CO LAR Habitação de interesse social e colaborativo para moradres de rua
Sofia Etcheverry
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TEMA
SEM LAR O morador de rua no Brasil Um dos reflexos do intenso processo de exclusão social é a população em situação de rua que, em decorrência da ocupação do solo urbano estar baseada na lógica capitalista de apropriação privada do espaço mediante o pagamento do valor da terra, não dispõe de renda suficiente para conseguir espaços adequados para a habitação e, sem alternativas, utiliza as ruas da cidade como moradia. Conforme definição da Secretaria Nacional de Assistência Social, considera-se população em situação de rua o grupo populacional que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados, a inexistência de moradia convencional regular e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória. Uma pesquisa publicada pelo Ipea com base em dados de 2015 projetou que o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas. Essas pessoas são constantemente ignoradas e consideradas “malandras” ou “vagabundas”. Com o objetivo de realizar um censo demográfico e traçar o perfil socioeconômico desta população, a Pesquisa Nacional sobre a População de Rua (executada entre 2007 e 2008, pelo Meta nstituto) levantou alguns dados importantes para a desconstrução de alguns mitos. Principais resultados apontam que: * 82% das pessoas em situação de rua são homens. * 67% das pessoas se declararam pardas ou negras. * 76,1% dos entrevistados sempre viveram no município em que moram atualmente ou em municípios próximos, contradizendo o mito de que as pessoas em situação de rua são oriundas de outros estados/regiões do país. * 70,9% trabalham e exercem alguma atividade remunerada. Apenas 15,7% dos entrevistados pedem dinheiro como principal meio para sobrevivência. Mais um dado que contraria a percepção de que a população em situação de rua é composta exclusivamente por “mendigos” ou “pedintes”. * 1,9% dos entrevistados afirmaram estar trabalhando com carteira * 24,8% das pessoas em situação de rua não possuem documento de identificação, dificultando a obtenção de emprego formal, o acesso aos serviços e programas governamentais. * A maioria não tem acesso a programas governamentais: 88,5% afirmaram não receber qualquer benefício do governo. Entre os beneficiários recebidos, destacaram-se a aposentadoria (3,2%), o Programa Bolsa Família (2,3%) e o Benefício de Prestação Continuada (1,3%). * 63% não concluíram o 1º grau
Morador de rua dorme na Avenida Paulista, junho 2017
Políticas públicas Pesquisas mostram que faltam políticas públicas eficientes e que garantam os direitos básicos dessas pessoas. Existe uma política nacional para a população de rua, mas tem que haver uma articulação com a Secretaria de Direitos Humanos para monitorar as políticas, que são defasadas e pouco efetivas. Os centros de acolhimento estão superlotados, os moradores transitam entre um e outro. São poucos assistentes sociais e o atendimento tem que ser mais qualificado para atender a demanda complexa. Segundo Kaká Ferreira, presidente do Núcleo Assistencial Anjos da Noite, o governo não dá nenhum apoio significativo e não assegura os direitos constitucionais na prática. “É uma situação total de abandono. Não tem programas governamentais sérios para reinserir os moradores de rua no meio social. Ninguém oferece emprego, eles não podem votar, os hospitais públicos quase sempre se negam a socorrê-los, a Polícia Militar age com truculência. Na prática, o morador não é tratado como cidadão.” 5
SEM LAR Um recorte Abrigos são uma opção? Ao serem entrevistados, moradores de rua relatam os motivos pelos quais não gostam de abrigos oferecidos pelo governo. “Não gosto de dormir em abrigo, é tudo muito certinho, parece um quartel. Aquelas camas tudo juntinhas uma da outra me incomoda bastante. Não gosto de dormir com gente estranha do meu lado, a gente nunca sabe o que se passa na cabeça, se vão querer fazer alguma coisa. E tem a Menina Bonita, minha cachorro. Nem todo abrigo aceita que a gente leve. Teve um que aceitou, mas ficava perto da Cracolândia e eu não quero voltar para aquele ambiente”, diz Priscila, que mora nas ruas de São Paulo há mais de 18 anos. Já para João Vitor Gomes, de 19 anos, o problema é outro. Conta que os funcionários colocam regras que eles mesmos não cumprem. “Os funcionários gostam de tirar uma de nós, gostam de tratar como se tudo fosse ladrão, vagabundo. Eu não sou”. João contou ainda que foi para São Paulo para trabalhar e ajudar com a pensão da filha pequena. “Estou indo atrás de emprego, mas como vou conseguir se eu não tenho como deixar minhas coisas, milha mala? Os abrigos acolhem a gente por dois ou três dias, não nos ajudam a procurar emprego, e depois colocam a gente pra fora.” Morar na rua é temporário? A situação do morador de rua é vista, muitas vezes, como algo temporário. Porém essa não é uma afirmação verdadeira para a maioria dos casos pesquisados. Existem pessoas que passam grande parte da vida na rua pois não conseguem sair do ciclo da miséria. Sem uma ajuda externa, uma casa fixa e capacitação profissional é praticamente impossível trocar as ruas por um lar seguro e confortável. O morador de rua na Asa Norte Como recorte para a realização do presente trabalho foi realizado um levantamento de campo censitário através de questionário. Através das entrevistas foram identificadas informações sobre as principais razões que levaram essas pessoas a viver na rua, as formas de renda, o tempo de permanência na rua, a escolaridade, os vínculos familiares, o acesso à programas sociais, as condições de saúde, higiene e alimentação, entre outros.
