40 anos sem Beatles

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Arte Flávio Forner sobre imagem de divulgação

valeparaibano | DOMINGO, 20 DE SETEMBRO DE 2009

Uma viagem mágica pelo universo dos garotos mais famosos de Liverpool Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

u montei a banda, eu acabo com ela. Há exatos 40 anos, John Lennon disse essa frase numa reunião conturbada na Apple Records, a empresa que os Beatles montaram depois da morte do empresário Brian Epstein. Muitos dizem que a morte dele foi a principal razão do fim da banda. Também foi, mas a Apple era uma bagunça, uma empresa que gastava sem ter receita nenhuma. Outros fatores como a presença desconfortável de Yoko Ono em tudo que os quatro rapazes de Liverpool faziam, a disputa velada entre Lennon e McCartney, o excesso de drogas e a vontade de cada um dos integrantes de fazerem trabalhos próprios foram decisivos para o “fim do sonho”. A série de reportagens “Help - 40 anos sem Beatles”, começa hoje em Liverpool, o berço da banda, e segue até domingo que vem finalizando com uma entrevista exclusiva com o baterista Pete Best, expulso da banda, e marcado como um ex-beatle renegado. Durante 20 dias, o valeparaibano percorreu locais em Hamburgo, na Alemanha, Liverpool e Londres, na Inglaterra. Conversou com dezenas de pessoas envolvidas com os Beatles durante a carreira da banda e participou de eventos que homenagearam o grupo. Algumas declarações nessas entrevistas podem não surpreender os beatlemaníacos. Outras, entretanto, trazem visões novas sobre fatos revelados recentemente, como a morte de Stuart Sutcliffe. A partir de hoje, o leitor pode conhecer com detalhes essa “Magical Mistery Tour” na qual nossa reportagem embarcou entre agosto e setembro. Acompanhe e aproveite.

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Leia mais às páginas 7 e 8

Beatles correm pelas ruas de Liverpool no filme ‘A Hard Days Night’


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valeparaibano | DOMINGO, 20 DE SETEMBRO DE 2009

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Sob os céus de Liverpool Considerada a Capital Européia da Cultura, cidade viu surgir a banda de rock que mudou definitivamente os rumos da música de todo o mundo Fotos: Adriano Pereira

Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

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ma cidade de pouco azul no céu, onde o sol é uma surpresa e a chuva é certa a qualquer momento do dia. O centro de Liverpool, na Inglaterra, parece ter apenas duas cores: cinza no céu, marrom nas casas. Soa pretensioso, mas hoje carrega o título de “Capital Européia da Cultura”, algo realmente valioso se pensar em capitais como Paris, Roma e Londres. Mas Liverpool carrega algo mais notório, algo que o mundo reverencia até hoje e que nasceu sob os exclusivos céus azuis dos subúrbios, como diz a letra de “Penny Lane”. Foi na casa paroquial da igreja de St. Peter , no dia 6 de julho de 1957, que John Winston Lennon se encontrou com James Paul McCartney pela primeira vez. O segundo sabia tocar bem e afinou o violão do primeiro, que era um músico instintivo. Lennon, sempre perspicaz, pensou: “posso economizar um dinheiro se convidá-lo para entrar na minha banda”. Nascia ali uma parceria que mudaria a história da música popular do mundo. Primeiro como The Quarrymen, depois como The Silver Beetles, passando a Silver Beatles até chegar em Beatles. No cemitério da mesma igreja, uma lápide em especial ainda é bastante visitada hoje em dia. Nela pode ser lido o nome de Eleanor Rigby. Seu jazigo fica a poucos metros de outro nome conhecido, Father Mackenzie, todas referências claras para fãs dos Beatles. Qualquer tour por Liverpool inclui esses pontos. Aliás, a cidade respira Beatles. “Aqui é o único local do mundo em que você pode entrar numa loja e encontrar um disco dos Beatles na seção de bandas locais. E isso nos orgulha muito. A coisa toda sobre os Beatles é que tudo começou aqui. Todo esse centro econômico, o título de Capital Européia da Cultura, nada disso existiria se não fosse a herança da banda”, diz Dave Jones, o atual proprietário do The Cavern Club, um dos pontos mais visitados por turistas em Liverpool.

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le tem razão. A partir do momento em que você pousa num aeroporto internacional chamado John Lennon, você percebe essa importância. E não poderia ser diferente. Grande parte da obra dos Beatles faz referências a bairros da cidade, pessoas, ruas e coisas que existiram na infância dos integrantes. Por exemplo, no bairro de Woolton, no número 251 na Menlove Avenue, fica Mendips, a casa onde Lennon foi criado pela tia Mimi, e morou entre 1945 e 1963. A cerca do fundo divide o terreno com uma área bastante conhecida. Ali, Lennon e os colegas de infância brincavam de cowboys, entre as árvores de “Strawberry Field”. Um orfanato na época, hoje escritório do Exército da Salvação amparado por Yoko Ono. Sua tia Mimi ficava preocupada com as escapadas do sobrinho. Mas ele sempre tinha uma resposta pra tudo. Até cantou mais tarde para ela: “nothing to get hung about” (nada para se preocupar). Visitar a igreja de St. Peter, a rua Penny Lane, a lápide de Eleanor Rigby e outros pontos é tarefa fácil em Liverpool. Por 20 libras (R$ 65) qualquer turista faz essa turnê num ônibus idêntico ao usado no filme “Magical Mistery Tour”. Mas entrar em Mendips e na casa de infância de McCartney, ambas tombadas pelo governo britânico, requer no mínimo paciência.

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ão quatro meses de espera para se conseguir um ingresso. Somente 20 pessoas entram por dia, não se pode fotografar nada por questões de direitos autorais e a visita dura apenas 40 minutos. O valeparaibano conseguiu estar no dia 27 de agosto nas duas casas. Tudo está como era na época em que os dois beatles moravam lá. O que não é original foi recuperado. “Tem gente que beija o chão da cozinha”, brinca Collin Hall, o responsável por tomar conta da casa de Lennon desde 2006. Fã dos Beatles e de boa música, quase teve um ataque cardíaco quando um dos visitantes do mesmo tour era ninguém menos do que Bob Dylan. “As pessoas que vieram junto não sabiam se prestavam atenção em mim ou nele, e eu fiquei bastante nervoso, mas ganhei um autógrafo em uma foto com ele”, conta.

Portões de Strawberry Field; local onde Lennon brincava na infância transformado em canção anos mais tarde

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o número 20 da Forthlin Road, não muito longe de Mendips, fica a casa onde McCartney viveu entre 1955 e 1964. A residência foi construída pelo governo britânico logo após a segunda guerra, quando o centro da cidade de Liverpool foi completamente destruído pelos bombardeios. Ao entrar na casa, o visitante é recebido na sala onde Lennon e McCartney escreveram centenas de músicas, entre elas “Love Me Do”, “P.S. I Love You” e “I Wanna Hold Your Hand”. É impossível não reparar que John Halliday, o responsável por cuidar da casa há 11 anos, é extremamente parecido com McCartney. Mas isso é uma pura coincidência. O “estilo inglês” de turismo impera em todos os tours pela cidade, exceto no Beatles Story (leia texto nessa página). Não é uma festa, como podem imaginar os mais desavisados. Nas casas de George Harrison e Ringo Starr, por exemplo, outras pessoas residem nos endereços, e o respeito por isso é requisitado o tempo todo pelos guias. Ao passo que Menidps e a casa de McCartney são preservadas, essas outras não são. E isso também não valoriza o lugar. “Quem é que gostaria de viver num local no qual você abre a porta e as pessoas estão tirando fotos de você. Ninguém quer comprar uma casa assim”, diz Margareth Shawn, a senhora que vive na casa onde Ringo morou, e óbvio, não se deixou fotografar. CASBAH - Mais distante do centro turístico de Liverpool, fica o Casbah Cofee Club, local onde Lennon, McCartney e Harrison fizeram sua primeira apresentação “profissional” com a banda The Quarrymen. De todos os lugares que nossa reportagem visitou é o

mais original e preservado. Cada pedaço do clube foi decorado por um beatle antes de abrir suas portas. No teto do palco, por exemplo, é possível ler uma gravação feita com canivete que diz: “John, I m Back”.

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oi na Haymans Green, rua onde fica Casbah, que a banda decidiu aceitar o convite do empresário local Allan Williams para uma turnê sem previsão de término em Hamburgo, na Alemanha. Os três, mais os recém integrados Pete Best, na bateria, e Stuart Sutcliffe, no contrabaixo, aceitaram sem problemas. O grupo, que nessa época já se chamava The Silver Beatles, ficaria em Hamburgo de 1960 a 1962, com pequenos intervalos em Liverpool, fazendo centenas de shows. Foi lá que ganharam o nome definitivo e a experiência necessária para ganhar o mundo. Na Alemanha, muita coisa mudou para todo mundo.

Penny Lane: rua comum do subúrbio de Liverpool e ponto de pregrinação de fãs

Beatles Story é aula sobre a banda Casa Paroquial da Igreja de St Peter, local do primeiro encontro entre Lennon e McCartney

Liverpool, Inglaterra

Para quem viveu em outro planeta nos últimos 50 anos, a melhor maneira de começar a conhecer a banda é ir ao Beatles Story, que fica na Albert Docks, centro turístico de Liverpool tombado pela Unesco. É uma forma de turismo bastante comercial, mas que também pode ser muito divertida. O local expõe todo tipo de material ligado aos Beatles, desde roupas e instrumentos originais, até todos os discos de ouro que o grupo ganhou na carreira. A entrada é uma réplica do The Cavern, clube

que ficou famoso pelas apresentações da banda. Uma das atrações mais interessantes do Beatles Story fica no prédio ao lado da Albert Docks. É o Fab 4D, um curta-metragem de 10 minutos que foi elaborado para as crianças, mas a maior parte do público tem entre 30 e 60 anos. Na animação, um jovem tem que atravessar a cidade para encontrar com a namorada que o convidou para tocar num clube. Durante o trajeto do personagem, que é feito por um motorista maluco num ônibus, o espectador vai passando por lu-

gares que fazem referência aos Beatles. É aí que entra o 4D. Quando o ônibus passa por Strawberry Field, pequenos morangos saltam da tela e o perfume deles pode ser sentido na sala de exibição. Quando o veículo se transforma em submarino, o Yellow Submarine, claro, bolhas de sabão são borrifadas no teatro todo. É impossível sair de lá sem um sorriso no rosto. Assim como no prédio principal, a visita acaba numa loja que tem tudo que se possa imaginar. Desde bolsas até baralho dos Beatles.


