Casos apresentados na reunião de 13 de março de 2019
Apoio
Acesse esta edição em seu celular ou tablet por meio do aplicativo Jornal da Imagem (iOS e Android) Este encarte é parte integrante da edição 488 do Jornal da Imagem | Abril de 2019
3
CASO 1
ABDOME
FMUSP
1
2
HISTÓRIA CLÍNICA
4a
4b
Paciente masculino de 53 anos. Compareceu ao hospital com queixas de febre, disúria e dor abdominal há três dias. Tinha antecedente de transplante renal há oito anos. Foi realizada ultrassonografia (USG) com Doppler para avaliação do enxerto. Como achado adicional do estudo, foram observadas múltiplas lesões focais hepáticas. O paciente foi internado para tratamento da infecção do trato urinário e para investigação diagnóstica das lesões focais hepáticas, que prosseguiu com tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM) abdominais.
FIGURAS 1. USG do abdome. Múltiplas lesões focais hepáticas hiperecogênicas difusamente distribuídas pelo parênquima 2. Imagem axial de TC do abdome em fase pré-contraste. Fígado com atenuação difusamente heterogênea 3. Imagem axial de TC do abdome em fase pós-contraste portal. Tornou-se menos evidente a alteração da atenuação hepática. Não se observaram realces significativos pelo meio de contraste endovenoso 4a. Imagem axial de RM do abdome na sequência T1 em fase. As lesões hepáticas focais caracterizadas na ultrassonografia não eram observáveis nesta sequência 4b. Imagem axial de RM do abdome na sequência T1 fora de fase. Múltiplas lesões focais hepáticas com queda do sinal em comparação à sequência em fase, inferindo conteúdo gorduroso
1
CASO 2
2
3
NEURORRADIOLOGIA
FMUSP HISTÓRIA CLÍNICA Paciente do sexo feminino, com idade de 2 anos e 4 meses, iniciou quadro de regressão do desenvolvimento. Havia apresentado padrão de desenvolvimento neuropsicomotor normal até quatro meses atrás, quando passou a não se sentar sem apoio, permanecendo a maior parte do tempo deitada, e iniciou quadro de atraso na deambulação, disfagia para sólidos, dificuldade de sucção e regressão da fala. Começou também a apresentar episódios de olhar fixo, mantendo-se dispersa, com duração de aproximadamente dez segundos. Foi realizada investigação com exame de ressonância magnética (RM) do encéfalo.
FIGURAS 1. Imagem axial de RM do encéfalo na sequência T2. Padrão puntiforme (“pele de leopardo”) de alteração do sinal da substância branca dos centros semiovais 2. Imagem axial de RM do encéfalo na sequência T2. Padrão tigroide de alteração do sinal da substância branca profunda 3. Imagem axial de RM do encéfalo na sequência T1 pós-contraste endovenoso. Nota-se a ausência de realce da substância branca 4. Imagem sagital de RM do encéfalo na sequência T2. Padrão puntiforme (“pele de leopardo”) de alteração do sinal da substância branca 5. Imagem axial de RM do encéfalo na sequência T2. Acometimento do corpo caloso
4
5
CASO 1
CLUBE ROENTGEN
Autores: Drs. Caroline Caldeira de Faria Santiago, Vivian Simone de Medeiros Ogata, Thiago Menezes Baraviera e Cinthia Denise Ortega
Instituição: Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Esteatose Nodular Multifocal Paciente com quadro clínico sugestivo de pielonefrite realizou USG com Doppler para avaliação do enxerto renal, sendo observadas, como achado adicional, múltiplas lesões hiperecogênicas de contornos regulares difusamente distribuídas pelo parênquima hepático. O paciente não apresentava antecedente conhecido de hepatopatia. A TC evidenciou fígado heterogêneo com dimensões nos limites superiores da normalidade e bordos rombos. A RM evidenciou múltiplas formações nodulares em ambos os lobos
hepáticos, com queda do sinal na sequência T1 fora de fase, inferindo conteúdo gorduroso. Não foi observado realce significativo pelo meio de contraste endovenoso ou efeito de massa associado às lesões. O conjunto de achados foi sugestivo de esteatose nodular multifocal. Além disso, tanto a TC quanto a RM caracterizaram aspecto de nefrograma estriado no rim transplantado na fossa ilíaca direita, condizente com a hipótese clínica de pielonefrite. A esteatose hepática (EH) pode se manifestar de forma difusa,
focal ou multifocal. Quando focal, acomete mais frequentemente a fossa da vesícula biliar, o segmento hepático IV, a região subcapsular, o parênquima adjacente ao ligamento falciforme e à bifurcação portal. A EH é uma condição frequente, mas a forma multinodular é rara e sua patogênese não é conhecida. Características que favorecem a hipótese de EH multifocal a despeito de outras lesões focais hepáticas são: ausência de efeito de massa, contrastação similar ao parênquima hepático e estabilida-
de das lesões ao longo do tempo. A queda de sinal na sequência gradiente-eco T1 fora de fase da RM em relação a em fase denota conteúdo gorduroso da lesão e é característica diagnóstica. Não existe tratamento estabelecido na literatura para a condição e há relato de resolução espontânea. O paciente evoluiu com melhora clínica e laboratorial da infecção do trato urinário após antibioticoterapia endovenosa e recebeu alta hospitalar com seguimento ambulatorial do achado hepático.