Foram entrevistados por mim dez grupos e famílias que vivem em barracos, em diversos pontos da Asa Norte, há pelo menos dois anos, sinalizados em amarelo no mapa. Em azul estão sinalizadas as famílias que não foram entrevistadas. A estrutura dos barracos é construída a partir de três elementos básicos: madeirite, lona e nos mais elaborados, estrutura metálica reaproveitada. Esses materiais, segundo os entrevistados, são todos achados no lixo. Normalmente os barracos são montados na proximidade de sombra de árvores e ali é formada uma espécie de sala de estar ao ar livre. É o local onde se tem mais espaço para comer, conversar e conviver. Os grupos que se instalaram perto do lago aproveitam do mesmo para realizar a higiene pessoal e pegar água para cozinhar. As necessidades fisiológicas são feitas em local designado em conjunto como banheiro. Quando instalados em um ponto mais central, usam banheiros de estabelecimentos comerciais. O barraco em si representa o quarto, abrigo para o colchão, travesseiro e sono leve. É também onde são guardados alguns itens pessoais como roupas e documentos. O sustento básico destes cidadãos vem de doações e de atividades como venda de latas (por R$3,60/kg), vigiar e lavar carros, em um dos casos venda de café da manhã. Apenas quatro das nove famílias recebem ajuda do governo, o Bolsa Família, que não passa de R$85,00. A trajetória diária realizada por essas pessoas consiste em Quando perguntados sobre a casa ideal a maioria dos entrevistados esboça uma humilde vontade de ter uma casinha pequena, onde exista uma cama de verdade e uma sensação de segurança que a rua não proporciona.
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SEM LAR Um perfil Uma, entre tanta histórias, chamou à atenção. Quem são? A família de Joseane, 29 anos, vive na rua há 2 ano e 8 meses. Seu barraco de 4.5m² foi construído pelo marido José com armação de alumínio, revestido em madeira e lona. Ali mora o casal com 3 filhas, de 12, 8 e 3 anos, além do cachorro, Molly, que vive numa casinha de madeira do lado de fora do barraco. Por que moram na rua? Joseane me conta que sua mãe “é rica e mora uma casa imensa em Águas Claras, com outros filhos”, mas que nunca se dispôs a ajuda-la depois que ela fugiu de casa grávida, aos 17 anos. Conta também que ela e o marido possuem lote próprio no Jardim ABC, Cidade Ocidental, onde começaram a construir uma pequena casa de um quarto, cozinha e varanda. Mas após ficar desempregado, seu marido José, que é caminhoneiro veio para o Plano em busca de novas oportunidades de emprego. “O barraco não é ideal, é muito pequeno e se dorme mal, mas não falta nada. Lá na Cidade Ocidental temos armário e geladeira, mas tudo vazio. Aqui na rua, na Asa Norte não falta comida nem trabalho”, conta a moradora com olhos cheios de lágrimas.
