Edição especial da Revista Enfermagem e o Cidadão. Dia Internacional do Enfermeiro

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Dia Internacional do Enfermeiro Cuidar’14


Dia Internacional do O Dia Internacional do Enfermeiro é comemorado em todo o mundo a 12 de maio, data do aniversário de nascimento de Florence Nightingale. O Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) comemora anualmente este importante dia com a produção e distribuição do documento “Dia Internacional do Enfermeiro” (DIE) que contém materiais educacionais e de informação pública, para uso de todos os enfermeiros. O tema do Dia Internacional do Enfermeiro para 2014 é:

Os Enfermeiros: Uma Força para a Mudança - um recurso vital para a saúde O conteúdo do manual deste ano, incluindo a imagem do cartaz estão disponíveis para uso dos enfermeiros, associações, ministérios e instituições de saúde. Este material já foi divulgado em associações nacionais de enfermeiros por todo o mundo. Embora as atividades do DIE sejam planeadas principalmente em torno do dia 12 maio de cada ano, continuam durante grande parte do ano a ser implementadas por enfermeiros e outros agentes da saúde. O ICN encoraja todos os enfermeiros a utilizarem de forma exaustiva o documento através da ação individual e em atividades em grupo. Informação disponível em: http://www.icn.ch/publications/2014-nursesa-force-for-change-a-vital-resource-for-ealth/

Enfermeiro


Dias Internacionais, dias especiais?

Conselho Diretivo Regional da SRC Desde há algum tempo a esta parte que se tem verificado uma crescente criação de “dias internacionais”. O objetivo é assinalar efemérides, eventos ou ações específicas - são vários os exemplos que podemos encontrar: da criança, da mulher, da felicidade, dos direitos humanos, do jazz, do enfermeiro, entre muitos outros. Terão estes “dias” sido instituídos por necessidade de afirmação dos seus comemorantes, ou terão sido os cidadãos a conferir-lhes importância merecedora de tal privilégio? Oferecendo-lhe o “seu dia” será a forma de ambos se vincularem no que ambos esperam do outro? Será um ato recompensatório através da responsabilização positiva tão comummente usada na socialização do ser humano? Nada nos move contra os “dias internacionais”, até porque a vida faz-se dia-a-dia. Contudo, sugerimos um certo cuidado para não deixarmos que a essência neles representada se restrinja apenas ao próprio, mas que se estenda, de igual modo, aos restantes 364 dias do ano.

Os “dia Internacionais” estão associados, com relativa frequência, a uma personalidade ou organização. Ao evocar determinada “entidade” recorda-se sobretudo a sua contribuição para a sociedade. Atrevemo-nos mesmo a dizer … humanidade. Tal obra que não foi concebida num só dia, mas antes numa vida, como é o caso de Florence Nightingale, enfermeira. O dia 12 de Maio – Dia Internacional do Enfermeiro – coincide simbolicamente com a sua data de nascimento. É, provavelmente, a enfermeira mais conhecida do mundo e tida como a percursora da era moderna da profissão. Florence Nightingale foi mulher inteligente e com excelente formação, visionária, dedicou todo seu esforço em atenção aos mais frágeis, vítimas e doentes. Volvidos 104 anos da sua morte, hoje, os enfermeiros perpetuam o seu legado de forma científica e com elevado rigor técnico e humano. Atualmente a classe de enfermagem convive com a tecnologia de ponta, mas recorre, também, ao simples toque (que faz toda a diferença). São auxiliados por programas informáticos especialmente desenvolvidos para a sua prática, mas empregam os gestos e a palavra como mais nenhum profissional consegue. Integram e tripulam equipas altamente diferenciadas, mas é pelo olhar que estabelecem o primeiro contacto. Investem anos em formação, mas estão ao seu lado a todo o momento.

