Respiros Urbanos - TFG Stela Battaglini 2018

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RESPIROS URBANOS agricultura urbana no centro de sĂŁo paulo



Stela Bonin Battaglini RESPIROS URBANOS Agricultura urbana no centro de São Paulo Trabalho final de graduação Orientação: Norma Regina Truppel Constatino Arquitetura e Urbanismo UNESP - Bauru 2018

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RESUMO Atualmente a dinâmica observada no cotidiano de cidades consolidadas de médio a grande porte em muito se difere daquilo que acontecia décadas atrás. Nesse processo, o contato com a terra se perdeu quase que em sua totalidade, e o plantio de alimentos na área urbana não apresenta grande relevância econômica, tendo suas áreas disputadas pelo mercado imobiliário. Observa-se que até mesmo as áreas verdes destinadas ao lazer não são priorizadas. Essa nova dinâmica alterou a paisagem de várias cidades que, extremamente adensadas, se tornaram mais frias e cinza, sem muitos espaços que possibilitem o encontro ou propiciem a vida em comunidade, sem áreas verdes que podem trazer benefícios das mais variadas maneiras. Na tentativa de amenizar o cenário descrito, é proposto pelo presente trabalho a utilização de terrenos ociosos e disponíveis na malha urbana para a elaboração de uma horta coletiva, visando suprir as necessidades descritas e ao mesmo tempo propor uma solução para a questão da má ocupação do solo. Além de promover um ambiente agradável a partir de poucos recursos, as hortas urbanas possuem caráter educacional, possibilitando retomar o contato com a terra que muito se perdeu a longo do tempo, incentivando o sentimento de pertencimento e comunidade, e por fim o retorno mais palpável com a colheita de alimentos orgânicos e a possibilidade de retorno econômico para os envolvidos. Para tanto, será preciso entender a dinâmica de hortas existentes através de visitas e da fundamentação teórica, que se somarão ao conhecimento adquirido ao longo do curso, principalmente no que se refere à utilização do espaço público. Palavras chave: paisagem urbana, espaços livres, hortas urbanas

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Esse trabalho é resultado de sete longos anos da graduação que tenho o privilégio de então concluir. Agradeço a minha família por ter me apoiado a todo momento, a minha mãe, minha maior inspiração de força, minha irmã, a arquiteta mais velha que sempre me facilitou os caminhos, e ao meu pai, que mesmo ausente nesse plano me deu suporte e me guiou até aqui. Durante esses anos em Bauru, meus amigos se tornaram meu porto seguro, a eles eu agradeço a companhia, as conversas e todo apoio que demos uns aos outros. A eles eu também dedico a pessoa que sou hoje, aquilo que acredito, e a forma que me coloco no mundo. A Deva, que sempre esteve comigo, e hoje faz parte das minhas novas descobertas junto com a Lu. A lila, que alegrou meus dias quando preciso foi. Ao Ro por me ter feito evoluir. A Júlia pelo suporte e por clarear minhas ideias iniciais. Ao Math pelas fotos e Vini pelas artes. A todos os grupos que me envolvi fora da sala de aula. Agradeço a chance de ter feito intercâmbio, de ter me aventurado em outro continente, e nesse processo conhecer amigos pra vida toda. Aos meus amigos de campinas, que mesmo distante tantos anos, mantiveram o companheirismo e amizade construída desde a infância. A minha orientadora, que me deu liberdade pra estudar um tema de meu interesse, me deu suporte pra que o trabalho se desenvolvesse, e foi compreensiva mesmo quando inesperadamente mudei os rumos. A todos que ao longo desses anos cruzaram meu caminho e de alguma maneira contribuíram pra minha graduação.

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sumário Introdução 11 Objetivos 12 // Objetivo principal 12 // Objetivos específicos 12 Metodologia de pesquisa 13 Agricultura urbana 15 Hortas urbanas 21 // Contexto histórico 21 // Benefícios e impactos negativos 24 // Tipos de hortas 27 // Exemplos consolidados pelo mundo 28 //// Allotment Gardens 28 //// Bosques Comestibles 30 //// França - Permis de Végétaliser 33 //// San Diego – Urban Agriculture Urban Zones 33 ////São Paulo - Shopping Eldorado 34 // Visitas de campo 36 //// Horta das Corujas 36 //// Horta do Ciclista 40 //// Horta do CCSP 40 Agricultura urbana como estratégia de planejamento 45 // Agricultura urbana em Bauru 46 // Agricultura urbana em São Paulo 46 Caracterização da área de estudo 51 // Breve histórico da cidade de São Paulo 51 // Plano diretor 53 //Área de intervenção 56 PROJETO 63 //A horta 65 Considerações finais 89 Referências 89

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Introdução Principalmente a partir da década de 60, e intensificado nas últimas décadas, o grande aumento populacional observado nas cidades brasileiras alterou radicalmente a paisagem urbana e a sua relação com o homem que nela vive, atua e transforma. Observa-se nesse contexto um adensamento que comumente se dá de maneira desordenada, que não prioriza a qualidade de vida dos cidadãos e não respeita o meio ambiente ao reduzir drasticamente as áreas verdes e permeáveis. São raros os espaços públicos de qualidade, que promovem a socialização da população, incentivem a prática de hábitos saudáveis e tornem a cidade mais agradável. Ao mesmo tempo que se percebe esse grande adensamento, a dinâmica comercial atuante nos centros urbanos gera uma alta quantidade de lotes vazios que permanecem ociosos, por vezes, durante um longo período. Esses espaços muitas vezes são as únicas áreas livres que restam em zonas centrais geralmente consolidadas e carentes de espaços verdes. Pensando em, ao mesmo tempo atender a demanda de espaços públicos e propor uma solução para a questão do mau uso de lotes disponíveis na cidade, as hortas urbanas são capazes de dar uma resposta rápida e eficiente, de acordo com diversos estudos de caso analisados pelo mundo. Lahn (2016) discute justamente essa questão entre urbano e agricultura A agricultura urbana pode revelar-se numa nova atividade da cidade. Atividade essa que tem necessidades, relações e potencialidades, muito além da produção de alimentos e que, por tal, deve ser considerada no planejamento urbano, atendendo à sua relação benéfica com os outros componentes do ambiente urbano, tais

como os serviços, as áreas verdes, os espaços de recreio e lazer, os edifícios, a economia, entre outros, reconfigurando sua paisagem. Traz assim benefícios econômicos, ambientais e sociais para as cidades.

(LAHM, 2016, p. 4)

Além de não precisarem de muita infraestrutura e possuírem baixo custo, tanto na implantação quanto na manutenção, as hortas urbanas podem ajudar financeiramente famílias de menor renda ao fornecer parte dos alimentos consumidos diariamente. Esses alimentos, por serem orgânicos, apresentam valores nutricionais elevados quando comparados àqueles encontrados nos mercados. Somado a esses fatores, as hortas promovem diretamente a socialização e incentivam a vida em comunidade, uma vez que as atividades são coletivas e o conhecimento é passado de pessoa para pessoa. O contato com a natureza também pode ser educacional, pois basicamente trata de cuidar daquilo que é vivo, de observar mudanças e aprender a respeitar o tempo natural de cada ciclo. Diante de tantas possibilidades, é preciso discutir e entender a aplicação das hortas urbanas para a realização de um projeto nesse molde para que assim, ao final do trabalho, o espaço criado se apresente da melhor maneira possível dentro do contexto escolhido.

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Objetivos

// Objetivos específicos

// Objetivo principal

Para a definição das condicionantes do projeto e a maneira como ele será implementado, o trabalho pretende:

O objetivo principal do trabalho é a elaboração de um projeto de horta urbana a partir da discussão de ocupação de terrenos ociosos e espaços vazios nas cidades, a fim de criar um espaço democrático que beneficie tanto seus usuários quanto a qualidade do espaço urbano. O projeto pretende unir os benefícios que o contato com a terra e áreas verdes trazem, tanto social como econômico, com a função educativa dessas iniciativas.

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• Entender o papel do poder público como incentivador e facilitador da utilização de espaços vazios para a elaboração de projetos com o mesmo fim; • Discutir sobre os impactos das hortas urbanas nas cidades e a forma como elas refletem diretamente na vida da população; • Utilizar materiais e recursos que sejam condizentes com os objetivos do projeto; • Realizar estudos de caso para discutir e entender quais as melhores estratégias na elaboração de hortas comunitárias, na tentativa de que ela cumpra seu objetivo principal e seja de fato utilizada; Para atingir esses objetivos deverão ser consideradas dentro dessas estratégias: • As diferentes funções de hortas: lazer, educacional, terapêutica, familiar; • O público alvo e faixa etária a receber maior enfoque, caso haja necessidade; • A escolha dos locais mais apropriados, e entender seus fatores limitantes e potencialidades.


Metodologia de pesquisa Para o desenvolvimento da pesquisa que irá fundamentar a realização do projeto da horta urbana, será essencial a leitura e compreensão das referências bibliográficas aqui apresentadas para auxiliarem, no entendimento de como tal proposta pode influenciar na relação entre homem e cidade, na escolha dos materiais e aplicações práticas, e na definição do partido arquitetônico. Além da questão teórica, é extremamente importante analisar diferentes estudos de caso encontrados em diversos países para observar os resultados obtidos de acordo com tipo de aplicação e contexto dentro da cidade, possibilitando assim um cruzamento de dados e um norteamento das escolhas que serão tomadas. 13



Agricultura urbana Agricultura urbana tem sido definida como “... uma indústria que produz, processa e mercantiliza alimentos e combustíveis, muito em resposta da demanda diária dos consumidores dentro da cidade ou metrópole, dispersos por terra e água através da área urbana e periurbana, aplicado métodos de produção intensiva, usando e reutilizando recursos naturais e resíduos urbanos, para gerar uma diversidade na colheita e na pecuária.” (UNDP 1996) Ainda hoje não existe uma definição comum e universal sobre o que vem a ser a agricultura urbana, mas o que a torna de fato distinta da rural e objeto de investigação de políticas específicas é justamente o contexto no qual está inserida. O termo ‘urbana’ pode ser atribuído uma vez que essa prática está integrada ao sistema ecológico e econômico da cidade, considerando então sua localização, as categorias da produção (podendo ser alimentar ou não) e as diferentes escalas e sistemas de produção. Dentro dessas categorias há uma grande variedade tipológica em que podem ser citadas as hortas urbanas, plantações para uso medicinal, jardins ornamentais, ocupação de terraços, lotes vazios ou pátios e espécies frutíferas na arborização urbana. Historicamente, a produção agrícola está ligada diretamente ao surgimento das cidades e a sedentarização do homem, que passou a se fixar em solos férteis para a produção de alimentos e desenvolvimento da criação de animais. Durante muito tempo essa relação permaneceu intimamente conectada, mas teve seu papel relativamente alterado no século XIX com o

desenvolvimento industrial e as alterações nos meios de produção e comercialização dos produtos. O avanço na conservação de alimentos juntamente com os novos e mais eficientes meios de transporte, foram fatores essenciais para afastar a produção dos centros urbanos, e esta passou então a se relacionar diretamente ao meio rural e as grandes plantações e cultivos de animais passaram a acontecer no campo. Novos eventos históricos marcaram a linha do tempo da agricultura urbana, principalmente na impactante escassez de alimentos vivida no período de guerras. Quando se torna indispensável, o plantio de alimentos volta a se tornar realidade dentro das cidades. Considerando alguns fatores que diferem da agricultura tradicional e a urbana, fica claro como essa pode ser uma saída extremamente benéfica para a dinâmica vivenciada nos centros atualmente. A produção convencional encarece o valor dos alimentos uma vez que esta ocorre, muitas vezes, bem longe de onde será comercializada. Além do gasto com o transporte e armazenamento, o os alimentos recebem uma alta concentração de agrotóxicos reduzindo a qualidade do que é ingerido. O valor do alimento também pode sofrer com grandes oscilações pois muitos são produzidos no exterior, e seu custo depende de diversos fatores, como o clima ou o próprio valor do mercado de importações, além de gerar uma dependência de determinado produto. No quadro a seguir foi realizado um paralelo entre essas formas de produção, envolvendo um panorama amplo sobre as duas realidades.

