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EMBARCAÇÃO Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - PBH

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A vida em uma metrópole traz sempre amplos desafios ao poder executivo municipal, e, em um país com grandes diferenças sociais e econômicas como o Brasil, a política de Assistência Social faz-se, fundamentalmente, necessária para defendermos direitos básicos previstos tanto na nossa Constituição Federal, bem como em estatutos específicos que estabelecem as leis e as diretrizes que orientam o trabalho do poder executivo. Nesse sentido, apresentar ao corpo de trabalhadores da Prefeitura de Belo Horizonte, às entidades conveniadas para a realização dos serviços do Sistema Único de Assistência Social, aos profissionais dos poderes legislativo e judiciário, assim como aos cidadãos belo-horizontinos nossos programas, serviços, ações e benefícios é, para a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS), uma das formas que encontramos não só de esclarecer sobre nossa política, mas também de dar maior transparência sobre como todos esses parceiros possibilitam que nossa oferta ao usuário seja completa e de qualidade. No claro entendimento de que não podemos dissociar a Assistência Social das demais políticas, como Saúde, Educação e Cultura, trazemos, nas matérias da Embarcação, esse entrelace e como a intersetorialidade se materializa de fato nos nossos equipamentos e atendimentos. Em consonância com a linha editorial que propomos seguir, se, em nossa edição anterior, abordamos sobre o acolhimento institucional para pessoas com idade acima de 60 anos, nesta publicação trazemos um pouco mais sobre esse serviço e como o mesmo é ofertado às crianças e aos adolescentes que precisam ser afastados da família por estarem vivenciando violações de direitos, como trabalho infantil, exploração sexual, abandono ou negligência. Também pontuamos como o Bolsa Moradia é uma possibilidade para quem deseja sair das ruas e construir novos caminhos de vida. Já nessa impressão, trazemos um caso de empenho da equipe que atua para o acompanhamento desse benefício, que trouxe luz, literalmente, à saúde de um beneficiário. Além disso, você poderá ler e se informar sobre como uma ação em um de nossos 34 Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), nossa base de atuação local em territórios com altos índices de vulnerabilidade social, tornou-se exemplo para as demais equipes dos CRAS e que deu subsídio para o artigo especial dessa edição, que aborda sobre a importância do Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família nas comunidades; e saber como a SMAAS criou uma ferramenta capaz de medir o grau de desenvolvimento das famílias, indicador que mostra como está a atuação da assistência social no território, assim como também aponta se as famílias analisadas estão acessando as demais políticas públicas.

EDI TO RIAL Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social

O nome Embarcação nos remete à história da política de assistência social em Belo Horizonte. Uma das primeiras montagens da Cia de Arte Mobilização da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, que estreou no ano de 2004, a peça SUAS, Nosso Tempo de Construção, nos chama a embarcarmos de trem, navio, carro e até nas ondas do rádio em busca da garantia de direitos socioassistenciais ao nosso público prioritário. No mesmo sentido, Embarcação é um convite a uma ação conjunta e a uma viagem, por meio da leitura, sobre temas ligados à assistência social e sua intersetorialidade com as demais políticas públicas.

Completando essa edição, diante da intensa discussão a respeito da Proposta de Ementa Constitucional (PEC) 171, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, trazemos ainda uma matéria especial que explica e mostra a efetividade das medidas socioeducativas em meio aberto de Liberdade Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade, ambas executadas pela PBH. Desejo a todos uma boa leitura!

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LONGE DE CASA, MAS SEGUROS

Serviço de Acolhimento Institucional abriga crianças e adolescentes que precisam ser afastados da família por terem sofrido violações de direitos e compõe uma das principais formas de proteção integral ao público infantojuvenil. Beatriz Maciel Trajetória de vida nas ruas, abandono e negligência são as três principais causas de solicitação para acolhimento de crianças e adolescentes em Belo Horizonte. Dentre essas motivações, cada uma prevalece para uma determinada faixa etária, o que demonstra como as violações implicam o público infantojuvenil em diferentes etapas da vida. Para os menores de doze anos, o abandono e a negligência são as principais determinantes para demanda por acolhimento, o que demonstra a fragilidade implicada na idade e a necessidade de um cuidado mais próximo. Já para os adolescentes, a trajetória de vida nas ruas é a maior motivação de demanda por vagas, o que sinaliza, muitas vezes, o rompimento total de vínculos com a família e a dificuldade de adesão integral ao serviço por parte dos adolescentes, de forma a fazê-los não evadir das unidades.

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Beatriz Maciel

Acolhimento institucional garante direitos de crianças e adolescentes

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“A política de assistência social é uma parte da oferta da PBH aos cidadãos. Em sua complexidade, o acolhimento também precisa e conta com a atuação das Secretarias de Saúde, Educação, Segurança Alimentar, da Fundação de Cultura, dentre outras, para que consigamos atender às demandas das crianças e dos adolescentes abrigados nas unidades”. Marcelo Mourão A casa fica em uma tranquila rua no bairro Dona Clara, na regional Pampulha, tem muros e portões brancos e fachada cinza. Ao olhar de fora, nem dá para perceber que ali funciona uma unidade de acolhimento institucional para crianças com idade entre zero e seis anos. Se não fosse pela tela que protege toda a varanda, nem sequer se poderia notar que ali vivem crianças. Aqueles grandes abrigos ou orfanatos, como eram antigamente conhecidos, já não existem mais em Belo Horizonte e hoje dão lugar às 51 unidades de acolhimento voltadas ao público infantojuvenil na capital. Cada unidade abriga no máximo 15 crianças ou adolescentes, que, assim como a pequena Ana Silva*, tiveram a guarda retirada da família, por estarem vivenciando situações de violações de direitos ou deixando de receber os cuidados de que necessitam. Ana é uma 6

das cerca de 689 crianças acolhidas hoje em Belo Horizonte e, com apenas quatro anos de idade, vive há um ano e meio com o tímpano da orelha esquerda perfurado, em decorrência das constantes inflamações de ouvido não cuidadas pelos pais. Após ser acolhida na rede conveniada à PBH, a menina passou a ter acompanhamento sistematizado na saúde e aguarda para realizar, com segurança, a operação de reconstrução do tímpano, quando estiver um pouco maior. A negligência e o abandono foram os motivos que levaram a pequena Ana e seus cinco irmãos a serem encaminhados para o acolhimento e afastados da família, assim como aconteceu com muitos outros meninos e meninas que vivem atualmente nessas unidades. Com o papel de proteger crianças e adolescentes que vivenciam situações de trabalho infantil, abuso ou exploração sexual, maus tratos, negligência, abandono, violência física, emocional ou psicológica, a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS) é responsável por ofertar o Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes na capital mineira. Nas unidades, o público infantojuvenil tem os direitos garantidos e está protegido das violações que vivenciavam em casa. Afastados da família, esses meninos e meninas recebem todos os cuidados necessários a uma pessoa da idade em que se encontram, com alimentação adequada, higienização, educação, atendimento médico, sendo integralmente assistidas em todas as demais demandas inerentes a qualquer outra criança ou adolescente de sua faixa etária. Nesse sentido, a intersetorialidade entre as políticas públicas é fundamentalmente importante na viabilização desse serviço. “O acolhimento institucional por si só não é capaz de atender a todas as necessidades do público acolhido. Sendo assim, a política de assistência social é uma parte da oferta da PBH aos cidadãos. Em sua complexidade, o acolhimento também precisa e conta com a

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atuação das Secretarias de Saúde, Educação, Segurança Alimentar, da Fundação de Cultura, dentre outras, para que consigamos atender às demandas das crianças e dos adolescentes abrigados nas unidades. No acolhimento institucional, o cidadão está integralmente sob tutela do Estado, e, dessa forma, a articulação com as demais políticas é primordial para a entrega de um serviço de qualidade”, explica Marcelo Mourão, secretário Municipal Adjunto de Assistência Social. Na Casa Lucas, Ana, os irmãos e todos os outros pequenos moradores da unidade são atendidos no Centro de Saúde Dona Clara, alimentam-se dos gêneros repassados pela Secretaria Municipal Adjunta de Segurança Alimentar e Nutricional (SMASAN) e quando já têm idade mínima para inserção na escola, frequentam a rede pública de ensino. De acordo com a coordenadora da unidade, Flávia Figueiredo, o atendimento em rede permi-

te que os pequenos moradores da Casa sejam assistidos integralmente, sendo os parceiros sempre acionados para a inclusão desse público nas políticas públicas. “Temos uma ótima relação com as políticas de saúde e de educação e utilizamos a rede local para o atendimento dos meninos, o que, inclusive, fortalece os laços deles com a comunidade. Além disso, também atuamos de forma a incluí-los em outras atividades, como ações de esporte e lazer e atendimento com fonoaudiólogo e psicólogo para tratamento clínico, possibilitado por meio de parcerias com outras ONGs”, pontua Figueiredo. Se para as crianças o foco é no cuidado integral, para os jovens, principalmente os mais próximos a completarem 18 anos, a atenção volta-se para a promoção da autonomia e as perspectivas de formação e qualificação profissionais. Na casa Tremedal, unidade que acolhe adolescentes do sexo masculino com

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Crianças da Casa Lucas festejam aniversário

As principais motivações para solicitações de acolhimento são trajetória de vida nas ruas, abandono e negligência. O casal Rodiane e Alexandre prepara a casa na expectativa de receber a guarda do filho recém nascido, ainda sob a tutela da justiça.

