entre o adolescente e o serviço de saúde mais adequado. As discussões desse circuito refletiram as ações da Assistência Social em articulação com todas as outras políticas/instituições que também possam estar envolvidas nessa temática: Saúde, Educação, Judiciário, Esporte, Cultura, entre outros. Por se tratar de uma temática complexa, faz-se necessário que todas as ações e intervenções se deem de forma articulada e complementar, entretanto sem desconsiderar as especificidades e o alcance de cada política no tratamento do usuário. Trabalhar a perspectiva da incompletude institucional, já lembrada no ECA, contribui para percebermos que tanto “diagnósticos” quanto decisões devem ser trabalhadas de forma responsável e zelosa com adolescente usuário de drogas. Conforme refletido no Curso SUPERA1, desenvolvido pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 1 SUPERA: Sistema para detecção do Uso abusivo e dependência de substâncias Psicoativas: Encaminhamento, intervenção breve, Reinserção social e Acompanhamento/ coordenação [da] O Sistema Único de Assistência Social e as Redes Comunitárias: módulo 7. - 5.ed – Brasília: Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas, 2014. 148 p
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Ao desenvolver o Plano Individual de Atendimento (PIA) de cada adolescente, a equipe do serviço deverá estar atenta ao seu contexto de vida, considerando suas relações familiares, comunitárias e sociais. Nas situações em que a equipe do serviço perceber o uso ou dependência de crack e outras drogas, deverão considerar essa situação para o desenvolvimento do acompanhamento, esclarecendo o adolescente e seus familiares sobre as possibilidades de tratamento e a sua importância. Nessas situações, o acompanhamento no serviço deverá utilizarse de estratégias para motivar e apoiar o adolescente e sua família na busca por cuidados de saúde. (SUPERA, 2014, p.50). Assim, o acompanhamento no Serviço de Medidas Socioeducativa em Meio Aberto tem uma função importante de acolher o adolescente e suas demandas, orientar sobre as possibilidades de tratamento, bem como construir um encaminhamento. O técnico pode se constituir como ponte: entre aquele que demanda e o lugar possível de tratamento. A orientação acerca das possibilidades ofertadas na rede depende do mapeamento prévio das instituições e tratamentos existentes, respeitando sempre a posição do sujeito frente a essa oferta. E, por último, o encaminhamento deve se dar a partir da interlocução entre os diferentes atores presentes, demandando, inclusive, reuniões para estudo de caso, onde podemos socializar as impressões obtidas pelo serviço, e a partir daí construir, conjuntamente, estratégias de intervenções possíveis para o caso. Várias intervenções podem ser trabalhadas com o adolescente que traz essa questão para os atendimentos e demanda tratamento. Cabe ao técnico deste serviço, além de realizar o manejo nos atendimentos, mapear a rede de atendimento em saúde ofertada no território para realizar os encaminhamentos qualificados, bem como considerar as instituições pertinentes a cada caso. A construção de um encaminhamento preciso deve considerar vários aspectos para além de uma concepção reducionista da saúde/ doença. Dessa forma, em consonância com a Politica de Atenção ao Usuário de Álcool e Outras Drogas (BRASIL, 2004), o olhar que se deve 154
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ter para cada caso não deve perpassar somente pela abordagem médico-hospitalar. Deparamo-nos muitas vezes com famílias e algumas instituições que demandam “tratamento” numa lógica de exclusão e separação do usuário do convívio social. O que se é esperado, na abordagem e tratamento de saúde dos adolescentes, é reconhecer diversas práticas como processos positivos frente ao uso de drogas “... temos que, necessariamente, lidar com as singularidades, com as diferentes possibilidades e escolhas que são feitas. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência, devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento.” (BRASIL, 2004). A saúde pública ainda enfrenta várias questões em relação à atenção ao usuário de álcool e outras drogras. Entretanto, ressaltamos que o encaminhamento do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa para acolhimento/tratamento nessa rede de saúde do município se faz necessário e importante. O trabalho do Serviço de Medidas Socioeducativas com os adolescentes que fazem uso abusivo de drogas percorre o caminho do acolhimento, orientação e encaminhamento, considerando sempre as construções feitas pelo sujeito. Essa abordagem se insere como parte de uma rede de proteção social ao usuário e sua família, integrando a tantas outras ações e políticas, necessárias a cada situação.
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Os efeitos do discurso capitalista na subjetividade contemporânea e na nossa prática no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas Laura F. Campos de Pinho
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A toxicomania se apresenta como um fenômeno recorrente na contemporaneidade, ainda que possamos afirmar que seja oriundo da modernidade. Dessa época podemos recortar um panorama não muito diverso do nosso atual: a ciência e o capitalismo adquirindo espaço e poder nos mais diversos campos do saber e do social. Não podemos confundir, entretanto, o fenômeno toxicomaníaco contemporâneo com a história das drogas. Na antiguidade era muito comum o uso de drogas associado a práticas e rituais culturais e religiosos. Nessa época o homem fazia uso da droga e ficava sob o efeito dela para cultuar seus deuses, rituais geralmente experimentados por um grupo de pessoas com ideais comuns. Caracterizava-se por um uso restrito e controlado, diferentemente do que testemunhamos hoje, em que, segundo Eric Laurent (1994), há um efeito exagerado, um consumo generalizado jamais presenciado na história; e a proliferação de um saber testemunhado pelas tecnologias, à medida que se identifica absolutamente com as leis do mercado. É uma sociedade caracterizada pela falência dos ideais que, como afirma categoricamente Cristina Sandra Pinelli Nogueira, “perdem terreno para os objetos de consumo, instalando uma crise de identidade cultural e econômica.” (NOGUEIRA, 1996, p.124). O sujeito fica diminuído em um espaço onde não é permitido desejar, pois a oferta surge antes mesmo da demanda. Não há lugar para a subjetividade de cada um, e a sociedade capitalista determina que se consuma cada vez mais, sobrepondo-se a ação sobre o dizer. Nesse contexto, o sujeito não se permite e nem mesmo admite a falta, pois pode até ser condenado por isso. A incidência do fenômeno da toxicomania é o que podemos caracterizar como efeito do discurso capitalista (LACAN, 1992). O discurso é um modo de estabelecer laços com o outro, uma atitude frente ao outro, pois sempre que se está em uma relação com outra pessoa, se está inserido em um discurso. O discurso como laço social é um modo de aparelhar o gozo com a linguagem na medida em que o processo civilizatório, para permitir o estabelecimento das relações entre as pessoas, implica a renúncia da tendência pulsional em tratar o outro como um objeto a ser consumido: sexualmente e fatalmente. (QUINET, 2006: p. 17). 158
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Na Idade Moderna, Descartes, no campo filosófico, inaugura o pensamento moderno. Com o cogito cartesiano, instaura-se a alteridade do mundo, e o sujeito se assegura de o que está representado na consciência. Trata-se de uma certeza básica na qual se está seguro de poder representar “o todo” e dominar todo o representado. O mundo se torna objeto e, ao mesmo tempo, se agrega um conceito novo que surge fundamentalmente com Descartes, o conceito de sujeito pensante. Segundo Lacan, trata-se “da ideia imaginaria do todo, tal como o corpo a proporciona, como algo que se sustenta na boa forma de satisfação, no que, no limite, constitui una esfera […]” (LACAN, 1969-70, p. 31, nossa tradução). Nesse sentido, o discurso capitalista também introduz a ideia de que há uma complementaridade entre sujeito e objeto. Em todo lugar, há um bombardeio de serviços e objetos de consumo que prometem uma vida plenamente feliz. Os gadgets1, como as drogas, por exemplo, são oferecidos como suplência à divisão inerente ao sujeito. Relacionar-se com objetos possibilita que o sujeito se satisfaça com uma suposta plenitude. O objeto na psicanálise, em contrapartida, não é um complemento do sujeito, o objeto provoca a divisão. O objeto da ciência se diferencia do objeto da psicanálise, o qual é qualquer coisa, menos objetivo, pois está vinculado ao sujeito do inconsciente. A psicanálise estabelece um objeto diferente, o objeto a, que causa a divisão do sujeito. O par sujeito-objeto do conhecimento fica profundamente subvertido pela psicanálise. A certeza de saber, o que a ciência busca, não é o mesmo que aquele saber que concerne a cada um de nós como sujeito. Lacan assinala que, na experiência psicanalítica, há uma relação muito particular de um sujeito com o saber que tem acerca de si mesmo; o qualifica como sintoma. O sujeito se fixa a certa experiência à qual não está sozinho, senão que orientado por um saber que se manifesta no sintoma. Entretanto, sabemos que a subjetividade é histórica e as configurações clínicas se modificam com o tempo, perante outras constelações de saber. Hoje há novas relações do sujeito com o saber, o que produz novas formas de subjetivação. São bugingangas, segundo Lacan, “pequenos objetos a que vão encontrar ao sair, no pavimento de todas as esquinas, atrás de todas as vitrines, na proliferação destes objetos feitos para causar o desejo de vocês.” Lacan, Jacques. O Seminário XVII: no avesso da psicanálise - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992, pg - 172
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O contexto atual traça o plano ideal para a emergência de uma série de sintomas que se diferencia radicalmente dos sintomas clássicos da época de Freud. Os novos sintomas, chamados também de sintomas contemporâneos, ou patologias do ato, não são sintomas no sentido freudiano, não são formações do inconsciente. Nesse leque de novos sintomas, a toxicomania, ou o abuso de drogas, se apresenta de modo frequente na nossa prática. Os sintomas que se apresentam hoje possuem certas particularidades que colocam limites à nossa prática. Entretanto, assim como aconteceu com a psicose – que em outra época era colocada nos limites abordados pelo discurso psicanalítico – não se deve retroceder diante dos novos sintomas; “… melhor, pois, que renuncie quem não possa unir a seu horizonte a subjetividade de sua época.” (LACAN, 1971, nossa tradução). Com essa perspectiva, não podemos ter como objetivo imediato um tratamento psicanalítico. Desse modo, ainda que não seja o discurso analítico o qual opera na nossa lida diária com os casos de uso e abuso de drogas, é importante apostar que há lugar para o desejo na nossa prática. Mesmo sem haver demanda, é imprescindível que sempre haja acolhida, aceitando o próprio ato como demanda; e, do nosso lado, um ato de oferta de amor, um convite ao dizer. Com o objetivo de ilustrar como se apresentam os casos de uso e abuso de drogas na contemporaneidade, trazemos o caso de um jovem que foi acolhido no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas no dia 04 de outubro de 2013. Carlos compareceu desacompanhado aos primeiros atendimentos. À primeira vista, não me pareceu ser um jovem recém-saído da adolescência. A vestimenta simples, tal como sua feição e postura, era expressão de alguém que havia vivido mais do que aqueles 19 anos. Natural de Belo Horizonte, Carlos estava certo de que havia nascido em Betim, talvez porque morou em mais lugares do que gostaria. Os pais de Carlos nunca viveram juntos, mas lhe deram muitos irmãos, mais especificamente vinte, alguns dos quais pouco se têm notícia, outros que estão muito ocupados em descumprir a lei, mas há aquele que o “entende bem”. Sua mãe vive hoje em uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte com seu atual companheiro e tem mais três filhos. Com eles, Carlos viveu até os 13 160
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anos, mas, ao ver o padrasto bater em seu irmão Luiz, o enfrentou. Não se dava muito bem com ele, que batia nos seus irmãos e em sua mãe. Devido a isso, saiu de casa para morar com o pai. Seu pai tem mais dezessete filhos, de diferentes relacionamentos. Carlos não tem boa convivência com o pai, que tem envolvimento com o tráfico, assim como vários de seus filhos. Após um desentendimento com o pai, este queimou seus documentos e roupas, o que o motivou a sair de casa e viver na rua. É com muita revolta que fala sobre o pai, que causou muito sofrimento a ele e sua mãe. Esse pai que insiste em lhe dar uma “boca de fumo” para ele ganhar muito dinheiro. “Essa herança eu não quero”, diz Carlos. Durante o tempo em que viveu com o pai, começou a fazer uso de drogas e também a vendê-las. Seu pai era chefe do tráfico e dono de algumas bocas de fumo numa região de Belo Horizonte. Costumava pedir ao filho que ficasse com ele e cuidasse de uma das bocas, pois dessa forma ele iria ganhar muito dinheiro. Contudo, Carlos resistiu a esse pedido, e brigava com o pai, chegando algumas vezes às vias de fato. Certa vez, chegou ao atendimento machucado, com o olho roxo, dizendo que havia brigado com o pai, devido a sua insistência em tê-lo como seu sucessor no tráfico de drogas. Ao ser convidado a dizer o que lhe trazia ao Serviço de Medidas Socioeducativas, começou contando sobre a briga com o pai, que havia queimado todos os seus documentos, e tempo depois, quando foi à delegacia fazer um boletim de ocorrência, constava um Mandado de Busca e Apreensão em seu nome. Na ocasião, não apresentou nenhuma resistência e se dirigiu, junto aos policiais, ao CIA-BH Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional, para uma Audiência de Justificação2. O Promotor de Justiça requereu a conversão da MSE de Liberdade Assistida aplicada em outubro de 2012 para a de Prestação de Serviços à Comunidade, proposição que foi acolhida pelo juiz. De acordo com a CAI (Certidão de Antecedentes Infracionais) do jovem, sua trajetória infracional é curta, resumindo-se a furtos da época em que vivia na rua, e uma passagem pelo tráfico, no qual “soube entrar e sair”. Cometeu um roubo no ano passado, mas não iniciou o cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida, pois perdeu o encaminhamento. Nessa ocasião, estando Trata-se de uma audiência em que o adolescente é intimado a comparecer para justificar o descumprimento da medida socioeducativa à ele determinada judicialmente.
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em situação de rua há aproximadamente dois anos, recebeu também a medida protetiva referente ao Art. 101, inciso VII do ECA, e foi encaminhado a uma Casa de Passagem3, onde ficou pouco tempo até completar 18 anos. Sobre sua passagem pelo abrigo, a diretora afirma que constava no prontuário a informação de que o jovem era sozinho, não tinha pai, mãe ou irmãos. Lembro-me de haver pensado se aquela história contada não era apenas uma estória, um conto, fragmentos de memória encobertos de tragédia e fantasia. Após sair do abrigo, voltou a ficar em situação de rua. Permanecia nos arredores de uma praça da cidade, e "dormia de dia porque tinha medo de dormir à noite, por medo de acontecer algo". Durante esse período, o uso de drogas aumentou, era uma maneira encontrada por ele de suportar viver nas ruas. Foi então que conheceu um rapaz, chamado Renato, que o levou para morar com ele por dois meses. Por meio desse rapaz, conheceu também Renata, e foi convidado por ela a trabalhar na marcenaria que ela mantém em sua residência, passando também a morar com ela. Sobre seu relato, poucos eram os elementos para confirmá-lo. Talvez fosse o suficiente para conduzir o acompanhamento até onde aquele sujeito o quisesse ou pudesse levar, mas sabia que precisava colher mais dados a respeito daquele jovem e fui movida por um desejo de saber mais sobre aquele que se apresentava como Carlos. Muitos foram os contatos realizados para ir tecendo, junto a ele, a trajetória de sua vida. A partir de demanda do próprio jovem, o Serviço de MSE entrou em contato com o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) da cidade de sua mãe com o objetivo de localizá-la. A equipe se disponibilizou a visitar essa família e nos informar sobre o endereço. Entretanto, o jovem resolveu se antecipar e viajar sozinho para lá. Lembro-me de que naquele dia chegamos a entrar na internet para ver o mapa de sua cidade, onde ele conseguiu localizar sua escola e uma ou duas ruas conhecidas, onde talvez um tio pudesse continuar vivendo até hoje. Dizia lembrar-se também que a mãe costumava trabalhar como doméstica na casa de uma família que sabia onde era. Confesso que não sabia se aquele seria de fato seu destino, ou se Trata-se de um acolhimento institucional, no qual crianças e adolescentes são acolhidos provisoriamente a partir de um encaminhamento realizado pelo juizado da criança e juventude, aguardando um possível retorno à convivência familiar e comunitária.