Os enfermeiros existem em toda a amplitude do sistema de saúde - nos momentos de tristeza ou de alegria. Exercem dentro de quatro paredes ou debaixo dos pirilampos azuis da emergência. Pode encontrá-los nos helicópteros, nos hospitais, centros de saúde, veículos de emergência, lares, maternidades, entre tantas outras instituições de saúde e ensino. Pense nisto: um qualquer dia da sua vida, se estender a sua mão, provavelmente, encontrará a mão de um enfermeiro; ao abrir os seus olhos, provavelmente encarará com um enfermeiro; se dores ou a agonia se apoderarem de si, provavelmente, serão atenuadas por um enfermeiro. Muito provavelmente, o caro leitor veio ao mundo pelas mãos de um enfermeiro. Os seus filhos também. O mesmo se aplica aos netos e futuras gerações. Tudo isto acontece na certeza de que os enfermeiros cuidam de si, não apenas no dia 12 de Maio, mas em todas horas de todos os dias do ano. O tempo corre e os enfermeiros permanecem. Sempre. Com competência e empenho. Bem-hajam, senhores enfermeiros!


DIE 2014

Enfº Nuno Terra Lopes

“”A Senhora com a lamparina” era, virtualmente, uma santa aos olhos da população britânica. Canções populares trauteavam as suas virtudes; uma afiançava: que Deus lhe dê forças e o seu coração nunca falhe, um dos melhores presentes do céu é a Senhora Nightingale”. (Gorrel, 2001)

Nos momentos de crise, os mais altos valores devem emergir. Nos momentos de desnorte, certas orientações devem despontar. Nos momentos de inanição, as nossas referências devem prevalecer. Hoje – 12 de Maio - comemoram-se cento de noventa e quatro anos sobre o nascimento de Florence Nightingale (a “Senhora da lamparina”) - considerada por muito como a matriarca da era moderna da profissão de enfermagem. Nightingale lutou contra tudo e contra todos. Contra preconceitos e mentalidades. Contra dificuldades e desesperança. Em primeira e última instância, lutou. Sempre. Neste dia em que se homenageiam todos os enfermeiros, pretende-se acima de tudo enaltecer todos aqueles que reconhecem o valor da profissão e a importância da sua contribuição. Todavia, impõem-se uma palavra de mérito e apreço a todos os enfermeiros que, diariamente, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, dedicam todo o seu profissionalismo e esforço em prol do bem mais inestimável da humanidade e uma premissa da sua existência: a vida. “Como é que Florence Nightingale alcançou tanto? Não foi por meio do barulho ou da fúria, mas pelo método rigoroso, pela disciplina firme, pela atenção ao detalhe, pelo trabalho incessante, pela determinação e vontade indomável (…). Uma dia, quando alguém lhe asseverou que não era possível fazer algo, a sua resposta foi perentória: “mas tem de ser feito”. E foi.” (Gorrell, 2001) Bem-hajam, caros colegas!


Dia Internacional do Enfermeiro 2014

Enfº Ricardo Ferreira

Caros colegas,

A todos vós quero, antes de mais, agradecer o esforço e dedicação de todos os dias, em prol da saúde e bem-estar do outro. Muito Obrigada. Quero ainda desejar um dia pleno de alegria e, se possível, pleno de satisfação profissional. Desejo que possam, por entre as dificuldades diárias, poder continuar a vislumbrar um brilho de agradecimento nos olhos dos vossos doentes que continue a alimentar a centelha dentro de vós, que vos realiza e vos faz querem ser melhores. Somos pessoas que cuidam de pessoas, o que é muitas vezes esquecido, infelizmente. Gostaria, neste âmbito, de realçar o lema do ICN para a comemoração deste dia: somos uma “Força para a mudança”. Não poderia ser mais verdade, concordarão certamente. Contudo, podemos tornar essa força mais direcionada e efetiva. É esse o desejo de todos, meu também. Nesta edição especial do “Enfermagem e o Cidadão” destacamos Florence Nightingale e o seu legado, visto também à luz das preocupações atuais, como a acentuada carência de enfermeiros em muitas instituições do nosso país. Lançamos também o concurso “Cuidar’14” que pretende premiar projetos de melhoria contínua e ser força motriz para a melhoria contínua. Boa Leitura e Bem-Hajam por serem Enfermeiros.