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51 unidades de acolhimento formam a rede de atendimento em Belo Horizonte e cada casa abriga no máximo 15 crianças ou adolescentes 7


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*Os nomes dos personagens desta matéria foram alterados por medida de proteção.

Trabalhar a autonomia é um dos principais objetivos das unidades para adolescentes

idade entre 12 e 17 anos e 11 meses, o trabalho da equipe pauta-se na promoção de uma expectativa de futuro para os 12 meninos residentes na unidade atualmente. “Quando o adolescente chega com 14, 15 anos, temos uma maior condição de prepará-lo para que ele consiga deixar a unidade com maior maturidade e condições de se manter. Saber se cuidar, saber cuidar dos seus objetos, saber lidar com o outro, poupar recursos e ter educação financeira são alguns dos pontos que trabalhamos com eles. Nossa intenção é que, ao completar os 18 anos, esse adolescente já tenha condição de caminhar sozinho. Todavia, caso contrário, temos a possibilidade de pedir uma prorrogação do prazo de acolhimento à Vara da Infância e da Juventude, considerando se vai ser ou não benéfico para o jovem, por mais um ou dois meses. Além disso, também o acompanhamos por mais seis meses após o desligamento da unidade, para verificar como está o andamento da vida desse adolescente fora do abrigo”, esclarece o coordenador da unidade, Frederico Suppa. O jovem Rafael Oliveira*, de 17 anos, pela segunda vez no acolhimento num período de

quatro anos, reconhece a importância do serviço na vida de quem passa por violações de direitos. Rafael recorda-se das situações que passava dentro de casa durante o início da adolescência, vivências que não espera ver se repetindo quando completar a maioridade e, possivelmente, retornar ao convívio familiar. “Minha trajetória no abrigo começou há uns quatro anos, quando eu e minha irmã mais nova, com um ano na época, fomos encaminhados para o acolhimento. Minha mãe faz uso de álcool e drogas e estava sem condições de cuidar da gente. Nesse tempo, saímos do abrigo para ir morar com uma tia e depois com minha avó materna, mas que também não teve condições de ficar conosco, então, voltamos para o abrigo. Hoje, minha mãe mora com minha avó e tenho passado os finais de semana com elas. Como minha mãe acabou de passar no vestibular, espero que isso possa ajudá-la a melhorar e deixar a convivência mais fácil. Quando eu sair do abrigo, vou voltar pra casa e quero estar preparado para trabalhar. Meu sonho é atuar fazendo vídeos para a internet”, conta o adolescente sobre as novas possibilidades de vida e de um provável retorno familiar.

MOTIVAÇÃO DE DEMANDAS ENCAMINHADAS À SMAAS PARA ACOLHIMENTO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE POR FAIXA ETÁRIA NO PERÍODO DE JANEIRO A JUNHO DE 2014 FAIXA ETÁRIA

NÚMERO DE DEMANDAS PARA ACOLHIMENTO

0 a 6 anos e 11 meses

167

Abandono (22%)

7 a 11 anos e 11 meses

98

Negligência (13%)

12 a 17 anos e 11 meses

463

Trajetória de vida nas ruas (63%)

DADOS: SECRETARIA MUNICIPAL ADJUNTA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

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PRINCIPAL MOTIVO DE SOLICITAÇÃO

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INDICADOR MEDE DESENVOLVIMENTO FAMILIAR Tecnologia ajuda a entender dimensões de vulnerabilidades das famílias belohorizontinas atendidas pela assistência social e é capaz de gerar resultados mais específicos do que o IDH Beatriz Maciel Considerando seis dimensões – vulnerabilidade, acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho, disponibilidade de recursos, desenvolvimento infantil e condições habitacionais –, o Índice de Desenvolvimento das Famílias (IDF) é capaz de apurar o grau de vulnerabilidade social dos cidadãos cadastradas no Sistema de Informação e Gestão de Políticas Sociais (SIGPS), melhorando o atendimento aos usuários acompanhados pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS).

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Beatriz Maciel

Renilda orgulha-se em ser referência para as crianças da sua própria comunidade

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O cálculo geral pode ser destrinchado em análises parciais, considerando em qual área a família precisa de maior promoção: saúde, educação, habitação ou renda, por exemplo.

Medir o grau de desenvolvimento familiar, possibilitando uma maior verificação do nível de vulnerabilidade das famílias nas piores situações de riscos econômico e social cadastradas no Sistema de Informação e Gestão de Políticas Sociais (SIGPS) da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH). Esse é o objetivo do Índice de Desenvolvimento da Família de Belo Horizonte (IDF-BH), criado pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS), em conformidade com as bases de análises do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) que têm como referência o Índice Nacional de Desenvolvimento da Família, consolidado a partir do banco de dados das famílias inseridas no Cadastro Único (CADÚnico). O IDF-BH é uma ferramenta capaz de apontar a situação econômica e social de cada família atendida pelos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), de forma a subsidiar tanto o trabalho dos técnicos que atuam na ponta, como a ação municipal para criação e/ou a adequação das políticas públicas voltadas aos públicos mais vulneráveis da cidade. Por meio do cadastro das famílias em situação de risco social cadastradas no SIGPS, o índice é capaz de gerar um resultado sobre o nível de fragilidade das famílias nos âmbitos de educação, saúde, renda, trabalho e habitação. A metodologia adotada para a construção do IDF-BH contempla as diversas dimensões da pobreza, bem como a forma como elas afetam o desenvolvimento dos indivíduos dentro de uma família, considerando, para isso, seis variáveis: vulnerabilidade, acesso ao conhecimento, acesso ao trabalho, disponibilidade de recursos, desenvolvimento infantil e condições da moradia. Além de apontar o grau de risco familiar, o índice também permite que a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social faça uma avaliação por grupos de famílias de forma territorial, bem como possibilita a avaliação do total das famílias cadastradas no SIGPS no município. “Essa é uma ferra-

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menta que permitirá avanços e melhorias na situação das famílias, na medida em que os profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) conseguirão identificar em quais dimensões será preciso intervir de forma mais direta, como no que se refere à escolaridade, ao acesso ao conhecimento e ao acesso ao trabalho, por exemplo. Atuando nos indicadores que resultaram em números ruins, conseguiremos melhorar a situação das famílias e, consequentemente, subir o IDF das mesmas. Ampliando isso para o território, conseguiremos melhorar o IDF local e, consequentemente, municipal”, explica o gerente de Informação, Monitoramento e Avaliação da SMAAS, Gustavo Caldeira, responsável pelo desenvolvimento do Índice em Belo Horizonte. O IDF considera, para o cálculo, valores que oscilam entre 0, para aquelas famílias na pior situação de vulnerabilidade e risco sociais possível, e 1, nota creditada para as famílias fora das situações de riscos e vulnerabilidades sociais analisadas. Cada dimensão é avaliada de forma destrinchada, considerando pelo menos dois componentes, como no caso da dimensão acesso ao conhecimento – que engloba as componentes analfabetismo e escolaridade – e da dimensão condições habitacionais – que contempla o maior número de elementos, sete itens, pontuando a propriedade do domicílio; o déficit habitacional; a abrigabilidade (condições da moradia); o acesso adequado à água; o acesso adequado ao saneamento básico e a esgotamento sanitário; o acesso à coleta de lixo e à eletricidade. Ao todo, o IDF-BH considera, dentro das seis dimensões, 22 componentes que se desdobram ainda em 41 indicadores. O índice pretende subsidiar e qualificar o trabalho principalmente dos técnicos dos Centros de Referência de Assistência Social com as famílias, assim como o dos técnicos dos demais serviços que realizam o acompanhamento fa-