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voltaria a procurar o serviço, mas, em uma espécie de aposta acertada, forneci-lhe alguns vales sociais, o suficiente para a passagem de ida, pois astuto como era, ele me garantiu que conseguiria a de volta. Foi então que poucos dias depois um senhor ligou informando que Carlos havia ido à sua casa à procura da Sra. Jucélia, sua empregada, e que ele havia passado esse número e pedido para ele entrar em contato comigo, avisando que havia encontrado sua mãe. Esse senhor era um Promotor de Justiça aposentado que conhecia Carlos desde a infância, e agora queria saber se ele havia ido àquela cidade fugindo da polícia, informação que insisto em retificar e esclareço sua situação atual. Foi assim que consegui entrar em contato com a mãe de Carlos e ter a notícia de que ele havia começado a trabalhar informalmente na construção civil. Após contato com a Sra. Jucélia, no dia 04 de novembro, o jovem e sua mãe compareceramao CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social da Regional Leste de Belo Horizonte). Nessa ocasião, Carlos apresentou-se com a mesma feição do jovem amadurecido que me pareceu na primeira vez que o encontrei. Mas agora estava cuidado, com um sorriso no rosto que lhe era comum, e com a mesma disponibilidade de sempre. Sua mãe conta que ele chegou à cidade dizendo que havia estado preso e por isso estava sumido e apresentava-se descuidado. Ela se dirige a ele dentro da sala de atendimento e lhe pergunta por que não havia dito a verdade. Ele não soube responder, mas disse que foi para as ruas porque “queria ter minha independência”, “conquistar minhas coisas sozinho” e escrever sua história com as próprias mãos. Naquele momento pensei, e sigo acreditando, que aquela não deixava de ser a verdade do que havia passado. Talvez sentisse que estava mesmo preso, aprisionado na rua, circunscrito no espaço ínfimo entre passado e presente, ou mesmo na “terceira margem do rio”4, suspenso naquele tempo roubado de sua adolescência, o que lhe conferia agora aquele rosto amadurecido. Naquela ocasião, pude dar algumas orientações com relação aos documentos de Carlos, que precisavam ser providenciados. Àquela altura, ele já tinha a Certidão de Nascimento encontrada por nós, eu e ele, em um cartório há dois quarteirões do CREAS Leste, muito mais perto do que jamais pudéssemos imaginar. Pouco 4
Título de um conto da obra “Primeiras estórias” (1962) de Guimarães Rosa. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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tempo depois, eles voltaram para aquele que seria seu último atendimento, e Carlos trouxe todos os seus documentos, além de um pequeno papel referente a um exame médico realizado havia poucos dias, autorizando o jovem a dar início às suas atividades em uma construtora de sua cidade. Resta-nos pensar como a sua passagem pela Vara da Infância e da Juventude teve marcas importantes na história desse jovem. Da última audiência, lembra que o Juíz lhe questionou por que ele havia decidido interromper a trajetória infracional, pois sua experiência lhe dizia que isso não era fato corriqueiro. Do “Honório”, lembra-se de ter lhe indagado o que um rapaz como ele estaria fazendo ali. Penso que talvez a lei de ferro do pai tenha fracassado para esse sujeito, mas decerto a Lei não deixou de causar efeito para ele, que, com passos falsos e outros acertados, soube escolher o rumo certo nesse momento de sua vida e nas medidas socioeducativas, veio só de passagem. Trazemos esse caso para apresentação pensando na vertente da invenção que esse sujeito pôde realizar para tornar possível um laço com o social. As invenções são fundamentais para esse sujeito diante da herança paterna que lhe é oferecida: a boca de fumo; herança que ele recusa. Quando ele vai para a rua e inventa histórias sobre ele e sua família, parece ser uma tentativa de possibilitar uma realidade mais suportável para esse sujeito. Nesse caso, a droga não se torna fundamental na vida dele que, apesar de ter feito uso abusivo desta durante sua vida nas ruas, não se tornou adicto a ela. E, também, com relação ao tráfico, “soube entrar e sair”. Estamos falando da posição de um sujeito que escolhe, inventa outra vida, ainda que capenga e na marginalidade, invenção que foi acolhida e suportada nos atendimentos.
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CIRCUITO DE JUVENTUDES NEGRAS
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NEGROS E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: O QUE CONTA A HISTÓRIA? Carolina Silveira flecha Marcelle Zibral Paulo Roberto da Silva Vivane Martins Cunha
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INTRODUÇÃO A proposta do Circuito Juventudes Negras é abordar a temática da juventude negra no campo das políticas públicas, principalmente da Assistência Social no Município de Belo Horizonte, mais especificamente, no Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de LA e PSC1. O circuito iniciou suas atividades no final de 2013, após a realização de um seminário intitulado Diálogos sobre a Juventude Negra, no qual foram debatidos aspectos que perpassam a vivência da juventude negra e o racismo institucional2, estando presentes convidados de ONG´s, Movimentos Sociais e Poder Público. Esse seminário foi importante para colocar em pauta as questões relacionadas à realidade da juventude negra, tendo como um de seus desdobramentos a constituição de um grupo permanente para dar continuidade às discussões então iniciadas. Assim, posteriormente, esse grupo integrou a proposta de gestão compartilhada da gerência de MSE e tornou-se um dos seus circuitos. Atualmente o circuito conta com quatro analistas de políticas públicas: Vivane (PSC/Noroeste), Paulo (PSC/Norte), Marcelle (LA/ Norte) e Carolina (técnica de referência da gerência de MSE). É interessante observar que os técnicos que compõem o Circuito e os que já o compuseram3 se autodeclaram negros e/ou possuem perspectiva social compartilhada, ou seja, têm experiências, histórias e compreensões sociais similares decorrentes dos posicionamentos que ocupam nas relações e estruturas sociais ou possuem relações sociais que propiciam experiências e percepções sociais semelhantes (Young, 2006). De acordo com essa autora, perspectiva social é um modo de olhar os processos sociais sem determinar o que se vê (Young, 2000. pág. 163), por isso mesmo é particular e parcial4. Desse modo, nos primeiros encontros, os participantes do Circuito Juventudes Negras compartilharam experiências, percepções O art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) apresenta a seguinte definição: Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquele entre doze a dezoito anos de idade. Parágrafo Único – Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito anos e vinte anos de idade. Para o adolescente, pode ser aplicada MSE. Já para crianças, menores de 12 anos, somente medidas de proteção. 2 O Estado, por meio de seus agentes, atua de forma discricionária com base na cor da pele. 3 É importante ressaltar que outros técnicos integraram o circuito e deixaram as suas contribuições, a saber: Vinicius (LA/Barreiro), Josiane (PSC/Barreiro) e Jair (LA/Nordeste). 4 Para aprofundar entendimento sobre o conceito de perspectiva social da autora segue a sugestão do texto: Representação Política, Identidade e Minorias (2006). 1
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e leituras, para, assim, construir um campo de pensamento e de intervenção coletiva. Além disso, foi realizado um encontro com a gerente da Coordenadoria da Promoção da Igualdade Racial da Prefeitura de Belo Horizonte no intuito de conhecer ações direcionadas à juventude negra no município. Vale destacar que, nesse primeiro diálogo com a Coordenadoria de Promoção de Igualdade Racial, muitas questões foram identificadas propondo-se a elaboração de um projeto em comum posteriormente. As conversações entre os participantes do grupo e com parceiros da rede favoreceram a construção do percurso do Circuito, além de auxiliar na delimitação do foco do trabalho. As políticas públicas voltadas para adolescentes em Belo Horizonte aumentaram na última década, entretanto, ainda são insuficientes. No que condiz às políticas que visam combater o racismo e o genocídio da juventude negra, o cenário apresentado é ainda mais árido. O impacto dessa ineficiência pode ser constatado nos dados apresentados pelo Mapa da Violência: Homicídios e Juventude no Brasil (2013). Nessa pesquisa verifica-se uma queda significativa da taxa de homicídio na Região Sudeste, exceto em Belo Horizonte. Nesse Município, o número de homicídios cresceu 21,5%, ultrapassando 100 mil homicídios por 100 mil jovens5. Observa-se que a taxa de vitimização do jovem branco é menor do que um jovem negro, sendo aproximadamente um para cada três. Em relação à abordagem dessa temática no âmbito socioeducativo, houve um avanço com a instituição do Sistema Nacional do Sistema Socioeducativo (SINASE), em 2012, sendo que na Lei 12.594/2012 é proposta a integração entre adolescentes e seus familiares, abordando temas referentes às relações étnico-raciais. Esse reconhecimento é importante, contudo, o Serviço ainda deve fomentar ações junto à equipe técnica, de modo que as relações étnico-raciais sejam, de fato, um tema presente na prática das medidas socioeducativas. A proposta do Circuito é propiciar esse debate, de modo que os analistas de políticas públicas possam construir concepções menos fragmentadas dos sujeitos e suas realidades, levando em consideração também as relações étnico-raciais. Ademais, é nosso desejo instigar pesquisas nessa área, uma vez que já é constatado que os jovens negros são as maiores vítimas da violência racial e seus 5 Mapa da Violência: Homicídios e Juventude no Brasil (2013) considera-se jovens a faixa etária que compreende dos 15 aos 24 anos.
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impactos. Cabe questionarmos ainda sobre os efeitos perversos da exclusão social para os adolescentes negros e pardos, pois até mesmo pelo fato dessa discussão ser incipiente na Política de Assistência Social e no Serviço de Medidas Socioeducativas, praticamente não há intervenções que tratem das violações sofridas pelos adolescentes devido à discriminação racial. Por outro lado, é fundamental escutar os adolescentes acompanhados no Serviço, com objetivo de construir políticas públicas que acolham seus saberes e experiências sobre as relações étnico-raciais. Assim, ao longo do percurso do Circuito, concluímos que seria importante escutá-los, inaugurando essa discussão no Serviço. Os participantes desse Circuito construíram a proposta de uma realização de oficina de vídeo com adolescentes, buscando captar e expressar nesse trabalho a percepção que esses jovens têm sobre essa temática. Nossa aposta é que o vídeo produzido pelos adolescentes seja utilizado como material para discussões sobre a temática étnico-racial com outros adolescentes acompanhados pelos diversos serviços que compõem a rede socioassistencial do município de Belo Horizonte.
Juventude – Conceito A juventude é um conceito impreciso, variando de acordo com o contexto social e a perspectiva científica que se propõem a estudá-lo, podendo ser definido a partir de aspectos e propriedades biológicas, psicológicas e sociais. Tal imprecisão se deve ao fato do conceito de juventude ser construído, geralmente, levando-se em conta o recorte biológico, psicológico ou social, desconsiderando-se outros aspectos que se entrelaçam e dão uma importância em si mesma a essa fase da vida, e não como mera transição entre a infância e a vida adulta. Logo, buscaremos definir essa fase do ciclo de vida, tentando delimitar as transformações físicas e as representações sociais acerca desta. A juventude passou a despertar o interesse científico e político com o advento da revolução industrial e a criação da escola, espaço propício para socialização secundária, em que o sujeito adquiria o conhecimento formal, sendo preparado para entrar no mundo do trabalho (STENGEL, 2000).
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Pode-se dizer que o que antecede a juventude é a adolescência, sendo esta marcada por transformações tanto físicas (puberdade) quanto psicossociais. A adolescência é, dessa forma, considerada o início da juventude. A puberdade é definida por um conjunto de fenômenos biológico-corporais que têm na maturação dos órgãos sexuais a principal característica. Também marcada por intensas transformações psicológicas como sentimento de luto, crise de identidade, rebeldias, tendência à formação de grupos e desligamento da família (Stengel, 2000). Se o início da juventude pode ser delimitado por esses fenômenos (psicossociais e fisiológicos/ adolescência), a saída dessa fase (a juventude) não é tão bem delimitada. Ou seja, é necessário alcançar um conjunto de experiências e critérios aceitos socialmente para ingressar na vida adulta. Verifica-se hoje uma ampliação da juventude em determinadas camadas sociais, sendo provocada pela necessidade de maior especialização do mercado de trabalho, para somente depois se inserir profissionalmente. Essa não é a experiência da juventude de classe popular. O que é possível verificar é a inserção, muito cedo, dos jovens de nível socioeconômico baixo no mercado de trabalho ou subempregos (Dayrell, 2001). Há características consideradas comuns entre jovens de diversas culturas, por exemplo, o processo de desenvolvimento físico. Todos os jovens, independentemente de classe social, vão viver o desenvolvimento físico e psíquico não de forma única, pois esse desenvolvimento dependerá de características e de oportunidades relacionadas à sua cultura e ao seu poder aquisitivo. Outra questão também importante a ser considerada é a representação que cada sociedade construirá e sustentará acerca da sua população juvenil. Cada sociedade vai representá-la de forma diferenciada (Abramo, 2005). Por exemplo, na década de 1960, o jovem era representado como um sujeito rebelde e engajado nas ações de transformações sociais. O movimento estudantil e o movimento cultural foram muito importantes na luta pela implantação de um Estado democrático no Brasil. Contudo, essa representação não corresponde à realidade de todos os jovens brasileiros daquela época. A rebeldia e o engajamento social dizem respeito a jovens de uma determinada camada social. Os jovens das demais passaram despercebidos e segundo Helena Wendel Abramo (2005): JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Novos atores juvenis, em grande parte dos setores populares, que vieram a público principalmente por meio de expressões ligadas a um estilo cultural, colocam questões que os afetam e preocupam, diferentes daquelas colocadas pelas gerações juvenis precedentes e para as quais não havia nem formulações elaboradas no plano da política. (ABRAMO, 2005: 39), Compreender a juventude apenas como um período de transição não permite considerá-lo em sua totalidade, ignorando assim o seu presente. Para superar essa limitação, Juarez Dayrell (2003) apresenta a noção de jovem como sujeito social. Para Charlot, citado por Dayrell (2003), sujeito é um ser humano aberto ao mundo, possuindo uma historicidade, portador de desejo que lhe põe em movimento, estando em relação com os outros seres humanos, com origem familiar e lugar na sociedade. O sujeito é ativo, age no e sobre o mundo e nessa ação se constitui e altera o contexto no qual está inserido. Logo, juventude é um processo de intensas transformações corporais e sociais no qual a construção de si mesmo é influenciada pelas trocas feitas no campo social. Portanto, não existe uma forma universal de ser jovem. A construção do jovem depende da sociedade e dos recursos que lhes são oferecidos e da participação direta destes nessa construção como aponta Guattari: A juventude, embora esmagada nas relações econômicas dominantes que lhe conferem um lugar cada vez mais precário e mentalmente manipulado pela produção de subjetividade coletiva da mídia, nem por isso deixa de desenvolver suas próprias distâncias de singularização com relação à subjetividade normalizada. A esse respeito, o caráter transnacional da cultura rock é absolutamente significativo: ela desempenha o papel de uma espécie de culto iniciático que confere uma pseudo-identidade cultural a massas consideráveis de jovens, permitindolhes constituir um mínimo de Territórios existenciais (GUATTARI, 2001:06).
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Portanto, essa é a noção que norteia esse artigo e que visa ampliar a compreensão da situação dos jovens negros na sociedade brasileira, em particular dos jovens que cumprem medida socioeducativa em Belo Horizonte.
O negro no Brasil: concepções acerca do terriTório Arrancados do continente africano sem poder escolher vir ou não, os negros eram jogados em navios e trazidos para o Brasil. A recepção no país já era marcada de extrema violência e todo um ser traduzido em um corpo tratado como mercadoria. Em seguida eram jogados em acomodações escuras, insalubres e cheias de grades, chamadas senzalas. Espaços que ficavam sempre à vista, permitindo a vigilância constante. Vigilância porque os que ali estavam poderiam fugir, roubar ou mesmo praticar atos violentos. Todo esse contexto ao qual foram sendo submetidos, e, tendo o território restrito à senzala e ao terreiro das grandes fazendas, fizeram com que os negros criassem, nas relações com o corpo, uma forma de se relacionarem e de se expressarem. Fato que podemos perceber nas diversas manifestações afrodescendentes presentes na atualidade. O corpo negro representa muito. Nele está impressa toda a construção simbólica de relação com a sociedade, de submissão como era na época da escravidão, ou com os espaços onde moram e como vivem. Essa relação se reflete nos espaços que ocupam na organização territorial do país e influenciam a construção da sua identidade, do imaginário e das relações sociais. Desde que pisaram nesse solo, a população negra vem sendo inferiorizada, marginalizada e relegada à exclusão nos espaços mais insalubres do país. Fato que não ocorreu com todos que chegaram no Brasil. Com a abolição da escravatura, muitos imigrantes europeus vieram para o Brasil. Para estes, foram construídas políticas públicas com o intuito de formação de colônias, integração das famílias e concessão de terras para se estabelecerem. Já para a massa de escravos recém-libertados, criaram-se projetos de marginalização e construção de instituições, como centros de reclusão e hospitais psiquiátricos, com o objetivo de privar do direito à liberdade.