Referências bibliográficas 1. Okka WH et al . Fatty liver: Imaging Patterns and Pitfalls. Radiographics (2006). 26, 1637-1656. 2. Kroncke, TJ. et al. Multifocal nodular fatty infiltration of the liver mimicking metastatic disease on CT: imaging findings and diagnosis using MR imaging. Eur. Radiol (2000). 10, 1095- 1100. 3. Vilgrain V et al . Hepatic steatosis: a major trap in liver imaging. Diagnostic and Interventional Imaging (2013) 94, 713-727.
CASO 2
CLUBE ROENTGEN
Autores: Drs. Talita Yumi Cintho, Vivian Simone de Medeiros Ogata e Sérgio Brasil Tufik.
Instituição: Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Leucodistrofia Metacromática Paciente com quadro de regressão do desenvolvimento neuropsicomotor realizou investigação com exame de RM do encéfalo. O estudo evidenciou alteração confluente do sinal da substância branca profunda caracterizada por hipersinal em T2 e hipossinal em T1, de distribuição periventricular. Notou-se aspecto “tigroide” da alteração de sinal da substância branca, com acometimento do corpo caloso e poupando as tiras em U. Não se evidenciou restrição à difusão das
moléculas de água ou realce pelo meio de contraste. O conjunto dos achados foi sugestivo de leucodisplasia metacromática. A leucodisplasia metacromática é uma doença autossômica recessiva, correspondendo a leucodistrofia hereditária mais comum. É caracterizada pelo acúmulo de sulfatídeo, um dos componentes da bainha de mielina, em diversos tecidos, devido à deficiência da enzima lisossômica arilsulfatase. Esse acúmu-
lo pode ocorrer no cérebro e nos nervos periféricos, levando à desmielinização destes, nos rins, fígado e vesícula biliar. Achados da RM podem incluir, além das alterações descritas no caso da paciente: atrofia corticossubcortical nos estágios mais tardios, envolvimento da cápsula interna e dos tratos corticoespinhais. A substância branca cerebelar pode também apresentar hipersinal em T2. É dividida em três tipos: infantil tardia, juvenil e adulta.
A forma infantil tardia é a mais comum (80% dos casos) e se manifesta em crianças entre 12 e 18 meses de idade, com quadro clínico de neuropatia periférica motora, evoluindo com deterioração do intelecto, da marcha, da fala e da coordenação. O diagnóstico é feito com o achado de baixos níveis de arilsulfatase nos leucócitos do sangue periférico e na urina. O paciente evolui para óbito após seis meses a quatro anos do início dos sintomas.
Referências bibliográficas 1. Cheon JE, Kim IO, Hwang YS et-al. Leukodystrophy in children: a pictorial review of MR imaging features. Radiographics. 22 (3): 461-76. 2. Kim TS, Kim IO, Kim WS et-al. MR of childhood metachromatic leukodystrophy. AJNR Am J Neuroradiol. 1997;18 (4): 733-8. 3. Eichler F, Grodd W, Grant E et-al. Metachromatic leukodystrophy: a scoring system for brain MR imaging observations. AJNR Am J Neuroradiol. 2009;30 (10): 1893-7. 4. Parikh S, Bernard G, Leventer RJ, et al. A clinical approach to the diagnosis of patients with leukodystrophies and genetic leukoencephelopathies. Mol Genet Metab 2015;114:501–515.