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miliar, permitindo identificar qual parte da rede acionar para cada situação atendida. Ao gerar o IDF da família, o técnico consegue ver os resultados de cada dimensão analisada, tendo ciência de quais são as carências daquele grupo de pessoas e de como pode atuar para potencializar e promover esse núcleo familiar. “O IDF é um indicador que servirá de referencial para o trabalho dos técnicos como base para avaliar a condição das famílias e dar um direcionamento para o acompanhamento das mesmas nos CRAS. A partir dele, conseguiremos extrair como está a situação da família e, na medida em que o acompanhamento é realizado, é possível voltar ao IDF e ir confirmando se o trabalho que vem sendo desenvolvido está melhorando de fato a sua condição social. As dimensões se correlacionam o tempo todo, assim como ocorre na vida dos usuários. Se a mãe está com problemas sérios de saúde gerados por condições de habitação ruins, por exemplo, dificilmente conseguirá trabalhar. Então, a questão habitação, reflete também no quesito renda familiar. E isso é verificado pelos resultados, traduzindo a importância de se trabalhar todas as dimensões”, reflete a técnica do CRAS Independência, Gleidceane Maiari Fernandes. Um dos diferenciais do IDF é que o índice é capaz de apontar resultados mais complexos do que alguns indicadores de referência internacional, como, por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), da Organização das Nações Unidas (ONU), aplicado em todo o mundo. Caldeira esclarece que isso é possibilitado pelo fato de o IDF não precisar considerar apenas grandes grupos de pessoas. “O IDF é mais específico do que alguns outros indicadores, como apontado pelo Ricardo Paes (principal responsável pela criação do IDF Nacional), e foi pensado para avaliar e analisar públicos menores, possibilitando uma verificação da situação em abrangência territorial (por bairro ou comunidade) e familiar”, comenta o gerente.

IDF-BH e Família Cidadã As primeiras famílias a serem acompanhadas pelo IDF-BH farão parte do Projeto Família Cidadã – BH sem Miséria, sob coordenação da Gerência de Coordenação do Programa BH Cidadania (GPBC), da Secretaria Municipal de Políticas Sociais (SMPS), iniciativa já desenvolvida no município que tem como objetivos promover o acompanhamento e o monitoramento sistematizado de famílias nas mais altas situações de vulnerabilidades e riscos sociais com a proposta de reorganizar, reestruturar e possibilitar o autossustento desses cidadãos. Desenvolvido por meio da articulação entre as políticas sociais, de saúde, de educação e de habitação, o programa considera essencialmente as famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, ou seja, têm renda per capita de até R$77,00 mês e, a partir da implantação da ferramenta digital, deverão apresentar IDF abaixo de 0,5 para serem inseridas no Família Cidadã. A meta para 2015 é que cada CRAS faça o acompanhamento de 60 famílias. A partir do Plano de Ação Familiar, desenvolvido junto aos usuários inseridos no Família Cidadã, as propostas acordadas com as famílias são monitoradas e verificadas, considerando como cada parte envolvida tem respondido ao que foi firmado entre família e CRAS. Exparticipante do programa Família Cidadã antes até de o mesmo ser vinculado ao IDF, a família de Renilda da Silva é acompanhada pelo CRAS Independência desde 2002. Renilda se recorda sobre como as ações propostas por ela, em acordo com sua técnica de referência, foram sendo alcançadas e como o equipamento a ajudou a chegar aonde nem havia pensado. “No primeiro momento, eu, junto à equipe do Centro de Referência, vimos quais eram as maneiras que minha família poderia ser ajudada;

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IDF pode ser aplicado para análise territorial e grupos de família

O acompanhamento e o monitoramento das famílias inseridas no programa Família Cidadã dão-se a partir do Plano de Ação Familiar, por meio do qual são estabelecidas metas para cada indivíduo, havendo a verificação de seu cumprimento a partir do prazo estabelecido.

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Além do envolvimento direto da Assistência Social, da Saúde e da Educação, a Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (URBEL) também é diretamente envolvida no Família Cidadã, viabilizando melhorias e reformas nas residências de algumas famílias, com vistas a possibilitar uma melhor qualidade de vida às mesmas.

O Família Cidadã foi destaque no maior jornal do mundo, sendo pauta para o jornalista David Bornstein, do jornal americano The New York Times, sendo citado como um programa capaz de melhorar efetivamente a situação social de famílias em situação de extrema vulnerabilidade e risco.

Equipe da Gerência de Informação, Monitoramento e Avaliação da SMAAS, setor responsável pela elaboração do IDF-BH

com cursos profissionalizantes para os meus meninos, com recebimento do Bolsa Família, com oficinas para mim e para meus filhos. Em uma dessas oficinas, aprendemos a fazer arte em mosaico e, como me saí muito bem, fui convidada para ensinar outras mulheres que frequentavam o CRAS o que eu havia aprendido. Depois disso, vi que gostava de trabalhar com arte e me candidatei a uma vaga de emprego na área. Mas, eu, que sempre trabalhei

de doméstica, não estava esperando muito além disso. Não imaginava que seria contratada como monitora de arte na Escola Municipal Presidente Itamar Franco e isso nem fazia parte do Plano. É uma grande realização trabalhar na educação das crianças da minha própria comunidade. Me sinto muito importante e sei que o CRAS sozinho também não anda, ele anda com a comunidade. A gente precisa dele e ele, da gente”, comenta a usuária.

DIMENSÕES E COMPONENTES ANALISADAS PELO IDF-BH DIMENSÃO

COMPONENTES ANALISADAS

Vulnerabilidade

- Gestação e amamentação - Crianças, adolescentes e jovens na residência - Pessoas com deficiência ou idosas na residência - Independência financeira

Acesso ao conhecimento

- Analfabetismo - Escolaridade

Acesso ao trabalho

- Disponibilidade de trabalho - Qualidade do posto de trabalho - Remuneração

- Extrema pobreza Disponibilidade de recursos - Pobreza - Capacidade de geração de renda

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Desenvolvimento Infantil

- Trabalho precoce - Acesso à escola - Progresso escolar

Condições habitacionais

- Propriedade do domicílio - Déficit habitacional - Abrigabilidade - Acesso adequado à água - Acesso adequado a saneamento básico e esgotamento sanitário - Acesso à coleta de lixo - Acesso à eletricidade

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AR TI GO Formaçao técnica e trabalho no PAIF: Desafios de um percurso Eliete Rezende*, Haydée Gonçalves**, Soraia Souza*** O caminho para a concretização da proteção social de assistência social tem sido percorrido por múltiplos atores e permeado por desafios evidenciados tanto do ponto de vista do aporte de recursos, quanto pela consolidação dos serviços socioassistenciais ofertados. A materialização de princípios, diretrizes e objetivos da Política de Assistência Social, no âmbito da proteção social básica, tem representado um dos muitos caminhos desafiantes pelos quais todos os atores envolvidos com a edificação do Sistema Único de Assistência Social vêm percorrendo. Um importante lócus de concretização desses princípios e objetivos e que compõe a Proteção Social Básica da Assistência Social é o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS). O Cras é uma unidade de proteção social básica do SUAS, que tem por objetivo prevenir a ocorrência de situações de vulnerabilidades e riscos sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania (BRASIL, 2009, p. 09).