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Conclui-se que a construção do estereótipo acerca da população negra, rotulada como marginal, violenta, incapaz, vem se reproduzindo desde a época da escravidão. Num trecho de um relatório, datado do ano de 1879, enviado ao chefe da província de São Paulo, pelo chefe de polícia, é possível evidenciar a construção da ideologia racista. São considerados vagabundos pelo art. 300 do regimento nº120 de 31 de janeiro de 1842, os indivíduos que não tem domicílio certo nem profissão ou oficio, nem renda ou meio conhecido de subsistência. Não tem domicílio certo os que não mostrarem ter fixado em alguma parte do Império a sua habitação ordinária e permanente, ou não estiverem assalariados ou agregados à alguma pessoa ou família. Relatos de sanitaristas, agentes de saúde, chefes de polícia e políticos da época traçam uma imagem de horror em relação aos lugares e estilo de vida dos pretos6. A omissão do Estado, em relação à população negra, provocou falta de oportunidades e, diante desse contexto, muitos negros passaram a perambular sem rumo, tentando encontrar meios de sobrevivência. A propagação dessa ideologia racista conseguiu deturpar as manifestações e formas de expressão afrodescendente presentes na capoeira, no jongo, no batuque, na religiosidade, na forma de falar, de vestir e de brincar. Essas expressões foram construídas no convívio, nas senzalas e nos terreiros das fazendas, com as quais os negros aprenderam a significar o novo território onde se encontravam. Território como algo muito maior do que simplesmente o espaço onde se vive. Mas aquele que foi sendo construído desde os tempos das senzalas e dos terreiros carrega nas manifestações culturais um jeito de ser e construir a vida. Território que é socialmente construído se tornando o espaço da comunidade e que gira em torno da produção e reprodução de outros territórios, que sejam físicos e simbólicos, de identidades e identificações, com referência a origens e destinos comuns, como é afirmado por Boaventura de Souza Santos (2000): 6
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RACIONAIS MC´S. 1000 Trutas 1000 Tretas. 2007. 1 DVD.
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Pode ser hoje surpreendente considerar o espaço da comunidade, que se baseia na ideia de território físico e simbólico, como um espaço estrutural autônomo. É consensual a ideia de que o Estado moderno – uma entidade hiperterritorial – ao reivindicar o controle exclusivo sobre um determinado território produziu a fusão do espaço da comunidade com o espaço da cidadania. Tendo em conta especificamente os processos históricos de formação do Estado na maioria das sociedades periféricas e semiperiféricas, sustento, em alternativa, que o espaço da comunidade se manteve como um lugar autônomo de relações sociais, irredutível às relações sociais aglomeradas em torno do espaço de cidadania (Santos, 2000: 276). Podemos inferir que, nos espaços das periferias e favelas, obviamente, iremos encontrar boa parte da população negra de nosso país, fruto da organização territorial excludente construída ao longo dos anos. Não podemos deixar de pensar o território como algo vivo: espaço dinâmico de construção do imaginário, da identidade e subjetividade da população negra. Espaço de suma importância para quem foi expatriado e teve que se reconstruir e um novo local. Esse espaço é de fundamental importância para seus habitantes (periferias e favelas), mas as políticas públicas não têm cumprido seu papel, já que as ações para promoção desses territórios e valorização das manifestações culturais de seus moradores são insuficientes. O que lhes cabe é a força repressiva da polícia e políticas que segregam ainda mais esses moradores. E, se em 1879 o chefe de polícia traçava um perfil de qual era a população negra e pobre que ameaçava a cidade, atualmente, ainda se opera essa lógica, perpetuando-se a imagem que associa a população negra à criminalidade e alvo das ações repressivas da polícia.
Construção do estigma do jovem negro favelado Segundo o conceito de território, podemos perceber que é no espaço vivido que as pessoas, os jovens, as crianças também vão se JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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deparar com as diversas formas de violência. Se o território, em um sentido mais amplo, trata da relação social com o espaço, diz também de como são apreendidos as relações oferecidas por esse espaço e como cada um irá construir sua história. Não devemos pensar que os problemas de uma determinada sociedade resumem-se à questão social e econômica, devemos também analisar a questão espacial, pois é no espaço físico vivido que a vida acontece. É onde se manifesta a violência, a discriminação racial, a miséria, o preconceito, a exclusão social e, por outro lado, a solidariedade, as trocas afetivas, a cultura, arte e a invenção. Assim, as experiências dos jovens negros que vivem nas favelas são marcadas pelo tratamento desigual, violência e abandono por parte do Estado, considerando-se a juventude negra enquanto categoria diferenciada, pois juventudes são várias, como afirma Dayrell (2001). Quando a violência é atribuída àquele jovem morador da periferia ou favela, devemos considerar que esse fato é decorrência de uma violência maior que pode ser definida como violência social. Esses jovens são atingidos também pela violência racial que foi ideologicamente construída ao longo de toda a história de nosso país. A violência é sempre atribuída aos moradores jovens desses locais, ocultando-se a violência que é praticada pelo Estado em não oferecer escolas, espaços urbanizados, saneamento básico, segurança pública, saúde, educação, cultura, trabalho, lazer e perspectiva de vida. Carregando o peso da história, ainda é deixado a estes o preço da negligência com que é tratada a segurança pública nesses espaços. Podemos concluir que o jovem negro também é a maior vítima da violência e da instituição que deveria protegê-lo, a polícia. Nesse sentido, poderíamos dizer que o resultado do cenário de violência que encontramos nas cidades brasileiras está ligado às condições socioeconômicas, ao território e também à raça. Essas questões também incidem em nosso olhar, como técnicos do Serviço Medidas Socioeducativas de LA e PSC, bem como nas diretrizes do Serviço, pois partir da concepção de que o sujeito adolescente não pode ser responsabilizado pela violência social e estatal que assola o país nos possibilita assumir o lugar de cidadãos. Acreditamos também que é vital certa dose de engajamento tanto para transformação dessa sociedade como para criação de políticas públicas igualitárias e de qualidade. 176
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Juventude Negra e Medida Socioeducativa O jovem que chega ao Serviço de Medidas Socioeducativas possui um “perfil” bem definido de acordo com os dados do SIGPS 7. Os dados aqui expostos são referentes ao período do mês de março a julho de 2014, neles encontramos um número superior de jovens negros do sexo masculino em relação aos jovens da cor/raça branca. Ao todo são 715 jovens brancos e, em contrapartida, há 2081 pretos e pardos. Desse total há 656 jovens brancos do sexo masculino e 1928 jovens negros e pardos do sexo masculino. Tais dados entram em concordância com as informações obtidas na pesquisa realizada pelo CRISP8, em 2002, que demonstram que a maioria dos envolvidos em homicídios no município de Belo Horizonte eram negros, do sexo masculino e moradores das vilas e favelas. Assim percebemos que ser negro, jovem, pobre e do sexo masculino é praticamente um pré-requisito para a entrada no Serviço de Medidas Socioeducativas. De acordo com Adorno (1996): Nenhum estudo contemporâneo, contudo, comprova maior inclinação dos negros para o cometimento de crimes, comparativamente aos brancos. Ao contrário, desde fins da década de 1920, alguns estudos americanos já haviam demonstrado o quanto preconceitos sociais e culturais, em particular o racismo, comprometiam a neutralidade dos julgamentos e a universalidade na aplicação das leis penais (Adorno, 1996: 287). É necessário refletir se o grande número de jovens negros cumprindo medidas socioeducativas de LA e PSC provém dos estigmas que esses sujeitos carregam. Como vimos, na sociedade em que vivemos existe uma visão social construída muito marcante em relação ao negro, como sendo uma raça inferior em relação à raça branca. Mesmo após a abolição da escravidão, com a assinatura da Lei Áurea, o racismo resiste. Atualmente, não há mais escravos sendo 7 8
SIGPS – Sistema de Gestão da Informação das Políticas Sociais CRISP – Centro de Estudos em Criminalidade e Segurança Pública JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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chicoteados no tronco, mas, apesar de alguns avanços, a sociedade brasileira ainda não se libertou das marcas deixadas pelo período da escravidão. Será necessário trilhar um longo caminho até que possamos celebrar igualdade de direitos entre negros e brancos brasileiros. Assim, ser negro, possuir baixo poder econômico, viver nas periferias das grandes cidades, desemprego na família, violência doméstica, entrada precoce no mercado de trabalho por via do subemprego contribuem para um quadro de exclusão e desvalorização desses jovens e da camada social à qual pertencem. Dayrell (2001) aponta que esses jovens acabam sendo “proibidos de ser” e seu desenvolvimento humano se torna em todos os níveis (biológico, psicológico e social) precários. As consequências desses fenômenos não são sentidas apenas pelo sujeito, e sim por toda a sociedade. Acreditamos que isso não é uma novidade e que todos sabem que o Brasil baseia-se no sistema capitalista e este, por sua vez, é “uma fantástica fábrica de riqueza e miséria” (Deleuze, 2004) que tem no consumismo uma maneira de manter-se em movimento e justificar-se frente à sociedade, dando a falsa impressão de igualdade. Fato que é de conhecimento de todos. Mas, por que essa situação permanece? Soares (2004) responde a essa questão com o conceito de invisibilidade social, que é um meio de “adaptação social” que utilizamos para mantermos nossas vidas. O mesmo incide sobre os jovens negros que chegam ao Serviço de Medidas Socioeducativas. O autor ainda aponta que a invisibilidade social ocorre de duas maneiras. A primeira seria a indiferença, na qual ignoramos a presença desse sujeito no nosso cotidiano, funcionando como um meio de conservar nossa “paz de espírito” frente às imagens tão desoladoras que a miséria provoca. A segunda seria a projeção de um padrão comportamental, um estigma, o preconceito, também chamado, por esse autor, de hipervisibilidade. Essas duas formas de “proteção” acabam suprimindo a singularidade do sujeito promovendo a degradação de sua autoestima, como afirma Tella (2006): Ser foco de descriminação devido à origem social ou à cor da pele e alvo das representações sociais e étnicas carregados de estigmas inviabiliza a construção de uma auto imagem positiva da pessoa e as do grupo ao qual pertence (TELLA, 2006:01). 178
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Assim, os jovens desse contexto serão desqualificados, construindo uma autoimagem precária acerca de seu ser e de sua comunidade. As dinâmicas criminais, por sua vez, oferecem, para esses jovens, o que a sociedade lhes nega, fornecendo possibilidades de ganhos financeiros, permitindo a aquisição dos bens de consumo, ou ainda levando o mínimo necessário para a sobrevivência humana, extrapolando os ganhos materiais e atingindo níveis psicológicos, tais como: sentimento de pertença a um grupo, reconhecimento como sujeito e uma identidade. Podemos afirmar que esses elementos são fatores importantes para a nossa formação enquanto sujeito e que a sociedade “normal” lhes nega. Há uma fome mais funda que a fome, mais exigente e voraz que a fome física: a fome de sentimento e de valor; de reconhecimento e acolhimento; fome de ser – sabendo-se que só se alcança ser alguém pela mediação do olhar alheio que nos reconhece e valoriza (ATHAYDE, BILL, SOARES, 2005: 215). De acordo com Soares (2004), essa invisibilidade social não é algo determinante para o sujeito. A maioria dos jovens negros das classes populares não buscam, no mundo do crime, um meio de superar essa condição. No seio de toda essa escuridão, existe uma porta de saída que como aponta Soares: Já há um modelo jovem alternativo, em pleno funcionamento nos bairros pobres, nas vilas, favelas e periferias. Não fosse assim, o tráfico e o crime teriam recrutado muito mais do que a minoria que logrou envolver em suas falanges guerreiras. Há a personagem alternativa que corresponde ao modelo cultural (e político, eu acrescentaria) alternativo: ela (ou ele) é pacifica e pacifista, valoriza a solidariedade e a compaixão, difunde a crença na justiça e na igualdade, criticando duramente o país que estamos fazendo: um Brasil que nega esses valores, na prática enaltecendo-os no discurso. O hip hop, mesclando o break, o grafitti e o rap, é sua principal forma de expressão e organização. Concorrem para a afirmação JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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desse modelo alternativo de meninos e meninas (SOARES, 2004: 153). Verificamos que a oficina de vídeo também seria uma possibilidade de dar visibilidade a esses jovens, uma vez que esta possui o papel de fazer com que os participantes reflitam sobre seu contexto social e os estigmas lançados em relação a eles, fazendo com que estes se reconheçam enquanto discriminados, ressignificando-se enquanto sujeitos e sendo protagonistas na construção de realidades alternativas as que são impostas. Somente a partir dessa tomada de consciência o jovem poderá agir em relação ao preconceito, e, ao mesmo tempo, afirmar essa identidade (TELLA, 2006), sendo capazes de traduzir e expressar, por meio do vídeo, os frutos das reflexões que ocorreram ao longo das oficinas.
Juventude negra e as políticas públicas Lidar com todas essas dimensões que falamos até o momento demanda o entrelaçamento de diversas intervenções que deveriam ocorrer no âmbito das políticas públicas. Realidade que ainda não vemos acontecer em nosso país. Essa temática dificilmente chega às agendas de governo e poucas são as ações construídas para essa população. O racismo institucional ainda é muito presente no processo de construção das políticas públicas e na priorização de alguns públicos. Afinal, quem são os responsáveis por construir e implementar políticas? O racismo ainda é fortemente perpetuado pelos agentes públicos no exercício de seu trabalho. Presenciamos políticas e ações governamentais que favorecem uma parcela da população em detrimento de outra, como sempre ocorreu no Brasil. Como vimos, o tema ainda não conseguiu atingir a transversalidade que é necessária para impactar as políticas fundamentais, como a educação, a saúde, a assistência social, trabalho, esporte, a segurança pública, dentre outras. O resultado é um enorme número de jovens negros, pobres e moradores de periferias e favelas que perdem suas vidas sem ao menos ter a chance de poder começar a vivê-la. Diante de todo esse caos que vem se acumulando ao longo da história, a temática da juventude negra só entrou para a pauta 180
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de governo no ano de 2008. Isso se deu por meio da Conferência Nacional de Políticas Públicas para a Juventude. Nessa conferência uma das propostas que foi votada trazia, em seu conteúdo, a resolução tirada do 1º Encontro Nacional da Juventude Negra (ENJUNE)9. Essa resolução propunha a criação de programas para organização da juventude negra e também de temas para serem inseridos na agenda do governo. A partir desse momento, tivemos algumas ações tímidas, mas que representam muito para aqueles que foram negligenciados por toda a sua história. As políticas para a juventude negra são bem recentes no país e caminham juntas. Podemos dizer que são divididas em 3 tipos, como segue: – universais: que visam atingir todos os jovens; – atrativas: que visam atrair os jovens negros, estabelecendo o critério racial para inserção. – específicas: que visam atingir determinado público no âmbito da juventude negra, como por exemplo, trazendo o recorte de idade. Dentre essas políticas, podemos destacar como sendo específicas para a juventude negra: • o Plano Nacional de Implementação da lei 10.639, que inclui o ensino das relações étnico-raciais, cultura afro-brasileira e africana na disciplina de história do ensino fundamental. • Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica, que, por meio do SEPPIR, criou a linha PIBIC de ações afirmativas; • Projeto Farol/Secretaria Especial de Politicas de Igualdade Racial, que promove a cidadania entre jovens negros em situação de risco social ou em conflito com a lei; • O PROUNI, que reserva 50% das suas bolsas para estudantes negros; Encontro Nacional de Juventude Negra. O objetivo é criar novas perspectivas para militância étnico/racial respondendo, de forma organizada e precisa, a todas as formas de violência racial às quais o povo negro, especialmente a sua juventude, vem sendo submetido. O 1º encontro ocorreu durante os dias 27 a 29 de julho de 2007, na cidade de Lauro de Freitas, Bahia. Os temas tirados nesse encontro foram os seguintes: cultura; segurança, vulnerabilidade e risco social; educação; saúde; terra e moradia; comunicação e tecnologia; religião do povo negro; meio ambiente e desenvolvimento sustentável; trabalho; intervenção social nos espaços políticos; reparações e ações afirmativas; gênero e feminismo; Identidade de gênero e orientação sexual; Inclusão de pessoas com deficiência.
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• Finalmente, as cotas em algumas instituições de ensino público. Alguns avanços são vislumbrados, mas ainda não conseguem impactar o preconceito que é diariamente sofrido pelo jovem negro. Ao longo do artigo, ressaltou-se que o racismo está presente em mais de 2/3 da história do país. A forma com que o tema vem sendo tratado, ou melhor, destratado, culminou em uma realidade social que já não somos capazes de suportar. Cabe ainda construir maiores esclarecimentos sobre o tema, abrir mais espaços de diálogo e pressionar o poder público, exigindo seu reposicionamento e responsabilidade diante do peso da história vivida pelos negros no Brasil e seus reflexos na atualidade.
Considerações Finais A partir deste artigo, podemos constatar que ser jovem está além de uma mera transição. Inseridos em um contexto social que impera a desigualdade, que vende a falsa imagem de uma igualdade racial e social, jovens negros membros das camadas populares são invisíveis aos olhos da sociedade e impedidos de se constituírem como sujeitos, sendo assim capturados pelas dinâmicas criminais, que pintam um triste quadro de mortes precoces e altos índices de violência, que ceifam boa parte da nossa juventude e não são mostrados na mídia. Infelizmente, mesmo diante desses fatos, ainda escutamos dizer que o Brasil não é mais racista e que os negros devem se libertar dessa herança social, cultural e simbólica. No entanto, muitos não percebem que a ideologia racista tomou nova roupagem: os negros são culpabilizados, rotulados como racistas ou responsáveis por seus sentimentos de baixa autoestima. Os espaços de socialização, tais como escolas, igrejas e a mídia, de um modo geral, permanecem reproduzindo a ideologia racista, ao invés de contribuírem com informações relevantes sobre a construção da história da população negra no Brasil. Dessa forma, observamos que foi fundamental fazer esse trajeto para compreender como os estigmas e preconceitos surgiram em relação a esse jovem negro morador da periferia, e, principalmente, em como eles contribuíram para a construção da imagem desse sujeito em relação a ele mesmo e ao seu contexto. 182
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Acreditamos que as políticas públicas de combate ao racismo devem promover ações para toda a sociedade, mas as ações afirmativas devem ser incentivadas de forma a garantir os direitos dos negros e o fortalecimento de sua identidade como modo de enfrentamento do estigma e exclusão social que historicamente lhes foram impostos. Portanto, esperamos que, a partir da contextualização da história do negro no Brasil e da análise sobre os estereótipos construídos, este texto sirva de instrumento para aqueles que trabalham com esse público no Serviço de Medidas Socioeducativas. Bem como, possa provocar reflexões sobre o porquê da maioria dos adolescentes que recebem sanções do judiciário serem negros e o porquê do uso da violência policial ser legitimada pela sociedade brasileira.
