Coleção Pesquisas
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Volume
Pesquisas Teorias e práticas Assis Souza de Moura Edineide Dias de Aquino Organizador - Organizadora Allan Jones Andreza Silva Assis Souza de Moura Auricélio Soares Fernandes Azemar Soares dos Santos Júnior Fabiana Querino Xavier e Fontes Iranilson Buriti de Oliveira João Batista Teixeira Joel Martins Cavalcante Luiz Antônio Coêlho da Silva Magna Eugênia Fernandes Rejane Ramos Peregrino Rosemary Rodrigues Morais Costa Rosilda Alves Bezerra
Coleção Pesquisas
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Volume
Pesquisas: Teorias e práticas
Esta é uma publicação da Universidade Livre de Educação Continuada apoiada pela Associação Editorial Companhia Nacional dos Autores.
CONSELHO EDITORIAL Assis Souza de Moura Edineide Dias de Aquino Ednaldo Alves dos Santos Fabiana Querino Xavier e Fontes Geovanna Cristina Falcão Soares Rodrigues Guinaldo da Costa Lira Júnior João Batista Teixeira Joel Martins Cavalcante José André Francisco Filho Klauber Jorge Canuto Rosalinda Falcão Soares Rosemary Rodrigues Morais Costa
Apoio GP Educação, Comunicação e Direito (UFCG)
Coleção Pesquisas
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Pesquisas: Teorias e práticas Assis Souza de Moura Edineide Dias de Aquino Organizador - Organizadora
Allan Jones Andreza Silva Assis Souza de Moura Auricélio Soares Fernandes Azemar Soares dos Santos Junior Fabiana Querino Xavier e Fontes Iranilson Buriti de Oliveira João Batista Teixeira Joel Martins Cavalcante Luiz Antônio Coêlho da Silva Magna Eugênia Fernandes Rejane Ramos Peregrino Rosemary Rodrigues Morais Costa Rosilda Alves Bezerra
Guarabira - PB 2014
Copyrght
2014 by Companhia Nacional dos Autores
Todos os direitos desta edição reservados pela Companhia Nacional dos Autores. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia. Editor responsável Assis Souza de Moura Coordenação da Coleção Pesquisas Assis Souza de Moura Edineide Dias de Aquino Guinaldo da Costa Lira Júnior
Organização deste volume Assis Souza de Moura Edineide Dias de Aquino
Revisão de linguagem Autores
Organização do próximo volume Assis Souza de Moura Ednaldo Alves dos Santos Rosalinda Falcão Soares
Capa, projeto gráfico e diagramação A. S. Moura
A Companhia Nacional dos Autores não é responsável pelo conteúdo desta publicação, com o qual não necessariamente concorda. Os autores conhecem os fatos narrados, pelos quais são responsáveis, assim como se responsabilizam pelos juízos emitidos. Desta forma, os textos deste livro são de responsabilidade exclusiva de seus autores.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) M929p
Moura, Assis Souza de. 1982 Pesquisas: teorias e práticas / Assis Souza de Moura, Edineide Dias de Aquino (Organizadores). - Guarabira: UniLEC, 2014. (Coleção Pesquisas, v. 1). 250p. ISBN - 978-85-61376-59-0 1. Ciência. 2. Pesquisa. 3. Educação I. Título. CDD: 370
Impresso no Brasil Impreso en el Brasil - Printed in Brazil Para citar esta publicação MOURA, Assis Souza de; AQUINO, Edineide Dias de. (Orgs.). Pesquisas: teorias e práticas. Guarabira: UniLEC, 2014. (Coleção Pesquisas, v. 1). Esta publicação não tem fins lucrativos, sendo comercializada a preço de custo. Primeira edição: Setembro de 2014.
Foi feito o depósito legal
Sumário
PREFÁCIO
7 PESQUISA SOCIAL: INTERCURSOS DE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA EM BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS Assis Souza de Moura DIREITO
21 HOMOFOBIA E O DIREITO FUNDAMENTAL À SEXUALIDADE NO BRASIL Joel Martins Cavalcante
37 A VIOLÊNCIA E A METODOLOGIA OPERACIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA NO AGRESTE DA PARAÍBA Allan Jones Andreza Silva LITERATURA
53 O PERSONAGEM NARRADOR APRESENTANADO A CIDADE NA FICÇÃO DE ANTON TCHEKHOV E CLARICE LISPECTOR: UM ESTUDO COMPARADO João Batista Teixeira Rosilda Alves Bezerra
67 MACHADO DE ASSIS COMO LEITOR DE POE: UMA ABORDAGEM COMPARATIVA DA CULPA NOS CONTOS O ENFEIMEIRO E O CORAÇÃO DENUNCIADOR Auricélio Soares Fernandes HISTÓRIA
83 ARTEFATO DE MEMÓRIA: DA CASA DE CONTOS AOS CONTOS DA CASA - POR UMA HISTÓRIA SÓCIOCULTURAL DE UM SOBRADO Iranilson Buriti de Oliveira Azemar Soares dos Santos Júnior EDUCAÇÃO
1 0 1 E S C O L A R I Z A Ç Ã O D E A U T I S TA S : CONSIDERAÇÕES SOBRE LEGISLAÇÃO E INCLUSÃO Fabiana Querino Xavier e Fontes
119 CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O PAPEL DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NOS SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO Assis Souza de Moura Luiz Antônio Coêlho da Silva PSICOLOGIA
151 S I G N I F I C A Ç Õ E S D A S T E O R I A S D A APRENDIZAGEM: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES NO CONTEXTO ESCOLAR Magna Eugênia Fernandes Rejane Ramos Peregrino Rosemary Rodrigues Morais
PREFÁCIO
PESQUISA SOCIAL: INTERCURSOS DE REVISÃO BIBLIOGRÁFICA SOBRE A INVESTIGAÇÃO QUALITATIVA EM BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS Assis Souza de Moura
RESUMO O presente texto, caracterizado como breve ensaio teóricoconceitual, é fruto de pesquisa bibliográfica sobre a epistemologia das implicações da ciência e discute, de forma preliminar e introdutória, aspectos epistêmicos sobre a pesquisa social e as formas de abordagem. Objetivamos, em notas de leitura, refletir sobre o papel da ciência e da pesquisa e os paradigmas apresentados por Boaventura de Sousa Santos (2003), que afirma que a Ciência moderna é uma “ciência em crise” e que estamos vivendo “tempos de transição”, saindo de um paradigma dominante ao um paradigma emergente, por ele denominado de “um conhecimento prudente para uma vida decente”. Consequentemente, objetiva-se oportunizar problematizações para posterior aprofundamento. Palavras-chave: Ciência. Pesquisa social. Paradigmas científicos.
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1 Pesquisa e ciência: considerações iniciais
A “pesquisa”, em sua acepção “simples”, fora do ambiente acadêmico, é uma atitude constante e espontânea, inerente ao cotidiano das relações humanas, expressando o “desejo natural de conhecer”, de “saber das coisas”. É uma atitude fortemente influenciada pela curiosidade que, por sua vez, une desejo e vontade à espontaneidade de “procedimentos” na escolha de ações e na busca por atingir certos objetivos, sejam pessoais, interpessoais ou coletivos. Fala-se, neste caso, em pesquisa como procura, aventura, descoberta, estando, no discurso moderno das ciências, dissociada de um método. Sem o fundo da “cientificidade” – conceito este em mutação histórica -, a pesquisa seria uma escolha subjetiva, vinculada às visões de mundo das pessoas e contrária aos conceitos de ciência vigentes, consolidados nos séculos XIX e XX. No campo acadêmico, onde supostamente residem os critérios de cientificidade, a pesquisa configura-se como “estudo metódico”, isto é, fundado em um método construído para legitimar os resultados. Desta forma, o ato de pesquisar seria um procedimento (e não apenas atitude) de busca e descoberta e que exige a correspondência coerente com um método. Nesta acepção, nega-se, tradicionalmente, qualquer menção ao termo subjetivo, alegando-se que ciência é sistema que intenta a aquisição de conhecimentos a partir da objetividade, elemento modernamente indicado como fundamental ao “método científico” e, como tal, revelaria a concepção predominante de Ciência. Neste percurso teórico, Minayo (2000) conceitua pesquisa como atitudes que conjugam as teorias e as práticas basilares das Ciências. Inferimos, portanto, que o fazer científico se constitui como consequência das pesquisas: processos e resultados que se aproximam das realidades. Entendemos por Pesquisar a atividade básica das Ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente inacabado e
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permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e dados (MINAYO, 2000, p. 23).
A pesquisa formal – expressão pouco usual, mas designativa daquela que se realiza a partir de “instituições de pesquisa” – seria um processo de conhecimento, reunindo concepções e marcos teórico-metodológicos da Ciência. No entanto, a Ciência não é única, pronta e acabada. Temos “ciências” ou, ao menos, processos científicos diferentes que geram denominações específicas, conforme seus objetos de estudo, como as “ciências naturais” e as “ciências sociais”, por exemplo. Partindo da assertiva de Santos (2003) de que a Ciência moderna é uma “ciência em crise” e que estamos vivendo “tempos de transição”, objetivamos, de forma preliminar, apresentar breves intercursos sobre o conhecimento científico nas ciências naturais e nas ciências sociais, destacando o pensamento de Boaventura de Sousa Santos a respeito do que ele mesmo chama de paradigmas científicos: o dominante e o emergente. Neste breve ensaio, fruto de pesquisa bibliográfica, de forma preliminar e introdutória, objetivamos discutir, entre notas epistemológicas, alguns pressupostos da pesquisa nas Ciências Sociais, primando por uma abordagem teórico-metodológica a partir de referenciais que especificam a investigação qualitativa nos cenários atuais de estudo. Assim, traçamos um breve percurso de resgate histórico sobre o conhecimento científico, focando o racionalismo e o positivismo. Em seguida, fazemos um intercurso na obra Um discurso sobre as ciências, de Santos (2003) e, por fim, concluímos com considerações sobre as possíveis relações entre os textos desta obra e as questões apresentadas por este autor.
2 Ciências naturais e ciências sociais: conhecimento científico
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Os que ousaram negar a existência de verdades nos mitos e dogmas da antiga Grécia (conhecidos como pré-socráticos), instalando um ceticismo iniciante – de cunho naturalista – expandido, posteriormente, por Sócrates (469-399 a. C.) e Platão (428/427-348/347 a. C.), foram os primeiros que no pensamento ocidental se preocuparam em entender a natureza do mundo (Cf. MAGALHÃES-VILHENA, 1984). Sócrates, em seu tempo, conceituando “prova”, “evidência” e “fato” associou o pensamento à observação dos eventos naturais buscando conhecer “como” estes faziam parte da natureza das coisas. Naquela época, imbricado por misturas ideológicas e filosofias, Sócrates e seus seguidores, principalmente Platão, começaram a construir “um pensamento científico” ou um pensamento sobre o deveria ser científico. Para Sócrates o conhecimento era medido pelo desconhecimento: “só sei que nada sei” (Cf. DURANT, 1926). Especificando ideias socráticas, Platão, por seu pensamento abstrato/racional, na análise das realidades, concebia a existência de dois mundos que seriam contrários e antitéticos, mas paralelos: um mundo concreto e em constante mudança, alimentado pela História, onde residiam os fatos e os eventos naturais e biológicos, e um mundo abstrato, formado pelas ideias e em permanente estado de imutabilidade. Esta ideia platônica - um diferencial em sua época - fundou uma dualidade dicotômica no pensamento ocidental, “originando” correntes duais de conhecimento que cada vez mais, nos transcursos do tempo, passaram a especificar visões de mundo partidas por compreensões ora “concretas”, ora “abstratas”. Aristóteles (384-322 a. C.), discípulo de Platão, contrariando-o, afirmou a existência de um único mundo, concreto e sempre mutável, intrinsecamente condicionado e condicionante, dinamicamente histórico-natural, e, a partir do Liceu, ensinou que a compreensão deste mundo deve ser buscada no próprio mundo e de forma “peripatética”: acompanhando-o. Este filósofo imprimiu ao modelo nascente de “ciência” o conceito de sistematização e classificação, categorias fundamentais dentro das modernas concepções sobre ciência. A classificação aristotélica originou-se a partir de suas constantes observações e estas indicaram que os conhecimentos poderiam
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ter várias áreas, sendo multifacetado, e que as coisas poderiam ser bem mais compreendidas quando separados e catalogados. Assim, o pensamento aristotélico estava, desde o início, voltado para concepções naturais e biológicas das relações no mundo material, visível, concreto. Séculos depois, com as devidas ressignificações, foram sistematizadas as Ciências Naturais, reunindo muitas das concepções e pressupostos aristotélicos. As ideias de Sócrates, Platão e, sobretudo as de Aristóteles – que a Igreja fazia questão de “proteger” permaneceram no substrato do pensamento ocidental, sendo discutidas, com maior ou menor intensidade, até os dias atuais. Contudo, como no dizer da “moderna” Epistemologia (Cf. BOMBASSARO, 1993), as ideias destes filósofos não traziam a formulação de um método, sendo caracterizadas como um pensamento filosófico sobre o que ou como deveria ou poderia ser o científico ou a ciência. No entanto, tais ideias seriam as bases para René Descartes (1596-1650) escrever a obra Discurso sobre o Método (1637), propondo o moderno racionalismo em oposição aos fundamentos empiristas do conhecimento da realidade, formulando um método. Descartes, superando a perspectiva feudal de sua época, propôs um método racionalista diante das estratégias que a Igreja impunha para o silenciamento de ideias contrárias aos seus ensinamentos cristãos metafísicos, como as de Aristóteles, sutilmente resgatas, tempos antes, por Tomás de Aquino (12251274). O método de Descartes se tornaria basilar para a (re)construção das ciências modernas nos séculos XVIII, XIX e XX, pois fora formulado para caracterizar – pelas operações mentais, as interações discursivas e a lógica - os conhecimentos científicos, afirmando que a racionalidade, a sistematização e a objetividade transformariam os saberes acumulados – tipicamente reconhecidos como certos ou verdadeiros, prováveis e verificáveis - e metodicamente adquiridos, em “ciência”. Jean Jacques Rousseau (1712-1778), na obra Emílio ou Da educação, já nos primórdios da Modernidade, inspirado por ideias românticas e iluministas, indicou a necessidade de que a ciência – como se compreendia – se aproximasse do povo e, portanto, das questões cotidianas (Cf. ROLLAND, 1960).
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Rousseau, falando de Ciência, segundo Nisbet (1982), entraria para a história do pensamento político ocidental como um dos primeiros a perceber que a ciência deveria se consolidar a partir da simplicidade existencial das relações humanas. Posicionamento ideológico de abertura às ciências sociais. A ciência, até então, fundada unicamente nos princípios racionalistas e caracteristicamente sintetizada na integração da “objetividade”, da “quantitatividade”, da “homogeneidade” e da “generalização” à observação das realidades, começou a ser sutilmente questionada. Para Rolland (1960), o pensamento de Rousseau “está vivo” e é possível delinear suas feições em muitos dos atuais pressupostos filosóficos das Ciências Sociais. A partir do método cartesiano, Auguste Comte (1798-1857) formula uma corrente filosófica denominada de Positivismo. Comte, partindo de fundamentos do Iluminismo (século XVIII), concebia a sociedade como regida por leis naturais que se estendiam sobre todos os domínios das relações humanas, negando o racionalismo e o idealismo e propondo a experiência sensível sobre o mundo concreto. Segundo Minayo (2000, p. 39), o “positivismo constitui a corrente filosófica que ainda atualmente mantém o domínio intelectual no seio das Ciências Sociais e também na relação entre Ciências Sociais, Medicina e Saúde.” Este elemento epistemológico é compreendido por Santos (2003) como o que caracteriza o “paradigma dominante” das Ciências no “novo modelo de racionalidade” fundado no século XIX. Dalberio e Dalberio (2009, p. 172) lembram que Comte associou “a palavra 'positivo' com sete acepções: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático”. Estas acepções, em contraposição as termos antitéticos correspondentes, afirmam que o que é positivo é a “verdade”, transformando a concepção posterior de pesquisa como “a busca da verdade”. Verdade que viria apenas pela experiência com dados reais, concretos, manipuláveis pela lógica pura e a matemática, negando-se, assim, quaisquer outras perspectivas, pois o positivismo “autolegitima-se”. Vendo o momento histórico de surgimento do Positivismo, podemos considerar avanços metodológicos ou, simplesmente,
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aplicações metodológicas das Ciências Naturais às Ciências Sociais, enquanto um “paradigma filosófico naturalista e materialista” (DALBERIO e DALBERIO, 2009, p. 173). No entanto, no intercurso dos séculos, com as influências, sobretudo, da filosofia analítica (século XX), o positivismo passou a ser visto com “novos olhares”, e concebido como insuficiente para “dá conta” dos “novos desafios” sociais emergentes.
2.1 Ciências e paradigmas: paradigma dominante, crise do paradigma e paradigma emergente
Em retrospectiva histórica, Santos (2003) compreende que o tempo do positivismo está passando com a “crise da ciência” e que ele nos ensinou tudo o que era possível, e, agora, em “tempos outros”, ou em “tempos de transição” – expressão mais próxima de Santos (idem.) -, estamos tentando superar tais perspectivas: o paradigma dominante (o das Ciências Naturais “positivas”) está em crise - e “é o resultado interactivo de uma pluralidade de condições (SANTOS, 2003, p. 41) - e surge um paradigma emergente – o das “ciências sociais anti-positivistas” (idem., p. 9) -, discutido apenas “por via especulativa” (idem., p. 51), pois estamos, conforme “os sinais”, “no fim de um ciclo de hegemonia de uma certa ordem científica” (idem., p. 19). Santos (ibidem.), fundamentado numa “posição epistemológica antipositivista”, defende que “todo o conhecimento científico é socialmente construído, que o seu rigor tem limites inultrapassáveis e que a sua objectividade não implica a sua neutralidade” (idem., p. 9). E continua: “[...] defendo que a ciência, em geral, depois de ter rompido com o senso comum, deve transformar-se num novo e mais esclarecido senso comum” (idem., p. 9), pois o “tempo de transição” está indicando que os métodos aplicadas às Ciências Naturais e Sociais não são mais suficientes para a explicação/compreensão/interpretação das realidades humanas. O comportamento humano, ao contrário dos fenómenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suas características exteriores e
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objetiváveis, uma vez que o mesmo acto externo pode corresponder a sentidos de acção muito diferentes (SANTOS, 2003, p. 38). Ao optarmos por um recorte teórico concebido a partir de Santos (2003), estamos reconhecendo no pensamento deste autor um marco divisor de algumas questões inerentes às epistemologias e, em certos aspectos, superando as ideias correntes de ciência, propondo um “conhecimento prudente para uma vida decente”, como o mesmo destaca e situa teoricamente como paradigma emergente. Para Santos (ibidem.), a crise do paradigma dominante surge ao percebermos que a ciência clássica já não dá conta de respostas e questionamentos simples - mas com grande profundidade -, mantendo-se inflexível sobre as reais necessidades humanas. Para abordar estas três perspectivas epistemológicas, Santos (2003, p. 20) analisa as seguintes hipóteses: (a) “começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências naturais e ciências sociais”; (b) “a síntese que há que operar entre elas tem como pólo catalisador as ciências sociais”; (c) “as ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista com a consequente revalorização do que se convencionou chamar humanidades ou estudos humanísticos”; (d) “esta síntese não visa uma ciência unificada nem sequer uma teoria geral, mas tãosó um conjunto de galerias temáticas onde convergem linhas de água que até agora concebemos como objectos teóricos estanques” e (e) “à medida que se der esta síntese, a distinção hierárquica entre conhecimento científico e conhecimento vulgar tenderá a desaparecer e a prática será o fazer e o dizer da filosofia da prática”. É possível inferir que a “síntese” que Santos (2003) propõe, não sendo “ciência unificada” nem “teoria geral”, é o primado (“pólo catalisador”) das Ciências Sociais, com a superação do positivismo, para a construção de um conhecimento não hierárquico, pois científico e vulgar seriam distinções desnecessárias no paradigma emergente. Reconhecendo que o
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“modelo de racionalidade que preside à ciência moderna constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculos seguintes basicamente no domínio das ciências naturais” (idem., p. 21) e que tal modelo se estendeu às ciências sociais no século XIX, na tentativa de “um modelo global de racionalidade científica” (idem., p. 21), o autor entende que tal modelo – “a nova racionalidade científica” – é “um modelo totalitário” (idem., p. 21), negando “o carácter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas” (ibidem.) e, desta forma, um modelo excludente. O conhecimento – sob a égide metodológica da observação e da experimentação -, no novo modelo de racionalidade, é norteado por “ideias matemáticas” que centralizam o fazer científico, resultando, segundo Santos (2003), em duas consequências principais: Em primeiro lugar, conhecer significa quantificar. O rigor científico afere-se pelo rigor das medições. As qualidades intrínsecas do objecto são, por assim dizer, desqualificadas e em seu lugar passam a imperar as quantidades em que eventualmente se podem traduzir. O que não é quantificável é cientificamente irrelevante. Em segundo lugar, o método científico assenta na redução da complexidade. O mundo é complicado e a mente humana não pode compreender completamente. Conhecer significa dividir r classificar para depois poder determinar relações sistemáticas entre o que se separou (SANTOS, 2003, pp. 27-28).
As Ciências Sociais, enquanto “ciência subjetiva” (idem., p. 38), é, na expressão de Santos (2003), “antipositivista”, exigindo “métodos de investigação” e “critérios epistemológicos diferentes dos correntes nas ciências naturais” (idem., p. 36). Tais métodos foram denominados, assim, de qualitativos em contraposição aos “quantitativos”, pois prefere a “obtenção de um conhecimento intersubjectivo, descritivo e compreensivo, em vez de um conhecimento objectivo, explicativo e nomotético” (idem., pp. 3839), rompendo o “estatuto” metodológico das ciências positivas.
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No entanto, no intercurso do pensamento de Santos (ibidem.), tal concepção que “distingue” as ciências ainda mantém aspectos do modelo racionalista, e “revela-se mais subsidiária do modelo de racionalidade das ciências naturais do que parece” (idem., p. 39), estando focada num processo dicotômico, pois, no processo histórico, vemos a que a “fronteira que então se estabelece entre o estudo do ser humano e o estudo da natureza não deixa de ser prisioneira do reconhecimento da prioridade cognitiva das ciências naturais” (idem., p. 40). Ao enunciar a crise do paradigma dominante, Santos (2003, pp. 40-41) elenca três assertivas que sintetizam seus argumentos. Dada a crise do paradigma, ele afirma que ela (a crise) “é não só profunda como irreversível”, pois “estamos a viver um período de revolução científica” e “os sinais nos permitem tãosó especular acerca do paradigma que emergirá”. Tal crise estaria vinculada diretamente as consequências da relatividade de Einstein, aos pressupostos da mecânica quântica, aos questionamentos sobre o “rigor da matemática”, os avanços “nos domínios da microfísica, da química e da biologia” e os processos de “industrialização da ciência” e das novas tecnologias que expressariam a insuficiência do modelo de racionalidade, anunciando um período de transição e a iminência de outro paradigma: o emergente. [...] a crise do paradigma da ciência moderna não constitui um pântano cinzento de cepticismo ou de irracionalismo. É antes o retrato de uma família intelectual numerosa e instável, mas também criativa e fascinante, no momento de se despedir, com alguma dor, dos lugares conceituais, teóricos e epistemológicos, ancestrais e íntimos, mas não mais convincentes e securizantes, uma despedida em busca de uma vida melhor a caminho doutras paragens onde o optimismo seja mais fundado e a racionalidade mais plural e onde finalmente o conhecimento volte a ser uma aventura encantada (SANTOS, 2003, p. 58).
Este autor, ao mesmo tempo em que aborda os sinais que caracterizam a crise enunciativa do fim do paradigma dominante, expõe as ideias que sustentam sua tese de um paradigma
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emergente, denominado de “paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente” (idem., p. 60), reunindo, na acepção do autor, “um paradigma científico (o paradigma de um conhecimento prudente)” e “um paradigma social (o paradigma de uma vida decente).”
3 Considerações (nunca) finais sobre um começo
Considerando as especificidades do pensamento de Boaventura de Sousa Santos, a partir da obra já citada, podemos delinear uma tênue relação entre seus pressupostos e os textos desta obra, cujos processos de construção abordam a diversidade de teorias e práticas em pesquisa, objetivando, sem delimitações de áreas e/ou subáreas das ciências, fomentar os processos de publicização das investigações que vêm sendo realizadas, especialmente por novos pesquisadores, vinculados aos Programas de Pós-Graduação na Paraíba, considerando as inúmeras possibilidades teórico-conceituais e metodológicas. Santos (2003), rompendo com o pensamento dicotômico, imprime a exigência de processos de pesquisa cujos fundamentos teórico-metodológicos compreendam tanto os objetos, como os instrumentos, as técnicas e os procedimentos, como integrantes dinâmicos e discursivos/dialógicos da investigação, dotados, assim de historicidade, temporalidade e influências culturais, políticas, econômicas e tecnológicas. Inserindo-se em linhas de pesquisa diversas, para além das especificidades declaradas, os textos desta obra, de modo geral, estão apoiados teoricamente em referenciais que reconhecem a ciência e a pesquisa social - e suas multiplicidades de abordagem - como inerentes à vida e à cotidianeidade das relações humanas e sociais para um “novo senso comum”. No dizer de Santos (2003, p. 91): A ciência pós-moderna, ao sensocomunicar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. Os pressupostos teórico-conceituais e metodológicos garantem a autonomia para definir os objetos de
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pesquisa – para além de assertivas linguísticas e discursivas lógicas e sistemáticas – como uma construção entre os sujeitos, cenários, contextos e possibilidades da investigação, na tentativa de construção de um conhecimento não hierárquico, mas, sendo um “conhecimento prudente para uma vida decente”, voltado para os interesses sociais e democráticos, abandonando os dualismos, sendo “local e total” (SANTOS, 2003, p. 73), constituído por “uma pluralidade metodológica” (idem., p. 77) internamente coerente, e fundado na ideia de que o conhecimento é, também, autoconhecimento (idem., p. 80) e, por isso, deve “constituir-se em senso comum” (idem., p. 88), pois “a ciência pós-moderna sabe que nenhuma forma de conhecimento é, em si mesma, racional” (ibidem.).
REFERÊNCIAS BOMBASSARO, Luiz Carlos. As fronteiras da Epistemologia. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993. DALBERIO, Osvaldo; DALBERIO, Maria Célia Borges. Metodologia científica: desafios e caminhos. São Paulo: Paulus, 2009. (Coleção Educação superior). DAMASCENO, Maria Nobre. Problemática dos saberes no contexto das racionalidades. In: DAMASCENO, Maria Nobre; SALES, Celecina de Maria Veras (Coord.). O caminho se faz ao caminhar: Elementos teóricos e práticos na pesquisa qualitativa. Fortaleza: Editora UFC, 2005. pp. 20-44. DURANT, Will, História da Filosofia - A Vida e as Idéias dos Grandes Filósofos. 1. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1926. MAGALHÃES-VILHENA, V. de. O problema de Sócrates: O Sócrates histórico e o Sócrates platônico. Lisboa: Gulbenkian, 1984. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de
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Janeiro: Abrasco, 2000. (Saúde em debate, 46). NISBET, Robert. Os filósofos sociais. Brasília: Universidade de Brasília, 1982 ROLLAND, Romain. O pensamento vivo de Rousseau. São Paulo: Livraria Martins, 1960. ROUSSEAU, J. J. Emílio ou Da educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira; Introdução de Michel Launey. São Paulo: Martins Fontes, 1995. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003.
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DIREITO
HOMOFOBIA E O DIREITO FUNDAMENTAL À SEXUALIDADE NO BRASIL Joel Martins Cavalcante
RESUMO A homofobia como hostilidade a todas as pessoas que não são heterossexuais é bastante presente na sociedade brasileira. Sua forma mais brutal de manifestação é a violência física, além de negar direitos básicos. Baseada numa hierarquia das sexualidades, na qual a heterossexualidade é tida como superior e normal e todas as outras possibilidades de vivências do desejo sexual são inferiorizadas, a homofobia exclui as lésbicas, gays, bissexuais e travestis (LGBT´s) da cidadania plena. Mas em um Estado Democrático de Direito como é o Brasil, a homofobia destoa de seus princípios e direitos fundamentais. Nesse artigo, vamos analisar a homofobia e pensar no direito fundamental à sexualidade com base na Constituição Federal de 1988. PALAVRAS-CHAVE: Direito. Homofobia. Sexualidade.
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1 INTRODUÇÃO Fevereiro, mês de carnaval. Período anual ansiado por milhões de brasileiros e brasileiras. Nas reportagens de tevê, sites, redes sociais fica patente o quanto as pessoas esperam essa festa e o quanto queriam se pudessem alargá-la por mais dias. Dizem que o Brasil é o país do carnaval. A propósito, em 1931, Jorge Amado, com apenas 19 anos de idade, escreveu um romance com esse título. Durante três ou quatro dias, as pessoas festejam essa festa de todos os modos, com todos os ritmos, com todos os gostos. Aliás, em muito locais, como em João Pessoa, a festa acontece dias antes. Como em muitas outras cidades, na capital paraibana tem, em outros, o tradicional bloco das Virgens da Tambaú, que desfilou pela vigésima sexta vez no ano passado. No desfile, milhares de homens vestem-se com roupas femininas e vice-e-versa. A inversão é das principais características do carnaval. Sem frescura ou preconceito, pobres tornam-se ricos, homens tornam-se mulheres. o carnaval acusa o triunfo da imaginação sobre o quotidiano, mediante a inversão de normas, quando o pobre torna-se rico (tendência para o uso de fantasias luxuosas, de personagens aristocráticos) ou quando o masculino e feminino se confundem (profusão de travestismo entre homens) (TREVISAN, 2007, p. 392).