Como vivem? José, agora trabalha como lavador de carros e Joseane vende café da manhã no estacionamento do UniCEUB. Com o dinheiro desses trabalhos e uma ajuda de R$117,00 do Bolsa Família, os dois mantém o barraco. Cozinham arroz, feijão, macarrão e ás vezes frango. As três filhas frequentam a escola no período da tarde, as duas mais velhas na 708 norte e uma na SQN 106. Algumas pessoas passam e fazem doações de comida, caixas fechadas de bala para venda, material escolar e roupa para as crianças. A casa ideal Relata que a casa ideal teria dois quartos, um pra ela e o marido e um para as filhas, também sonha com um pequeno jardim para que as crianças pudessem brincar em segurança.
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Sofia Etcheverry
DEPÓ
ÓSITO
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TERRENO
HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL PROBLEMA PROPRIEDAS À SERVIÇO DO LUCRO E ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA X POPULAÇÃO POBRE QUE NÃO CONSEGUE PAGAR PELA MORADIA SOLUÇÃO OCUPAR VAZIOS URBANOS = DEMOCRATIZAR O ACESSO À CIDADE OTIMIZAR O USO DE INFRAESTRUTURA E SERIVIÇOS EXISTENTES O problema da habitação social no Brasil é estrutural. O modelo brasileiro tem como uma das suas características a transferência quase que completa do problema da moradia para o cidadão. A população que migrou para trabalhar nas cidades sempre foi remunerada com salários tão baixos e insuficientes para adquirir a moradia produzida pelo mercado formal. Não trata-se de exceções e sim a regra da ocuapação em nossas cidades. Somente os que desfrutam de determinada renda podem morar em áreas bem servidas de equipamentos públicos e em casas com certo grau de conforto. Os que não podem pagar vivem nas extensas e sujas periferias ou há inclusive aqueles que “não moram”, os “sem lar”, vivem embaixo de pontes, viadutos, em praças, em albergues, não tem um teto fixo ou fixado no solo. Nessas condições mergulha-se num círculo vicioso da pobreza, o que torna mais difícil ter forças para resistir à estas cidades e aos efeitos da miséria.
Para quem conta com recursos limitados, a crise habitacional não é nova. Diz Engels, quando analisa a crise de moradia na Alemanha de 1872 que “uma sociedade não pode existir sem crise habitacional, quando a maioria dos trabalhadores só tem seu salário, ou seja, o indispensável para sua sobrevivência e reprodução; quando crises industriais determinam, de um lado, a existência de um forte exército de desempregados e, de outro, jogam repetidamente na rua grande massa de trabalhadores; quando os proletários se amontoam nas ruas das grandes cidades; quando o ritmo da urbanização é tanto que o ritmo das construções de habitação não acompanha, quando, enfim, o proprietário de uma casa, na sua qualidade de capitalista, tem o direito de se retirar de sua casa, os aluguéis mais elevados. Em tal sociedade a crise habitacional não é um acaso, é uma instituição necessária”. O déficit habitacional no Brasil chega a sete milhões de moradias, segundo dados do IBGE. Será que esses números não seriam diferentes se ocupássemos os vazios urbanos? A questão dos vazios urbanos reflete em um paradoxo. Enquanto temos terrenos vazios e desocupados, temos pessoas que não tem moradia. Isso acontece pois essas propriedades na maioria das vezes estão à serviço da valorização, do lucro, da especulação imobiliária. Por outro lado isso reflete também a ausência de uma regulação pública do solo para moradias. No país existem em torno de 6 milhões de imóveis e terrenos vazios. A ocupação de vazios urbanos em áreas que possuem infraestrutura maior é essencial para garantia de uma sustentabilidade econômica, social e ambiental das cidades. A implementação de programas habitacionais nas áreas centrais contribui para democratizar o acesso à cidade, otimizando o uso de infraestrutura e serviços públicos já instalados. Teoricamente a propriedade deveria ser subordinada “ao interesse social e coletivo” (Constituição de 1934) ou ao “bem estar social” (Constituição de 1946) ou à “função social” (Constituição de 1969). Por fim, por fim, a união indissociável entre propriedade e sua função social. São, na verdade, abordagens genéricas da garantia do direito de propriedade. A terra não utilizada é improdutiva, não assume suas funções sociais, adquire um caráter de parasitismo, na medida em que é possível e usual ao proprietário de terras se apropriar de uma renda, gerada pelos investimentos do poder público e dos agentes privados nas redondezas do imóvel. Numa tentativa de