Trata-se de um equipamento público que possui uma dimensão inovadora ao estabelecer novos padrões de trabalho e relação entre o poder público, a comunidade e as famílias em situação de vulnerabilidade social. O caráter inovador reside no fato de ressignificar o olhar da assistência social sobre os territórios e sobre as famílias, considerando suas trajetórias, suas vivências, os desafios da vida cotidiana no efetivo exercício de seus direitos. A efetivação do trabalho do CRAS nos territórios em que atua ocorre por meio da oferta de serviços de proteção social básica, dentre os quais se destaca o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif). O Paif constitui-se de forma estratégica, promovendo a proteção socioassistencial às famílias, articulando e integrando os outros serviços de proteção básica, programas de transferência de renda e benefícios assistenciais. Suas ações objetivam fortalecer a função protetiva da família e prevenir a ruptura de vínculos familiares e comunitários, apoiar as famílias nos cuidados de seus membros mais vulneráveis por meio da promoção de espaços coletivos de escuta e troca de vivências familiares. As demandas apresentadas quando da inserção no serviço são traduzidas, por meio do trabalho de acolhi-

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* Assistente Social e Analista de Políticas Públicas da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social/Gerência de Proteção Social Básica. ** Assistente Social e Técnica de Referência do PAIF / Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social/Gerência de Proteção Social Básica. *** Socióloga e Analista de Políticas Públicas da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social/Gerência de Proteção Social Básica.

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da da equipe técnica, em ações que irão compor o desenvolvimento do trabalho social com famílias.

significação e reflexão a respeito de seu conteúdo ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo.

Tais ações consistem na realização de atendimentos técnicos, visitas domiciliares, grupos com famílias, oficinas, ações socioeducativas, acompanhamentos de famílias e grupos, dentre outros. Todas elas pressupõem o estabelecimento de vínculo entre o técnico e as famílias atendidas, de modo que, a cada ação, o primeiro se veja diante da necessidade de reconhecer a complexidade das questões trazidas e, juntamente com a família, de construir as possibilidades de intervenção com vistas a alterar situações de desproteção social.

Sendo o Paif, o serviço primordial de proteção social básica, de responsabilidade do Estado, importa refletir sobre alguns aspectos que envolvem sua execução. De qual(is) maneira(s) ele vem sendo ofertado? Quais são os pontos de convergência e de divergência nos pressupostos que orientam o fazer profissional das equipes que operacionalizam o serviço? Quais têm sido as práticas do trabalho social com famílias que apontam sua efetividade? Essas e outras questões se fazem cotidianamente presentes no contexto do trabalho realizado pelas equipes dos 34 CRAS do município de Belo Horizonte.

O desenvolvimento desse trabalho encontra-se permeado por desafios e contradições em torno do alcance da proteção social de assistência social diante de contextos estruturais de vulnerabilidades aos quais as famílias se encontram inseridas. Traduzir as demandas postas cotidianamente pelos usuários em ações concretas requer investimentos de várias ordens, sendo que o papel da equipe técnica responsável pela execução do Paif assume um lugar estratégico. O trabalho técnico “consiste em construir com as famílias formas de conhecimento e análise das situações vividas por elas, que as levem a projetar alternativas e soluções para dentro e para fora delas, das dificuldades e iniquidades com as quais estão convivendo”. (MIOTTO, 2014, p. 14)

1 Para melhor compreensão do histórico do Paif, consulte, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, a tradução do direito à Proteção Social Básica: uma contribuição de BH, de 2013.

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A constituição do Paif enquanto serviço socioassistencial possui um legado histórico marcado por ações fragmentadas e descontínuas que vêm sendo superadas a partir da instituição de novas referências jurídicas e normativas1 e da sua implementação concretizada por meio do desenvolvimento do trabalho social com famílias na prática cotidiana dos operadores da política. É inegável que o alcance do impacto social esperado para o Paif requer um profundo e constante processo de res-

Impulsionadas pelo efervescente cenário de reflexões e desafios em torno desse serviço, pela recomposição das equipes técnicas em virtude da realização de concurso público e pela ciência de que os processos formativos e de capacitação são importantes estratégias de consolidação do SUAS, a Gerência de Proteção Social (GPSO) e a Gerência de Proteção Social Básica (GPSOB) realizaram, em parceria com a Associação Municipal de Assistência Social (AMAS), no segundo semestre de 2014, um processo formativo visando a qualificação da execução do Paif. Os principais objetivos desse processo foram alinhar o entendimento sobre os pressupostos e fornecer subsídios teórico-metodológicos, de forma a proporcionar a reflexão sobre o desenvolvimento do trabalho social com famílias, bem como valorizar e aprimorar as ações socioassistenciais já desenvolvidas. A formação se estruturou visando proporcionar a participação de todos os técnicos de nível superior envolvidos na execução do Paif, por meio da realização de seminários, discussões temáticas e oficinas. As oficinas objetivaram a criação de espaços para trocas de experiências e diálogos

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entre os participantes. Ao todo, estiveram presentes 185 técnicos. A escolha da consultora que executou o processo formativo considerou a qualificação e expertise necessárias frente ao desafio proposto2. A presença da consultora, como um ator externo, implicou em agregar maior compreensão em torno dos pressupostos e das concepções norteadores do Paif, proporcionou, ainda, o processo de ressignificação do olhar do técnico sobre seu trabalho diário nos territórios em que atua. A articulação teoria e prática, viabilizada pela reflexão acadêmica, contribuiu sobremaneira com a produção de um novo saber sobre o fazer. O processo formativo teve início no dia 25/08/2014 e término no dia 12/12/2014, num total de 35 encontros. No caminho percorrido ao longo dos meses de agosto a dezembro, buscou-se revisitar as determinações históricas da Política de Assistência Social e as condições pelas quais essa política se tornou pública. O primeiro diálogo estabelecido procurou suscitar reflexões sobre “A assistência social na contemporaneidade e o PAIF: “Que assistência queremos? Para quem e para quê – o papel central do Paif”. A compreensão em torno dos propósitos mais gerais e do projeto político anunciado pela Assistência Social representou, portanto, importante ponto de partida para, em seguida, situarmo-nos a respeito da “Proteção Social Básica do SUAS – desafios para a implementação do novo.” Em um expressivo momento do percurso, o cotidiano se revelou. Procurou-se transcender o usual e trazer à tona conceitos e preconceitos em torno de algo que, a princípio, nos parecia familiar. Refletiu-se então sobre o “Conceito de Trabalho Social com Famílias no âmbito do Paif”. Nesse momento, foi possível perceber que, por serem múltiplos os atores, diversos são os olhares em torno do fazer, daquilo que confere conteúdo ao conjunto de ações que compõem o Paif. Levantou-se a importância do olhar atento e vigilante da equipe em torno das

expressões da questão social, da vivência das vulnerabilidades e riscos pelas famílias e indivíduos atendidos diariamente no CRAS. O olhar de quem executa precisa estar em constante atenção sobre quem são os usuários do Paif. Para aprofundar essa temática, foi desenvolvida a oficina: “Usuários do Paif: discussão sobre processo de subalternização dos usuários da assistência social, questões de gênero, raça/etnia, direitos das crianças/adolescente, idosos e pessoas com deficiência.” Finalmente, o caminho traçado conduziu os participantes ao que a consultora chamou de “mão na massa”, momento aguardado com grande expectativa por todos. As avaliações realizadas durante o percurso demonstravam o anseio dos técnicos por discutir o fazer, ou melhor, o como fazer. Conforme previsto no Caderno de Orientações3, as ações de “Atendimento e Acompanhamento Familiar: ações que compõem o Trabalho Social com Famílias do Paif” foram tratadas e podem ser consideradas como a síntese do Serviço, a operacionalização do trabalho.