APENAS UMA ENFERMEIRA Por Suzanne Gordon

Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a fazer a diferença entre a vida e a morte. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a ter um olhar treinado para prevenir os erros médicos, as lesões e outras catástrofes. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a fazer a diferença entre a cura e o fazer frente, e o desespero. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a fazer a diferença entre a dor e o conforto. Sou apenas uma enfermeira. Sou apenas uma enfermeira investigadora que ajuda enfermeiras e médicos a prestar cuidados melhores, mais seguros e mais eficazes.


Sou apenas uma enfermeira. Sou apenas uma professora de enfermagem que educa as futuras gerações de enfermeiras. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a trabalhar num grande hospital escolar, fazendo a gestão e a monitorização dos doentes envolvidos em investigação experimental de ponta. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a educar os doentes e famílias sobre as formas de manter a sua saúde. Sou apenas uma enfermeira. Sou apenas uma enfermeira geriátrica que faz a diferença entre uma pessoa de idade que se mantém na sua casa ou que vai para um lar. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a fazer a diferença entre morrer em agonia ou morrer de forma confortável e com dignidade. Sou apenas uma enfermeira. Limito-me a ser a verdadeira última fronteira dos cuidados de saúde. Não gostaria de ser também apenas uma enfermeira?

In “Do Silêncio à Voz”, de Bernice Buresh & Suzanne Gordon, tradução de Leonor Abecasis, 2.ª edição, Lisboa, Lusociência, 2014.


Região Centro há serviços de saúde com carência de 50 por cento de enfermeiros A maioria das instituições da Região Centro visitadas em 2013 pela Secção Regional do Centro (SRC) tinham dotações de profissionais claramente abaixo do adequado para a prestação de cuidados de saúde seguros e de qualidade, e nalguns casos menos 50 por cento. Foram realizadas 27 Visitas de Acompanhamento do Exercício Profissional (VAEP), que englobaram 58 serviços, e nelas foi inventariada uma carência superior a três centenas de enfermeiros. Em algumas situações em concreto os cuidados estavam em risco de não se conseguir assegurar a qualidade e segurança. Dependendo dos casos, os respetivos relatórios das visitas, foram remetidos para as entidades competentes no sentido de intervirem, nomeadamente à Administração Regional de Saúde ou à Inspeção Geral das Atividades em Saúde. As carências mais acentuadas foram registadas em serviços de grandes dimensões, como os de cirurgia ou de urgência, alguns com equipas bastante alargadas que podiam ascender a uma centena de enfermeiros. Esses serviços chegavam a ter necessidades da ordem dos 50 por cento, ou seja, precisariam de mais metade dos enfermeiros de que dispunham naquele momento. As necessidades de enfermeiros, em certos casos, estavam identificadas pelas direções das instituições, que se viam a braços com graves dificuldades em termos de contratação, por se encontrarem financeiramente estranguladas, e por dependerem de várias tutelas, das Administrações Regionais de Saúde e dos Ministérios das Finanças e Saúde. Os cuidados de saúde à população não se deviam compadecer com este tipo de burocracia. Constitucionalmente a população

tem direito a cuidados de saúde de qualidade e em segurança e isso não acontecia. Os cuidados de saúde à população não se deviam compadecer com este tipo de burocracia. Constitucionalmente a população tem direito a cuidados de saúde de qualidade e em segurança e isso não acontecia. Os enfermeiros dessas unidades estavam a acumular horas, e em algumas situações muitas horas, para além do seu horário normal de trabalho para conseguirem manter os serviços a funcionar. À SRC preocupa, não só o facto de as dotações estarem abaixo daquilo que é considerado seguro, abaixo do normal, mas também o cansaço extremo a que estas equipas estavam a chegar, porque mais cedo ou mais tarde terá reflexos naquilo que são os cuidados que prestam. As Visitas de Acompanhamento do Exercício Profissional realizadas em 2013 incidiram em hospitais, mas também contemplarem meios de emergência pré-hospitalar, unidades de cuidados continuados integrados, lares, estabelecimentos prisionais e os cuidados de saúde primários.