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Agricultura Urbana/ periurbana Sem padrão: móvel ou tranProdução se organiza de forsitória; parcialmente sobre ma padronizada e homogênea terra ou sem terra Geralmente atividade sePrincipal modo de vida e cundária de envolvimento dedicação exclusiva parcial Maioria dos membros particiEnvolvidos são variáveis pa das atividades agrícolas Espaço diferenciado e espeCompetição pelo uso da terra cifico entre agrícola e não agrícola Geralmente o cultivo segue a Cultivo o ano todo estação Perto dos mercados, facilita o Longe dos mercados cultivo de perecíveis Alta prioridade na agenda Geralmente apresenta politipolitica cas vagas ou inexistentes Agricultura rural

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Quadro 1: Formas de produção: agricultura rural, urbana e periurbana

Dessa forma, o debate envolvendo a necessidade de cultivar nas cidades ganhou força, e refletiu inclusive na criação de associações que promovem esse desenvolvimento, como é o caso da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO (Food and Agriculture Organization). Para a FAO (1999), na agricultura urbana são consideradas tanto áreas dentro dos limites da cidade (intraurbana) quanto aquelas que as circundam (periurbanas), onde são desempenhadas diferentes funções. Agricultura urbana e peri-urbana ocorre dentro e ao redor das fronteiras de cidades pelo

mundo e inclui produtos da agricultura animal e vegetal, pesca e manejo de florestas dentro da área urbana e peri-urbana. Também inclui produtos florestais que não provenientes da madeira, bem como serviços ecológicos providos pela agricultura, pesca e floresta. Geralmente existem diferentes tipos de sistemas de produção dentro e próximo a uma única cidade. (FAO, 1999) De acordo com a FAO (2001), existem diversos fatores que distinguem a agricultura interurbana da periurbana, estes exemplificados no Quadro 2. Agricultura Urbana Maior densidade populacional, diferentes tipos de pessoas Fácil acesso aos mercados Trabalho de um período Diferentes atividades em pequenas dimensões, geralmente subsistência Área urbanizada Mais infraestrutura e construções Menor disponibilidade de recursos naturais Baixa qualidade do ar

Agricultura Periurbana Menor densidade populacional Acesso não tão fácil Trabalho em tempo integral Atividades em grandes dimensões, para comercialização dos produtos Área sobre risco de urbanização Menos infraestrutura e construções Menor disponibilidade de recursos naturais Melhor qualidade do ar


Alto custo de trabalho e terra Pode expandir, mas nunca poderá se transformar em periurbanas

Baixo custo de trabalho e terra Devido a crescente urbanização pode se tornar intraurbana

Quadro 2: Diferenças entre Agricultura Urbana e Periurbana

Segundo Mougeot (2000)¹, a agricultura urbana é resultado de diversos fatores complexos, muitos consequentes do desenvolvimento, nos quais se destacam a insegurança alimentar e a pobreza urbana. Dessa forma, para que sejam feitas intervenções pelo poder público, através de planejadores para políticas e assistência tecnológica, é preciso que o conceito de agricultura urbana, que ainda se encontra em construção, seja melhor definido, não só dentro do meio acadêmico. Isso é essencial para que o termo se difunda como algo compreendido e

Figura 1: Determinantes da Agricultura urbana

compartilhado por todos, promovendo o entendimento daquela que se torna a saída mais adequada para intervir na promoção e gestão da agricultura urbana.

Na Figura 1, observamos os determinantes da Agricultura Urbana, e em seguida serão analisadas, baseado em Moungeot (2000). Atividades econômicas: Recentemente, além da fase produtiva, o processamento e a comercialização também foram incluídos nessa definição, bem como as interações entre de todas as feses. Em função de um fluxo de recursos mais rápido e a proximidade geográfica, a comercialização e a produção tendem a se interrelacionar no tempo e no espaço. Localização: É importante a definição do local onde a agricultura é praticada, dentro das cidades e seu entorno imediato. Nem todos os teóricos definem com exatidão as diferenças entre as zonas intraurbanas e periurbanas, mas os que o fazem, definem a primeira por critérios como os limites da cidade, quantidade de habitantes, a agricultura dentro da competência legal e regulamentar das autoridades urbanas, a densidade mínima e o uso agrícola da terra zonificada para outra atividade. Já para as zonas periurbanas, por se apresentarem menos claramente definidas, categorizar sua localização se torna mais problemático. Como se encontram mais próximas das áreas rurais, podem mais facilmente sofrer mudanças agrícolas significativas ao longo do tempo. Outras definições incluem análises a respeito dos limites externos da zona em questão, levando em conta as zonas urbanas, suburbanas periurbanas quanto a sua infraestrutura, edificações e espaços aberto por km². Há ainda as que usam a maior distância o entre centro urbano e as áreas que podem ser abastecidas para o uso cotidiano com bens perecíveis. Tipos de áreas: Segundo Mougeot (2000), os critérios usados para tipificar essas áreas variam quanto ao seu desenvolvimento, se ocupada ou vazia; se a residência de quem

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produz, se encontra incluída ou não no lote onde reside; se segue a diretriz de uso e ocupação do solo, podendo ser residencial, institucional ou comercial; ou ainda classificando a modalidade do uso ou posse, se usufruto, arrendamento ou compartilhado. Sistemas e escala de produção: Todos os tipos e definições são válidos. A maior parte das pesquisas e estudos são referentes a produções individuais ou familiares de micro, pequenas ou médias empresas. Há uma frequente interação entre os diferentes sistemas de produção e unidades produtivas, que assim podem sofrer mudanças e intercâmbios (MEUGEOT, 2000). Tipos de produtos: Diferem quanto ao tipo de colheita. (grãos, raízes, hortaliças, ervas aromáticas e medicinais, árvores frutíferas) e os tipos de animais produzidos. As hortaliças e produtos de origem animal possuem maior relevância dentro do que se categoriza como alimentício. Levando em conta definições mais amplas a respeito do que vem a ser agricultura urbana, a produção não alimentícia também deve ser considerada (MEUGEOT, 2000). Destinação dos produtos: São incluídos geralmente a produção tanto para autoconsumo quanto a comercial. Existe ainda a produção voltada para a exportação, e estudos que abordam esse assunto possibilitam a realização de comparações entre o desempenho econômico e vantagens da agricultura urbana sobre outros meios de abastecimento (MEUGEOT, 2000). Paralelamente ao desenvolvimento da produção com ênfase em alimentação, as alterações nas dinâmicas vivenciadas dentro do meio urbano aumentaram a busca por bem-estar e qualidade de vida, e assim a agricultura urbana também passa a ser associada a funções de lazer e ao planejamento sustentável que preserva áreas verdes e garante funções ecológicas dentro da cidade. Consequentemente, nos últimos anos urbanistas, políticos, planejadores, arquitetos e paisagistas reafirmam a importância e o potencial da atividade agrícola dentro da cidade,

e esta, se torna uma saída concreta para a solução de problemas urbanos. Além de promover espaços saudáveis que incentivam o contato com a natureza, tal estratégia influencia diretamente na qualidade da paisagem urbana, podendo valorizar e melhorar a segurança de áreas que sofrem com abandono e é capaz de refletir na renda de muitas famílias com uma redução no custo com alimentação e diminuição da fome principalmente para a população marginalizada. Muitos municípios possuem órgãos e políticas específicas que regulamentam e incentivam esse tipo de atividade, envolvendo tanto espaços públicos quanto privados, mas infelizmente essa ainda é uma realidade bastante restrita e em muitos dos casos o potencial máximo da agricultura urbana fica distante de ser atingido.




Hortas urbanas

// Contexto histórico

Os movimentos de hortas urbanas visam, além de resgatar as origens dos alimentos, integração da comunidade, ocupação de espaços públicos e privados ociosos na cidade, além de mostrar para as pessoas que a terra e os alimentos são, ou deveriam ser, bens comuns aos quais todos têm direito. Assim, mais importante do que abastecer, as hortas urbanas visam esclarecer, trazer informações, empoderar os cidadãos (LAHM; NÓR, 2016).

Apesar de ser atualmente um conceito bastante difundido dentro das cidades brasileiras, as hortas urbanas são iniciativas bastante recentes em solo nacional se comparadas a países do exterior, principalmente no continente europeu, local onde o cultivo de alimentos dentro da malha urbana pôde ser observado desde final do século XVIII. O surgimento das hortas se relaciona diretamente ao avanço da industrialização dentro desse mesmo período histórico, primeiramente na Inglaterra e em seguida se expandindo para outros países como França, Alemanha e Rússia. Isso porque, a revolução foi responsável por uma mudança socioeconômica notável dentro da cidade, e com ela, as novas dinâmicas de mercado trouxeram à tona novas necessidades. A agricultura, antes baseada na subsistência se tornou comercial e possibilitou maior acesso a produtos de qualidade. Com isso, além da população mundial registrar uma explosão demográfica geral, as cidades se tornaram atrativas devido à melhoria do transporte e da indústria, fazendo com que o movimento de êxodo rural ganhasse força e que algumas cidades chegassem a duplicar sua população urbana em menos de 40 anos. Com as cidades inchadas e sem estrutura para abastecer todos os seus habitantes, muitos produtos se tornaram escassos, não havendo alimentos, combustíveis ou água suficientes. Dessa forma, iniciou-se, em grande parte por famílias provenientes do campo, o processo de cultivo no interior da malha urbana, de modo a tentar minimizar a falta de alimentos. Posteriormente, com o crescimento da industrialização já no século XIX, as áreas de cultivo se fixaram próximas aos centros industriais, e se adaptaram às cidades, assim como as novas classes de trabalho e a dinâmica econômica nos grandes centros. Na Inglaterra, apesar de ter se tornado uma prática

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Figuras 2 e 3: Schrebergarten na Alemanha

realizada desde o período citado, apenas em 1918, com a legislação intitulada Small Holdings and Allotments Act, é que a agricultura urbana foi regulamentada. Dessa maneira tal solução passa a ser reconhecida, até mesmo pelo poder público, como algo que poderia alterar a realidade de miséria e falta de alimentos na cidade. A Alemanha é outro país que pode ser considerado pioneiro nesse movimento com registros que datam a primeira metade do século XIX. Nesse período, alguns donos de fábricas, administradores municipais e organizações de caridade passaram a disponibilizar parcelas de terra para o cultivo de alimentos, que posteriormente ficaram conhecidas como “Armengärten”, (jardins para os pobres). Seguindo a tendência das problemáticas causadas pela rápida urbanização nesse período, o médico alemão Daniel Gottlob Moritz Schreber, iniciou uma campanha de divulgação a respeito dos benefícios do contato com o ar livre, e em 1864 foi criada uma associação que objetivava gerenciar lotes de lazer arrendados para famílias. Dessa forma, com o passar do tempo os jardins alemães se popularizaram e adquiriram além do antigo uso a função de recreação para aqueles que desejavam maior contato com as áreas verdes. Logo após o fim da primeira guerra mundial a Alemanha garantiu taxas justas no arrendamento a partir criação de uma lei que objetivava proteger os jardins. (GRENIER, 2017) Ainda hoje, essas áreas mais conhecidas como Schrebergarten são muito populares por toda Alemanha, e sua procura só cresce principalmente por famílias com crianças e idosos. Em geral se encontram em espaços onde a procura por moradia é pequena, por exemplo nas proximidades das linhas férreas. A legislação que rege esses arrendamentos determina que ao menos um terço da área deve ser destinada ao cultivo de frutas e vegetais, e as cabanas de apoio não podem ser destinadas


Figura 4: População lutando contra fome em Berlin, 1946.