Nada de preconceito, de discriminação, de homofobia nesses dias de folia carnavalesca. Um observador de fora, que não conhecesse a realidade cotidiana brasileira, poderia supor que o país, em relação à diversidade sexual é bem democrático, aberto, que seus habitantes convivem de forma tranquila com as diferentes orientações sexuais e identidades de gênero. Nos dias da festa de carnaval até existe certa tolerância sexual. Afinal de contas, o que vale é brincar, curtir, inverter as coisas. Mesmo assim, casos de violência homofóbica são registrados Brasil a fora. No ano passado, após um desfile do
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Bloco das Virgens de Mangabeira (do mesmo estilo que As Virgens da Tambaú), um assistente social foi violentamente agredido. Nesse ano, uma travesti, eleita princesa gay do carnaval do Rio, foi agredida após deixar a quadra da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Diante disso, até na festa da inversão, onde “tudo é permitido”, as manifestações de violência em razão da orientação sexual e identidade de gênero não deixa de aparecer, mostrando o quanto o Brasil está longe de ser um país tolerante para com a diversidade sexual. Ora, se os direitos fundamentais são direitos sem os quais o ser humano, se não os tiver, não se realiza completamente, como explicar que a sexualidade de algumas pessoas ainda obsta a concretização desses direitos? Borrilho (2010, p.15) disse que a homossexualidade permanece um obstáculo a plena realização de direitos. Numa sociedade pluralista, como a brasileira, todas as pessoas, com todas as suas diferenças, sejam elas religiosas, políticas, de cor, idade, sexo ou de orientação sexual, deveriam ser contempladas pelo ordenamento jurídico nacional. Infelizmente não é. Para Dias (2010, p. 03), sem liberdade sexual o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe faltam qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais. Até mesmo essa liberdade é negada, uma vez que, em vários lugares, a manifestação pública de afeto entre indivíduos do mesmo sexo pode acabar em violência grave, indo até a morte, com a mídia tem mostrado constantemente. A propósito, o Brasil, apesar de ter a maior Parada da Diversidade Sexual do mundo, também, é o país onde mais gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros são assassinados. Se existe uma “democracia sexual” durante o período carnavalesco, no resto do ano o preconceito e discriminação predomina em relação a todos que vivem uma sexualidade “desviante”. Suicídios, agressões, assassinatos, demissões, negações de direito básicos são presentes na vida de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais no Brasil. Na rua, na casa, na
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escola, no trabalho, nos espaços de lazer, enfim, em todos os ambientes sociais, manifestações discriminatórias motivadas por preconceito em razão da orientação sexual ou identidade de gênero são presentes. Segundo Silva (2008, p. 1) A orientação sexual é um fator de exclusão social, por ser a sexualidade um grande tabu a ser transpassado. Por mais que nossa sociedade esteja influenciada pela modernidade de novas tecnologias e por todo o aparato da informática que permeia hoje nosso dia-a-dia, questões básica como nossa relação com a sexualidade, ainda são uma barreira quase que instransponível. Todo aquele que ousa ser diferente dos padrões historicamente adotados de normalidade, é taxado de “desviante”, perigoso e por fim, passível de exclusão do trato social.
2 HOMOFOBIA: EM BUSCA DE UM ENTENDIMENTO
Apesar de muito difundido, o conceito de homofobia ainda é pouco entendido por muita gente. Seria ódio aos homossexuais? Estaria restrito a um problema psicológico de alguns indivíduos incapazes de conviver com sua orientação sexual sua e dos outros? De que forma ela atua? Ao que tudo indica, o termo é uma invenção de K. T. Smith, em um artigo publicado em 1971. George Weinberg, um ano depois, definiu homofobia como “o receito de está com um homossexual em um espaço fechado e, relativamente aos próprios homossexuais, o ódio por si mesmo.” (BORRILHO, 2010, p. 21). O conceito recebeu muitas críticas. Rios define de forma rápida e direta, homofobia como “forma de preconceito, que pode resultar em discriminação. [...] é a modalidade de preconceito e de discriminação direcionada contra homossexuais” (2007, p. 116.7). Uma das críticas feitas ao termo homofobia é que ela parte da experiência de discriminação sofrida por homossexuais masculinos, deixando de lado as lésbicas, os bissexuais, a/os travestis e a/os transexuais. Assim, esses grupos específicos cunharam outros conceitos para abarcar as formas de preconceito e discriminação sofridas como lesbofobia (referente
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à discriminação de lésbicas), bifobia (discriminação contra bissexuais) e transfobia (discriminação contra travestis e transexuais. Não é de nosso interesse estudar as causas da homofobia, mas apontar algumas de suas manifestações e características. Uma das compreensões da homofobia é entendê-la como heterossexismo. Segundo Rios, é “um sistema onde a heterossexualidade é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica”. Assim sendo Uma vez institucionalizado, o heterossexismo manifesta-se em instituições culturais e organizações burocráticas, tais como a linguagem e o sistema jurídico. Daí advêm, de um lado, superioridade e privilégios a todos que se adequam a tal parâmetro, e de outro, opressão e prejuízos a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e até mesmo a heterossexuais que porventura se afastem do padrão de heterossexualidade imposto. (2007, pp. 120 – 121).
Diante disso, fica fácil entender o porquê de no Brasil, não apenas gays são vítimas de homofobia. Heterossexuais também sofrem quando não estão no papel que socialmente lhes são reservados. Assim como o assassinato relatado acima, devido a um abraço entre irmãos gêmeos, no interior de São Paulo, um pai e um filho, depois de um show, foram agredidos porque seus agressores achavam se tratar de um casal gay. Como diz Lopes “A homofobia funciona com mais um importante obstáculo à expressão de intimidade entre homens” (2010, p.28), além disso, ela funciona, de acordo com Borrilho (2010, p. 26) como uma espécie de “vigilância do gênero”. Nesse sentido, uma pesquisa desenvolvida pelo Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, concluiu que a homofobia, aqui, está ligada ao modo como as pessoas percebem as diferenças entre homens e mulheres. Isso quer dizer que, independentemente da orientação sexual, são as roupas, os trejeitos e os estereótipos de masculino e feminino que suscitam os preconceitos dos brasileiros. A homofobia resulta da crença em uma hierarquia das sexualidades. De acordo com esse entendimento, a
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heterossexualidade é vista com superior e como norma para em que todas as outras sexualidades devem ser julgadas e compreendidas. Para Nepomuceno, normalizar significa hierarquizar, valoratizar, eleger “algo” como referência, o padrão, o modelo a ser seguido. Neste sentido, a sexualidade “normal” é a “natural”, a que deve ser seguida e nunca questionada. Não há possibilidades de variáveis de identidade, mas a consolidação “da” identidade, esta manifesta pelo poder do falo, ou seja, masculina e de uma heterossexualidade compulsória. (2007, p. 33)
Assim sendo, é necessário que o indivíduo seja coerente com o sexo biológico que nasceu, dele decorrendo um certo gênero e uma orientação sexual. Ou seja, se uma pessoa nasceu com o sexo masculino, deve ter seu gênero, que é o papel e características socioculturais reservados a homens e mulheres na sociedade, coerente com o sexo biológico, a saber, ter masculinidade e ter a orientação sexual voltada para uma mulher, ou seja, ser heterossexual. Todo esse processo começa quando do conhecimento do sexo de uma criança ao nascer. Se for menino, ele terá roupas de cores apropriadas para o sexo, além de brinquedos correspondentes a coisas de homem, como carros, bolas e bonecos. De acordo com Lopes, a nomeação é um menino ou menina traz consequências, sendo, Um processo que é baseado em características físicas que são vistas como diferenças e às quais se atribui significados culturais. Afirma-se e reitera-se uma seqüência, de muitos modos já consagrada, a seqüência sexo-gênero-sexualidade. O ato de nomear o corpo acontece no interior da lógica que supõe o sexo como um “dado” anterior à cultura e lhe atribui um caráter imutável, a-histórico e binário. Tal lógica implica que esse “dado” sexo vai determinar o gênero e induzir a uma única forma de desejo. Supostamente, não há outra possibilidade senão seguir a ordem prevista. A afirmação “é um menino” ou “é uma menina” inaugura um processo de masculinização ou feminização com o qual o sujeito se compromete (2004, p 15.).
Um exemplo disso foi o que ocorreu em uma sentença de
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um juiz de direito da cidade de São Paulo ao rejeitar uma queixacrime, feita pelo meio-campista Richarlyson após o cartola do Clube Palmeiras, José Cyrillo Júnior, ter citado seu nome como gay, dizendo, entre outras coisas que “não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicaria a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal...”. Ou seja, futebol é coisa de macho e não de gay. Analisando essa sentença, León destaca que Um exemplo disso foi o que ocorreu em uma sentença de um juiz de direito da cidade de São Paulo ao rejeitar uma queixa-crime, feita pelo meio-campista Richarlyson após o cartola do Clube Palmeiras, José Cyrillo Júnior, ter citado seu nome como gay, dizendo, entre outras coisas que “não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicaria a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal...”. Ou seja, futebol é coisa de macho e não de gay. Analisando essa sentença, León destaca que Um exemplo disso foi o que ocorreu em uma sentença de um juiz de direito da cidade de São Paulo ao rejeitar uma queixacrime, feita pelo meio-campista Richarlyson após o cartola do Clube Palmeiras, José Cyrillo Júnior, ter citado seu nome como gay, dizendo, entre outras coisas que “não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicaria a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal...”. Ou seja, futebol é coisa de macho e não de gay. Analisando essa sentença, León destaca que No Brasil a formação da masculinidade passa pela construção de uma identidade marcada na infância e na adolescência pela atuação do jovem nos jogos de futebol. A associação entre macheza e jogar futebol é praxe na formação do jovem viril brasileiro. (2008, p. 12).
Diante disso, fica fácil entender o funcionamento da homofobia no Brasil, uma sociedade marcadamente machista e patriarcal, baseada na dominação do homem sobre a mulher, que marginaliza todos os seres que não são heterossexuais, bem
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como aqueles que possuem uma identidade de gênero diferente do sexo biológico que nasceu, além de todos os outros que, mesmo estando em conformidade com o sexo, o gênero e a orientação sexual esperada não tem aqueles “comportamentos adequados”. Borrilho assim conceitua homofobia a homofobia pode ser definida como a hostilidade geral, psicológica e social contra aqueles e aquelas que, supostamente, sentem desejo ou têm práticas sexuais como indivíduos de seu próprio sexo. Forma específica de sexismo, a homofobia rejeita igualmente, todos aqueles que não se conformam com o papel predeterminado para seu sexo biológico. Construção ideológica que consiste na promoção constante de uma forma de sexualidade (hétero) em detrimentro de outra (homo), a homofobia organiza uma hierarquização das sexualidades e, dessa prática, extrai conseqüências políticas (2010, p. 34).
3 O DIREITO À SEXUALIDADE
O Brasil se constitui como Estado Democrático de Direito que tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana e o pluralismo político. Um dos objetivos fundamentais, segundo a nossa Constituição, é promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nossa Carta Política, ademais, consagra o direito à liberdade, à igualdade, à intimidade, à vida privada como direitos fundamentais de todos os brasileiros. Com base nisso, vamos discutir, nesse capítulo, alguns fundamentos para a construção de um direito da sexualidade, ou às sexualidades, uma vez que as possibilidades de vivências do desejo sexual são imensas. Apesar de não estar resguardado, explicitamente, no texto constitucional, o direito à orientação sexual e a proibição da discriminação homofóbica, como existe, por exemplo, em relação a diferença entre homens e mulheres e ao racismo, à luz da Constituição de 1988, não existe óbice a isso. Pelo contrário, o que se pretende construir, a partir da Carta Maior, é uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceito, como diz o seu preâmbulo. 28
Na prática, o texto constitucional não se concretiza. Além das enormes desigualdades sociais e regionais, a diversidade sexual, ainda, constitui óbice a direitos essenciais das pessoas, como apontamos no capítulo anterior. As lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais são vítimas das violações dos seus direitos humanos básicos. Segundo Carbonari A violação dos direitos humanos produz vítimas. Vitimas são aquelas pessoas humanas que sofrem qualquer tipo de apequenamento ou de negação do seu ser ético. Em termos ético-filosóficos, vítima é aquele ser que está numa situação na qual é inviabilizada a possibilidade de produção e reprodução de sua vida material, de sua corporeidade, de sua identidade cultural e social, de sua participação política e de sua expressão como pessoa, enfim, da vivência de seu ser sujeito de direitos. (2007, p.170).
3.1 Os direitos fundamentais Neste trabalho usamos direitos humanos e direitos fundamentais como sinônimos. No entanto, usaremos, em nossas colocações, a expressão direitos fundamentais, entendidos como aqueles direitos humanos positivados em um texto constitucional, e reservaremos a expressão direitos humanos para as falas dos teóricos pesquisados. Para Cunha Júnior podemos conceituar os direitos fundamentais como aquelas posições jurídicas que investem o ser humano de um conjunto de prerrogativas, faculdades e instituições imprescindíveis a assegurar uma existência digna, livre, igual e fraterna de todas as pessoas. De um modo mais amplo, podemos concebê-los como princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico. São fundamentais porque sem eles a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, não sobrevive (2011, pp. 555-554).
Com base nessa afirmação, vamos destacar alguns direitos (direito à liberdade, o direito a igualdade, e o direito à privacidade, abrangendo esse último o direito à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem) que ajudam na construção de um 29
direito da sexualidade e no enfrentamento da homofobia no Brasil, além de serem essenciais para a democracia, pois como diz Cunha Júnior É inegável que o grau de democracia em um país mede-se precisamente pela expansão dos direitos fundamentais e por sua afirmação em juízo. Desse modo, pode-se dizer que os direitos humanos fundamentais servem de parâmetro de aferição do grau de democracia de uma sociedade. Não há falar em democracia sem o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais. Eles tem um papel decisivo na sociedade, porque é por meio dos direitos fundamentais que se avalia a legitimação de todos os poderes sociais, políticos e individuais. Onde quer que esses direitos padeçam de lesão, a Sociedade se acha enferma. (Ibidem, p. 547-548).
3.2 - O direito da sexualidade
O reconhecimento da sexualidade enquanto direito é decorrente das mudanças culturais ocorridas, sobretudo, a partir da década de 1960, sobretudo como o movimento feminista. O feminismo está relacionado também a todos os movimentos que surgiram e saíram às ruas nos anos sessenta como as revoltas estudantis, movimentos juvenis, contraculturais e antibelicistas, luta por direitos civis, movimentos revolucionários no Terceiro mundo dentre outros. O feminismo questionou a distinção entre o dentro e o fora, o privado e o público. Contestou politicamente aspectos novos da vida social como a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, o cuidado com as crianças e etc, temas antes reservado ao espaço privado. Além do mais, contestou a posição social das mulheres, expandido o debate para a formação das identidades sexuais e de gênero (HALL, 2002, pp. 45-46). Além disso, pela primeira vez, o homem tem a sua masculinidade contestada pelas mulheres e por um novo personagem que surge, o gay. Como ressalta Monteiro,
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as lutas políticas e culturais do período, que agitavam, portanto, ambos os sexos, criaram um novo contexto cultural no qual as tradicionais representações de masculinidade foram duramente questionadas e postas em debate (2000, p. 11).
A moral burguesa que exaltava a virtude, a moderação e o controle, sobretudo do corpo, além de enfatizar uma relação imposta entre sexualidade e reprodução, começa a ser contestada justamente porque a sua principal referência, o homem, branco, heterossexual e cristão já não domina mais como antes. O prazer sexual reservado antes ao homem agora é reivindicado pela mulher, que não quer ser apenas objeto para reprodução da espécie humana, mas quer sentir o prazer. A descoberta da pílula vai ser fundamental nesse processo. O movimento gay, como destaca Monteiro (2000, p. 61), ao expor a visibilidade e buscar legitimidade para o amor entre pessoas do mesmo sexo, causou também um impacto nessa hegemonia da masculinidade tradicional e moral sexual. A hegemonia da masculinidade tradicional entra em crise quando grupos como mulheres, homossexuais, homens afeminados, etc. questionam sua posição, reivindicam visibilidade e põem em cheque a naturalidade das relações ou definições tradicionais de gênero. (MONTEIRO, 2000, p. 67).
Diante desse cenário de mudanças, compreendida aqui como questionamento de padrões tradicionais, é natural que a moral burguesa enfraqueça ou tenda mesmo a desaparecer. E com isso, direitos antes negados aos homossexuais, passam a ser reconhecidos em várias partes do mundo. Como diz Rios Com a emergência de movimentos sociais reivindicando a aceitação de práticas e relações divorciadas dos modelos hegemônicos, levou-se à arena política e ao debate jurídico a ideia de direitos sexuais, especialmente dos direitos de gays, lésbicas, travestis e transexuais. (2011, p. 36).
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Mas, no Brasil, somente em maio de 2011, os casais homoafetivos puderam ter o reconhecimento jurídico de sua união estável. E em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça editou uma resolução que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. No final do ano passado, o PLC 122/2006 que tornava crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero - equiparando esta situação à discriminação de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexo e gênero, ficando o autor do crime sujeito a pena, reclusão e multa, devido à pressão da bancada evangélica foi apensado ao projeto de reforma para o novo Código Penal no Senado, significando para militantes LGBT o sepultamento da criminalização da homofobia, enquanto isso muitas pessoas sofrem todo tipo de violência por serem lésbicas, gays, bissexuais, travestis ou transexuais sem que seus agressores tenham a punição devida, o que entra em choque com o Estado de Direito que vivemos. Segundo Meira (2010, p. 6) uma sociedade compreendida como democrática não pode estar arraigada em idéias preconceituosas, que desconsideram ou ignoram a necessidade de aceitar as diferenças. Um comportamento dessa natureza conduz aos diversos atos de intolerância, seja racial, seja de condição sexual ou de gênero, dentre tantas outras formas de violação, levando ao cometimento de todo de iniqüidade.
Partimos do pressuposto que a sexualidade é um direito fundamental da pessoa humana, sem o qual a vida fica incompleta. Segundo Buglione “pensar um direito à sexualidade como direito fundamental não é uma aberração jurídica” (2007, p. 90). Para Dias (2010, p. 03) a sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode realizar-se como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, albergando a liberdade da livre orientação sexual. O direito de tratamento igualitário independente da tendência sexual. A sexualidade é um elemento
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integrante da própria natureza humana e abrange a dignidade humana. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Sem liberdade sexual o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.
Pensar a sexualidade enquanto direito fundamental ou em um direito da sexualidade é pensar na perspectiva dos direitos fundamentais e das diversas normas jurídicas que protejam as diversas manifestações da sexualidade humana de intromissões de outros e que a orientação sexual não seja óbice para direitos básicos dos indivíduos.
3.3 Por que não direito homoafetivo?
O termo homoafetividade foi criado pela desembargadora aposentada e advogada militante Maria Berenice Dias. Segundo ela mesma diz o objetivo foi “retirar o estigma de que os vínculos homossexuais teriam uma conotação exclusivamente de natureza sexual (2011, p.09). Mas, muitos teóricos como Rios (2011) e Golim (2011) criticam essa posição. A primeira crítica está focada no assimilacionismo familista, como diz Rios. Segundo ele, a tendência do assimilacionismo é de que grupos dominados adotem padrões de grupos dominantes em seu detrimento e o familismo é a tendência de subordinar os direitos sexuais à padrões familiares e conjugais heterossexuais (2011, p. 108). A homoafetividade é uma forma de higienizar a homossexualidade, ao colocar o afeto em lugar do sexo para o reconhecimento de direitos. Ora, nenhum heterossexual precisou ser heteroafetivo para ter direitos, porque uma pessoa com a sexualidade não hegemônica deveria deixar de ser homossexual para tê-los? Na busca por aceitação acaba-se gerando exclusões. Para Rios A formulação de expressões, ainda que bem intencionadas, como “homoafetividade”, revela uma tentativa de adequação à norma
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que pode revelar uma subordinação dos princípios de liberdade, igualdade e não discriminação, centrais para o desenvolvimento dos direitos sexuais a uma lógica assimilacionista, o que produziria um efeito contrário, revelando-se também discriminatória, pois, na prática, distingue uma condição sexual “normal”, palatável e “natural” de outra assimilável e tolerável, desde que bem comportada e “higienizada” (2011, p. 111).
Um direito da sexualidade deve além da preocupação com o afeto e com o direito de família. Temas como prostituição, travestilidades, liberdade sexual, sadomasoquismo e pornografia (RIOS, 2011, p. 111) ficam de fora da discussão do direito homoafetivo. Por isso, optamos por usar direito da sexualidade nesse trabalho, também chamado de direitos sexuais. Por fim, como diz Carrara (2011), a Constituição de 1988, é um marco fundamental que institui a sexualidade como campo legítimo de exercício de direito no Brasil. Além disso, segundo Bittar (2010, p.250) é preciso entender que a Constituição tem um grande potencial transformador da realidade brasileira. É por ela que pensamos na construção de um direito da sexualidade e no enfrentamento da homofobia, enquanto preconceito e discriminação a todas as pessoas que tem uma sexualidade não majoritária e não se enquadram no padrão de gênero dominante.
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DIREITO
A VIOLÊNCIA E A METODOLOGIA OPERACIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA NO AGRESTE DA PARAÍBA Allan Jones Andreza Silva RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre a estrutura metodológica operacional dos órgãos de segurança pública, a criminalidade violenta e os aspectos socioeconômicos da região do agreste paraibano, chegando-se a conclusão que a Polícia foi moldada para uma atuação essencialmente repressiva e, em razão das contingências atuais, não é capaz de eficazmente minimizar a incidência delitiva, pois detém um modus operandi apropriado para lidar apenas com demandas imediatas, não conseguindo atingir as verdadeiras raízes do problema. Durante uma breve verificação da incidência de crimes violentos letais intencionais pode-se vislumbrar o crescimento da violência na região até o início desta década, quando os índices começaram a registar melhorias, ou seja, reduções, o que representa o surgimento dos primeiros reflexos de uma política de prevenção produzida pela metodologia de policiamento comunitário (de implementação ainda muito tímida e recente), que deita sua preocupação num agir preventivo a partir da articulação de uma série de políticas públicas capazes de influir direta ou indiretamente na segurança pública e, ao mesmo tempo, efetivar uma série de direitos fundamentais. Palavras-chave: Violência. Criminalidade. Polícia.
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1 INTRODUÇÃO
A temática segurança pública é tratada cotidianamente nos telejornais, portais, rádios e nos diversos meios de comunicação, os quais se encarregam de informar sobre as ocorrências policiais de cada dia, onde são vinculados os casos marcados por traços de violência de diversos tipos e características. Carece anotar que este ainda é um tema cercado de muito preconceito e tratado com exacerbada ignorância, pois ainda hoje é muito comum ouvir populares tratando o assunto de forma rude e em total desatenção aos ditames legais. Neste interim, não raras vezes é comum escutar as afirmativas: “bandido bom é bandido morto”, “aquele bandido merecia ser lixado”, ou ainda encaram este setor com um olhar pormenorizado, relegando sua importância e até mesmo rebaixando o ofício do profissional de segurança pública a uma condição menor. A partir daí, muitas são as reflexões sobre a metodologia operacional e administrativa até então utilizada, como: a rigidez e a brutalidade nas ações policiais são elementos imprescindíveis para se enfrentar as condições atuais da criminalidade? Será que investimentos voltados para o crescimento aritmético de recursos logísticos e humanos são medidas eficientes? Violência e criminalidade são problemáticas exclusivamente da segurança pública e se resumem unicamente a falhas das polícias? Estas indagações se direcionam a questões estruturais e estratégicas do aparato de segurança pública, mas certamente não devem ser respostadas sem que se tenha uma prévia reflexão a respeito. Ao tratar sobre segurança pública deve-se ter em mente que ela é um pilar fundamental do Estado atual, pois está diretamente relacionada com a garantia e proteção da ordem jurídica que regula o funcionamento das demais atividades estatais, principalmente em circunstâncias onde há maiores riscos a bens juridicamente relevantes, como por exemplo, a vida, integridade física, patrimônio, entre outros. Desse modo, ela detém a missão de proteção das demais estruturas estatais (saúde, educação, lazer, esporte...), mas é necessário verificar que ao mesmo tempo sobre as influências destas mesmas. 38
Isto ocorre porque a segurança pública detém uma relação de mutualismo com todas as demais estruturas estatais, ora influenciando, ora sendo influenciada, basta observar, por exemplo, que sem garantias mínimas de segurança um médico não poderá prestar socorro a uma vítima, ao mesmo tempo em que a ineficiência do sistema de saúde pode dar azo à revoltas populares, majorar ou não amenizar os efeitos da violência sobre a integridade física e psicológica das pessoas. Outrossim, o modo como a segurança pública é gerida, observada e tratada certamente provoca influências nas demais estruturas estatais, pois o grau de eficiência em atingir as metas e objetivos organizacionalmente e socialmente estipulados podem garantir não apenas uma melhor sensação de segurança, mas assegurar a efetivação dos demais direitos fundamentais (saúde, educação, lazer...). Desse modo, o estudo sobre o interrelacionamento entre a metodologia operacional adotada pelos órgãos de segurança pública, as peculiaridades socioeconômicas e culturais e também a incidência criminal deve revelar as circunstâncias com que esta última problemática se reproduz numa determinada área, constituindo o ponto de partida para se chegar a propostas plausíveis para se definir uma política ou estratégia operacional capaz de minimizar a violência sem perder de vista à proteção dos anseios democráticos. Seguindo esta concepção, este texto deterá sua atenção à área de circunscrição da 8ª Área Integrada de Segurança Pública, que abarca vinte e quatro municípios da mesorregião do Agreste Paraibano, os quais são polarizados por Guarabira e detém num espaço de compatibilizado entre o 4º Batalhão de Polícia Militar da Paraíba, a 8ª Delegacia Seccional de Polícia Civil e o 3º Batalhão do Corpo de Bombeiros Militar da Paraíba, além de receber o atendimento de uma Unidade de Medicina Legal.
2 O MODELO DE POLÍCIA HISTORICAMENTE CONSTRUÍDO
Ao ser questionado a atual metodologia operacional da polícia e a forma como ela lida com sua função constitucional, é
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necessário verificar sua formação histórica, que veio a ser construída sob a concepção de uma segurança pública voltada para manutenção da ordem pública, que pode ser traduzida pela garantia do status quo. As primeiras ações voltadas para garantia da ordem não foram realizadas por instituições policiais como conhecemos hoje, mas sim por grupos que atuavam diretamente sob as ordens dos latifundiários, o que lhes fazem ser chamados de Forças de Ordem. Estas, “só conheciam como lei os limites das ordens dos patrões, que tinham poder de vida e de morte em seus domínios” (SULOCKI, 2007, p. 57). Desse modo, os termos “justiça” e “segurança” possuíam um conteúdo particularizado, pois eram identificados pelo que a classe mais abastada estipulava como tal. A Independência Brasileira, apesar de formalmente quebrar as amarras do colonialismo, de imediato não causou grandes alterações sociais ao país, uma vez em que manteve os latifúndios, o escravismo e a estratificação social, permanecendo intacta a estrutura socioeconômica, o que fez as Forças de Ordem continuassem a reproduzir as mesmas práticas. Neste período ainda podia ser observada a existência de núcleos de poder sob a autoridade dos latifundiários o que dificultava a construção de uma unidade nacional, sendo amenizado apenas depois da promulgação da Constituição de 1824 que, em razão da estipulação do Poder Moderador, enfeixou uma série de poderes nas mãos do Imperador. Em 1831, o Regente Padre Antônio Feijó extinguiu todos os corpos policiais existentes, substituindo-os por um único corpo de guardas municipais voluntários por províncias (MARCENEIRO; PACHECO, 2005, p. 27-28), as quais são consideradas as primeiras instituições oficialmente criadas no Brasil, originando as atuais Polícias Militares. Posteriormente, os movimentos internos e as disputas externas que marcaram o período Imperial do Brasil acabaram por formular uma atuação policial direcionada a defesa interna e da segurança nacional, consoante aponta Marcineiro e Pacheco (2005, p. 29). Com a crise imperial e promulgação da República,
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verifica-se a quebra da centralização do poder, sendo reacendidos os pequenos núcleos de poder nas mãos dos latifundiários sob contornos diferenciados, pois desta vez não existem mais escravos. Tal fenômeno recebeu a denominação de Coronelismo. Ainda na Década de 1910, a Polícia passa a estreitar suas relações com o Exercito, inclusive passando a torna-se Forças Auxiliares e, através da Magna Carta de 1934, a constituir Forças Reservas do Exercito, passíveis de serem convocadas e mais facilmente controladas e fiscalizadas. Este vínculo foi acentuado a partir do Golpe Militar de 1964, quando assumem a missão de preservar a segurança nacional, reprimindo a subversão dos opositores ao novo regime. Tal circunstância é fortalecida após a criação da Inspetoria Geral das Polícias Militares em 1967. Todo este arcabouço histórico-metodológico direcionado para a manutenção da ordem pública e garantia dos privilégios de uma elite, fora desenvolvido sobre “ferro e fogo”, fazendo com que as Forças de Ordem apenas reconhecessem como atividade operacional a repressão, praticada com a utilização da força, muitas vezes desproporcional e dirigida sob um viés punitivo. Em meio a uma histórica carência de políticas públicas adequadas às necessidades populacionais, uma crescente exposição à criminalidade e o consequente aumento da sensação de insegurança, a opinião pública acaba acatando medidas de tolerância zero, inclusive aceitando o recurso à força desproporcional como medida necessária para conter e desestimular práticas delitivas realizadas por grupos criminosos, isto revela uma conivência com a violação de direitos alheios, conforme anota Rique e Lima (2003, p. 18), tendo como reflexo a crescente reprodução da violência institucional, sobretudo durante a época da Ditadura Militar, promovendo o distanciamento entre os órgãos de segurança pública e a população. Ainda que promulgada a Constituição Cidadã de 1988, a inexistência ou inexpressividade de outro paradigma operacional faz da repressão o único recurso metodológico a ser
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utilizado pelos órgãos de segurança pública, o qual apresenta sinais claros de inadequação e ineficiência por não conseguir fomentar uma sensação de segurança e por não reproduzir um modelo de conduta de respeito aos direitos e garantias fundamentais e anseios democráticos.
3 A VIOLÊNCIA E O AGRESTE PARAIBANO
Antes de adentrar na análise sobre as peculiaridades da violência no agreste paraibano, carece verificar que compreender o fenômeno violência é essencial para entender toda sua amplitude e as particularidades da sua gênese, principalmente para indicar quais as variantes que lhe constituem, ou seja, seu verdadeiro conteúdo e a partir de então superar argumentos falaciosos que não vislumbram toda a complexidade com o tema detém e erroneamente, muitas vezes, o observam sobre um viés imediatista. Assim, apesar de autores como Muchembled (2012, p. 07), indicarem que a palavra “violência” surgiu no século XIII do francês, derivando do latim vis, designando a força ou vigor que caracteriza um ser humano em estado colérico ou brutal, não se pode olvidar que tal fenômeno é complexo e carrega consigo uma heterogeneidade factual que lhe garante imprevisibilidade, especificamente decorrente da interação interpessoal e/ou coletiva, quase sempre marcada por danos em diversos campos. Partindo desta condição, estudiosos como Hayeck (2009, p. 3), consideram a violência como um fenômeno biopsicossocial cuja complexidade dinâmica emerge da vida em sociedade, com vicissitudes decorrentes de cada contexto histórico, haja vista que seu conceito está intrinsecamente relacionado com a carga axiológica que o indivíduo e a sociedade definem qual seria o elemento lesivo aos bens ou valores importantes que estes pretendem resguardar naquele determinado momento. De tal forma, ela poderá ser constituída por uma afronta aos seus interesses patrimoniais, ou às incolumidades: física, psicológica, moral, intelectual, sexual..., seja em caráter singular ou coletivo.