Cuidar’14 Um concurso para enfermeiros a premiar a melhoria dos cuidados aos cidadãos A Secção Regional do Centro (SRC) da Ordem dos Enfermeiros (OE) lança no dia 12 do corrente mês de maio um concurso para premiar projetos de melhoria contínua da qualidade desenvolvidos por Enfermeiros nas instituições de saúde dos distritos de Coimbra e Leiria. O CUIDAR, que teve a sua primeira edição em 2012 para os distritos de Castelo Branco e Guarda, e em 2013 contemplou Viseu e Aveiro, está este ano aberto até 30 de Junho para receber os projetos dos Enfermeiros que se pretendam candidatar a três prémios pecuniários que totalizam os 3.000 euros. O concurso é lançado dia 12 no âmbito das comemorações do Dia Internacional do Enfermeiro, e posteriormente divulgado nas instituições de saúde dos distritos de Coimbra e Leiria. Num colóquio a realizar a 4 de dezembro serão apresentados os oito projetos finalistas, e a encerrar a sessão serão distinguidos os três projetos vencedores com os prémios Excelência, Competência e Inovação, com montantes pecuniários de 1.500, 1.000 e 500 euros, respetivamente. O concurso é promovido pelo Conselho de Enfermagem Regional do Centro. Com ele pretende-se divulgar e incentivar projetos de Enfermeiros, individuais ou coletivos, que se destinem a obter ganhos em Saúde sensíveis aos Cuidados de Enfermagem. Podem candidatar-se projetos de Enfermeiros desenvolvidos nos últimos três anos, e que se enquadrem nos princípios enformadores dos Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem da OE, com base nos enunciados descritivos “a satisfação do cliente”, «a promoção da saúde», «a prevenção das complicações», «o bemestar e o autocuidado», «a readaptação funcional» e «a organização dos cuidados de enfermagem». O júri que apreciará os trabalhos é composto por Enfermeiros ligados aos cuidados de saúde primários, diferenciados e continuados, bem como ao ensino superior.



Homenagem a todos Enfermeiros lembrando Florence Nightingale Caro Cidadão,

Comemora-se hoje - dia 12 de maio de 2013 - mais um Dia Internacional do Enfermeiro. Este artigo pretende ser uma pequena homenagem à mulher que é considerada a fundadora da Enfermagem Moderna e, por outro lado, apresentá-la aos nossos cidadãos. Este texto pretende ser uma pequena viagem histórica ao mito, à vida e à obra de uma das mulheres mais famosas e influentes do século XIX e, que ainda hoje, é fonte inspiradora para enfermeiros e administradores da área da saúde, uma mulher para lá do seu tempo. No dia 12 de maio de 1820, durante uma demorada viagem que Edward e Frances Nightingale realizavam pela Europa, nasce uma de suas duas filhas que recebeu o nome de Florence, em virtude do seu nascimento ter acontecido na cidade italiana de Florença. A outra filha, um ano mais velha do que Florence, nascida em Nápoles, foi-lhe dado o nome de uma das sereias da cidade, Parthenope. De regresso a Inglaterra, a família Nightingale de raízes aristocráticas, divide o ano entre duas casas: Lea Hurst, no Derbyshire, para o verão, e Embley, no Hampshire, para o inverno. As filhas são educadas pelo pai Edward, formado em Cambridge, revelando a mais velha um especial talento para as artes e a mais nova uma inclinação para as ciências, embora o pai, além da desejada matemática e música, lhe ensine diversas línguas, história, filosofia, religião e política. Florence é bonita e delicada, mas em vez de tentar um bom casamento obedece a um chamamento divino, que lhe chega pelos 17 anos durante um passeio no jardim de Embley. A religião dos pais é a Unitária, que nega a existência de uma Trindade e é vista como uma seita pelas Igrejas que se consideram respeitáveis. A própria Florence se tornaria um paradigma relativamente a este facto. Os unitarianos acreditavam que os males sociais eram produtos humanos e não castigos de Deus, portanto, deveriam ser remediados por ação humana. Seja como for, o seu país protestante é pouco dado a conventos, e ela saberá encontrar um caminho que não o da clausura para cumprir os desígnios de Deus, contornando ao mesmo tempo a frustração das mulheres que conhece. Quando se põe a investigar os lares, asilos e hospitais da região, tem de enfrentar a oposição dos pais, já que a enfermagem não parece carreira para mulheres de bem. Edward e Frances mandam-na então em viagem com dois amigos, e depois de visitar a Itália, o Egito e a Grécia, o trio passa uns tempos no hospital do pastor alemão Theodor Fliedner, em Kaiserwerth, perto de Dusseldorf na Alemanha. No ano seguinte Florence volta a Kaiserwerth para três meses de formação em enfermagem, após o que em 1853, passa a superintendente do Establishment for Gentlewomen em Londres. A sua prova de fogo chega-lhe no ano seguinte, quando a Inglaterra e a França declaram guerra à Rússia a propósito da ocupação, por parte desta, de territórios da Turquia. Esta guerra ficará conhecida como a Guerra da Crimeia (1854-1856), já que é desta península sobre o Mar Negro que parte o exército russo invasor. Entretanto o trabalho de Florence começou a ser reconhecido pelo governo inglês da rainha Vitória, e é então que é chamada pelo ministro de guerra britânico Sidney Herbert para organizar a introdução de mulheres enfermeiras nos hospitais militares: parece estar em causa a qualidade do atendimento médico aos feridos em combate, bastante criticada por repórteres de guerra do jornal The Times. Florence chega ao Barrack Hospital em Scutari a 4 de novembro

