Anexo 5 intertextualidades com a pintura júlio sec

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Intertextualidades com a pintura de Júlio

Ligações ao universo pictórico de Júlio (1902-1983). Há um filme chamado As pinturas do meu irmão Júlio, Manoel de Oliveira, 1965).

‘Julio, o mundo dos contrários Julio Reis Pereira, também poeta, com o pseudónimo Saúl Dias (Vila do Conde, 1902-1983), foi o artista mais elogiado pela crítica presencista de quem foi o ilustrador quase permanente, não tanto por ser irmão de José Régio, um dos directores da revista, mas porque os motivos da sua pintura glosam, num sistem sem falhas, uma narratividade de raiz literária, claramente legível. Ela centra-se num mundo de opostos, confrontando os puros – a prostituta, o músico-poeta, os pobres – aos burgueses pançudos e viciosos que os maculam e fazem sofrer, sem, no entanto, atingirem a sua pureza matricial, protegida pelos anjos que irrompem do céu ou nascem das flores como musas protectoras. Além das temáticas, também o sistema plástico de Julio interessava aos presencista: engenheiro de profissão, ele foi um artista e poeta autodidacta, pouco interessadona promoção da sua obra, que manteve orgulhosamente fora dos circuitos oficiais de promoção, sendo, a este propósito, o único pintor do seu tempo que nunca participou nos salões de Arte Moderna do SPN. Sem escola, pôde descobrir sozinho o repto da sua poética que encontrou em Chagall e nos expressionistas alemães, sobretudo em George Grosz, apropriando deles a composição sobreposta acumulada – a que não faltam as figuras voadoras chagallianas -, a simplificação das formas, duras e angulosas, e a estridência das soluções cromáticas. Estas influências, plenamente estruturadas desde os primeiros óleos de 1923, não comprometem a individualidade do pintor, que as recria com uma espécie de distância lírica, absorvendo a fealdade e a crueza do mundo por um olhar infantil, concentrado nos ícones puros. Deste modo, a crítica social, que aparece como o tema mais evidente, não se apaga, mas minimiza-se na irrealidade das cenas inventadas, procedimento quase oposto ao de Eloy para quem a escuridão do mundo dos pobres é um cerne sem salvação. Esta particularidade do universo sígnico de Julio advém, como bem analisou Fernando Dias, exactamente da ausência quase absoluta de referentes reais: as prostitutas, os burgueses, os artistas de circo e as paisagens são puras invenções, ‘formas-signos’ como as designou aquele autor, que narram a injustiça social, mas a desdramatizam pelo sonho imparável do pintor que lhes contrapõe, inteira, a música orquestrada da sua poética. Utilizando uma matéria quase sem espessura, lisa e contornada das narrativas que, muitas vezes, adquirem um pendor decorativo brincado, reforçando a sua exterioridade em relação aos motivos, desenvolvidos plasticamente por uma espécie de lógica construtiva. Nesse facto, que esfria a pulsão expressionista em formalismo, reside talvez a maior modernidade de Julio e ele poderá explicar as breves experiências abstractas de 1932. (…) mais do que Casais Monteiro, considerando que as pinturas de Julio tinham implícita ‘uma concepção trágica da vida’, tinha razão Gaspar Simões, afirmando que Julio-Saúl Dias era uma ‘espécie de João de Deus do modernismo’. In: José Augusto-França, Panorama Arte Portuguesa no século xx. (Coord. Fernando Pernes), Fundação de Serralves. Porto, 1999.



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