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Para Muchembled (2012, p. 11), a violência também pode ter uma dupla concepção: a) legítima, por ser estabelecida por instituições oficiais como: Estado e Igreja; e b) ilegítima, quando é exercida em confronto com as leis e a moral. Logo, ela pode ser procedida com ou sem tolerância social, ou seja, em acordo ou não com as normas e preceitos estatuídos pela sociedade para o regramento das relações intersubjetivas. Noutra perspectiva, Eufrásio (2009, p. 104) vislumbra a violência a partir das análises sobre o agressor, agredido ou o meio empregado para a consecução da ação, mostrando-se como um fenômeno essencialmente humano, que compreende relações de conflito e poder interpostas sob o intuito de subjugar o outro, seja através da força, da dissimulação ou coação, e que, ao mesmo tempo, pode ser alimentada pela conjuntura social. Assim sendo, a violência é a expressão da interposição de uma relação de subordinação, onde o vitimado encontra-se numa situação de inferiorização e de desatenção a sua dignidade como pessoa humana. Neste interim, acaba se tornando importante quantificar e analisar a variação da criminalidade e, consequentemente, da violência. Partindo desta condição, tanto a Secretaria Nacional de Segurança Pública como os próprios Estados têm adotado a contabilização dos crimes violentos letais intencionais (CVLI) como recurso para aferir a evolução desta problemática, os quais são caracterizados por, entre outros fatores, o resultado “morte”, tendo como maior representante deste gênero, os homicídios dolosos. Deste o início do Século XXI, a Paraíba vem vivenciando o crescimento da incidência de homicídios. Consoante informa Waiselfisz (2011b, p. 159), este Estado nos últimos anos vem deixando seu status de local tranquilo, com pequenos índices de violência, para figurar entre os seis mais violentos do Brasil já em 2010, e o Agreste Paraibano não se distancia deste contexto. A análise preliminar dos relatórios de ocorrências policiais registrados pelo 4º Batalhão de Polícia Militar e a verificação dos bancos de dados do Mapa da Violência 2013 (WAISELFISZ, 2013b) evidenciam a formação de um novo
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paradigma criminal na região, marcado pela superação de um modelo delitivo marcado pela luta braçal ou com a utilização de objetos de livre acesso popular (pedras, pedaços de madeira ou facas), geralmente motivadas por uma discussão prévia entre acusado e vítima embasada na defesa da honra ou da virilidade, passando atualmente a ser evidenciado um paradigma mais sofisticado, caracterizado pelo uso de melhores recursos como armas de fogo e veículos (principalmente motocicletas), em ações essencialmente rápidas, sem haver qualquer forma de comunicação entre as partes envolvidas, uma vez que essas ações criminosas tem se mostrado previamente planejadas e executadas quando as vítimas não se encontram em condições de repelir a agressão. A adoção deste novo modus operandi tem patrocinado o crescimento dos índices de homicídio dolosos em torno de 134,4% num período de 10 anos na região sob a circunscrição da 8ª Área Integrada de Segurança Pública, pois os registros de delitos desta natureza passaram de 29 em 2003 para 68 no ano de 2012. Em atenção a esta problemática, o governo do Estado da Paraíba criou mecanismos para verificação da incidência criminal através do Núcleo de Análise Criminal e Estatística (NACE) e instituiu o Programa Paraíba Unida pela Paz, o qual tem como estratégia principal a integralização geoadministrativa dos gestores que atuam diretamente com o sistema de segurança pública e defesa social, incentivando o desenvolvimento de ações de cunho operacional repressivo e preventivo a fim de reduzir a violência em suas respectivas áreas de responsabilidade. Desde que tal política foi instituída, pôde ser registrada uma redução de 8,12% no número de homicídios entre os anos de 2012 e 2011 e a diminuição de cinco delitos desta natureza entre 2012 e 2013 em toda a Paraíba. Apesar do decréscimo registrado nos últimos dois anos ter sido, de certo modo, tímido em razão do nível da incidência criminal ainda existente, já se pode constatar melhorias na metodologia operacional empregada, principalmente quando comparado a outros Estados do Brasil cujos índices ainda continuam crescendo.
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Tal redução é fruto de uma nova postura organizacional que já vinha se processando nas últimas décadas, mas que foram alavancadas nos últimos anos, primeiramente proporcionada por um mecanismo sério de análise e levantamento de informações sobre a incidência criminal, o NACE, e segundo lugar pelo fomento a realização de práticas preventivas inspiradas pela metodologia de policiamento comunitário, como por exemplo as Unidades de Polícia Solidária (UPS), pois os órgãos de segurança pública começaram a vislumbrar a amplitude das causas da violência, sobretudo suas razões sociais.
3.1 DESMISTIFICANDO MITOS: A VIOLÊNCIA NO AGRESTE PARAIBANO É SÓ UM PROBLEMA DE POLÍCIA?
É muito comum associar à evolução da incidência criminal com a exclusiva atuação policial, contudo suas raízes se estendem a diversos outros setores de responsabilidade do Estado e também da própria sociedade, consoante posicionamento de Jesus (2008, p. 62). Atentando a esta circunstância, Peres et al (2006, p. 22) relata que os homicídios são indicadores das relações sociais em nível micro e macro, não se atendo apenas ao campo da segurança pública, mas também da saúde, educação, entre outros, pensamento este que também é corroborado por Kleinschmitt et al (2011, p. 221), Zaluar e Leal (2001) e Feltran (2012), pois para estes a violência não é um problema simples, que se restringe a uma interação social anômala ou a deficiência dos órgãos de segurança pública, mas decorre de ações ou omissões de outros setores, principalmente a carência de políticas públicas que atentem aos serviços fundamentais para a vida humana. A partir dos dados obtidos junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), pôde ser verificado que os índices de desenvolvimento humano, em seus diversos aspectos de análise no Agreste Paraibano, estão em crescente evolução desde 1991 até 2010, contudo sempre
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estiveram abaixo das médias estaduais, as quais também estão num patamar inferior aos índices do Brasil. O quase paralelismo evidenciado pelas linhas dos gráficos demonstra que o Agreste da Paraíba tem acompanhado as tendências do estado e do país, mas não tem empenhado esforços suficientes para reduzir as distâncias destes, existentes deste o final do século passado. As carências econômicas (desemprego, subemprego, miséria, etc.) constituem verdadeiros óbices para que sejam atingidas as condições mínimas de dignidade, reiteradamente defendidas pela Magna Carta, mas materialmente esquecidas pelos gestores públicos, constituindo não apenas elementos motivadores de uma ruptura da vida civil, mas também estabelecendo um quadro simbólico estigmatizante, responsável por interpor uma segregação social com características geográficas capazes de acentuar os efeitos da violência estrutural sob a qual são submetidos os grupos socialmente mais frágeis, influenciando-os duplamente a aderirem ao crime, tanto como forma de aferir recursos e serviços até então negados pelo Estado, mas também como meio para requerer estas prestações. A associação irracional das classes menos favorecidas com a criminalidade, em razão da condição social e pela impressão visual da pobreza, incute junto às mesmas uma mensagem de violência que aponta como solução para garantia de sua sobrevivência a recorrência ao crime, seja praticando ativamente delitos ou até mesmo constituindo um mercado ilegal (através do consumo de drogas ou da comercialização de produtos ilegais, principalmente subtraídos de terceiros). Assim, para muitos, a participação na criminalidade acaba não sendo uma opção, mas uma necessidade para sobrevivência. Esta circunstância acaba por evidenciar um tipo de “violência que vem de cima”, como bem trata Wacquant (2005, p. 29), que decorre das classes altas e é responsável por uma crescente estigmatização e uma escalada geral da desigualdade, isso demostra que a violência urbana também é um subproduto da esfera política, denunciando a decomposição dos sistemas sociais e dos aparatos formais que consolidaram o
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estado nacional (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Os atuais padrões de consumo nacionais, estipulados através dos diversos meios de comunicação, exercem grande influência sobre boa parte da população, principalmente sobre a parcela com baixo grau de instrução, fazendo com que a participação ativa na esfera de consumo torne-se condição essencial para a garantia de uma dignidade social e seja elemento imprescindível à cidadania, mesmo entre aqueles que não têm um poder aquisitivo tão alto (WACQUANT, 2005, p. 33). Nesta perspectiva, esse consumismo exerce pressões sociais muito evidentes, tornando boa parte da população facilmente suscetível de ser influenciada pelas benéficas que a criminalidade pode proporcionar, assim, parafraseando Wacquant (2005, p. 33), a violência e o crime acabam sendo o único meio à mão da classe trabalhadora sem perspectivas de emprego para adquirir direitos e bens de consumo indispensáveis para ascender a uma existência socialmente reconhecida, não apenas no campo econômico, mas também no educacional, cultural, entre outros. Há uma instrumentalização das relações humanas voltadas para uma racionalidade mercadológica e utilitarista, assim a violência assume uma posição de mediadora das tensões decorrentes destas relações (ALVES, 2012). A violência na região abarcada pela 8ª AISP também tem suas raízes culturais, seja em decorrência de fatores relacionados à virilidade, defesa da honra, seja por causa da incorporação de novos elementos trazidos da imigração aos subúrbios do Sudeste do país como músicas, hábitos, concepções, entre outros, que carregam consigo mensagens de violência, exploração acentuada do sexo, ênfase na busca pelo prazer e alguma forma de experiência com drogas ilícitas, seja decorrente do consumo ou até mesmo tendo atuado como mãode-obra para o tráfico (seja através da entrega, comercialização, segurança das “bocas de fumo”, fiscalização das atividades dos demais integrantes), entre outros. Uma consequência palpável desta mudança cultural é a substituição do ideário do heroísmo pelas crianças e adolescentes anteriormente centrado em ações como o esforço
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para salvar vidas e proteger a sociedade contra o mal, que muita vezes se identificava com o exercício de algumas profissões, como de policiais, bombeiros, juízes, promotores, médicos, entre outros, por um novo modelo simbolicamente instituído pela luta de grupos criminosos por zonas de influência, manifestada pela dualidade entre as categorias identificadas como “OKAIDA” e “Estados Unidos”. Desse modo, verifica-se claramente que a violência e a criminalidade no agreste paraibano tem raízes sociais, econômicas e culturais, fazendo com que a problemática extrapole a competência tradicional das atividades de segurança pública, especificamente a metodologia historicamente moldada de repressão, para abarcar necessariamente o anseio por uma nova postura organizacional que possa atender todo este contexto, sobretudo com a atenção a um agir realmente preventivo e dirigido a proteção dos direitos fundamentais. Esse novo paradigma é o Policiamento Comunitário, que é trazido ao Brasil ainda na Década de 80, em seu modelo embrionário, mas verdadeiramente começou a se expandir a partir da Década de 90, vindo a produzir seus reflexos iniciais apenas nos últimos anos, uma vez que existe uma resistência no cerne das Corporações muito intensa, sobretudo pelos policiais com mais tempo de serviço. Esta nova modalidade de policiamento atua de forma conjunta com a população no diagnóstico das causas subjacentes ao crime, com a mobilização da comunidade e de instituições governamentais e não-governamentais, isto faz com que o agente de segurança pública seja um protagonista da proteção dos direitos fundamentais. Neste interim, o Policiamento Comunitário deve ser visto não como uma assistência policial, mas uma nova forma de policiamento que reza pela participação social para preservação da “Ordem Jurídica”, onde o apoio e a cooperação do público é quem irá determinar a eficácia da Polícia. Segundo Skolnick e Bayley (2006, p.18.), "(...) o público deve ser visto como 'coprodutor' da segurança e da ordem, juntamente com a polícia". A partir dessa premissa, observamos que a Polícia passa a ter uma nova responsabilidade que é criar maneiras
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apropriadas de se associar a população para a defesa do Estado Constitucional de Direito, assim, conforme Skolnick e Bayley (2006, p.24.) indicam,"[...] o que o policiamento comunitário questiona não é o objetivo do policiamento, mas os meios utilizados." Convém observar que há grandes diferenças entre o policiamento tradicional e o comunitário, enquanto na perspectiva convencional os policiais atuam em viaturas, realizando rondas constantes, de modo aleatório, a espera de serem solicitados por algum denunciante ou serem chamados através da central de atendimentos para atuar reativamente frente algum delito, o policiamento comunitário deita suas preocupações sobre a população, o cumprimento da lei é realizado com o apoio da comunidade, onde os policiais são observados como membros populares empenhados em prestar apoio de forma integral aos anseios sociais. Sob esta proposição, o policiamento almeja a qualidade de vida da população, tendo como marco de sua eficiência a ausência de crimes e de desordem, principalmente através da articulação de políticas públicas que direta ou indiretamente convergem para a prevenção de delitos. O policiamento comunitário cria espaços para participação democrática na segurança pública, por conseguinte torna-se o retrato do fomento a cidadania, proteção ao Estado Democrático e Social de Direito, sobretudo porque amplia o acesso à informação e integração social, consequentemente, aos direitos da população, sobretudo pelos grupos menos abastados e socialmente excluídos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando o aspecto metodológico operacional dos órgãos encarregados de garantir a segurança pública vigente, pode ser verificado que ele é o resultado de uma evolução histórica redundante num modus operandi essencialmente repressivo, diretamente relacionado com a manutenção da ordem pública e a garantia dos privilégios das elites.
No entanto, a evolução socioeconômica e cultural do
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Brasil, e em especial do Agreste da Paraíba, apontam que a criminalidade e a violência têm suas razões em causas não imediatas, fazendo com que essa metodologia da repressão se mostre ineficaz para a minimização dos índices criminais, por conseguinte verifica-se a necessidade da insurgência de um novo modelo metodológico operacional capaz de atentar as exigências que o caso requer. Este paradigma metodológico é o policiamento comunitário que vem sendo paulatinamente incorporado às Polícias. Atentando especificamente a região do Agreste Paraibano abarcado pela 8ª AISP, tem-se observado uma gradativa incorporação da metodologia de policiamento comunitário, com vistas a tentar se reaproximar da população e prevenir delitos, agindo sobre as raízes dos problemas existenciais. A partir de então inúmeras medidas norteadas sobre este modelo vem sendo implementadas, como o Programa de Resistência as Drogas e à Violência (PROERD), policiamento rural, projetos esportivos e educacionais, a implantação da Unidade de Polícia Solidária, além da capacitação dos policiais para o agir preventivo e em atenção a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
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LITERATURA
O PERSONAGEM NARRADOR APRESENTANDO A CIDADE NA FICÇÃO DE ANTON TCHEKHOV E CLARICE LISPECTOR: UM ESTUDO COMPARADO João Batista Teixeira Rosilda Alves Bezerra RESUMO O trabalho que se apresenta faz um estudo comparado entre um conto da Literatura Russa, de Anton Chekhov, intitulado Viérotchka e um conto da Literatura Brasileira, de Clarice Lispector, O Manifesto da Cidade. O ponto de partida da análise se baseia na relação narrador e personagem observando e falando sobre a cidade que ambienta o enredo dos contos. Serão observados o ponto de vista dos personagens e do narrador sobre as cidades destacadas em cada ficção, assim como também apontadas as diferenças entre as literaturas propostas nesse estudo. Como teoria embasamos as discussões em Sandra Nitrini(2000) nos aspectos da literatura comparada, Lúcia Lippi(2002) e Zygmunt Bauman(2009) sobre o tema cidade ,Yudith Rosenbaum(2002) sobre a ficção de Clarice Lispector, Rodrigo A. do Nascimento(2008) falando acerca de Anton Chekhov. A discussão que se encaminha neste estudo evidencia os pontos de ilação entre as Literaturas Russa e Brasileira no tocante ao tema central dos contos; cidade, assim como a visão do narrador e do personagem acerca dessa representação social, as diferenças serão vislumbradas levando-se em consideração o lócus enunciativo das literaturas citadas. Palavras- chave: Literatura comparada. Narrador. Personagem.
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Duas ficções importantes serão objetos de análise neste breve estudo comparativo, que relaciona o personagem e seu modo de apresentar ou falar da cidade, ambiente em que a trama e as respectivas literaturas se desenvolvem. Temos a literatura de Anton Tchekhov, tido como um dos mestres da Literatura moderna russa, e em especial na técnica do conto. Sendo autor de obras como A dama do cachorrinho e outros contos, que mostra em seus personagens o cotidiano das cidades da antiga Rússia, a beleza de Moscou, São Petersburgo entre outras cidades. Apresentadas em breves momentos de sua obra, recriam um clima de saudade confessada, de um tempo calmo nas aldeias, mas em crise com a modernidade e o caos em que mergulham as cidades mais importantes da Rússia apresentadas por Anton Tchekhov. Para que se efetive o estudo comparativo entre as Literaturas russa e brasileira será cotejada a obra de Clarice Lispector, em específico o conto intitulado O manifesto da cidade que apresenta a cidade de Recife pelo olhar do personagem, conto da coletânea do livro Onde estivestes de noite, da Editora Francisco Alves, 8. Ed. Ano. 1997, o conto de Tchekhov faz parte do livro Contos, da Editora Nova Cultural, ano 2003, tradução de Boris Schnaiderman, do original Potzelui; Kaschtanka; Viérotchka; Pripadok; Skútchnaia Istoriia; Palata n. 6. O conto que será objeto de comparação com o da escritora brasileira de origem russa, será o conto intitulado Viérotchka. Vale lembrar que as semelhanças apontadas em ambas as literaturas se baseiam na forma como o narrador e personagem dos contos apresentam a cidade, suas características físicas, paisagens, num misto de saudade, memória e distanciamento em face à modernidade, e o caos que fazem essas cidades tomarem outros aspectos. Evidenciando no narrador e no personagem uma necessidade premente de falar como outrora esse ambiente era bonito, calmo, acolhedor, mesmo que em tal imagem não seja a da atualidade nessas cidades, temos um narrador e um personagem que se sente deslocado, desconfortável com a condição atual das cidades que os ambientam. O conto de Tchekhov apresenta um personagem que se sente bem no distrito de N, lugar calmo que ele apresenta
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na sua passagem. Ivan Alieksiéitch Ogniov transita num ambiente que lhe inspira paz: No jardim, havia quietude e tepidez. Cheirava a resedá, tabaco e heliotrópio, que ainda floriam nos canteiros. Os intervalos entre arbustos e os troncos das árvores estavam repletos de nevoeiro, ralo, suave, completamente impregnado, de luar, e, isso permaneceu muito tempo na memória de Ogniov, farrapos de neblina, lembrando espectros, sucediam-se suavemente, mas de maneira perceptível, atravessando as alamedas. A lua estava alta sobre o jardim, e, abaixo dela, manchas enevoadas e transparentes corriam para leste (TCHEKHOV, 2003, p.72).
O narrador coloca o sentimento do personagem, a paisagem dessa cidade, havia quietude e tepidez, nevoeiro, os farrapos de neblina pareciam espectros, tais imagens sugerem através da fala do narrador uma espécie de melancolia vislumbrada no personagem Ogniov. As cidades pequenas trazem a representação da calma, do cotidiano que se arrasta, como se o tempo passasse lentamente, local em que a vida transcorre sem maiores ambições. Ogniov vai viver momentos de tensão ao rejeitar o amor de Viérotchka. Ele, Ogniov também se sente cada vez mais próximo da calmaria da cidade pequena. Aquele amor representa um estagnar, uma parada na sua vida, para ela o importante seria São Petersburgo com suas ruas cinzentas, cotidiano indiferente, pessoas numa pressa que é típica dos grandes centros urbanos. Enquanto reconhece naquele ambiente de cidade pequena, um lugar para que ele encontre a paz, a personagem Viera, deseja o ambiente maior, a cidade que traz a novidade e quebra com a rotina do distrito N: Não posso continuar mais aqui!- disse, estalando os dedos - A casa, a mata, este ar, tudo se tornou o d i o s o para mim. Não suporto mais o sossego incessante e a vida sem objetivo, não suporto as nossas pessoas pálidas e incolores, que se parecem entre si como gotas de água! Todos eles são bondosos e cordiais porque estão alimentados, não sofrem, não lutam... E eu quero ir
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justamente para os edifícios grandes e úmidos, onde as pessoas sofrem enraivecidas pelo trabalho e pela miséria... Tchekhov (2003. p85)
Temos a personagem que intitula o conto de Tchekhov, Viérotchka, queixando-se da vida simples do distrito de N, é perceptível como a moça quer a loucura da cidade grande, em oposição ao personagem Ogniov que precisa trabalhar, por isso vai em busca dos centros urbanos maiores da Rússia. Na visão de Viérotchka, a cidade grande, São Petersburgo representa o caos, a vida na pequena cidade, no distrito se tornou odiosa, ao contrário de Ogniov que percebe a beleza da vida numa cidade campesina: - Não dá vontade de partir com tempo tão bonito! É uma noite realmente romântica, com luar, silêncio e tudo o mais. Sabe de uma coisa Viera Gavrílovna? Tenho vinte e nove anos, mas na minha vida nunca aconteceu um romance. Em toda a vida, nenhuma história romântica, de modo que eu conheço apenas de outiva as entrevistas, as alamedas de suspiros e beijos. É anormal! Na cidade, sentado no quarto alugado, não se nota essa falha, mas aqui ao ar livre ela é muito aparente... De certa maneira, dá até uma sensação de despeito! Tchekhov. (2003.p.76)
A partir das falas dos personagens e do narrador observamos a visão de mundo de cada indivíduo. Um que se encontra na cidade calma e pequena e almeja o barulho da cidade grande, num trânsito de valores, Ogniov e Viera representam os sujeitos em processo de deslocamento, Ogniov fala que na cidade grande as relações são efêmeras, que ali na calmaria do distrito N, ele percebe essa diferença. No conto de Clarice Lispector temos como contato, elementos que aproximam do conto de Tchekhov, ambos falam sobre cidades, assim como tem um narrador que saudosamente elucida o cotidiano dessas cidades, temos no conto de Tchekhov uma cidade pequena, um distrito, denominado de N, e referências a São Petersburgo, cidade representativa da Rússia. O conto da escritora brasileira Clarice Lispector, Manifesto da Cidade, apresenta um narrador personagem que fala das
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belezas de Recife, capital do estado de Pernambuco, no Brasil, nas indagações do personagem, fica evidente a saudade de um tempo, de uma cidade que não mais corresponde aquela: Por que não tentar neste momento, que não é grave, olhar pela janela? Esta é a ponte. Este é o rio. Eis a penitenciária. Eis o relógio. E Recife. Eis o canal. Onde está a pedra que sinto? A que esmagou a cidade. Na forma palpável das coisas. Pois esta é uma cidade realizada. Seu último terremoto se perde em datas. Estendo a Mao e sem tristeza contorno de longe a pedra. Alguma coisa ainda escapa da rosa-dos-ventos. Alguma coisa se endureceu na seta de aço que indica o rumo de- Outra Cidade. Lispector (1997.p.84)
Na ficção de Clarice Lispector, temos o personagem narrador que também vai mostrando os detalhes da cidade, da cidade do Recife. Diz que esta é uma cidade realizada, sem terremotos, que o último se perdeu em datas. A fala do narrador personagem denuncia uma saudade e uma melancolia em razão de uma Recife que não mais corresponde a essa cidade idealizada, de verdade é um manifesto da cidade, alguém olha pela janela, há um voyeur, um habitante da cidade que a vislumbra com olhar especial. O que há de comum nos contos é a forma como narrador e personagem olham a cidade, seja no conto de Anton Tchekhov ou de Clarice Lispector, esse olhar é uma análise da situação em que essas cidades se encontram, num exercício de memória e saudade. As diferenças são; no conto de Tchekhov, o narrador e os personagens que ambientalizam o enredo numa cidade pequena no interior da Rússia, há uma história de amor, as representações simbólicas da Rússia não são as mesmas que as apresentadas no conto brasileiro, temos um sócio cultural e linguístico diferente do conto da Clarice Lispector, que também apresenta suas diferenças; por se valer de um personagem narrador que narra a situação para si, num monólogo interior e em processos de epifania, o que é muito comum na obra da escritora brasileira. O que teremos em comum se mostra nas formas como narrador e personagem falam e caracterizam a cidade:
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Este momento não é grave. Aproveito e olho pela janela. Eis uma casa. Apalpo tuas escadas, as que subi em Recife. Depois a pilastra curta. Estou vendo tudo extraordinariamente bem. Nada me foge. A cidade trançada. Com que engenhosidade. Pedreiros, carpinteiros, engenheiros, santeiros, artesãos-estes contaram com a morte. Estou vendo mais claro; esta é a casa, a minha, a ponte, o rio, a Penitenciária, os blocos quadrados de edifícios, a escadaria deserta de mim, a pedra. Lispector (1997. p84)
Assim como Ogniov, o narrador personagem de Clarice Lispector tem noção do espaço que está vislumbrando. A diferença se estabelece a partir do momento que fica evidente o reconhecimento da cidade do Recife como ambiente muito conhecido do personagem. Vale lembrar que Clarice Lispector, autora do conto Manifesto da Cidade, morou quando criança na cidade do Recife, não é objetivo deste trabalho ser autobiográfico, essa informação é trazida ao texto apenas para mostrar o lócus de enunciação dos escritores em questão. Como compreender os posicionamentos dos personagens perante a cidade? O que pode ser vislumbrado como comparação é a forma como ambos narram, mostram o ambiente cidade num tom nostálgico. São Petersburgo, Recife e a cidadezinha russa, tida como distrito N, em cada cultura os sujeitos irão perceber a realidade de acordo com o lugar de enunciação. O tema cidade foi pertinente a este trabalho para que percebêssemos como em cada cultura os indivíduos percebem as mudanças nas cidades, como estas adentram a modernidade, ora perdendo elementos de sua composição, ora adquirindo novos hábitos sociais. Mas, em linhas gerais o pensamento sobre centros urbanos mostra que as cidades menores, campesinas, são retratadas na literatura e na historiografia como lugares mais calmos, em oposição às cidades grandes, que se tornam símbolos de modernidade, barulho e caos: Ao longo da história do Ocidente, a vida urbana tem
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recebido uma avaliação diferenciada. Ora é espaço de progresso, ora é espaço de desordem. Durante muito tempo se pensou a cidade como lugar de modernidade e progresso em oposição ao mundo rural, considerado o lócus da tradição e do atraso. A cidade passou a ser identificada como campo da racionalidade e do planejamento e, simultaneamente, como fonte de fragmentação e aviltamento do indivíduo. Oliveira. (2002. p10)
Isso é verificado no conto de Anton Tchekhov e também no conto da Clarice Lispector ao mostrar os sujeitos imersos numa saudade e nostalgia de uma cidade que não mais comporta esse discurso. Em face à modernidade se delineiam os papéis, o discurso capitalista infere uma nova concepção aos ambientes urbanos, aqueles que não mais se sentem partícipes daquela realidade são postos à margem do sistema. Deslocados, os personagens figuram entre resquícios de memória e saudade, relatando que a vida nas cidades pequenas traz a simplicidade, bondade e despojamento dos indivíduos, relações mais próximas, já que nas cidades maiores, nas metrópoles é mais perceptível o concreto e o cimento do que a presença humana: Se esta foi uma palavra ecoando no chão duro, qual é o teu sentido? Como é cavo este coração no peito da cidade. Procuro, procuro. Casa, calçadas, degraus, monumento, poste, tua indústria. Da mais alta muralha-olho. Procuro. Da mais alta muralha não recebo nenhum sinal. Daqui não vejo, pois tua clareza é impenetrável. Daqui não vejo mais sinto que alguma coisa está escrita a carvão numa parede. Numa parede desta cidade. Lispector (1997. p85).
O narrador personagem aqui se sente perdido, não pertence mais àquela realidade ambiente, é apenas um voyeur, alguém que conheceu aquele ambiente, mas agora desterritorializado, não se permite maiores aproximações ao ambiente que só lhe traz rememorações. A prova da mudança é notória, uma muralha distancia o narrador personagem, que como Ogniov, relata o cotidiano frio e cinzento de São
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Petersburgo, local que ele vive isolado num quarto de aluguel, ambiente frio no clima e nas relações sociais: (...) Meu Deus, estou levando comigo tanta impressões que, se fosse possível reuni-las em massa compacta, dariam um bom lingote de ouro! Não compreendo por que as pessoas inteligentes, de sensibilidade, acotovelam-se nas capitais nas capitais e não vêm para cá. Será que na Perspectiva Niévski e nos grandes edifícios cinzentos há mais espaço e mais verdade que aqui? Realmente aqueles quartos mobiliados que morei repletos de alto a baixo de pintores, sábios e jornalista, sempre me pareceram um preconceito. Tchekhov (2003. p79)
A cidade pequena é idealizada na fala do personagem de Tchekhov, demonstrando que no ideal de modernidade, nem todos os sujeitos estão imersos e satisfeitos. A literatura de Anton Tchekhov e de Clarice Lispector abraçam essa temática do indivíduo que ainda não se acostumou ao caos da modernidade. A desordem das cidades, ao sistema capitalista que se apodera dos espaços físicos, mas encontra resistência na mente dos sujeitos, nas subjetividades dos personagens destacados neste trabalho, a memória de uma cidade mais ordeira e tranquila ainda se mantém. Os personagens oscilam entre o barulho da cidade grande e a calmaria da cidade interiorana mostrando essa ambivalência dos indivíduos, que cansam da rotina e desejam situações diferentes, por fascínio, por puro engano, por idealização, assim: Todos sabem que viver numa cidade é uma experiência ambivalente. Ela atrai e afasta; mas a situação do citadino torna-se mais complexa porque são exatamente os mesmos aspectos da vida na cidade que atraem e, ao mesmo tempo ou alternadamente repelem. A desorientadora variedade do ambiente urbano é fonte de medo, em especial entre aqueles de nós que perderam seus modos de vida habituais e foram jogados num estado de grave incerteza pelos processos desestabilizadores da
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globalização. Mas esse mesmo brilho caleidoscópico da cena urbana, nunca desprovido de novidades e surpresas, torna difícil resistir a seu poder de sedução. Baumam (2009. p19)
Com os contos aqui cotejados, percebemos esse jogo, o Ogniov, e o narrador personagem do conto de Clarice Lispector se encontram nesse trânsito. Nessa ambivalência, falam de uma cidade que idealizaram, vivem em constante desejo de renunciar à correria das metrópoles e vivenciar a vida mais calma, há os que querem a vida alucinante das grandes cidades, e há aqueles que vislumbram a cidade só com o olhar, como voyeur como o caso do personagem de Clarice Lispector; Este momento não é grave. Aproveito e olho pela janela. (1997). A ficção de Clarice Lispector recolhe a realidade das cidades brasileiras e até cidades internacionais, pois a autora viajava muito acompanhando o marido que era diplomata. O tema cidades é recorrente na sua ficção, seja nos contos, crônicas e nos romances seus personagens acabam tendo uma relação direta com a cidade que os ambientam isso é verificável no romance A cidade sitiada (1942) sua protagonista Lucrécia vivia na cidade de São Geraldo como que isolada numa busca das representações do mundo. Outro caso especial da sua obra será o romance A Hora da Estrela (1977) com a personagem Macabéa, o ambiente que se passa a história é Maceió, Alagoas e a cidade do Rio de Janeiro, mostra uma moça pobre, que morre no centro da cidade atropelada após uma vida miserável, temos também Um Sopro de Vida (1978) que relata o cotidiano de uma escritora rica, ex- esposa de um grande empresário, que mora na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, essas colocações são acrescentadas para reiterar que o tema cidade está sempre permeando a obra de Clarice Lispector: Há quem considere os contos de Clarice Lispector a melhor parte de sua obra. Talvez a necessidade de condensação requerida pelo gênero force a autora a não alongar-se em excessos, evitando divagações que tomam muito espaço nos romances, fazendo concorrer um tom ensaístico, filosófico, com solo ficcional. A estrutura mais enxuta dos contos promove um efeito mais denso e mais
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perturbador no leitor, pois o texto não tem o tempo a seu favor e precisa atingir o alvo de forma mais ágil e menos hesitante. Rosenbaum (2002. p52).