Florence Nigthingale com 38 anos. Foto de William Slater (1958)

de 1854. Scutari é um subúrbio de Constantinopla (futura Istambul), no lado asiático, e do hospital ela há-de gostar de ver o pôr-do-sol sobre o Bósforo. Leva consigo 38 enfermeiras, pouco depois chega outro grupo que ela a princípio não quer receber, por medo de não conseguir controlar as atividades de tanta gente e, ironicamente, por admitir a hipótese de muitas delas terem vindo para arranjar marido. A participação destas mulheres não é de imediato solicitada pelos médicos, mas com a chegada de nova remessa de feridos da Batalha de Inkermann são integradas na roda-viva das operações de urgência, dos tratamentos e de tarefas de apoio psicológico aos soldados. O cenário não é bonito de se ver: centenas de membros amputados em condições tenebrosas, feridos ao lado observando a dor nas faces estranhamente resignadas desses camaradas cuja morte é certa. A falta de ventilação das instalações acentua as infeções, insetos e vermes de toda a espécie percorrem os corpos, e eles têm de vencer ainda a fome – os exércitos não recorrem ainda aos meios sofisticados de alimentação em combate que hão-de existir no futuro.


Reprodução de uma pintura de Jerry Barrett – “The Mission of Mercy”, representando Florence Nightingale – “O Anjo da Crimeia” - a receber um soldado ferido em Scutari durante a Guerra da Crimeia em 1856.