limitação da especulação imobiliária, alguns partidos políticos, os movimentos dos sem casa/terra, e mesmo de segmentos da indústria de construção têm explicitado que nos casos de propriedade sem uso justifica-se a desapropriação do imóvel para fins de interesse social ou utilidade pública, com o pagamento do valor venal do imóvel em títulos da dívida pública, para permitir uma produção do espaço urbano mais justa. Há também propostas que se referem à taxação progressiva – IPTU progressivo – valores mais elevados para as terras ociosas, e instrumentos como a urbanização ou edificação compulsória – obrigar o proprietário a dar um uso efetivo ao imóvel. Estas propostas referem-se às varias formas de induzir a ocupação de terras ociosas, tomar mais próxima do real a função social da propriedade e diminuir os custos dos serviços públicos, concentrando as redes de abastecimento com a eliminação de vazios. 6
TERRENO 712/912 NORTE
712/912 Norte
Plano Piloto
Em Brasília existem diversas áreas que são subutilizadas, que normalmente são destinadas apenas à uma elite. A ampliação do acesso da população mais pobre à cidade, inclusive para moradia, garante que uma parcela cada vez maior da sociedade possa usufruir dessas áreas centrais que são melhores equipadas e estruturadas. Esse maior acesso assegura que comunidades sejam futuramente constituídas por representantes de distintos segmentos da sociedade. DIAGRAMAS DE ANÁLISE DO TERRENO USOS
CHEIOS E VAZIOS
FLUXO DE VEÍCULOS
NORTE
Com uma superfície de 16.500m², o terreno situa-se na 712/912 norte, Brasília. É um lote que tem como limites apenas ruas, a W4 e W5, além de duas pequenas ruas locais que fazem ligação entre as duas primeiras. O formato do terreno ajuda na concepção de um “conjunto”. Sua vizinhança é composta majoritariamente de casas geminadas das 700’s, escolas, igrejas e o comércio da 712/713; A permeabilidade do terreno foi um ponto decisivo no momento de locação do volume no terreno, já que ali existe grande fluxo de passagem de crianças, adolescentes e moradores em geral que vão das escolas para pegar ônibus na W3. O sol predomina na fachada norte na maior parte do ano, portanto esta será tratada com elementos como brises e sombreamento da vegetação. Já os ventos predominam de leste para oeste.
TERRENO
RUÍDOS
SOL
VENTOS
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TERRENO 712/912 NORTE NORMAS DE GABARITO SETOR DE GRANDES ÁREAS NORTE ALTURA MÁXIMA: 9,50 (caixa d’água pode ultrapassar) O projeto do Co.LAR tem a altura limite de 10m, já levando em conta altura de caixas d’água e painéis solares. AFASTAMENTO: 10m frente e fundo 5 m na latrais O afastamento adotado para o edifício do Co.LAR é um cinturão verde de 20m, assim como nas superquadras de Brasília, na tentativa de trazer sensação de unidade e segurança. ÁREA MÁXIMA DE OCUPAÇÃO: 40% (projeção da construção + área total x 100) ÁREA MÁXIMA CONSTRUÍDA: 100% (área da construção + área total x 100) O projeto prevê a ocupação de apenas 27% da área total do terreno. Deixando, portanto, os outros 73% de área permeável.
W4 NORTE
W5 NORTE
ÁREA TOTAL = 16.500m²
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REFERÊNCIAS
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REFERÊNCIAS E INSPIRAÇÕES Conjunto Habitacional Pedregulho, Rio de Janeiro, 1947 - Eduardo Reidy
Apesar de muito controverso, o projeto de Eduardo Reidy para um dos primeiros conjunto habitacionais voltado para os mais necessitados é uma ótima referência arquitetônica e também ideológica. O que trago do Pedregulho para o projeto do Co.Lar é a idéia de uma habitação onde as pessoas possam viver seguras e possam compartilhar de algumas instalações como lavanderia, cozinha, horta.
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Segundo Lugar no Concurso de Habitação para o Sol Nascente, DF
Esta é uma outra boa referência de espaços livres e verdes que se limitam pela arquitetura. Os blocos residenciais formam um conjunto, algo que também acontecerá no projeto do Co.LAR 6
REFERÊNCIAS E INSPIRAÇÕES Biblioteca Pública de Girona, Espanha, 2014 - Corea e Moran Arquitectura
O volume em forma de quadrado é quase totalmente envidraçado, inundando o interior com uma luz difusa especialmente confortável para a leitura, enquanto enquadra a vista para o bairro vizinho. À noite, a biblioteca brilha como uma luminária urbana gigante, acolhendo a todos para entrar e fazer parte desse lugar de conhecimento, cultura e vida comunitária. A idéia da luz natural que entra no edifício foi uma forte referência para o projeto do Co.LAR.