O conto O Manifesto da Cidade, mostra esse entrelaçar dos fatos, numa explanação filosófica sobre a cidade, de uma janela o personagem fala sobre a cidade do Recife, como um objeto a ser tocado, numa rememoração de quem viveu um tempo naquele ambiente. Há um tom de saudade, silêncio, pois ao contrário do personagem de Tchekhov, esse está sozinho, apenas divagando para si. A literatura estrangeira (russa) destaca e comporta esses personagens que de forma direta se relacionam com as cidades que habitam numa linguagem objetiva o conto aqui em destaque representa um ambiente de pessoas comuns, que desejam vivenciar os espaços de acordo com seu lugar de enunciação: A preocupação elementar de Tchekhov é com a objetividade. Seus contos e peças da maturidade, em sentido diverso da tendência predominante retratarão a realidade aparentemente banal do fluxo do cotidiano sem um tema central que alinhave todo entrecho. Diante do desenrolar moroso da vida provinciana russa, Tchekhov fará das intenções sugeridas em personagens imersos num universo de frustrações, a tônica de boa parte de sua obra. Nascimento. (2008)
As formas com os personagens dos contos aqui discutidos se encontram denotam essa frustração. Ogniov que vê na cidade pequena o lugar ideal para estabelecer relações sinceras. Viera deseja a frieza da cidade grande, temos indivíduos em conflito de valores, o cotidiano na literatura de Tchekhov é recriado com fidelidade ao ambiente, as ambições suprimidas pela realidade de uma Rússia isolada, de lugarejos sem prospecção, sua literatura digna de ser discutida em vários aspectos, aqui neste trabalho ofereceram elementos para percepção da relação sujeito e cidade. Anton Tchekhov (18601904), de origem humilde, traz na sua obra as impressões do povo russo, a vida nas cidades, nas aldeias, numa constante
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transformação, sua literatura é um retrato fiel às concepções e modos de ser da Rússia. Os contos aqui analisados trouxeram contribuição no tocante à comparação de duas literaturas de nacionalidades diferentes, mas com traço comum. O personagem e o narrador que vislumbram a cidade, que rejeita algum aspecto daquela cidade, também idealizam uma cidade que não mais subsiste na modernidade. Com ênfase nesses aspectos foi possível perceber os pontos de contato nas literaturas de Anton Tchekhov, Literatura Russa, e em Clarice Lispector, Literatura Brasileira, os contos analisados permitiram as observações à luz da teoria da Literatura Comparada, com o objetivo de perceber como as literaturas se entrechocam, e se intermediam nas temáticas, revelando os indivíduos em suas buscas, dúvidas e crises apropriação e intermediação cultural. Vejamos: Kristeva lembra a significação do verbo ler para os antigos. Tal significação deve ser valorizada, com vistas a uma compreensão da prática literária. Ler era também recolher, colher, espiar, reconhecer os traços, tomar, roubar. Ler denota, pois uma participação agressiva, uma expropriação ativa do outro. Nitrini. (2000. p162.)
Temos a riqueza literária de Anton Tchekhov e de Clarice Lispector como literaturas maduras. Ler e comparar ambas seria reconhecer os elementos que as aproximam, a linguagem do conto seria essa aproximação primeira, que em seguida traz os personagens e o narrador observando e retratando a cidade. Observemos o que discute Ítalo Calvino no livro Seis Propostas para o próximo milênio: A primeira coisa que me vem à mente na idealização de um conto é, pois, uma imagem que por uma razão qualquer apresenta-se a mim carregada de significado, mesmo que eu não saiba formular em termos discursivos ou conceituais. A partir do momento em que a imagem que desenvolvem suas potencialidades implícitas, o conto que trazem dentro de si. Em torno de cada imagem escondem-
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se outras, forma-se um campo de analogias, simetrias e contraposições. Na organização desse material, que não é apenas visível mas igualmente conceitual, chega o momento em que intervém minha intenção de ordenar e dar um sentido ao desenrolar da história- ou, antes, o que faço é procurar estabelecer os significados que podem ser compatíveis ou não com o desígnio geral que gostaria de dar à história, sempre deixando certa margem de alternativas possíveis. Calvino (1990. p104)
O que Ítalo Calvino elucida, mostra que a Literatura Comparada seria também essa alternativa possível para compreender as possibilidades do texto literário que não pode ser encarcerado em fronteiras linguísticas e culturais. Vale salientar que essa pesquisa primou por uma comparação nos aspectos personagem e narrador observando a cidade. Os aspectos que escaparam a análise podem ser suscitados em possíveis releituras de Anton Tchekhov e de Clarice Lispector, também que foram destacados ao longo da análise as diferenças entre os contos, diferenças na nacionalidade de cada autor que implica em diversas questões, com a língua em que cada conto foi escrito, o sociocultural, sem esquecer o universo de cada autor. Dessa forma esperamos contribuir nos aspectos cidade, urbano, narrador/personagem/olhar/voyeur a partir dos Estudos comparados ou Literatura comparada com o breve estudo entre a literatura de Anton Tchekhov e a literatura de Clarice Lispector, cada uma respondendo por suas especificidades em contexto e tradição da Literatura Russa e da Literatura Brasileira.
REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Confiança e Medo na Cidade. Tradução; Eliana Aguiar- Rio de Janeiro; Jorge Zahar Editora, 2009. CALVINO, Ítalo. Seis Propostas para o Próximo Milênio; tradução Ivo Barroso, São Paulo; Companhia das Letras, 1990. LISPECTOR, Clarice. Onde Estivestes de Noite. (contos) 8. Ed, Rio de Janeiro; Editora Francisco Alves, 1997
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NITRINI, Sandra. Literatura comparada; História, teoria e crítica. 2. Ed, São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, Acadêmica, 2000. NASCIMENTO, do Rodrigo Alves. Tchekhov no Brasil; Notas para um estudo. IN; Revista Ensino, Língua e Literatura. Maio/2008- vol.III. WWW.iel.unicamp.br/revista/index. Php/lle/article/view/143/119 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. (org) Cidade; História e Desafios- Rio de Janeiro; Editora FGV, 2002. ROSENBAUM, Yudith. Folha Explica Clarice Lispector. São Paulo, Divisão de Publicações da Empresa Folha da Manhã, Publifolha S/A, 2002
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LITERATURA
MACHADO DE ASSIS COMO LEITOR DE POE: UMA ABORDAGEM COMPARATIVA DA CULPA NOS CONTOS O ENFEIMEIRO E O CORAÇÃO DENUNCIADOR Auricélio Soares Fernandes RESUMO O Simbolismo foi uma das vanguardas artísticas europeias mais expressivas do século XIX. Caracterizado por temáticas mais soturnas, o Simbolismo teve grande influência da literatura gótica do escritor americano Edgar Allan Poe e este, por sua vez, influenciou diversos escritores daquele século como Paul Valéry, Stephane Mallarmé e Charles Baudelaire e também Machado de Assis, responsável pela primeira tradução para a língua portuguesa de “O Corvo”, poema clássico de Poe. Considerando a literatura de Edgar A. Poe como importante fonte inspiradora para o Simbolismo e para a escrita de Machado de Assis, o presente trabalho tem como principal objetivo apresentar um breve estudo comparativo da influência do escritor norteamericano Edgar Allan Poe na temática contística do autor brasileiro Machado de Assis e comparar o sentimento de culpa, a partir de uma visão psicanalítica freudiana, dos personagens nos contos “O Coração Denunciador”, de Poe e “O Enfermeiro”, de Machado de Assis. Para embasamento teórico utilizamos obras críticas e teóricas de Abdala Júnior (1995), Daghlian (2003), Gomes (1994), Freud (1996), Gonçalves (2006) entre outros. Palavras- Chave: Edgar Allan Poe. Simbolismo. Machado de Assis. Culpa.
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1 INTRODUÇÃO
A temática de alguns contos do escritor brasileiro Machado de Assis foi influenciada pelo surgimento do revolucionário movimento cultural, surgido na Europa no final do século XIX, denominado de Simbolismo. O escritor brasileiro passou a utilizar algumas das características mais obscuras daquela vanguarda europeia para desenvolver alguns temas dos seus contos, e, através do contato com a literatura francesa de poetas simbolistas como Valéry, Mallarmé e Charles Baudelaire, estabeleceu sua magnificência na literatura brasileira. Machado não apenas manteve contato com os poetas malditos da França simbolista, mas também herdou do escritor e poeta norteamericano Edgar Allan Poe o gosto pela maldade, pela loucura e outras temáticas obscuras narradas nos seus contos. Edgar Allan Poe popularizou a literatura gótica e de terror como nenhum outro escritor havia feito até a primeira metade do século XIX, período em que produziu amplamente histórias fantásticas, de terror e de detetive, tornando-se o maior representante do Romantismo Americano. A maioria de seus contos apresenta histórias de terror psicológico, personagens ambíguos e que geralmente sofrem de algum distúrbio mental. Com essa temática sombria, o americano foi ícone para o surgimento do movimento simbolista, que teve início, na literatura, com a publicação do livro de poesias As Flores do Mal, do francês Charles Baudelaire, em 1857, tradutor e admirador da obra de Edgar Allan Poe, e responsável pelo prefácio de Histoires Extraordinaires, na França, que enaltecia o americano como a principal influência para a ascensão do movimento simbolista. Para melhor analisar a influência da literatura de Edgar A. Poe no surgimento do Simbolismo e então na obra de Machado de Assis, apresentaremos a seguir uma análise dos contos O Enfermeiro, de Machado de Assis, publicado em 1896 e O Coração Denunciador, de 1843, onde faremos uma comparação da temática dos contos e da estruturação dos personagens, através da teoria da psicanálise de Sigmund Freud.
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2 A LITERATURA DE EDGAR ALLAN POE E O SIMBOLISMO
Geralmente referido na crítica mundial por ter criado e popularizado o conto policial e as histórias de detetive, o escritor norte-americano Edgar Allan Poe marcou os rumos e temáticas da literatura mundial. Com seus temas sombrios e insanos e seus personagens esquizofrênicos, sarcásticos, inteligentes e sadistas. Porém, a escrita de Poe não é apenas limitada a contos policiais. Há uma grande variedade de temas em seus textos: crimes, melancolia, referências à insanidade, morte, sadismo dentre outros. Ao lado do escritor de histórias góticas, Edgar Poe foi também proeminente crítico literário, poeta e editor de jornais e revistas. O tipo de literatura escrito por Poe em sua época não era visto criticamente como gênero maior e não lhe rendeu muito dinheiro e reconhecimento crítico em vida. Apenas após sua morte em 1849, é que sua literatura alcançou sucesso literário internacional, principalmente na Europa, e serviu como influência direta para o florescimento do movimento cultural conhecido como Simbolismo, que surgiria alguns anos depois, em 1857. Mas, de acordo com Gonçalves (2006), foi na França que a imagem de Edgar Allan Poe passou a tomar grandes dimensões. Louis Davis Vines, em livro intitulado Valéry and Poe: a literary legacy, faz várias considerações acerca da presença de Poe nas obras dos três grandes discípulos franceses do escritor norteamericano: Paul Valéry, Stephane Mallarmé e Charles Baudelaire. Aponta[ndo] que, segundo Valéry, a quem Poe era um “engenheiro da mente”, o contista estaria totalmente esquecido, não fosse Baudelaire. Esses dois escritores – Valéry e Baudelaire – atraíram-se pela lucidez intelectual de Poe, o que levou Baudelaire a ocupar dezesseis anos de sua vida com o trabalho de tradução de Tales of the grotesque and arabesque, intitulando seu trabalho como Histoires extraordinaires. Mallarmé, inspirado no trabalho de Baudelaire, pos-se a traduzir “[...] trinta e seis dos poemas de Poe, selecionados dos cinquenta que haviam sido publicados” (p. 32), ao passo que Baudelaire havia traduzido apenas quatro. Mallarmé admirava o uso calculado das palavras nas composições de Poe, a quem chamava de “mon grand maître” (p. 90).
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Não é de se negar a influência de Edgar Allan Poe na França e na literatura mundial. Possivelmente isso se deva ao fato de a maioria de seus contos terem sido publicados em jornais e revistas americanas da época, o que de certa forma possibilitou uma maior acessibilidade a um número maior de leitores que se formou desde a primeira metade do século XIX. Aquele público de classes sociais mais baixas “consumia” avidamente a literatura sombria, violenta e fantástica através de jornais e revistas como Burton´s Gentleman´s Magazine e a Graham´s Magazine, ambas da década de 1830. A influência da literatura de Poe foi muito grande no século XIX. Há referências ao autor em vários na literatura de [...] escritores brasileiros que, como Machado de Assis (1839-1908), liam em inglês, puderam ler Poe antes do surgimento das traduções de Baudelaire dos Tales of the Grotesque and Arabesque em francês. Machado de Assis não se restringiu aos contos de terror, pois tinha interesses espirituais mais profundos (GONÇALVES, 2006, p. 94).
Machado de Assis não seguiu totalmente a mesma estética sombria de Poe em seus contos. Ele, que iniciou sua carreira literária logo na adolescência, teve contato com autores franceses de sua época e viu florescer em seu tempo de vida o nascimento do Simbolismo. Surgido na França em uma época de intenso desenvolvimento econômico - a Revolução Industrial - o Simbolismo ascendeu como uma tentativa de renovação dos padrões culturais e artísticos europeus da época. Sabe-se que seu maior expoente, Charles Baudelaire, foi preso e acusado de obscenidade, pois sua obra clássica abordava temas até então pouco populares em poesia, como o satanismo, o mal, o fracasso e a repugnância. Na transição do movimento literário conhecido como Romantismo para o Simbolismo, viam-se ainda semelhanças temáticas e características comuns a ambos os movimentos. A representação do homem nacionalista e melancólico no Romantismo dá lugar agora ao homem calculista. Gomes (1994) sugere que
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esse homem típico do fim do século, o decadente, o dandy, na realidade, tinha sido inventado durante a vigência do Romantismo, em sua fase mais extremada. Como se sabe, a estética romântica teve um momento em que os escritores procuraram levar às últimas consequências o culto da noite, dos sentimentos, dos prazeres doentios. É o que se convencionou chamar de "mal do século". Entre o poeta transtornado do "mal do século", que ama a vida boêmia, que procura a morte para aliviar a dor de viver, e o decadente do Simbolismo há evidente parentesco. Mas há também diferenças flagrantes. O primeiro é todo emotivo e, por vezes, procura na mulher, no suicídio, um lenitivo para a existência. Já o segundo é frio, racional e mesmo cínico: despreza o amor e vive artificialmente (p.14-15).
Esses dois tipos de personagens masculinos estão presentes nas obras de Edgar Allan Poe e Machado de Assis. O primeiro, em obras como Berenice, que explora a melancolia, o amor, e, consequentemente, a morte como maior tema poético. Machado de Assis, por sua vez, mistura diversas representações de homem em seus contos. Nele, podemos observar personagens esquizofrênicos, calculistas, cínicos e ambíguos, como no conto O Enfermeiro. Ainda relacionando os personagens de ambos os autores, Abdala Júnior (1995, p.41) reforça que esses podem ser definidos como “personagens complexos”, pois seus papéis nas obras sempre são imprevisíveis e agem de diversas formas, confundindo e representando diversas formas ao mesmo tempo. Para o autor, esse mesmo personagem pode ser o “mocinho” e o “bandido” da história e este, quanto mais ambíguo for, mais complexidade será sua personagem. Essa complexidade da estrutura dos personagens desses autores é confirmada ao permanecer a dúvida e ambiguidade na ação deles no enredo das narrativas desses escritores. Tanto em Poe quanto em Machado, é possível identificar influências semelhantes em características dos personagens e temáticas. Não é difícil perceber que Machado, “além da bela tradução que fez de O Corvo, inspirou-se em Poe para escrever pelo menos dois contos humorísticos (O Alienista e O Cão de Lata ao Rabo)” (DAGHLIAN, 2003, p. 46).
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3 POE E MACHADO DE ASSIS: UMA QUESTÃO PSICANALÍTICA NA LITERATURA
Depois de várias revoluções econômicas e culturais que houve na Europa, Eagleton (2003) sugere: haver uma relação entre a evolução da moderna teoria da literatura e a agitação política e ideológica do séc. XX. Essa agitação, porém, nunca é apenas uma questão de guerras, de depressões econômicas e de revoluções: ela é sentida pelos que nela estão envolvidos também de maneira profundamente pessoal. Ela é tanto uma crise das relações humanas e da personalidade, quanto uma convulsão social (p. 2009).
Por volta do fim do século XIX, Sigmund Freud começou a desenvolver o campo sistemático de conhecimento e exploração do inconsciente humano, conhecido como psicanálise. Contradizendo muitos pensadores da época, Freud defendia que a sociedade humana não era motivada pela economia. Para ele, a necessidade de trabalhar devia estar aliada à necessidade de reprimir algumas de nossas tendências ao prazer e à satisfação. A teoria de Freud sobre o estudo analítico da alma humana serviu de base teórica para explicar diversos comportamentos e personalidades em vários campos do conhecimento, inclusive o da literatura. Entre os grandes “mistérios” até então desconhecidos pela sociedade, Freud tentou explicar os sonhos, a sexualidade, os comportamentos agressivos e as manias, fobias e, mais precisamente, as doenças psicológicas. Muitas interpretações de textos artísticos e literários foram utilizadas por Freud no desenvolvimento e execução de sua teoria. Praticamente todos os conceitos que conhecemos hoje acerca de doenças psicológicas e comportamentos anormais foram objeto de estudo da Psicanálise freudiana e foi [...] “na trama da criação literária [que] Freud encontrou sua fonte e seu método. Muitos de seus grandes conceitos: complexo de Édipo, sadismo, masoquismo, narcisismo, ele os tirou da Literatura” (SÁ, 2007, p.1).
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Para a autora, Sigmund Freud, mesmo não sendo um profundo conhecedor de arte, sempre se deixou fascinar pelas obras, principalmente no âmbito da literatura e da escultura. Freud passava longo tempo observando-as e tentando explicar a razão delas dos efeitos nele próprio e também nas outras pessoas. No campo literário, Freud pretendia analisar a intenção do autor ao escrever determinada obra de arte. Expressa na obra, essa intenção deve despertar em nós a mesma constelação mental que no artista produziu o ímpeto de criar. Assim, a intenção do artista concretizada na obra, no texto, poderia ser compreendida e comunicada em palavras, como todos os outros fenômenos da vida mental. Daí, segundo Freud, seria impossível compreender uma obra de arte, sem aplicarlhe a Psicanálise, isto é, interpretá-la, descobrir-lhe o significado e o conteúdo. Freud declara não ser atraído pelas qualidades formais e técnicas da arte, embora essas tenham mais valor para o artista. Interessa-lhe saber de que fontes o artista – esse estranho ser – retira seu material e desperta em nós emoções que desconhecíamos. Somos também incapazes, por mais explicações que encontremos, de tornar-nos poetas ou escritores (SÁ, 2007, p. 1-2).
Assim, para Freud não era a obra de arte em si que era avaliada, mas sim o artista e as influências que o fizeram desenvolver tal forma de arte. Freud desejava investigar as fontes de onde o artista retirava a inspiração para a produção de seus trabalhos e assim, provavelmente concluiria a ligação entre autor e obra. 3 A CULPA EM O CORAÇÃO DENUNCIADOR E O ENFERMEIRO
A psicanálise encontrou na literatura gótica de Poe um vasto campo para análise, uma vez que seus personagens quase sempre ambíguos e complexos jazem nos extremos do humor e da sanidade/insanidade. Semelhantes aspectos são também percebidos nos contos de Machado de Assis, que mesmo não
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sendo considerado como autor de contos fantásticos ou góticos, foi profundamente influenciado por Poe e também teve contato com a vanguarda simbolista francesa, da qual sofreu forte influência temática para escrever um de seus contos mais cruéis: O Enfermeiro. Nesse conto, publicado em 1896, Machado narra a história de Procópio Valongo, um jovem que estudava documentos latinos e fórmulas eclesiásticas de um padre. Um dia, esse mesmo padre recebe uma carta de um vigário que morava no interior, perguntando-o se ele conhecia alguém paciente e disposto para trabalhar como enfermeiro do temeroso coronel Felizberto, que se encontrava muito doente. O pároco mostra a carta a Procópio, que, necessitando de dinheiro, aceita a oferta imediatamente, sem imaginar que dores de cabeça o intolerante coronel lhe causaria. Chegando à casa do coronel, Procópio de início teve uma boa aceitação para com o velho, mas “A verdade é que vivemos uma lua-de-mel de sete dias”. (ASSIS, 1994, p. 33). No conto, após uma semana, o personagem Procópio começa a perder a paciência com o coronel, que o xingava e o maltratava demasiadamente. O comportamento de paciência e pena da situação do coronel foi aos poucos se transformando em raiva e perversidade: O trato era mais duro, os breves lapsos de sossego e brandura faziam-se raros. Já por esse tempo tinha eu perdido a escassa dose de piedade que me fazia esquecer os excessos do doente; trazia dentro de mim um fermento de ódio e aversão (Idem, 1994, p. 33).
Com o passar do tempo, e cada vez mais humilhado e maltratado pelo velho, Procópio chega ao limite e de vez perde toda sua paciência. Numa noite, o coronel, em um de seus ataques de histeria arremessa sobre o homem uma moringa, que o atinge no rosto. Procópio, por sua vez, desprovido de qualquer sentimento de afeto e paciência, esgana-o: Quando percebi que o doente expirava, recuei aterrado, e dei um grito; mas ninguém me ouviu. Voltei à cama, agiteio para chamá-lo à vida, era tarde; arrebentara o
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aneurisma, e o coronel morreu. Passei à sala contígua, e durante duas horas não ousei voltar ao quarto. Não posso mesmo dizer tudo o que passei, durante esse tempo (Idem, 1994, p. 33 - Grifos nossos).
A partir das palavras destacadas acima, percebemos claramente que o personagem começou a sentir medo de ser punido e consequentemente culpa de seu ato, depois que assassinou o velho coronel. Após tal ato, o narrador-personagem afirma sentir um [...] atordoamento, um delírio vago e estúpido. Parecia-me que as paredes tinham vultos; escutava umas vozes surdas. Os gritos da vítima, antes da luta e durante a luta, continuavam a repercutir dentro de mim, e o ar, para onde quer que me voltasse, aparecia recortado de convulsões. Não creia que esteja fazendo imagens nem estilo; digo-lhe que eu ouvia distintamente umas vozes que me bradavam: assassino! assassino!”(Idem,p. 1994, 33-34).
No trecho acima, percebemos a presença da psicose, que, de acordo com Eagleton (2003, p. 219), acontece quando “[...] o ego não é capaz de reprimir parcialmente o desejo inconsciente, passando a ser dominado por ele”. Quando isso acontece, o elo entre o ego e o mundo exterior (a sociedade) é interrompido e o inconsciente perde contato com a realidade, adquirindo uma alucinação, assim como a paranoia e a esquizofrenia. Devido a um sentimento de culpa, o narrador passa a imaginar coisas, ao esganar o velho coronel. “A paranóia refere-se a um estado mais ou menos sistematizado de alucinação, sobre o qual Freud não só inclui a mania de perseguição, mas também o ciúme excessivo e a mania de grandeza” (EAGLETON, 2003, p. 219). Ainda com medo de que alguma pessoa desconfiasse que o coronel Felizberto não teria falecido de causas naturais, o protagonista do conto resolve fazer os preparativos finais para o sepultamento do morto, escondendo ao máximo os sinais de assassinato para diminuir suas suspeitas. Por ironia, sete dias após o sepultamento, o enfermeiro recebe uma carta do vigário cidade com o testamento do coronel, anunciando que ele era seu único herdeiro. O
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enfermeiro, que a princípio pensara em doar toda a fortuna provida do velho volta atrás e resolve aceitá-la. O homem então converte todos os bens do velho em dinheiro, guardando uma boa parte para si próprio. Ajudou as construções em uma igreja, doou uma parte da quantia aos pobres e, por último, mandou “levantar um túmulo ao coronel, todo de mármore, obra de um napolitano, [...] foi morrer, creio eu, no Paraguai” (ASSIS, 1994, p. 35). A construção desse túmulo seria uma maneira de amenizar a culpa pela morte do coronel? Vejamos, para Freud, a definição de culpa: Conhecemos assim as duas origens do sentimento de culpa: uma que surge do medo da autoridade, e outra, posterior, que surge do medo do superego. A primeira insiste numa renúncia às satisfações instintivas; a segunda, ao mesmo tempo em que faz isso, exige punição, uma vez que a continuação dos desejos proibidos não pode ser escondida do superego (FREUD, 1996, p. 179).
Para Freud, esse denominado medo da autoridade é semelhante ao medo que os filhos sentem dos pais. Ao renunciar a esse medo, ele se transforma em fonte de consciência para o surgimento e amadurecimento do indivíduo como homem pensante, racional, enquanto para o medo do superego, uma autoridade interna, apenas a renúncia não é suficiente, pois esse desejo continua vivo, mas não escondido em nosso superego. Essa renúncia não é capaz de nos libertar do sentimento de culpa ainda persistente, que é a consequência do desejo proibido, tornando-se fonte do sofrimento definitivo. Essa teoria supostamente explica o sofrimento do personagem através da culpa e do remorso ao assassinar o velho coronel, uma vez que esse aspecto psicológico está presente no conto. Em outras ações do personagem Procópio, narradas no conto, ele realiza vários procedimentos a fim de amenizar a gravidade desse atormentador sentimento. Para Rissá e Bittencourt (2007, p.1), Machado de Assis, um grande nome do realismo brasileiro, bebeu de fontes poeanas e muitos de seus elementos na construção de contos podem ser 76
referidos à Poe. As autoras sugerem que tais elementos variam desde a semelhança na escolha dos temas até a construção verbal, como personagens e ambientação das histórias. Uma das mais fortes semelhanças entre ambos os autores é o conto “O Coração Denunciador”, do escritor americano, escrito em 1843, no qual Machado de Assis provavelmente se inspirou para escrever seu conto “O Enfermeiro”. O conto de Poe inicia-se assim como o de Machado, com o narrador-personagem nos contando a sua história a partir de seu ponto de vista. O mesmo ainda sugere um diálogo com o leitor, onde este deve julgá-lo e decidir sobre sua sanidade/insanidade: É verdade tenho sido nervoso, muito nervoso, terrivelmente nervoso! Mas por que ireis dizer que sou louco? A enfermidade me aguçou os sentidos, não os destruiu, não os entorpeceu. Era penetrante, acima de tudo, o sentido da audição. Eu ouvia todas as coisas, no céu e na terra. Muitas coisas do inferno eu ouvia. Como, então, sou louco? Prestai atenção! E observai quão lucidamente, quão calmamente posso contar toda a história (POE, 1997, p. 37).
O narrador começa a questionar e tentar convencer o leitor de sua sanidade, ocasionando por sua vez distúrbios e confusões de seu próprio pensamento. O conto de Poe, assim como o de Machado de Assis, narra a história de um homem que também cuidava de um velho. Para o narrador da história, o velho, diferente do conto de Machado, nunca o havia mal tratado. Entretanto, o narrador, sem motivo algum declara como resolveu tirar a vida do velho: “É impossível dizer como a ideia me penetrou primeiro no cérebro, uma vez concebida, porém, ela perseguiu dia e noite. Não havia motivo. Não havia cólera. Eu gostava do velho. Ele nunca fizera mal” (idem, ibidem). Não havendo qualquer motivo aparente para o narrador decidir assassinar o velho, ele resolve colocar o motivo do assassinato no olho do velho, que para o ele era semelhante ao de um urubu e o causava medo e repulsa: Penso que era o olhar dele! Sim, era isso! Um de seus
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olhos parecia com o de um abutre... um olho de cor azul pálida, que sofria de catarata . Meu sangue se enregelava sempre que ele caía sobre mim; e assim, pouco a pouco, bem lentamente, fui-me decidindo a tirar a vida do velho e assim libertar-me daquele olho para sempre (POE, 1997, p.38 - Grifos nossos).
Neste último trecho do conto de Edgar Allan Poe, percebe-se o que Freud chama de transferência, que em outras palavras é quando um indivíduo transfere algum sentimento, que ele mesmo já tem, para outra pessoa a fim de não acarretar o sentimento de culpa para si próprio. Este sentimento de culpar alguém é claro quando o narrador utiliza verbos que dão ideia de dúvida como pensar, no qual o autor direciona a razão da morte para sua suposta loucura. Ele queria assassinar o velho, mas conseguiu convencer o leitor que esse ato não foi de maldade e sim de uma suposta cisma ocasionada pelo olho do velho. Em outro trecho da história, o cinismo e a frieza do narrador também se tornam presentes: “Eu nunca fora mais bondoso para com o velho do que durante a semana inteira, antes de matá-lo. todas as noites, por volta da meia-noite” [...] (POE, 1997, 38). Novamente, em outro trecho do conto o narrador personagem recorre à tentativa de convencer o leitor sobre sua inocência no assassinato, transferindo mais uma vez o motivo de determinada ação ao olho do personagem, misturado ao calculismo do personagem nos dias anteriores em que ele preparava a morte do velho homem: E isto eu fiz durante sete longas noites... sempre precisamente à meia-noite... e sempre encontrei o olho fechado. Assim, era impossível fazer minha tarefa, porque não era o velho que me perturbava, mas seu olho diabólico (idem, 1997).