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CIRCUITO DE gênero e diversidade sexual
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ADOLESCÊNCIA, GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL: REFLEXÕES NO SERVIÇO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM BELO HORIZONTE Amilton Alexandre Gustavo Adolfo de Magalhães Leonardo Tolentino Lima Rocha Walkíria Glanert Mazetto
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Introdução Patrícia1, 16 anos de idade, apreendida por cometer ato infracional análogo ao crime tipificado como tráfico de drogas, recebeu sentença de cumprimento de medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade. A adolescente reside em uma favela de Belo Horizonte/MG, tem uma filha – Eduarda, 02 anos de idade – e morava com o pai de sua filha – Diego, 18 anos. Patrícia afirma que não tem envolvimento com o tráfico de drogas e não cometeu o ato infracional, assumiu o ato no lugar de seu parceiro, pois Diego é maior de idade e estava em liberdade condicional. A adolescente sonha em terminar seus estudos e arrumar um emprego, mas Diego preferia que ela ficasse em casa cuidando da Eduarda. O casal tinha um relacionamento conflituoso e Patrícia constantemente recorria à casa da mãe em busca de acolhimento. Luiz, 17 anos de idade, chega para atendimento no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto por ter cometido o ato infracional de agressão e difamação a um colega de escola. As razões narradas no termo de audiência preliminar constam: “que no interior da Escola Joaquina da Silva, nesta capital, o representado agrediu o adolescente José, batendo nas costas do mesmo com um livro, sem causar lesões. Consta, ainda, que o representado ameaçou causar mal injusto e agrave a mesma vítima, dizendo lhe que iria chutar a cabeça de José até estourá-la. O representado agrediu e ameaçou a vítima pela simples razão de ela ser homossexual, motivo torpe, portanto.” Durante os atendimentos, pôde-se trabalhar com este a agressão e a ameaça feita ao colega e concluiu-se que ele também é vítima da mesma homofobia da qual é acusado, pois age de maneira violenta quando sua masculinidade é colocada em questão e sua reputação heterossexual é colocada em dúvida. Nos atendimentos o adolescente traz que José vinha espalhando para todos na escola de que os dois eram namorados. Diante da hegemonia da heterossexualidade, Luiz não suporta a situação criada de questionamento da sua sexualidade heteronormatizada e reage de forma violenta. Roberto, 17 anos de idade, recebe medida socioeducativa em meio aberto em virtude do cometimento do ato infracional de roubo. O adolescente afirma que cometeu o ato porque precisava de dinheiro Para preservar a identidade dos/as adolescentes, os nomes utilizados nos casos relatados são fictícios.
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e queria auxiliar com as despesas familiares. A genitora, Sra. Neusa, relata que não aprova o ato do filho, mas que realmente estavam passando por uma situação econômica difícil, estava desempregada, e sobrevivendo apenas com a renda proveniente do auxílio de uma filha e do benefício socioassistencial do Programa Bolsa Família. A Sra. Neusa relata que sofreu por muitos anos violência doméstica do marido e pai de seus filhos, e, após denunciá-lo, ele fugiu para outra cidade e tem outra mulher hoje. A Sra. Neusa possui medida protetiva com base na Lei Maria da Penha e é acompanhada pelo Benvinda (Centro de Apoio a Mulher), mas afirma que às vezes o ex-marido aparece em sua casa para atormentá-la. Roberto, que cresceu e vive nesse cenário de violência, afirma que sente-se na obrigação de “ser o homem da casa” e pretende matar o pai. Os casos brevemente relatados acima apresentam pontos de interlocuções importantes para o manejo da intervenção socioeducativa proposta pelo Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. Todos os casos nos remetem às questões de relações de gênero e sexualidade. A Lei no 12.594/2012, Art. 1o, § 2o, entende como objetivos das medidas socioeducativas: I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. À primeira vista, poderíamos pensar que os objetivos das medidas socioeducativas nada têm a nos dizer sobre as questões de gênero e sexualidade. No entanto, um olhar mais atento sobre os casos – tão necessário para a construção de intervenções psicossociais – pode nos mostrar novas nuances. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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O convite que o texto que se segue nos faz é de construirmos juntos(as) um olhar de gênero e sexualidade sobre os casos de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, na perspectiva de perceber novos contornos acerca do cometimento do ato infracional e, consequentemente, possibilitar a construção de intervenções que respeitem a diversidade de orientação sexual, de identidade de gênero e que enfrentem o sexismo. Para alcançarmos os objetivos do debate que propomos, organizamos o texto em quatro partes. A primeira se propõe a apresentar brevemente a adolescência como fenômeno histórico e socialmente determinado, a Doutrina de Proteção Integral instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as repercussões desse paradigma nas medidas socioeducativas a partir da instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Buscamos apresentar como as questões de gênero e sexualidade estão contempladas nessas normativas legais, bem como os impasses, lacunas e silenciamentos presentes nesses documentos. A segunda parte insere a discussão das relações de gênero à luz da cena infracional, buscando problematizar as distintas motivações e maneiras de se perceber o envolvimento na criminalidade diante de práticas consideradas masculinas e femininas. Poderemos observar adiante que, na literatura sobre o assunto, se reconhece a criminalidade como uma atividade primordialmente masculina, principalmente o tráfico de drogas e, portanto, a forma de entrada e permanência das adolescentes mulheres na criminalidade são consideradas distintas das práticas masculinas. O argumento que defendemos é que o olhar sobre a criminalidade [re]produz a perspectiva da desigualdade de gênero. A terceira parte busca discutir os conceitos de homofobia, heterossexismo e heteronormatividade, a partir de uma perspectiva histórica e psicossocial, no intuito de oferecer algumas ferramentas analíticas para construção dos casos em atendimento no Serviço de Medidas Socioeducativas e na produção de intervenções que sejam propiciadoras do enfrentamento ao preconceito e discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Por fim, a quarta parte discute como as relações de gênero revelam-se como uma construção histórica que perpassa as relações intrafamiliares atravessadas pela violência como forma de afirmação do masculino.
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O paradigma da Doutrina de Proteção Integral e as repercussões sobre o atendimento socioeducativo a partir de uma perspectiva de gênero e sexualidade A adolescência em nossa sociedade é considerada a fase crucial de desenvolvimento humano, de construção de subjetividades e constituição do sujeito em seu meio social e, para tanto, as relações sociais, históricas, culturais e econômicas da sociedade, estabelecidas dentro de um determinado contexto, são decisivas na constituição dessa fase. Conforme Bock (2001), o conceito de adolescência surgiu no século XX e é compreendido como uma etapa natural do desenvolvimento humano, marcada por conflitos e rebeldia. Nessa fase apresentam-se características de busca de identidade, tendências grupais, necessidades de fantasiar, crises religiosas, deslocação temporal, evolução sexual, atitudes sociais reivindicatórias, contradições em manifestações de conduta, separação progressiva dos pais, constantes flutuações do humor e ânimo, entre outros. É um período marcado pelo crescimento e pelas mudanças, o que pode sempre causar medos e ansiedades a um ser humano que se depara com uma nova etapa da sua vida (PAULILO & GONÇALVES, 2002). Considerando-se que os/as adolescentes são sujeitos de direitos em fase de desenvolvimento e que são destinatários/as da proteção integral da família, da sociedade e do Estado, é fundamental que se forneça as condições sociais adequadas para que esse desenvolvimento seja pleno, a fim de garantir o gozo dos direitos atribuídos a eles. É com base nessa Doutrina da Proteção Integral que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído pela Lei no 8.069/1990, fundamenta os direitos e deveres a esses sujeitos, aos pais e responsáveis, mediante políticas públicas e sociais que deverão atuar na promoção e defesa desses direitos e deveres. Essa mudança de paradigma, trazida com o ECA, (considerando-se todo um histórico passado da situação irregular do menor) traz reflexos na questão infracional, que passa a ser tratada sob a ótica da inclusão social do adolescente em conflito com a lei com base na socioeducação, ou seja, intervenção pedagógica a fim de incluí-lo socialmente e responsabilizá- lo pelas suas ações.
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Após anos de articulação dos diversos atores do Sistema de Garantia de Direitos (SDG), em 2004 lançou-se uma primeira proposta de criação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Posteriormente, em 2006 é lançado o documento oficial e, em 2012, é sancionada a Lei 12.594/12 que institui o SINASE, regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional e altera a Lei no 8.069/1990 (ECA). A implementação do SINASE objetiva, primordialmente, o desenvolvimento de uma ação socioeducativa aos adolescentes em conflito com a lei sustentada nos princípios dos direitos humanos. Para tanto, se faz necessária a articulação da rede de políticas públicas, tais como de saúde, educação, assistência social, justiça e segurança pública, nos níveis federal, distrital, estaduais e municipais, em que todos são corresponsáveis pela reconstrução de projetos de vida desses/as adolescentes, com vistas ao rompimento da trajetória infracional e a garantia do acesso a oportunidades de exercício da cidadania. Dessa forma, assim como se faz essencial que o sistema socioeducativo funcione como um sistema composto por diversos outros subsistemas, também é fundamental se tratar das transversalidades de gênero e sexualidade nessas políticas. Nesse sentido, consideramos importante a orientação do SINASE de que as entidades de atendimento e/ou programas que executam a internação provisória e as medidas socioeducativas de PSC, LA, semiliberdade e internação deverão fundamentar a prática pedagógica nas seguintes diretrizes: Diversidade étnico racial, de gênero e de orientação sexual norteadora da prática pedagógica. Questões da diversidade cultural, da igualdade étnico racial, de gênero, de orientação sexual deverão compor os fundamentos teórico metodológicos do projeto pedagógico dos programas de atendimento socioeducativo; sendo necessário discutir, conceituar e desenvolver metodologias que promovam a inclusão desses temas, interligando os às ações de promoção de saúde, educação, cultura, profissionalização e cidadania na execução das medidas socioeducativas, possibilitando práticas mais tolerantes e inclusivas (BRASIL, 2006, p. 49). 192
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Além disso, as dimensões de gênero e sexualidade também são apresentadas na Lei do SINASE (Lei no 12.594/2012). Essa lei estabelece que: Art. 35 – A execução das medidas socioeducativas regerse-á pelos seguintes princípios: VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status Assim, podemos observar que as perspectivas de gênero e sexualidade estão presentes nos documentos oficiais do SINASE, porém na prática cotidiana evidenciamos que esse tema ainda é pouco discutido. Conforme ECOS (2012,p.12), a questão em torno da garantia de direitos de adolescentes nos campos de gênero e sexualidade “é mais uma questão no campo da gestão”. Ainda sobre a lacuna entre o prescrito legalmente e aquilo que é realizado no cotidiano de trabalho quanto às questões de gênero e sexualidade, Oliveira (2011) afirma que “com relação ao segmento populacional de adolescentes, os direitos à informação, autonomia e confiabilidade são alvo de constante violação nas esferas de execução dos serviços” (Oliveira, 2011: p. 229). Existe uma eminente necessidade de qualificar os profissionais que atuam nesse sistema com vistas a ampliar o debate nesta política e capacitar cada vez mais as equipes para o atendimento aos usuários. Considera-se que, ao ampliar a discussão acerca das categorias gênero e sexualidade no Serviço de Medidas Socioeducativas, criamse maiores possibilidades de se entender o que é o fenômeno da criminalidade na adolescência, e desvendar as especificidades sobre a criminalidade feminina e a masculina. Diante dessa constatação, tomamos por base o eixo de formação continuada dos atores sociais preconizado nas diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo do SINASE, A formação continuada dos atores sociais envolvidos no atendimento socioeducativo é fundamental para a evolução e aperfeiçoamento de práticas sociais JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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ainda muito marcadas por condutas assistencialistas e repressoras. Ademais, a periódica discussão, elaboração interna e coletiva dos vários aspectos que cercam a vida dos adolescentes, bem como o estabelecimento de formas de superação dos entraves que se colocam na prática socioeducativa exigem capacitação técnica e humana permanente e contínua considerando, sobretudo o conteúdo relacionado aos direitos humanos. A capacitação e a atualização continuada sobre a temática “Criança e Adolescente” devem ser fomentadas em todas as esferas de governo e pelos três Poderes, em especial às equipes dos programas de atendimento socioeducativo, de órgãos responsáveis pelas políticas públicas e sociais que tenham interface com o SINASE, especialmente a política de saúde, de educação, esporte, cultura e lazer, e de segurança pública (BRASIL, 2006, p. 49). Observando a perspectiva de educação permanente, presente nas diretrizes das políticas socioeducativas e socioassistenciais, consideramos que o Circuito de Gestão Compartilhada “Gênero e Diversidade Sexual”, bem como esse artigo tornam-se relevantes na perspectiva de possibilitar aos técnicos produzir e difundir conhecimentos que devem ser direcionados ao desenvolvimento de habilidades e capacidades técnicas, ao aprimoramento da política pública de Assistência Social e das demais políticas que fazem parte da rede do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e ao norteamento de construção de estratégias de enfrentamento às desigualdades de gênero, ao preconceito por conta de orientação sexual e identidade de gênero.
A criminalidade juvenil e as reproduções das desigualdades de gênero Para que tenhamos condições de refletir a problemática das relações de gênero diante da criminalidade juvenil, necessitamos analisar, ainda que brevemente, a questão da criminalidade e suas causas. Estatísticas e estudiosos/as apontam que a complexa questão 194
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da criminalidade está vinculada, principalmente, às expressões da questão social, mas não é a única causa responsável pelo aumento da criminalidade no Brasil. Conforme ressalta Salmasso (2004): A criminalidade é um fenômeno que perpassa por toda a sociedade, seus segmentos, classes, faixas etárias, etc. Para comprovar essa constatação, podemos citar como exemplos o uso e o tráfico de drogas por indivíduos de classe média e alta. Homicídios, suicídios, violência doméstica também estão presentes no seio dos lares mais abastados. Podemos destacar os crimes de estelionato, mais conhecidos como “crimes do colarinho branco”, geralmente praticados por políticos e empresários, cuja gama de vítimas foge à nossa imaginação (SALMASSO, 2004, p. 17). Segundo a autora, a criminalidade também pode ser associada a questões como integração social e grupal, comportamentos e condutas, reproduções violentas e processos culturais e sociais. É nesse cenário que as criminalidades feminina e masculina tomam formas diferenciadas, considerando-se o decorrer da história e dos papéis sociais que foram atribuídos a homens e mulheres. Sobre o conceito de gênero, Scott (1995) afirma: Minha definição de gênero tem duas partes e diversos subconjuntos, que estão interrelacionados, mas devem ser analiticamente diferenciados. O núcleo dadefinição repousa numa conexão integral entre duas proposições: (1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder. As mudanças na organização das relações sociais correspondem sempre a mudanças nas representações do poder, mas a mudança não é unidirecional. Como um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas, o gênero implica quatro elementos interrelacionados: em primeiro lugar, os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representações simbólicas (e com frequência JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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contraditórias) – Eva e Maria como símbolos da mulher, por exemplo, na tradição cristã ocidental – mas também mitos de luz e escuridão, purificação e poluição, inocência e corrupção. [...] Em segundo lugar, conceitos normativos que expressão interpretações dos significados dos símbolos, que tentam limitar e conter suas possibilidades metafóricas. Esses conceitos estão expressos nas doutrinas religiosas, educativas, científicas, políticas ou jurídicas e tomam a forma típica de uma oposição binária fixa, que afirma de maneira categórica e inequívoca o significado do homem e da mulher, do masculino e do feminino. De fato, essas afirmações normativas dependem da rejeição ou da repressão de possibilidades alternativas e, algumas vezes, elas são abertamente contestadas [...]. A posição que emerge como posição dominante é, contudo, declarada a única possível. A história posterior é escrita como se essas posições normativas fossem o produto do consenso social e não do conflito. [...] O desafio da nova pesquisa histórica consiste em fazer explodir essa noção de fixidez, em descobrir a natureza do debate ou da repressão que leva à aparência de uma permanência intemporal na representação binária do gênero. Esse tipo de análise deve incluir uma concepção de política bem como uma referência às instituições e à organização social – este é o terceiro aspecto das relações de gênero. [...] O quarto aspecto do gênero é a identidade subjetiva (SCOTT, 1995, p. 86-87). Na construção social e cultural dos sexos e das relações de gênero, a mulher foi historicamente associada a imagens de passividade, fragilidade, sensibilidade, imperfeição, e à reprodução, enquanto o homem sempre esteve em posição ativa, considerado forte e viril. Não de forma diferente, quando essa imagem é associada ao mundo do crime, ela é reproduzida, e as práticas ilícitas são fortemente vinculadas aos homens, pois estes são associados à violência e transgressão por serem habilidades e características masculinas (RIDÃO et al, 2010).
