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Rosa Maria Santos

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Silvia Schmidt

Silvia Schmidt

PARTICIPAÇÃO ESPECIAL COM A ESCRITORA

ROSA MARIA SANTOS-------------

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O Pequeno Julian

Sentia-se um silêncio absoluto naquela sala em que tantas vezes a música tocou e os aplausos se estendiam por longo tempo. Ricardina olhava à sua volta e sentia ainda o perfume suave daquele homem que fora o amor da sua vida. Não pensava nunca que um dia, tão prematuramente, o anjo da morte o iria chamar. Era ainda tão novo! Não conseguia ainda aceitar as razões que levaram a este desfecho trágico que iria transtornar irremediavelmente a sua vida.

Sentou-se na cadeira aonde tantas vezes se sentara nos intervalos para descanso, cerrou os olhos e, Santo Deus, lá estava à sua frente a sua imagem. Como pudera aquilo acontecer? Tinham passados poucos dias e ali estava ele presente a seu lado, acariciando-lhe a barriga. Como se senti feliz! Ricardina estava grávida de Julian, um filho tão desejado, o seu primeiro filho. Tantos planos que em momentos se dissiparam.

O que seria de futuro a sua vida e do filho sem Julian? Como enfrentaria ela este momento tão difícil?

Tinham passado somente oito longos dias desde que partira e as saudades eram já tremendas. Faltavam os seus beijos, o seu carinho, o calor da sua presença. Tantas perguntas sem resposta. Quanto queria rejeitar o pesado silêncio que se fazia sentir ao seu redor! Almejada a volta de Julian, sem ele, a vida perdera o sentido. - Julian – sussurrava insistentemente - porque partiste, amor? Volta para nós, sem ti, a vida perdeu o seu valor.

Permanecia longas horas em silêncio, procurando o seu conforto. Era ali, naquela sala, que revivia as melhores recordações, a sua voz sentia-se à sua volta e ei-la aprisionada entre quatro paredes. Às vezes, sentia tão presentes as suas alegres gargalhadas que penetravam profundamente nos seus sentidos e conflituavam com o seu cérebro: “Ricardina, amor de meu coração, como estás linda. E tu, meu rebentinho, como estás? Como me sinto feliz! Sois a minha vida, o meu respirar. Não poderei nunca perder tão grande amor.” - Meu amor, porque partiste? – sussurrava – Sentimo-nos tão sozinhos, órfãos de ti.

Levantou-se lentamente, pegou na velha guitarra e encostou-a à barriga. - Sente-a, meu filho, é a guitarra do paizinho que, desafortunadamente, nunca vais conhecer. Apesar dessa ausência física, irei mostrar-te como era, quanto te amava. Trazer para ti as suas memórias, o seu amor incondicional, os seus anseios. Irás senti-lo através de mim, prometo-te.

Dentro do ventre, as batidas eram agora mais fortes, esperneava-se como que se sentisse o que a extremosa mãe lhe queria transmitir. Parecia ouvir o som da guitarra, o vibrar das cordas, tudo no seu mágico mundo no ventre da mãe.

Uma tarde, enquanto caminhavam juntos, Ricardina fez uma pequena pausa, pararam frente a um estabelecimento de instrumentos musicais e disparou: - Vê, meu amor, vê o que te vou oferecer no dia do teu aniversário. - O que me vais oferecer, meu amor? – respondeu Julian – O dinheiro é escasso. Não te passe pela cabeça comprar-me uma nova guitarra, temos o nosso rebentinho e tudo o que temos vai ser escasso para ele. - Mas a tua guitarra está já tão velhinha! Tu precisas amor! Vê se gostas desta, sei que anseias uma assim, vai ser a minha prenda para o teu aniversário. - Oh! Como é linda! É mesmo a guitarra dos meus sonhos. Com ela, iria compor para ti as mais lindas melodias. Como te estou grato. Mas, não, não posso aceitar, neste momento, a prioridade é o nosso bebé, todo o dinheiro será necessário para ires para uma boa maternidade e teres o nosso filho em segurança. - Não, amor, está tudo bem, só precisava de saber se era essa a guitarra que desejavas. Antes de engravidar, fiz algumas economias. Tu mereces. Quanto a maternidade, não te preocupes, tudo se arranjará. Ao lembrar estes momentos, as lágrimas tombaram profusamente pelo rosto de Ricardina. Faltava então uma semana para o aniversário de Julian. Que tragédia, não chegou sequer a receber a tão desejada guitarra. E para seu infortúnio, nem iria ver Ricardina a dar à luz o seu precioso rebentinho, como ele carinhosamente lhe chamava. - A vida não é justa, é uma crueldade o que o destino fez connosco, meu amor! Fazes-me tanta falta!

Ricardina sente agora uma forte dor no ventre. - Meu Deus, que dor tão forte! O que se passa comigo? Ó, não, não te posso perder! Não aguentaria ficar sem ti também! Ainda falta algum tempo, espera mais um pouco!

Ricardina sai daquela sala, apelando à ajuda de Julian que já não pode estar presente. - Julian! Ajuda-me, meu amor! ….

Passou-se algum tempo. Ricardina dá então entrada na maternidade e logo é programada uma cesariana para uma intervenção urgente. Momentos depois, Ricardina, adormece, e… - Ricardina, meu amor, não tenhas receio, o nosso rebentinho vai nascer, meu amor. - Julian, que saudades, meu amor, eu sabia que nunca nos irias abandonar. Vieste ver o nosso rebentinho? - Vim, sim. Nunca vos abandonaria. Estarei presente a cada momento no teu coração, junto a nosso rebentinho. Como é lindo! Nunca esqueças que foste o amor da minha vida e prometo que nas horas mais difíceis estarei sempre presente.

E de repente, Julian desvaneceu-se como uma nuvem.

Não me deixes, meu amor! – suplicava Ricardina.

Foi então que despertou do seu sono, a tempo ainda de ouvir o médico voltar-se para enfermeira com um sorriso e dizer:

Olá mamã, parabéns pelo seu lindo menino. Qual vai ser o seu nome?

Ainda mal refeita dos efeitos da anestesia, respondeu: - Julian, senhor doutor, vai ser Julian como o pai! - Pois bem, seja bem-vindo o nosso Julian. Que o seu futuro seja prometedor .

Ricardina olhou o rosto da criança, sorriu e disse:

Como é lindo! Obrigado, papá, pela tua presença constante na nossa vida. Este é o nosso Julian, o nosso júnior!

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