à habitação e nem passar da metragem estabelecida. (GRENIER, 2017) Tanto no período da Primeira quanto da Segunda Guerra mundial a agricultura passou a ser uma alternativa para solucionar os problemas urbanos. Em muitos dos países atingidos houveram campanhas nacionalmente difundidas para incentivar a produção de alimentos diante de um cenário de devastação e escassez. O grosso da produção voltava-se para aqueles que participavam ativamente na guerra, e com isso muitas mulheres e crianças passaram a se envolver na produção de vegetais que seriam fundamentais na sobrevivência da população. Na Primeira Guerra, a comissão de agricultura nacional norte americana lançou uma campanha que promovia o cultivo em áreas públicas e privadas uma vez que muitos dos trabalhadores rurais haviam sido recrutados para o serviço militar. Os governantes defendiam que a produção dos alimentos seria responsável por uma possível campanha vitoriosa. A campanha foi tamanha que ao final da guerra houve uma produção excedente, e com isso surgiram iniciativas nacionais que visavam continuar o trabalho bem-sucedido. Na Segunda Guerra foi a vez do Reino Unido através do ministério da agricultura fazer sua campanha “Dig for victory” (Cavar para a Vitória), que aproximadamente dobrou a quantidade de alocações de cultivo antes existentes. Homens e mulheres foram incentivados através de muita propaganda a plantar os próprios alimentos em qualquer solo disponível, inclusive em parques públicos, gramados ou proximidades com ferrovias. (GIBBS, 2013)

Figura 5: Jardim construído sobre uma cratera de bomba em Londres, 1943.


// Benefícios e impactos negativos

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Figura 6: Divulgação das Campanhas pró cultivo no período de guerras

Visto a complexidade e amplitude daquilo que se compreende como agricultura urbana, atualmente as hortas se apresentam como uma das formas de manifestação desse conceito com maior destaque, uma vez que oferece muito potencial na solução de problemas que se agravam dentro das cidades. O intenso crescimento populacional e consequente adensamento dos grandes centros ao mesmo tempo que resulta na diminuição dos espaços permeáveis e verdes, gera também muitos terrenos abandonados, ociosos e fragmentados. Isso se deve em muito à dinâmica do mercado imobiliário, que se apoia na especulação visando única e exclusivamente o acúmulo de capital e é somado, muitas vezes, à falta de planejamento urbano e instrumentos políticos eficazes para frear essa realidade. As hortas então, contribuem para a coesão do espaço urbano, e nele se integram de modo a desafiar aquilo que se entende como um desenho convencional. Muitas delas são encontradas justamente nesses terrenos abandonados ou vazios, devido ao afastamento de áreas com menor valor nas periferias, integrando então ao tecido urbano os espaços que fogem a qualquer planejamento. São espaços que retomam memórias rurais e modo de vida campo, quando a paisagem orgânica ainda se mesclava com as construções em plenos centros. (TEIXEIRA, 2016). Muitos desses terrenos ociosos acabam por acumular entulhos e mato descontrolado, podendo se tornar foco de proliferação de vetores de doenças que colocam em risco a saúde da população, além de por vezes criar espaços com pouca visibilidade, o que reduz a segurança e torna o local pouco atraente. Dessa forma, a implantação de hortas nesses espaços além de criar uma paisagem esteticamente agradável e ordenada, pode resultar na valorização de toda a área e influenciar


diretamente na qualidade de vida do entorno próximo. Os espaços verdes urbanos também possuem papel importante na recuperação ambiental e podem influenciar diretamente no microclima local. Ajudam no controle de umidade e assim melhora a qualidade atmosférica, purificam o ar reduzindo a quantidade de gás carbônico e elevando as taxas de oxigênio, reduzem a temperatura, portanto possuem capacidades termorreguladoras, diminuem ruídos provenientes de automóveis, protegem contra ventos, controla a nebulosidade e as radiações solares (LAHM; NÓR, 2016). Através do trabalho com o solo também auxiliam e reduzem as taxas de erosão e escoamento superficial, o que reflete diretamente em sua fertilidade e biodiversidade. Para muitas cidades onde grande parte da malha urbana se apresenta pavimentada, esses espaços permeáveis também são importantes para evitar ou reduzir enchentes responsáveis por cenários devastadores. Além das questões que envolvem o meio físico, as hortas urbanas comunitárias são extremamente importantes socialmente e proporcionam benefícios terapêuticos uma vez que contribuem tanto para o bem-estar físico quanto mental da população. O trabalho apesar de exigir algum esforço do corpo é revertido em sensações de satisfação e relaxamento, uma vez que se insere na natureza (GONÇALVES, 2014, apud MCKELVEY, n.d.). O contato direto com a terra, acompanhando de perto o crescimento dos produtos, e as relações então criadas são bastante significativas no que se refere ao entendimento de ciclos e respeito à vida. As longas e desgastantes jornadas de trabalho cada vez mais afasta as pessoas do convívio em comunidade, e também são reduzidos os espaços públicos que facilitem e incentivem essas interações. Por serem propostas onde o cuidado e a manutenção são essenciais, o sucesso da horta com um todo depende de como o coletivo nela se comporta, e assim, encorajam trocas de

experiências e conhecimento, principalmente dos mais velhos para com os mais novos. A interação social então promovida é capaz de dar força ao sentido de comunidade e ao sentimento de uma vizinhança unida e mais segura. Para muitos hortelões, tal prática também se trata da afirmação de que pertencemos à cidade e, portanto, devemos fortalecer essa conexão a partir de iniciativas que se baseiam na ocupação de espaços públicos, que sejam propostas e geridas apenas pela população. Essa forma de ver a importância da agricultura urbana também questiona o modo como é feita a produção de alimento em grande escala, dentro de uma lógica preestabelecida entre campo e cidade. Por fim, a função relacionada à produção de alimentos é vista por muitos como a solução possível para a fome e desnutrição que aflige inúmeras famílias no Brasil. A grande concentração de renda que gera uma das maiores desigualdades sociais a nível mundial, é observada no meio urbano principalmente nas populações marginalizadas e periféricas, que vivem muitas vezes, situações de pobreza ou miséria. Mudar esse cenário garantindo acesso a alimentos de qualidade pode, inclusive, influenciar diretamente nos ganhos de rendimento e melhoria nas taxas de aprendizagem da população. O alto valor de mercado dos alimentos provenientes de grandes monopólios de monoculturas acaba então se tornando um grande incentivo para a produção dentro das cidades, principalmente aquelas voltadas ao autoconsumo. Além de resultar em alimentos mais saudáveis, sem a presença de agrotóxicos, com melhor textura, sabor e nutricionalmente mais ricos, a proximidade com os mercados reduz custos repassados em função do transporte e possibilita o consumo de produtos mais frescos logo após a colheita (GONÇALVES, 2014) Dessa forma, a produção urbana pode ser considerada uma atividade econômica importante para muitas famílias. Seus

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impactos podem ser observados tanto na redução de gastos mensais uma vez que a quantidade de alimentos adquiridos em mercados diminui, quanto um possível aumento na renda caso a produção seja voltada também para a comercialização de produtos. Vale considerar que o custo inicial e aquele direcionado a manutenção do cultivo são considerados baixos, e são inúmeras as possibilidades de implantação, seja no quintal de casa ou em qualquer solo disponível. O cultivo dentro das cidades reaproxima a população da produção de alimentos, gera mais segurança alimentar pois incentiva o interesse da população em saber a respeito da qualidade daquilo que é consumido e a consciência de que uma boa alimentação pode gerar ganhos enormes na qualidade de vida. Por ser uma atividade ainda pouco ou nada regulamentada, a realização das hortas urbanas muitas vezes se dá através de ocupações espontâneas e, portanto, se baseiam no conhecimento daqueles que por elas são responsáveis. O uso indevido de produtos químicos quando aplicado sobre o solo pode resultar na poluição das águas de irrigação e do ar em função da presença de metais pesados. Na contramão daquilo que se espera, esses fatores podem ser responsáveis por diminuir a biodiversidade local, e caso haja uso de técnicas inapropriadas no manuseio do solo, este pode sofrer com danos causados pela erosão, conforme Gonçalves (2014 apud SMIT et al., 2001f). As hortas também podem sofrer com a falta de planejamento e má gestão. No Brasil esses espaços ainda são novos e, portanto, não fazem parte da nossa cultura como em outros lugares do mundo. Muitas vezes elas acabam sendo fruto de um interesse inicial, mas ao logo do processo a participação cai por se tratar de uma atividade que necessita de tempo e dedicação, principalmente para aqueles que desfrutam das hortas apenas como atividade de lazer. A falta de controle e cuidados por vezes

causa certo desconforto, pois resulta em espaços estaticamente desagradáveis. É importante, portanto, que existam certas limitações e regulamentações que protejam o meio ambiente, seja referente ao uso de pesticidas como praticas que devem ser evitadas no manejo do solo, para assim garantir que a agricultura urbana num geral promova benefícios para a população. Pode-se inclusive estabelecer uso de materiais e diretrizes de projeto para que não haja descaracterização da área caso essa seja uma questão relevante.


// Tipos de hortas

tipos, que englobam diferentes funções, não excludentes entre si:

Dentro do papel social que as hortas urbanas podem desempenhar, diferentes vertentes ou funções podem ser nelas empenhadas dependendo daquilo que se objetiva na análise de cada caso e localidade. Segundo o Guia D’integració Paisagística, as funções das hortas podem ser definidas de acordo com os itens a seguir:

• Hortas familiares: Função mais tradicional visando complemento de renda, porém está ligada ao crescente interesse com agricultura ecológica e o lazer ligado a natureza; • Hortas para idosos: Destinadas a pessoas que muitas vezes possuem um passado ligado ao meio rural, e se apresenta como uma alternativa saudável de lazer e ocupação; • Hortas educacionais: São voltadas principalmente para crianças no que se refere ao aprendizado de ciclos, crescimento dos alimentos e conhecimento do tempo das estações, introduzindo os hábitos de uma alimentação saudável; • Hortas terapêuticas: Visa apoiar processos terapêuticos e de recuperação atendendo a determinados tratamentos médicos, como desintoxicação, socialização, tratamentos psicológicos entre outros; • Hortas para interação social: Pensadas para favorecer o convívio social e criar laços em comunidades com risco de exclusão (a exemplo de comunidades marginalizadas)

• Produção para autoconsumo: Como o nome revela esta é a principal motivação para a horta. É preciso que as práticas agrícolas e meio ambiente se adaptem para obtenção da máxima produtividade; • Ambiental: Busca a conservação de valores e funções ecológicas, cultural e paisagística de espaços livres, principalmente no âmbito periurbano; • Urbanística: Referente a contribuição das hortas para a manutenção dos espaços livres • Social: Promoção de coesão social através de atividades educativas, lúdicas, terapêuticas; • Saúde: Causado pelo reflexo de diversos efeitos benéficos ao bem-estar pessoal, saúde e alimentação; • Cultural: É uma tradição que muitas vezes faz parte da cultura popular, tanto no meio urbano quanto no rural, podendo refletir o modo de vida da população e até caráter de cada lugar; • Estética: Mesmo sendo bastante diferentes de acordo com cada local e cultura, as hortas são referência de variedade, riqueza e harmonia, possuindo importante papel nas sociedades urbanas. Além das diferentes funções, para a criação e administração das hortas, principalmente aquelas de domínio público, é importante definir seus diferentes tipos segundo as funções sociais que podem cumprir. A seguir estão os diferentes

Ainda de acordo com o guia, para que a implantação de uma horta obtenha sucesso, é interessante considerar alguns pontos específicos no processo de criação. Entre eles estão: Local apropriado, que reúna exigências legais, funcionais e garanta acessibilidade para todos; garantia de proteção do espaço no planejamento geral; elaboração de um estudo prévio de zonas das hortas com descrição completa com analises da paisagem, patrimônio natural e cultural, situação econômica, aspectos sociais, mobilidade, usos existentes, entre outros; a promoção da participação pública; elaboração de um plano urbanístico e seus mecanismos de gestão; o projeto de criação; plano de financiamento; elaboração de um plano de usos e gestão e por fim a regulamentação do regime.