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Contudo, não é raro visualizarmos o envolvimento de mulheres na prática de crimes, ou de adolescentes meninas em atos infracionais e violências, porém a quantidade é absolutamente inferior em relação aos homens adultos e adolescentes. Segundo Ridão et al (2010, apud Faria, 2008), a maioria dos estudos, pesquisas e estatísticas associam o envolvimento das mulheres na criminalidade a vínculos afetivo-conjugais, sendo então, na maioria das vezes, os homens os maiores motivadores para a entrada das mulheres no mundo do crime. Majoritariamente são os parceiros que cometem e lideram os crimes, e as mulheres assumem um papel inferior, a exemplo do tráfico de drogas em que ficam na invisibilidade e, na maioria das vezes, são as “mulas” ou “aviõezinhos”. Segundo Pimentel (2007), a mulher age em nome do afeto e não tem os mesmos fundamentos das práticas masculinas, pois os homens agem para se afirmarem em determinados grupos sociais em busca de visibilidade e supremacia, muitas vezes representadas pelo uso de armas de fogo. Usualmente, o envolvimento das mulheres começa pelo amor por um bandido ou pelo vício. Começam a furtar para ajudar o namorado ou para pagar a droga. São elas também que escondem as drogas e as armas em casa e que passam a roubar nas lojas para dar roupa bonita e dinheiro aos namorados. Frequentar a boca e estar metida entre bandidos, no entanto, pode ser entendido como possibilidade de estupro pelos rapazes. A lógica, segundo a fala de bandidos de algumas quadrilhas, é perversa: “deu para o meu Irmão”, “deu para um”, “tem que dar para os outros”, “tem que dar para todos”. Na “marra” (ZALUAR,1993, p. 137). Se por um lado muitas mulheres se envolvem no crime para conquistar o seu parceiro amoroso, os homens, na maioria das vezes, também utilizam do crime como forma de conquista e sedução, mas as expectativas e concepções acerca das relações afetivas e sexuais são diferentes, e refletem a cultura de uma sociedade ainda condicionada pelo machismo. Conforme a autora Zaluar (1993) ressalta no seu texto, as mulheres no contexto do crime estão expostas a sofrer violências sexuais, físicas e psicológicas, por serem consideradas inferiores, submissas e posse dos considerados “bandidos”. Assim, é JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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muito mais comum nos depararmos com as “mulheres de bandidos” do que com as “bandidas” propriamente ditas. A forma de tratar o corpo feminino como objeto sexual, além de submeter a mulher às inúmeras violações, também condiciona as mulheres à cultura da beleza, que, para a manutenção, é necessário dinheiro e a busca por esse dinheiro pode motivar a entrada na criminalidade. Ainda, na obra “Falcão: Mulheres e o Tráfico”, Mv Bill e Celso Athayde (2007) relataram que, durante sua pesquisa, entrevistaram muitas mulheres envolvidas com o tráfico de drogas nas favelas brasileiras, e perceberam que muitas das que se tornaram grandes criminosas ou “bandidas” também sofriam muito preconceito nas “bocas” pela dúvida da capacidade e habilidade destas em gerenciar atividades ilícitas. Segundo Ridão et al (2010), essa posição de inferioridade que as mulheres possuem na criminalidade vem se modificando com o passar dos anos. Verifica-se o aumento das mulheres envolvidas em diferentes tipos de crimes como assaltos, furtos, uso e tráfico de drogas, porte de arma, agressões violentas, homicídios, sequestros, entre outros, fazendo-nos deparar com uma questão diversificada e complexa. Pode-se dizer que existe um certo estranhamento social quando nos remetemos à ideia da mulher criminosa, pois a imagem da mulher é estigmatizada e marcada pela fragilidade, docilidade, mãe, dona de casa, esposa e cuidadora, e o crescimento da inserção das mulheres na criminalidade demonstra também as mudanças de paradigmas que a sociedade vem sofrendo em um universo que era considerado prioritariamente masculino. Embora personagens coadjuvantes nesta tragédia moderna, algumas mulheres pobres conseguem superar os novos papéis sociais que este sistema econômico do tráfico de droga e do crime organizado lhes impõem. Neste mundo violento, junto com as crianças, estão na posição de uma de suas vítimas contumazes. Algumas reafirmam-se como sujeitos ao transformar a si próprias e a suas vidas escolhendo os papéis convencionais do feminino - donas de casa, esposas, mães pacatas. Outras, muito mais raras, tentam escapar da violência enfrentando-a com as suas próprias armas. No processo perdem o feminino e incorporam os atributos do 198
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masculino desenvolvidos em tempos de cólera (ZALUAR, 1993, p. 142). Conforme menciona a autora, os tempos de cólera podem ser compreendidos por essa sociedade atual ser violenta, em que o tráfico de drogas se tornou a principal representação de crime organizado e também o maior percentual dos crimes responsáveis pelo inchaço dos presídios femininos. Conforme dados do Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, 2010, cerca de 60% dos crimes cometidos por mulheres estão vinculados ao tráfico de drogas. Segundo Bianchini (2011) o aumento das apreensões de mulheres em virtude do crime de tráfico drogas está vinculado ao maior cerco dos agentes do Estado ao tráfico. Por outro lado, observamos que a ampliação das mulheres nessa atividade também está condicionada à reprodução dos marcadores de gênero da sociedade, pois a participação feminina no crime é menos suspeita, e, de uma forma “às avessas”, abre um espaço para maior inserção feminina. Nesse contexto, em que está evidente a subordinação feminina e a reprodução do machismo, pode-se observar também a crescente participação da mulher na cena criminal com intuitos de buscar autonomia financeira, e principalmente disputar o poder com os homens. É nesse campo de relações de poder no mundo do crime em que as mulheres estão mais expostas e vulneráveis à prisionização, pois, ainda sem detê-lo, é mais fácil uma mulher ser presa do que um homem (BIANCHINI, 2011). É importante observarmos que a hierarquização de gênero se reproduz na cena infracional com os/as adolescentes e por isso o serviço de medida socioeducativa de LA e PSC, enquanto política pública deve contemplar essa questão como forma de combate às desigualdades culturais e sociais historicamente construídas em torno das relações de gênero. Sabemos que a criminalidade é uma questão complexa, e pode ter inúmeras motivações, mas a questão econômica pode-se apresentar como a principal delas. Se a cena criminal contemporânea abre um espaço para as mulheres e meninas buscarem formas de ganhar a vida, é dever das políticas públicas se voltarem para formas de combater essa entrada no mundo do crime, ofertando oportunidades, acesso à cidadania, autonomia e emancipação.
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Adolescência, identidade de gênero e orientação sexual: o desafio do enfrentamento ao preconceito e à discriminação nas medidas socioeducativas em meio aberto Os casos atendidos pelo Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, que envolvem as questões de identidade de gênero e orientação não hegemônica, tornam-se outro embaraço para os/as técnicos/as. Uma vez que o objetivo do trabalho nas Medidas de Meio Aberto é o processo de responsabilização do/a adolescente em torno do ato infracional cometido, geralmente, as tensões produzidas pelas homossexualidades, travestilidades e transexualidades são silenciadas e deixam de ser objeto de reflexão no processo socioeducativo. O silêncio eloquente por parte dos/as operadores/as socioeducativos/ as, sejam eles representados pelo poder executivo ou pelo judiciário, consentem com a produção do fenômeno da homofobia. É mister compreender os fenômenos de produção do preconceito e da discriminação2 devido à orientação sexual e identidade de gênero para que o processo socioeducativo não seja [re]produtor de hierarquias de subordinação e inferiorização das expressões não- heterossexuais da sexualidade. A aposta que fazemos é de que, a partir dessa compreensão, sejamos capazes de localizar e intervir nos modos como a gestão, equipamentos e operadores/as do sistema socioeducativo possuem um modo próprio de lidar com as questões da sexualidade adolescente e que possamos pensar na construção de intervenções psicossociais mais qualificadas do ponto de vista do enfrentamento ao preconceito e à discriminação. Os Princípios de Yogyakarta – Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero (Yogyakarta, 2007) afirmam que “a orientação sexual e a identidade de gênero são essenciais para a dignidade e humanidade de cada pessoa e não devem ser motivo de discriminação ou abuso” (p. 06). Por orientação sexual, os Princípios de Yogyakarta (2007) compreendem “como uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações intimas e sexuais com essas pessoas (p. 06)”. E por identidade de gênero, compreendem “a profundamente sentida experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos (YOGYAKARTA, 2007, p. 06). Para acesso ao texto completo dos Princípios de Yogyakarta, acessar: Link: http://www.yogyakartaprinciples.org
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Partindo-se dos estudos de Daniel Borrillo (2010), vemos que o termo homofobia foi cunhado em 1971 por K. T. Smith, a partir da análise dos traços da personalidade homofóbica. No ano seguinte, G. Weinberg definiu homofobia a partir da ideia de uma manifestação emotiva do tipo fóbico, que se caracteriza pelo sentimento de medo, de aversão e/ou repulsa, “o receio de estar com um homossexual em um espaço fechado e, relativamente aos próprios homossexuais, o ódio por si mesmo” (WEINBERG, 1992 citado por BORRILLO, 2010: p. 21). Apesar de parecer, à primeira vista, uma boa explicação para aqueles casos extremos de violência letal contra homossexuais, essa definição, com o tempo, apresentou-se bastante limitada, seja pela complexidade do ato homofóbico ou mesmo pela maior compreensão psicossociológica do próprio conceito. Estão excluídos dessa definição de homofobia: o tratamento jurídico desigual; a hostilidade diante da expressão pública de afeto; as inúmeras dificuldades a que são submetidos/as travestis e transexuais quanto à inserção no mercado de trabalho, ao acesso às políticas públicas de educação, saúde e assistência social; a ineficiência e até indiferença do Estado e suas instituições diante da questão; a lógica reiterada da heteronormatividade nas instituições; e, para radicalizar, a condenação à morte decorrente da orientação sexual não-heterossexual, como ocorre em Países do Oriente Médio3. Nesses exemplos, não se trata apenas da apreensão psicológica de um indivíduo frente a um sujeito homossexual. Segundo Borrillo (2010), parece-nos mais apropriado dizer, nesses casos, de um conjunto de atitudes cognitivas de cunho negativo, incidindo sobre as não - heterossexualidades nos planos social, moral, jurídico e/ou antropológico. Na concepção de Borrillo (2010), pode-se perceber a passagem de uma abordagem mais individual e psicologizante à outra, que leve em consideração questões sociais acerca da homofobia. Sobre essa virada epistemológica em torno do conceito da homofobia, Junqueira (2007) afirma que: o que é mais marcante neste caso é a tentativa de se conferir outra espessura ao conceito, na medida em que ele é associado, sobretudo, a situações e mecanismos Ver Mapa Mundial Legal sobre Legislações LGBTQI, disponível em http://ilga.org/ilga/pt/ article/118
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sociais relacionados a preconceitos, discriminações e violências contra homossexuais, bissexuais e transgêneros, seus comportamentos, aparências e estilos de vida... A homofobia passa a ser vista como fator de restrição de direitos de cidadania, como impeditivo à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança, aos direitos humanos e, por isso, chega-se a propor a criminalização da homofobia. Abrem-se aí novas frentes de batalhas, fogos cruzados, possibilidades e paradoxos políticos (JUNQUEIRA, 2007, p. 151). Essa mudança de foco converge-se na reflexão e crítica de que a homofobia deveria ser abordada em outros campos: cultural, educacional, político, jurídico, sociológico e antropológico (para enumerar alguns). Borrillo (2010) sugere, para fins de análise do fenômeno da homofobia, a distinção entre duas dimensões: uma pessoal e outra cultural. A dimensão pessoal refere-se à natureza afetiva do fenômeno da homofobia; essa forma de manifestação consiste na rejeição e aversão aos homossexuais. A segunda dimensão é a cultural, “de natureza cognitiva, em que o objeto de rejeição não é o homossexual enquanto indivíduo, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e cultural” (BORRILLO, 2010, p. 22). Uma vez que a abordagem psicológica é insuficiente para a problematização do conceito de homofobia, Borrillo (2010) sugere aproximações e analogias com outros fenômenos sociais de violência e discriminação (como por exemplo, racismo, xenofobia, classismo e antissemitismo) como um caminho mais profícuo para pensarmos o fenômeno social da homofobia. Vários autores/as têm insistido e enfatizado que as relações sociais são organizadas a partir das lógicas do sexismo e do heterossexismo (BUTLER, 2006; JUNQUEIRA, 2007, 2009, 2011; PRADO & MACHADO, 2008; BORRILLO, 2010; PRADO & JUNQUEIRA, 2011; NARDI, 2010). Por sexismo, Borrillo (2010) entende como “ideologia organizadora das relações entre os sexos, no âmago da qual o masculino caracteriza-se por sua vinculação ao universo exterior e político, enquanto o feminino reenvia à intimidade e a tudo o que se refere à vida” (p. 30). Enquanto heterossexismo refere-se aos dispositivos intelectuais e políticos de discriminação, 202
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baseados no sistema pelo qual uma sociedade organiza tratamentos segregacionistas segundo a orientação sexual, a partir de uma ordem hierárquica que toma a heterossexualidade como forma legítima e padrão de expressão sexual (BORRILLO, 2010). É a partir dessa relação com o sexismo, que Borrillo (2010) afirma que a homofobia não atinge somente aos/às homossexuais. A homofobia, de forma geral, funciona como uma espécie de vigilância de gênero (BLUMENFELD, 1992), uma vez que pode manifestar-se também como hostilidade contra atitudes opostas aos papéis sócio-sexuais pré-estabelecidos4. Orientado pelos estudos de masculinidade, Borrillo (2010) afirma que a construção da masculinidade e da virilidade partem da negação da feminilidade e da homossexualidade. A pesquisa Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil (VENTURY & BOKANY, 2011), desenvolvida pela Fundação Perseu Abramo em parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburgo Stiffung contextualiza essa questão na realidade brasileira. A pesquisa teve como objetivo investigar o preconceito e a discriminação (familiar, social e institucional) contra o grupo LGBT, com o intuito de subsidiar a discussão em torno de políticas públicas e da implementação de ações com vistas a enfrentar as violações de direitos dessa parcela da população. Nessa pesquisa, 70% dos/as entrevistados/as, quando perguntados/as se “os governos deveriam ter a obrigação de combater a discriminação contra homossexuais”, responderam que “isso é um problema que as pessoas têm que resolver entre elas” (VENTURY & BOKANY, 2011, p. 225). Prado e Junqueira (2011) afirmam que “o que emerge nesse ponto é um nítido não-reconhecimento da homofobia como um problema público” (p. 58). Pode-se perceber como o heterossexismo, apresenta a heterossexualidade como expressão legitimada no campo das experiências sexuais e enseja modos de organização social hierárquicos no que diz respeito ao acesso; ao reconhecimento público; à formulação e implementação de políticas públicas e à própria possibilidade de existência. A partir dessa compreensão, o fenômeno da homofobia pode ser então definido como uma forma específica de sexismo e como uma ideologia heterossexista, pois Cf. Almeida, 1995; Connel, 1995, 1997, 1998; Kimmel, 1997, 1998; Welzer-Lang, 2001, 2004. Para conferir levantamento de dados sobre assassinatos decorrentes de crimes de ódio contra LGBT no Brasil, ver Mott, 2000 e o site do Grupo Gay da Bahia (GGB): www.ggb.org.br
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organiza e hierarquiza as expressões da sexualidade e, dessa maneira, extrai consequências políticas importantes. Além disso, semelhantemente às outras discriminações correlatas, a homofobia consiste em práticas de desumanização do outro, tornando-os inevitavelmente diferentes. Essas práticas articulam-se em torno de emoções, de condutas e de um dispositivo ideológico. São lógicas de dominação, que se mantém a partir da fabricação das diferenças, naturalizando o próprio modo como se produzem, com a finalidade de justificar a exclusão de uns/umas e os privilégios de outros/as. Para Rios (2006, 2009), racismo, sexismo, xenofobia, classismo, antissemitismo e homofobia são as expressões mais elucidativas do preconceito e da discriminação nos debates públicos e nas lutas sociais e políticas desde meados do século XX. Esse autor ressalta ainda que a homofobia tem sido, quando comparada a essas outras formas de preconceito e discriminação, a menos discutida e a mais controversa: com parca bibliografia, inexistência de políticas públicas de enfrentamento e a indiferença cruel com que são tratadas as manifestações homofóbicas. Rios (2009) apresenta a definição de homofobia como “discriminação experimentada por homossexuais e por todos aqueles que desafiam a heterossexualidade como parâmetro de normalidade em nossas sociedades” (RIOS, 2009: p. 60). Prado e Machado (2008) tornam esse debate mais complexo ao definirem a homofobia como um fenômeno psicossocial que se estabelece nas tensões entre o público e o privado. A homofobia constitui-se a partir de um processo de subordinação das experiências não heterossexuais que tem como fundamento básico o preconceito social. A própria produção do conceito de homossexualidade parte de estratégias de legitimação de diferentes formas de desigualdade e exclusão social. É nesse ponto que encontramos as tensões entre os âmbitos público e privado do debate político em torno das sexualidades. Ora, se a experiência homossexual, assim como a heterossexual, pode ser considerada particular, individual, ou pode ser pensada como uma questão da vida privada; ela é, ao mesmo tempo, uma experiência complexa que interpenetra na experiência social, constituindo possibilidades identitárias determinantes de vários outros aspectos da vida pública (SEDGWICK, 2007). Particularmente para as experiências não-heterossexuais, essas determinações são baseadas na subordinação e inferiorização da homossexualidade. 204