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valeparaibano | DOMINGO, 20 DE SETEMBRO DE 2009

O QUE ESCUTAR? ✔ Penny Lane, em Magical Mistery Tour ✔ Strawberry Fields, em Magical Mistery Tour ✔ Eleanor Rigby, em Revolver ✔ In My Life, em Rubber Soul

IN MY LIFE There are places i’ll remember All my life though some have changed Some forever not for better Some have gone and some remain All these places have their moments With lovers and friends i still can recall Some are dead and some are living In my life i’ve loved them all Divulgação

But of all these friends and lovers There is no one compares with you And these memories lose their meaning When i think of love as something new Though i know i’ll never lose affection For people and things that went before I know i’ll often stop and think about them In my life i love you more

EM MINHA VIDA Há lugares dos quais vou me lembrar Por toda a minha vida, embora alguns tenham mudado Alguns para sempre, e não para melhor Alguns se foram e outros permanecem Todos esses lugares tiveram seus momentos Com amores e amigos, dos quais ainda posso me lembrar Alguns estão mortos e outros estão vivendo Em minha vida, já amei todos eles Mas de todos esses amigos e amores Não há ninguém que se compare a você E essas memórias perdem o sentido Quando eu penso em amor como uma coisa nova

Though i know i’ll never lose affection For people and things that went before I know i’ll often stop and think about them In my life i love you more In my life i love you more

MENDIPS Fotos: Adriano Pereira

Acima, Collin Hay, o responsável por cuidar da casa onde Lennon morou até 1963. No detalhe, o músico com cinco anos de idade em frente ao vitral na entrada da casa

Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto Por pessoas e coisas que vieram antes, Eu sei que com freqüência eu vou parar e pensar nelas Em minha vida, eu te amo mais

I saw her standing there! É claro que esse passeio todo por Liverpool pode ser feito em um dia, mas para um beatlemaníaco não basta. Em todos esses pontos fui mais de uma vez, sozinho ou com um grupo de “doentes” como eu. Em alguns momentos, confesso, demorava para “cair a ficha”. É impossível ficar frio e inabalável na sala da casa onde Lennon e McCartney escreveram uma dúzia de sucessos. É inevitável não perceber a genialidade da dupla quando se vê que Penny Lane é uma rua qualquer, sem nada de especial, mas que foi transformada numa obra-prima. Estar nesses lugares é tentar viver, pelo menos por alguns minutos, o que os quatro rapazes de Liverpool viveram. E quando você menos espera, já está assobiando alguma melodia, afinal, está tudo ali.

Divulgação

À esquerda, túmulo de Eleanor Rigby e abaixo a estátua no centro de Liverpool em homenagem à personagem. À direita, fachada da casa de McCartney. No detalhe, a sala onde ele e Lennon escreveram dezenas de sucessos

Divulgação

Embora eu saiba que eu nunca vou perder o afeto Por pessoas e coisas que vieram antes, Eu sei que com freqüência eu vou parar e pensar nelas Em minha vida, eu te amo mais

Roary Best, irmão do baterista Pete Best, mostra o ‘palco’ da primeira apresentação do The Quarrymen, primeiro nome da banda, no Casbah Cofee Club. Logo abaixo, a foto histórica feita no dia. No meio, à esquerda, inscrição feita por Lennon no forro do palco. O local é o mais preservado de todos


Arte Flávio Forner sobre imagem de Adriano Pereira

valeparaibano | TERÇA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2009

Rasante na Alemanha Na segunda reportagem da série, a dívida dos rapazes de Liverpool com os clubes de Hamburgo Adriano Pereira Hamburgo, Alemanha

uando se fala em Beatles, geograficamamente as pessoas tendem a lembrar de Liverpool. Claro, é inevitável. Mas uma outra cidade pouco lembrada pela maioria das pessoas foi importantíssima na formação da banda. Entre 1960 e 1962, os Beatles aprenderam a tocar em Hamburgo, na Alemanha. É notório para todo mundo que conheceu o grupo antes e depois da cidade alemã, que lá a banda ganhou a experiência de palco necessária para seguir na carreira. Hamburgo foi a grande escola do grupo. Ainda que de maneira acanhada, a cidade reverencia essa passagem do grupo por lá. Algumas das casas noturnas nas quais o grupo tocou ainda existem, um museu foi recém inaugurado e mesmo os desavisados que chegam à cidade acabam descobrindo que no início da década de 60, os cinco de Liverpool, passaram por lá. Sim, cinco. A banda tinha outra formação na época e se transformou enquanto esteve lá. Foram os anos em que Pete Best era o baterista e Stuart Sutclife, o baixista. Foi quando George Harrison foi deportado do país por ser menor. Foi local da gravação do primeiro disco a ser lançado, com o cantor Tony Sheridan. Foi palco de tragédia e de amizades duradouras. Enfim, hoje o leitor passa a conhecer esse lado dos Fab Four na segunda matéria da série ‘Help! 40 Anos Sem Beatles’. Os primeiros anos como profissionais e como Hamburgo reconhece essa passagem. Foram os anos de rock n’roll puro e simples.

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Leia mais às páginas especial 1 e 2


Fotos Adriano Pereira

valeparaibano | TERÇA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2009

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ESPECIAL

Hamburgo, a escola alemã Adriano Pereira Hamburgo, Alemanha

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ennon disse: “Eu nasci em Liverpool, mas me tornei um adulto em Hamburgo”. Não poderia ser diferente. Quando falou a frase, a Grosse Feirheit reunia todo tipo de vagabundo, garçons traficantes e prostíbulos freqüentados por marinheiros. Hoje, a rua não mudou muito, a diferença está na música e nos turistas. O bairro de St. Pauli, em Hamburgo, ainda abriga as casas eróticas e os mesmos garçons, mas os jovens de hoje carregam malas de CDs ao invés de instrumentos musicais. Os marinheiros são menos óbvios do que naquela época, mas continuam lá. E turistas do mundo todo vêm conferir esse local no mínimo exótico. Entre 1960 e 1962, todos os Beatles cresceram em Hamburgo. John, Paul, George, Pete Best e Stuart Sutcliffe chegaram à Alemanha para tocar em locais como o Indra Club por sete horas seguidas, com um intervalo de 50 minutos, todos os dias. Os garçons forneciam as anfetaminas para essa maratona musical e as garotas tinham um comportamento bastante liberal em relação às inglesas. Isso fascinou todos na banda. “Eles saíram de Liverpool como uma banda horrorosa. Não sabiam tocar nada. Mas voltaram completamente diferentes. Aqueles shows mudaram os Beatles”, diz Roary Best, irmão mais velho de Pete. As paredes vermelhas do Indra assistiram a tudo isso. O bar pequeno, sem janelas e com um ar de cabaré parece ter parado no tempo. “Até a cadeira que o George colocou no piano continua lá”, garante Orhan Sanqikci, proprietário da casa. De estatura baixa e bom humor contínuo, Sandqicki assume sem problemas que nem sabia que os Beatles haviam tocado pela primeira vez no Indra antes de comprar o bar. Quando comprou, há 11 anos, o local estava intacto, e ele não mudou nada. “As pessoas passaram a me dizer que aqui foi o primeiro local onde os Beatles tocaram e resolvi manter até o nome”, conta. No dia 21 de agosto deste ano, o músico ganês Edmund Laumie ocupava o mesmo palco com sua banda de blues. “Dá certa emoção, é claro. Mas não sou tão fã dos Beatles assim. Já moro aqui há 19 anos, passei dessa fase. Entendo que é uma parte importante da história da música popular, então me sinto tocado por este lado”, diz. Indra acaba sendo a resistência rebelde entre as casas noturnas da cidade. É o único que recebe bandas, mas não apresenta covers de Beatles. “Não quero ninguém fazendo macaquice aqui”, explica Orhan. Do famoso Star-Club, por exemplo, só resta uma placa. Foi lá que o músico e artista plástico Klaus Voorman viu os Beatles pela primeira vez. “Passei na porta e escutei aquela música. Nós não tínhamos rock n’ roll na Alemanha, só alguns clubes de jazz. Fiquei fascinado logo de cara”, conta. Foi nesse clube que John e Paul conheceram melhor Ringo - dois anos antes do baterista entrar para a banda. o Kaiserkeller, outro clube que recebeu muitos shows dos Beatles, a música eletrônica dominou o ambiente, apesar do espaço não ter mudado muito. O Top-Ten nem existe mais.

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BEATLES PLATZ Acima, a praça em homenagem aos Beatles . Ao lado, o Kaiserkeller, um dos clubes que ainda existem desde a década de 60 Abaixo, a fotógrafa Astrid Kirchher, responsável pelas imagens clássicas da banda na época

Palco de amores e amizades, cidade alemã representou crescimento pessoal e profissional para os Beatles

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“A música eletrônica é que faz a cabeça dessa molecada. Se colocar outra coisa a casa fecha”, sentencia Amir Ahmodi, proprietário do Kaiserkeller, lugar que já recebeu além dos Beatles, nomes como David Bowie, Iggy Pop, Foo Fighters, The Cramps e tantos outros. Mais ainda. Muitos dos turistas que vão até a cidade descobrem que Hamburgo foi importante na história da banda quando chegam lá. “A minha cidade ainda não descobriu o tesouro que tem em mãos. Agora estão começando a entender a importância deles para o turismo, mais ainda é pouco perto de tudo que aconteceu lá”, lamenta a fotógrafa Astrid Kirchher, responsável pelas imagens clássicas banda nessa fase. m exemplo dessa descoberta é a Beatles Platz. A praça, inaugurada em setembro de 2008, abriga cinco esculturas com os quatro Beatles que ficaram famosos e uma separada do grupo, de Stuart Sutcliffe, o primeiro baixista da banda. Pete Best, o primeiro baterista, ficou de fora inclusive dessa. O local já gerou até piada na cidade. As esculturas ficam de frente para a Grosse Feirheit, como se a banda estivesse tocando para a rua. O problema é que todo turista fotografa do ângulo contrário, ou seja, John e George ficam canhotos, Paul destro e Ringo está à frente da banda.