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// Exemplos consolidados pelo mundo

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//// Allotment Gardens

Considerando a função educacional das hortas, foi realizado em 2004 na cidade de Varsóvia, pelo Office International du Coin de Terre et des Jardins Familiaux, uma discussão a respeito das hortas urbanas no desenvolvimento das crianças, e a partir dela foi redigido um livro com o título Allotment gardens, Areas of experience for children, onde algumas considerações merecem ser ressaltadas. Para tanto, o estudo foi baseado em diversos casos de hortas educacionais pelo continente europeu. Segundo a publicação, enquanto o desenvolvimento sustentável é encorajado pelas práticas nas hortas, o benefício é transferido para a formação das crianças, que partem de um interesse pessoal para participarem, e por isso é importante que se envolvam desde cedo. O propósito é oferecer aos jovens um “jardim da família”, e para tal é necessário o envolvimento de ao menos três gerações. As crianças não são as responsáveis na manutenção do jardim, mas de acordo com a idade, cada um desenvolve seu papel e aprende com isso. Além das funções educacionais os jardins também podem ser utilizados para a busca de prazer e brincadeiras. Antes do período de guerras, as crianças tinham contato com a natureza intocada em diversas partes da cidade, mas essa relação foi perdida com o aumento da densidade imobiliária. Atualmente, para as crianças que crescem em grandes cidades, as hortas podem ser responsáveis por proporcionar uma relação com as áreas verdes, e nelas aprendem sobre a vida, bem como serem pacientes com um trabalho continuo, uma vez que as plantas necessitam de cuidados por toda sua vida. Também aprendem a respeitar outras pessoas em função das tarefas que são coletivas e possibilitem desenvolver o senso de comunidade.

Enquanto brincam nos jardins, as crianças desenvolvem habilidades manuais, aprendem a conviver com colegas da mesma idade e as relações que existem entre as pessoas e meio ambiente, o que é muito importante para seu desenvolvimento social e emocional. São áreas de descobrimento, onde aprendem a respeitar a natureza e os próprios seres humanos, aprendem sobre crescimento e morte, consequentemente sobre vida e os ciclos que nela presenciamos, tomam ciência de conceitos como democracia, solidariedade e tolerância uma vez que partilham as experiências. Os “Allotment gardens” são locais que possibilitam interações entre diferentes gerações, inclusive aquelas que não moram na mesma casa, o que para as crianças pode ser algo que foge da realidade cotidiana. Essa interação é importante pois quebra com a tendência atual de isolamento gerada pelas tecnologias e coloca as pessoas em contato pois dependem umas das outras, fazendo com que elas partilhem suas conquistas e conhecimento. Nos jardins as crianças brincam livremente e lá vivenciam as mudanças geradas com a passagem das estações, enquanto observam insetos e animais em geral, cores, cheiros e colhem resultados daquilo que cultivaram. Para isso, é interessante usar espécies que podem ser ingeridas no próprio local de rápido crescimento pois crianças são impacientes e anseiam por resultados. Os jardins também possuem um excelente papel socializador, contribuindo para reduzir a violência entre adolescentes, que vem crescendo nos últimos tempos. Essa relação é percebida desde quando a criança, ainda pequena, criança participa de atividades na horta, pois lá ela aprende que a criação e manutenção faz mais sentido do que a destruição. Pensando a longo prazo, são as crianças de hoje que serão responsáveis por dar continuidade a esse movimento, e diante daquilo que foi exposto, fica claro o papel desse envolvimento



no caráter e formação ideológica do indivíduo, o qual deve ser incentivado.

//// Bosques Comestibles Dentro do objetivo central que é a produção de alimentos realizada dentro das cidades, porém com um sistema que se distancia um pouco da maneira como usualmente organizamos a estrutura de plantio, existem os bosques comestíveis. Por definição é um local que se parece com a estrutura de um bosque natural jovem, com a presença de plantas que de alguma maneira beneficiam as pessoas, muitas delas sendo comestíveis. É constituído de árvores grandes, pequenas, arbustos, vegetação rasteira entre outros, de modo que sua distribuição beneficie as interações positivas durante o desenvolvimento, enquanto a fertilização do solo é gerada pelo próprio bosque. Figura 9: Comparação entre sistemas ecológicos naturais e produtivos artificiais

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Menos energia para manter Mais resiliente Alta diversidade de espécies

Mais energia Menos resiliente Baixa diversidade

Alta reciclagem de nutrientes

Baixa reciclagem de nutrientes

Muitos benéficos ambientais

Poucos benefícios ambientais

Zero contaminação Baixa emissão de CO2

Muita contaminação Média/alta emissão de CO2

Fazendo um paralelo entre as formas mais usuais de produção, em função de sua estrutura, os sistemas agrícolas


tradicionais requerem muito trabalho físico durante todas as etapas e os sistemas modernos muita energia, nesse caso proveniente do petróleo. Já os Bosques Comestíveis necessitam de muita informação e trabalho de desenho em comparação a outros tipos de hortas, isso porque é composto de plantas perenes e, portanto, possuem um ciclo de vida longo. Nesse caso mover essas plantas depois de consolidadas, demandaria muita energia e esforço. A fertilidade, que geralmente é feita através da utilização de aditivos comercializados, nos Bosques se dá pela inserção de plantas fixadoras de nitrogênio e produtoras de biomassa, além da reciclagem de material orgânico gerado pelo próprio bosque. Por possuir uma boa camada de cobertura vegetal, a qualidade do solo é mantida e o uso de plantas especificas no combate indireto a pragas ajudando na saúde do sistema como um todo. O porte de um bosque comestível pode variar entre escalas pequenas e grandes, desde áreas com 135m² até 10000m² e tem potencial de alimentar 10 pessoas em ½ hectare, o dobro se comparado à agricultura moderna, sem contar que a necessidade de manutenção é muito pequena e o gasto energia é menor. Para exemplificar essa relação, Martin Crawford, estudioso nessa área, possui bosque consolidado de 1 hectare na Inglaterra, onde é necessário um dia por semana para colheita e 10 dias no ano para manutenção. Os ‘Bosques Comestíveis’ ou ‘Edible Forest gardens’ podem ser encontrados por diversos países, e se apresentam não só como uma estratégia bastante eficiente no que se refere à relação entre manutenção, produção e custo, mas também são capazes de ampliar a forma como atuamos e interagimos com o ecossistema. A jardinagem florestal nos dá uma experiência visceral de ecologia em ação, ensinando-nos como o planeta funciona e alterando nossas auto-percepções. A jardinagem florestal nos

ajuda a tomar o nosso devido lugar como parte da natureza fazendo o trabalho da natureza, e não como entidades separadas que intervêm e dominam o mundo natural (JACKE, 2005).

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figura 10: Estrator verticais de plantas

figura 11: Evolução do bosque ao longo dos anos



//// França - Permis de Végétaliser

Em Paris, na França, desde julho de 2015, uma lei adotada pelo governo permite que os cidadãos plantem livremente pela cidade. Para tanto, é preciso obter uma “Permis de végétaliser”, ou permissão para plantar, que possuem duração de três anos, mas são renováveis. A licença inclui o cultivo de hortaliças, frutas e flores em calçadas, paredes ou espaços públicos da cidade. Para os novos jardineiros parisienses que tem interesse, a Câmara municipal fornece um kit de plantação que inclui terra e sementes. Destes, é esperado que respeitem uma carta ecológica, que impede o uso de pesticidas, recomenda o uso de espécies locais para favorecimento da biodiversidade de Paris, se comprometam com a manutenção das plantas e, por fim, que compartilhem as frutas e vegetais cultivados. A princípio a iniciativa visava embelezar a cidade fazendo as ruas florescer, permitindo que os cidadãos recuperassem locais públicos pouco utilizados, porém, já consolidada, esta se revelou uma ótima estratégia para reaproximar as pessoas e estabelecer diálogos. Enquanto desempenham tarefas nos jardins, pessoas de fora se aproximam na tentativa dar conselhos, trocar informações e até fornecendo mudas. Como resultado, o Conselho Municipal de Paris criou uma plataforma com intuito de compartilhar e dividir conselhos entre aqueles que possuem as licenças.

//// San Diego – Urban Agriculture Urban Zones

Com objetivo de apoiar a implantação de Zonas de Incentivo para Agricultura Urbana, no município de San Diego na Califórnia, EUA, foi criada uma plataforma digital pelo “San Diego Food System Alliance” (Aliança do sistema alimentar de San Diego) que se propõe a possibilitar e facilitar tal iniciativa. A Aliança do município possui como proposito central desenvolver e proporcionar um sistema alimentar saudável, sustentável e equitativo. Para tanto, contam com a colaboração entre setores, incluindo programas e políticas públicas. Para eles, a agricultura urbana pode ter amplas definições, que evolvem atividades de produção, distribuição e comercialização dos alimentos tanto nas áreas metropolitanas quanto nas bordas da cidade. Nesse processo pode ser incluído a participação da comunidade em espaços como telhados, escolas e quintais com propósitos que vão além do consumo doméstico e da educação, mas também se fundamentam em métodos inovadores e que potencializam a produção em uma pequena área, em fazendas familiares ou aquelas apoiadas pela comunidade. Tendo tais considerações em vista, as zonas de incentivo são parcelas de terra privadas onde seus proprietários recebem um incentivo fiscal para locação de 0,1 a 3 hectares de terra para os produtores. Os locatários, fazendeiros ou jardineiros usam então a terra, para a finalidade de agricultura, por cinco anos. A medida visa, através da lei estadual AB 551, aumentar o acesso de parcelas cultiváveis pelo do uso de terras vagas e privadas, aprovadas oficialmente pelo município. Para os interessados em fazer parte da iniciativa como proprietários basta preencher os critérios preestabelecidos, achar um produtor qualificado e inscrito para locar a terra e solicitar o contrato referente às Zonas de Incentivo de Agricultura Urbana. Para aqueles que desejam locar a terra é preciso consultar um

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mapa disponível na plataforma onde existe uma relação de todos os terrenos disponíveis e então submeter determinados dados.

34 figura 12: Mapa de San Diego, CA, EUA

////São Paulo - Shopping Eldorado

Na cidade de São Paulo – SP, um projeto de compostagem criado pela administração do Shopping Eldorado se destaca em um cenário nacional onde o tema agricultura urbana ainda é pouco evidente. Objetivando destinar os descartes orgânicos de forma mais consciente, desde 2012 o shopping investe no projeto que transforma, cerca de uma tonelada de lixo gerada diariamente, em compostos orgânicos. Depois de descartados, o lixo reciclável é separado do orgânico, que então recebe enzimas específicas para acelerar o processo de compostagem. O adubo obtido como resultado desse processo, é utilizado um uma horta implementada no telhado do Shopping. Além de ser uma ótima solução para reduzir a quantidade de descarte enviado a aterros sanitários, bem como a emissão de carbono proveniente de seu transporte, a proposta também busca reduzir a temperatura interna do prédio, e assim a água necessária para funcionamento dos aparelhos de refrigeração artificial. O objetivo do shopping é que em 2020 o envio de lixo seja zero, e assim se torne autossuficiente. Para tanto, será feito um trabalho de conscientização com a participação dos lojistas no setor de alimentos. Na horta são produzidos diversos vegetais, frutas e temperos a exemplo de berinjelas, cebola, abobrinha, morango, manjericão e alface, totalmente livres de agrotóxicos. Toda a produção se destina aos próprios funcionários do prédio, que realizam a colheita, em média, a cada dois meses.