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Prado e Machado (2008) afirmam que “a lógica de superiorização e da inferiorização dos grupos sociais se traduz em um conjunto de práticas sociais capaz de inserir pública e socialmente determinadas categorias sociais de formas subalternas em nossas sociedades” (p.11). Os dados assustadores sobre os crimes de ódio cometidos contra LGBT5 no Brasil e a indiferença do poder público6 podem exemplificar o limite letal dessa subalternização. No que diz respeito à sexualidade, a distinção entre as orientações homo e heterossexuais, bem como a distinção entre as identidades de gênero constroem formas de subordinação. As nuances simbólicas que regulam as possibilidades sexuais delimitaram para as práticas homossexuais posições sociais determinadas ao longo da história nas hierarquias sexuais (Rubin, 1984). O discurso hegemônico, constituído por um misto de discurso religioso e médico- científico, reservou às não heterossexualidades lugar de condenação, sob a acusação de crime, pecado ou doença. Esse discurso hegemônico, segundo Prado e Machado (2008), pode ser entendido como aquele capaz de criar formas e práticas de consentimento, de modo a transformar uma experiência particular (neste caso, a experiência heterossexual burguesa) em pretensamente universal, inferiorizando ou invisibilizando quaisquer outras possibilidades da experiência (PRADO & MACHADO, 2008, p. 13). Nesse sentido, a homossexualidade figura nesses processos hegemônicos a partir de um mecanismo de subalternização. Não se trata de afirmar que os não heterossexuais estão excluídos socialmente, mas que o modo como são incluídos na trama social é perverso e baseado numa lógica de subordinação. Essa subalternidade está marcada pela categoria de subcidadania e se caracteriza pelo menor acesso aos direitos e menos novos direitos políticos. O processo de hierarquização sexual tem o preconceito social como o elemento que se incumbe de invisibilizar as formas subalternas de existência e, com isso sustentar, dando coerência ao Para conferir levantamento de dados sobre assassinatos decorrentes de crimes de ódio contra LGBT no Brasil, ver Mott, 2000 e o site do Grupo Gay da Bahia (GGB): www.ggb.org.br 6 Cf. Carrara e Vianna, 2006. 5
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consenso hegemônico, uma posição hierarquicamente superior da heterossexualidade. Mas qual a dinâmica de funcionamento do preconceito? Como o preconceito social estrutura-se na naturalização e legitimação da inferiorização social? Como são produzidas as hierarquias sociais e sexuais baseadas em relações de subordinação? Essas questões são fundamentais para pensarmos as possibilidades de enfrentamento à homofobia. O preconceito social pode ser considerado como um mecanismo fundamental da inferiorização social. Ele “sustenta e produz concepções ideológicas e cognitivas sobre a legitimidade ou ilegitimidade de uma gama de direitos e da própria possibilidade de interpelação política no mundo público” (PRADO & MACHADO, 2008, p. 68). Além disso, o preconceito oculta as razões que justificam as inferiorizações históricas. Prado e Machado (2008) defendem que hierarquização e inferiorização constituem-se por processos distintos e são mecanismos complementares na manutenção de desigualdades e no acirramento de processos de exclusão social, que podem assumir as formas de aniquilamento, violência social ou inclusão subalterna. A hierarquização funciona sob uma lógica da subordinação, que estabelece uma funcionalidade entre os atores sociais, instituindose como o próprio funcionamento de algumas organizações sociais. As lógicas de subordinação “aparecem como sendo naturais da organização social, pois se mostram como hierarquias absolutamente necessárias para a reprodução da sociedade e instituem uma complementariedade da relação entre diferentes posições identitárias” (PRADO & MACHADO, 2008, p. 69). Assim, nas relações de subordinação, a ordem social não é tomada como uma ordem historicamente construída e regida pela contingência da ação humana. Pelo contrário, é entendida como natural e não reconhece as injustiças empreendidas nas hierarquias da ordem social. É nessa complementaridade entre hierarquização e inferiorização que os preconceitos sociais atuam, explicitando seu caráter conservador, para não permitir que relações de subordinação sejam politizadas. Dessa forma, os preconceitos sociais se estabelecem na manutenção das lógicas da dominação social. Prado e Machado (2008) afirmam que a função dos preconceitos sociais é de
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não permitir que a discriminação e a inferiorização sejam interpretadas como mecanismos da injustiça entre diferentes posições identitárias, mantendo, assim – e aí está o seu conservadorismo – uma relação de opressão invisibilizada como naturalização das relações de subordinação social (PRADO & MACHADO, 2008, p. 70). A legitimação dessa inferiorização, no caso da não heterossexualidade, ocorre a partir de atribuições negativas produzidas a partir dos discursos religiosos, da produção científica e de moralismos sociais. Tais atribuições se baseiam num princípio normativo das possibilidades e constituições subjetivas e das relações sociais: a heteronormatividade. A heteronormatividade relaciona-se à instituição da heterossexualidade como única possibilidade legítima e natural de vivência e expressão identitária e sexual. Diz respeito a “um conjunto de eixos que atuam na construção, legitimação e hierarquização de corpos, identidades, expressões, comportamentos, estilos de vida e relações de poder” (JUNQUEIRA, 2007, p. 155). Dessa maneira, a partir desse princípio normativo das relações humanas, restam às homossexualidades, os contornos do desvio, do crime, da aberração, da doença, da perversão, da imoralidade, enfim, da abjeção. Portanto, podemos afirmar que a heteronormatividade, que tem a homofobia como instrumento de ação, é um mecanismo organizador e delimitador dos critérios de distribuição de títulos de cidadania, definindo quais direitos esses/as cidadãos/cidadãs terão acesso e como o Estado vai se relacionar com esses sujeitos. Tendo papel fundamental, inclusive, na formulação e implementação de políticas públicas de redistribuição e reconhecimento (PRADO & MACHADO, 2009; JUNQUEIRA, 2009; BUTLER, 2006). Outro aspecto do preconceito social é de que ele funciona na perspectiva de simplificação dos dilemas sociais, “informandonos sobre orientações valorativas que procuram dar e atribuir uma pretensa coerência às ações sociais” (PRADO & MACHADO, 2008, p. 71). A operação que se vê nesse processo é a de transformação das diferenças em desigualdades a partir da lógica da hierarquização social, estabelecendo inclusive uma relação interna de reciprocidade na própria hierarquia, na qual aqueles/as que desfrutam dos privilégios somente se mantém pela construção da inferioridade JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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daqueles/as que não são superiores: “quanto mais uma orientação sexual não heterossexual assume o status de doença, perversão, pecado, degeneração ou anomalia, maior será a legitimidade da heterossexualidade compulsória” (PRADO & MACHADO, 2008, p. 72). Os discursos científicos e religiosos proporcionaram preciosas contribuições a essa categorização hierárquica e na manutenção dessa relação interna. Os argumentos que traduziram diferenças em desigualdades, também transformaram valores e experiências particulares em um universal da cultura. É essa simplificação que impede a visibilidade das hierarquias sexuais e, consequentemente, que a homofobia configure-se como um problema público. Ao se levar em consideração a pesquisa da Fundação Perseu Abramo (VENTURI & BOKANY, 2011), apresentadas acima, podemos perceber que a lógica que orienta as respostas são complementares. Uma vez estabelecida a regulação sobre a legitimidade das experiências sexuais, hierarquizando-as, a partir da heterossexualidade compulsória, o que resta é o não reconhecimento de que as consequências das desigualdades que as hierarquias ensejam são um problema público. A disputa gira em torno mesmo da constituição da visibilidade dos sujeitos merecedores da atenção do Estado, da própria noção de cidadania, de quem pode ser considerado como cidadão/cidadã e, mais radicalmente, da afirmação da igualdade. Assim, no que se refere à homofobia, a distinção binária homossexualidade/ heterossexualidade e a norma reguladora do gênero, como delimitadora de inteligibilidade social, tornam-se os critérios distintivos para o reconhecimento da dignidade dos sujeitos e para a distribuição dos benefícios sociais, políticos e econômicos, quando nos referimos às questões de gênero e sexualidade.
Famílias, relações de gênero e violência Segundo a Política Nacional de Assistência Social (BRASIL, 2004), família é um grupo de pessoas unidas por laços consanguíneos, afetivos e, ou de solidariedade. Lemos ainda no documento que é o “núcleo social básico de convivência, acolhida, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social”. A Constituição Federal Brasileira de 1988 preconiza em seu artigo 5º que homens e mulheres são iguais em direito e deveres, sendo este um fato novo nesta carta maior. No artigo 203, na seção IV, que trata da Assistência Social, a família é lembrada juntamente com a maternidade, infância, 208
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adolescência e velhice como objetivo de proteção dessa política. Mas quando falamos da realidade brasileira, falamos de qual família? Podemos destacar que houve uma evolução no conceito de família na legislação brasileira, mas principalmente houve ganhos num contexto sócio/cultural da concepção de família. Costa (1983) já dizia que as lutas sociais no país favoreceram também a constituição de um novo modelo de família. A medida que os cidadãos, isoladamente ou por meio de grupos, conquistavam direitos, já se desenhava uma nova configuração para cada família. Aqueles antes constituídos “anormais” passam a ser percebidos como integrantes das famílias, na perspectiva dessa ser um lugar de proteção e construção da identidade. A nova definição constitucional de família, tornando-a mais inclusiva e sem preconceitos; a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal; a consagração do divórcio; a afirmação do planejamento familiar como livre decisão do casal, e a previsão da criação de mecanismo para coibir a violência no interior da família são os resultados das lutas feministas junto aos legisladores constituintes (KALOUSTIAN, 1984, p. 21). Diante desse aspecto, as famílias se tornaram alvo das políticas públicas. A consolidação do ECA trouxe um novo olhar sobre a família, onde o seu seio deveria ser um local harmonioso, de felicidade e compreensão para o bom desenvolvimento dos filhos. ... viver em família continua sendo um componente básico da vida social, com a diferença significativa de que não exista mais, no interior de uma mesma sociedade, um modelo de família considerado o único válido e aceitável para todos. Como disse Michelle Perrot (1993), os indivíduos querem libertar-se das amarras e dos controles tradicionalmente característicos da família, mas pretendem, ao mesmo tempo, perpetuá-la como espaço de afetividade, de segurança emocional e de compartilhamento de projetos e de expectativas, o que a caracteriza como uma instituiçãoninho (Melo, 2009, p. 159-176). JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Com a luta dos movimentos diversos, a efetivação de uma legislação avançada e consolidação das políticas públicas nos últimos anos poderíamos dizer que as famílias já estão vendo ultrapassadas suas questões com a sexualidade e as relações de gênero? Observamos que apesar dos avanços, a realidade das famílias é complexa. Nossa sociedade está sustentada, culturalmente, em um discurso que a família deveria proteger a vida de crianças e adultos. Para tal, adotamos um modelo higienista importado: o modelo burguês, judaico-cristão ocidental. Vivemos os ditames de uma classe burguesa que copiamos do modo de vida americano e que nada tem a ver com aquilo que era a nossa realidade, desde o século passado. Ficamos escravos de um modelo que nada se adapta à nossa cultura. Costa (1983) já assinalava tal posição: ... a vida privada dos indivíduos foi atrelada ao destino político de uma determinada classe social, a burguesia, de duas maneiras historicamente inéditas. Por um lado, o corpo, o sexo e os sentimentos conjugais parentais e filiais passaram a ser programadamente usados como instrumentos de dominação política e sinais de diferenciação social daquela classe. Por outro lado, a ética que ordena o convívio social burguês modelou o convívio familiar, reproduzindo, no interior das casas, os conflitos e antagonismos de classe existente na sociedade. As relações intrafamiliares se tornaram uma réplica das relações entre classes sociais (COSTA, 1993, p. 13). O autor ressalta que, a partir dessa lógica, todas famílias que fugiam de um certo padrão construído culturalmente viviam em anormalidade – os caipiras, crioulos, paraíbas, etc. Para lidar com toda essa pluralidade que ainda persiste nos dias de hoje, criou-se a busca de um indivíduo que seja o “bem educado”, culto, polido, que fosse um exemplo a ser seguido. Conforme preconizado, à família sempre foi facultado o espaço de proteção e cuidado, e, para tanto, deve produzir filhos, cidadãos bem comportados. O problema se origina quando não é possível seguir esses padrões estabelecidos historicamente. 210
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Costa (1983) destaca justamente a dificuldade que o indivíduo tem em viver essa dualidade, visto que a complexidade da sua vida o impossibilita de responder a esse ideal. Daí, em nome de uma busca por esse padrão, admite-se certos comportamentos: A sanidade física da família de elite aumentou, na medida em que as condutas sexuais masculinas e femininas foram sendo respectivamente reduzidas às funções sociosentimentais do ‘pai’ e da ‘mãe’, em contrapartida, esta mesma educação desencadeou uma epidemia de repressão sexual intrafamiliar que, até bem pouco tempo, transformou a casa burguesa numa verdadeira filial da “polícia médica”. Instigados pela higiene, homens passaram a oprimir mulheres com o machismo, mulheres, a tiranizar homens com o <nervosismo>;, adultos, a brutalizar crianças que se masturbavam; casados, a humilhar solteiros que não casavam; heterossexuais, a reprimir homossexuais, etc. o sexo tornou-se emblema de respeito e poder sociais. Os indivíduos passaram a usá-lo como arma de prestígio, vingança e punição (COSTA, 1983, p. 15). O que se percebe, de toda essa reflexão, que a dominação masculina nas relações sociais está sempre presente, sobretudo no interior das famílias. Quando o jovem Roberto se depara com a relação violenta entre seus pais, o mesmo tende a reproduzir justamente esse comportamento, negando ao mesmo tempo. Quer ele apontar que ao mesmo tempo em que sabe que seu pai ocupa um lugar de “pai” socialmente construído, também reconhece que é por meio da violência é que o homem tem estabelecido relações sociais de gênero. Welzer-Lang (2001) destaca em seu texto “A construção do masculino: dominação das mulheres e homofobia” que os homens aprendem a ser homem desde a mais tenra idade. Esse aprendizado perpassa inclusive a suportar o sofrimento para ser reconhecido como homem. As brincadeiras, os espaços coletivos masculinos reforçam a ideia de uma virilidade que se é conquistada e deve ser defendida a qualquer custo. Se nessa relação “masculino versus feminino”, a criança e/ou o adolescente aprende justamente a não ser o fraco da JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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história, por mais que ele reconheça que as relações não devem ser violentas, é dessa forma que ele compreendeu a posição da virilidade masculina. Mesmo que se dê pela via do sofrimento: ... aprender a respeitar os códigos, os ritos que se tornam então operadores hierárquicos. integrar códigos e ritos, que no esporte são as regras, obriga a integrar corporalmente (incorporar) os não-ditos. Um desses não ditos, que alguns anos mais tarde relatam os rapazes já tomados homens é que essa aprendizagem se faz no sofrimento. Sofrimento psíquico de não conseguir jogar bem quanto os outros. Sofrimento dos corpos que devem endurecer para poder jogar corretamente. Os pés, as mãos, os músculos… se formam, se modelam, se rigidificam por uma espécie de jogo sádicomazoquista com a dor. O pequeno homem deve aprender a aceitar o sofrimento – sem dizer uma palavra e sem ‘amaldiçoar’ – para integrar o circulo restrito dos homens. Nesses grupos monossexuados se incorporam gestos, movimentos, reações masculinas, todo o capital de atitudes que contribuirão para se tornar um homem (WELZER- LANG, 2001, p. 463). Destacamos que o modelo masculino versus feminino e as formas de lidar com a sexualidade estão submetidos a fatores culturais e sociais desde o início da infância. Essas apreensões assumem sentido ao longo da vida desses jovens em suas relações dentro da própria família, na escola, nos círculos de amizades, vizinhanças, etc. Todos esses valores suscitam sentimentos, percepção e desejos que vão constituir a posição de ser no mundo e sobre a sexualidade. Beauvoir (2002) ressalta que as diferenças na relação de gênero não podem pautar-se exclusivamente na recusa do determinismo biológico e a ênfase no caráter relacional entre os sexos. A autora lembra que junto com o conceito de gênero, está associado outro conceito, o de patriarcado, entendido como ideia de que as mulheres devem ser dominadas, exploradas e oprimidas pelo masculino. As bases dessa relação se apresentam principalmente numa dimensão simbólica, reificada pela reprodução violenta: 212
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A violência simbólica se institui por intermédio da adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e, portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/ negro etc.), resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que seu ser social é produto (BOURDIEU, 1999, p.47). Assim, trabalhar com as famílias dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa que vivenciam situações de violência de gênero exige do técnico um olhar perspicaz e crítico, compreendendo as nuances que atravessam as relações familiares. Não se trata neste estudo da culpabilização das famílias pela reprodução das violências postas na sociedade, inclusive com a prática infracional, mas sim da construção acerca das compreensões diante desse processo histórico/cultural, com vistas a orientar os sujeitos a produzir nas suas relações familiares novas posturas.