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ASTRID - A escultura de Stu, como era chamado o primeiro baixista pelos colegas, tem uma importância maior para Hamburgo. Desde que chegou à cidade ficou fascinado com o movimento artístico local. Ficou também apaixonado pela fotógrafa Astrid Kirchher, e ela por ele. strid foi a primeira a captar algo diferente nos rapazes de Liverpool. As fotos de Hamburgo são consideradas clássicas na história da banda. O visual rockabilly, roupas de couro e topetes à Elvis, eram completamente diferentes dos padrões das bandas inglesas. “Para mim eles eram fantásticos. Todos tinham algo diferente. O nariz do John, as bochechas de Paul. E as fotos em preto e branco conseguiram captar isso perfeitamente. Mas Stu me chamou mais a atenção”, conta Astrid. Em St. Pauli fica também o K&K Center of Beat, o escritório que representa a fotógrafa. Lá é possível comprar cópias dessas fotos a partir de 700 euros cada (algo em torno de R$ 2.100). A agência também organiza exposições ao redor do mundo e vende souvenires dos Beatles. De chaveiros a canecas de café. “Claro que a banda continua trazendo lucros para muita gente. Para Hamburgo também. Quando chegaram aqui, trouxeram entusiasmo para uma geração desanimada pela guerra. E a relação de Astrid com Stuart Sutcliffe promoveu muito as escolas de arte de Hamburgo”, diz Susanne Eder, diretora da K&K. É por isso que no Beatlemania (leia texto abaixo) Stu tem um destaque além do normal para um “beatle esquecido”. Retratos originais de Lennon e Astrid pintados por ele são peças de destaque na exposição. m 1962, quando a banda voltou para Liverpool definitivamente, Stu ficou com Astrid. Desistiu da música e se dedicou à pintura, coisa que já fazia quando estudava com Lennon na Liverpool College of Art. “Os grandes amores da vida dele foram a arte e o que ele sentia por mim. É bobagem dizer que ele saiu da banda por minha causa, ele ficou em Hamburgo por causa da pintura”, diz Astrid. No dia 10 de abril de 1962, com fortes dores de cabeça, Stu teve um aneurisma e morreu. Sua irmã, Pauline, diz que o problema foi causado por uma briga que o irmão teve com Lennon em Hamburgo. Segundo relatos dela, Lennon teria chutado a cabeça do colega violentamente depois de uma discussão. Essa teoria foi publicada no livro “John Lennon - A Vida”, do biógrafo Philip Norman. “Só soube que ele saiu uma noite com Lennon - Stu gostava de apelidar todo mundo - e ele apelidou um rapaz que não gostou da brincadeira. Lennon entrou na frente e defendeu o amigo. Não acredito nessa versão de Pauline, os dois se amavam como irmãos. Até hoje os médicos alemães não sabem a causa da morte. Nunca pensei que alguém tão jovem pudesse morrer assim, éramos jovens, eu não queria acreditar naquilo. Nem Lennon. Quando contei, ele ficou transtornado, não acreditava”, conta a fotógrafa. De qualquer forma, a perda do colega causou amadurecimento para Lennon e para todos na banda. No mesmo ano, os Beatles chegariam à formação final conhecida pelo mundo e gravariam o primeiro disco. Hamburgo foi só o começo.

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ESPECIAL

valeparaibano | TERÇA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2009

Fotos: Adriano Pereira

O que escutar? Disco The Early Tapes Canções My Bonnie What’d I Say

Beatles e Hamburgo

O Indra Club, o único local que continua do mesmo jeito desde 1960. Orhan Sandick, o proprietário, diz que não mudou nada, nem o banquinho colocado em frente do piano por George Harrison

Cinco andares para os Beatles Hamburgo, Alemanha

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naugurado em maio deste ano, o Beatlemania é a maior reverência de Hamburgo aos Beatles. O local de cinco andares e 1.300 m2 abriga um acervo considerável relacionado à banda. O ingresso custa 12 euros (R$ 36) por pessoa para uma visita desacompanhada. Mas também, um guia nem é necessário. A exposição é completamente interativa. Na entrada, o visitante recebe um cartão magnético que quando colocado em lugares específicos, vídeos e músicas são exibidos. Cada andar é referente a uma fase da banda. No andar do Sgt Peppers, por exemplo, existe até uma réplica da capa com o cenário em “tamanho natural”. Numa das instalações, as pessoas podem inclusive tirar uma foto em que aparecem com o penteado “moptop” - aquele corte que fez os rapazes famosos. A quantidade de documentos originais é enorme. Desde o contrato original com o Kaiserkeller assinado pelos Beatles, até contas pagas pelos bares da cidade. Uma instalação interessante é uma réplica da árvore ligada ao piano, famosa no videoclipe de “Strawberry Fields”, conectando um andar ao outro. Até para as crianças é uma visita interessante. No andar do “Yellow Submarine” as pessoas se sentem dentro do submarino dos Beatles. Controles e escotilhas estão disponíveis para a brincadeira. No final, claro, uma loja finaliza a visita.

À esquerda, espaço interno do Kaiserkeller eo contrato assinado pelos Beatles na época. À direita, placa do extinto Star-Club e uma vista geral da Grosse Feirheit

The Saints (When The Saints Go Marching In) Sweet Georgia Brown Kansas City

I Saw Her Standing There! Hamburgo foi uma surpresa boa e ruim ao mesmo tempo. Enquanto você encontra lugares que não mudaram nada como o Indra, percebi que outros locais como o lendário Kaiserkeller já não é o mesmo. Numa das noites, visitei a casa que se transformou numa “balada eletrônica” como outra qualquer do que um clube de rock. Lá foi um exercício de descobrir locais que eram importantes para os Beatles mas que ninguém nem sabia onde ficava. Foi o caso do parque de diversões onde Astrid Kirchher fez as fotos clássicas da banda. O vagão de trem abandonado foi se deteriorando até ser completamente destruído e dispensado. Ao mesmo tempo, é interessante ver que no principal ponto turístico da cidade, o local mais visitado é a praça que homenageia o grupo. Melhor que isso, foi ver num domingo um show de rock gratuito que juntou gente de todas as idades. Se eles não estão escutando somente polkas até hoje, a culpa é dos Beatles. por Adriano Pereira

Os Beatles tocaram entre 1960 e 1962 em Hamburgo antes de ficarem famosos na Inglaterra. O Indra Club, que existe até hoje do mesmo jeito, foi o primeiro palco dos rapazes de Liverpool. Por 12 euros você pode visitar o Beatlemania, um museu de cinco andares inaugurado em maio deste ano. Além do Indra, o Kaiserkeller continua funcionando. O Star-Club e o Top Ten não existem mais. Stuart Sutcliffe, primeiro baixista da banda, foi namorado da fotógrafa alemã Astrid Kirchner. Stu, como era chamado pelos colegas, ficou em Hamburgo depois que a banda foi embora. Ele morreu logo em seguida. A Beatles Platz, uma praça no centro do bairro de St. Pauli, abriga cinco esculturas de metal representando os integrantes da banda. Entretanto, Stu fica separado e o baterista é o Ringo, que não tocava com a banda nessa época.

Leia amanhã na série ‘Help’ Na terceira reportagem da série que será publicada amanhã, o The Cavern Club é a estrela principal. A casa que se tornou um ícone do rock inglês e que até hoje vive em razão dos Beatles. Amanhã, o leitor poderá conhecer detalhadamente a história do clube e como ele fuciona hoje organizando a Beatle Week.


Arte Flávio Forner sobre foto de Adriano Pereira

valeparaibano | QUARTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2009

A Caverna No terceiro episódio da série, conheça o lugar sagrado para os beatlemaníacos em Liverpool Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

Caverna. A impressão é essa mesmo. O teto baixo, a temperatura alta que dá impressão de fazer as paredes suarem e uma sensação clautrofóbica fazem parte da “experiência” The Cavern Club, em Liverpool. A reportagem de hoje da série “Help! 40 Anos sem Beatles” mergulha de cabeça nesse lugar que para os beatlemaníacos é sagrado. Durante a estadia da nossa reportagem em Liverpool, não houve um dia sequer que não estivemos no clube. Lá, além dos Beatles, várias das melhores bandas das décadas de 60 e 70 tocaram. Mas foi por causa dos Fab Four que o Cavern ganhou essa fama. Foram quase 300 apresentações

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dos Beatles. Mesmo assim, o clube passou por maus bocados no final da década de 70. Chegou a ser fechado, soterrado e esquecido. Hoje o local é ponto obrigatório para quem visita Liverpool. Com seus 15 mil tijolos originais, funcionando no mesmo local e do mesmo jeito, o Cavern Club se tornou uma instituição. Algo bem maior do que um simples pub que apresenta bandas de rock. Hoje, o lugar é comandado com profissionalismo e paixão. Não sobreviveria se não fosse dessa maneira. Um grande administrador que não sentisse nada pelo Cavern não daria a importância necessária. E alguém movido apenas pela paixão colocaria o clube debaixo da terra novamente. Para nossa sorte, a casa continua lá, firme e forte.


Fotos Adriano Pereira

valeparaibano | QUARTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2009

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ESPECIAL

Point dos beatlemaníacos The Cavern Club, em Liverpool, reproduz a atmosfera do período em que os Beatles fizeram 292 shows por lá

THE CAVERN À direita, em destaque, Dave Jones, o atual proprietário do clube. Abaixo, a estátua de Lennon em frente ao pub. Abaixo, a banda se apresentando no local em 1961. No detalhe, os produtos de merchandising do clube

Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

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iz o letreiro: “O mais úmido. O melhor”.O aviso é para quem desce os 21 degraus das escadas do número 10, da Mathew Street, em Liverpool, na Inglaterra. É assim há 52 anos, apenas com pequenos intervalos sem abrir as portas, que o The Cavern Club continua sendo para os beatlemaníacos o que o Vaticano é para os católicos. Foi lá que em 1957, o The Quarrrymen, a primeira banda de John Lennon, se apresentou pela primeira vez. Era apenas uma das primeiras audácias de John Lennon. A banda não sabia tocar e o grupo queria fazer rock’n’roll num clube de jazz. Foi no Cavern também que o empresário Brian Esptein conheceu a banda, já como Beatles, em novembro de 1961. Enquanto couberam no clube, foram 292 shows entre fevereiro de 1961 e agosto de 1963. “Provavelmente o Cavern nem existira hoje se não fossem os Beatles”, diz o atual proprietário Dave Jones. De fato, em 1966, o clube foi fechado por um curto período para uma reforma. Funcionou até maio de 1973 recebendo artistas como The Who, Queen, Jimi Hendrix, Pink Floyd, Chuck Berry, Elton John, até fechar as portas definitivamente decretando falência. área da Mathew Street foi então completamente reformada. E o Cavern foi soterrado, do jeito que estava. Em 1981, durante uma escavação para construção de um shopping no local, foram descobertos os famosos arcos do clube. Num instinto preservatório, a empresa que comprou o local decidiu mantê-lo intacto, sem saber ao certo o que faria. Dave Jones, um empresário do ramo de turismo, percebeu que poderia recriar a atmosfera do clube e começou a negociar a compra. Em 1991, Jones passou a administrar o local por meio da empresa Cavern City Tours, fundada no começo dos anos 80 que trabalha até hoje com excursões por locais importantes na história dos Beatles, em Liverpool. “Eu nunca pensei em administrar o The Cavern. Lembro de passar aqui na porta nos anos 60 e ver toda aquela movimentação. Achava aquilo muito interessante, mas não tinha idade para entrar no clube. Foi uma oportunidade que aproveitei”, confessa. a verdade, uma enorme oportunidade. O The Cavern recebe hoje cerca de cinco mil visitantes por semana, durante o ano todo.