Exatamente na noite que o narrador-personagem resolve assassinar o velho, novamente ele confirma sua psicose, não sabendo associar suas próprias ideias e ainda desviando para o olho do homem, o motivo do assassinato dele:
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No penúltimo trecho da história, o personagem assassino ainda sob um ataque histérico, começa a imaginar que os policiais já sabiam que ele tinha assassinado o velho e estavam apenas caçoando dele e esperando o momento certo para culpá-lo. Este é também um momento de paranoia, onde o personagem passa a desconfiar de todos ao seu redor, perdendo assim a ligação com o mundo externo: Qualquer coisa era mais tolerável que aquela irrisão! Não podia suportar por mais tempo aqueles sorrisos hipócritas! Sentia que devia gritar ou morrer, e agora de novo...escutai...mais alto... mais alto... mais alto…mais alto!…(POE, 1997, 39).
Finalmente no último parágrafo do conto, o assassino, em um momento de perturbação mental, trai a si mesmo e confessa o crime: “Vilões! - trovejei. - Não finjam mais! Confesso o crime! Arranquem as pranchas! Aqui, aqui! Ouçam o batido do seu horrendo coração! (POE, 1997, p. 39). Percebe-se que no conto de Poe, o narrador nos mostra vários sintomas de doenças psicológicas das quais a Psicanálise freudiana definiu e analisou. Nessa história, o narrador de Poe pode ser definido como um psicopata, frio, calculista e que tenta convencer o leitor de sua sanidade mental e inocência. Esse jogo é característico dos personagens do escritor americano, onde eles sempre narram histórias em primeira pessoa. Poe utiliza bem as técnicas de sua própria critica literária e consegue prender o leitor no conto. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao apresentar um breve estudo sobre as influências de Edgar Allan Poe na obra machadiana e também no movimento Simbolista percebemos a importância do escritor americano não apenas na literatura americana do século XIX, mas também em
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Ele estava aberto; todo, plenamente aberto. E, ao contemplá-lo, minha fúria cresceu. Vi-o, com perfeita clareza; todo de um azul desbotado, com uma horrível película a cobri-lo, o que me enregelava até a medula dos ossos. Mas não podia ver nada mais da face, ou do corpo do velho, pois dirigira a luz como por instinto, sobre o maldito lugar (idem,ibidem).
Nos trechos finais do conto de Poe, depois que o personagem assassina, esquarteja e esconde o corpo do velho no assoalho de sua casa, passa a desenvolver sentimentos de orgulho e poder, misturados a frieza dos seus próprios atos e ainda seguidos da certeza que nenhuma pessoa jamais descobriria o seu crime: Depois recoloquei as tábuas, com tamanha habilidade e perfeição, que nenhum olhar humano, nem mesmo o dele, poderia distinguir qualquer coisa suspeita. Nada havia a lavar, nem mancha de espécie alguma, nem marca de sangue (idem,ibidem).
Depois de esconder o corpo e as provas do assassinato, o narrador tenta convencer os policiais que foram à casa do senhor investigar o paradeiro do mesmo, de sua inocência: “Mostrei-lhe suas riquezas e [...] os soldados ficaram satisfeitos. Minhas maneiras os haviam convencido” (idem,1997). No clímax do conto, o narrador, vai aos poucos misturando sinais de psicose, confirmada em um ataque de histeria com sintomas de perda da sensibilidade auditiva e alterações das sensações: Mas, dentro em pouco, senti que ia empalidecendo e desejei que eles se retirassem. Minha cabeça me doía e parecia-me ouvir zumbidos nos ouvidos; eles, porém, continuavam sentados e continuavam a conversar. O zumbido tornou-se mais distinto. Continuou e tornou-se ainda mais distinto: eu falava com mais desenfreio, para dominar a sensação: ela, porém, continuava a aumentava sua perceptibilidade, até que, afinal, descobri que o barulho não era dentro dos meus ouvidos (POE, 1997, p. 38).
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toda literatura mundial. Poe revolucionou a temática e a técnica da narrativa de contos. Machado de Assis, por sua vez não seguiu totalmente os temas de Poe em sua obra, porém vários dos seus contos, como “O Enfermeiro” constituem um intertexto da obra de Edgar Poe. Por estar em contato com a literatura dos escritores europeus simbolistas da época e escrever sua obra justamente no período de maior reconhecimento de Poe na Europa, é clara a influência de Poe na literatura de Machado de Assis. A nova e revolucionária literatura de Poe abriu as portas para uma ciência que também estava surgindo na mesma época do Simbolismo: A psicanálise, teoria de investigação teórica da personalidade que também se destacou no campo da literatura por tentar definir as características ou problemas mentais e psicológicas dos personagens de inúmeras obras. REFERÊNCIAS ABDALA JÚNIOR, Benjamin. Introdução à análise da narrativa. São Paulo: Scipione, 1995. ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994.v. II. BITTENCOURT, Ana Lúcia e RISSÁ, Kelly. Confluências literárias: Machado de Assis e Edgar A. Poe. São Paulo: [s.n.] 2007. DAGHLIAN, Carlos. A recepção de Poe na Literatura Brasileira. Florianópolis: [s.n], 2003. EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. São Paulo: Martins Editora, 2006. FREUD, Sigmund. O Ego e o Id. Trad. Jaime Salomão. Rio De Janeiro: Imago, 1996. GOMES, Álvaro Cardoso. O Simbolismo. São Paulo: Ática, 1994.
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GONÇALVES, Fabiano Bruno. Tradução, Interpretação e Recepção Literária: Manifestações de Edgar Allan Poe no Brasil. 2006. 141 p. Dissertação (Mestrado em Literatura Comparada) – Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), Porto Alegre. POE, Edgar Allan. Ficção Completa, Poesia e Ensaios. Organizados, traduzidos e anotados por Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. SÁ, Olga de. Psicanálise e Literatura: A interpretação. In: Encontro Regional da ABRALIC, 2007. São Paulo: [s.n], 2007.
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HISTÓRIA
ARTEFATO DE MEMÓRIA: DA CASA DE CONTOS AOS CONTOS DA CASA - POR UMA HISTÓRIA SÓCIOCULTURAL DE UM SOBRADO Azemar Soares dos Santos Júnior Iranilson Buriti de Oliveira
RESUMO Este artigo tem por objetivo analisar o percurso histórico da Casa dos Contos, um sobrado localizado na Praça Rio Branco no centro do município de João Pessoa. O prédio que durante anos abrigou capitães mores, serviu de casa do poder legislativo, banco e delegacia fiscal, hoje sofre mudanças para abrigar a sede do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Para essa pesquisa foram realizados garimpos nos mais diversos arquivos da cidade levantando e problematizando uma gama de fotografias e documentos escritos de relevante importância para a construção histórica do prédio. O debate girou em torno dos conceitos de memória e patrimônio a partir de uma perspectiva sociocultural. Acreditamos que reconstruir a história da antiga Casa dos Contos é contribuir com a produção histórica do passado por meio da recordação e de suas sociabilidades. Palavras-chave: Memória. Patrimônio. Sobrado.
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1 INTRODUÇÃO O verbo monere significa 'fazer recordar', de onde 'avisar', 'iluminar', 'instruir'. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo ás suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação. (LE GOFF, 1996)
No final de 2011, o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, em parceria com a EMPROTEC Engenharia - solicitou um trabalho em torno da memória do sobrado da Praça Rio Branco, n. 17, Centro Histórico de João Pessoa – PB, de modo a fazer uma contextualização históricocultural desse sobrado, mostrando como o mesmo, ao longo dos séculos, funcionou e atendeu aos mais diferentes interesses políticos e socioeconômicos. Foi um desafio, tendo em vista que a maioria das fontes está dispersa em arquivos da capital da Paraíba, inclusive acervo particulares que não nos permitiram pesquisar. Para a execução de um trabalho desse porte, é fundamental fazer incursões teóricas em torno da memória e do patrimônio, com o objetivo de compreender como o referido imóvel se tornou documento/monumento, que faz recordar o passado do lugar e o seu lugar no passado. O monumento em questão localiza-se no Centro de João Pessoa, próximo às ruas Visconde de Pelotas e Duque de Caxias, rodeado por praça e outros prédios construídos em séculos passados, tais como o Cine Rex, o antigo Jardim Público, a igreja da Misericórdia, a Praça Rio Branco, a Academia Paraibana de Letras, dentre outros, cujo conjunto é tombado pelo IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, na parte alta do conjunto tombado. Esse espaço, considerado um marco histórico-cultural para a história da cidade e de sua arquitetura, foi narrado pelos jornais e revistas, relatos de viajantes, crônicas e mensagens de governo, cartas que reivindicavam ajustes ou denunciavam a quantia investida no trajeto histórico-urbanistico. Foi, ainda, objeto de pesquisa para arquitetos, historiadores e urbanistas.
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Antes de ser tão “bendita” e benquista como passou a ser no século XVIII, esse espaço era noticiado e divulgado como lugar de violência, de dor e de perseguição: “Inicialmente conhecida como Largo, [esse espaço] já movimentou toda violência como nos auto de fé, durante os séculos XVI e XVII, realizava como evento público açoites de escravos e enforcamentos, tendo em vista que lá funcionava um pelourinho” (SILVA, 2012, p. 1). A “invenção” do sobrado da Praça Rio Branco, n. 17, como patrimônio histórico já data de sua fundação, ou seja, os discursos que o gestaram, no século XVIII, já davam conta de sua grandeza arquitetônica, de sua monumentalidade e funcionalidade, conforme registram os documentos de sua construção no século XVIII, classificando-o como um prédio nobre, localizado em “área nobre” da capital. Nessa monumentalização do sobrado, as classificações são as mais diversas, como a que menciona Aguiar e Arruda Melo (1989): “Belo prédio da provedoria da Fazenda, depois delegacia fiscal. Serviu remotamente de residência para os capitães-mores, até a segunda metade do século XVIII”. Uma suntuosa edificação que comungava com os traços da época composta de casarões, sobrados e igrejas, donos de traços barrocos, onde as alegorias davam o requinte final. Uma arquitetura que creditou a “esses espaços uma atmosfera que remete a seu tempo”, a seus sujeitos (TINEM, 2006, p. 86). No século XIX, esse lugar e seu entorno continuaram sendo vistos e ditos como espaços nobres, nos quais se situavam diversos prédios de importância política, socioeconômica e cultural para a Parahyba, tais como a Casa dos Capitães-mores, Sede da Capitania da Parahyba, Erário Público, Casa de Câmara, Prefeitura Municipal, cadeia pública e Açougue. No início do século XX, esse espaço torna-se, aos poucos, um lugar de lazer no cotidiano da cidade. Dessa maneira, para a elaboração deste material, lançamos mãos de diferentes tipologias documentais que nos permitissem uma maior aproximação com o objeto estudado, desde documentos coloniais manuscritos a obras escrita por historiadores e arquitetos que, de uma forma pulverizada, citam ou falam do Sobrado e do seu entorno. Outro acervo documental
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foram às fotografias encontradas, seja em jornais (A União, A Imprensa) ou em acervos particulares, a exemplo do acervo de Walfredo Rodriguez, sob custódia do Centro Universitário de João Pessoa (UNIPÊ). Com esta documentação, foi possível elaborar um documento que representasse os seguintes aspectos: a) históricos – mostrando uma “arqueologia” da sua edificação no final do século XVIII, suas funcionalidades e o seu percurso histórico; b) políticos e socioeconômicos, onde abordamos as disputas políticas em torno de sua construção no século XVIII, bem como a sua importância socioeconômica, não apenas em valores econômicos, mas também sentimentais, já que um bem dessa natureza histórica é cercado por discursos e valores afetivos, por “suspiros poéticos e saudades”; c) técnicos e artísticos, ligados com a vida social, cultural e artística do sobrado ao longo dos séculos, identificando suas funções e usos. Quanto à autenticidade dos elementos arquitetônicos e a ambiência da edificação, deixamos a cargo da arquiteta Dianna Claudine Bezerra Dantas, da Emprotec Engenharia.
2 O NASCIMENTO DO SOBRADO: POR UMA “ARQUEOLOGIA” DE SUA ARQUITETURA
Mas como nasceu esse lugar? O que o tornou tão importante do ponto de vista histórico e arquitetônico que despertou o desejo do capitão-mor Jerônimo de Melo e Castro? Bem, como apontam os documentos pesquisados para a elaboração deste texto, o imóvel em apreço foi erigido durante a administração do capital-mor Jerônimo José de Mello e Castro (1764-1797) que, logo nos primeiros assentamentos, já sinalizava a importância do local e de sua construção, muito embora tenha discordado inicialmente do plano de Francisco Pedro de Mendonça Gorjão levantar tal edificação. No entanto, bem antes da administração do capital-mor Jerônimo José de Mello e Castro, o rei de Portugal D. João V já enviara carta ao capital-mor da Parahyba, Antônio Borges da Fonseca, para que este faça um levantamento de custos para a edificação de uma Casa dos Contos, conforme carta enviada pelo rei ao governador em novembro de 1746. Obedecer às ordens régias e erguer a
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Casa dos Contos era, para o capitão-mor, uma maneira de conceder à cidade uma nova imagem, afirmando-a sua condição de centro de poder “diante do contexto pouco favorável que a capitania atravessava, devido ao seu empobrecimento e a sua perda de importância no contexto do Brasil colonial” (MOURA FILHA, 2004. p.302). Por ordem da Junta de Pernambuco, a obra tem início por volta de 4 de setembro de 1775, sob a discórdia do capitão-mor Jerónimo José de Melo e Castro. Este, em 1776, aborrecido com a falta de recursos financeiros para consertar o Forte de Cabedelo, enuncia ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar, Martinho de Melo e Castro, a sua insatisfação quanto à decisão de construir a casa dos contos. Para o capitão-mor, era inadmissível o gasto feito com aquela obra, enquanto o Forte do Cabedelo se encontrava numa situação lamentável, restrito "a hum estado quase inútil" (Arquivo Histórico Ultramarino. ACL_CU_014, Cx. 25, Doc. 1978). Assim, independente dos discursos a favor ou contra, o sobrado nasce, portanto, como um imóvel singular, que chama atenção das pessoas pela suntuosidade e beleza artística expressa em sua arquitetura, seja esta interior ou exterior, incluindo nessa suntuosidade suas escadarias e repartições internas. De acordo com Moura Filha (2004, p.432), mesmo com as denúncias apresentadas pelo governador da Parahyba, “as obras da casa dos contos tiveram continuidade, e em 1781, surge na documentação referência à mesma”, documentação essa pertencente ao Arquivo Histórico Ultramarino (ACL_CU__014, Cx. 27, Doe. 2096) e que identifica suas funções iniciais, qual seja, servir como casa dos contos, abrigar o tesouro real. A Casa dos Contos, uma vez edificada, representa a formação de uma nova ordem social e econômica na província da Parahyba. Nasce com uma funcionalidade econômica e social, para servir aos propósitos da Coroa e abrigar em suas instalações o Erário Régio ou Casa dos Contos, um importante local no qual estava destinado a centralizar a gestão corrente das contas públicas. Portanto, desde sua edificação original, o mesmo é singularizado como merecedor das atenções dos moradores da capital da Parahyba e dos que a visitam. Além de sua função socioeconômica para a qual foi destinado
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inicialmente, sua ambiência e edificação chamava atenção dos olhares públicos e políticos, não somente pela beleza arquitetônica em si, mas também pelo seu entorno. Conforme Berthilde Moura Filha, a Casa do Erário, concluída em finais do século XVIII, diferenciava-se das anteriores edificações do Largo da Câmara, devido ao requinte da arquitetura e imponência das suas escadarias. No século XX, outras modificações foram feitas no lugar: o edifício da Câmara ganhou nova roupagem e o largo foi tratado para converter-se na Praça Rio Branco. (MOURA FILHA, 2004. p.65).
Dessa forma, o conjunto dos bens imóveis catalogados e tombados na Praça Rio Branco – João Pessoa, dentre eles o Sobrado em apreço, configura uma narrativa material de determinada história do passado da Paraíba e de seus moradores, particularmente de sua capital e de sua arquitetura. O reconhecimento do Sobrado como o expoente de uma história urbana da capital da Paraíba não deve ser explicado somente porque o mesmo aguça e fascina a curiosidade de turistas e transeuntes, dos que passam por ele, olham, lêem a sua fachada, a sua materialidade exposta em pedra, cal e cores. É importante destacar que os historiadores e arquitetos não descobrem naturalmente o valor histórico dos bens ou lugares. Eles instituem e reproduzem tais valores. Dito de outra maneira: devemos compreender que são os discursos e as práticas que constituíram seus contornos atuais, produzidos e reproduzidos desde o período colonial, desde as primeiras tramas envolvendo Jerônimo de Melo Castro e o Reino de Portugal. Um incêndio destruiu parte da arquitetura desse sobrado em 1916, mas podemos afirmar que, desde o início de sua fundação, em 1775, que o mesmo é alvo de outros “incêndios”. Seu projeto nasceu sob o fogo cruzado das querelas políticas e das disputas territoriais e culturais entre Parahyba e Pernambuco. Em 1773, o capitão Francisco Pedro de Mendonça Gorjão (1729-1734) solicitou resolução do Reino sobre a construção de uma nova casa, justificando que estavam os capitaes-mores da Parahyba mal instalados, dormindo e vivendo
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em péssimo estado. Argumenta Gorjão: As cazas em que assistem os Governadores desta Capitania por informações e instancias dos Mestres dos officios de carpinteyros e pedreyros se achão tão arruinadas que ameação evidente perigo a seus habitadores, e como são muito velhas e as paredes feitas com cal, e barro, não permitem que se lhe faça o menor concerto sobre os muitos que se lhe tem feito.
Conforme Moura Filha, até esse momento, os governantes continuavam, provavelmente, ocupando o antigo "palácio" que ficava próximo à Igreja Matriz e "na rua, que vae d'esté Palácio para o Carmo". De acordo com o historiador Irineu Ferreira Pinto, anos mais tarde, em 4 de setembro de 1775, após a Junta da Fazenda de Pernambuco autorizar a construção da Casa dos Contos na Paraíba, o próprio capitão-mor, Jerônimo de Melo e Castro, discordava da edificação do “suntuoso erário” (PINTO, p. 168), ao mesmo tempo em que denunciava ao Secretário de Estado da Marinha e Ultramar (Martinho de Melo e Castro), ser inadmissível o enorme gasto feito com aquela obra, enquanto o Forte do Cabedelo se encontrava reduzido "a hum estado quase inútil". Reclamava que enquanto muito dinheiro era dispensado à Casa dos Contos, nem mesmo pequenos reparos eram feitos no Forte de Cabedelo: Mandouse fazer hum sumptuozo Erário de que se não necessitava como de reparar a fortaleza, correu a obra delle pela determinação de hum Provedor filho da terra, sem o zelo que devem ter os operários de semelhantes obras por que não permetio a Junta de Pernambuco que eu tivesse intendência na mesma obra e assim se da a obra a quem quer o Provedor e nao a quem a faria mais cómoda e melhor, prejuízos que nao posso contrariar. (229 A.H.U. ACL_CU_014, Cx. 25, Doe. 1978.) O próprio discurso do governador já sinalizava para a suntuosidade e elegância da Casa dos Contos, bem como para
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as intrigas políticas em torno do mesmo, o que representa, para a historiografia, um importante aspecto político a ser abordado. Mesmo denunciando, o mesmo elabora uma narrativa de glorificação ao lugar, patrimonializando o mesmo e o singularizando em detrimento de outros prédios situados próximos. É importante destacar que a denúncia apresentada por Jerónimo José de Melo e Casto, ainda que cabível, deve ser vista, conforme Berthilde Moura Filha, levando “em consideração que a casa dos contos representava a concretização do seu desprestígio enquanto governador da capitania, que não via seus pedidos de obras essenciais atendidos”. Ao mesmo tempo em que o governador era obrigado a assistir à “construção de uma obra suntuosa, erguida por decisão da Junta de Pernambuco”, tinha que pedir permissão para fazer pequenos reparos no Forte de Cabedelo e em outras construções públicas. Argumentava que outras obras públicas eram indispensáveis para o aumento e subsistência da capital da província da Parahyba, a exemplo da construção de um novo palácio para os governadores, já que a que atualmente existe está imprópria para a habitação. Com esse discurso, assiste-se a elaboração de uma narrativa que destaca a suntuosidade da Casa dos Contos, “único edifício do poder público que se destacou perante a modesta arquitetura da cidade”, estando em pé de igualdade “com as igrejas e conventos que constituíam as singulares expressões de monumentalidade naquela realidade”. (2004, p. 432-433 – vol. I). Nota-se todo um processo de constituição de singularizar a Casa de Contos, de torná-la visível sob o ponto de vista técnico, estético, político e social. Nesse processo de constituição de conteúdos para o passado, há um investimento para solidificar e dotar de duração e estabilidade uma determinada memória para representar o conjunto arquitetônico de um lugar. Esse investimento social configura operações de seleção, organização e uniformização da multiplicidade de significados atribuídos ao passado (DELGADO, 2004, p. 114) Ao requisitar a construção de um Palácio para os governadores, Jerónimo José de Melo e Castro evidencia que não só se achava mal instalado no antigo colégio dos jesuítas, “mas também se sentia deslocado do centro onde estavam reunidos todos os edifícios ligados ao poder. Os mesmos
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rodeavam o Largo da Câmara: o erário pela parte do Norte, ao Sul o açougue e a "Casa da Companhia", a câmara e cadeia pelo nascente”, enfim, um conjunto arquitetônico que servia à cidade, que a nutria de graça, de beleza e civilidade em pleno século XVIII (MOURA FILHA, 2004, p. 414). Assiste-se, assim, uma série de discursos que vão mapeando a Casa dos Contos e os seus arredores como um monumento a ser preservado pelos olhares do governador. As vantagens do sítio, a centralidade do poder de decisão, a importância financeira do lugar, a formosidade do Largo da Câmara, tudo isso contribuía para tornar o lugar um cenário cada vez mais importante do ponto de vista histórico e social, incorporando o sítio na centralidade do poder, não apenas local, mas também internacional. A ideia de cidade passava, então, a ser associada ao lugar onde o progresso e civilização se manifestavam, fosse através dos "cenários" urbanos ou da "vivência" da sua população que começava a adotar hábitos que vão caracterizar a sociedade "moderna" do século XIX: uma sociedade que progressivamente, foi se fazendo "ver e ser vista" nos passeios públicos, nos teatros e nas reuniões sociais (p. 414). Dessa forma, com a finalidade específica de servir de Erário, o prédio é erguido em 1775, apresentando linhas arquitetônicas do período colonial e possuindo em sua entrada principal uma suntuosa escadaria em pedra. Conforme Pierre Nora (1993, p. 18), a classificação de alguns lugares como “históricos” atribui história à territorialidade, à espacialidade. Jerônimo Melo e Castro, enquanto representante das instituições dotadas do poder, consagra o Largo da Câmara e a Casa dos Contos como símbolos de uma cidade civilizada. Dota esse espaço geográfico de uma funcionalidade. Transforma-o em um monumento. Pela linguagem, faz dele um dos melhores espaços a viver, a habitar e a passear na Parahyba.
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Figura 1: Delegacia Fiscal. Foto sem data e sem autoria
Hoje, séculos depois, a preservação do espaço favorece “o relembrar e o reencontrar do pertencimento, princípio e segredo da identidade” que se pretende uniformizar e impor como nacional ou regional (NORA, 1993, p. 18). Assim, a atual Praça Rio Branco e os prédios em seu entorno somente passaram a ter visibilidade como bem cultural e lugar histórico “quando foi inscrita na rede discursiva do patrimônio, à medida que o tecido da linguagem lhe foi atribuindo determinados conteúdos para torná-la símbolo da memória coletiva” (DELGADO, 2005, p.115). Parte do passado da capital da Parahyba está inscrito nas pedras e nos tijolos da Praça Rio Branco, exposto no Sobrado n. 17. É a voz do tempo, da história. Como menciona Halbwachs (apud BARRETO, p. 102), o vínculo existente entre os lugares e as pessoas, não é apenas uma questão de correspondência física, “mas cada objeto e local ocupado no espaço traduz uma maneira de ser comum a um grupo, a uma comunidade”. Dessa forma, conforme esse autor, “o espaço é transformado à imagem do grupo, ao mesmo tempo em que este se adapta às coisas materiais que lhe opõem resistência”. E assim, década a década, o prédio e o seu entorno vão sendo redefinidos pela linguagem e pelas funções que desempenham. No século XIX, o prédio ganha novas
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funcionalidades. É versátil. Em 1831, o primeiro andar do prédio abriu suas portas para os serviços dos correios da Parahyba (Correio Geral). Em 7 de abril de 1835, houve a “Solene installação da primeira sessão da Assembléia Legislativa Provincial (1835-1837), no edifício da Thezouraria da Fazenda”, então chamada Delegacia Fiscal (PINTO, p. 132-133). Dessa forma, a Casa dos Contos vai ganhando novas funções, abrigando ao longo dos séculos instituições diversas e tornandose um monumento histórico referência na Parahyba. Torna-se não apenas um patrimônio histórico-cultural edificado, mas serve de “abrigo” para outros patrimônios: memórias, histórias, namoros, festividades que ocorreram em seu interior ao longo dos séculos. Tudo isso não pode ser mostrado porque faz parte da imaterialidade do lugar. Nesse construir de histórias e memórias, o prédio abrigou e serviu de palco para muitas coisas: residência de capitão-mor, provedoria da Fazenda, Delegacia Fiscal, Caixa Econômica Federal. Até mesmo o Lyceu Parahybano, em 1836 foi, então, instalado no andar térreo do edifício, configurando e reconfigurando seus usos ao longo dos séculos. Educando corpos e forjando novas historicidades. O prédio também passou por reformas ainda no século XIX, janelas tornaram-se portas, e vice-versa. Ao analisar as fotografias do prédio, percebemos que a porta que dava passagem aos usuários da Caixa Econômica Federal, em 1917, possuía uma espécie de mureta-corrimão (Observar figuras 2 e 3 -; assegurando a entrada de homens e mulheres. A antiga Casa dos Contos abrigava outras tessituras. Após o incêndio, a imponente escada vem abaixo, são as marcas de um novo tempo que alvorecia, onde novos padrões estéticos e arquitetônicos se firmavam e tornavam obsoletos e envelhecidos os estilos de outrora. Algo que tornou no início do século XX o prédio alvo de muitos comentários, foi o incêndio criminoso, feito a partir da queima de panos embebidos em querosene, no qual vários funcionários da Caixa Econômica Federal foram indiciados como culposos, dentre os quais Alexandre Seixas, Lourival Mindello, Aurélio Filgueiras e Manuel Henriques de Sá. A casa dos contos, contava nos primeiros dias de 1917 histórias de corrupção. Muito mais que um incêndio para apagar as marcas de desvio de dinheiro e desfalques na tesouraria, tal episódio se constitui em
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uma cicatriz no espaço e no coração das pessoas que admiravam aquele Sobrado. Conta o Jornal A Imprensa, que em Dezembro de 1916, um incêndio de vastas proporções o destruiu, sendo suas causas, àquela época, bastante comentadas, com insinuações de fraude, por nele funcionar a Delegacia Fiscal e a Caixa Econômica Federal. A edição do jornal A Imprensa de 12 de Janeiro de 1917 assim se referiu ao fato: O incêndio da delegacia fiscal é um fato típico do estrago que a desonestidade oficial já logrou fazer em nossos arraiais. Repartição pública de pequena importância, relativamente às suas congêneres, de rendas diminutas e de poucos funcionários, nem isso lhe vale para abrigar-se do assalto criminoso da gatunagem engravatada. Sobre o incêndio, Lima o inscreve como um ato executado por defraudadores das rendas públicas. A mão negra dos celerados rompeu a guarda, penetrou alta noite no recinto dos cofres nacionais, e em breve, subiram ao espaço formidáveis labaredas levando em rolos de fumo a responsabilidade dos defraudadores das rendas públicas (LIMA, apud AGUIAR, 1989). Ainda comentando o incêndio, o Jornal A União tece-o como fruto das irregularidades fiscais dos funcionários da Caixa Econômica Federal: De facto, aos primeiros interrogatórios, logo surgiram provas de varias irregularidades, occorridas naquela repartição federal cuja responsabilidade cabe notadamente aos funccionários José Lourival Mindello da Cruz, Alexandre Botêlho Seixas e Manuel Henriques de Sá Filho. Essas irregularidades foram de certo, o móvel do pavoroso incendio. Na sua voragem rubra se apagariam os vestígios vivos dos crimes que ali existissem velados por um colleguismo condemnavel. (A União, 10 de janeiro de 1917) Assim, não apenas as paredes (como mostra a fotografia
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acima, marcada pela tisna do incêndio), madeiras e armários foram incendiados, mas também vários documentos que, durante décadas, registraram outras histórias importantes para a Paraíba, dentre os quais, diversos papéis encontrados nos escombros, tais como “sete talões de recibos da Caixa Econômica, os quais podem fornecer esclarecimentos importantes sobre os nomes dos depositantes e das respectivas quantias”, serviço de escrituração, transações de tesouraria, despachos do delegado fiscal ou dos funcionários federais, cadernetas, livros-caixa. (A UNIÃO, 10 de janeiro de 1917). Duas semanas após o incêndio, A União trouxe a seguinte nota aos seus leitores: Está na consciência publica o hororôso incendio que nas primeiras horas de 31 de dezembro ultimo reduziu a um montão de escombros o edifício da Delegacia Fiscal deste Estado, devorando seus livros, seus papeis e valores, o archivo com prejuízo evidente da Fazenda Nacional e dos particulares, com affronta audaciosa as auctoridades publicas, á justiça e ao nome e a moralidade do Estado. A violência do incendio trouxe a suspeita de sua origem criminosa e esta confirmou-se plenamente com as investigações nos dias subseqüentes (16 de Jan. 1017).