Considerações finais A partir do que se apresentou neste artigo e, considerando a revisão bibliográfica realizada cumulada com as observações diante das práticas cotidianas dos fazeres profissionais dos técnicos que atuam no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto, é possível tecer algumas considerações. Pode-se perceber no decorrer dos encontros do circuito denominado “Gênero e Diversidade Sexual”, e também da construção desse texto, que existe uma necessidade eminente de se discutir e ampliar a transversalidade da temática gênero e sexualidade nas políticas públicas, principalmente as voltadas para a adolescência. É JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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inegável os avanços que os movimentos sociais organizados em prol da luta pela igualdade tiveram ao longo da história, e observamos que a materialização das demandas sociais nas políticas públicas é um reflexo disso ( a exemplo da criação de orgãos e secretarias, e a presença da temática em leis e normativas), porém com atuações ainda de forma ínfima e que não conseguiram concretizar uma mudança real de status quo. As mulheres continuam tendo os menores salários e condições de trabalho piores que os homens, os índices de violência doméstica ainda são exorbitantes, os gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais continuam sendo penalizados cruelmente pela sociedade e os negros seguem sendo a maior parcela da população pobre e marginalizada. Nesse cenário que evidenciamos a existência do machismo, racismo e homo-trans-fobia, não podemos perder de vista que gênero e sexualidade são categorias que devem ser transversais a outras categorias socialmente construídas, como raça, etnia e classe social, que determinam as desigualdades entre as pessoas e as posições e relações de poder na sociedade. Com efeito, a continuidade nas discussões abordadas pelo circuito, e a permanente interface com as instituições governamentais e não governamentais que lidam diretamente com essa temática, torna-se fundamental. À luz dos casos narrados neste texto, o aprofundamento e a qualificação técnica acerca dos temas em questão possibilita que o acompanhamento seja dimensionado em toda a sua totalidade, não apenas no viés sancionatório, garantindo a efetividade dos eixos já preconizados pelo SINASE. É fundamental os técnicos do Serviços de Medidas Socioeducativas ampliarem seus olhares para a questão de gênero na cena infracional, pois, além de compreender melhor as diferentes motivações de meninos e meninas nesse contexto, também terão mais condições de ofertar um serviço de qualidade que possa empoderar os/ as adolescentes sem reproduzir opressões e desigualdades de gênero. Por fim, é preciso ressaltar que o conjunto de desafios postos a atuação dos profissionais do Serviço de Medidas Socioeducativas estão presentes em todos os âmbitos da vida social, tanto na esfera pública e privada, e derivam a questões mais amplas como o enfrentamento a todos os tipos de relações de opressão e desigualdade. Contudo, não podemos perder de vista o potencial que os trabalhadores das políticas públicas possuem para contribuir com a construção de uma sociedade mais justa e equânime. 214
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COMISSÃO DE SISTEMA DE INFORMAÇÃO, AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO
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Gestão da Qualidade do Serviço de Medidas socioeducativas em Meio Aberto no Município de Belo Horizonte Patrícia de Cássia Carvalho Márcia Xavier Passeado Kaiser Cleisson Pereira
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A reforma administrativa iniciada nos anos 1980 traz às organizações públicas novas práticas e novos discursos, muitos deles oriundos do setor privado, com o objetivo de incorporar prescrições para melhoria da efetividade de sua gestão. Nesse sentido, dentre os modelos abordados na literatura e adotados pela reforma administrativa brasileira nos últimos 20 anos, destaca-se o modelo organizacional denominado “Administração Pública Gerencial” ou “Nova Gestão Pública” (New Public Management), o qual pressupõe a estruturação e a gestão da Administração Pública baseadas em valores de eficiência, eficácia, efetividade e competitividade. Esse modelo compartilha, ainda, os valores da produtividade, accountability, orientação ao serviço e descentralização (Sechi, 2009). Cita-se, como um dos marcos que contribuíram para essa reforma, a descentralização, pois, a partir dessa diretriz, as atribuições de gestão foram transferidas do governo federal para os governos estaduais e municipais, permitindo, por sua vez, que os níveis estaduais e municipais passassem a ser, de fato, autônomos em seus processos decisórios, bem como possibilitando a implementação de estratégias próprias de gestão e execução de seus serviços (Sechi, 2009). Destacam-se, também, importantes mudanças no que diz respeito à governança, pois a Nova Gestão Pública sugere novos posicionamentos para antigos temas. Essa nova perspectiva preconiza que os governos não devem assumir o papel de implementador de políticas públicas sozinhos, mas sim que têm o papel de articular ações entre os diferentes atores sociais na solução dos problemas coletivos. Propõe, ainda, que o Estado deve fomentar a melhoria da qualidade dos serviços prestados, de modo a atender, de fato, a demanda de seus clientes/usuários/cidadãos. Além disso, os governos devem centrar-se nos resultados (outputs) e impactos de suas ações, adotando técnicas como a administração por objetivos e o planejamento estratégico (Sechi, 2009). Portanto, nota-se que a Reforma Administrativa, a partir do modelo da Nova Gestão Pública, provocou diversas inovações no setor, afetando, de maneira geral, a execução das políticas públicas nas três esferas de governo — federal, distrital, estadual e municipal mas, sobretudo, possibilitando a reestruturação do Sistema de Proteção Social Brasileiro e, em especial, a Política de Assistência Social (Arretche, 1999). JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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É importante salientar que, nesse novo contexto das políticas sociais brasileiras, a Política de Assistência Social, além de regulamentada, é também estruturada por ferramentas de gestão que irão materializar os elementos contidos nas legislações pertinentes. Ou seja, nesse novo contexto, a Política de Assistência Social rompe com estigmas históricos, tais como aqueles associados à “boa vontade”, ao ”amor aos pobres”, ao “voluntarismo”, e se firma, por meio de ferramentas de gestão, como uma política pública, de proteção ou prevenção, implementada pelo Estado para garantir a cidadania de grupos específicos da sociedade. Inicia-se, assim, a construção de uma rede socioassistencial integrada, cuja consolidação relaciona-se com a oferta contínua e sistemática de serviços, com padrões de atendimento qualificados e pactuados, e também, com as ferramentas de planejamento, financiamento e avaliação. Nesse sentido, cita-se que a NOB/SUAS (2005) define que o orçamento, o monitoramento, a avaliação, a gestão da informação e o relatório anual de gestão constituem-se em instrumentos privilegiados de gerenciamento e, ainda, que devem ser utilizados para todos e quaisquer serviços, programas e projetos ofertados na rede. Dentre os serviços ofertados pela Política de Assistência Social, destaca-se o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade. De acordo com a Resolução CNAS nº 109, de 11 de novembro de 2009 (Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais), este Serviço tem por finalidade prover atenção socioassistencial e acompanhamento a adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida e de prestação de serviços à comunidade determinadas judicialmente pelo artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA prevê que as medidas socioeducativas devam ser aplicadas aos adolescentes autores de atos infracionais, configurandose, por sua vez, enquanto uma dimensão coercitiva, pois o adolescente é obrigado a cumpri-la, e, ainda, uma dimensão educativa, já que seu objetivo não se reduz a uma sanção ao adolescente, mas reinseri-lo socialmente (Volpi, 1998). Portanto, a execução de Medidas Socioeducativas, em meio aberto, enquanto um Serviço da Política de Assistência Social deve contribuir para a responsabilização do adolescente pelo ato cometido, 220
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para a superação da trajetória infracional, para o acesso aos direitos e para a ressignificação de valores na vida pessoal e social desses adolescentes; assegurando seus direitos e obrigações de acordo com as legislações e normativas específicas para o cumprimento da medida. Ou seja, é um serviço que promove uma interface entre o judiciário e o executivo, caracterizando-se ora pelos seus aspectos sancionatórios, ora pelos seus aspectos protetivos, sem que haja a sobreposição ou a exclusão de um aspecto em detrimento do outro. Assim, é válido ressaltar que, por estar inserido em uma política de proteção social, esse Serviço deve ser abordado enquanto uma política pública, inclusive, devendo ser submetido às técnicas e ferramentas de gestão e de planejamento. Dentre elas, cita-se o monitoramento, a avaliação e a sistematização de resultados e de informação. Isso porque, junto aos instrumentos de planejamento técnico e financeiro, trata-se de um dos eixos estruturantes do Sistema Único de Assistência Social. Além disso, o uso de técnicas e ferramentas de gestão é indispensável para a construção de estratégias, para a organização e para a regulação de ações socioassistenciais nos territórios e, além disso, para o cumprimento das funções de Proteção Social, Vigilância Socioassistencial e Defesa dos Direitos Socioassistenciais prevista na Política Nacional da Assistência Social (Belo Horizonte, 2007). Nesse sentido, ressalta-se que, no caso da gestão social, deve-se considerar toda a complexidade do processo gerencial, já que além do sistema de gerenciamento, estão envolvidos também pressupostos filosóficos, políticos e ideológicos, que se relacionam diretamente com a dimensão econômica, política e social de um determinado contexto (Carvalho, 1999). Portanto, a efetivação da Política de Assistência Social requer não só conhecimentos técnicos e administrativos, mas, ainda, a permanente análise dos contextos internos e externos em que ocorrem a gestão e a execução da política. Segundo Januzzi (2004), como um importante instrumento operacional, que corrobora para essas análises, destacam-se os indicadores sociais — medida, em geral, quantitativa dotada de um significado social, utilizados para quantificar, substituir, operacionalizar um conceito social abstrato. Por meio dessa ferramenta, é possível planejar, implementar, executar, monitorar, avaliar, formular e reformular políticas públicas. Ou seja, os indicadores sociais são referenciais indispensáveis para a definição de prioridades, para a tomada de decisões e para a alocação de recursos. Podem, ainda, JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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contribuir para o apontamento da magnitude das carências a atender nas diversas áreas de intervenção. Para a melhoria do processo de trabalho e para o aprimoramento das técnicas de gerenciamento, aponta-se a Gestão da Qualidade como modelo que desenvolve competências em toda a organização, promovendo a cultura da qualidade e a melhoria da execução do trabalho. Isso porque a Gestão da Qualidade está associada às estratégias infraestruturais das operações produtivas das organizações, ou seja, aquelas que influenciam diretamente as atividades de planejamento, controle e melhoria, de modo a obter um processo de trabalho eficiente e eficaz (Slack, 2009). É importante citar que a Gestão da Qualidade estrutura-se em três dimensões, a saber: Planejamento da Qualidade, Controle da Qualidade e Melhoria da Qualidade, sendo todas essenciais para avanços no processo de trabalho. De acordo com Juran (1992), podese classificar cada dimensão da seguinte maneira: a) Planejamento da Qualidade: consiste no levantamento de todos os requisitos demandados para o produto ou para a execução do processo de trabalho na organização. Ou seja, inclui-se tudo aquilo que é exigido, seja pelos clientes/ usuários, pela legislação, por instituições de classe ou mesmo pela própria organização. Por isso, é fundamental considerar a capacidade que a empresa tem de atender a esses requisitos em termos de recursos necessários (instalações, equipamentos, instrumentos e materiais de trabalho, pessoas, recursos financeiros etc.) para que, então, sejam definidos os objetivos e planejamento dos processos e tarefas, com o objetivo de se elaborar um plano de atividades; b) Controle da Qualidade: relaciona-se com a garantia da qualidade dos insumos adquiridos, do processo produtivo e do próprio produto acabado. No caso do setor público, especialmente na política de assistência social, opta-se por focalizar no processo produtivo com o intuito de se visualizar a sequência de todas as atividades essenciais, bem como identificar a melhor maneira de realizá-las. Nesse movimento, é importante ressaltar os pontos críticos no processo e verificar se cada etapa está sendo realizada conforme o esperado. Isto 222
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é, deve-se assegurar que o resultado de uma etapa específica esteja dentro da expectativa estabelecida para a etapa seguinte do processo; c) Melhoria da Qualidade: essa dimensão deve-se voltar para o aprimoramento contínuo dos processos, tanto produtivos quanto gerenciais, procurando-se constante e sistematicamente identificar problemas, sejam eles reais ou potenciais e promovendo a implementação e padronização de ações, que resultem em soluções efetivas e contribuam para o avanço no processo de trabalho. Como ferramenta fundamental para essa dimensão, destaca-se o monitoramento do desempenho da organização por meio do uso de indicadores para avaliar as atividades do processo de trabalho, bem como analisar a satisfação dos usuários, a efetividade do serviço e os fluxos na rede socioassistencial e no sistema socioeducativo.
Justificativa A Prefeitura Municipal de Belo Horizonte executa a medida de liberdade assistida, desde 1998, e a medida de prestação de serviços à comunidade desde 2004. A execução é descentralizada e ocorre nas nove regiões administrativas do município de Belo Horizonte, constituindo-se um dos serviços ofertados nos Centros de Referência Especializados da Assistência Social/CREAS. A composição atual do Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade é de noventa e oito servidores lotados nos nove CREAS das Secretarias de Administração Municipal Regional; três servidores na função de supervisores; quatro servidores na função de referências técnicas e apoio à gestão; cinco servidores lotados no Núcleo de Atendimento às Medidas Socioeducativas e Protetivas da Prefeitura de Belo Horizonte - NAMSEP em funcionamento no Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional e um servidor no cargo de Gerente de Coordenação das Medidas Socioeducativas. No decorrer do ano de 2013, houve a substituição de quase a totalidade da equipe, antes composta por técnicos contratados, por Analistas de Políticas Públicas da carreira dos servidores da JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Administração Direta do Poder Executivo do Município de Belo Horizonte. A utilização de indicadores para o monitoramento e a avaliação do serviço justificou-se, inicialmente, pelos seguintes motivos: (I) mensurar o impacto que a troca da maioria da equipe técnica provocou no serviço; (II) revisar o indicador de reincidência estabelecido pela Instrução Normativa do NAMSEP, que é considerado o indicador de avaliação do Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e de PSC da Assistência Social; (III) planejar as ações gerenciais; (IV) analisar e fazer o diagnóstico do serviço; (V) aprimorar o estabelecimento de metas; (VI) melhorar a qualidade do serviço ofertado.