As primeiras medidas por si tomadas, relacionaram-se não só com os atos curativos, mas, também, com cuidados de higiene, preparação de alimentos, arranjo de roupas, e cuidados de saneamento, porque a maioria dos feridos morria não por causa dos ferimentos, mas pelas infeções motivadas por falta de condições sanitárias. A eficácia das suas medidas traduziu-se na redução evidente da taxa de mortalidade do exército britânico, de 42,7% para 2,2%, que igualmente por influência de Florence, passou a usufruir de uma biblioteca, uma lavandaria, um sistema bancário que ajudava a guardar as poupanças e um pequeno hospital para apoio às famílias que acompanhavam os soldados. Isto porque Florence preocupavase não só com os doentes e feridos de guerra, mas, também, com as condições ambientais que influenciavam a saúde. Florence Nigthingale foi pioneira na utilização de gráficos, para apresentar dados de uma forma clara que mesmo os generais e membros do parlamento pudessem compreender. Os seus gráficos criativos constituem um marco no crescimento da nova ciência da estatística. Ela considerava a estatística essencial para entender qualquer problema social e procurou introduzir o estudo da estatística na educação superior. Florence Nightìngale utilizava a análise dos dados e os gráficos como uma porta para o bom entendimento, fazia resumos numéricos e calculava taxas de mortalidade detalhadas. Para ela, os dados não eram impessoais e abstratos, porque mostravam-lhe e ajudavam-na a mostrar aos outros, como salvar vidas. Aqui podemos observar o seu famoso diagrama estatístico utilizado durante a Guerra da Crimeia. Florence, a Lady-in-Chief, impõe divisórias entre as camas para esconder a agonia do vizinho e, com a sua equipa trata de enviar o dinheiro deles para as famílias, de escrever as cartas que eles querem e de lhes ler como consolação. Do romantismo do mito fará parte a imagem de mulheres de lamparina na mão (instrumento para auxiliar na iluminação enquanto se cuidavam dos feridos durante a

noite), como belos anjos da guarda nas noites de Scutari. É nesta altura que a expressão “Dama da Lâmpada” foi cunhada no famoso poema “Santa Filomena” de Henry Wadsworth Longfellow. O mito da enfermeira como “anjo da guarda” à cabeceira do doente, protagonizada por Florence, é tipicamente para alguns autores uma construção social do romantismo inglês, em plena época vitoriana. Florence Nightingale ficará conhecida como “A Dama da Lâmpada” (a lamparina é um símbolo universal da enfermagem) através de um famoso poema de Wadsworth Longfellow. O ambiente geral é de rendição à morte inevitável, é mais de 70 por cento de um exército que se perde. Mas ela ganha o respeito e a admiração entre os soldados, que organizarão um peditório para ajudar nas suas medidas reformistas dos hospitais civis ingleses. Quando volta a casa em agosto de 1856, quatro meses depois do fim da guerra, é recebida como uma heroína nacional, com um elevado reconhecimento internacional, mas Florence nem valoriza o orgulho dos pais, sobretudo da mãe, que se distrai agora das suas fúteis atividades sociais para enaltecer a filha mais nova. Florence escolhe uma intervenção menos exposta e aqui começa então o seu maior contributo: é de um quarto de hotel em Londres, onde padece de um mal misterioso (mais tarde pensa-se serem traumas da guerra, fibromialgia ou apenas uma infeção), que comanda uma campanha para estudar e melhorar a saúde das tropas britânicas, empenhando-se na reorganização de hospitais, especialmente dos militares, sendo os seus trabalhos baseados em estatísticas rigorosas, sendo pioneira na utilização de métodos de representação visual de informações, como por exemplo, o gráfico sectorial, conhecido como gráfico tipo “pizza”. O ministro Sidney Herbert é o dirigente da comissão real criada para o efeito e ela trabalha com relevantes dados estatísticos, militares e civis, o que fará dela a primeira mulher membro da Sociedade de Estatística do reino. Nesse mesmo ano de 1860 é publicado Notes on Nursing, em que ela descreve as linhas do seu método: uma observação


cuidadosa e sensibilidade para intuir as necessidades do paciente. No fundo trata-se de um tratado sobre a organização e manipulação do ambiente das pessoas a necessitarem de cuidados de enfermagem. Este será o mais conhecido entre os seus mais de duzentos documentos escritos: livros, relatórios e folhetos. Todos os dias lembra os rostos a monte na gigantesca morgue que foi Scutari e, por essa memória enquadrada em remorso, crê agora que a falta de higiene e de ar fresco é condição suficiente para a criação espontânea de doenças infeciosas – desprezando, desta vez, o papel fundamental dos contágios. Num relatório secreto ela penitencia-se pela injustiça de terem sido esquecidos os nomes de suas companheiras, empenhadas e heroicas. Florence Nightingale ficará conhecida como “A Dama da Lâmpada” (a lamparina é um símbolo universal da enfermagem)