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Vende além das excursões por Liverpool, camisetas, broches, chaveiros, baquetas, adesivos, canecas e uma infinidade de outros produtos de merchandising. Na Beatle Week, por exemplo, são 15 mil pessoas se apertando e suando durante uma semana. Uma cerveja sai por 3,70 libras, algo em torno de R$ 12, e são milhares de litros vendidos por dia. Na reconstrução do local, a equipe tentou ser o mais cuidadosa possível. “Nós usamos todos os 15 mil tijolos que encontramos aqui. Só não conseguimos fazer a entrada no lugar original, mas 75% do local são idênticos, com as mesmas dimensões e no mesmo espaço”, garante Jones. s mais céticos nunca aceitaram essa mudança. Dizem que o Cavern perdeu sua alma. Entretanto, em 1999, Paul McCartney fez um show no segundo palco construído especialmente para a data. Essa apresentação deu ao Cavern novo peso, e de lá pra cá bandas como Oasis e Arctic Monkeys passaram a freqüentar os palcos da casa. “Entendo essas pessoas que criticam. Até para mim é difícil separar o coração da razão para administrar esse local. Afinal, é essa paixão que traz as pessoas até aqui, é por isso que elas entram no clube e querem ouvir rock’n’roll. Isso nunca vai mudar”, diz. ão mesmo. Desde 1986, o The Cavern organiza uma homenagem aos Beatles. O que começou como dois dias de pequenos shows, hoje dura uma semana e apresenta mais de 60 concertos de bandas do mundo inteiro. Detalhe: essas bandas não recebem nada, só querem pisar no palco que eles consideram sagrado (leia à página especial 2). “Isso fica maior a cada ano. Pessoas do mundo todo vêm para Liverpool atrás dos Beatles. De uma memória, de uma camiseta. Esses lançamentos recentes da Apple e da EMI introduzem a música dos Beatles para uma nova geração, ou seja, isso nunca vai acabar”.

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Músicos brasileiros tocam na Beatle Week Liverpool, Inglaterra

Para qualquer músico popular do mundo seria uma honra estar no mesmo palco em que os Beatles estiveram. É como um MBA no currículo de um administrador de empresas. Mas para um beatlemaníaco, é o que mais se assemelha ao Éden. O grupo gaúcho Band On The Run, por exemplo, gastou R$ 27 mil para estar na Beatle Week deste ano. Levou seis pessoas, entre músicos e equipe técnica. “Se vale a pena? Claro que sim. Quando pensei em pisar no mesmo palco em que Paul McCartney pisou? Nunca”, diz Saulo Ramos da Silva, um dos integrantes do grupo. Outros dois grupos brasileiros se apresentaram nesta edição do evento. Os capixabas do The Big Beatles, pela 15ª vez consecutiva. “É tudo isso, mas é sempre bom tocar aqui. O público é excepcional, o local é ótimo e fazemos de tudo para vir todos os anos”, diz Edu Henning, o percussionista e líder do grupo. Na outra ponta estão os mineiros

Marcelo Carrato e Gleison Túlio. O segundo show da vida de Túlio com esse repertório já foi no The Cavern. Os dois fizeram uma mistura bastante interessante de ritmos brasileiros nas músicas dos Beatles. “Só de estar aqui e sentir a atmosfera é algo que não tem preço. E pensar que na época era esse mesmo visual, tudo igual. É um sonho realizado”, diz Túlio. Os dois gravaram um CD chamado “Come Together and The Others” e seguiram por uma pequena turnê na Europa. Tocar na Beatle Week pode não pagar nada, mas abre portas importantes. Mas não e só de bandas boas e inovadoras que vive a Beatle Week. Alguns grupos são bastante curiosos, e só. The Blue Margarets é uma banda japonesa formada só por mulheres. Com um inglês “Ticket to Lide” no “lock n’ loll só agrada por ser diferente e por 70% do público estar bastante embriagado com a cerveja do Cavern. Com um espírito bastante crítico, 30% das atrações são nesse nível de qualidade. Outros 40% ficam no bom, e o restante no excelente.

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ESPECIAL

valeparaibano | QUARTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2009

eira Fotos Adriano Per

O que escutar? Divulgação

Please, Please Me 1- Please, Please Me 2- I Saw Her Standig There 3- Love Me Do With The Beatles 1- It Wont Be Long 2- Till There Was You 3- Money

Acima, a história do Cavern em frente ao clube. À direita, os Beatles ainda com Pete Best na bateria no palco da casa. Abaixo o letreiro na escadaria

Divulgação

The Cavern cria ‘Escola de Rock’ Liverpool, Inglaterra

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ma nova iniciativa do The Cavern é a “Escola de Rock”, que começa a receber alunos neste mês em Liverpool. A ideia dos organizadores não é só dar aulas de música, mas ensinar certas “etiquetas” do mundo do rock’n’ roll. Durante dez dias, o aluno recebe dicas de músicos da cidade que já se apresentaram no mundo todo. No final do curso, ele faz um show com as bandas montadas durante as aulas. “É uma maneira de passar a experiência que temos para músicos que estão começando”, explica Jones. Não é necessário ser um músico extraordinário para freqüentar essas aulas, mas é bom ter algum conhecimento e já tocar a algum tempo, afinal, o investimento não é baixo. Somente pelas aulas, o custo é de 400 libras, cerca de R$ 1.200. O Cavern consegue uma parceria com hotéis da cidade e a hospedagem tem desconto, mas não sai por menos de 300 libras (R$ 900). Este curso que começou em setembro está totalmente tomado. Mas no ano que vem, o clube abre um curso de verão e começará a receber matrículas em janeiro. As informações estão todas no site www. cavernclub.org. À direita, cartaz de apresentação do The Who e os famosos tijolos recuperados do soterramento e rabiscados pelos clientes

De todos os lugares que eu iria visitar nessa viagem, o que mais me deixava ansioso era o The Cavern. Não só por causa dos Beatles, mas porque o local é como um palco “obrigatório” para as melhores bandas de rock das décadas de 60 e 70. The Who, Pink Floyd, Queen, Chuck Berry, Jimi Hendrix, todo mundo tocou lá. Todo esse “clima” parece permanecer no Cavern. Desde o “bafo quente” que você sente descendo as escadas até o bom humor das pessoas que estão lá. Não funciona como uma balada. É um lugar para se escutar música. Escrever o próprio nome nos tijolos do local é obrigatório e a quantidade de nomes brasileiros impressiona. Os recados

Divulgação

Acima, a Mathew Street, endereço do Cavern Club. No detalhe, os Beatles fotografados no mesmo local. À direita, o ônibus da cavern City Tours, o mesmo do Magical Mistery Tour

I Saw Her Standig There!

para Yoko Ono não são os mais educados e também estão em todos os lugares. Enfim, depois de visitar o lugar como um jornalista e beatlemaníaco, meu sonho agora é visitar como músico, tocando naquele palco. por Adriano Pereira

Leia amanhã na série ‘Help! Na edição de amanhã, a série “Help! 40 anos sem Beatles” traz a história do lendário estúdio Abbey Road, em Londres. O valeparaibano visitou o local e convesrou com técnicos e engenheiros de som que trabalham por lá. A reportagem fala também sobre uma das capas mais enigmáticas da história do rock.


Arte: Flávio Forner sobre fotos de Adriano Pereira

valeparaibano | QUINTA-FEIRA, 24 DE SETEMBRO DE 2009

Abbey Road

Série revela hoje como começou a paixão dos Beatles pelo estúdio que deu nome até a um de seus álbuns

Adriano Pereira Londres, Inglaterra

namoro dos Beatles com Abbey Road começou com uma paixão de um dia. “Please, Please Me”, primeiro disco da banda, foi gravado lá das 10h às 23h numa tacada só. Eles estavam se conhecendo, mas foi paixão à primeira vista. O estúdio da EMI foram a segunda casa da banda. Durante uma época, até a residência de Paul McCartney ficava na mesma rua. Muito do que se considera inovador no grupo tem causa na qualidade do estúdio e nas possibilidades que ele permitia. Mais ainda, o último disco gravado pelos Beatles recebeu o nome da rua onde o estúdio fica. A foto da capa eternizou a faixa de pedestres que fica em frente ao edifício e a EMI até tirou seu nome de lá para que o estúdio passasse a se chamar apenas Abbey Road. Para uma banda de rock, gravar um disco lá é como fazer o gol do título na final da Copa do Mundo, num Maracanã lotado, para um jogador de futebol. A reportagem de hoje conta a história desse símbolo. Conversamos com técnicos e engenheiros de som, passamos quase um dia inteiro andando nas dependências do estúdio e, claro, atravessamos a famosa faixa de pedestres e escrevemos nosso nome na parede externa do local. Sem vandalismo, só para fazer parte da história. Confira!

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Leia mais às páginas especial 1 e 2 no caderno B do “valeviver”


Fotos Adriano Pereira

valeparaibano | QUINTA-FEIRA, 24 DE SETEMBRO DE 2009

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ESPECIAL

Mais do que um estúdio Beatles quebraram a tradição nos estúdios da Abbey Road, hoje frequentado por grandes nomes da música e inúmeros fãs Adriano Pereira Londres, Inglaterra

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xistem centenas de milhares estúdios de gravação espalhados pelo globo, mas só um tem bem em frente a faixa de pedestres mais famosa do mundo. Os estúdios de Abbey Road são um símbolo antes de tudo. Local dos so-

nhos de 9 entre 10 músicos de qualquer nacionalidade, muito de sua fama existe por conta de 90% dos discos dos Beatles terem sido gravados lá. Mas não é só por isso. Construída em 1813 para ser a segunda casa de um membro da aristocracia inglesa, foi adquirida pela Gramophone Company em 1931 e transformada num estúdio de gravação. Os irmãos Pathé chegaram a filmar a noite de abertura, quando a Orquestra Sinfônica de Londres fez a primeira gravação do estúdio. “A ideia inicial da Gramophone era gravar somente mú-

sica erudita aqui”, diz a relações públicas do estúdio, Kerin Purcell. nos mais tarde, a empresa se associou à Columbia Gramophone Company para criar a EMI. Mas o estúdio já nasceu com a vocação pra receber grandes artistas. Além da estreia, em 1944, por exemplo, Glenn Miller gravou os clássicos que ainda embalam festas de debutantes e casamentos hoje em dia. Mas foi só em 1958, quando Cliff Richards and The Drifters (mais tarde Cliff Richards and The Shadows) gravaram lá, que o estúdio abriu sua porta para o rock n roll. “Era inevitável. A Ingla-