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The Tietgen Residence Hall, Dinamarca, 2010 - Lundgaard & Tranberg
A característica trazida desta residência estudantil para o projeto do Co.LAR é o espaço de passagem e permência que é formado pelo volume arquitetônico em si.
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REFERÊNCIAS E INSPIRAÇÕES Inspirações para a Biblioteca
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Inspirações para área de Coworking
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PROJETO
“A ÚNICA MANEIRA DE NA VIDA SER FELIZ É CONSTRUIR-SE UM LAR BEM DOCE, BEM CHEIO DE LUZ, ONDE SE POSSA AMAR, SE POSSA TRABALHAR, SE POSSA VIVER” Florbela Espanca, poeta portuguesa
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CO LAR
CRIANDO O CO.LAR
O QUE É MAIS DURO QUANDO SE MORA NA RUA? A solidão, a dor sem remédio, ninguém que diz “que bom que você veio, estava com saudades”, a lágrima da madrugada, a roupa que nunca é escolhida, a negação dos sonhos, a amargura de esperar as horas passarem, a chuva que molha, o sol que queima, a impossibilidade de transitar no mundo, a falta de um LAR. Joaquim, morador de rua na Asa Norte há 7 anos, definiu o lar como o lugar para onde se volta ao fim do dia, onde se tem uma cama pra deitar e descansar. Cada uma das pessoas entrevistadas tem sua história mas é uninamidade entre eles que é necessária uma ajuda efetiva para que possam sair das ruas, e não apenas soluções paliativas como albergues temporários.
O Co.LAR propõe uma habitação de interesse social e colaborativo voltada para indivíduos que hoje se encontram na rua. O projeto visa trazer a tranquilidade, conforto e segurança que a rua não é capaz de oferecer e que é algo básico para qualquer ser humano. A moradia servirá também como centro de capacitação e reintegração dessa população com o restante da comunidade. LAR COLABORATIVO A ideia do lar colaborativo foi inspirada pelo conceito de coliving, que surgiu na Dinamarca dos anos 70 e apesar de muito atual ainda não tem tradução para o português. Tomei a liberdade de trazer para o projeto chamando de “habitação colaborativa”. Viver em comunidade é um ato que acompanha o ser humano desde as eras mais antigas, e que pude observar no grupo de moradores com os quais tive contato. Porém essa vivência em maiores grupos foram diminuindo com o aumento do individualismo. Será que ainda vale a pena manter uma moradia particular, com altos gastos e pouca socialização? O manifesto do coliving, criado pela coliving.org resume bem os principais fundamentos desse movimento. * Comunidade em harmonio com a individualidade * Aproximação de pessoas e troca de experiências * Consumo pensado na colaboração * Economia de recursos naturais * Divisão de deciões e tarefas O Co.Lar servirá de moradia para cerca de 380 pessoas, que num movimento de integração, sustentabilidade e colaboração, dividirão igualmente todos os deveres, decisões e espaços. Estes são pontos que, segundo pesquisa, funcionam bem entre moradores de ocupações, pessoas que não tem casas e procuram terrenos ou edifícios vazios para ocupar. É possível notar que todas as bases da habitação colaborativa se aproximam dos ideais de reaproveitamento e consumo consciente. Isso se assemelha bastante à cultura da economia colaborativa, uma tendência que ganha cada vez mais força no mundo moderno. No complexo do Co.LAR, além das residências, existirá um Bloco Colaborativo onde funcionarão: * Biblioteca aberta aos moradores e comunidade * Espaço de coworking * Salas multiuso Estes espaços vão ajudar com que o Co.LAR se integre ao resto da vizinhança, trazendo os moradores dos arredores para conviver com esses novos residentes. 8
CO LAR
EVOLUÇÃO DA VOLUMETRIA VOLUME CHEIO
BLOCOS RESIDENCIAIS
Bloco retangular inserido no terreno representando o máximo que pode ser ocupado de acordo com a NGB.