A consultora contratada para o processo de capacitação foi Priscilla Maia de Andrade. Ela é graduada em Serviço Social (2002), mestre (2007) e doutoranda em Política Social pela Universidade de Brasília. Compôs o quadro funcional da Secretaria Nacional de Assistência Social (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), atuando na regulação da Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social durante cinco anos e, atualmente, é professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, ministrando, principalmente, as disciplinas Seguridade Social 3: Assistência Social e Estágio em Serviço Social. 2

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas sobre o Paif. Brasília: MDS, 2012. 3

Percebeu-se, nesse momento de tratar do fazer, que algumas expectativas não se concretizaram, pois não foram produzidos manuais operacionais com receitas procedimentais para o trabalho cotidiano. Ao contrário, buscou-se empreender uma reflexão de que cabe aos técnicos, a partir dos arcabouços teóricos conceituais do Paif; das especificidades de suas formações acadêmicas, bem como da realidade vivenciada no cotidiano do CRAS, elaborar, experimentar e reelaborar cotidianamente seu fazer profissional. Na intervenção requerida pelo serviço, são inúmeros os elementos que se interligam para conformar o trabalho social: a) gestão da política de assistência, (compreensão da assistência social como direito, compromisso com a política, recursos disponibilizados, capacidade

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de mobilização intersetorial); b) território (relações sociais, processo histórico, recursos, vulnerabilidades); c) recursos humanos (formação, experiência, expertises); d) famílias (composição, crenças, valores, vivências de vulnerabilidades...). A forma de lidar com sistemas complexos é construindo alternativas de enfrentamento dos problemas cotidianos, compartilhando saberes e experiências entre os CRAS, no sentido de contribuir com a construção de melhores condições de implementação do serviço. Ressalta-se, ainda, o desafio e o compromisso de ampliação dos canais de participação dos usuários nesses processos. Para tal, é imprescindível que os conceitos do Paif sejam homogeneizados e bem compreendidos pela gestão e por técnicos que operacionalizam tal serviço. Ainda nessa direção, é preciso apreender que o trabalho social requerido com famílias não cabe em manuais procedimentais, mas depende da capacidade de leitura da conjuntura e da realidade dos territórios e das famílias atendidas, pois as ações de cunho preventivo e protetivo requeridas pelo Paif são peculiares e desafiadoras, como bem resumiu uma técnica durante esse processo de formação: “trabalhar no CRAS é desafiar-se cotidianamente”. Assim, espera-se que esse processo de capacitação tenha conseguido balizar alguns conceitos e afiançar alguns conhecimentos e reflexões, capazes de instrumentalizar os técnicos para esse “desafiar-se”. A aposta é a de que a qualificação do olhar do técnico em torno das condições nas quais o usuário está inscrito, da percepção do mesmo como um sujeito de direitos, implica na produção de novos padrões de atendimentos, de atitude diante da interação que se opera na dimensão relacional presente quando do acesso do usuário ao Paif. O aprimoramento contínuo da expertise técnica contribui para a produção de respostas adequadas do serviço às necessidades da população atendida. No intuito de provocar o reconhecimento do que já se faz em termos de trabalho social – a partir das peculiaridades de cada território –, incentivou-se o compartilhamento de experiências, demonstrando que, a despeito de condições adversas, é possível, sim, desenvolver o trabalho social com famílias, afiançar seguran18

ças sociais e garantir proteção social. Tal iniciativa comprovou a capacidade e o compromisso dos técnicos de responder a complexidade da realidade socioterritorial e política a que estão rodeados. Obviamente por se tratar do início de um longo e intenso processo de reflexão, não se pode olvidar dos muitos desafios presentes na própria constituição da proteção básica de assistência social e de seu caráter preventivo diante de contextos estruturais de vulnerabilidades e riscos sociais. Seguimos neste percurso, nesse caminho muitas vezes adverso, porém cientes do papel do Estado frente a essa política pública e à garantia de direito do cidadão, conscientes de que a concretização da Assistência Social requer investimento, orçamento, compromisso político de todos os atores envolvidos e, principalmente, atuação vigilante dos operadores da política, para torná-la concreta, viva, e assim capaz de produzir uma nova realidade, uma realidade de efetiva proteção social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. Processo Formativo das Equipes dos Centros de Referência de Assistência Social – CRAS: “O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF”. Belo Horizonte: PBH, 2014. BELO HORIZONTE. Prefeitura Municipal. Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família, a tradução do direito à Proteção Social Básica: uma contribuição de BH. Org. Aidê Almeida Cançado. Belo Horizonte, PBH, 2013. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Brasília: MDS, 2009. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Orientações Técnicas sobre o PAIF. Brasília: MDS, 2012. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2004. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília: MDS, 2009. MIOTTO, Regina Célia Tamaso. Texto Orientador: Considerações sobre o trabalho social com famílias: proposta para discussão. Seminário Nacional de Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2014. SPOSATI, Aldaíza. Concepção e Gestão da Proteção Social não Contributiva no Brasil. Brasília, 2009.

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LAVANDO A ALMA

“Ensaboa mulata, ensaboa, ensaboa tô ensaboando, tô lavando a minha roupa, lá em casa estão me chamando ô Dondon...” Mariana Costa

A música de Cartola, composta no último século, retratava uma cena comum nos morros cariocas, muito semelhante ao que ocorria no Alto Vera Cruz, comunidade tradicional localizada na regional Leste de Belo Horizonte, nos anos 1940, onde uma bica reunia mulheres de todas as idades, no “Alto dos Minérios”, para a lavação de roupa, cantoria e trocas de vivências. Algumas também se juntavam no Ribeirão Arrudas (à época limpo). As histórias dessas “lavadeiras”, pioneiras na ocupação do bairro, inspiraram suas descendentes, um grupo de mulheres conduzidas pela analista de políticas públicas, Solange Bueno, técnica do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) Alto Vera Cruz que, encantada com os muitos causos desse tempo, propôs uma atividade em que seria possível “lavar a alma”, por meio do diálogo e do resgate das origens da comunidade. “Percebemos, pelo relato dessas mulheres, que havia um significado nesses encontros, que essa prática de se reunirem para lavar as roupas era também um momento de cumplicidade e fortalecimento de vínculos.

Então, de uma forma muito sutil, pensamos em uma oficina de sabonetes, que tinha origem nessas histórias que fomos colhendo. Quisemos saber quem era essa mulher que vivia no Alto Vera Cruz no início do bairro, e quem é a mulher que mora aqui hoje”, conta Bueno. A busca que motivou Solange instigou também as próprias participantes do grupo que, como a técnica, passaram a procurar pela mulher do “Alto”, e acabaram por encontrar em si mesmas mulheres que antes não conheciam. Mulheres capacitadas para defender seus direitos, para informar sua comunidade e para lutar por seus desejos. Mulheres companheiras que acabaram formando uma rede de cooperação e despertando o potencial umas das outras. Foi o caso de Ângela Gomes, de 43 anos, que passou a andar maquiada, empoderada e contente, exibindo seus diplomas dos diversos cursos que realizou nas áreas de direitos humanos; de Maria Geralda de Andrade, de 49 anos, que voltou a estudar para per-

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seguir um antigo sonho de ajudar as pessoas por meio da arte; e de Aparecida Maria, de 45 anos, que tem orgulho de ter conseguido construir a própria casa, após ter vivido nas ruas com as filhas. Essa conquista trouxe de volta os três netos pequenos que haviam sido acolhidos em uma instituição, diante das fragilidades que a família enfrentava. As três descobriram-se artesãs e passaram a valorizar seus talentos, ensinado o ofício a outras pessoas.

Os caminhos da prática

A sigla que quer dizer: Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade de escolarização nas etapas dos ensinos fundamental e médio da rede escolar pública brasileira. Recebe os jovens e adultos que não completaram os anos da educação básica em idade apropriada, por qualquer motivo.

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Para elaborar o processo de acompanhamento do grupo de mulheres, Solange baseou-se em novas ferramentas que desenvolveu a partir de uma oficina realizada com apoio de um especialista em atividades e dinâmicas coletivas, Milton Almeida. A iniciativa contou com quatro encontros e momentos prévios de trocas coletivas. O profissional suscitou que os técnicos buscassem novas possibilidades de abordagem, a partir de estudos sobre os Cadernos Paif. “Lançamos perguntas geradoras aos técnicos, estimulando que eles, por sua vez, questionassem aos usuários que atendem sobre o que desejam realizar e, sobretudo, levando-os a refletir sobre a forma, sobre como farão para alcançar os objetivos”, estimulava o especialista. Nesse sentido, para Solange, um tabu que precisou ser quebrado no decorrer do processo foi o de ignorar o instrumental em um primeiro momento e o de se ocupar em facilitar que emergissem as verdadeiras demandas daquelas pessoas. “Algo que muito nos afligia era o fato de perceber que fazer um plano de acompanhamento é algo que vai muito além de marcar uma reunião com a família e preencher um documento. Existe um momento prévio em que o que mais importa é o processo de buscar o que cada um tem em comum e construir algo em conjunto, e isso demanda um grande trabalho do técnico do CRAS”, defendeu ela.