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terra na época estava sendo ‘invadida’ pelo rock americano. Todo mundo queria gravar um disco de rock”, conta. m 1964, o estúdio recebeu o engenheiro de som George Martin e quatro rapazes de Liverpool que já sabiam o que queriam. Foram os Beatles que quebraram qualquer tradição em Abbey Road, mudando as técnicas de gravação e o que se consideraria música popular dali em diante. Gravações de trás para frente, efeitos de eco, reverberações, overdubs (técnica de sobrepor canais de gravação) e tudo que hoje soa comum

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CENAS À esquerda, acima, Harrison e McCartney gravam nos estúdios. Ao lado, vista geral do famoso Estúdio 2. No centro, a fachada interna do prédio. Abaixo, à esquerda, o Estúdio 1, com capacidade para acomodar 100 músicos e mais 100 integrantes de um coral. Ao lado, turista francês assina seu nome na parede externa do estúdio

em qualquer estúdio de fundo de quintal foi inventado ali. Aquilo tudo era inovação. liás, o estúdio só passou a se chamar Abbey Road em 1970, um ano depois da gravação do disco homônimo dos Beatles. Esse disco é responsável por deixar a faixa de pedestres que fica em frente ao estúdio, a mais famosa do mundo. A foto feita por Iain Macmillan num dia quente do verão de 1969 é assunto para uma teoria divertida, a de que Paul McCartney estaria morto (leia texto nesta página). O local atrai turistas do mundo todo querendo tirar fotos do mesmo ângulo, na mesma pose. A maioria não sabe que a faixa foi mudada de lugar por causa dos incontáveis atropelamentos. Mas isso não desanima ninguém. Eles querem também escrever seus nomes na parede externa

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do estúdio, achando que dessa maneira marcarão o lugar para a eternidade. “Nós pintamos o muro uma vez por mês só para dar mais espaço, porque impedi-los é impossível”, diz Kerin. as Abbey Road não vive só da fama vinda das bandas que gravaram lá. Afinal, não foram só os Beatles que optaram pelo estúdio. Artistas como Pink Floyd, Michael Jackson, Oasis, Plácido Domingo, Radiohead, Red Hot Chili Peppers, U2 e até grupos brasileiros como o Roupa Nova e o Cachorro Grande, escolheram o estúdio por uma simples razão: a qualidade. São três salas de gravação. O estúdio um tem capacidade para receber uma orquestra completa com até 110 músicos, mais um coral de 100 cantores ao mesmo tempo. É o maior do mundo com

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esse propósito. O compositor John Williams, famoso pelas trilhas de “Guerra na Estrelas”, “Tubarão”, “ET” e tantos outros filmes, é cliente assíduo dessa sala. epois vem o lendário estúdio dois, local onde os Beatles gravavam. O espaço tem uma acústica única no mundo e um histórico incomparável de bons resultados. Pode acomodar até 55 músicos. O estúdio três serve para pequenos grupos de câmara, mas já é bem maior do que vários estúdios brasileiros. Depois do espaço físico, vem a parte técnica. Só de tipos de microfones são 98. Não a quantidade, os tipos, porque no total são 465 microfones disponíveis. Alguns valem o mesmo que uma casa e exibem condição de novos desde a década de 60. As bandas podem usar inclusive o mesmo set de equi-

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pamentos usado pelos Beatles. Está tudo lá, em perfeito estado. a seqüência vêm os profissionais que trabalham lá. Um dos mais antigos é Peter Mew, que está em Abbey Road desde 1965. Mew já trabalhou com os mais variados gêneros musicais, do erudito ao rock. É o preferido de David Bowie e já foi responsável por cuidar da sonoridade de discos do Deep Purple, Free e da trilha sonora do “Senhor dos Anéis 2”. “Não acho que seja algo mágico, isso aqui é trabalho duro. Hoje em dia é muito mais fácil, claro, a tecnologia está aí para ajudar. Mas buscamos sempre algo diferente, inovador, é assim que se segue por tanto tempo num mesmo lugar”, diz. Na verdade, é assim que Abbey Road existe há tanto tempo, com ou sem mágica.

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Fotos Adriano Pereira

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ESPECIAL

valeparaibano | QUINTA-FEIRA, 24 DE SETEMBRO DE 2009

Acima, turistas atravessam a famosa faixa. Em destaque, a famosa capa. Abaixo, cenas de gravações no estúdio

Entenda a teoria ‘Paul está morto’ Londres, Inglaterra

Paul McCartney está vivo. É óbvio, que sim. Mas alguns malucos não pensaram desse jeito quando a capa do disco “Abbey Road” chegou às lojas do mundo. A teoria é completamente absurda, mas não é difícil de entendê-la. Veja só. No dia 8 de agosto de 1969, a famosa foto foi feita por Iain Macmillan. A sessão durou apenas dez minutos porque Lennon estava apressado. Ele chegou a dizer que só queria “tirar a foto e sair logo dali, deveríamos estar gravando o disco e não posando pra fotos idiotas”. Foram feitas apenas seis imagens e McCartney escolheu a que foi publicada. As pistas que fomentam a teoria de que Paul estaria morto funciona assim: ele está descalço (segundo McCartney, aquele dia fazia muito calor, e ele não estava aguentando ficar com nada nos pés), fora de passo com os outros, está de olhos fechados, tem o cigarro na mão direita, apesar de ser canhoto, e a placa do fusca, em inglês, “beetle” estacionado é “LMW” referindo se as iniciais de “Linda McCartney Widow” ou “Linda McCartney Viúva” e abaixo o “281F”, supostamente referindo-se ao fato de que McCartney teria 28 anos

se (if em inglês) estivesse vivo. (O I em “28IF” é realmente um “1”, mas isso é difícil de ver na capa). Os quatro Beatles na capa, segundo o mito “Paul está morto”, representariam o Padre (John, cabelos compridos e barba, vestido de branco), o responsável pelo funeral (Ringo, em um terno preto), o Cadáver (Paul, em um terno, mas descalço como um corpo em um caixão), e o coveiro (George, em jeans e uma camisa de trabalho). Além disso, há um outro carro estacionado, de cor preta, de um modelo usado para funerais e eles andam em direção a um cemitério próximo a Abbey Road. Notem também que atrás do Paul tem um carro como se estivesse passado pelo mesmo lugar que ele está. Outra suposta pista seria que na contra-capa do álbum, ao lado esquerdo da palavra Beatles, teria 8 pontos formando o número 3 (sendo então “3 Beatles”). O homem de pé na calçada, à direita, é Paul Cole, um turista dos EUA que só se deu conta que estava sendo fotografado quando viu a capa do álbum meses depois. Se o Paul da capa é um sósia, acharam alguém realmente talentoso.

I Saw Her Standing There! Sou jornalista por profissão, mas mantenho um hobby sério que é tocar contrabaixo desde os 12 anos de idade. Confesso que quando passei pela porta da frente do estúdio, as duas coisas não conseguiam se separar durante os primeiros 40 minutos. Claro que a “identidade secreta” deixou de ser segredo nos primeiros 15 minutos em que estava lá. A assessora de imprensa, Kerin Purcell, já me pergun-

tou se eu tocava e acabamos conversando durante um tempo sobre a possibilidade de gravar um disco lá. Óbvio, a possibilidade terminou quando o preço desse sonho foi cogitado. Mas Abbey Road parece ter algo diferente que só que visita pode entender. Não é uma visita aberta, não existem roteiros turísticos. É um estúdio extremamente profissional e, acima de tudo, inglês. A história conta sobre seu suces-

so, mas eles teimam em manter o ar de naturalidade quando falam sobre isso. O fato é que meu disco lá vai demorar um bocado para poder ser gravado. Mas só de ter pisado no mesmo estúdio no qual os Beatles, Pink Floyd, Deep Purple, David Bowie, Red Hot Chili Peppers e tantos outros pisaram, já é parte de um sonho realizado. Por Adriano Pereira

O que escutar Abbey Road 1 Something 2 Because 3 Here Comes The Sun 4 Come Together 5 Oh! Darling

Leia Amanhã A série “Help! 40 anos sem Beatles” traz amanhã uma fase ruim na história da banda. O foco é a Apple Corps não foi um empresa de sucesso. O valeparaibano conta um pouco sobre essa história.


Arte Flávio Forner sobre imagens de divulgação

valeparaibano | SEXTA-FEIRA, 25 DE SETEMBRO DE 2009

Apple Na quinta reportagem da série, saiba como a Apple Records se tornou uma dor de cabeça para os Beatles


Fotos Divulgaçã

valeparaibano | SEXTA-FEIRA, 25 DE SETEMBRO DE 2009

valeviver

ESPECIAL

Um ‘abacaxi’ britânico Apple Records era um misto de gravadora, hospício e símbolo de disputa de poder no meio musical Adriano Pereira Londres, Inglaterra

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solução que virou um problema maior. Essa é a melhor definição que se pode dar para a Apple Records, quando foi fundada em 1968 pelos Beatles. Hoje a empresa corre com vento favorável, mas até o final da banda, a companhia era um misto de hospício, gravadora e símbolo de disputa de poder. Na realidade, a Apple já existia como um escritório administrativo do empresário dos Beatles, Brian Epstein. Com sua morte em 1967, os Beatles ficaram sem uma referência em seus negócios. Epstein sempre cuidou de tudo e de todos eles, em qualquer circunstância. Entretanto, nos últimos tempos, entre 66 e 67, o empresário estava viciado em pílulas e suas atitudes não eram as mais pensadas. “Brian estava muito estranho. Agia de maneira diferente, e nós na época ficamos um pouco preocupados”, diz Keith Howell, assessor de imprensa da banda entre 65 e 67. A decisão dos quatro de assumir a empresa foi uma tentativa de eles mesmos administrarem seus negócios, aproveitando o staff que já trabalhava anteriormente, segundo Howell. “Aquilo era uma maluquice. Tinha quartos para todo lado. A sala do George [Harrison] tinha só uma mesa vazia num canto. Uma das salas era como se fosse uma discoteca, com luzes piscando o dia inteiro. E tinha aquele amigo do Lennon, o Magic Alex, que era um cara esquisitíssimo”, diz Allan White, baterista que gravou o disco “Imagine”, e atual músico do grupo Yes.

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agic Alex era um exemplo claro de como a Apple funcionava. Lennon o conheceu por acaso e o convidou para trabalhar na Apple como um “consultor tecnológico”. Magic Alex então ficou responsável pela construção do estúdio no qual os Beatles gravariam o próximo disco, o primeiro pela Apple. No dia da gravação, o “estúdio” construído por Alex era uma sala com caixas de som espalhadas por toda a extensão das paredes. Era impossível gravar qualquer coisa lá. George Martin, o engenheiro de som em 90% dos discos da banda, chegou a dizer que o rapaz havia montado um rádio com vários falantes. Não prestava para nada.