Os blocos residenciais foram locados paralelamente de forma com que os apartamentos não fossem voltados para as áreas mais ruidodas, onde existe maior passagem de carros e pedestres.W4 e W5).
BLOCO DE ACESSO
BLOCO COLABORATIVO
O bloco de acesso foi inserido voltado para a via W4 Norte, de onde vem o maior fluxo de pessoas provenientes da W3, onde existe passagem de transporte público.
O Bloco Colaborativo, por sua vez, está localizado paralelo ao bloco de acesso, criando então, juntamente com os outros blocos, um espaço central de passagem e permanência.
VOLUMES IMPLANTADOS NO TERENO BLOCO RESIDENCAL “A”
W5 NORTE
W4 NORTE
JARCIM CENTRAL
BLOCO DE ACESSO
BLOCO COLABORATIVO
BLOCO RESIDENCAL “B” 10
CO LAR
BLOCO DE ACESSO
O bloco de ACESSO se caracteriza como um volume simples e vazado que dá acesso ao coração do Co.LAR, o jardim central, e também acessos indivuais a cada um dos blos blocos residenciais, limitados apenas aos moradores, a partir de portões localizados em cada uma das extremidades.
Por conta da topografia do terreno, o acesso do Bloco Residencial “A” é dado a partir do térreo enquanto o acesso ao Bloco “B” acontece a partir do primeiro pavimento. Estrutura O volume simples de concreto vence um vão de 50m, estando engastado nos dois blocos residenciais. Usos O vão deste espaço foi projetado tanto para servir como acesso e passagem de moradores e da comunidade em geral, como para ser um lugar de permanência, remetendo aos blocos residencias das superquadras de Brasília. Também é possível usar como área para exposições, feiras, atividades em geral.
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BLOCO COLABORATIVO
INCLUSÃO SOCIAL
Dar um lar à pessoas que se encontram em situação de rua não é o bastante. É preciso realizar um trabalho para que essas pessoas se tornem cidadãs conscientes de seus deveres e direitos na sociedade. Além disso, é preciso investir em cursos técnicos capacitatórios e em uma integração com a vizinhança. O Bloco Colaborativo propõe salas multiuso onde acontecerão cursos, workshops, oficinas, palestras, reuniões de condomínio, etc. Um espaço de coworking também faz parte da proposta, podendo ser alugado para quem ali quiser trabalhar. Além disso, o projeto conta com uma biblioteca que servirá de apoio ao Co.LAR e à vizinhança.
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CO LAR
BLOCO COLABORATIVO
Um grande vão livre, local de passagem e permanência, dá acesso à biblioteca, localizada à direita, e aos demais espaços colaborativos à esquerda. No primeiro pavimento encontramos também banheiros feminino e masculino. Ao subir a escada ou elevador chega-se ao Coworking e às salas multiuso. O espaço de Coworking possui planta livre e o layout propõe uma disposição racional dos móveis. As salas multiuso tem divisórias em painéis e não em parede, facilitando assim a junção de todas elas quando preciso, caso exista um curso destinado para uma maior quantidade de pessoas, por exemplo. O corredor que leva às salas, não tem janelas pois sua parede é estrutural e está engastada com o bloco residencial, portanto foi prevista uma clarabóia que ilumina o caminho.