Grande parte das mulheres do grupo já havia participado de muitas oficinas e atividades do CRAS, mas, apesar da qualidade do trabalho desenvolvido anteriormente, ele apresentava uma fragmentação. Diante da necessidade de criar algo contínuo, o grupo inovou, partindo de dois pontos aparentemente simples: a escuta e o planejamento. “O que a gente tentou fazer nessas oficinas foi trabalhar a linguagem do cotidiano, sem perder de vista a história da comunidade. Como tinha uma pessoa que ofertava uma oficina de sabonete com muita qualidade, fizemos discussões com várias temáticas, possibilitando uma imersão e a oportunidade para um mapeamento muito rico. Tanto que chegamos ao final dessas oficinas com o mapeamento do bairro, indicando lugares perigosos para elas, em termos de acessibilidades, os tipos de serviços que gostariam de ter. Ao final, o vínculo estava tão forte entre essas mulheres, sugerindo que gostariam de continuar o processo. Uma das ofertas que indicamos foi o acompanhamento em grupo”, apontou Solange. Por fim, o grupo passou a ter a frequência de 15 mulheres que se mobilizam por elas mesmas e tinham o seu saber valorizado. Durante oito meses, foi realizado um planejamento junto às participantes, que escolhiam o que queriam fazer e como gostariam de trabalhar. Maria Geralda de Andrade, que passava por um momento de depressão e complicações com a saúde, abriu as portas da própria casa para ofertar uma oficina de artesanato para as colegas. “A arte envolve a gente, comove! Eu estava tomando remédio de depressão e parei por causa do artesanato. Agora quero ensinar o que aprendi, quero ver as pessoas felizes e bem, como estou sentindo”, relata, e completa dizendo ter tido a vida transformada pela iniciativa. “Agora eu tenho o meu trabalho, estou na sétima série do EJA, estou aguardando uma vaga no edital de feiras regionais, estou feliz!”. As oficinas não eram uma novidade para as usuárias do CRAS, contudo o

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Mariana Costa

Ângela (ao centro) ensina as companheiras a fazerem flores para enfeitarem suas casas

acompanhamento sociofamiliar em grupo era um processo a ser construído, testado e experimentado por técnicos e usuários. “O processo de acompanhamento foi introduzido na metodologia do Paif a partir das orientações técnicas para o serviço. Consiste em um conjunto de intervenções com objetos estabelecidos que possibilitam às famílias acesso a um espaço onde possam refletir sobre sua realidade, construir novos projetos de vida e transformar suas relações sejam elas familiares ou comunitárias”, reflete Magali Ceotto, gerente de proteção social básica da SMAAS. A proposta foi construir uma oficina com ênfase na reflexão, com o objetivo de atender a demanda das participantes, com o planejamento de que, do início ao final, a iniciativa fizesse parte de um processo maior. “Passamos a ter diálogo entre as mulheres da comunidade; muitas das vezes, a gente passava uma pela outra e nem cumprimentava. Aqui, nós nos conhecemos e nos ajudamos”, destaca Ângela Gomes que, motivada pelos encontros semanais, sentiu o desejo de participar de cursos tanto na área do artesanato, quanto sobre direitos, especialmente sobre os direitos da mulher. Para tanto, ela precisou posicionar-se frente à família e colocar o filho mais novo na Escola Integrada, o que era um tabu para uma

mãe tão dedicada. Com a ajuda das amigas, Ângela tomou a decisão e não se arrependeu. “Eu tive coragem de colocar meu filho na Escola Integrada, eu achava que ele tinha que ficar comigo, que eu não seria boa mãe se não cuidasse dele o tempo todo, mas hoje ele está feliz, aprendendo muito. Eu também estou feliz fazendo meus cursos, quase não tenho tempo para tantas atividades”, conta entre risos. A atuação do grupo ajudou a fortalecer a rede de prevenção e proteção da mulher no território. Mesmo tendo vivenciado uma trajetória marcada por violações, Aparecida Maria, aprendeu, de forma coletiva, a defender os próprios direitos dentro da comunidade. “Nós fizemos um estandarte bem grande, cada uma fez uma parte, e quisemos sair com ele pelo bairro para mostrar a força da mulher. Teve um homem que até xingou: - Vou arrumar uma trouxa de roupas pra vocês lavarem! Mas a gente não se intimidou, colocamos o nome do grupo de ‘Mulheres Unidas’, queremos que mais mulheres venham participar e também saibam se defender, conhecendo seus direitos!”. Mal sabia ele que justamente as histórias de lavação de roupa, das antigas mulheres do “Alto” teriam sido o estopim para a união de mulheres, agora mais engajadas e empoderadas.

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O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif) é um trabalho de caráter continuado, que visa fortalecer a função de proteção das famílias, prevenindo a ruptura de laços, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida.

A experiência que deu origem ao Grupo Mulheres Unidas foi apresentada no ano de 2014, como um exemplo exitoso de acompanhamento em grupo, durante Seminário de encerramento do processo de capacitação sobre o Paif, voltado aos profissionais da Proteção Social Básica da SMAAS, especialmente aos analistas de políticas públicas atuantes nos

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SERÁ QUE SABEMOS O QUE QUEREMOS? Pautada com pouca informação, maioria da sociedade posiciona-se a favor da redução da maioridade penal para adolescentes acima de 16 anos. Mas o que de fato está por trás das vidas desses meninos e meninas autores de atos infracionais? Beatriz Maciel Nos discursos dos adolescentes apreendidos, as motivações para transgredirem assemelham-se, assim como também convergem suas trajetórias de vida. Moradores de vilas e favelas, negros ou pardos e com defasagem escolar média de cinco anos. Do outro lado, como ensejo para os delitos, a exclusão social e a falta de acesso a bens de consumo são os principais pontos comentados pelos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, refletindo, inclusive, nas principais infrações cometidas: tráfico de drogas, roubos e furtos. Com o Brasil ocupando o terceiro lugar no ranking das maiores comunidades carcerárias do mundo, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o país discute a possibilidade de inserção desses meninos e meninas no sistema carcerário convencional, esquecendo-se de que forma esses adolescentes retornarão ao convívio social e que futuro terão ao ganharem nova liberdade.

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Todas as quintas-feiras, o adolescente H.M.D. desloca-se da comunidade onde vive para o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) Centro-Sul, no qual cumpre a medida socioeducativa de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC), há três meses, após ter sido apreendido por tráfico de drogas no Morro do Papagaio. O jovem, que completou 18 anos no último mês de maio, demonstra inquietações típicas da juventude, como o imediatismo. A vontade de querer conquistar bens materiais e dar uma vida melhor aos pais foram as motivações que levaram H.M.D. ao tráfico. Sem sucesso de conseguir o que desejava pela via dos atos infracionais, hoje, o jovem empenha-se em terminar a medida socioeducativa, que cumpre com esmero, e conseguir uma colocação no mercado de trabalho. “O crime te dá com uma mão e te tira com as duas. Eu vi que é pura ilusão. Sair na comunidade e ver as pessoas me olhando e dizendo: ‘– Tá vendo esse aí? É bandido’, era muito ruim. Nessa vida, eu consegui dinheiro, mas não consegui o que mais queria, que era melhorar a situação lá em casa. Minha mãe não aceitava nada que viesse do tráfico”, conta o jovem. Atendido pela Analista de Políticas Públicas/ Assistente Social da Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS) Walkiria Glanert Mazetto, o trabalho com H.M.D. tem se pautado na conscientização e responsabilização do adolescente pelos atos infracionais que cometeu, bem como na inserção do jovem em ofertas de outras políticas públicas setoriais, como educação e saúde, de forma a fazê-lo refletir sobre como suas ações têm implicações sociais e de que maneira o seu próprio futuro pode ser comprometido a partir das decisões que tomar. H.M.D. já havia cumprido anteriormente outras duas medidas socioeducativas de Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) e, de acordo com a técnica, ao ser novamente apreendido, uma nova PSC foi aplicada pelo juizado. “No caso