// Visitas de campo

Para a realização das visitas de campo foi desenvolvido um questionário base exposto abaixo, que foi utilizado para a abordagem de membros ativos e visitantes das hortas. Por se tratarem de questões por vezes relativas, as perguntas foram responsáveis apenas por nortear as entrevistas.

Atualmente um dos estudos de caso com maior visibilidade no Brasil, a Horta das Corujas é uma horta comunitária localizada dentro de uma praça pública, na região da Vila Madalena em São Paulo. Em 2011, um evento realizado por duas jornalistas e pesquisadoras de agroecologia, reuniu por volta de 50 pessoas interessadas em debater o tema agricultura urbana, e dele foi criado um grupo com intenção dar continuidade às discussões mesmo com seu encerramento. Um ano depois e com muito mais participantes no grupo, a jornalista Claudia Visoni viu o potencial no terreno em questão, e em contato com o Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e Cultura de Paz (CADES- Pinheiros) juntamente com o subprefeito da Pinheiros, obteve autorização para que a horta fosse então criada. Dessa forma, no dia 14/07/2012 houve o primeiro encontro de voluntários para que o projeto saísse do papel e pudesse ser finalmente realizado única e exclusivamente pela comunidade. Para entender melhor a dinâmica da Horta das Corujas foi realizada no mês de novembro uma visita de campo, e nela foi possível conversar com alguns dos participantes ativos inclusive com a Claudia Visoni, que além de idealizadora desta horta, foi responsável pela implantação de outras hortas dentro de São Paulo. Como resultado desse estudo de caso, foi desenvolvido um texto que aborda tudo aquilo que foi dito pelos entrevistados. Apesar da horta possuir um grupo na internet com mais de cinco mil pessoas, poucos são aqueles que participam ativamente, acompanhando e realizando a manutenção no espaço. Mais especificamente, são em torno de cinco pessoas, adultas de ambos os sexos, e que administram o tempo entre carreira pessoal e o trabalho voluntariado. Apesar de haver uma comunicação entre essas pessoas, não há uma distribuição de tarefas pré-estabelecida.

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Quantas pessoas estão envolvidas ativamente no projeto? Qual o tipo dos frequentadores? (Idade, sexo, etc.) Como ocorre a distribuição das tarefas? Existe alguma regra de uso ou restrição na participação das pessoas? Quanto tempo é necessário para a manutenção? (Quantos dias na semana e quantas horas por dia) Quais as espécies cultivadas? Quanto tempo os frequentadores levam em média para chegar na horta? Qual meio de transporte? A colheita reflete na renda de alguma família? existe alguma produção com fins econômicos? Quais as dificuldades encontradas? Qual estratégia pode ser utilizada para atrair mais membros? Quais os benefícios? Aproximou a comunidade? Qual a motivação para participar? O que falta para melhorar? O que o poder público poderia fazer para ajudar? Qual papel da horta na cidade? (Espaço de lazer, altera a paisagem da cidade, papel educador)

//// Horta das Corujas



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A horta é aberta e qualquer pessoa pode contribuir da maneira que achar conveniente. As únicas restrições são a respeito da proibição da presença de cachorros, a não retirada de mudas e em relação ao plantio de árvores, que pode impedir o crescimento de outras espécies devido ao grande sombreamento proporcionado. A grande maioria dos frequentadores é do próprio bairro ou de regiões próximas, pois o deslocamento é realizado a pé ou de carro com pequenos trajetos. Em relação às atividades de manutenção, o ideal é algo em torno de três vezes na semana, durante algumas horas, para que haja a limpeza do terreno onde há espécies espontâneas, irrigação dos canteiros principalmente em períodos secos, e outros cuidados em geral. As espécies cultivadas variam bastante, mas vale salientar a presença bastante significativa das PANCs, plantas alimentícias não convencionais. A manutenção dessas plantas é fundamentada no fato de que, além de possuírem valor nutricional não diferente das convencionais, muitas espécies são desconhecidas por parte da população em geral, o que evita que as pessoas removam as plantas indevidamente para uso pessoal. Não há nenhuma produção com fins econômicos, porém para alguns dos entrevistados parte do consumo de vegetais diários é fruto de produtos da horta. Quando os entrevistados foram questionados a respeito da motivação que os levavam a participar da horta, diferentes razões foram observadas. Entre as mais expressivas estão: o contado com a terra como uma prática terapêutica, o consumo de alimentos orgânicos e com maior valor nutricional, a promoção de espaços saudáveis em meio à cidade cinza e adensada, a importância em passar valores tanto educacionais como os sentimentos de comunidade e pertencimento dentro da cidade, juntamente com a afirmação de ocupação do espaço público gerido única e exclusivamente pelo coletivo. A ênfase nesse último ponto foi grande, uma vez que a

ausência de interferência do poder público reflete na completa liberdade de gestão do espaço e permite que haja uma construção ideológica e espacial de acordo com a expressão de cada indivíduo. Nesse caso coube ao município apenas a disponibilização e legalização do terreno para a construção da horta, sendo que qualquer outra medida geraria receio e desconfiança. Questionamentos quanto à divisão social do trabalho, produção de alimento em massa e distanciamento entre espaço rural e urbano também foram citados. Apesar da iniciativa ter aproximado muitos moradores e gerado um espaço de convivência com pequenos eventos e intervenções, a participação efetiva ainda é muito pequena, e em geral foi atribuída à falta de tempo e prioridade das pessoas em se dedicar na horta. Uma possível estratégia para atrair o interesse de novos membros é, por hora, desconhecida. A horta não necessita de muitos recursos, a proposta é que ela seja autossuficiente. Nesse sentido muitos materiais são fruto de doação e toda a água utilizada na irrigação é proveniente de uma nascente recuperada no local.



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//// Horta do Ciclista

Localizada entre as avenidas Paulista e Consolação em São Paulo-SP, dentro da praça de mesmo nome, a Horta do Ciclista surgiu em 2012, fruto da iniciativa do coletivo Hortelões Urbanos, que buscava, acima de tudo, um uso equitativo da cidade. O espaço também se propunha a melhorar as qualidades climáticas da cidade, e diante da apropriação do espaço público pelo coletivo, produzir alimentos e temperos saudáveis para todo e qualquer cidadão que desejasse. A partir de então, participantes do projeto, em geral pessoas que residem nas proximidades da praça, se revezavam para regar e cuidar da horta, e posteriormente foi estabelecido um encontro mensal com mutirões para que o trabalho fosse fortalecido. Em uma visita realizada ao local no mês de novembro de 2017, foi encontrada uma realidade diferente daquela que era esperada. A horta se apresentava bastante descaracterizada em função da presença de uma grande quantidade de entulho e da falta de controle da vegetação existente. Conversando com Claudia Visoni, que além de responsável direta por tornar possível a Horta das Corujas, esteve à frente do movimento de elaboração da Horta do Ciclista, ela relatou que a horta sofreu muito por sua localização no centro da cidade. Isso porque, muitos moradores de rua vivem na região passaram a utilizar a horta como banheiro a céu aberto, dispensando pouco cuidado principalmente com as plantas alimentícias e medicinais. Somado à diminuição da participação de voluntários, o espaço de horta ainda resiste, porém não mais com a aparência e representação que inicialmente possuía.

//// Horta do CCSP

Após um período curto de funcionamento anos atrás, a Horta do Centro Cultural São Paulo (CCSP) foi reativada em 2013, resultado do interesse pessoal de alguns participantes do grupo Hortelões Urbanos, que discute e compartilha ideias envolvendo a agricultura urbana. A partir disso, foi realizado um acordo com o CCSP que mediante a apresentação de um projeto, liberou o uso do terraço para a reabertura da horta com a iniciativa direta da comunidade. Em conversa com Lana Lim, participante presente desde o começo do movimento que deu nova vida a horta, foi possível compreender como funciona a dinâmica do espaço atualmente. A horta conta com uma média de 8 a 10 pessoas realmente ativas e que possuem frequência em sua manutenção, sendo seu perfil bastante variado em relação à profissão e sexo, porém nem tanto quanto à idade, uma vez que não há, em geral, presença de crianças e jovens, mais de adultos acima de 20 anos e idosos. Quando questionada a respeito das razões para os perfis descritos acima, Lana dedicou maior engajamento por parte dos idosos, que muito em razão da disponibilidade de tempo integral, se demostram mais comprometidos, além de possuírem muito conhecimento nessa área. Já as crianças, frequentam mais eventos pontuais a exemplo dos educacionais realizados pelos hortelões. A horta representa um primeiro contato com a terra, um lugar de descobrimento cheio de novidades a serem exploradas, mas quase nunca elas retornam. De resto, as pessoas possuem as motivações bastante variadas para participarem. Acima de tudo, a horta é uma afirmação ideológica e política na promoção do debate da alimentação no meio urbano. A ideia é que a iniciativa seja incentivada e multiplicada pelas pessoas, tanto em suas casas quanto em outras áreas da cidade. Somado a isso, é um espaço educativo e socializador, promovendo



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interação e trocas de conhecimento. Por seu porte pequeno, não existe reflexo econômico para os participantes. Por se basear em um trabalho apenas voluntario, não existe uma separação de tarefas definida. Ao longo da semana, a horta recebe manutenção de acordo com a disponibilidade de cada participante, para as pessoas novas é recomendado que se informem antes com os demais voluntários, pois existe uma lógica no trabalho que vem sendo desenvolvido. Como o espaço é publico e totalmente aberto permitindo que qualquer pessoa interaja com as plantas, foram desenvolvidas placas informativas para informar visitantes na ausência dos hortelões. Paralelamente a isso, mensalmente são realizados multirões que acontecem aos domingos, e possuem duração entre 3 a 5 horas de acordo com as necessidades identificadas. Os multirões são divulgados no site do Centro Cultural o pelo grupo na internet, e contam com a presença de diversos voluntários que unem forças para realizar tarefas mais pesadas como podas e plantios. Também é ideal que a colheita seja sempre feita nessas ocasiões, pois já no dia ela é consumida e compartilhada entre todos aqueles que estiverem presentes participando. O conceito é passar a ideia de que existe um grande esforço por trás do cultivo, evitando assim transferir a lógica do mercado, onde a pessoa apenas colhe o produto final. É interessante que participem do ciclo todo, vejam as dificuldades que envolvem a produção, do plantio até o consumo, e possam assim desenvolver um olhar diferente sobre o alimento. Na horta são cultivadas frutas, verduras, ervas e legumes diversos, além das PANCs. As espécies estão sempre mudando uma vez que o espaço pode ser considerado experimental, e se propõe justamente a mostrar alimentos até então desconhecidos por muita gente. As únicas restrições envolvem o porte das plantas, que devem respeitar a condição estrutural da laje do prédio. O espaço também conta com a presença de uma colônia

de abelhas sem ferrão, iniciativa que promove a polinização das plantas e ajuda na preservação de espécies que estão cada vez mais diminuindo.