Metodologia Essa avaliação dividiu-se em dois momentos, primeiro na revisão e análise dos indicadores utilizados no Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto do município de Belo Horizonte. E, em um segundo momento, em que se realizou o controle estatístico da qualidade e processo de trabalho por meio dos resultados obtidos nas análises dos indicadores. Na primeira etapa, a Gerência de Coordenação de Medidas Socioeducativas (GECMES), em parceria com a Gerência de Informação, Monitoramento e Avaliação (GEIMA), examinou dois indicadores adotados pelo Serviço: indicador de cumprimento de medida socioeducativa (Belo Horizonte, 2007) e indicador de taxa de reincidência de adolescentes que receberam nova medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade (Belo Horizonte, 2011). Após as considerações, estabeleceu-se que, devido à falta de consenso sobre o conceito de reincidência, bem como pela instabilidade deste indicador nos primeiros testes estatísticos, nessa avaliação seria empregado apenas o uso do indicador de cumprimento de medida socioeducativa. Acordou-se, ainda, que o método de cálculo da taxa de cumprimento de medida socioeducativa deveria considerar: “O número de adolescentes desligados pelos motivos conclusão da determinação judicial, extinção do processo ou adequação de medida dividido pelo número de 224
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adolescentes desligados pelos motivos conclusão da determinação judicial, extinção do processo, adequação de medida, abandono do serviço/evasão/infrequência, devolução técnica do caso ou regressão de medida socioeducativa”, sendo o resultado multiplicado por 100. Já para o controle estatístico da qualidade e processo de trabalho foram utilizados, como métodos estatísticos, as cartas de controle e os histogramas. Isso, pois, segundo a literatura, os gráficos ou cartas de controle costumam apresentar resultados mais efetivos quando usados em conjunto com outras ferramentas, que possibilitam identificar especificidades e variabilidades do processo. (Montgomery, 2001). As convenções utilizadas nas cartas de controle foram descritas como limites inferior (LIE) e superior (LSE) de especificação, que resultaram das próprias análises estatísticas e foram definidos de acordo com a variabilidade do próprio processo. Já o histograma — um gráfico de barras justapostas, em que as áreas são proporcionais às frequências de cada valor — possibilitou identificar, por meio da distribuição da forma, a tendência central, a dispersão dos dados e a validade da população ou amostra de dados (Barbetta, 2001). Os dados foram coletados no Sistema de Informação e Gestão das Políticas Sociais (SIGPS). Este é um sistema on line desenvolvido pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, com o objetivo de proporcionar à Secretaria Municipal de Políticas Sociais e Secretarias Adjuntas, tais como a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, maior qualidade no atendimento prestado aos cidadãos, e, sobretudo reunir informações fidedignas e atualizadas para a avaliação e monitoramento dos serviços prestados (Belo Horizonte, 2009). Para ambas as avaliações, adotou-se recorte temporal entre janeiro de 2009 e julho de 2014, sendo os dados coletados, quinzenalmente, no SIGPS. Porém, foram considerados resultados válidos apenas aqueles a partir de janeiro de 2012, devido à confiabilidade e à consistência do sistema de informação utilizado. Destaca-se que as medidas socioeducativas de PSC e de LA apresentam particularidades, principalmente, nos prazos legais para o cumprimento de cada uma delas, que por sua vez, influenciaram as análises dos indicadores e a qualidade do processo de trabalho. Por isso, foram adotados períodos distintos para o estudo de cada JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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medida socioeducativa, sendo considerado o período de 6 meses para a avaliação da medida de prestação de serviços à comunidade e considerado o período de 12 meses para a avaliação da medida de liberdade assistida.
Resultados e Discussões As análises demonstraram que os índices de cumprimento de medida socioeducativa de PSC e LA mantiveram-se estáveis ao longo dos anos de 2012 a 2014. De acordo com a Tabela 1, no primeiro semestre de 2012 a média de cumprimento de PSC estava em torno de 53%, ou seja, do número total de adolescentes autores de ato infracional inseridos no Serviço de Medidas Socioeducativas de PSC do Município, mais da metade concluíram a determinação judicial. Contudo, no decorrer dos anos de 2013 e 2014, houve uma ligeira queda nos índices. Sendo que, no primeiro semestre de 2014, a redução foi cerca de 12% do cumprimento de medida socioeducativa de PSC, isto é, em média 41% dos adolescentes autores de ato infracional concluíram positivamente a medida. Observa-se que, pelo fato da medida de PSC ser determinada pelo prazo máximo de 06 (seis) meses há uma maior oscilação dos indicadores ao longo do tempo. Desse modo, os índices estão mais sensíveis a quaisquer fatores externos ou internos, podendo seus resultados ser diretamente impactados. Podemos perceber, pela carta controle do PSC, que o período que representa a troca da equipe de contratados por servidores efetivos produziu impacto mais significativo sobre os índices de cumprimento dessa medida do que os impactos percebidos na carta controle da medida de liberdade assistida. A partir dessa constatação podemos inferir, diante das especificidades de cada medida, que o fator tempo incide sobre o indicador de cumprimento das medidas, considerando-se que: (I) na medida de LA há mais tempo para o estabelecimento de vínculo entre o técnico e o adolescente em relação à medida de PSC; (II) o prazo legal maior para o cumprimento da medida de LA do que o prazo para o cumprimento de PSC propicia ao técnico mais tempo para intervenções e, consequentemente, mais tempo de reflexão e respostas por parte do adolescente.
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tabela 1 Índice de Cumprimento de Medida Socioeducativa em Meio Aberto Modalidade Prestação de Serviço à Comunidade no Município de Belo Horizonte entre 2012 e 2014. MODALIDADE PSC
PERÍODO 1º/2012
2º/2012
1º/2013
2º/2013
1°/2014
53,8%
48,6%
50,00%
43,4%
41,7%
Fonte: SIGPS, 2014
Já em relação à medida de LA, que deve ter duração mínima de 06 (seis) meses, as análises corroboraram para a média de cumprimento de medida socioeducativa no Município. E, ainda, confirmaram que a variável tempo de medida exerce forte influência no comportamento do indicador, já que a oscilação dos resultados ao longo dos anos foi menor nesta modalidade, caindo de 44% em 2012 para 41% em 2013. Nota-se que a variação na medida de LA foi em torno de 3%, o que revela uma maior estabilidade frente a eventualidades, sejam elas externas ou internas à organização e à rede socioeducativa e à rede socioassistencial. tabela 2 Índice de Cumprimento de Medida Socioeducativa em Meio Aberto Modalidade Liberdade Assistida no Município de Belo Horizonte entre 2012 e 2013. MODALIDADE LA
PERÍODO 2012
2013
44,6%
41,4%
Fonte: SIGPS, 2014
Sobre o controle estatístico da qualidade e processo de trabalho, analisou-se, primeiramente, os histogramas de cada modalidade. O objetivo dessa investigação consistiu em verificar se o processo de trabalho estava de acordo com a metodologia de abordagem de cada modalidade de medida socioeducativa. Para isso, examinou-se o tamanho da população analisada; determinou-se a amplitude da população, destacando-se a diferença JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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entre o maior e o menor resultado; dividiu-se a amplitude em classes ou categorias; e, observou-se o tamanho e o limite das classes, considerando-se a distribuição da população. Como resultado, obteve-se um histograma do tipo assimétrico negativo na medida de PSC (Figura 1) e do tipo platô na modalidade de LA (Figura 2), o que sugere uma variabilidade na padronização do processo de trabalho. Esse resultado indica, ainda, a possibilidade de se identificar e de descrever a execução do trabalho, bem como de se desenvolver melhorias nesse processo.
Figura 1: Histograma PSC / Fonte: GEIMA, 2014
Figura 2: Histograma LA / Fonte: GEIMA, 2014
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Posteriormente, observou-se o comportamento do indicador de cumprimento de medida socioeducativa, de cada modalidade, no gráfico de controle. Para a modalidade de PSC, verificou-se maior variação ao longo do tempo, enquanto para a LA, maior estabilidade. Novamente, isso se deu devido à duração temporal da determinação judicial de cada medida. De acordo com a Figura 3, destaca-se que a maior oscilação na medida PSC ocorreu entre setembro de 2012 a dezembro de 2013, período que coincide com a substituição de técnicos contratados por servidores efetivos. Nota-se que, no segundo semestre de 2012 há uma queda de 7% no índice de cumprimento de PSC. Todavia, no primeiro semestre de 2013 ocorre um crescimento de aproximadamente 13%. Acredita-se que este resultado seja um falso positivo, visto que, a efetivação da troca de técnicos coincidiu com este período, o que leva a crer na hipótese de desligamentos dos casos em fase final de acompanhamento. Já no segundo semestre de 2013, percebeu-se uma queda significativa do indicador, caindo dos 56% para 36%, ou seja, uma baixa de 20% nos índices. Esse resultado corrobora a hipótese anterior, visto que, com a entrada dos novos técnicos, foi necessário um período de apropriação do processo de trabalho, o que, por sua vez, pode ter impactado o Serviço de Execução de Medidas Socioeducativas, como um todo. É importante destacar que todo o Serviço de Medidas Socioeducativas de LA e de PSC do Município foi reestruturado, pois houve substituição de mais de 90% da equipe técnica responsável pelo acompanhamento dos adolescentes, assim como da equipe técnica de referência e suporte à gestão. Como as análises anteriores demonstraram, a PSC parece estar mais suscetível aos fatores externos e internos, podendo, portanto, ter sofrido maior impacto a partir das alterações da estrutura organizacional do serviço. Entretanto, no primeiro semestre de 2014, há uma retomada do crescimento do índice de cumprimento, aumentando em cerca de 8%, isto é, passando de 36% para 44% o número de adolescente que cumprem a determinação judicial no Munícipio. Destaca-se, ainda, que, nesse período, o indicador está próximo a atingir o limite inferior da capacidade de processo de trabalho, estipulado em média de 49%, minimizando, portanto, os impactos da reestruturação do serviço.
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Figura 3: Carta Controle PSC Fonte: GEIMA, 2014. 230
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Em relação à medida de LA (Figura 4), observa-se, na carta controle, uma maior estabilidade do indicador ao longo do tempo. Assim, acredita-se que, apesar da reestruturação do serviço, essa modalidade sofreu menor impacto em relação à medida de PSC, no que diz respeito aos resultados do índice de cumprimento de medida socioeducativa. Isso porque, conforme demonstraram as análises anteriores, o tempo de cumprimento influencia diretamente os indicadores da execução de medida. Assim, aquela modalidade em que o adolescente permanece maior tempo em acompanhamento parece sofrer menor impacto frente às situações contingenciais. Em outras palavras, as influências de fatores externos ou internos à instituição tendem a afetar em menor grau a medida socioeducativa com maior tempo de execução. Desse modo, a transição da equipe técnica, bem como a reestruturação do Serviço de Medidas Socioeducativas no Município, provocou quedas menos significativas nos índices da medida de LA. Ao longo dos dois últimos anos, o índice caiu de 49% para 40%, ou seja, uma queda de 9% do número de adolescentes que cumprem positivamente a determinação judicial. Além disso, a reestruturação do serviço parece ter ocorrido de maneira mais equilibrada, mantendo-se no limite controle ou próximo dele. No caso, é válido destacar que no primeiro semestre de 2014, o índice de cumprimento estava em torno de 40%, sendo o limite inferior para média de processo de trabalho de 44%, ou seja, com todas as mudanças internas, o serviço está apenas 4% abaixo de sua capacidade. Nota-se, portanto, que uma das principais variáveis que deve ser considerada pela gestão para o controle da qualidade do serviço consiste na observância do aprimoramento das intervenções possíveis de acordo com o prazo determinado pelo Judiciário para o cumprimento de cada medida socioeducativa. Nesse sentido, o poder Executivo deve pensar em estratégias de planejamento, organização e intervenção que contemplem, principalmente, o tempo de acompanhamento do adolescente autor de ato infracional no serviço. Somente assim não haverá sobrecarga da capacidade técnica e do Serviço como um todo e a Política de Assistência Social poderá ofertar um serviço de qualidade e que atinja seus fins: responsabilização do adolescente pelo seu ato, garantia da proteção social e interrupção da trajetória infracional. JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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Figura 4: Carta Controle LA Fonte: GEIMA, 2014 232
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Considerações finais A utilização de indicadores para a avaliação e o monitoramento do Serviço de Medidas de LA e de PSC no Município de Belo Horizonte como ferramenta e parte do processo de trabalho da gestão desse Serviço consiste em algo inovador e ainda incipiente. Podemos perceber o grande potencial que a leitura dos indicadores confere para o planejamento das ações gerenciais. O Serviço tem procurado se adequar às diretrizes de monitoramento da NOB SUAS e, consequentemente, às recomendações contemporâneas de transparência da gestão pública, incorporando valores que contribuam para melhoria da qualidade do Serviço ofertado. Na busca de maior efetividade, eficiência e eficácia a partir da análise dos resultados, temos um diagnóstico da realidade atual e uma possibilidade de projetar metas a serem alcançadas, propiciando um planejamento estratégico e uma administração por objetivos. À medida que a gestão do Serviço de Medidas Socioeducativas baseia o planejamento das suas ações nos resultados alcançados e nas metas esperadas, o Serviço se fortalece e se consolida dentro da Política Nacional de Assistência Social. A apresentação dos indicadores para os demais componentes do sistema socioeducativo corrobora a busca de soluções coletivas diante de desafios complexos e demarca uma decisão política e uma determinada forma de gestão. Consideramos a partir da discussão feita que a capacitação continuada da equipe técnica seja fundamental, uma vez que a presença do técnico e as intervenções feitas durante o acompanhamento do adolescente tem incidência direta no cumprimento da medida e, consequentemente, nos indicadores do Serviço e nos resultados alcançados. As apresentações dos indicadores para as equipes técnicas de cada regional administrativa com a demonstração dos números regionais comparativamente aos números do Município levaram a uma reflexão sobre a própria prática e contribuíram para o aprimoramento do processo de trabalho, o que impactou de forma positiva os indicadores. Avaliamos que é preciso criar novos indicadores que propiciem novas leituras dos dados produzidos e dar continuidade à análise desses resultados em duas dimensões: (I) estratégica, por meio de JORNADA DE TRABALHO DOS CIRCUITOS DE GESTÃO COMPARTILHADA
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um núcleo de estudos; (II) operacional, pela gestão. A apropriação dos dados produzidos pelo Serviço, bem como a análise desses dados, constitui objeto de trabalho dos Analistas de Políticas Públicas e é constitutivo de sua identidade como servidor público.
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SOBRE OS AUTORES
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Aiezha Flávia Pinto Martins Guabiraba - Psicóloga, pós-graduação em intervenção psicossocial no contexto das políticas públicas pela UNA. Mestranda em psicologia social pela UFMG. Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Amanda Fernandes de Carvalho - Assistente Social, pós-graduanda em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Minas Gerais (especialização), Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Amilton Alexandre - Assistente Social, pós-graduação em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Federal de Tocantins, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte – PBH. Ana Cláudia Rosa Pimenta de Mattos - Assistente Social, pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Carolina Silveira Flecha - Psicóloga, pós-graduação em Clínica Psicanalítica na Atualidade pela PUC Minas. Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Darissa Marielle Lucas Ferreira - Psicóloga, especialista em Gestão Estratégica de Pessoas pela Universidade Federal de Minas Gerais, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Fabrícia Miranda Oliveira - Assistente social, pós-graduanda em Gestão do Trabalho com Famílias pelo Centro Universitário UMA, Analista de Políticas Públicas Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - PBH. Flaviane Bevilaqua - Psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte- PBH. Grazielle Lopes - Assistente Social, pós-graduação em Políticas e Planejamento Urbano pela Universidade Federal Rio de Janeiro, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte - PBH. Gustavo Adolfo de Magalhães - Psicólogo, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte – PBH. Jucélia Cassia de Arruda Simões - Assistente Social, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Juliana Vilela - Psicóloga, pós- graduação em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal de Minas Gerais, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. 238
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Kaiser Cleisson Pereira - Engenheiro Mecânico, Técnico da Gerência de Informação, Monitoramento e Avaliação da Secretaria Adjunta de Assistência Social. Laura F. Campos de Pinho - psicóloga, mestranda em psicanálise pela Universidade de Buenos Aires - UBA, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte - PBH. Leonardo Tolentino Lima Rocha - Psicólogo, Mestre em psicologia pela Universidade Federal Mato Grosso do Sul, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte – PBH. Maira Cristina Soares Freitas - Psicóloga, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Marcelle Cardoso Zibral Santos - Psicóloga, pós- graduação em interação psicossocial do contexto das políticas públicas pela UNA, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Márcia Passeado - Psicóloga, pós- graduação em Saúde Mental e Trabalho pela UNA, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Marlúcia Oliveira de Assis - Psicóloga, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte-PBH. Pâmela Mara Benevides Felício - Psicóloga, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte-PBH. Patrícia de Cassia Carvalho - Psicóloga, Mestranda em psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Analista de Políticas Públicas Prefeitura Municipal de Belo Horizonte - PBH. Paulo Roberto da Silva - Psicólogo, pós-graduação em Gestão da Clínica na Tensão Primária Saúde, pós graduando em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Minas Gerais, pós graduando em Gestão Pública pela Universidade Estácio de Sá, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Pollyana Penoni - Psicóloga, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte- PBH. Priscilla Barcelos - Psicóloga, pós-graduação em Gestão Pública e Sociedade pela Universidade de Campinas-SP, pós-graduação em Intervenção Psicossocial no Contexto das Políticas Públicas pela UNA.
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Roberta Andrade - Psicóloga, especialização em Psicoterapia de Família e Casal pelo IEC PUC Minas, mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Rosimeire Diniz - Assistente Social, pós graduação em Gestão de Recursos Humanos pelo Centro Universitário de Belo Horizonte- UNI /BH, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte- PBH. Valdiney Gonçalves - Assistente Social, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte – PBH. Valéria Martins Andrade - Assistente Social, Especialização em Políticas Públicas pela UFMG, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte – PBH. Vivane Martins Cunha - Psicóloga, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Viviane Albuquerque - Psicóloga, pós-graduação em Práticas Sócio Educativas pela PUC Minas, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte-PBH. Vinício Martins - Psicólogo, pós-graduação em Clínica Psicanalítica na Contemporaneidade pela Unileste-MG , pós graduação em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal de Ouro Preto, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH. Walkíria Mazetto - Assistente Social, Pós-graduação em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade Federal de Viçosa, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte – PBH.
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