2
Caderno 2 – Ed. 488 – Abril de 2019
CASO 3
TÓRAX
FMUSP HISTÓRIA CLÍNICA Paciente feminina de 32 anos, sem comorbidades prévias, com perda ponderal progressiva de aproximadamente 30 quilos, tosse com secreção clara, astenia, inapetência, hiporexia, mialgia e dores articulares há três meses. Realizou ultrassonografia de abdome em outro serviço que evidenciou múltiplas lesões renais.
FIGURAS
1
3
2a
2b
1. Radiografia do tórax. Múltiplas lesões nodulares no parênquima pulmonar, algumas escavadas 2a e 2b. Imagens axial e coronal de tomografia do tórax pós-contraste. Múltiplos nódulos pulmonares, em sua maioria escavada, e peribroncovasculares 3. Imagem axial de tomografia do abdome pós-contraste. Múltiplas formações nodulares renais hipoatenuantes, com conteúdo de aspecto liquefeito
CASO 4
MUSCULOESQUELÉTICO
FMUSP HISTÓRIA CLÍNICA
1
2
Paciente masculino de 57 anos. Apresenta queixa de hipoestesia e dor em choque no 1º, 2º e 3º dedos da mão direita e limitação de movimento de punho e dedos dessa mão. Refere que há quatro dias sofreu queimadura no 3º dedo da mão direita, sem percepção térmica. Tem como antecedentes pessoais: hipertensão arterial sistêmica, doença renal crônica dialítica há mais de 25 anos e transplante renal há 19 anos com perda do enxerto por rejeição aguda. Relata cirurgia de descompressão do túnel do carpo à direita há cinco anos. Ao exame clínico, observa-se atrofia da musculatura tenar, hipoestesia no território do nervo mediano e testes de Durkan e Tinel positivos.
FIGURAS 3
4
1. Radiografia do punho direito em incidência frontal. Rarefação óssea difusa mais evidente do rádio e da ulna distais e erosões ósseas mais evidentes no processo estiloide do rádio 2. Corte coronal de RM do punho direito, ponderada em T1, sem injeção de contraste paramagnético. Erosões ósseas mais evidentes no processo estiloide do rádio, no semilunar e no piramidal associadas a tecido amorfo de baixo sinal de permeio 3. Corte axial de RM do punho direito, ponderada em T1, sem injeção de contraste paramagnético. Presença de tecido de baixo sinal, de morfologia nodular e mal definida, de permeio aos tendões flexores no túnel do carpo - determinando aumento volumétrico do conteúdo do túnel do carpo - assim como do primeiro ao quarto compartimentos dos tendões extensores 4. Corte axial de RM do punho direito, ponderada em T2, com saturação de gordura e sem injeção de contraste paramagnético. Tenossinovite dos flexores e extensores, com marcado espessamento, notadamente do compartimento flexor. Sinais de manipulação cirúrgica do retináculo dos flexores com superficialização dos tendões flexores superficiais e do nervo mediano, que se apresenta comprimido e com aumento de sinal, sugestivo de neuropatia
3
CASO 3
CLUBE ROENTGEN
Autores: Drs. Sabrina de Mello Ando, Yuri Costa Sarno Neves, Vivian Simone de Medeiros Ogata, Thiago Menezes Baraviera e Márcio Valente Yamada Sawamura
Instituição: Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Granulomatose com Poliangeíte A paciente iniciou a investigação com tomografia computadorizada (TC) do abdome que evidenciou formações hipoatenuantes de aspecto liquefeito nos rins bilateralmente. A TC de tórax apresentava nódulos pulmonares escavados difusos em ambos os pulmões, com paredes espessas e alguns, com conteúdo e nível hidroaéreo. Prosseguiu-se a investigação com biópsia renal, que foi negativa para neoplasia, fungos ou bactérias e posteriormente biópsia pulmonar a céu aberto, que mostrou processo inflamatório crônico granulomatoso com necrose neutrofílica na re-
gião do eixo bronquíolo-vascular. Além disso, apresentava anticorpos anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) no sangue. Os achados são compatíveis com o diagnóstico de granulomatose com poliangeíte. A doença é caracterizada por vasculite necrosante granulomatosa que envolve vasos de médio e pequeno calibre, os quais apresentam infiltração transmural da parede por células inflamatórias com formação de microabscessos, que resultam em oclusão trombótica, ruptura e hemorragia. A causa é desconhecida, mas um envolvimento autoimune foi proposto por
causa da presença de ANCAs dirigidos contra proteínase 3 e, menos comumente, mieloperoxidase. A granulomatose de Wegener, como também é conhecida, afeta múltiplos sistemas, e o trato respiratório e o renal são os mais acometidos. No trato respiratório superior, pode causar sinusopatia crônica, deformidade nasal em sela e estenose subglótica. No pulmão, nódulos e massas pulmonares são os achados mais comuns, apresentando-se frequentemente escavados. No rim, é caracterizada por glomerulonefrite focal e segmentar, às vezes acompanhada por vas-
culite granulomatosa necrosante. A presença de nódulos ou massas renais sólidas levemente hipodensas ou isodensas em comparação o parênquima renal são achados incomuns, podendo corresponder a infarto renal. O diagnóstico diferencial inclui infecções como granulomatosas e embolia séptica, metástases e linfoma. Há uma alta taxa de morbidade e mortalidade e, sem tratamento, aproximadamente 90% dos pacientes morrem dentro de dois anos do diagnóstico. A terapia envolve imunossupressão e a administração de corticosteroides.