SALAS MULTIUSO
COWORKING
VÃO LIVRE DEPÓSITO
PROGRAMA 1Biblioteca
ÁREAS 315m²
USO Aberto à comunidade
1Espaço coworking (32 postos de trabalho)
200m²
Aberto à comunidade mediante à pagamento
4 Salas multiuso para cursos, palestras e oficinas
30m²/cada
Aberto à comunidade
Depósito
39m²/cada
Limitado à moradores
BIBLIOTECA
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BLOCO RESIDENCIAL
Cada bloco abriga 48 unidades idênticas de apartamentos, divididos entre o térreo, primeiro e segundo andar. Um jardim central oferece espaço de convívio para vizinhos, com espaço também para horta colaborativa. Seguro e tranquilo, este local, que é acessado apenas pelos moradores de cada bloco, é ideal para que crianças brinquem em segurança, remetendo ao famoso hábito brasiliense de “brincar debaixo do bloco”. Especialmente para o edifício foram projetadas lixeiras seletivas, fabricadas em metalon, localizadas ao final de cada corredor. Em duas das extremidades encontram-se as áreas colaborativas, cozinha e lavanderia, enquanto nas duas restantes localizam-se as escadas e um elevador. PROGRAMA Apartamentos unifamiliares Espaço de jardim e horta Cozinha colaborativa Lavanderia colaborativa
ÁREAS 54m²/cada 366m²/cada 39m²/cada 39m²/cada
48 unidades/bloco 01 unidade/bloco 03 unidades/bloco 03 unidades/bloco
ÁREAS COLABORATIVAS - LAVANDERIA E COZINHA DESLOCAMENTO VERTICAL 02 ESCADAS E 01 ELEVADOR DESLOCAMENTO HORIZONTAL CORREDORES
MANCHA DE USOS JARDIM E HORTA
ACESSO
LIXEIRA
APARTAMENTOS
MANCHA DE USOS
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BLOCO RESIDENCIAL
ESQUADRIAS SALA DO APARTAMENTO VISTA ESQUEMÁTICA
VENTILAÇÃO E ILUMINAÇÃO NATURAL A valorização da ventilação e iluminação natural foi um ponto crucial no desenvolvimento do projeto para o Co.LAR, por isso foi realizado um estudo de como obter o melhor aproveitamento destas variáveis. As esquadrias dos apartamentos foram projetadas considerando que existisse uma passagem natural dos ventos e da luz, tornando os ambientes confortáveis térmicamente. Afim de resolver a fachada interna do apartamento, para onde estão voltados áreas comuns como sala e cozinha foi desenhada uma esquadria combinando policarbonato e vidro. O policarbonato tem como principal característica a translucidez, podendo ser ao mesmo tempo opaco, ou seja, mantém a privacidade dos moradores e proporciona entrada de luz natural no espaço. Este material é uma boa opção também pelo custo, que está abaixo do valor do vidro e é ainda mais resistente. O policarbonato também é interessante por criar um bonito efeito q++uando cai a noite e as luzes estão acessas dentro dos apartamentos. Acima dos painéis de policarbonato foram projetadas janelas basculares altas, para que o vento pudesse correr livremente por toda o espaço.
ILUMINAÇÃO NATURAL CORTE ESQUEMÁTICO
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BLOCO RESIDENCIAL APARTAMENTOS
Cada unidade possui dois quartos que são orientados para a parte externa do edifício, tendo assim vistas mais privilegiadas. O layout foi desenhado com a proposta de que um quarto seja de casal e o outro de solteiro (podendo caber até duas beliches, se preciso). Enquanto áreas comuns como sala e cozinha estão voltadas para o interior do bloco. Os núcleos molhados (cozinha e banheiro) foram dispostos dividindo a mesma parede para que intalações fossem otimizadas e os custos minimizados. Os banheiros são espelhados para o aproveitamento do mesmo fosso de ventilação.
ÁREAS
MATERIAIS
Cozinha = 8m² Sala = 12m² Banheiro = 3.20m² Quartos = 11.70m²/cada
Cozinha = granitina Sala = granitina Banheiro = cimento queimado Quartos = granitina
TOATAL: 46m²
CORREDOR ESQUADRIA POLICARBONATO
JANELA ESTILO CAMARÃO
ESQUADRIA POLICARBONATO
JANELA ESTILO CAMARÃO
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CO LAR PALETA DE CORES
TANGERINA
AZUL
suculência energia vitalidade fertilidade
tranquilidade paz estabilidade proteção
MATERIAIS
POLICARBONATO
CONCRETO
transparência luminosidade
rigidez segurança
ROSA ESCURO
ROXO ESCURO
excitação juventude coragem energia
fantasia dignidade sabedoria respeito
*De acordo com a Psicologia das cores, nosso cérebro identifica e transforma cores em sensações. A influência das cores pode ser osbervada na publicidade, na decoração de casas e escritórios, na moda, etc. As cores escolhidas para o Co.LAR foram usadas tanto na apresentação do projeto como na arquitetura em si, buscando trazer as sensações listadas abaixo de cada cor.
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CO LAR Bibliografia 1. Moradia nas cidades brasileiras, Arlete Moysés Rodrigues 2. Cortiços - A experiência de São Paulo, Prefeitura de SP 3. Documentário “Eu existo”, Centro Acadêmico XI de Agosto 4. Documentário “Hotel Cambridge” 5. Pesquisa Nacional sobre a População em situação de rua, Meta Instituo
OBRIGADA!