A partir do incêndio, o prédio passou por constantes reformas, ganhando novas portas internas e externas, sendo destruído seu estilo colonial, sua escadaria de pedra, sua fisionomia inicial durante o governo de Solon de Lucena (19201924), ganhando um estilo arquitetônico denominado “classicismo acadêmico”. Conforme Sousa & Araújo, a Delegacia Fiscal, “que por mais de um século exibira uma feição colonial, foi reconstruída após ter sido arruinada por um incêndio, em 1916, mas sua volumetria pouco mudou (retirou-se de sua frontaria uma escadaria dupla)” (2011). O sobrado, “como elemento dinâmico e progressista, civilizador e por excelência sociabilizante, iniciou uma luta de vida e de morte contra toda sorte de vícios, desmandos e relaxações” (BATISTA, 1951, apud AGUIAR & OTÁVIO, p. 108). Hoje, resta da reconstrução unicamente o caixão externo, onde entre a década de 1980 e 2000 abriu suas portas a Polícia Federal. Vale ressaltar,
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que possivelmente, ao abrigar essa instituição, o sobrado passou por diversas modificações no seu interior, em que alteraram, inclusive, o número de pavimentos. Nessa “luta de vida e de morte contra toda sorte de vícios, desmandos e relaxações”, o sobrado foi totalmente descaracterizado no século XX, principalmente a partir da segunda metade do século, quando várias reformas foram feitas para servir de espaço aos mais diferentes interesses, modificando fachadas, parapeitos e paredes. As portas e janelas originais foram modificadas e/ou suprimidas, a escadaria totalmente removida. Em seu interior, os pavimentos e o hall de entrada foram alterados, novos banheiros edificados, bem como um mezanino foi construído de maneira que destruiu os ares coloniais e impôs uma nova forma arquitetônica. Para instalar aparelhos de refrigeração (ar condicionado), novas aberturas foram feitas, prejudicando ainda mais o estilo e ares colonial. As paredes internas foram remodeladas, aplicada cerâmica escura em algumas delas, tornando o ambiente escuro, comprometido, também, pela reformulação das portas iniciais, prejudicadas com a construção de um mezanino. Este, alem de alterar a circulação de ar e de luminosidade, alterou significativamente a ambiência e a arquitetura interior, dando um estilo “moderno” a um prédio colonial, conforme imagens abaixo do salão principal: Para desconfigurar ainda mais o estilo do prédio, elevadores de acesso ao andar superior foi instalado, sendo necessário, para tanto, quebrar paredes. O corrimão da escada em inox, o uso de cerâmicas no piso e nas paredes, as divisórias de madeira, dão novas configurações estéticas ao ambiente interno. O Sobrado da Praça Rio Branco, n. 17, configura-se um prédio que está inscrito não apenas na área geográfica central da capital da Paraíba, mas, principalmente, inscrito na história dos seus moradores, na geografia sentimental de homens e mulheres que, ao longo desses mais de duzentos anos de existência, olharam, conviveram, admiraram e se apaixonaram pelas suas linhas arquitetônicas, pela sua sobriedade, pela beleza estética que salta aos olhos. Integra, além do patrimônio cultural
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brasileiro, o patrimônio sentimental daqueles que lhe conhecem ou conheceram no passado.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Escrever um texto como este nos faz relembrar o ofício do historiador: dar voz ao passado, representá-lo, enunciá-lo a partir das mais diversas fontes, sejam estas iconográficas, jornalísticas, manuscritas ou impressas. Estudar um bem imóvel e o seu entorno se constituiu em um desafio perante à pulverização das informações, dispersas em diferentes locais, alguns de difícil acesso. Nessa escrita, olhamos o sobrado a partir de diversos pontos de vista, dando-lhe visibilidade em seus aspectos sociohistóricos, culturais, econômicos e políticos. Demos ênfase à estética, a elegância e opulência do sobrado ao longo dos anos, mesmo após as reformas empreendidas a partir de 1950, que descaracterizou e destruiu grande parte de seu projeto inicial. As últimas reformas empreendidas foram muito mais destrutivas do ponto de vista arquitetônico do que o incêndio de dezembro de 1916, pois alterou fachadas, escadarias internas e externas, quartos, portas, janelas, paredes e pisos. Edificou banheiros, quebrou paredes, alterou luminosidade, ventilação, dando novos ares aos ambientes. Porem, sua história e sua memória o tornam um sobrado singular, alvo de brigas desde o século XVIII, alvo de incêndio no início do século XX, alvo de reformas intensas nas últimas décadas. Mas tudo isto faz parte de sua historicidade, de sua trajetória enquanto bem cultural. Todo monumento, afirma Le Goff (2003, p. 526) tem como característica o ligar-se ao poder de perpetuação, voluntária ou involuntária, é um legado à memória coletiva. Uma obra comemorativa em forma de arquitetura. Assim foi pensada a Casa dos Contos que contou outras histórias, abrigou homens considerados ilustres, escreveu processos-crime e tornou-se alvo de seus próprios processos, elaborou leis que regeram a então província; serviu de palco para aqueles que garbosamente pegavam carona em sua charmosa escada dando imponência ao
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prédio e aos que entravam e saíam. Com o passar do tempo, suas narrativas ganharam outras cores, novas formas, porque outros sujeitos passaram a conviver em seus interiores, a exemplo dos funcionários da Caixa Econômica Federal. Cada mão de tinta que coloria as paredes fez silenciar histórias que se perderam no tempo. Cada pedaço de barro mexido fazia surgir novas sensibilidades, outras histórias capazes de transformar pedras em documentos. De frente à Praça Rio Branco, na parte alta da cidade, o prédio que hoje dá abrigo a outras sensibilidades, possui em seus andares espaços marcados pela constante metamorfose de quem buscou ali exercer algum tipo de poder. Fazer as paredes sussurrar as histórias das transformações daquele prédio, basta acompanhar as fotografias tiradas ao longo do tempo, janelas tornaram-se portas; portas foram fechadas para abrir janelas, escadas que desciam e subiam foram construídas e destruídas; na fachada brasões foram talhados na pedra e apagados com a mesma freqüência que se mudava de função. Pouco tempo atrás, a antiga Casa dos Contos abrigou a Polícia Federal indiciando outros fora da lei, interrogando acusados, findando casos e indiciando outros. Hoje, o prédio abre suas portas para o IPHAN, responsável por preservar o patrimônio histórico e artístico nacional, assegurar que outros monumentos contem suas histórias e sejam coloridas de todas as cores. Suas janelas que dão para a Rua Duque de Caxias viram homens e mulheres passarem de um lado para o outro cochichando entre si as novidades que chegavam às lojas daquele centro comercial. Viram roubos, flertes, brigas. Assistiram o aspecto de a cidade colonial ser destruído em nome dos ares da modernidade. Os letreiros abertos na porta direita da frente convidava para a realização de trocas econômicas. Com o passar do tempo, o prédio erigido a base de queixas permaneceu imponente, mantendo ainda algumas características da sua primeira versão: janelas espalhadas no térreo e nos andares. Os espaços internos são grandes; as escadarias internas, – que parecem não mais as originais – levam para cima de onde era possível ter a vista de parte da cidade. Mas alem das escadarias que levam e que trazem quem nela frequenta, o elevador foi montado. Ao ser erguido, pedras, tijolos e memórias do passado
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foram removidos. O ambiente foi descaracterizado. Mas é isto que faz a sua história: a transformação. Como menciona Le Goff, monumento é recordar, é sinal do passado, é iluminar e instruir. O monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação. Da antiga Casa dos Contos resta uma ferramenta documental muito importante para a sua história: o conto da Casa. Fontes e bibliografia A.H.U. - ACL_CU_014, Cx. 25, Doe. 1978. - OFÍCIO do [governador da Paraíba], brigadeiro Jerónimo José de Melo e Castro, ao [secretário de estado da Marinha e Ultramar], Martinho de Melo e Castro, tratando, entre outros assuntos, sobre a fortaleza do Cabedelo e a construção do Erário. 1776, Novembro, 06, Paraíba. AGUIAR, Wellington & OCTÁVIO, José. Uma cidade de quatro séculos. 2 ed., João Pessoa: Funesc, 1989. BARRETO, Maria Cristina Rocha. Olhar do passado vendo o futuro: o progresso nas fotografias da Cidade da Parahyba (18701930).
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pereira.blogspot.com/2012/01/praca-rio-branco-hojechora-de-alegria.html Acesso em 8 mar 2012. SOUSA, Alberto, ARAÚJO, Darnele. A arquitetura do poder público e a transformação da paisagem na capital paraibana, 1915-1940. Revista Arquitextos, ano 11, jan 2011.
TERCEIRO NETO, Dorgival. Em 414 anos, 10 governadores da Paraíba morreram como titulares do cargo. In: Paraíba de ontem, evocações de hoje. João Pessoa: Santa Marta, 1999. TINEM, Nelci. Fronteiras, marcos e sinais. Leituras das ruas de João Pessoa. João Pessoa: UFPB, 2006.
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EDUCAÇÃO
ESCOLARIZAÇÃO DE AUTISTAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE LEGISLAÇÃO E INCLUSÃO
Fabiana Querino Xavier e Fontes
RESUMO O homem desde a antiguidade impôs as regras de socialização dos considerados deficientes, tendo por deficiências: limitações físicas, mentais ou sensoriais. Os registros de exclusão começam antes mesmo do nascimento de Cristo. Comênio (1631) defendeu em seus escritos, a máxima: “tudo para todos” incentivando o respeito à criança enquanto ser humano dotado de inteligência, habilidades, sentimentos e limites. Assim o ensino deve se basear na natureza, de acordo com as necessidades e interesses do aluno. O autismo é uma desordem do desenvolvimento humano, composto por uma grande variabilidade no grau de inabilidade social, comunicativa e no comportamento, então considerada um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID). A relação professor-aluno é uma via de comunicação da criança autista com o mundo exterior na sua escolarização, porém muitos professores não possuem formação suficiente para incluí-los, dificultando-lhes o acesso à educação formal e a integração social. A inclusão exige da escola uma postura mais acolhedora, pois quanto mais significativo para a criança for seu professor, maiores serão as chances deste promover novas aprendizagens.
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(BEREOHFF, 1995, p. 216). Deste modo este trabalho pretende investigar as mudanças que a legislação provoca na organização e filosofia da escola através da análise bibliográfica de teóricos como Carvalho (2008), Campbell (2009), Guimarães (2003) e da legislação que norteia a inserção de autistas na escola. Palavras-chaves: Deficiência. Educação de autistas. Escolarização.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho, primeiramente, apresenta uma retrospectiva histórica da educação de pessoas diferentes, logo após, revela a postura de alguns pensadores e intelectuais frente à prática inclusiva. Comênio (1631) defendeu em seus escritos, a máxima: “tudo para todos” incentivando o respeito à criança enquanto ser humano dotado de inteligência, habilidades, sentimentos e limites. Assim o ensino deve se basear na natureza, de acordo com as necessidades e interesses do aluno. O autismo é uma desordem do desenvolvimento humano, composto por uma grande variabilidade no grau de inabilidade social, comunicativa e no comportamento, por esta razão considerada um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID). A relação professor-aluno é uma possibilidade de comunicação da criança autista com o mundo exterior na sua escolarização, porém muitos professores não possuem formação suficiente para incluí-los, dificultando-lhes o acesso à educação formal e a integração social. A inclusão exige da escola uma postura mais acolhedora, pois quanto mais significativo para a criança for seu professor, maiores serão as chances deste promover novas aprendizagens. (BEREOHFF, 1995, p. 216).
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Deste modo, levando em consideração que este trabalho pretende investigar as mudanças que a legislação provoca na organização e na filosofia da escola, para tanto realizamos uma pesquisa bibliográfica em teóricos como Carvalho (2008), Campbell (2009), Guimarães (2003) e da legislação que norteia a inserção de autistas na escola, a fim de formular estratégias para a reorganização da escola ao receber estes alunos.
2 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE “DIFERENTES”
A sociedade majoritária normal durante séculos impôs as regras para a socialização dos considerados deficientes, tendo por deficiências: limitações físicas, mentais ou sensoriais. Os registros destas práticas excludentes começam ainda na antiguidade, antes mesmo do nascimento de Cristo. Durante o período pré-cristão, os diferentes eram considerados não-humanos. Tudo isso porque o homem desde os primórdios da civilização buscou padronizar a sua própria existência, assim, as pessoas que nasciam com “defeito de nascença” eram consideradas inferiores e em algumas culturas eram, por esta razão, assassinadas. Houve, então, em alguns lugares, políticas de extermínio de bebês e crianças que não se enquadravam aos padrões normais da época. Para os judeus, doentes e deficientes eram impuros e condenados por Deus, era uma forma divina de punição, uma geração era castigada na geração posterior. No entanto, considerava estas pessoas filhas de Deus e protegidas por Ele, o que lhes conferia, nas leis da época, direitos específicos. Com o nascimento de Jesus, na Era Cristã, a teologia ocidental muda, pois Ele contraria o pensamento judeu, considerando os diferentes, não pelo que poderiam ser, ter ou fazer, mas por serem humanos. Deste modo os primeiros nomes encontrados na história da educação de “deficientes” não são muito animadores. Somente depois do nascimento de Jesus os “diferentes” deixam
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de ser considerados impuros ou espécies não-humanas, seres desqualificados e inferiores. Embora Jesus, em sua época, não tenha conseguido erradicar o preconceito, fez de seu pensamento o início de toda uma grande mudança futura que ainda hoje ocorre paulatinamente. Comênio (1631), pai da didática moderna, defendeu em seus escritos, a máxima: “tudo para todos” incentivando o respeito à criança enquanto ser humano dotado de inteligência, habilidades, sentimentos e limites. Chamou sua base filosófica de “pansofia”. Estas idéias modernas propagadas no século XVII apenas se consagraram no século XX. Assim o ensino escolar deveria estar pautado nos processos da natureza, de acordo com as necessidades e interesses do aluno. [...] ousou ser o principal teórico de um modelo de escola que deveria ensinar “tudo a todos”, aí incluídos os portadores de deficiência mental e as meninas, na época alijados da educação. Ele defendia o acesso irrestrito à escrita, à leitura e ao cálculo, para que todos pudessem ler a bíblia e comerciar. Comênio respondia assim a duas urgências de seu tempo: o aparecimento da burguesia mercantil nas cidades européias e o direito reivindicado pelos protestantes, à livre interpretação dos textos religiosos, proibida pela igreja católica. (FERRARI, 2008, p. 3).
O discurso de Comênio deixa transparecer que todos, independentes de seus limites e diferenças, devem saber de tudo, pois possuem as aptidões necessárias para receber instrução, ou seja, são naturalmente preparados para receber educação, capacidade que chamou de educabilidade. Nesta visão as diferenças são vistas como excessos, ausências ou insuficiências que devem ser sanadas ou reduzidas de forma a permitir o acesso ao conhecimento que dada a educabilidade dos sujeitos assegura-lhes o direito propagado por Comênio: “ensinar
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tudo a todos”. Todas estas posturas e teorias apresentadas ao longo da história contribuíram para a elaboração de leis, decretos, parâmetros e diretrizes que hoje tratam da educação especial e inclusiva. Cada país, isoladamente, tem suas filosofias e leis, baseadas na história e, às vezes, até nos mesmos documentos que outros países tomam como base, como no caso da Declaração de Salamanca que norteia muitos países.
3 CONCEITO DE AUTISMO
O autismo é uma das desordens do desenvolvimento humano mais comum, composto por uma grande variabilidade no grau de inabilidade social, comunicativa e no comportamento, por isso então considerada um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID). Para Kanner (1943), rara, porém mais freqüente do que se imagina. O pediatra deve diagnosticar ainda na infância ao requerer exames de neuroimagem e neurofetologia para assim orientar a investigação e o tratamento multidisciplinar. Os estudos genéticos também são imprescindíveis, pois permitem um melhor entendimento da neurobiologia do autismo. Buller em 1911 usou o termo autismo para nomear a dificuldade de comunicação em pessoas que não compreendiam a realidade que os cercava. Já Kanner, em 1943 repetiu o termo ao referir-se a indivíduos, desde o nascimento, impossibilitados de manter contato físico e interpessoal. Asperger em 1944, com base em sua pesquisa com crianças de inteligência normal, que possuíam pouca ou nenhuma comunicação social, também usou este termo. Das manifestações comportamentais mais incidentes no autismo podemos citar:
[...] déficits qualitativos na interação social e na comunicação social, padrões de comportamento
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repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de interesses e atividades. [...] isolamento ou comportamento social impróprio, pobre contato visual, dificuldade em participar de atividades em grupo, indiferença afetiva ou demonstração imprópria de afeto e falta de empatia social e emocional. (GADIA et al, 2004, p. 583). Ainda observa-se no autista uma percepção sensorial desordenada, a linguagem lhe é difícil, porque além de seu vocabulário restrito, naqueles onde a fala está presente, são raros os momentos em que conseguem começar ou dar sequência a um diálogo. A criança autista possui muita dificuldade em estabelecer contato visual e se comunicar por meio de gestos ou de sua expressão facial, assim como interpretá-los no outro. Sua linguagem corporal é composta, em muitos momentos, de maneirismos motores estereotipados, tais como: se balançar, bater palmas, andar em círculos repetitivamente, principalmente quanto estão agitados. A linguagem do autista possui estereotipias verbais – várias repetições de uma única palavra - e algumas crianças não desenvolvem habilidades de comunicação. Outras têm uma linguagem imatura, caracterizada por jargão, ecolalia, inversões de pronome, prosódia anormal, entonação monótona e etc. (GADIA et al, 2004, p. 584). A linguagem no autista não lhe permite abstrações, daí a conturbada tarefa de fazer as crianças autistas compreenderem histórias de faz de conta, nisto lhes faz necessária à orientação visual pela existência das coisas. Perdem o controle com facilidade, quando assim, o melhor a se fazer é dizer o que devem fazer e não o que não devem fazer. Os padrões repetitivos e estereotipados de comportamento característicos incluem resistência a mudanças, insistência em determinadas rotinas, apego excessivo a objetos e fascínio com o movimento de peças (tais como rodas ou hélices). Embora algumas crianças pareçam brincar, elas se preocupam mais em alinhar ou
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manusear os brinquedos do que em usá-los para sua finalidade simbólica. Estereotipias motoras e verbais, tais como se balançar, bater palmas repetitivamente, andar em círculos ou repetir determinadas palavras, frases ou canções são também manifestações frequentes em autistas. (GADIA et al, 2004, p. 584).
Definir com exatidão a existência do autismo é uma tarefa difícil, pois o grau de severidade e os padrões de distúrbios contidos em autistas variam muito, por esta razão, estudiosos procuram identificar subgrupos, de acordo com o fenótipo comportamental e a etiologia de autismos, tanto para efeitos de pesquisa quanto para a promoção de serviços que atendam aos mais variados tipos de autistas. No geral o autismo é um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, onde os indivíduos possuem variavelmente déficits na interação social, na linguagem/comunicação e manias no comportamento.
4 A CRIANÇA AUTISTA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
A escola, na pessoa do professor, possui uma importante participação no desenvolvimento, quando da escolarização, da criança autista, uma vez que possui o papel central nas relações escolares, assim como a mãe nos primeiros anos de vida. A relação professor-aluno é uma via de comunicação da criança autista com o mundo exterior nos anos de sua escolarização. Na maioria dos casos os professores não possuem formação suficiente para incluí-los, o que dificulta o acesso ao ensino formal e a integração social com seus colegas, pois as informações são transmitidas homogeneamente, ou seja, não se tem uma atenção especial às diferenças por não haver formação suficiente por parte dos educadores. É necessária que a escola tenha um objetivo básico: favorecer a comunicação e educar para a integração, educando a heterogeneidade para a homogeneidade. A integração da criança autista deve ser feita mediante um projeto educacional e curricular da escola, que leve em conta a realidade destas crianças: professores preparados,
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incorporações de vários alunos autistas com não-autistas em cada classe, sem segregação, utilização da comunicação visual, língua de sinais, quando necessária. Essa integração favorece o desenvolvimento da expressão, comunicação e aquisição da linguagem, a qual preparará os educandos para a vida ativa e profissional. O trabalho na diversidade começa pelo reconhecimento das diferenças e da pluralidade de direitos que, na escola, traduzem-se como aprendizagem e participação e não apenas como presença física nesta ou naquela modalidade de atendimento educacional escolar (CARVALHO, 2008, p.23). A escola é a segunda instituição social na qual se insere a criança autista, tendo em vista que a família é a primeira, ou seja, instituições que podem contribuir para o advento do sujeito social e do sujeito lingüístico do portador de deficiência. A constituição Federal de 1888 em seu Título VIII, da ORDEM SOCIAL, menciona como os sistemas de ensino devem organizar-se para o atendimento ao aluno que apresenta necessidades educacionais especiais: Art. 208 III – Atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV – O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público e subjetivo. Art. 227 II § 1º - Criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação
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do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
Segundo Guimarães (2003, p. 47): as redes estaduais e o Ministério da Educação contam com estrutura e podem auxiliar o corpo docente e as famílias dessas crianças e jovens [portadoras de necessidades educacionais especiais]. Prefeituras podem solicitar os serviços em sistema de cooperação ou buscar ajuda nas associações especializadas. É notória a obrigação das instituições públicas em fornecer não apenas educação, mas serviços especializados, terapêuticos para as crianças com necessidades educacionais especiais. No caso dos autistas, atendimento pediátrico, fonoaudiológico e psicológico. Como cita a Lei 9.394/96 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional: Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades. II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados.
O poder público também tem o dever de encaminhar as famílias para órgãos que forneçam aparatos auditivos, cirurgias, terapias, medicamentos, ou seja, o que se fizer necessário para melhorar a qualidade de vida destas pessoas. Como nos mostra a seguinte citação da Declaração Mundial de Educação para Todos e Declaração de Salamanca (1994) documento produzido na Conferência Mundial sobre necessidades educacionais
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especiais, acesso e qualidade, cabendo destacar os seguintes aspectos: (...) a necessidade de que as políticas educacionais levem em conta às diferenças individuais, com destaque a importância da língua de sinais para o desenvolvimento lingüístico dos surdos, face as suas necessidades lingüísticas, tal como a de surdo-cegos; (...) a necessidade continua de apoio aos alunos com necessidades educacionais especiais, seja em classes comuns ou em programas suplementares de apoio pedagógico na escola, de professores especializados e de pessoal de apoio externo.
As Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica é um documento elaborado pela Secretaria de Educação Especial do MEC, disponível em outubro de 2001, que fornece uma seleção de diretrizes a serem consideradas por todos os envolvidos no processo de escolarização de crianças especiais, ou seja, portadores de deficiências detectáveis nas mais diversas áreas educacionais, políticas e sociais. O objetivo desde documento é contribuir para a normatização dos serviços previstos nos Artigos 58, 59 e 60, do capítulo V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Para tanto, dentre os mais diversos tópicos elencados naquele documento, há, as considerações da Lei 10.172/01, lei que aprova o Plano Nacional de Educação e dá providências sobre o atendimento extraordinário em classes e escolas especiais, atendimento preferencial na rede regular de ensino, a educação continuada dos professores que estão em exercício e sua formação em instituições de ensino superior, a fim de disciplinar a oferta de educação inclusiva e especial de qualidade. Já a Lei 8.069/90 dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiências, sua integração social, assegurando o pleno exercício de seus direitos individuais e sociais.
Houve então, com essa legislação, um grande passo
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para o exercício da cidadania dos indivíduos com necessidades educacionais especiais, pelo fomento de uma educação inclusiva, modelo de escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação são substituídos por procedimentos de identificação e remoção de barreiras para a aprendizagem, com base na LDB.
5 A (RE)ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA
Na atualidade a escola tem ganhado mais atribuições, além de suas tradicionais tarefas educacionais, e uma dessas é assumir, muitas vezes, o lugar da instituição família. Isto porque educar, na sociedade contemporânea, compreende mudanças e avanços que as outras instituições não conseguem alcançar. A palavra escola nos remete a um amontoado de exigências frente à realidade e o conhecimento científico que cada vez mais evolui. A sociedade tem apontado para a necessidade de ressignificar o papel da escola para além do pedagógico, reconhecendo que a ela vêm se somando atribuições políticas e sociais, principalmente em função da diversidade de contexto socioeconômico, político e cultural. Evidencia-se, portanto, a importância de reexaminarmos os valores que a escola cultua, dentro de uma perspectiva democrática, ou seja, evidencia-se a relevância de examinar sua intencionalidade educativa. (CARVALHO, 2008, p. 91).
As diferenças não só devem ser vistas com bons olhos, precisam fazer parte do cenário escolar. Matricular alunos com necessidades educacionais especiais é cumprir a lei, porém não se resume apenas a isso. A escola precisa se reorganizar para oferecer serviços complementares e promover atividades lúdicas e criativas que incluam todos, além de rever e ampliar o projeto
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político pedagógico, repensar as posturas dos educadores e envolvidos no processo educativo, reavaliar a filosofia escolar que tem norteado as práticas pedagógicas, ou seja, incorporar a diversidade, sem distinção. Na verdade ainda é difícil encontrar professores que afirmem estar preparados para receber em classe um aluno especial. A inclusão é um processo cheio de imprevistos, sem fórmulas prontas e que exige aperfeiçoamento constante. Do ponto de vista burocrático, cabe ao corpo diretivo buscar orientação e suporte das associações de assistência e das autoridades médicas e educacionais sempre que a matrícula de um aluno especial é solicitada. (GUIMARÃES, 2003, p. 44). As escolas precisam se reorganizar, mas primeiramente, necessitam entender que sua clientela já não é mais a mesma, refletir sobre a realidade da comunidade e a heterogeneidade do público, para que assim lutem por políticas educacionais e sociais que fomentem transformações na oferta de uma educação inclusiva, ou seja, uma educação para todos. Do ponto de vista pedagógico, a construção deste modelo implica transformar a escola, no que diz respeito ao currículo, à avaliação e, principalmente, às atitudes. (GUIMARÃES, 2003, p. 44). O ponto de partida é entender, que modelo de escola se quer e que atenda a diversidade do alunado, isso requer uma intencionalidade educativa que guie as ações pedagógicas, inclusive a construção de um Projeto Político Pedagógico eficiente que veja a diferença com propriedade, que articule professores, gestores, supervisores, coordenadores, merendeiras, auxiliares de limpeza, vigilantes, enfim, que torne a escola um todo de parcerias, uma escola sensibilizada em reaprender seus atos pedagógicos, com vistas a atender todos os alunos que na escola cheguem. O que ocorre na educação especial é que ela ocupa um lugar intermediário entre o educativo e o terapêutico, que deve ser ressaltado. É nesse lugar especial que a educação das
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crianças autistas se situa e é onde o professor vai atuar. (JERUZALINSKY, 1999, p. 53). A intencionalidade educativa é o que se pretende alcançar com o processo educacional escolar. (CARVALHO, 2008, p. 92). A escola deve se reorganizar de forma a privilegiar a aprendizagem de seus alunos ao invés do ensino de conteúdos, para então incluir e não excluir, pois uma escola que privilegia o rendimento escolar do aluno apenas, provavelmente será uma escola excludente. (CARVALHO, 2008, p. 95). Há uma necessidade de se reavaliar o conceito de “eficiência” para enxergar mais longe, além dos paradigmas educacionais tradicionais, e construir uma proposta de escola inclusiva de perspectiva sócio-cultural, que respeite etapas, ritmos, que acolha todas as necessidades educacionais especiais. Assim como fomentar práticas diversificadas, com base na observação das habilidades e tempo de cada um. Ver o aluno no conjunto, porém como ser único e dotado de características singulares. Quanto mais significativo para a criança for seu professor, maiores serão as chances deste promover novas aprendizagens. (BEREOHFF et AL, 1995, p. 216) A escola deve estar consciente de que cada autista possui um perfil único que requer um monitoramento constante, não só da escola, mas, impreterivelmente, da família e do médico especialista. Cada autista possui deficiências individuais que não podem ser descritas ou medidas genericamente, porém observadas para assim serem tratadas. O autismo é uma doença bastante variável, um distúrbio de desenvolvimento complexo, definido de um ponto de vista comportamental, com etiologias múltiplas e graus variados de severidade. (GADIA at al, 2004, p. 583). Na escola inclusiva não se deve esperar que o autista se adapte à escola, mas que esta se transforme para incluí-lo. Uma escola inclusiva precisa trabalhar acompanhada de todo um suporte exterior de profissionais que melhorem a qualidade de vida dos alunos especiais e também contribuam na intencionalidade educativa, sobre o que queremos, como queremos e porque queremos. Indo além da dimensão espacial
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da escola, enquanto dimensão física. (CARVALHO, 2008, p. 92). Os diagnósticos médicos são de imprescindível valor a educação inclusiva, pois ajudam a entender as limitações e potencialidades dos alunos. Por isso a escola que se reorganiza precisa constantemente rever diagnósticos para serem registrados nas fichas anaminéticas e comparar com os dados históricos do cotidiano, observando avanços e retrocessos, para trabalhar com bases nesses. Partindo do acompanhamento pedagógico a escola institui a quem cabe o acompanhamento intersetorial para que, com eficácia, tornem significativas as ações educativas, implantando uma pedagogia lúdica, que minimize limitações e aponte potenciais, ou seja, sistematizar estratégias que previnam e detectem problemas que por ventura venham a interferir no desenvolvimento dos educandos, assim como destacar suas capacidades, ou com bases na pedagogia de Comênio lançar a sala de aula na realidade social, através da tecnologia mais avançada de que se fizer disponívrel. Entendendo por intersetorialidade citamos a seguinte definição da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro (2010). Intersetorialidade é a articulação entre sujeitos de setores sociais diversos e, portanto, de saberes, poderes e vontades diversos, para enfrentar problemas complexos. É uma nova forma de trabalhar, de governar e de construir políticas públicas que pretende possibilitar a superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas sociais para produzir efeitos mais significativos na saúde da população. Ao atender autistas na educação regular os professores precisam mudar alguns de seus hábitos, reverem seu desempenho em sala de aula, como sugere Guimarães (2003, p. 44):
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1. Posicione o aluno nas primeiras carteiras, de forma que você possa estar sempre atento a ele. 2.Estimule o desenvolvimento de habilidades interpessoais e ensine-o a pedir instruções e solicitar ajuda. 3. Trate-o de acordo com a faixa etária. 4. Só adapte os conteúdos curriculares depois de cuidadosa avaliação de uma equipe de apoio multiprofissional. 5. Avalie a criança pelo progresso individual e com base em seus talentos e suas habilidades naturais, sem compará-la com a turma. Através de seu fazer e refazer educativo a escola deve contemplar múltiplas inteligências aliadas à pedagogia da inclusão social. A instituição de ensino deve se reorganizar para atender as necessidades do aluno, isso requer um currículo adaptado, acessível, oferecendo apoio adicional ao já existente em sala de aula, isto é, deve reorganizar-se, para então incluir com competência, ou como menciona a Declaração de Salamanca (1994): Os programas de estudos devem ser adaptados às necessidades das crianças e não o contrário, sendo que as que apresentarem necessidades educativas especiais devem receber apoio adicional no programa regular de estudos, ao invés de seguir um programa de estudos diferente.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através de uma retrospectiva histórica, apresentando ganhos gradativos na legislação que doutrina a oferta de educação inclusiva na educação básica, este artigo apresentou reconhecimentos por meio de leis e posturas que necessariamente foram adotadas, a fim de promover uma
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educação inclusiva, que de fato acolhessem autistas e detentores de outras necessidades educacionais especiais, na escola regular. Sendo assim, embora uma parcela de professores não possua formação ou capacitações (cursos de aperfeiçoamento) para o trato com os alunos autistas há algumas iniciativas que a escola como um todo pode tomar para tornar a escolarização do autista real e igual. Para tanto apresentamos também conceitos como o de intencionalidade educativa que é o que a escola pretende alcançar com o processo educacional escolar e intersetorialidade que significa a articulação da escola com diversos setores sociais diversos para enfrentar problemas diários na educação especial que necessitam de apoio de outros profissionais e setores, conceitos indispensáveis na oferta da inclusão. Todos os conceitos e citações neste trabalho buscam, pois, justificar a necessidade de reorganização da educação básica para receber alunos com necessidades educacionais especiais, em especial o autista. REFERÊNCIAS CAMPBELL, Selma Inês. Múltiplas Faces da Inclusão. Wak Ed. Rio de Janeiro. 2009 CARVALHO, Rosita Edler. Escola Inclusiva: a reorganização do trabalho pedagógico. Editora Mediação. Porto Alegre. 2008 CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1988. DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS E DECLARAÇÃO DE SALAMANCA .1994 ESTATUDO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: EDUCAÇÃO ESPECIAL. Lei 8.069/90. Brasília. 1990
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GUIMARÃES, Arthur. A Inclusão que dá certo: os caminhos para transformar a escola e atender todos os alunos. Nova Escola. Set/2003. Nº. 165. XVIII GADIA, Carlos A. et al. Autismo e Doenças Invasivas de Desenvolvimento. In: Jornal de Pediatria. Sociedade Brasileira de Pediatria. Porto Alegre. 2004 LEI DE DIRETRIZES E BASE DA EDUCAÇÃO NACIONAL. Lei 9.394/96. Brasília. 1996
LEI 10.436. Brasília. 2002. PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Lei10.172. Brasília. 2001. SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE E DEFESA CIVIL DO RIO DE JANEIRO. Disponível em: <http://www.saude.rio.rj.gov.br/cgi/public/cgilua.exe/web/templat es/htm/v2/view.htm?editionsectionid=30&infoid=2516> Acesso em 30 de março de 2010.