Agricultura urbana como estratégia de planejamento Cada vez fica mais evidente que as dinâmicas atuais das cidades, principalmente no que se refere ao crescimento desordenado e apoiado no uso irresponsável de recursos naturais, fazem parte de uma lógica insustentável. A separação clara entre as realidades urbanas e rurais já não fazem sentido, e se torna uma necessidade do planejamento urbano modificar essa relação. É necessário articular a cidade com os sistemas naturais e com o espaço rural, de uma forma coesa, coexistente e sustentável. A cidade deverá ser entendida como uma paisagem complexa, onde o sistema natural e cultural se interligam constituindo a paisagem global, integrando os vários usos, nomeadamente: agrícola, áreas destinadas à conservação da natureza e proteção de espécies (TEIXEIRA, 2016). Por mais benéfico que seja a inserção da agricultura no desenvolvimento das cidades, considerando as vantagens econômicas sociais e ambientais, os incentivos e estratégias públicas para que haja essa integração ainda são muito pequenos. Teixeira (2016 apud WAIBEL, 2009) lista medidas que poderiam facilitar a elaboração de um planejamento integrado e sustentável: • Realizar a identificação do zoneamento urbano, apontando as zonas permitidas para a agricultura urbana, bem como a integração da população agrícola urbana nos planos de zoneamento;

• Evitar problemas como o desenvolvimento descontrolado e destruição do solo a partir da inclusão das zonas periurbanas nos planos de desenvolvimento das cidades, que devem ser consideradas como “cinturões ou corredores verdes”; • Destinar e preservar zonas centrais das cidades para iniciativas voltadas prioritariamente ao indivíduo, incluindo grupos comunitários e cooperativas que incluam agricultores e/ ou pessoas desempregadas. • Permitir as atividades agrícolas urbanas em terrenos públicos e privados. Nesse caso, seria interessante a criação de um documento com a relação dos espaços, com uso temporal, disponíveis e possíveis para a implantação dos projetos; • Proporcionar o uso multifuncional da terra de modo a incentivar a participação das comunidades na gestão dos espaços urbanos públicos. Tal participação pode inclusive favorecer o município através da redução custos com manutenção dessas áreas, garantindo inclusive seu uso oficial. Os usos então não precisam se restringir a produção de alimentos, podem e devem conciliar com usos recreativos, zonas com risco de inundação, armazenamento de água e preservar a natureza; • Na elaboração de novos projetos destinados à habitação social e construção de sistemas privados, incluir espaços para hortas comunitárias e individuais. Caso haja alteração de uso em uma área antes destinada para uso agrícola, outras parcelas de terra devem ser fornecidas para este fim. É importante, portanto, que as cidades definam estratégias, sempre que possível, incluídas em planos diretores e em diretrizes de planejamento no caso daquelas que ainda estão em desenvolvimento ou crescimento, e alternativas que atenuem problemas encontrados na realidade daquelas já consolidadas. No último caso, o município pode fazer uso de instrumentos urbanísticos que incentivem o surgimento de novas iniciativas.

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Na prática isso pode significar medidas que facilitem a disponibilização e regularização de terrenos, principalmente os ociosos e abandonados, para pessoas ou instituições que tem o cultivo como objetivo, e ao proprietário do terreno um abatimento nos impostos ou alguma outra forma de compensação.

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// Agricultura urbana em Bauru No Brasil alguns municípios já possuem legislações voltadas para programas de agricultura urbana e periurbanas, outros ainda discutem projetos de lei com propostas que incluem a regularização de terras e propõe abatimentos fiscais, mas oficialmente pouco ou quase nada é efetivo, devido à falta interesse, tanto do poder público quanto da população. Atualmente quase todas as manifestações de hortas dentro das cidades são feitas de forma espontânea e sem qualquer tipo de apoio legal, fato que apesar de revelar o interesse de parte da população, nem sempre é favorável quando considerado um plano de mudança em grande escala. No mês de dezembro de 2017, foi realizada uma visita ao SAGRA, Secretaria Municipal de Agricultura e Abastecimento em Bauru, com o objetivo de obter informações a respeito do posicionamento do município frente às questões das hortas urbanas. Em conversa com o técnico agrícola Mario Augusto, funcionário responsável pelas hortas da região, ficou claro como a cidade ainda caminha para se inserir nesse contexto. Inicialmente, os questionamentos se voltaram para a compreensão de como a Prefeitura se comporta diante de uma solicitação para a criação de novas hortas. O técnico relatou que, a partir da procura, a Prefeitura vai até o local referente à solicitação, e verifica a posse do terreno. Caso seja público, é preciso identificar qual Secretaria tem sua posse. Assim sendo, é realizado um levantamento na Secretaria de Planejamento e as hortas apoiadas pela prefeitura são legalizadas, e uma vez aprovada a planta de construção, ocorre a liberação do ponto de água que é essencial para os projetos. Além da liberação do terreno, quando possível a


Prefeitura disponibiliza mudas e maquinário para ajudar na fase inicial de implantação da horta. Atualmente também é oferecida assistência técnica assistida, e a exemplo de um projeto dentro de um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida, também cursos para capacitação da comunidade. Apesar dessas iniciativas, não existe nenhuma lei municipal para gerir as hortas, apenas um projeto de lei (não disponível para consulta) onde o foco principal é a redução nos impostos de água. Muitas pessoas acabam preferindo o uso de terrenos particulares, uma vez que as negociações realizadas diretamente entre proprietário e usuário são menos burocráticas. Outra problemática relatada por Mario Augusto foi que, em geral, em Bauru as hortas são tratadas de maneira equivocadas por parte da população. Muitos que procuram a Prefeitura desejam realizar hortas voltadas para atender a comunidade, partindo de um viés empreendedor, e com um método de trabalho comunitário. Apesar de um histórico significativo, que inclui um caso de reconhecimento a nível nacional dentro da comunidade do Jardim Ivone, atualmente nenhuma horta existente no município é, de fato, comunitária. Em função de questões culturais, a cidade tem dificuldade em manter os projetos vivos por longos períodos, principalmente quando a Prefeitura para de interferir com as assistências e visitas técnicas. Independente desse cenário, algumas hortas estão sendo reformuladas e o desejo da gestão atual é que esse trabalho possa com o tempo ser ampliado.

// Agricultura urbana em São Paulo Diferente da realidade de Bauru, São Paulo além abarcar exemplos relevantes de hortas urbanas geridas pela participação comunitária, também se destaca quanto sua legislação. Em 2004 foi aprovada uma lei municipal pela então prefeita Marta Suplicy, na qual foi criado o programa de Agricultura Urbana e Periurbana PROAURP. O programa tem como base apoiar e incentivar a produção local, de modo a ajudar na implantação de hortas, na criação de pequenos animais, pomares e plantas ornamentais. Aqueles beneficiados pelo projeto ainda contam com acesso a orientação técnica, ferramentas, sementes, entre outros. Na Lei estão presentes 12 artigos referentes aos objetivos do projeto, formas de abordagens e responsabilidades do executivo. A lei pode ser acessada na íntegra, com o intuito de ser utilizada como um mecanismo de consulta complementar no entendimento daquilo que pode ser feito por parte dos gestores. LEI Nº 13.727, DE 12 DE JANEIRO DE 2004 Art. 1º - Fica criado o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana PROAURP no município de São Paulo. § 1º - Para os fins desta lei, entende-se por agricultura urbana toda a atividade destinada ao cultivo de hortaliças, legumes, plantas medicinais, plantas frutíferas e flores, bem como a criação de animais de pequeno porte, piscicultura e a produção artesanal de alimentos e bebidas para o consumo humano no âmbito do município. § 2º - A implementação do programa se dará em áreas públicas e privadas do município. Art. 2º - O Programa de Agricultura Urbana e Periurbana do Município de São Paulo tem por objetivos: I - combater a fome; II - incentivar a geração de emprego e renda; III - promover a inclusão social; IV - incentivar a agricultura familiar;

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V - incentivar a produção para o autoconsumo; VI - incentivar o associativismo; VII - incentivar o agroecoturismo; VIII - incentivar a venda direta do produtor; IX - reduzir o custo do acesso ao alimento para os consumidores de baixa renda. Art. 3º - O Executivo efetuará o levantamento das áreas públicas apropriadas para a implantação do programa, observando a Lei nº 13.430/2002. Art. 4º - O Executivo cadastrará as áreas privadas compatíveis para a implementação do programa, com prévia concordância dos proprietários. § 1º - O Executivo poderá oferecer incentivo fiscal ao proprietário de terreno sem edificação ou com edificação que não comprometa a implementação do programa, com redução do IPTU. § 2º - Para a implementação do programa o Executivo poderá proceder à utilização compulsória dos terrenos particulares, nos termos da Lei Municipal nº 13.430/2002. Art. 5º - O Executivo criará um sistema de banco de dados dos terrenos públicos e particulares apropriados para a implementação do programa, disponibilizando os dados pela Internet. Art. 6º - O Executivo está autorizado a firmar convênios com entidades privadas que desempenhem serviços de utilidade pública para a implementação do programa. § 1º - O Executivo regulamentará os critérios para o cadastramento das entidades referidas no “caput” deste artigo. § 2º - Serão priorizadas as entidades que apresentarem maior tempo comprovado de trabalho em ações comunitárias e sociais, desde que preencham os demais critérios exigidos em regulamentação pelo Executivo. Art. 7º - O programa priorizará: I - a produção local de alimentos incentivando a vocação de cada região; II - uma política de crédito e de seguro agrícolas; III - a garantia de assistência técnica e pesquisa pública direcionadas ao bom desempenho do programa; IV - incentivo para a consolidação de formas solidárias de produção e comercialização dos produtos; V - o incentivo para formação de cooperativas de produção e de comercialização dos produtos; VI - formas e instrumentos de agregação de valor aos produtos; VII - a criação de centrais de compra e distribuição nas periferias da cidade; VIII - a aproximação de produtores e consumidores de uma mesma região; IX - estimular os comerciantes a vender produtos locais em feiras e mercados

municipais; X - a compra de produtos do programa para abastecimento das escolas municipais, creches, asilos, restaurantes populares, hospitais e entidades assistenciais. Art. 8º - O Executivo garantirá a realização de cursos de aprendizado e aprimoramento em matérias concernentes aos propósitos desta lei, bem como a assistência técnica nos locais de implementação do programa. Art. 9º - O Executivo deverá adotar providências no sentido de que princípios básicos de agricultura sejam incluídos no conteúdo de algumas disciplinas escolares, a critério do órgão competente. Art. 10 - Fica o Executivo autorizado a firmar parcerias e convênios com a União, com o Estado, cooperativas de trabalho, as micro, pequenas, médias e grandes empresas, bem como com entidades estrangeiras para atingir os objetivos desta lei. Art. 11 - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta das dotações orçamentária próprias consignadas no Orçamento, suplementadas se necessário. Art. 12 - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 12 de janeiro de 2004, 450º da fundação de São Paulo.

Também é importante destacar o que o Plano Diretor Estratégico, lei municipal de 31 de julho de 2014, aborda sobre tema. Isso porque, este orienta o desenvolvimento e o crescimento da cidade até 2030. O Plano Diretor Estratégico é, por definição: TÍTULO I CAPÍTULO I DA ABRANGÊNCIA E DOS CONCEITOS Art. 3º O Plano Diretor Estratégico orienta o planejamento urbano municipal e seus objetivos, diretrizes e prioridades devem ser respeitados pelos seguintes planos e normas: I – Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias, Lei Orçamentária Anual e o Plano de Metas; II – Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, Planos Regionais das Subprefeituras, Planos de Bairros, planos setoriais de políticas urbanoambientais e demais normas correlatas.