ROOFTOP Acima, a última apresentação da carreria dos Beatles, no telhado da Apple Records. No detalhe, Lennon e McCartney na coletiva de apresentação da empresa. Abaixo, o baterista Allan White, que gravou o disco ‘Imagine’ com Lennon, e definiu a Apple como uma maluquice

Adriano Pereira

De que Apple estamos falando? Londres, Inglaterra

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pple. Nunca se sabe se estamos falando dos Beatles ou da empresa de computadores até lermos o que vem depois desse nome. Até porque, as duas usam a maçã como logomarca de suas empresas. Essa briga começou em 1978, quando a Apple Records processou a Apple Computers por usar a mesma maçã. Na época, o valor pretendido pela gravadora era de US$ 250 milhões. Mas tudo foi resolvido por US$ 80 mil com a condição de uma não entrar no ramo da outra. Mas em 1986, a empresa de computadores desenvolveu o sistema MIDI, que integrava música ao seu hardware. Mais uma vez, a Apple Records entrou com um processo. Este acabou arquivado. Em 1991, um sistema chamado Chimes, colocava novamente a produção musi-

cal dentro dos computadores da Apple. Na época, o nome do programa era “Sosumi”, que em japonês significa “nada musical”. Entretanto, em inglês, a sonoridade da palavra era provocativa. “So Sue Me”, significa “então me processe”. A gravadora pediu US$ 26 milhões de indenização, mas a justiça inglesa entendeu que a empresa estivesse apenas criando meios de se ouvir música, e não entrando no “negócio” da música. Em 2003, quando a Apple Computers lançou o iTunes, um programa diretamente ligado ao arquivamento e a compra de música on line, a gravadora entrou novamente com um processo. A briga durou até 2007, quando um acordo extrajudicial foi feito entre as duas empresas. Entretanto, até hoje, as canções dos Beatles não estão disponíveis para compra no iTunes. Até quando, ninguém sabe.

PRODUÇÃO - Com a Apple veio também a fase em que cada beatle queria produzir outros artistas. Alguns até funcionaram. George Harrison, por exemplo, produziu o Badfinger. Jackie Lomax também era um dos artistas contratados, James Taylor era outro, mas a grande maioria nunca rendeu um centavo sequer para a empresa. “Quando constatamos que aquilo estava uma bagunça, a maioria decidiu ir embora”, lamenta Howell. Entretanto, em 1969, numa briga que tinha de um lado Paul McCartney e seu sogro, e do outro, os três beatles restantes, Yoko Ono e Alan Klein, aconteceu o pior para a Apple. “Ele [Alan Klein] era um gângster. Roubou muito dinheiro de lá. Num só dia ele demitiu 26 pessoas que trabalhavam na Apple. Todo mundo andava nos corredores com medo dele. A culpa de tudo dar errado foi dele”, diz um eloqüente Jackie Lomax.

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decisão de tirar Klein foi tomada pelos Beatles, que chegaram a conclusão que ele não era realmente uma pessoa com boas intenções. Antes disso, a banda fez sua última apresentação ao vivo. No dia 30 de janeiro de 69, o grupo subiu no telhado da gravadora e tocou por mais ou menos 20 minutos. Tudo foi registrado em filme que se tornou clássico para os fãs. E foi na própria Apple, no dia 20 de setembro de 1969, que numa das reuniões em que Lennon e Yoko disputavam quem mandava naquilo tudo com Paul McCartney, que a banda acabou. Entretanto, ficou acertado entre os quatro (cinco com Yoko) que a divulgação dessa decisão ficaria só para o começo de 1970. O disco “Abbey Road” acabara de ser lançado, e o filme “Let It Be” ainda sairia no final do inverno europeu.

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as McCartney, uma semana antes do lançamento do filme, convocou a imprensa para mostrar seu primeiro trabalho solo e acabou dando a notícia sozinho. Isso foi algo que Lennon nunca perdoou no colega. Durante um tempo, chegaram a trocar farpas pelo acontecimento. “Eu montei a banda, eu acabo com ela”, dizia Lennon. HOJE - Com a saída de Klein, Neil Aspinall, que já trabalhava com a banda há muitos anos, foi indicado para gerenciar a empresa. Aspinall, que morreu este ano, ficou no cargo até 2007, quando Jeff Jones assumiu os trabalhos e continua até hoje.

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as em 1974, uma decisão da justiça inglesa acabou extinguindo com os Beatles como uma entidade. A sentença decidiu que 80% dos lucros com os discos da banda ficariam com a Apple, e 5% para cada membro do grupo. Até 1984, a Apple navegou apoiada nos lucros dessas vendas. Em 1990, começaram os relançamentos remasterizados, em estéreo, em mono original, DVDs, antologias, e todos os que os fãs compram até hoje como “novidade”. O último aconteceu no dia 9 de setembro deste ano, com todo o catálogo remasterizado em estereo, e mais 13 documentários sobre cada disco de Studio dos Beatles (leia texto na outra página).

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Fotos Adriano Pereira

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valeparaibano | SEXTA-FEIRA, 25 DE SETEMBRO DE 2009

o Divulgaçã

Surge uma nova beatlemania Londres, Inglaterra

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em aí uma nova beatlemania. Exagero? Talvez, mas todos os jornais britânicos apostam nisso com os lançamentos do último dia 9 de setembro. Não por conta das versões remasterizadas em stereo e originais em mono de toda discografia da banda, mas por causa do videogame Rock Band Beatles. “Essa é uma das previsões. A partir do momento em que você coloca a música dos Beatles numa plataforma mais aceita pelos consumidores mais jovens, uma nova geração passa a conhecer o grupo, que é incontestavelmente bom. Daí a aposta em uma nova beatlemania”, diz Giles Martin, filho do produtor George Martin, que também funciona como uma prova dessa teoria. O filho do “quinto beatle” se envolveu totalmente na produção de Rock Band. É como se fosse também uma nova geração de produção. Giles Martin também participou das remasterizações junto com os enge-

Acima, o prédio da Apple Boutique no final dos anos 60, e a fachada atual. Na época, os comerciantes da rua fizeram os Beatles pintarem o edifício de branco, afinal, a pintura psicodélica ‘chamava muita atenção’

nheiros dos estúdios Abbey Road. No dia 9 de setembro, antes da maior loja de discos da Oxford Street abrir suas portas para os consumidores londrinos, às 9h09, 70% das pessoas que estavam na fila esperavam para comprar o jogo e não os discos. “Já tenho todos os discos. Essas remasterizações são propagandas enganosas. Não muda nada e todo mundo já conhece. O jogo não. É algo diferente e interativo”, diz Joshua Andrews, de 36 anos, que estava esperando a loja abrir desde às 8h. Andrews não é o perfil esperado dessa nova beatlemania, mas de qualquer maneira, é um consumidor que foi até a loja por conta do jogo. Alguém que estaria nesse perfil de “euforia” é o brasileiro Marco Antonio Malagolli, presidente do fã clube Revolution, que no dia 9 de setembro levou algo em torno de 2 mil libras em produtos dos Beatles, inclusive o Rock Band. Detalhe, ele nunca teve um videogame, e precisou comprar um para saciar sua sede pelo grupo.

I Saw Her Standing There!

O que escutar Le It Be 1 Get Back 2 Two of Us 3 Across The Universe 4 I’ve got a Feeling 5 Let It Be 6 Dig a Pony

Quando comecei a elaborar esse projeto, uma das primeiras coisas que fiz foi ligar para o escritório que funcionava no prédio da Apple. Isso foi no início deste ano, em fevereiro. Expliquei a situação para o responsável e pedi para subir no telhado onde os Beatles tocaram. Consegui uma resposta positiva depois de algumas conversas. Mais perto da partida para Londres, tentei entrar em contato novamente e ninguém respondia. Nem por e-mail, nem por telefone. Bom, chegando em Londres fui com o endereço na mão e a esperança de encontrar alguém. Mas o prédio estava vazio. Conversei com vizinhos que me disseram que ninguém passa mais de um ano no endereço. Todos os dias, alguém

NOVO FORMATO

com uma camiseta dos Beatles aparece fazendo o mesmo pedido que o meu, e os inquilinos não agüentam. Durante os oito dias em que fiquei em Londres, ia ao número 3 da Saville Row todos os dias na esperança de encontrar alguém. Esforço em vão. Tentei subir em telhados vizinhos para, pelo menos, dar uma olhada, mas sem sucesso. As pessoas na rua já até me conheciam. No último dia, o que fiquei na fila da HMV para comprar os lançamentos da EMI, ainda passei por lá. Fiquei olhando o prédio pelo tempo necessário para saber descrevêlo mentalmente. Pelo menos isso, ninguém tira da minha cabeça. Por Adriano Pereira

Leia Amanhã Na edição de amanhã da série “Help! 40 Anos sem Beatles”, tentaremos entender como é ser um beatlemaníaco. Na sexta reportagem da série, a intenção é compreender como uma banda que acabou há 40 anos continua movimentando um mercado milionário e ganhando novos fãs.

Acima, Jackie Lomax, um dos contratados na Apple tocando durante a Beatle Week 2009, em Liverpool. Segundo ele, Alan Klein era um gangster. Logo abaixo, o jogo Rock Band lançado no dia 9 de setembro deste ano. A aposta da Apple é numna nova onda de fãs que jogam videogame e que nunca compraram um disco dos Beatles


Arte Flávio Forner sobre imagens de divulgação

valeparaibano | SÁBADO, 26 DE SETEMBRO DE 2009

Na sexta reportagem da série, saiba que o movimento de fãs absolutamente fanáticos pelos Beatles surgiu em 1963 Leia mais às páginas especial 1 e 2


Fotos Adriano Pereira

valeparaibano | SÁBADO, 26 DE SETEMBRO DE 2009

ESPECIAL

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Há 40 anos, fãs continuam dando motivos para conservar um mercado milionário em torno dos Beatles

A beatlemania é eterna ganizador do evento.

Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

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xistem dois tipos de fãs dos Beatles: os que gostam das músicas e conhecem um pouco da história da banda e os que acordam cantando “Good Day Sunshine” e vão dormir assobiando “I’m so Tired”. Encontrar alguém que nunca ouviu uma música sequer da banda é impossível. São esses fãs que há 40 anos, desde que a banda acabou, continuam gerando um mercado milionário em volta de tudo que se pode imaginar. De discos remasterizados a guarda-chuvas com o logotipo do grupo. Passando por semana dedicada aos Beatles em Liverpool, hotéis com nome de música da banda, convenções e homenagens das mais diversas e criativas. “Eu nunca precisei promover nenhum disco dos Beatles”, diz Katie Howell, o assessor de imprensa da banda entre 1965 e 1967. “Bastava falar para um jornalista em qualquer pub de Londres que no dia seguinte o telefone não parava no escritório”, completa. o auge da beatlemania, entre 64 e 66, tudo que se pode imaginar com a marca Beatles foi produzido e vendido. Vendia-se até chicletes com a cara de Ringo Starr estampada no pacote. “Uma vez, Epstein [Brian] veio até o escritório e viu uma sala lotada desses produtos. Ele disse: ‘Isso já está ultrapassado. Livre-se disso, queime! ‘. Fiz o que ele mandou. Hoje vejo as pessoas pagando centenas, às vezes milhares, de libras pelos produtos que queimei”, conta Howell. Ele não está errado. No dia 30 de setembro, no salão principal do Adelhi Hotel, em Liverpool, foi realizada a 15º convenção anual durante a Beatle Week. Era o evento mais esperado da semana que homenageia a banda com shows e palestras espalhados pela cidade inteira. este dia, é organizada uma feira na qual expositores do mundo todo colocam à venda suas raridades. Os itens mais valiosos são os assinados. Um cardápio de bordo da Pan AM, empresa aérea que transportou os Beatles nas duas turnês pelos Estados Unidos, assinado pelos quatro vale R$ 20 mil. Não pense em barganhar, e não basta ter o dinheiro. “Nós vendemos para quem realmente sabe o que está comprando. Conversamos entre os expositores para saber se o comprador é alguém conhecido, um cliente regular, ou se é apenas alguém cheio de dinheiro querendo fazer graça”, diz Simon Evans, um expositor que viaja o mundo em busca de produtos raros dos Beatles. m pedaço de madeira do palco original do The Cavern vale R$ 10 mil. Uma carta de Stuart Sutcliffe para um amigo pode ser comprada por R$ 12 mil. Uma foto de Paul McCartney autografada em 1965 não tem nem preço, assim como a vitrola autografada pelos quatro. Mas se seu bolso não agüenta, ou se sua loucura é pequena, o famoso jogo “Banco Impobiliário” na versão dos Beatles pode ser comprado por R$ 115. Ou uma camiseta, por R$ 45. “Acho que devemos ser cuidadosos sobre como apresentamos isso para os turistas. Esse comércio existe, é claro, mas não precisa ser estúpido. Tem que haver uma preservação respeitosa. Isso é autêntico, não é uma Disneylândia”, diz Dave Jones, proprietário do The Cavern e or-

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LIVERPOOL - Mas será que as pessoas que vivem em Liverpool conseguem entender esse fanatismo? “Se você me fizesse essa pergunta há 15 anos, responderia que a maioria das pessoas não dava a menor importância pra isso. Mas não é o caso hoje. Você teria que estar na cadeia nos últimos 20 anos para não perceber que a cidade mudou por causa disso”, argumenta Jones. e fato, tudo sempre existiu lá, mas a cidade não tinha uma estrutura para receber esses turistas. “Strawberry Field”, por exemplo, teve que ser comprado por Yoko Ono e doado ao Exército da Salvação para ter um mínimo de preservação. “Esse portão foi roubado e os ladrões não agüentaram carregá-lo. Foi encontrado dois dias depois num terreno baldio”, diz Neil Brannan, um dos agentes da Cavern City Tours, empresa que realiza excursões pela cidade. Mais do que isso, a casa onde Lennon viveu entre 1945 e 1963 também teve que ser comprada por Yoko Ono e doada ao National Trust, agência do governo britânico que cuida do patrimônio nacional. A residência onde McCartney passou a infância foi tombada há apenas 11 anos. Hoje em dia tudo está mudado. A cidade vive em função dos fãs dos Beatles e percebeu que isso, o patrimônio que vai de um nome de rua à casa onde Lennon viveu, é uma fonte considerável de renda. “Vir para Liverpool não é o mesmo que ir para Graceland [casa em que Elvis viveu], onde você visita uma casa e compra souvenires. Aqui você tem a oportunidade de conhecer pessoas que viveram aquela época, visitar locais diferentes que se relacionam com a banda, vai até os subúrbios da cidade, enfim, é completamente diferente”, salienta Jones. isso não dá sinal de parada. “Fica maior a cada ano. Pessoas do mundo todo vem para Liverpool atrás dos Beatles. De uma memória, de uma camiseta. Esses lançamentos da Apple e da EMI [os discos remasterizados recentemente] introduzem a música dos Beatles para uma nova geração, ou seja, isso nunca vai acabar”, sentencia.

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Para fã, Beatles é algo sagrado Liverpool, Inglaterra

“Essa pergunta é difícil de responder. Deixa eu te devolver: se você acredita em Deus, não fica perguntando por que acredita. Acredita e acabou!”, diz Saulo Ramos da Silva, um dos integrantes da Band On The Run, um grupo gaúcho que se apresentou na Beatle Week. É dessa maneira que um beatlemaníaco se comporta. Como se a banda fosse algo sagrado, o palco

onde pisaram é um altar, as palavras que disseram são leis e qualquer música é uma oração. Marco Antonio Malagolli é o único brasileiro que conheceu os quatro beatles pessoalmente. Já esteve em Liverpool mais de 50 vezes e organiza excursões que saem do Brasil com destino aos pontos de referência da banda. É presidente do fã-clube Revolution no Brasil, e já gravou nos estúdios de Abbey Road pagando R$ 50 mil por uma sessão

de um dia. “Eu já não agüento mais”, brinca a esposa do beatlemaníaco. Malagolli estava na Inglaterra fazendo mais do que um fã comum faria. Em negociações com a Apple, a intenção do fã/empresário é levar para o Brasil todos os produtos licenciados pela empresa. “Queremos vender essas coisas que eles vendem aqui pelo mesmo preço. No Brasil, todos esses produtos custam uma fortuna”, diz.

CONVENÇÃO No alto, Marco Antonio Malagolli, na entrada do Cavern Pub. Na sequência, a convenção no Adelphi Hotel, em Liverpool; a vitrola autografada e peças de colecionadores expostas no evento

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ESPECIAL

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valeparaibano | SÁBADO, 26 DE SETEMBRO DE 2009

O mais raro e caro souvenir Liverpool, Inglaterra

De todos os itens dos colecionadores, um é o mais raro e mais caro de todos. Em 1958, John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Collin Hanton e John Duff formavam o The Quarry Men. Na vontade de gravar um disco, pagaram 1 libra para Percy Philips, por apenas uma cópia de acetato. O disco continha duas músicas, “Thatll Be The Day” e “In Spite Of All Danger”. Como só existia uma cópia, foi passando pelas mãos dos cinco integrantes da banda até ficar com John Duff, que o guardou por 20 anos. Em 1981, Duff tentou vender o exemplar à casa de leilões inglesa Sothebys, mas McCartney soube da intenção e comprou o antes de qualquer iniciativa. O preço da compra nunca foi revelado, mas estima-se que o valor seja em torno de 100 mil libras, mais de R$ 300 mil. McCartney fez 50 cópias do disco e presenteou amigos e ex-beatles na época. Cada cópia é avaliada atualmente em R$ 45 mil.

I Saw Her Standing There Juro para vocês que antes de conhecer esses personagens pensei que eu era uma beatlemaníaco. Não sou e nunca havia conhecido um de verdade até chegar em Liverpool. O beatlemaníaco de verdade sabe os nomes dos sete gatos que Lennon tinha. Conhece a respiração de McCartney em cada música. Sabe cozinhar as receitas indianas preferidas de Harrison e toma o mesmo uísque que Ringo Starr. Em alguns casos, choram a cada aniversário de morte de Lennon. É inexplicável, mas compreensível. Nunca houve uma banda que fizesse o que os Beatles fizeram pela música mundial. E se as meninas de hoje gritam por qualquer cantor ruim com cabelo engomado, para os Fab Four o mérito da questão é bem maior. Por Adriano Pereira

FÃS Acima, até os ‘Beatles argentinos’ da banda The Brothers chamam atenção em frente ao The Cavern. À direita, figura ciriosa durante a convenção em Liverpool com o casaco usado pelos Fab Four no disco ‘Sgt Peppers’

O que escutar

Leia Amanhã

Nunca peça para um beatlemaníaco escolher um disco só dos Beatles. Então, a sugestão de hoje é escutar toda a discografia, inclusive as antologias e coletâneas piratas que você possa encontrar nesse caminho. Não se esqueça dos discos solos de cada um deles e daquela gravação rara que todo mundo diz ter.

A série “Help! 40 anos sem Beatles” termina amanhã com uma entrevista exclusiva com Pete Best, o primeiro baterista dos Beatles. O músico recebeu nossa reportagem no Casbah Club e conversou sobre sua saída da banda e como conseguiu superar esse trauma.

GRITARIA Acima, cenas do auge da beatlemania quando os Beatles foram para uma turnê nos estados Unidos. À direita, manifestação de fãs em Londres, em frente ao Palácio de Buckingham


valeparaibano | DOMINGO, 27 DE SETEMBRO DE 2009

Beatle esquecido Na última reportagem da série, conheça mais de Pete Best, o baterista que foi demitido antes da carreira da banda decolar Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

série "Help! 40 anos sem Beatles" chega hoje ao seu último capítulo. Durante esta semana, foram seis reportagens publicadas desde o domingo passado, que tentaram mostrar um pouco do universo da banda de rock mais influente do século 20. Durante a realização do projeto, foram 20 dias numa imersão constante na vida, música, locais e legado dos rapazes de Liverpool. De procuras que não levaram a nada, até encontros inesperados, em dias surpreendentes e locais magníficos, tudo foi válido. A reportagem de hoje fecha esse ciclo com um personagem esquecido na história da banda. O baterista Pete Best tenta, mas não consegue, disfarçar em suas rugas a frustração de ter saído precocemente dessa história toda. É com uma conversa bastante franca e embalada por rock n'roll que ele conta um pouco da sua vida. A entrevista aconteceu no dia 29 de agosto, data em que o Casbah Club - o bar montado por sua mãe, Mona Best, no porão da própria casa - fazia 50 anos. Na parte de cima da casa, onde Pete Best morou desde a infância, o clima era de festa, mas o discurso era denso. Esse episódio da saída do baterista, que aconteceu há 49 anos, você conhece hoje pela ótica de um ex-beatle.