Referências bibliográficas 1. Martinez F et al . Common and uncommon manifestations of Wegener granulomatosis at chest CT: radiologic-pathologic correlation. Radiographics (2012). 32, 51-59. 2. Carazo ER et al. Multiple Renal Masses as Initial Manifestation of Wegener’s Granulomatosis. American Journal of Roentgenology (2001). 176, 116–118. 3. Fairbanks KD et al. Wegener’s Granulomatosis Presenting As a Renal Mass. American Journal of Roentgenology (2000). 174, 1597-1598.
CASO 4
CLUBE ROENTGEN
Autores: Drs. Luisa Leitão de Faria, Vivian Simone de Medeiros Ogata e Paulo Victor Partezani Helito
Instituição: Departamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Amiloidose do Punho O paciente com doença renal crônica dialítica de longa data apresentava quadro de síndrome do túnel do carpo recorrente após descompressão cirúrgica há cinco anos. Foi realizada ressonância magnética (RM) para complementação diagnóstica pela persistência e progressão dos sintomas. Na RM, foi observada sinovite difusa, associada a erosões ósseas e a tenossinovite dos extensores e flexores, com material amorfo de baixo sinal de permeio. Em conjunto, os achados determinavam aumento volumétrico do conteúdo do túnel
do carpo, com sinais de neuropatia compressiva do nervo mediano. Diante desses dados, aventou-se a hipótese de amiloidose do punho relacionada à diálise. A amiloidose é uma doença causada por depósito anormal de proteínas em diferentes tecidos, levando a disfunções orgânicas progressivas, principalmente cardíacas, renais e hepáticas. Dentre as diversas formas de amiloidose existe a relacionada à diálise. Alguns estudos indicam uma incidência de mais de 95% em pacientes com mais de 15 anos de diálise. A doença é carac-
terizada pela deposição de fibrilas amiloides, principalmente de β2 microglobulinas (β2M) acumuladas pela redução da sua excreção renal. Além disso, o procedimento dialítico atua como estímulo inflamatório e contribue também para o acúmulo de β2M. Diferentemente das demais formas, a amiloidose relacionada à diálise acomete preferencialmente o sistema osteoarticular (osso, sinóvia, músculo, tendão e ligamento) com apresentações clínicas variáveis, incluindo síndrome do túnel do carpo, cistos ósseos, periartrite escapuloume-
ral, artropatias e espondiloartropatias destrutivas. A síndrome do túnel do carpo, por deposição amiloide e infiltração do retináculo dos flexores e do tecido sinovial, é frequente nesse caso e pode ser a manifestação inicial. Há relatos de até 13% de incidência de síndrome do túnel do carpo em pacientes com amiloidose. Após a confirmação da hipótese diagnóstica formulada pelo serviço de Radiologia, o paciente foi submetido a nova intervenção cirúrgica do punho direito e segue em fila de espera para transplante renal.
Referência bibliográfica 1. Scarpioni, R., Ricardi, M., Albertazzi, V., De Amicis, S., Rastelli, F., & Zerbini, L. (2016). Dialysis-related amyloidosis: challenges and solutions. International Journal of Nephrology and Renovascular Disease, Volume 9, 319–328.
4
Caderno 2 – Ed. 488 – Abril de 2019