Em 1865 fixa residência em Mayfair, no West End de Londres, onde viverá até morrer, à parte as escassas visitas às casas dos pais ou à casa da irmã. Com o dinheiro reunido para o seu fundo, pelo peditório público, ela cria uma escola de enfermagem para mulheres no Saint Thomas Hospital em junho de 1860, que serviu de exemplo a muitas outras que começaram a espalhar-se pelo mundo, sendo hoje reconhecida a sua influência em muitos países. A partir de 1872 avalia todos os anos as atividades na escola e escreve uma carta às formandas, com conselhos e palavras estimulantes, além de as convidar para o chá e de lhes oferecer livros. Na década de 1880 a Rainha Vitória entrega-lhe a Royal Red Cross e, em 1907 ela é a primeira mulher a ter a Ordem de Mérito. Miss Nightingale morre durante o sono a 13 de agosto de 1910 com 90 anos, na sua casa de Londres, o lugar da sua infância. Vai a enterrar em East Wellow, perto da casa dos pais, em Embley. Foi aí que ela recebeu um dia o convite de Deus, ela entenderá esse desafio como um caminho para o serviço dos doentes. Em relação à sua obra, Florence Nightingale formulou uma avançada teoria ambientalista. Para ela um ambiente que oferecesse cinco pontos essenciais: ar puro, água pura, rede de esgotos eficiente, limpeza e iluminação - garantiria ao doente as melhores condições de recuperação. Florence delimitou o território da enfermagem em relação à medicina através da seguinte conceção: quando a função de um órgão acha-se impedida, a medicina ajuda a natureza a remover a obstrução e nada mais além disso, enquanto a enfermagem mantém a pessoa nas melhores condições possíveis para permitir que a natureza atue sobre ela, encorajando a cura. Apenas um senão, a maior falha do seu modelo ambiental foi a fraca referência e informação sobre aspetos relacionados com o ambiente psicológico e social. Embora alguns autores pretendam desfazer o mito de Nightingale é indiscutível a sua ligação com a prática científica da Enfermagem.

Florence é um mito vivo e como tal foi incluída entre as 100 mulheres que marcaram a história mundial, o que mostra o alcance da sua influência. Gostaríamos de terminar com algumas palavras proferidas pela própria Florence Nightigale acerca do que é a Enfermagem: “A enfermagem é uma arte; e como arte requer uma devoção tão exclusiva, um preparo tão rigoroso, como a obra de qualquer pintor ou escultor. Mas o que é tratar da tela inerte ou do frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo - o templo de espírito de Deus? É uma das mais belas artes, eu quase diria, a mais bela de todas.”.

Referências Bibliográficas: COSTA, R. et al. (2009), “O Legado de Florence Nightingale: Uma Viagem no Tempo”, in Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, Out-Dez; vol. 18, n.º 4, pp. 661-669. DONAHUE, M.P. (1985) - Historia de la Enfermería. Barcelona: Ed. Doyma. NIGHTINGALE, Florence (2005) – Notas sobre Enfermagem: O que é e o que não é. Loures: Lusociência. NOGUEIRA, M. (1990) - História da Enfermagem, 2ª ed. Porto: Salesianas. SEYMER, L. R. (1989) – “Nightingale, Florence”. In Collers's Encyclopedia, Vol.17. New York: Macmillan Educational Co.; London: P.F. Collier, pp. 550-551. SMALL, H. (1999), Florence Nightingale - Avenging Angel, London: Constable. WHITTAKER, E. & OLESEN, V. (1964) – “The Faces of Florence Nightingale: Functions of the Heroine Legend in an Occupational Sub-culture”. In Human Organization, n.º 23, pp. 123130. Woodham-Smith, C. (1951) - Florence Nightingale, 1820-1910. Biography of English nurse of Crimean War. New York: McGraw.

Helena Junqueira & Pedro Quintas, Enfermeiros


12 de Maio 2014


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