“O que temos que fazer é nos preocupar em criar mais condições e oportunidades para esses jovens”. Márcia Passeado

de H.M.D., temos voltado, inicialmente, o acompanhamento para, nos atendimentos, conversarmos sobre as questões que o fizeram cometer os atos infracionais e refletir sobre as experiências no serviço comunitário, assim como temos atuado de forma a verificar novas oportunidades para a vida dele. Um dos desejos seria trabalhar com música, então, estou em contato com uma ONG que atua nessa área para ele conhecer como funciona o setor fonográfico”, explica Mazetto. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê, ao todo, seis medidas socioeducativas passíveis de aplicação aos menores de 18 anos, autores de atos infracionais: advertência, obrigação de reparação ao dano, prestação de serviço à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação. As quatro primeiras são medidas em meio aberto, em que não há privação da liberdade, sendo que a advertência e a reparação do dano envolvem apenas o poder judiciário, e a prestação de serviço à comunidade e a liberdade assistida são medidas executadas pelo município. Já na semiliberdade e na internação, o adolescente fica privado de liberdade parcial ou integral, respectivamente, por um período de até três anos, sendo essas duas medidas de responsabilidade do executivo estadual. O juiz da Vara da Infância e da Juventude é responsável pela aplicação da medida, que leva em consideração a gravidade da infração e a capacidade do adolescente em cumpri-la. Nesse sentido, a Prefeitura de Belo Horizonte é responsável pela execução das medidas socioeducativas em meio aberto (LA e PSC),

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Mariana Costa

H.M.D sonha em ser reconhecido como músico e espera um futuro promissor após passar por medida socioeducativa

Apenas 3,5% dos jovens que finalizam o cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto executadas pela PBH reincidem.

realizando acompanhamento, atendimento e orientação socioassisencial e socioeducativa dos 1.872 adolescentes que cumprem uma das duas modalidades atualmente na capital mineira. De acordo com a gerente do Serviço, Márcia Passeado, pode-se perceber um perfil semelhante aos jovens apreendidos, formado, predominantemente, por adolescentes que se declaram negros ou pardos, moradores de vilas e favelas, a maioria com idade entre 15 e 17 anos, com uma média de defasagem escolar de cinco anos e cerca de 50% encontravam-se fora da escola no início do cumprimento da medida. Para Passeado, “é necessário refletirmos sobre o perfil dos adolescentes que chegam ao sistema socioeducativo, que, inclusive, é o mesmo público de jovens que são mais assassinados no país, segundo os mapas da violência”, reflete. A impressão de impunidade percebida pela sociedade diante dos atos infracionais cometidos por menores de 18 anos também é apontada por Passeado como um equívoco, e a reflexão sobre como esses adolescentes retornarão à sociedade, caso a Proposta de

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Ementa Constitucional 171, de 1993, (que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos) seja aprovada, não tem sido considerada nas discussões. “Percebemos um desconhecimento com relação ao tema pela sociedade e também certo mito de impunidade ao adolescente autor de ato infracional, entendendo, erradamente, que as medidas não garantem essa responsabilização e gerando a ilusão de que, com a redução da maioridade, afastar a questão do seu âmbito, sem dar tratamento, seria a melhor solução, como se essa situação não fosse retornar em algum momento ou como se pudéssemos afastar ou extirpar o problema da violência”, aponta. Além disso, a gerente também coloca a importância das políticas públicas para que o adolescente acesse aos direitos que lhes são garantidos. “O que temos que fazer é nos preocupar em criar mais condições e oportunidades para esses jovens, já que a consecução da medida socioeducativa é de fato possível, por meio da responsabilização, da superação da trajetória infracional e da garantia do acesso aos direitos, como na saúde, na educação, na cultura, no trabalho e emprego”, conclui.

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No que se refere aos dados de reincidência, para as medidas socioeducativas em meio aberto executadas pelo município, levantamentos feitos pela SMAAS apontam que apenas cerca de 15% dos adolescentes dão reentradas no sistema socioeducativo por nova apreensão, ou seja, recebem uma nova penalidade quando ainda em curso de uma outra medida. Já ao considerarmos as reincidências, caracterizadas quando o jovem comete um novo ato infracional após o cumprimento total da primeira medida socioeducativa, esse número cai para 3,5%, o que reflete a efetividade nas execuções da LA e da PSC em Belo Horizonte. Para quem teve a oportunidade de passar pelo sistema socioeducativo e experimentar uma mudança de visão de mundo e de perspectiva de vida, o futuro passa a ser a aposta para as ações no presente. “Agora eu espero só prosperidade. Hoje eu dou ainda mais motivos para meus pais sorrirem, me vendo fora do crime. Um dia eu também vou ter um filho e ficava imaginando meu filho vendendo droga, como que isso seria para mim. Eu quero ter um filho certo, honesto, trabalhador, que nem meu pai é e que nem eu vou ser também”, deseja H.M.D..

IMPLIQUE-SE! Para a medida de Liberdade Assistida, além do acompanhamento técnico executado pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social (SMAAS), existe também a figura do Orientador Social Voluntário. Assim como o nome define, o orientador é um cidadão que, voluntariamente, se compromete a ser uma referência ética aos adolescentes em cumprimento de LA, dedicando-se ao convívio com os mesmos para trocas de experiências, por um período de, aproximadamente, quatro horas semanais. Esse cidadão será um facilitador para o fortalecimento dos vínculos sociais entre o jovem e a comunidade, além de apresentar ao mesmo as infinitas possibilidades de acesso à cidade. Para ser um orientador, é preciso ter mais de 21 anos e residir na capital. Mais informações podem ser conseguidas pelo telefone 3277-4420.

Meninos com idade entre 15 e 17 anos, declarados negros ou pardos e com defasagem escolar média de cinco anos, forma o perfil da maioria dos jovens em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto em Belo Horizonte.

LETRA DE MÚSICA COMPOSTA POR H.M.D. Vários desacreditou Só porque eu morava na favela Alguns quis me derrubar Recalque só dá guela Mas graças ao Senhor, ele me fortaleceu Agora vai segurando, que o menorzinho cresceu. Hoje eu to cantando é na pura humildade É pra alegrar todo mundo E também as comunidade. Tem que ser atividade Tu não pode desistir Mas se tu acreditar no seu sonho Vai em frente que tu vai conseguir. Mas eu confesso que às vezes dá uma vontade de parar Mas Deus estava comigo Pra fazer eu continuar. É que nós sobe no palco

Bota pra estralar Esse foi o jeito que eu achei pra poder me expressar. Eu tava sempre aí Na caminhada louca Só quem é entende Aqui dentro, a fita é outra. Nossa vida é essa Nossa vida é cantar É que Deus me deu esse dom Pra eu poder utilizar. É que eu sei que tudo é difícil Mas nada é impossível Eu passei por várias tretas Pra mim subir de nível.

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NOVENTA DIAS NO ESCURO Atendimento humanizado e sistemático ajuda a recuperar a visão de um ex-morador de rua

Mariana Costa Uma “cegueira” temporária transformou o acompanhamento a um usuário da assistência social em uma batalha pela restituição de sua visão e autonomia, unindo profissionais de duas políticas públicas fundamentais.

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Mariana Costa

Para o ex morador de rua, voltar a ver a paisagem 27 EMBARCAÇÃO Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - PBH foi uma conquista.


O Serviço de Acompanhamento Sociofamiliar/SASF/ SMAAS atua junto aos beneficiários do Programa Bolsa Moradia da URBEL que foram encaminhados pelos serviços destinados à população de rua do município de Belo Horizonte (Abordagem Social, Albergue, Repúblicas, etc.). Cabe ressaltar que o Bolsa Moradia, cujo público-alvo são as famílias residentes em área de risco geológico, disponibiliza 296 vagas à SMAAS, por meio do pagamento de um auxílio aluguel no valor de R$ 500,00.

A manhã estava como a maioria das outras. Sr. Célio Ferreira dos Santos torrava o arroz para o almoço quando tudo escureceu. Seus dois olhos foram tapados de uma só vez. Ele levou alguns minutos para notar que não enxergava. Teve certa calma. Conseguiu desligar a panela e foi logo chamar a vizinha para ajudar. “Pedi a ela que ligasse para a Cynthia, porque eu tinha ficado cego”, conta. O almoço ficou de lado, foi um dia duro. Cynthia Campos foi o mais rápido que pôde, a notícia era uma ingrata surpresa para a assistente social, técnica do serviço que acompanha beneficiários do Bolsa Moradia. Durante os mais de 12 meses em que conviveu com Sr. Célio, a técnica notou certa resistência em relação aos cuidados com a saúde. “Ele dizia que tinha no máximo duas gripes por ano”. Na verdade, ele já havia percebido as vistas embaçadas por algumas vezes, mas não dava muita importância, porque jamais pensou que pararia de enxergar. No primeiro atendimento médico, o diagnóstico foi derrame. Sr. Célio lembra-se de ter ouvido que não veria mais. “Chorei muito, achei que tinha mesmo ficado cego pra sempre”.