Os próximos trechos extraídos do Plano evidenciam questões que envolvem o meio ambiente, e a necessidade de que a cidade o garanta de maneira saudável e equilibrada. Cabe aqui a discussão de como a lei é extremamente abrangente e rigorosa, porém na prática não muito do que ela abrange não é observado. Essa observação pode ser aplicada, por exemplo, em relação ao artigo sexto, o qual trata sobre a ordenação e controle do uso do solo de modo a evitar excesso de impermeabilização do solo e poluição. Fica evidente, nas discussões abordadas ao longo do trabalho, que essas questões estão entre as mais graves e são responsáveis pela degradação do meio urbano. CAPÍTULO II DOS PRINCÍPIOS, DIRETRIZES E OBJETIVOS Art. 5º Os princípios que regem a Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico são: (...) VI – Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado; § 6º Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado é o direito sobre o patrimônio ambiental, bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de vida, constituído por elementos do sistema ambiental natural e do sistema urbano de forma que estes se organizem equilibradamente para a melhoria da qualidade ambiental e bem-estar humano. Art. 6º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico se orientam pelas seguintes diretrizes: (...) XIII – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: f) a poluição e a degradação ambiental; g) a excessiva ou inadequada impermeabilização do solo; Art. 7º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico se orientam pelos seguintes objetivos estratégicos: IX – ampliar e requalificar os espaços públicos, as áreas verdes e permeáveis e a paisagem; X – proteger as áreas de preservação permanente, as unidades de conservação, as áreas de proteção dos mananciais e a biodiversidade; XI – contribuir para mitigação de fatores antropogênicos que contribuem para a mudança climática, inclusive por meio da redução e remoção de gases

de efeito estufa, da utilização de fontes renováveis de energia e da construção sustentável, e para a adaptação aos efeitos reais ou esperados das mudanças climáticas; TÍTULO II DA ORDENAÇÃO TERRITORIAL CAPÍTULO I DA ESTRUTURAÇÃO E ORDENAÇÃO TERRITORIAL Art. 8º Para garantir um desenvolvimento urbano sustentável e equilibrado entre as várias visões existentes no Município sobre seu futuro, o Plano Diretor observa e considera, em sua estratégia de ordenamento territorial, as seguintes cinco dimensões: II – a dimensão ambiental, fundamental para garantir o necessário equilíbrio entre as áreas edificadas e os espaços livres e verdes no interior da área urbanizada e entre esta e as áreas preservadas e protegidas no conjunto do Município; Art. 9º A estratégia territorial do Plano Diretor, na perspectiva de observar de maneira equilibrada as dimensões definidas no artigo anterior e, ainda, os princípios, diretrizes e objetivos da Política Urbana, estrutura-se a partir dos seguintes elementos: c) rede hídrica e ambiental constituída pelo conjunto de cursos d´água, cabeceiras de drenagem e planícies aluviais, de parques urbanos, lineares e naturais, áreas verdes significativas e áreas protegidas e espaços livres, que constitui o arcabouço ambiental do Município e desempenha funções estratégicas para garantir o equilíbrio e a sustentabilidade urbanos;

49



Caracterização da área de estudo // Breve histórico da cidade de São Paulo A fundação da cidade está inserida no processo de colonização da América pelos portugueses. A princípio, em 1553 foi fundada uma vila em torno da capela consagrada a Santo André. Devido a questões geográficas e conflitos envolvendo povos indígenas, jesuítas da Companhia de Jesus, entre eles Manuel da Nobrega e José de Anchieta, transferiram a missão para o planalto de Piratininga, local tido como seguro, por se encontrar em uma colina alta e plana, de boas águas, e cercado pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú (TAUNAY, 2004). Neste local, em janeiro de 1554 foi realizada uma missa onde se encontra o primeiro colégio da companhia, que deu início ao pequeno arraial de São Paulo do Campo de Piratininga. Em 1560 o povoado se tornou Vila, mas a falta de proximidade com o litoral e seu consequente isolamento comercial, fez com que a região tivesse pouco destaque na América Portuguesa e se limitasse a área que, posteriormente, foi denominada centro velho de São Paulo (TAUNAY, 2004). Anos mais tarde, em 1681, São Paulo passou a ser considerado principal povoado da Capitania de mesmo nome, e em 1711 se tornou cidade. Com a independência do Brasil no começo do século XIX, se firmou como capital da província, e neste período tornou-se importante núcleo de atividades políticas e intelectuais. Tempo depois, no final do século, em função do cultivo do café e das linhas férreas, a cidade passa por grandes transformações, tanto econômicas, quanto sociais. Em menos de 10 anos praticamente duplica a quantidade de habitantes, fazendo com que a malha urbana expandisse consideravelmente. É relevante destacar, tendo em vista as análises propostas por esse trabalho, como São Paulo mudou sua estrutura dentro do

período histórico descrito quando comparado com os dias atuais. Conforme relatado por (ALFREDO, Anselmo) São Paulo como cidade é um conceito inconsistente antes do século XIX, uma vez que seu núcleo central só pode ser explicado pela dinâmica agraria da época. Seria possível considerar que, o perímetro urbano, ate então, se estabelecia como a periferia das estruturas sociais, pois eram realizadas fora da cidade propriamente dita. “Pode-se dizer que a história (...) de São Paulo começou em princípios do século XIX, no fim do período colonial. Até aí São Paulo nem os outros núcleos do planalto tinham experimentado qualquer urbanização apreciável” (MORSE, s/d, p16) As passagens a seguir reforçam esse período da história. A população da cidade de São Paulo possuía forte vínculo com a terra. Essa relação se manifestava principalmente através da agricultura familiar, tanto para as famílias mais abastadas quanto para as classes mais baixas. “Muito mais numerosos eram, contudo, os estabelecimentos agrícolas, cujos responsáveis residiam no local. (...)” (LANGENBUCH, 1971, p.13) “(...) No Brasil colonial, entretanto, as terras dedicadas à lavoura eram a morada habitual dos grandes. Só afluíam eles aos centros urbanos a fim de assistirem aos festejos e solenidades. Nas cidades apenas residiam alguns funcionários da administração, oficiais mecânicos e mercadores em geral.” (HOLANDA, 1991, p.52)

51


figura 13: evolução da malha urbana em São Paulo

1872

1882 a 1914

1915 a 1929

52 1950 a 1952

1963 a 1974

1975 a 1985

No século XX, a economia segue trazendo progresso a cidade, que passa a ter notoriedade em suas manifestações culturais, artísticas e tecnológicas. Com a primeira guerra mundial, o processo de industrialização acelera ainda mais, porém as consequências das novas relações de trabalho passam a ser observadas na degradação da qualidade de vida da população (TAUNAY, 2004). Em 1930, com a quebra da bolsa de Nova Yorque, São Paulo vive a primeira grande crise do café, que alterou o cenário político e pactos vigentes a nível nacional. Nesse período é observado o processo de verticalização que marca uma importante alteração na conformação urbana da cidade. No comando de Prestes Maia,

prefeito de São Paulo na década de 40, se dá inicio ao “plano de Avenidas”, que tinha como principal objetivo atender aos interesses da indústria imobiliária. Com crescimento desordenado e bastante desigual, aumentam as áreas periféricas e, portanto, afastadas do centro, movimento este que, agravado com a especulação imobiliária, gera uma grave crise de habitação na cidade. Nos anos 50 se dá início à desconcentração do parque industrial para outros municípios dentro da região metropolitana e assim uma alteração nas dinâmicas da cidade. Ao longo desse processo, iniciativas como a implantação das linhas de metro visam atender as novas demandas da população (BARON, 2011). As imagens 32, 33 e 34 ilustram as mudanças no centro de São Paulo em um intervalo de pouco mais de 100 anos. Antes mais arborizada e com edifícios de menor gabarito, para o cenário atual, onde a zona central se encontra altamente verticalizada com pouco verde e áreas livres.


Figura 14: Avenida Paulista, São Paulo, 1905

// Plano diretor Objetivando promover melhorias na qualidade de vida dos residentes de uma das regiões mais adensadas da cidade de São Paulo, foram escolhidos lotes que se localizam no bairro Santa Cecília, zona central. De acordo com o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, a zona urbana se encontra em sua integridade na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana. Esta, por sua vez é dividida em 4 Macroáreas. O local de estudo se encontra na III – Macroárea de Estruturação Metropolitana. No seguinte trecho extraído do plano, é interessante frisar as questões ambientais abordadas no objetivo específico II do setor: DA ORDENAÇÃO TERRITORIAL CAPÍTULO I DA ESTRUTURAÇÃO E ORDENAÇÃO TERRITORIAL Seção I Da Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana Subseção I Da Macroárea de Estruturação Metropolitana § 1º Os objetivos específicos a serem alcançados no Setor Orla Ferroviária e Fluvial da Macroárea de Estruturação Metropolitana são: (...) II – recuperação da qualidade dos sistemas ambientais existentes, especialmente dos rios, córregos e áreas vegetadas, articulando-os adequadamente com os sistemas urbanos, principalmente de drenagem, saneamento básico e mobilidade, com especial atenção à recuperação das planícies fluviais e mitigação das ilhas de calor;

Em relação ao uso e ocupação do solo, os lotes se classificam como ZEM - zona Eixo de estruturação e Transformação Metropolitana, que possui a seguinte definição:

Figura 15: Vista do centro de São Paulo, década de 40

CAPÍTULO II DA REGULAÇÃO DO PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO E DA PAISAGEM URBANA

53


Seção VIII Dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana Art. 75. Os eixos de estruturação da transformação urbana, definidos pelos elementos estruturais dos sistemas de transporte coletivo de média e alta capacidade, existentes e planejados, determinam áreas de influência potencialmente aptas ao adensamento construtivo e populacional e ao uso misto entre usos residenciais e não residenciais.

Por se tratar de uma área central, assim como especificado no plano, é esperado que haja um adensamento maior tanto construtivo quanto populacional, para assim melhor aproveitar toda a infraestrutura urbana disponível. Porém, também fica claro que essa utilização deve ser feita sem abrir mão da qualidade e manutenção ambiental.

Figura 17: Ampliação do mapa Uso e Ocupação do solo, São Paulo

De acordo com dados disponibilizados pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, a subprefeitura da Sé, que cobre a área de estudo, é a sexta colocada, dentro de 33 analisadas, com Figura 16: Mapa Uso e Ocupação do solo, São Paulo


menor índice de cobertura vegetal por habitante: 6,18 (m²/hab). Mesmo levando em conta que a região se destina ao adensamento, as análises propostas pelo trabalho evidenciam que esse índice é baixo, e a carência do verde sofrida por esta população não é suprida, ainda que haja meios e terrenos subutilizados que poderiam reverter esse cenário. Subprefeitura

Área de Cobertura Vegetal (m²)

População

Índice de Cobertura Vegetal por habitante (m²/ hab)

Aricacanduva/ Formosa/Carrao

1766203,1

273893,93

6.45

Butanta

29156611,09

414767,62

70.3

Campo Limpo

10678296,52

561284

19.02

Capela do Socorro

58263463,55

626331,1

93.02

Casa Verde/ Cachoeirinha

6571315,02

335479

19.59

Cidade Ademar

8064387,5

409167

19.71

Cidade Tiradentes

4976712,85

209694

23.73

Ermelino Matarazzo

1081205,76

219663

4.92

Freguesia/Brasilandia

12108009,75

431473

28.06

Guaianases

1785871,17

284795

6.27

Ipiranga

5867062,63

449942,02

13.04

Itaim Paulista

835363,58

395976

2.11

Itaquera

22189774,89

530038

41.86

Jabaquara

1519317,2

227565

6.68

Jacana/Tremembe

45492830,14

275054

165.4

Lapa

5381171,74

275616

19.52

Mooca

2632306,29

313491

8.4

MâBoi Mirim

19563467,09

544309

35.94

Parelheiros

338140737,82

127343

2655.35

Penha

2902125,83

497364

5.84

Perus

39287800,35

121953

322.16

Pinheiros

6110225,46

271203

22.53

Pirituba

27026114,72

421877

64.06

Santana/Tucuruvi

12294476,66

333659

36.85

Santo Amaro

14233584,69

224046

63.53

Sao Mateus

14345263,27

418263

34.3

Sao Miguel

1244327,91

414063

3.01

2382670,67

385348

6.18

Vila Maria/Vila Guilherme

1143663,53

320730

3.57

Vila Mariana

3752416,82

315303

11.9

Vila Prudente/ Sapopemba

1945557,9

551894

3.53

Quadro 3: Índice de áreas verdes por região

55


//Área de intervenção

56

Tendo em vista as discussões feitas ao longo do trabalho, a escolha da área de projeto partiu, principalmente, da intenção de incluir uma região que sofre com o adensamento e a falta do verde de uso público no centro da cidade de São Paulo. A partir de estudos no Bairro Santa Cecília, foi observada uma altíssima quantidade de lotes utilizados como estacionamentos pagos, a grande maioria terrenos abertos que dispõe de uma infraestrutura mínima, e muitos provavelmente resultado da falta de uso. Levando em conta não só a ausencia de praças, mas problemas graves relacionados com a crise de moradia no centro, a utilização desses terrenos para uso exclusivo do automóvel é algo a ser condenado. Além de dar foco a um meio de transporte extremamente poluente e que muitas vezes exclui o pedestre nas prioridades do planejamento urbano, esses lotes não exploram seu potencial de acordo a localização. A partir da realização de mapas de estudo, que incluíram critérios como mobilidade pública, fluxos, a presença de áreas verdes e o mapeamento dos estacionamentos, dentro de um raio de dois quilômetros, foi possível selecionar lotes que melhor se adequassem ao uso proposto. A inteção de identificar esses terrenos privados também se baseia na ideia de que todos eles poderiam ser utilizados para fins semelhantes, e dessa forma criar uma conexão verde ao longo do centro. Assim sendo, dois terrenos foram escolhidos. O primeiro localizado na Rua Largo Santa Cecília 136, onde será proposta a da horta urbana, e o segundo na Rua Frederico Abranches, irá apenas complementar o trabalho como uma proposta, mas não terá seu projeto detalhado. Aprofundando mais nos estudos da área ilustrados nos mapas, foi possível observar que, dentre as poucas áreas verdes de uso público que existem nesse raio, apenas uma, a Praça

