Nathan, o sábio (1779) Gotthold Ephraim Lessing (1729-1781)
Nathan: Muitos e muitos anos atrás, vivia no Oriente um homem que possuía um anel de valor incalculável, fruto de mãos habilidosas. A gema era uma opala iridescente de cem cores, a qual possuía a virtude secreta de fazer amáveis diante de Deus e dos homens quem a portasse com a mesma confiança. Nenhum milagre, portanto, se esse homem, esse oriental, não tirasse nunca o anel do dedo, e estudou-se o modo para que este permanecesse sempre em sua casa. Tal modo foi o seguinte: ele deixou o anel como herança ao seu filho predileto, estabelecendo que este, por sua vez, o deixasse ao predileto, e que de geração em geração este predileto, sem menção à ordem de nascimento e somente em virtude do anel, fosse o chefe, o príncipe da Casa. Entendeu bem, sultão? (…) Assim, de filho em filho, finalmente o anel caiu na mão de um tal que tinha três filhos igualmente devotos; ele não podia fazer menos que ama-los todos igualmente. De tanto em tanto, ora um, ora outro, ora o terceiro, Assim que cada um a turno se encontrasse a sós e sem os outros dois a disputar o sensível coração do pai –, este parecia-lhe mais digno do anel. até que, de fato, ele teve a pia fraqueza de prometer o anel a cada um deles… Foi-se adiante assim por um bocado, mas a morte se aproximava. Eis o bom pai encrencado. A preocupação de não entristecer dois de seus filhos, os quais confiam plenamente em sua palavra, o atormenta. O que ele faz? Manda em grande segredo chamar um ourives, ao qual encomenda dois outros anéis, ao molde do primeiro, recomendando-lhe não economizar dinheiro nem trabalho, para que fiquem idênticos àquele. O ourives o consegue perfeitamente. Quando entrega a obra, nem mesmo o pai concede discernir o anel primitivo entre os três. Muito satisfeito, chama seus três filhos e da a cada um a sua benção e o seu anel… E morre… (…)
Assim que o pai morreu, cada um levava o seu anel e, portanto desejava ser o chefe da casa. Fizeram-se investigações, surgiram lides e querelas; mas o verdadeiro anel não se pode identificar. (…) Quase ao mesmo tempo, como hoje, não se pode identificar a religião verdadeira. Saladim: Como? Seria esta a resposta à minha pergunta? Nathan: Pelo menos é a minha justificação, se não sei distinguir entre os três anéis que o pai encomendou com a intenção de que não se pudessem distinguir. Saladim: Os anéis?… Não brinque comigo!... As religiões que eu acabei de citar, distinguem-se perfeitamente ate pelos costumes, pelos alimentos e pelas bebidas. Nathan: …e só isso, não no fundamento. Porque estas não se fundam as três na historia escrita ou repassada? E sobre o que se funda a historia, se não sobre a fieldade e sobre a fé? Ora, qual fieldade? Qual fé havemos nos de colocar em duvida? Certo, aquela dos nossos, aquela daqueles de cujo sangue surgimos, e que desde a infância nos deram tantas provas do seu amor; que nunca nos enganou, excepção onde o engano nos era saudável. E como poderia eu, portanto, ter menos fé nos meus pais daquele que você tenha nos teus. Ou vice versa, ou posso eu pretender que você desminta os teus pais para que eu não tenha de desmentir os meus? Ou vice versa, e isso que eu digo a ti e a mim, fale também parta o cristão? Não vale? (…) Mas voltemos aos nossos anéis. Os filhos, portanto, querelaram-se: cada um jurou ao juiz ter recebido o próprio anel diretamente da mão do pai – o que era a verdade,- depois de haver já há muito recebido a promessa de ser destinado ao lugar priviligiado que o anel implicava – e isso também era a pura verdade. Ora – raciocinava cada um dos filhos – o pai não pode ter me enganado; e antes de suspeitar isso dele, de um tão amoroso pai, eu devo acusar de
falsidade os meus irmãos – por quão disposto eu esteja sempre a pensar senão boas coisas deles – e saberei bem descobrir os traidores para vingar-me. (…) Disse o juiz: “ou me trazem aqui imediatamente esse pai, ou os expulso do tribunal. Acaso acreditam que eu estou aqui para adivinhações? Ou devemos esperar que o anel autentico abra a boca e fale?... mas alto la! Vocês me dizem que o anel genuíno tem um magico poder de deixar-vos amáveis aos homens e a Deus. Então, o que decide, já que os anéis falsos não possuirão tal dom é… ora, quem é entre vocês o herói dos outros dois? Digam! Ah, ficaram quietos? Os anéis não tem poder para os externos? Cada um de vocês não vai alem de? … Ah, nesse caso são todos vocês charlatanizadores dos charlatães… ( segundo a palavra de Santo Agostinho, decepti deceptores, n.t.); Vossos anéis são todos falsos, e o verdadeiro anel foi perdido, para esconder a perda e tentar remediar, vosso pai fez fabricar três no lugar de um. Portanto – prosseguiu o juiz – se vocês não se contentam com conselho no lugar de sentença, sumam-se! O meu conselho, porém, é que vocês aceitem a coisa como está; cada um de vocês recebeu o anel diretamente do pai, e cada um de vocês o tome por verdadeiro. È possível que o pai não quisesse tolerar por mais tempo dentro de sua Casa a tirania daquele único anel; é certo que eles os tenha amado igualmente a todos os três, porque não quis humilhar dois para exaltar um terceiro. Está bem! Imitem agora vocês aquele amor incorruptível e livre de prejuízos! Compitam entre vocês para evidenciar a virtude daquele anel! Sustentem tal virtude com a temperança, com a suportação cordial, com a caridade ao próximo, com a resignação à vontade de Deus. E quando as virtudes do anel manifestarem-se nos filhos e nos filhos dos filhos, daqui a mil e mil anos, eu os convido a voltar a este tribunal. Um homem mais sábio que eu aqui estará sentado e pronunciara a sentença. Sumam! (…)” Assim disse aquele juiz modesto. Saladim: Nathan, caro Nathan! Os mil e mil anos previstos pelo teu juiz, ainda não se passaram… aquele tribunal não è o meu… vai!... Vai!... mas seja sempre meu amigo. Tradução e adptação de Maurício Paroni de Castro, para a SP Escola de teatro