Célio mora sozinho em um pequeno quarto alugado, em uma pensão no Bairro Lagoinha, onde tudo tem lugar. Os chinelos e sapatos ficam por cima de uma caixa bem forrada, a comida é feita em um fogareiro posicionado ao lado dos utensílios de cozinha, um pequeno varal improvisado ajuda a secar as roupas na altura da grande janela de madeira. Em frente à cama está a TV, passatempo que ficou desligado por cerca de três meses, enquanto o morador dali não podia acompanhar o futebol, sua grande paixão (a sorte foi que a “luz se acendeu” antes do fim da Copa do Brasil, quando pôde voltar a se emocionar com uma conquista do Clube Atlético Mineiro, time do coração, que estampa boa parte da parede do quarto). Aos 63 anos, apesar da exemplar organização, sua autonomia esteve ameaçada pela falta da visão; sem contato com qualquer familiar e com uma longa trajetória de violações, o medo de ser roubado o fez guardar grande parte dos pertences trancados a correntes e cadeados. Natural da cidade de Carmésia (MG), Célio veio para Belo Horizonte aos 18 anos, trabalhou para

Mariana Costa

Os envelopes representando o sol e a lua ajudaram o Sr. Célio a não trocar o horário dos medicamentos. Ideia da analista de políticas públicas Cynthia Campos

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diversas empresas, em diferentes cargos, fez faxina, foi encarregado e carregador, mas aos 40 anos não conseguiu mais emprego e acabou indo viver nas ruas, onde esteve por duas décadas como lavador de carros. Reservado, ele pouco acessava as unidades públicas municipais voltadas a pessoas em situação de rua, mas por meio do trabalho da abordagem social (Serviço Especializado em Abordagem Social), passou a ser atendido na rua sistematicamente, culminando com o encaminhamento ao Programa Bolsa Moradia, o que garantiu não apenas o direito à moradia, como também o atendimento individualizado necessário. “Estabelecer o vínculo com Célio foi muito tranquilo. Sempre muito responsável, cumpria os compromissos e horários que acordávamos, também não apresentava envolvimento com álcool e drogas ilícitas, o que facilitava a adesão aos encaminhamentos que fazíamos. Porém, quando ele apresentou essa questão da saúde, me vi diante de um grande desafio profissional. Estabelecer uma cooperação na rede de atendimento capaz de auxiliar na restituição da visão dele tornou-se uma verdadeira missão, uma vez que sua autonomia estava fortemente ligada à sua capacidade de ver”, explica a profissional. A partir da articulação da equipe do Bolsa Moradia, Sr. Célio foi atendido na Fundação Hilton Rocha, hospital referência em oftalmologia, conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS). No consultório, Sr. Célio conseguiu ver a luz, e o diagnóstico de derrame foi descartado. De acordo com o médico oftalmologista Fábio Pizamiglio, responsável pela cirurgia de um dos olhos do paciente, tecnicamente, Sr. Célio nunca esteve cego, mas uma catarata senil teria tapado sua visão, o que poderia ser revertido. Iniciou-se, então, uma insistente busca, perpassando pela rede pública de saúde, assistência social e até mesmo por parceiros locais, como vizinhos, que o ajudavam a ministrar os medicamentos e a alimentação.

“A gente vê muitas pessoas que chegam ao hospital sem tomar o café da manhã, falta o dinheiro para pagar o ônibus... Ficamos muito satisfeitos quando as pessoas mais vulneráveis conseguem acessar um serviço que está disponível para todo mundo, tendo a possibilidade de continuar o tratamento até o término, relatando melhora da visão e da qualidade de vida. O apoio é fundamental. O Sr. Célio, no caso, vinha sempre acompanhado de um profissional da assistência social, sempre uma pessoa atenta à medicação, à marcação dos retornos, à compra do colírio, aos cuidados em relação aos horários, transporte; enfim, sozinho, provavelmente, ele não iria conseguir. A gente não tem como internar todos os pacientes, pingar colírios etc. Quando uma pessoa nessa situação consegue voltar a ver é muito gratificante!”, expressa o médico.

O Instituto Hilton Rocha realiza, em média, 50 cirurgias oftalmológicas por semana. Em 15 anos, foram alcançados 500 mil atendimentos. A catarata senil consiste na opacidade total ou parcial do cristalino, lente natural do globo ocular, que é responsável pela focalização da visão para perto e para longe. É a diminuição progressiva da visão, podendo ser congênita ou adquirida (que é a forma mais frequente da doença).

O Serviço Especializado de Abordagem Social nas Ruas ocorre nas nove regionais de BH entre 8h00 e 23h00, realizando encaminhamentos da população de rua aos serviços da própria assistência social ou demais políticas públicas, como orientação para realizarem as refeições nos Restaurantes Populares e para a retirada de novos documentos. Os técnicos buscam estabelecer vínculos com os usuários na tentativa de construção de caminhos para a superação dos mesmos quanto à vida nas ruas.

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A organização foi uma grande aliada durante o tempo em que Sr. Célio não podia ver.

QUANDO A LUZ ENTROU

A Unidade de Pós-Alta Hospitalar atende até 20 pessoas adultas com trajetória de vida nas ruas, que necessitem de cuidados especiais de saúde.

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“Olha você aí!”, disse Seu Célio, extasiado ao voltar a ver com um dos olhos após três meses de escuridão. Sua primeira imagem foi a da doutora Lara Resende, oftalmologista que só conhecia pela voz. Depois quis rever a cidade, pelas vistas privilegiadas do Instituto e da Praça do Papa, muito próxima dali. “Esse momento certamente marcou a minha vida profissional!”, relembra a analista de políticas públicas. Contudo, o sucesso da cirurgia dependia bastante dos cuidados pós-cirúrgicos, especialmente da aplicação periódica de colírio. Para Cynthia e os demais colegas que acompanhavam o caso, a melhor solução seria uma vaga para Célio na unidade de acolhimento Pós-Alta Hospitalar mantida por meio de uma parceria entre a Secretaria de Assistência Social e a entidade Providência Nossa Senhora da Conceição. “Apesar de toda a nossa articulação e da garantia da vaga, o usuário não aderiu. Ele se recusou, acredito que por medo de perder o benefício. Nós explicamos a ele que seria provisório, somente durante a sua recuperação, que continuaria recebendo o Bolsa e que, em seu retorno, sua casa ainda estaria ali, mas não conseguimos convencê-lo. No nosso trabalho, temos que lidar com situações assim; nem sempre as nossas melhores soluções atendem aos nossos usuários. São os desafios postos pela subjetividade de cada pessoa que acompanhamos.

Era compreensível e acabamos dando outro jeito”, conta ela. Em um dos atendimentos, Cynthia havia notado que o usuário não sabia ler e que só escrevia o nome. Durante o processo de recuperação pós-cirúrgica, a assistente social precisou ser muito criativa e buscou ferramentas que facilitaram o cotidiano de Célio, garantindo sua autonomia mínima. Dois envelopes, um amarelo com o desenho do sol e outro azul que trazia a lua, passaram a conter os medicamentos do dia e da noite. Pela ausência de parentes e amigos próximos, os profissionais precisaram realizar um atendimento sistemático também na fase de recuperação: chegavam a visitá-lo de quatro a sete dias por semana, empenho que valeu a pena. “Aparentemente, esse era um caso que tinha tudo para dar errado, ele corria o risco de ficar realmente cego, caso a recuperação não fosse adequada. Senti muito apoio do gerente à época e dos colegas, dos motoristas da Secretaria que participaram. Pude conhecer melhor a rede, cresci muito em diversos aspectos e esse aprendizado levarei para onde for. Todo o nosso esforço valeu a pena!”, comemora Cynthia Campos que diz já ter alcançando também a condição de voltar a delegar a Célio os cuidados com a própria saúde.

EMBARCAÇÃO Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - PBH


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