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EDUCAÇÃO
CONTROLE SOCIAL DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS: O PAPEL DOS CONSELHOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NOS SISTEMAS MUNICIPAIS DE ENSINO Assis Souza de Moura Luiz Antônio Coêlho da Silva
RESUMO Este texto tem como objetivo analisar o papel dos Conselhos Municipais de Educação no controle social das políticas públicas educacionais nos Sistemas Municipais de Ensino. A pesquisa, fundada na análise de conteúdo normativo, aborda as funções jurídico-legais dos Conselhos nos quatorze municípios da microrregião de Guarabira, estado da Paraíba. Partimos de pressupostos teórico-conceituais e jurídico-legais que caracterizam estes Conselhos como órgãos públicos, estatais, integrantes do Poder Executivo e que intermediam as relações entre Estado, governo e sociedade, viabilizando, pela participação cidadã, o controle social das políticas de educação em sua jurisdição. Constituída dentro de uma abordagem de caráter qualitativo e de natureza analítica, esta investigação, com base no levantamento bibliográfico e documental, discute o controle social como instrumento para a democratização dos sistemas de ensino na esfera dos municípios. Os resultados, alcançados sob a análise de conteúdo, indicam que a falta de estrutura, a forma de organização centralizada e a ausência de
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processos de capacitação para os conselheiros impedem que estes órgãos cumpram suas funções articuladas ao controle social das políticas de educação. Palavras-chave: Controle Social. Políticas educacionais. Conselhos Municipais de Educação. Sistemas Municipais de Ensino.
1 INTRODUÇÃO
No debate sobre as políticas públicas, as atuais discussões sobre controle social têm sido relevantes para o processo de consolidação da gestão democrática, sobretudo no campo da educação e, especificamente, no âmbito dos Sistemas Municipais de Ensino (SME). Nestes embates, com a troca de experiência e as questões epistemológicas - delineadas entre inúmeros posicionamentos político-ideológicos convergentes e divergentes -, a qualidade da educação pública é anunciada como sendo o resultado esperado diante da efetivação do controle social do Estado. Este controle, embora tenha sido intensificado nas últimas duas décadas, sempre esteve acompanhando as lutas pela democratização da educação, estando explícito ou implicitamente posto nas discussões históricas que exigiam a abertura da escola pública às classes populares. Com o ordenamento jurídico educacional advindo da Constituição de 1988, o controle social passou a ser especificado como mecanismo de democratização da educação, incorporando instrumentos e espaços para sua implementação, em associação ao histórico anseio por um padrão de qualidade para a escola pública. Neste ínterim, os dispositivos jurídico-legais e as reflexões teórico-conceituais têm apresentado a necessidade de uma aproximação prática entre qualidade da educação pública e democratização da gestão educacional. Esta aproximação intermediada pelo controle social, sobretudo na esfera dos
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municípios -, imprimem aos Conselhos Municipais de Educação (CME) um papel preponderante para o fortalecimento da cidadania ativa e da participação política. O marco legal - constitucional e infraconstitucional da educação brasileira - enfatiza que o controle social é um processo que requer a necessária participação da sociedade em espaços públicos para a tomada de decisão. Espaços estes constituídos sob a égide da gestão democrática e onde, direta ou indiretamente, a população pode intervir de forma efetiva na elaboração, planejamento, implementação/implantação e avaliação das políticas públicas de educação. A “Constituição Cidadã”, ao criar os caminhos institucionais necessários para esta participação da sociedade nos espaços públicos de controle social, garante dispositivos que ratificam o controle social como resultado da participação política, cujo objetivo é a democratização do Estado, acentuando as possibilidades de coexistência das formas de democracia direta e indireta pela intervenção social na esfera pública. Entre os espaços de controle social do Estado, os conselhos gestores de políticas públicas se constituem como esferas privilegiadas de participação, reunindo Estado, governo e sociedade. Para Alves (2005, p. 22), ampliando a inter-relação Estado-governo-sociedade com a inclusão do termo “comunidade”, os conselhos são espaços “onde comunidade e poder público podem interagir e estabelecer diálogos produtivos, visando a uma educação significativa e democrática”, pois, desde sua concepção, eles (os conselhos) estão vinculados à participação social e popular na esfera pública. Uma participação que fomenta substancialmente o controle social, constituindo-se a partir do poder de intervenção. Consolidados no objetivo de analisar o papel dos CME na implementação do controle social das políticas educacionais no contexto normativo dos Sistemas Municipais de Ensino (SME), norteamos nosso estudo a partir de uma questão problematizadora que pode ser sintetizada no seguinte enunciado: Qual o papel dos CME na efetivação do controle social das políticas públicas educacionais dentro dos SME? Para responder a esta indagação, partimos do pressuposto que compreende os CME como órgãos estatais, públicos, autônomos
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e constituídos, dentro da esfera do Poder Executivo, para a implementação de processos democráticos de controle das políticas públicas educacionais. Desta forma, estamos reconhecendo, a partir de marcos teórico-conceituais e jurídicolegais, que estes conselhos são fundamentais às políticas de educação e fomentam a participação para o controle social, que, combinados por processos discursivos e práticas políticas, não se limitam às esferas públicas, mas anseiam por pertencer a toda a sociedade. Este texto está organizado em quatro momentos complementares. Primeiramente, discutimos algumas questões teórico-conceituais sobre controle social, focando o papel dos Conselhos Municipais de Educação nos sistemas de ensino dos municípios. Em seguida, com a breve apresentação dos itinerários metodológicos da pesquisa, enfatizamos o cenário, os sujeitos e os procedimentos de coleta e análise de dados. Depois, a partir do cenário de investigação, expomos os dados e os resultados possíveis do estudo, caracterizando a brevidade da pesquisa e suscitando novos processos de trabalho teóricoprático. Por fim, em breves considerações, concluímos o texto indicando as acepções necessárias para futuros processos de problematização.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Os Conselhos Municipais de Educação (CME), como espaços públicos, estão organizados no delineamento da expressão democrática e pluralista e fortalecem a articulação da sociedade com os governos, dentro do Estado, tornando a democracia representativa mais próxima do ideal de participação direta. Uma participação que rompa com a centralidade do poder e interfira em seus eixos ideológicos - autoritarismo, clientelismo, patrimonialismo – para impulsionar a concretude das iniciativas populares.
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O controle social, na perspectiva dos CME, pode ser simplesmente conceituado como o processo de intervenção da sociedade no Estado a partir do ciclo de políticas públicas. Inseridos no Poder Executivo, como órgãos autônomos - do ponto de vista legal -, os CME têm por competência inicial o controle interno, do qual decorrem todas as suas demais funções e ações, indicando que o controle social é de fundamental importância para a construção de espaços de participação fundados na democracia e com atuação política da sociedade. Esta participação implica, pois, em intervenção na ação do poder público local, gerando, inevitavelmente, conflitos de interesse, ampliando “o jogo social” e propondo a compreensão da democracia como exercício de cidadania, permitindo ao cidadão “a possibilidade de participação direta [...] nos poderes constituídos” (CARNEIRO, 2000 apud SALLES, 2010, p. 25). Os CME estão entre as possibilidades de participação, pois “foram criados pela Constituição de 1988 e sua existência [...] afeta diretamente o exercício da participação no município ao mesmo tempo (em) que cria espaços de legitimação e responsabilização direta do cidadão nos âmbitos governamental e fiscalizador”. (SALLES, 2010, p. 25). Para Salles (2010), Moreira (2002) e Alves (2005), o controle social configura-se como o acompanhamento da gestão pública, tendo caráter de mobilização e articulação das forças dos atores políticos e objetiva aproximar os cidadãos dos processos de superação das desigualdades locais, intervindo na administração. O controle social instala, assim, a accountability, que permitirá, na acepção de Schedler (1999) apud Salles (2010, p. 18), a prevenção do “abuso do poder”, pois implica em (i) “sujeitar o poder ao exercício das sanções”, (ii) “obrigar que esse poder seja exercido de forma transparente” e (iii) “forçar que os atos dos governantes sejam justificados”. Neste percurso, para a efetivação do controle social, no período pós-Constituição de 1988, “os conselhos passaram a ter um papel de controle das políticas públicas e de representatividade da população em diferentes áreas de interesse de todos os cidadãos” (VALLE, 2008, p. 66), e, por isso, tornaram-se espaços onde a sociedade e o governo negociam as políticas públicas para a população. Esta assertiva, com
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fundamento jurídico-legal, nos garante o entendimento de que o controle social é o “acompanhamento e (a) verificação das ações dos gestores públicos em todos os níveis (federal, estadual e municipal), por meio da participação da sociedade, que deverá também avaliar os objetivos, os processos e os resultados dessas ações (idem.). No âmbito dos Sistemas Municipais de Ensino (SME), os CME são órgãos normativos e sua principal função é a de participação nos processos de construção das políticas educativas. Esta participação implica no enfrentamento de culturas patrimonialistas que ainda imperam em setores da gestão pública municipal, especialmente da educação, inúmeras vezes negada enquanto direito fundamental. Os SME, conforme dispõe o artigo 18 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, compreendem as instituições de ensino criadas e mantidas pelo Poder Público Municipal, especificamente as de Educação Infantil e Ensino Fundamental; as instituições de educação infantil criadas e mantidas pela iniciativa privada e os órgãos municipais de educação. Estes últimos são definidos segundo as funções que desempenham nos Sistemas, isto é, as funções (i) executiva e (ii) normativa. As Secretarias Municipais de Educação são órgãos executivos e os CME, dentro do ordenamento jurídico-legal dos Sistemas, são órgãos normativos. Ambos fazem parte da mesma estrutura administrativa e funcional vinculadas à administração direta do Poder Executivo dos municípios que têm suas incumbências especificadas no artigo 11 da LDB. Enquanto órgãos municipais, os Conselhos são responsáveis, não exclusivamente, pelo processo de elaboração das políticas públicas de educação, exercendo, principalmente, funções consultivas e deliberativas em sua jurisdição. Entre as demais funções dos CME, a fiscalizadora – função originária destes órgãos e da qual se constituem novas funções - é a responsável pela implementação do controle social do Estado, permitindo-lhes, conforme a lei, realizar processos sistemáticos de avaliação, monitoramento e publicização estatais para a transparência da gestão local da educação.
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O controle social, vinculado à democracia participativa, indica que o imperativo legal de gestão democrática da educação – nos termos constitucionais (Art. 206, inciso VI) e da LDB (Art. 3º, inciso VIII) - torna-se possível pela efetivação da participação da sociedade na fiscalização do Estado/governo e suas políticas. O ato de participar, entretanto, pode se concretizar a partir de espaços legais construídos para esta finalidade, e os conselhos municipais, em quaisquer setores da gestão pública, tornaram-se os espaços mais propícios ao controle social por estarem vinculados aos processos de descentralização e municipalização da educação. Considerando a importância de delimitar a participação, vinculando-a com poder político, Teixeira (2001, p. 26) conclui que “a participação supõe uma relação de poder”, devendo ser compreendida como processo e isto “significa perceber a interação contínua entre os diversos atores que são “partes”, o Estado, outras instituições políticas e a própria sociedade” para que se construa a participação cidadã, amplia os mecanismos e as formas de intervenção nas instâncias de poder decisório. A participação cidadã utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais já disponíveis ou a serem criados, mas articula-os a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Não nega o sistema de representação, mas busca aperfeiçoá-lo, exigindo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões. (TEIXEIRA, 2001, p. 30).
Os conselhos municipais, ao fazerem parte da ideia de descentralização das políticas públicas e objetivarem, precipuamente, a fiscalização da aplicação de recursos, das políticas e dos atos de ordem administrativa do governo/Estado (POMPEU, 2008), rompem com a cultura autoritária e patrimonialista (MENDONÇA, 2004) e estabelecem “um novo padrão de relações entre Estado e sociedade” (PAZ, 2004, p. 23).
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Os conselhos não são só governo e nem só sociedade civil, são uma esfera pública. Temos que pensar dentro deste conceito de esfera pública, porque nos Conselhos temos a ideia de que estes sejam paritários. Não substitui, no entanto, os órgãos de governo e nem os espaços da sociedade civil (ibidem.). Nos conselhos, o processo de controle social “deve existir de forma coerente e sistemática, rechaçando a vulnerabilidade das comunidades às paixões ideológicas e aos grupos de pressão” (POMPEU, 2008, p. 32-33), pois são os objetivos da comunidade que devem prevalecer e não os interesses pessoais e privatistas de grupos. Por isso, constata-se a necessidade de abordar a questão do controle social nos conselhos, ou seja, se “os conselhos não tiverem o respaldo nem forem cobrados, fiscalizados por movimentos da sociedade civil, a tendência é o conselho acomodar-se e acabar virando uma instância só de referendo e aprovação” (PAZ, 2004, p. 24). Vale alertar, neste intercurso, para o fato de que os conselhos, pelo resultado de inúmeros estudos recentes, “são por vezes inoperantes, desqualificados e até corruptos”. (POMPEU, 2008, p. 31). O efetivo controle social da educação acontece dentro da gestão democrática dos sistemas de ensino e este é um dos princípios mais importantes, pois o controle está embutido na gestão, sendo sua principal responsabilidade. A descentralização administrativa, a municipalização e gestão democrática sinalizam para uma “evolução da cidadania” e “passamos a ter a valorização do controle social, com vistas a uma democracia participativa e representativa da população” (idem, p. 65-66). Quando nos referimos ao controle social da educação pelos CME, dentro dos SME, estamos, consubstancialmente, superando a delimitada ideia que vincula controle social à fiscalização de contas unicamente, pois o controle, neste contexto, extrapola esta perspectiva e estabelece transparência, publicizando as políticas públicas de educação, e tem vínculo direto com o processo de legitimidade na gestão. Assim, controle,
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fiscalização, acompanhamento e avaliação, embora, por aspectos gerais, sinônimos, são distintos e complementares e aproximam os CME das relações Estado e sociedade a partir dos governos.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa, dando continuidade a estudos anteriores, apresenta resultados de um breve aprofundamento teórico-conceitual sobre o tema do controle social das políticas públicas educacionais a partir da análise do papel dos Conselhos Municipais de Educação (CME) na gestão democrática dos Sistemas Municipais de Ensino (SME) na microrregião de Guarabira, estado da Paraíba. Do ponto de vista metodológico, com base teórica em Zanella (2010), podemos tipificar esta pesquisa como “aplicada”, dirigida a um objeto de estudo delimitado como “problema concreto” e cujos procedimentos metodológicos evidenciam a necessidade de descrever para analisar. Quanto aos objetivos e procedimentos, esta investigação é descritivo-analítica e incorpora processos de coleta de dados em campo, tendo a pesquisa documental e a bibliográfica como fontes principais de informação. De acordo com a natureza dos dados coletados, conforme Gonçalves (2003), esta é uma pesquisa que privilegia a abordagem qualitativa e insere elementos quantificáveis ao processo de análise, complementando os dados, fundamentando interpretações e, epistemologicamente, superando a dicotomia desnecessária entre as abordagens qualitativa e quantitativa. Sendo “aplicada”, esta investigação está fundada em perspectiva teórico-metodológica e conceitual que concebe as políticas públicas de educação no cerne da democracia participativa. Os processos de coleta de dados e sistematização das informações seguiram os procedimentos coerentes com a abordagem qualitativa da pesquisa. No processo de coleta os dados, norteados pelo objetivo da investigação, utilizamos a pesquisa documental, fundamental para a confirmação dos dados, e a bibliográfica, construindo um aporte teórico-conceitual sobre conselhos de educação, sistemas de ensino e controle 127
social. Para a sistematização das informações, utilizamos notas de leitura – vinculadas às análises documentais e bibliográficas -, mapas conceituais sobre termos legislativos, esquemas interpretativos de leitura – para os documentos normativos - e notas de observação, sintetizando os dados de modo organizado. Na pesquisa documental, consideramos o ordenamento jurídico dos municípios que compõem o cenário de pesquisa, objetivando identificar as divergências e convergências entre os dispositivos legais e a organização e as práticas cotidianas dos CME, reunindo um aporte jurídico-legal a partir de visitas aos arquivos das câmaras municipais e dos Conselhos para a coleta de leis, decretos, regimentos e resoluções, focando, ainda, os relatórios, atas, pareceres e correspondências institucionais. Com os dados devidamente coletados, passamos à fase da análise, utilizando os procedimentos necessários, com base no processo teórico-metodológico, para analisar os dados e as informações que são pertinentes ao objeto de estudo. Para este processo, fizemos uma prévia análise, catalogando as informações e mapeando os conteúdos. Em seguida, selecionamos os dados para análise dentro da delimitação dos objetivos do trabalho. Assim, para atender aos nossos objetivos, dentro do tempo adequado e de acordo com as abordagens metodológicas, utilizamos uma técnica qualitativa de análise: a análise de conteúdo, conforme (BARDIN, 1995).
4 ANÁLISE DE RESULTADOS
Dados do Sistema de Informações dos Conselhos Municipais de Educação (SICME), referentes ao ano de 2007, confirmam que dos 223 (duzentos e vinte e três) municípios da Paraíba, apenas 120 (cento e vinte), ou seja, 54% estão cadastrados no Sistema e destes, 109 (cento e nove) ou 91%
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possuem seus respectivos Conselhos Municipais de Educação (CME) instituídos na forma da lei. Com relação aos Sistemas Municipais de Ensino (SME), apenas 65% (78 de 120) dos municípios têm seus sistemas próprios. Assim, 31 (trinta e um) ou 25,9% dos 120 (cento e vinte) municípios têm CME que funcionam sem a instalação dos SME. Quanto à organização dos Sistemas, dados do IBGE (2009) confirmam que dos 223 (duzentos e vinte e três) municípios paraibanos, 109 (cento e nove) ou 49% têm sistema de ensino próprio e 111 (cento e onze) ou 50% têm sistemas vinculados ao Sistema Estadual de Ensino e apenas 01 (um) ou 1% dos municípios não têm sistema de ensino. Estes dados indicam significativo crescimento na regulamentação dos CME no período de 2007 a 2009 no estado da Paraíba. Os dados do IBGE trazem o mesmo indicativo de crescimento em relação aos Conselhos no Brasil. Na microrregião de Guarabira, 100% (14 de 14) dos municípios têm lei que institui o CME, e 36% (5 de 14) têm a legislação que cria o SME. No entanto, conforme as análises dos documentos oficiais, a criação, tanto dos CME como dos SME, não foi precedida de debates ou quaisquer processos dialógicos que envolvessem a participação da sociedade, sendo constituídos por imposição burocrática e gerencial dos órgãos vinculados ao Ministério da Educação. Pelos dados desta pesquisa, percebemos que, com exceção de Araçagi e Duas Estradas, os demais municípios da microrregião de Guarabira criaram os seus respectivos conselhos antes de regulamentarem os sistemas próprios de ensino e que o período de criação, de um em relação ao outro, varia de 01 (um) a 06 (seis) anos (Tabela 01). Dos 05 (cinco) municípios com sistemas de ensino, 03 (três) ainda funcionam com base nas normas do Sistema Estadual de Ensino, sem qualquer normatização própria, sendo coordenados pelas Secretarias Municipais de Educação.
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Na microrregião aludida, considerando apenas os CME que estão funcionando regular ou eventualmente, identificamos que os referidos conselhos estão situados na perspectiva das funções tradicionais: a consultiva e a deliberativa, pois, ambas estão presentes nos 11 (onze) conselhos constituídos. Entretanto, a função menos citada nas leis e regimentos internos é a função fiscalizadora, diretamente associada ao controle social, com apenas 05 (cinco) menções. A função normativa,
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percebida em 07 (sete) conselhos, vinculada à existência dos SME, é apenas uma formalidade legal, já que nenhum dos municípios com sistemas próprios de ensino têm conselhos que exercem tal função. Nos CME de Araçagi, Belém, Duas Estradas, Serra da Raiz e Sertãozinho as 04 (quatro) principais funções (consultiva, deliberativa, normativa e fiscalizadora) estão presentes nas respectivas legislações municipais vigentes, sendo associadas à gestão educacional e à formulação da política municipal de educação, fazendo menção ao papel dos CME dentro dos SME. Nos demais municípios, estas questões não estão articuladas legalmente, apresentando, inclusive, dispositivos que se
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De acordo com as leis de criação, os CME da microrregião de Guarabira estão estruturados formalmente a partir destas quatro funções e têm atuação focada nos processos de consulta e deliberação (100%). No mesmo contexto de análise, 64% dos conselhos exercem função normativa e apenas 45% estão inseridos na perspectiva de órgãos de fiscalização. Considerando a duração do mandato dos CME na microrregião de Guarabira, verificamos que os aludidos conselhos, segundo suas leis específicas, atuam em mandatos que variam de 02 (dois) a 04 (quatro) anos, e um dos CME não apresenta especificação sobre duração de mandato na lei pertinente.
A recondução de mandato é um elemento
fundamental. No entanto, algumas das leis dos CME não tratam da questão. Na análise, categorizamos a recondução do mandato de conselheiro como: (i) não citada, (ii) vedada ou (iii) permitida. Quando permitida, a recondução pode ser: a) parcial, quando apenas parte dos conselheiros pode ser reconduzida, por igual período, a um novo mandato, ou b) integral, expressando que todos os conselheiros têm o direito à recondução, seguindo os procedimentos e as condições estabelecidas.
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A Tabela 03 apresenta os dados dos 14 (catorze) municípios da microrregião em relação à duração de mandato e ao processo de recondução dos respectivos conselheiros, considerando apenas as leis municipais inerentes. Percebemos, assim, que 50% (7 de 14) dos municípios vedam a recondução; 21% (3 de 14) permitem a recondução parcial; 21% (3 de 14)
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permitem a recondução integral, e 7% (1 de 14) não menciona a recondução nas legislações pertinentes. Em alguns casos, as leis municipais de criação dos CME restringem a recondução integral ou parcial – aos conselheiros indicados pelo Poder Executivo. Por lei, a composição dos CME deve seguir o principio da paridade, isto é, número igual de conselheiros que representam a sociedade civil e o governo, considerando titulares e suplentes. Na microrregião de Guarabira, o número de conselheiros varia de 05 (cinco) a 30 (trinta), incluindo os suplentes, e a composição nem sempre respeita a paridade, como observamos no município de Caiçara (PB), com CME ainda não instalado, mas cuja lei apresenta 13 (treze) conselheiros, sendo 11 (onze) titulares e 02 (dois) suplentes e estes últimos apenas para os membros “indicados pelo chefe do Poder Executivo” (CAIÇARA, 2008, art. 2º, I). No tocante à remuneração dos conselheiros, percebemos que as leis municipais vedam qualquer pagamento aos conselheiros pelos seus serviços junto aos conselhos. Categorizando o item da remuneração em (i) permitida, (ii) vedada e (iii) não citada, a partir da análise do texto legal, verificamos que 86% (12 de 14) vedam a remuneração, contra 14,3% (2 de 14) que nem citam a questão. As leis municipais afirmam que a função de conselheiro é um serviço público relevante, que deve ser exercido voluntariamente, não especificando quaisquer benefícios ou vantagens.
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As principais funções dos CME são (i) a função consultiva, configurada na capacidade técnica e política de opinar, emitir parecer, posicionando-se sobre assuntos de sua competência, e (ii) a função deliberativa, que exprime a competência de decidir sobre as políticas educacionais para os municípios. Nestas duas funções incide a funcionalidade dos
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CME dentro da gestão democrática dos SME. Neste contexto, por exigências jurídico-legais dos sistemas próprios de ensino, os CME têm que incorporar a função normativa, para legislar de forma complementar, conforme dispõe o art. 11, inciso III, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Além destas funções, os CME apresentam outras que especificam suas competências nos SME, como as funções mobilizadora, fiscalizadora e/ou de controle social, propositiva, entre outras, conforme as particularidades dos seus sistemas e legislações municipais. Estas funções estabelecidas pelos municípios para os respectivos conselhos estão fundamentadas na concepção constitucional de “gestão democrática”, portanto, objetivam garantir a participação da sociedade civil – organizada ou não – nos processos de tomada de decisões sobre as políticas educacionais para os municípios, ampliando, assim, o controle social do Estado. A função deliberativa dos CME começa pelo reconhecimento de sua autonomia de organização e funcionamento, materializada, de início, na definição de seu regimento interno e plano de trabalho, cronograma de ações e atribuições em agenda própria e específica. Os CME podem, no exercício desta função, deliberar para criar, ampliar, desativar e localizar escolas municipais, tomando medidas que exijam implementação por parte do Poder Público. Esta é a função que direciona as ações dos CME e o exercício competente das demais funções, dependentes destas. A função consultiva diz respeito ao processo de opinar, expor e julgar matérias pertinentes à educação municipal, tornando-se um canal de publicização e transparência da política educacional e aproximando os CME das demandas da sociedade civil. É nesta função que está vinculado o Plano Municipal de Educação (PME), os processos de capacitação e formação de professores e a formulação de convênios, acordos e parcerias. Tanto as escolas, como as Secretarias Municipais de Educação, as câmaras municipais, as diversas instituições públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos e/ou econômicos, podem solicitar “parecer” aos CME, consultando-os a respeito de temas específicos de sua atuação. Além disso, por seu caráter legal e função social de representação da sociedade, quaisquer pessoas
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podem submeter questões restritamente educacionais para opinião dos CME. Em relação à função normativa, compete ao CME, nos termos da LDB e conforme atribuições do ordenamento jurídicolegal dos municípios, (i) autorizar o funcionamento de escolas da rede municipal, (ii) autorizar o funcionamento de instituições de educação infantil da rede privada, particular, comunitárias, confessional e filantrópica, (iii) elaborar normas que complementem e atendam às demandas do seu sistema de ensino. Esta função é prerrogativa dos CME que estão inseridos em municípios que têm sistemas de ensino próprios, não podendo ser atribuída ao CME quando estes não fazem parte do SME. Analisando o exercício desta função nos conselhos da microrregião de Guarabira, observamos que apenas os municípios de Duas Estradas e Sertãozinho, ambos com funcionamento regular, têm atos legais que comprovam a efetividade desta função. Nestes municípios, os conselhos já publicaram resoluções e emitiram pareceres autorizando o funcionamento de escolas, regulamentando diretrizes curriculares, instituindo disciplinas na parte diversificada do currículo e aprovando leis do Poder Executivo, como os planos de carreira do magistério municipal. Na função fiscalizadora, os CME implementam o controle social através de acompanhamento, monitoração/monitoramento e avaliação das políticas educacionais no âmbito dos municípios, exigindo transparência, aplicação e prestação de contas por parte dos órgãos competentes, e atuando em parceria. Esta função exige que os CME fiscalizem o cumprimento dos objetivos e metas dos Planos Municipais de Educação e avaliem o desenvolvimento dos Sistemas, promovendo discussões e debates focados na democratização da gestão educacional, fomentando a participação política. Na microrregião de Guarabira, quanto à situação funcional, os CME podem ser categorizados da seguinte maneira: (i) regulamentado; (ii) instalado; (iii) funcionando e (iv) sem funcionamento. Para efeito desta análise, consideramos que o CME está funcionando quando há uma regularidade mínima de
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reuniões comprovadas em atas, entendidas como um dos indicadores de funcionamento dos colegiados, pois as atas registram as discussões e as ações encaminhadas pelos conselhos, possibilitando conferir as deliberações e inferir sobre suas principais limitações. Com este pressuposto, após a verificação das atas, associando-as às visitas de campo, podemos indicar as condições de funcionamento. Assim, os CME, neste contexto, quanto às condições de funcionamento, podem ser categorizados da seguinte maneira: (i) funcionando regularmente, com periodicidade definida e cumprida; (ii) funcionando eventualmente, com periodicidade indefinida ou, quando definida, sem cumprimento e (iii) sem funcionamento. No tocante ao funcionamento dos CME, o SICME (2007) indica que 85% (102 dos 120) dos municípios da Paraíba cadastrados no Sistema têm o Conselho funcionando regularmente, contra 15% (18 dos 120) que ainda não estão funcionando. Com relação aos 18 municípios, onde os CME não estão funcionando, o SICME registra as “razões do não funcionamento” e 6% (1 dos 18) alegam a falta de pessoal como razão principal e o mesmo percentual atribui o não funcionamento à falta de espaço físico. Já 11% (2 dos 18) afirmam que não há interesse no funcionamento e, com igual percentual, a falta de capacitação é mencionada como razão para o não funcionamento dos CME na Paraíba. Além disso, 83% (15 dos 18) apresentam outras razões não especificadas pelo SICME. A Tabela 05, apresentada abaixo, traz dados categorizados e de forma sinteticamente adequada, sobre os quais podemos inferir sobre as condições reais de funcionamento dos CME na microrregião de Guarabira.