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Fotos Adriano Pereira

valeparaibano | DOMINGO, 27 DE SETEMBRO DE 2009

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ESPECIAL

Memórias da exclusão Pete Best viu os Beatles se tornarem o maior fenômeno musical do século 20

Acima, Pete Best tocando no aniversário do Casbah. Nos detalhes, à esquerda, com a banda em Hamburgo, e à direita na clássica foto de Astrid Kirchher.r Ao lado, a banda no The Cavern

Adriano Pereira Liverpool, Inglaterra

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maginem perder o emprego de uma hora rara a outra, sem explicação nenhuma. Pior que isso. Imaginem que depois que você saísse desse trabalho, a empresa voasse tão alto que ninguém no mundo seria capaz de ignorá-la. Pois para Pete Best, o primeiro baterista dos Beatles, essa é uma realidade que o acompanha até hoje. Nascido em 24 de novembro de 1941, na Índia britânica, Pete Best cresceu numa casa bastante confortável na Haymans Green, no bairro de Derby, subúrbio de Liverpool. Sua mãe, Mona Best, ganhou um dinheiro considerável numa corrida de cavalos, e foi com esse prêmio que pode adquirir a residência. No porão da casa, Mona decidiu abrir um clube. Chamou alguns garotos da vizinhança para decorar os ambientes, entre eles, Paul McCartney, John Lennon e George Harrison, que haviam acabado de montar uma banda, The Quarrymen. O clube se chama Casbah, e funciona até hoje. Foi naquele ambiente que os três resolveram chamar Best para ser o baterista do grupo que iria para uma turnê em Hamburgo, na Alemanha. Nessa época, em 1959, a banda já se chamava The Silver Beetles. O baterista fez parte da banda até o dia 16 de agosto de 1962, quando foi demitido pelo empresário Brian Epstein. Sem muitas explicações, Epstein ainda tentou arranjar outro grupo para Best continuar tocando. Mas naquele dia, o músico saiu do escritório do empresário e se afundou em várias cervejas num pub da região central de Liverpool. De lá pra cá, a carreira musical nunca decolou. Tentou o suicídio em

casa e foi salvo pelo irmão mais novo. Por ironia, foi contratado pela prefeitura de Liverpool para trabalhar no departamento de recolocação profissional. E continua lá. No cinqüentenário do Casbah, o valeparaibano pode conversar com o ex-beatle e acompanhar uma apresentação da atual banda do baterista, a Haymans Green. Tocando junto com o irmão que o salvou, Best fez um show de cinqüenta minutos, o mesmo tempo que durava o intervalo diário dos Beatles, na época em que tocavam por sete horas, todos os dias, nos clubes de Hamburgo. Imagino que deva ter sido uma notícia difícil de receber quando Epstein comunicou sua saída. Foi o dia em que meu mundo acabou. Aquele foi o dia mais doloroso da minha vida. Tive outros momentos ruins. Mas aquele foi o dia que mudou todo o curso de minha vida. Na hora qual foi sua reação? Eu tinha acabado de falar com Brian Epstein, às 10h30. Recebi a notícia e fui para fora. Um amigo que estava me esperando notou que algo diferente tinha acontecido comigo. Ele me perguntou o que tinha acontecido e eu contei. Ele não acreditava. Fomos para um pub e tomei várias cervejas. Fui para a casa e chorei a noite toda. Anos mais tarde você tentou o suicídio. Ser mandado embora da banda ainda o atormenta? Estive no fundo do poço. Mas hoje me sinto bem melhor. (Em 1965, deprimido, Best fechou o banheiro e abriu um gás de cozinha. O irmão,

Roag, sentiu o cheiro e salvou o baterista). Você sente pelo fato de que a notícia poderia ter sido dada por um dos colegas da banda, não por Epstein? Ele era o empresário, era seu trabalho fazer isso. Como você entrou pra a banda? Em 1960, surgiu a oportunidade dos Beatles tocarem em Hamburgo. Era uma proposta de Allan Williams, um produtor local que ainda está vivo. Paul McCartney me ligou convidando. Toquei durante uns quinze minutos num ensaio, e já me tornei um beatle (risos). Minha mãe me deu muita força para seguir com eles para a Alemanha. Dava para imaginar até onde os Beatles chegaram? Nós tocávamos mal (risos). Quando chegamos a Hamburgo só os bêbados nos agüentavam, mas fomos melhorando, e quando voltamos éramos uma banda bastante razoável. Sabíamos que tínhamos algo diferente, mas não imaginávamos que um dia existiria a beatlemania, por exemplo. Você era bastante popular na época. As garotas tinham você como o beatle preferido. É verdade? Eu sabia disso. Houve uma grande manifestação em frente ao Cavern Club, com cartazes como "Pete Forever!", "Ringo Never!" e coisas assim no dia em que Ringo se apresentou pela primeira vez com a banda. E aí eu percebi que sim, eu estava me tornando popular. (continua na página 2)

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ESPECIAL

valeparaibano | DOMINGO, 27 DE SETEMBRO DE 2009

‘Eu seria um bealte’ John Lennon disse que você era um baterista, mas Ringo era um beatle. O que você acha dessa declaração? Isso é besteira. Eu poderia ter me tornado um beatle. Você tem algum ressentimento sobre o que aconteceu? Nada. Na verdade gosto muito de todos eles. Você se encontrou com ele depois que saiu do grupo? Uma vez, quando a BBC fez um filme no Cavern Club, logo depois de eu ter saído do grupo, encontrei com eles. Outra no Majestic BalI Room. Eu estava tocando com o All Stars e fomos receber um prêmio. Quando estávamos saindo do palco os Beatles estavam subindo. Mas não trocamos nenhuma palavra. Na sua opinião, porque você foi expulso da banda? Na época muita gente falou sobre ciúmes. Eu estava aparecendo demais no grupo. Como falei, as manifestações em frente ao Cavern provam isso. Muita gente disse que McCartney não estava gostando desse destaque. Outras pessoas dizem que eu saí porque não aceitei cortar meu cabelo daquele jeito esquisito. Astrid Kirchher disse que na época de Hamburgo você tinha um estilo rock n roll bastante proeminente, mas nunca estava junto com o pessoal da banda. Era uma pessoa distante. Você concorda? Não era distante, sempre fui muito tímido. Não gostava de fazer o que Paul faz muito bem. Ele sempre foi o relações públicas do grupo, sempre soube fazer aquilo com o público. Então pareço distante em relação a isso. Hoje você trabalha no setor de recolocação profissional da prefeitura de Liverpool. Sente-se bem com esse trabalho? Muito. Posso ajudar pessoas que estão passando por dificuldades como eu passei. Mas você continua tocando? Sim, como hoje, em datas especiais, ou se me convidam. Alguns fãs que estão aqui hoje dizem que você é o beatle mais sortudo, afinal, pode receber amigos em sua casa sem a perturbação de um batalhão de jornalistas? Exceto você (risos). Não acho que seja sortudo, tinha que ser dessa maneira. Estou casado há quarenta anos, tenho duas filhas e quatro netos. Posso não ser o mais bem-sucedido dos Beatles, mas sou o mais feliz Você irá tocar no Brasil em novembro, com a banda argentina The Beats. Terá canções dos Beatles no repertório? Claro que sim. Ouço Beatles até hoje e adoro. Vamos fazer alguns shows por lá e vai ser divertido.

Algo indissolúvel para a posteridade Londres, Inglaterra

Durante toda essa "Magical Mistery Tour" em que estive nesses 20 dias, a pergunta que nunca foi respondida é: por que a banda acabou? Eu sei todas as explicações possíveis e dadas por todo mundo que poderia fazer isso. Mas nada me conforta. Em todos os dias, me senti como Pete Best. Queria ter vivido tudo isso enquanto acontecia. O fim dos Beatles pode ser comparado à aposentadoria de Pelé. No auge da fama, no melhor da carreira, quando ninguém tinha o que falar mal dos ídolos. O futuro pessoal dos quatro rapazes de Liverpool, depois dos Beatles, não foi dos melhores. Len-

non foi assassinado na porta de sua casa por um fã alucinado. McCartney, sempre tão certo de tudo, ficou viúvo tragicamente, entrou num outro casamento horripilante e nunca se recuperou do baque que foi terminar a banda. George Harrison foi vítima de um casamento, com a nicotina. E Ringo, se recupera do alcoolismo gritando com os fãs no próprio site, dizendo que o que chegar pelo correio para ele autografar será automaticamente queimado. Mesmo assim, para a posteridade fica algo indissolúvel. Para sempre estarão os Fab Four, talvez a maior máquina desenhada para a felicidade humana no mundo moderno. Sempre que uma música dos Beatles é tocada, o sol é forçado a aparecer.

Acima, Pete Best depois do show de aniversário do Casbah Club. Abaixo, a fachada do clube que foi construído por Mona Best, máe do baterista. À esquerda, placa presenteada pela prefeitura de Liverpool reconhecendo o Casbah como local de nascimento dos Beatles

I Saw Her Standing There!

"Pete era um bom baterista, mas Ringo era um beatle" John Lennon

"Ele sempre tinha algo para fazer sozinho, era muito distante dos rapazes da banda. Dava para notar que ele era passageiro na banda. Paul estava sempre discutindo com ele porque ele não praticava. Mas tinha um visual bastante rock n roll" Astrid Kirchher, fotógrafa

"Era difícil para ele estar no mesmo clima da banda. E como baterista ele era muito limitado" Klaus Voorman, músico e artista plático

Fotos Adriano Pereira

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A história de Pete Best é tão esquecida da carreira da banda, que até quem conhece sua importância nos primeiros anos dos Beatles não dá o devido crédito ao baterista. Nossa entrevista estava marcada para às 18h de um sábado frio e chuvoso em Liverpool. A conversa aconteceu às 0h do domingo. Foram seis horas de espera, em pé, com momentos nos quais eu pensava: "Mas esse cara acha que é um beatle?". De um jeito ou de outro, ele foi um beatle, e isso me fez suportar as dores no pé até poder subir para o andar de cima do Casbah Club, o local da família Best. Enquanto conversávamos, os netos do ex-beatle corriam pelo corredor e às vezes davam risada do meu inglês claramente nervoso pela situação. Pete, ao contrário, respondia a tudo com uma calma impressionante. Sua timidez é nítida e conhecida por todos amigos mais íntimos. Fica mais aparente na hora das fotos. "Poucas, por favor", pediu em voz baixa. Pedido atendido sem discussão. Ao final da conversa, ele me olhou e perguntou: "Você está feliz?". Respondi que sim, e retruquei: "E você?". "Muito", respondeu. Sai do Casbah, desci a rua à pé até a avenida mais próxima e peguei um táxi. O motorista me perguntou o que eu estava fazendo ali. Expliquei e ele me fez a pergunta que resumiria a história de Pete Best: "Mas ele tocou com os Beatles?".

O que escutar The Decca Tapes 1. Money (That's What I Want) 2. Three Cool Cats 3. Hello Little Girl 4. Besame Mucho 5. Love Of The Loved


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