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Na microrregião citada, todos os 14 (catorze) ou 100% CME estão regulamentados, ou seja, criados na forma da lei, e 11 (onze) ou 79% já foram instalados. Em relação às condições de funcionamento, apenas 02 (dois) ou 14% conselhos estão funcionamento regularmente, 09 (nove) ou 64% têm funcionamento eventual e 03 (três) ou 21% ainda não foram
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instalados. Os dados indicam, ainda, que os 02 (dois) conselhos que funcionam regularmente têm as mesmas características funcionais dos demais, exceto em alguns aspectos relacionados à estrutura administrativa, pois ambos têm sede própria, regimento interno e atividades de normatização fixadas em resoluções e pareceres. Os demais conselhos, categorizados com funcionamento eventual, não têm sede própria, alguns têm regimento interno, e têm as mesmas dificuldades apresentadas por todos os conselhos no que diz respeito à estrutura administrativo-financeira do colegiado. Nenhum dos conselhos instalados elabora plano de trabalho ou cronograma de ação. Os que têm funcionamento regular concentram suas ações apenas nas discussões no âmbito dos colegiados, atendendo, sob consulta, algumas pequenas demandas de cunho pedagógico, presentes no cotidiano das escolas, geralmente fora de suas funções e competências específicas. Sobre a estrutura administrativa dos CME, verificamos que dos 11 (onze) conselhos em funcionamento, apenas 03 (três) ou 27% têm sede própria. Para compreender esta questão, categorizamos os tipos de sede dos conselhos, conforme a Tabela 06. A sede própria pode ser, assim, (i) coletiva, (ii) exclusiva ou (iii) temporária. A sede coletiva é aquela destinada não apenas ao CME, mas também aos demais conselhos do município, geralmente denominada de Casa dos Conselhos. Na microrregião, temos apenas 02 (dois) municípios (Guarabira e Belém) com este tipo de sede. Entretanto, esta sede coletiva não é garantia de espaço adequado para os CME. Somente o município de Duas Estradas tem sede exclusiva, isto é, especificamente para o funcionamento do CME. Em todos os demais municípios, os CME não têm sede, nem mesmo temporárias.
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A ausência de uma sede própria evidencia que os CME não recebem o devido reconhecimento por parte dos governos municípios. Os conselhos que não têm sede própria são itinerantes e se reúnem ora em salas de aulas de alguma escola, ora na secretaria de educação – mais comum -, ora em alguma associação ou sindicato ou, ainda, na casa de algum conselheiro, geralmente na do presidente.
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A responsabilidade pelas despesas dos CME - que legalmente é do Poder Executivo, através das Secretarias de Educação – é outro elemento fundamental nesta discussão. Os governos municipais - conforme ordenamento jurídico-legal devem garantir a autonomia dos conselhos com dotação orçamentária própria ou, minimamente, recursos vinculados ao orçamento das secretarias de educação. No entanto, na microrregião de Guarabira, os CME não integram ao menos o orçamento das Secretarias, como evidencia a Tabela 06. A análise dos Planos Plurianuais (PPA), das Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e das Leis Orçamentárias Anuais (LOA) dos últimos 12 (doze) anos confirma que nenhum dos 14 (quatorze) municípios da microrregião fez especificação de qualquer valor destinado aos Conselhos. Nos municípios onde os CME estão funcionando regularmente (2 dos 14), as Secretarias de Educação repassam algum material de expediente, quando solicitado pelos respectivos presidentes dos colegiados, mas, quanto à estrutura administrativa necessária ao funcionamento regular e cumprimento de suas funções, os CME não contam com os recursos materiais mínimos, ampliando as dificuldades de atuação. Para compreender o funcionamento dos CME em relação ao controle social é fundamental “mapear” suas principais discussões, percebendo os temas/assuntos mais importantes e recorrentes. Na microrregião de Guarabira, os conselhos concentram suas ações na realização de reuniões eventuais. Verificando a periodicidade das reuniões dos CME, de acordo com as legislações municipais e regimentos internos, comparamos o ano de criação dos conselhos com a primeira e a última reunião, até outubro de 2010, especificando, ainda, a quantidade de reuniões ordinárias e extraordinárias e verificamos algumas lacunas na constatação de que as reuniões dos CME nem sempre acontecem imediatamente após a criação dos órgãos. A instalação do conselho, na primeira reunião, com eleição, nomeação dos conselheiros pode demorar meses ou anos em relação ao ato de legal de criação, como nos casos dos municípios de Cuitegi, Guarabira, Pilõezinhos e Pirpirituba. Dos 11 (onze) CME instalados, 06 (seis) ou 55% foram criados em 2005, período em que o MEC intensificou as
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exigências pela regulamentação dos colegiados dentro dos respectivos sistemas de ensino, vinculando o repasse de recursos e a contemplação de programas ministeriais aos municípios que cumprissem as determinações. Entretanto, a regulamentação não garante o funcionamento, pois, em 2010, apenas 03 (três) conselhos – os de Duas Estradas, Pilõezinhos e Sertãozinho - se reuniram ordinariamente. As últimas reuniões dos demais conselhos aconteceram há meses ou anos.
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Com relação ao número de reuniões, as atas dos CME confirmam a irregularidade dos encontros, indicando grandes períodos em que os conselhos não se reúnem, seja ordinária ou extraordinariamente, comprovando o descumprimento das normas legais de funcionamento. Conforme o enunciado das leis municipais, os CME deveriam se reunir, ordinariamente, uma vez por mês e extraordinariamente sempre que for convocado. No entanto, dos 11 (onze) CME instalados, apenas 2 (dois) têm se reunido ordinariamente, uma, duas ou até mesmo três vezes ao mês. Há conselhos, ainda, que se reúnem uma vez ao ano ou por semestre. As reuniões eventuais podem confirmar a concepção equivocada de que os conselhos são órgãos para legitimar as decisões das Secretarias de Educação. O CME de Logradouro, por exemplo, em 11 (onze) anos de existência, realizou 12 (doze) reuniões, das quais apenas 03 (três) ordinárias, embora a legislação exija que estas sejam mensais. A explicação dada pelos conselheiros dos diversos CME indica que as reuniões acontecem, na maioria das vezes, quando solicitadas pelas secretarias de educação para discussões específicas, no início e/ou final de ano ou, ainda, durante visitas de equipes vinculadas aos órgãos do MEC. A partir das atas das reuniões dos CME, verificamos que as principais discussões implementadas por estes órgãos estão concentradas em questões de ordem administrativa e pedagógica e que na maioria das vezes não contemplam deliberações ou encaminhamentos. Considerando o texto das atas, podemos traçar uma síntese com as principais discussões presentes nos debates dos CME, apresentando os temas recorrentes e os específicos.
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As discussões acontecem em torno de uma temática central, quase sempre um tema recorrente, isto é, que já tenha sido discutido anteriormente, sem encaminhamentos. Este, por sua vez, incorpora temas específicos. No entanto, nas atas não há evidências que especifiquem e/ou comprovem a função deliberativa, pois não há registro de encaminhamentos, apenas de discussões. Algumas atas, ainda, registram elogios a políticos – nomeadamente - e discussões impertinentes, como, por exemplo, conflitos entre professores de escolas, problemas pessoais, questões partidárias, questões ou problemas entre cônjuges conselheiros (como nascimento de filhos e separação). Outra questão fundamental é o processo de convocação das reuniões dos CME. As reuniões são geralmente solicitadas pelas secretarias de educação para discutir questões
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administrativas, como aprovação de projetos e relatórios financeiros a serem encaminhados para órgãos do governo federal. Em muitas situações, são os secretários de educação que convocam as reuniões e, às vezes, a pedido do presidente. Os dados aqui apresentados confirmam a relevância dos CME no processo de controle social do Estado dentro dos SME, atestando, por outro lado, que estes órgãos não têm estrutura funcional e organizacional minimamente suficiente para cumprir suas funções jurídico-legais.
5 CONCLUSÕES
Concebidos e constituídos para democratizar o ciclo de políticas públicas no campo da educação, os CME, quando criados num processo democraticamente participativo e incorporados à estrutura executiva dos municípios, com funções específicas e condições de funcionamento, superam a antiga ideia de “órgão de assessoramento”. No entanto, precisamos compreender que esta ainda é uma visão ideal, fundada na teoria específica sobre os CME e que, por isso, como pesquisadores, devemos empreender estudos delimitados sobre a existência, importância e funcionamento destes órgãos dentro dos sistemas de ensino. Considerando os objetivos deste trabalho, podemos apresentar algumas inferências, entendidas como “primeiras conclusões”, a partir dos dados apresentadas acima, reconhecendo a dada complexidade do objeto de pesquisa. Inicialmente, reconhecemos, por aspectos jurídico-legais, que os CME têm papel fundamental no controle social das políticas públicas de educação, porém, conforme o cenário investigado, estes colegiados não cumprem suas funções de forma adequada e apresentam problemas estruturais e organizacionais que podem ser enunciados como primeiras causas para a sua falta de atuação política dentro dos SME. Indicamos, assim, a necessidade de que os municípios, a partir de processos de formação continuada dos conselheiros e das equipes das secretarias de educação, façam uma urgente revisão jurídico-
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legal nas leis municipais de educação, mobilizando a participação popular. Esta mobilização se faz urgente e fundamental para que os CME conquistem a autonomia administrativa e financeira. Em seguida, associada às lutas pelas condições mínimas de funcionamento, os CME devem promover uma campanha educativa na sociedade local, enfatizando a importância do colegiado e estimulando a participação local das comunidades nas ações planejadas dos Conselhos. Outro elemento fundamental é a articulação destes órgãos na microrregião, criando um fórum de discussão, divulgando suas ações, promovendo as capacitações necessárias e melhorando o relacionamento com as Secretarias de Educação. Por fim, associando os pressupostos teórico-conceituais, históricos e jurídico-legais com os dados da pesquisa, concluímos, respondendo às interrogações propostas na delimitação do problema/objeto de investigação, que os Conselhos Municipais de Educação da microrregião de Guarabira (PB) não são espaços democraticamente construídos, com participação política e para o controle social, sendo órgãos disfuncionais, submetidos às estratégias governamentais conduzidas pelas Secretarias Municipais de Educação. Por ser um tema atual, com abordagens inéditas no âmbito jurídico-legal, acreditamos que este trabalho de pesquisa contribuirá, significativamente, para fomentar aprofundamentos necessários dentro da temática, provocando novas interpelações a serem respondidas na realização de outros estudos mais específicos, subsidiando o conhecimento científico já existente na área. Acreditamos que os conselhos de educação, apesar de suas limitações estruturais, historicamente reconhecidas, podem cumprir sua função “natural” e política quando inseridos em um sistema que incorpora a diversidade e a pluralidade da comunidade, viabilizando a participação permanente de acordo com os interesses da população local, superando os ditames da burocracia e os formalismos, e consolidando o controle social do Estado no envolvimento com a sociedade.
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REFERÊNCIAS
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PSICOLOGIA
SIGNIFICAÇÕES DAS TEORIAS DA APRENDIZAGEM: A PERCEPÇÃO DOS PROFESSORES NO CONTEXTO ESCOLAR Magna Eugênia Fernandes Rejane Ramos Peregrino Rosemary Rodrigues Morais Costa
RESUMO A Psicologia da aprendizagem é uma área da Psicologia voltada à compreensão do fenômeno da aprendizagem onde estudos e pesquisas científicas realizadas por psicólogos acerca desde fenômeno resultaram no aparecimento de diversos conceitos e teorias, na tentativa de elucidar fatos relevantes ao processo de aprender. Os primeiros estudos remontam aos primórdios do Behaviorismo representado por Pavlov e Watson que destacaram o Condicionamento Clássico e Skinner ao trabalhar com o Condicionamento Operante. Avançando um pouco mais nos estudos da aprendizagem, chegamos as Teorias Cognitivas de Bruner, Piaget e Vygostsky. Faz-se necessário entender que essas teorias compõem um conjunto que definem a aprendizagem como um processo de relação do sujeito com o mundo externo e com o mundo interno (organização cognitiva). O presente artigo busca compreender os significados das teorias da aprendizagem na práxis docente, percorrendo-se um caminho viável para o esclarecimento e a discussão de pontos fundamentais que permeiam as diversas teorias da
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aprendizagem e suas implicações pedagógicas. PALAVRAS-CHAVE: Teorias da aprendizagem. Formação docente. Práxis pedagógica.
1 INTRODUÇÃO
A aprendizagem tem sido objeto de estudo desde a antiguidade, onde filósofos e pensadores já se debruçavam em estudá-la. Na vida humana ela se inicia antes do nascimento e se prolonga até a morte, sendo sua natureza, características e fatores de extrema importância para psicólogos e demais profissionais da educação. O campo da aprendizagem passou por um longo caminho evolutivo para alcançar a gama de concepções que observamos na contemporaneidade, perpassando teorias como o behaviorismo e o cognitivismo, entre outros, bem como seus teóricos: Pavlov, Watson, Skinner, Bandura, Piaget, Vygotsky, entre outros. Os professores na sua formação acadêmica são apresentados a essas teorias podendo ou não se apropriar destes conhecimentos na prática de forma consciente ou inconscientemente. Esta pesquisa busca propor um campo de atuação voltado aos estudos das diversas teorias da aprendizagem e a sua importância no contexto escolar, possibilitando ao aluno de Psicologia um aprofundamento de seus conhecimentos acerca da aprendizagem, visando estimular e contribuir para a construção de uma postura profissional adequada e ética. Além disso, objetiva-se, analisar quais são as teorias
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mais utilizadas na prática e os autores mais conhecidos no campo da educação, bem como outros aspectos importantes como o planejamento e os cursos de capacitação, visando assim uma análise complexa da práxis do professor, suas utilizações e dificuldades encontradas no processo educativo.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A aprendizagem pode ser observada do ponto de vista cognitivo, da modificação de valores e atitudes e das habilidades. Desta forma o professor deve lidar não só com o que o aluno aprende cognitivamente, como também seus valores (culturais) e suas habilidades, abarcando os privilégios do desenvolvimento mental do indivíduo, da sua subjetividade, das relações sociais, e sua cidadania. A aprendizagem pode ocorrer de duas formas: mecânica, onde ocorre uma memorização do conteúdo sem significação e a significativa, onde os conteúdos são ancorados a alguma informação preexistente na cognição, obtidas no cotidiano do indivíduo, passando a ter significado e adaptando-se da nova forma de maneira mais segura. Além de ser significativa, deve-se compreender a aprendizagem como um processo pessoal, real, gradativo, global, contínuo e através de um bom relacionamento entre as estruturas participantes: aluno, professor e colegas de turma (ABREU; MASSETO, 1996 apud SANTOS, 2001). De acordo com Vygotsky (1977 apud LARA; TANAMACHI; LOPES JÚNIOR, 2006) as teorias que relacionam aprendizagem e desenvolvimento estão concentradas em três categorias: a primeira indica a dependência entre desenvolvimento e aprendizagem, tendo como principal defensor Jean Piaget, em seguida temos a categoria que considera que a aprendizagem é o próprio desenvolvimento, tendo como principal teórico William James, por fim, tem-se a teoria dualista onde o desenvolvimento independe da aprendizagem, embora em determinadas formas de comportamento os dois processos são coincidentes, onde Koffka configura-se como um de seus representantes. Vigotsky, porém, apresenta um conteúdo além das categorias já propostas, considerando a relação entre
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determinado nível de desenvolvimento e o potencial para a aprendizagem. As diversas teorias da aprendizagem são resultantes de vários estudos da Psicologia em entender e organizar esse objeto de estudo. As primeiras teorias surgiram de forma simples, utilizando observações, hipóteses, palpites, leis e princípios, todos com o objetivo de entender o comportamento humano. Ademais, as teorias da aprendizagem vem oferecer ao educador orientação para a sua prática, visto que, é tarefa deste traduzir a teoria em uma prática funcional, e neste processo o ponto fundamental é a consistência, onde este educador deve evitar intervenções incongruentes com os princípios teóricos adotados (CÓRIA-SABINI, 2003). Os primeiros estudos remontam aos primórdios do Behaviorismo: Pavlov, Watson e Guthier, onde podemos destacar o Condicionamento Clássico de Pavlov, os estudos acerca de S-R de Watson e a Lei da Aprendizagem de Edwin Guthrie (LEFRANÇOIS, 2008). Aprimorando o tema acerca da aprendizagem, se faz importante lembrar os estudos do comportamento de Thorndike e Hull, destacando os aspectos da Lei do Exercício, Lei do Efeito e Lei da Prontidão, como também, o sistema hipotético-dedutivo de Hull. Importante destacar o Condicionamento Operante proposto por Skinner e suas perspectivas sobre a aprendizagem através do condicionamento e operante. Destacando os conceitos sobre reforçamento positivo e negativo, punição e extinção, onde esses estudos elevaram de forma significativa os fenômenos da aprendizagem (BOCK, et al., 2002). Avançando um pouco mais nos estudos da aprendizagem, chegamos as Teorias Cognitivistas: Bruner, Piaget e Vigostsky. Faz-se necessário entender que essas teorias compõem um conjunto que definem a aprendizagem como um processo de relação do sujeito com o mundo externo e com o mundo interno através de uma organização cognitiva (LEFRANÇOIS, 2008). Em relação à teoria piagetiana, o eixo central pressupõe a forma como o ser humano alcança o conhecimento a partir do pensamento lógico, acreditando-se que deve haver etapas
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intermediárias para possibilitar a existência de um novo processo evolutivo ligando os pontos do desenvolvimento cognitivo, a partir da maturação orgânica deste indivíduo, sendo, pois, a aprendizagem uma construção contínua por meio de equilibrações que possibilita ao indivíduo adaptações cada vez maiores para os conflitos ou desafios do meio. Piaget propõe um método ativo de conhecimento, respeitando a fase na qual o indivíduo se encontra que deve ser congruente com o conteúdo apresentado para que o indivíduo aprenda, considerando ainda o fator motivação. Essas estruturas cognitivas estão relacionadas com os modos de organização dos significados, de acordo com os diferentes estágios de desenvolvimento, onde cada fase irá corresponder a um tipo de estrutura cognitiva, possibilitando assim diferentes formas de interação com o meio (CÓRIASABINI, 2003). De acordo com a teoria de David Ausubel, a aprendizagem é um elemento que provém da comunicação com o mundo e se acumula sob a forma de uma riqueza de conteúdos cognitivos. Na concepção dos cognitivistas, aprendemos a relação entre idéias (conceitos) e aprendemos abstraindo de nossa experiência. Para Bruner, a aprendizagem seria como “captar as relações entre os fatos”, onde adquirimos novas informações, transformando-as ou transferindo-as para as novas ações. Interessante ressaltar a partir dos estudos de Bruner, a existência de alguns aspectos imprescindíveis para que a aprendizagem, tais como: a estrutura da matéria e a motivação. (LEFRANÇOIS, 2008; SHAFFER, 2009). Aprofundando, um pouco mais o tema, chegamos as contribuições de Lev Vygotsky, que por sua vez, acredita que a aprendizagem é algo que a humanidade conquistou e desenvolveu ao longo do tempo, sendo portanto, fator social e não organísmico. Para o autor, quando a criança nasce ele já se encontra em um ambiente repleto de objetos criados pelo homem, a partir daí, relacionando-se com o ambiente e mediadores apropriando-se do conhecimento gradativamente, dependendo das influências recebidas. A apropriação implica mudar o comportamento e as capacidades em função das exigências do meio, implicando a absorção e transformação pelo indivíduo. Dessa forma, aprendizagem é um fator social que caminha ao
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lado da cultura e é desenvolvida por meio das interações grupais por meio dos signos (linguagem, escrita, números) e dos instrumentos utilizados para a transformação do meio (CÓRIASABINI, 2003). Compreender essas teorias e a importância de cada uma delas é de extrema relevância para que possamos nos aprofundar no fenômeno da aprendizagem, fazendo uma análise dos seus significados na prática docente. Sendo assim, os professores acreditam que para a aprendizagem ocorrer é indispensável à maturação intelectual e a diferenciação de ritmos de cada indivíduo, bem como o meio social onde o professor situa-se nesta demanda como um facilitador do processo de aprendizagem. Neste caso, considera-se que a opinião dos educadores acerca da aprendizagem na atualidade é permeada por um misto das teorias já propostas que consideram simultaneamente a fase do desenvolvimento, a subjetividade e o ambiente. De acordo com Moreira (1986 apud SANTOS, 2001) o processo de ensino-aprendizagem é composto por quatro elementos básicos: professor, aluno, conteúdo e variáveis ambientais, e o relacionamento entre estes influencia positivo ou negativamente o desenvolvimento da aprendizagem. Deste modo, o estudo das teorias para aplicabilidade em sala de aula, ou seja, a forma como o professor elabora seu método de ensino se torna fundamental para a aprendizagem do seu alunado. Para esta definição ser realizada, o professor deve buscar subsídios na sua formação, não só na acadêmica, como em especializações, leituras e atualizações e cursos de capacitação que visem um aprimoramento de suas habilidades intelectuais para um ensino mais qualificado. Santos (2001) aponta a escola como principal responsável por possibilitar estas capacitações ao seu corpo docente, uma vez que a LDB 9394/96 em seu artigo 63 assegura que as instituições devem promover formação continuada para os profissionais da educação de diversos níveis, e em seu artigo 67, complementa que os sistemas de ensino devem promover a valorização dos profissionais da educação, possibilitando ainda um período reservado ao estudo, planejamento e avaliação incluídos na carga horária final.
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Góes (2008) por sua vez, considera que a capacitação profissional deve partir como uma iniciativa profissional de alguém que é preocupado com a sua profissão e tem compromisso com a educação. Ela considera o professor como responsável pela formação para a cidadania, devendo pois, está acompanhando as mudanças que ocorrem na sociedade por meio do estudo, da leitura e do investimento no seu conhecimento, não devendo esperar por algo que venha de seus gestores. Esta iniciativa recairá sobre a prática, favorecendo-a e favorecendo seu local de trabalho consequentemente.
3 METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa experimental que visa o controle e a manipulação das variáveis, possuindo assim, todas as condições necessárias para determinar a confiabilidade das suas evidências (CAMPOS, 2001). Neste estudo foram investigados 20 professores do Ensino Fundamental I, na faixa etária de 20 a 53 anos, de ambos os sexos, sendo 10 da rede pública e 10 da rede privada do município de João Pessoa – PB. Estes profissionais foram selecionados por meio de uma técnica de amostragem não probabilística por conveniência. Após a referida aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, mediante inserção na Plataforma Brasil, os cuidadores foram comunicados sobre o início do processo de aplicação dos instrumentos, possibilitando uma organização do calendário do pesquisador, respeitando todos os aspectos éticos da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde que rege a pesquisa com seres humanos. Os instrumentos: um questionário sócio demográfico para caracterização da amostra com questões referentes à idade, sexo, escolaridade, tempo de atuação e escola onde trabalham e uma entrevista semiestruturada contendo sete questões discursivas a respeito da compreensão dos professores sobre o que vem a ser aprendizagem e como eles se consideram no processo de ensino-aprendizagem, e quais teorias/teóricos mais lhes auxiliam neste processo, como é feito o planejamento e a
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importância dos cursos de capacitação.
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A análise dos dados ocorreu em dois momentos distintos, inicialmente a parte quantitativa, que diz respeito aos dados sócio demográficos dos participantes, por meio de uma estatística descritiva obtida pelo pacote estatístico SPSS versão 15.0. A parte qualitativa foi realizada através da Análise de Conteúdo de Bardin (2002), em que se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral, visual, gestual), reduzida a um texto ou documento, possibilitando uma apuração mais concreta da concepção dos cuidadores da área de saúde sobre o envelhecimento humano. 4.1 Análises de dos dados sócio demográficos da pesquisa:
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4.2 Análises de Conteúdo da Pesquisa:
Apresenta-se nesse momento a análise dos dados qualitativos, que tiveram como base uma entrevista contendo 07 questões referentes a informações acerca da compreensão dos professores sobre o que vem a ser aprendizagem. Os dados obtidos foram analisados qualitativamente através do método de Análise de Conteúdo Temática (BARDIN, 2002). Em seguida
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encontram-se os comentĂĄrios detalhados de cada pergunta corroborando e comprovando os resultados obtidos com suas respectivas teorias. Como resultados, emergiram vĂĄrias categorias que se configuram como indicadores consistentes ao que se propĂ´s a pesquisa, permitindo assim, o acesso amplo ao sistema de conhecimento proposto. A saber:
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Percebe-se que a maioria das respostas, em ambas as escolas, se concentram no acúmulo de conhecimentos, que está mais relacionada a visão behaviorista, que está fundamentada na aprendizagem como consequência dos estímulos ambientais, e parte da premissa fundamental de que toda a ação que produza satisfação tenderá a ser repetida e aprendida (SANTOS, 2001). Porém, ainda emergiram as categorias processo diário de interação, na escola privada, que está ligada a teoria interacionista de Vigostski e, na escola pública, as características individuais que se aproxima da teoria cognitivista de Piaget.
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Diante dos resultados observados, a categoria que apareceu com maior frequência reflete o papel do professor como mediador, em ambas as escolas, coincidindo com a teoria interacionista de Lev Vigostsky que propõe o professor como um mediador de conhecimentos para auxiliar o aluno a alcançar novas ZDPs (VIGOTSKI, 1989).
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Os resultados apontam a relação professor/aluno e o direcionamento pedagógico como fundamental para o professor entender o aluno no processo de aprendizagem, em conformidade com Tunes, Tacca e Bartholo Jr. (2005,) que ao analisarem o papel do professor na perspectiva cognitivista afirmam que o professor é quem planeja e cria as condições de possibilidade de emergência das potencialidades do aluno, pois são os mediadores entre o conhecimento e o aluno.
Percebe-se que nos resultados encontrados em ambas as escolas que o teórico Piaget se destacou com sua teoria cognitivista e que a segunda categoria emergente foi a do teórico Lev Vigotsky que defende a ideia contínua de interação entre as mutáveis condições sociais e a base biológica do comportamento humano, onde as referidas frequências também foram observadas nos estudos de Davis e Oliveira (1994).
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A quinta questão que solicita a teoria mais utilizada apontou resultados divergentes, enquanto a escola pública trouxe Piaget como preferência,
acreditando que o
desenvolvimento é resultado de equilibrações sucessivas. A escola particular apontou a teoria sóciointeracionista de Vigostsky que acredita nas formas pelas quais as condições e as interações humanas afetam o pensamento e o raciocínio (DAVIS; OLIVEIRA, 1994).
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Com relação ao planejamento é possível observar que a categoria preponderante diz respeito à adequação conteúdoaluno em ambas as escolas, considerando nas subcategorias o destaque de duas teorias: a cognitivista e a sócio interacionista, onde os professores apontaram que consideram relevantes a maturidade cognitiva (escola privada) e a adequação da
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linguagem (escola pública). A teoria sócio interacionista de Vigotsky, considera a linguagem como o fator central para o processo de desenvolvimento cognitivo. Por meio da fala, o indivíduo supera as limitações imediatas de seu ambiente, prepara sua atividade futura, planeja e controla seu próprio comportamento e o comportamento dos outros (SABINI, 2003).
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Quanto a importância dos cursos de capacitação para a prática do professor, houve uma convergência entre as escolas que representaram como aprimoramento e atualização de conhecimentos, onde corroboram com a visão de Góes (2008) que enxerga a formação continuada como uma oportunidade de aprimoramento da prática, propiciando mudanças na estrutura escolar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho realizado busca uma compreensão mais aprofundada sobre a concepção dos professores a respeito de suas percepções sobre as teorias da aprendizagem no contexto escolar. Percebeu-se que o conhecimento ainda está relacionado a uma visão behaviorista onde a aprendizagem é consequência dos estímulos ambientais, mas que existem certas diferenças entre as escolas privadas e públicas, pois as primeiras se focam mais na teoria interacionista de Vygotsky, enquanto que as segundas, na teoria cognitivista de Piaget. Ainda foi verificado que os professores percebem seu papel como de mediador nos dois contextos escolares, e que estão nas salas de aulas para compreenderem o aluno e o direcionamento pedagógico. Ainda foi possível verificar que os professores buscam constantemente adequar os alunos aos conteúdos programados em ambas as escolas e que consideram essa adequação necessária e coerente para proporcionar uma ampliação cognitiva satisfatória. Pode-se inferir que houve convergência entre os docentes de redes públicas e privadas quanto a importância de cursos de capacitação, pois os professores compreendem os cursos como aquisição e atualização de conhecimentos, em busca de um aprimoramento pessoal e profissional. Contudo, deve-se perceber que os professores demonstraram conhecimentos sobre seu papel de mediador e algumas teorias como a cognitivista e a sócio interacionista servem como pontos norteadores dos seus trabalhos, no entanto, é plausível refletir sobre a desenvoltura desse profissional em sua
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prática escolar para que os mesmos tomem conhecimento das várias mudanças que ocorrem atualmente nas escolas e busquem constantemente o aprimoramento e atualização para se tornarem cada vez mais eficazes e competentes em seus ofícios. Diante dos resultados encontrados, em consonância com a teoria estudada, percebe-se que existe uma discrepância entre o que os professores idealizam aplicarem em seu trabalho pedagógico e o que de fato é aplicado, visto que, o ambiente favorece outra aplicação. Sendo assim, a presente pesquisa serviu como ponto de aporte a novas pesquisas na área que possam explicar a nova problemática encontrada, favorecendo cada vez mais o crescimento da categoria com a problematização, pesquisa e publicação dos resultados, fornecendo o conhecimento necessário ao desenvolvimento educacional e estrutural da profissão.
REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002. BOCK, A. N. B. et al. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002. CAMPOS, L. F. L. Métodos e técnicas de pesquisa em psicologia. Campinas, São Paulo: Alínea, 2001. CÓRIA-SABINI, M.A. A aplicação de teorias psicológicas ao planejamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem. Revista Psicopedagogia. Rio de Janeiro, v. 20, n. 62, p. 16272, 2003. DAVIS, C.; OLIVEIRA, Z. M. R. Psicologia na Educação. São Paulo: Ed. Cortez, 1994.
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GÓES, H.B.O. Formação continuada: um desafio para o professor do ensino básico (2008). Disponível em;http://www.gd.g12.br/eegd/2008/formacao_continuada.pdf. acesso em: 17 out. 2012. LARA, A.F.L.; TANAMACHI, E.R.; LOPES JUNIOR, J. Concepções de desenvolvimento e de aprendizagem no trabalho do professor. Psicologia em estudo. Maringá, v. 11, n. 3, p. 473-482, 2006. LEFRANÇOIS, G. R. Teorias de aprendizagem. São Paulo: Cengage Learning, 2008. SANTOS, S.C. O processo de ensino-aprendizagem e a relação professor-aluno: aplicação dos “sete princípios para a boa prática na educação de ensino superior”. Cadernos de pesquisa em Administração. São Paulo, v. 8, n. 1, p. 69-82, 2001. SHAFFER, D. R. Psicologia do Desenvolvimento: Infância e adolescência. São Paulo: Cengage Learning, 2009. TUNES, E.; TACCA, M.C.V.R.; BARTHOLO JUNIOR, R.S. O professor e o ato de ensinar. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, v. 35, n. 126, p. 689-698, 2005. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4 ed. São Paulo: Martins fontes, 1989.
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