da República, possui destaque por seu porte e infraestrutura. Mesmo assim, a praça fica a quase 1km de distância do lote mais próximo, e como discutido ao londo do trabalho, essa relação se mostra ser insuficiente. Quanto a questão da mobilidade, a escolha foi pautada na proximidade com uma relevante e movimentada estação do metro, o ponto Santa Cecília da linha vermelha. Este fator contribui diretamente para a visibilidade do projeto, de modo a se tornar convidativo e atraente aos pedestres que circulam diariamente pela região e garante a facilidade de acesso aos usuários que dependem de transporte para chegar a horta. Com a presença do largo Santa Cecília, o movimento é intensificado pela realização diária de comércio informal a céu aberto, o que fortalece o sentimento de segurança resultante da presença e encontro de pessoas. Distante uma quadra do largo, se encontram a Avenida São João e a via expressa Elevado Presidente João Goulart, mais conhecido como Minhoção. Ambas as vias possuem um fluxo bastante intenso, a primeira muito em função de possuir lotes comerciais relevantes e a segunda por, além de ser uma conexão importante na cidade, já ser considerada um parque público. Atualmente, o minhoção fecha para os automóveis de segunda a sexta das oito da noite as sete da manhã, e o dia todo durante finais de semana e feriados. Apesar de ser um parque sem vegetação, o espaço é bastante utilizado para a realização de caminhadas, passeio com animais, uso de bicicletas e pessoas que buscam apenas um local para relaxar. Como um dos acessos principais para o elevado também dista uma quadra do largo, muitas pessoas passam por ali quando se deslocam até o parque. Outra questão importante que justifica a localização do projeto é sua função social. Por ser uma região central da cidade, somado a presença Minhocão, e da estação de metro Santa Cecília, a concentração de moradores de rua próxima aos lotes


57

Mapa 1 - Uso do solo

Mapa 2 - Fluxos

Lotes propostos Áreas verdes públicas Lotes de estacionamento

Lotes propostos Estação Santa Cecília Hospital Santa Casa


58

escolhidos é muito grande. O elevado possui em sua estrutura a função não intencional de abrigo pois protege esses moradores das intempéries climáticas, e a estação do metro com seu fluxo intenso lhes é interessante uma vez que muitos sobrevivem de esmolas e doações vindas daqueles que ali circulam. A proposta inclui absorver esses moradores de rua no funcionamento das hortas, visando garantir certa autonomia financeira e alimento que, para estes, é escasso. A região ainda conta com uma grande feira pública, que aos domingos fecha parte da Rua Sebastião Pereira, perpendicular ao largo Santa Cecília. Lá, são comercializadas plantas, frutas, verduras e alimentos em geral. A proximidade com a feira é interessante em função da possibiliadade de incluir nela a produção resultante do cultivo realizado nas hortas, e assim ampliar o potencial de arrecadação financeira para os participantes.

Figura 18: Localização dos lotes


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PROJETO A proposta do projeto surgiu do desejo de pensar soluções cabíveis a realidade de São Paulo, usando como base as referências e visitas de campo apresentadas. Através das primeiras, foi possível estudar diferentes soluções práticas e teóricas que, dentro de contextos específicos, obtiveram êxito na prática da agricultura urbana pelo globo. Já as visitas fizeram a ponte entre aquilo que se propõe uma boa alternativa e aquilo que de fato pode ser eficaz levando em conta nossos fatores culturais e legais. Pensando em contexto, a ideia inicial foi trabalhar com um padrão específico de terrenos, que fossem centrais, abandonados ou que tivessem pouca infraestrutura no uso proposto. Dentro dessas características, a peneira foi realizada levando em conta outros fatores interessantes à proposta, uma vez que qualquer lote poderia ser considerado adequado. A escolha de dois terrenos, sendo que apenas um teve seus usos especificados, se fundamenta justamente nessa ideia de mostrar que seria possível conectar a cidade através de uma malha verde. E para isso independem as dimensões dos lotes, uma vez que são inúmeras as possibilidades de realizar agricultura dentro da cidade. Ao decorrer do estudo, ficou claro como ainda é difícil contar apenas com o comprometimento de voluntários para manter os espaços atualizados. Tendo isso em mente, surgiu o desejo de incluir no projeto, mesmo que apenas como uma ideia, a destinação do terreno localizado na Rua Frederico Abranches à realização de uma Agrofloresta. Assim como abordado no capítulo Hortas Urbanas, esse modelo que imita um ecossistema natural necessita de pouca manutenção e infraestrutura investida em dependências, e é capaz de suprir uma demanda considerada alta. Esse terreno então chamou atenção pelo fluxo intenso em

sua via, medidas que possibilitariam um sistema em larga escala, topografia suave e pouca pavimentação. Em relação à proposta central do trabalho, o lote foi escolhido principalmente por sua localização privilegiada e dimensões que permitem a criação de um espaço amplo e multifuncional, sem esquecer das questões citadas no subcapítulo anterior. Por se tratar de um miolo de quadra que dá acesso direto a sete residências, o local se torna ainda mais seguro por contar com um constantente movimento de pessoas, ao mesmo tempo que provome tranquilidade e certo afastamento do barulho e caos típicos de uma zona central. Então definidos os terrenos, a ideia foi propor que o caminho percorrido entre eles tivesse uma continuidade e assim se tornasse mais agradável e sadio. A área verde que está representada na “Isométrica caminho verde”, localizada entre a Rua Sebastião Pereira e o Elevado João Goulart não se encontra no mapa de estudo por se tratar de um espaço privado. A praça faz parte das dependências administrativas do metro e restringe o acesso das pessoas pela presença de grades. O afastamento destas, seria uma medida bastante simples e que possibilitaria o aproveitamento de parte do espaço pela população, fosse como local de descanso ou plantio de pequena escala. Também estão incluídas na isométrica pequenas áreas permeáveis já existentes.

63


IsomĂŠtrica caminho verde


//A horta A intenção do projeto foi criar um espaço com diferentes usos, produtivo por meio das hortas, mas que também fosse um local de convivência e permanência. Dentro desses usos seriam abarcadas a função educacional, e propostas que ampliariam a geração de renda através da produção obtida. Dessa forma, foram incluídos no programa, além da área de plantio, um café, um pequeno pavilhão expositivo sombreado por um pomar, a estufa e o depósito. Os estudos solares representados na página 65 foram realizados para que a distribuição desse programa ocorresse de maneira correta, uma vez que as hortas dependem de uma quantidade diária de insolação direta para que as hortaliças se desenvolvam. A recomendação é que elas recebam ao menos um período completo de sol, e como pode ser observado, tanto no inverno quanto no verão essa relação é assegurada. Grande parte da horta sofre influência da insolação norte, assim como a estufa, que depende do sol para cumprir com sua função. A ideia foi criar um percurso que se iniciasse com as áreas de maior fluxo para então chegar num espaço mais calmo e reservado ao fundo do terreno. O único acesso se dá pela Rua Largo Santa Cecília, com uma extensão de aproximadamente 15 metros. A fachada conta com a proteção de uma cerca de concreto baixa, apenas para controlar a entrada de animais sem acompanhamento nas hortas. Na frente da entrada, a rua permite que os carros estacionem rapidamente para embarque e desembarque, facilitando o acesso de usuários que dependem da locomoção através de automóvel. Nessa parte inicial, estão localizados um espaço de horta comunitária e livre para o uso de toda a comunidade, um bicicletário, bem como o Café, que conta com um ambiente de mobiliado que se destina ao consumo dos produtos oferecidos.

A proposta é que a base desses alimentos seja toda resultante das colheitas realizadas nas hortas e pomar. Os canteiros são todos elevados, e possuem diferentes alturas e espaçamento. Essa decisão foi pautada na facilidade de manuseio e locomoção por aqueles com mobilidade reduzida, a exemplo de cadeirantes e idosos. Ainda na parte de uso comum, na área mais reservada do lote está o pavilhão educativo. O espaço aberto e visualmente permeável busca ser um ponto de repouso, um local de encontro e acima de tudo informativo. Nele há a presença de estruturas interativas, destinadas à exposição de painéis que abordem temas variados, e reafirmem a importância de iniciativas como essa para o bem estar social. Em uma de suas extremidades estão localizados banheiros unissex, sendo um deles acessível de acordo com a norma brasileira ABNT NBR 9050, terceira edição. Por fim, separada também por uma cerca baixa de concreto, se encontra a parte restrita da plantação. Para que o projeto possa de fato gerar renda e melhorar a realidade de algumas famílias, é preciso que haja uma administração organizada, a exemplo das cooperativas, e que através do incentivo público, torne as atividades estabelecidas um ofício. Tendo em vista as mazelas da população local marginalizada, que sofre com a falta de amparo e má distribuição de alimento dentro da cidade, é intenção da proposta absorver e capacitar previamente essa mão de obra para que realizem as atividades propostas. Dentro dessa área restrita, estão localizadas estruturas que visam melhorar o desempenho da produção e promover um ambiente agradável aos usuários. As composteiras potencializam o desenvolvimento das plantas por meio da produção de adubo natural, e são uma alternativa ecológica para o destino adequado dos resíduos orgânicos gerados no Café. A estufa contribui para o volume da plantação, uma vez que facilita o desenvolvimento e germinação das pequenas mudas, até que se desenvolvam

65


66

e se tornem preparadas ao plantio externo. Ao lado da estufa está o depósito, destinado ao armazenamento das ferramentas e materiais utilizados, tanto nas hortas, quanto no pavilhão. Somado a estes, está o espaço protegido por um pergolado, onde a presença de uma grande mesa busca promover momentos de socialização e interação entre as pessoas. Entre os canteiros estão outros dois pontos de descanso, o primeiro e menor com bancos vazados desenhados seguindo a lógica projetual, e o segundo e maior, que além dos bancos possui uma estrutura de madeira. Para que não se perdesse muito espaço útil de plantio, foram pensadas rotas mais largas e acessíveis, com 80 cm de largura, sendo que a maior parte dos canteiros dista 70 cm uns dos outros. Para todas as construções, o projeto buscou soluções de baixa complexidade e o uso de materiais de fácil acesso, que variam entre madeira e concreto. Diferentes destes, alguns mobiliários metálicos, e as estruturas de aço dispostas ao longo dos muros para a fixação de trepadeiras. Juntamente com grafites realizados pela comunidade, essas estruturas objetivam tornar o ambiente esteticamente mais agradável, levando em conta os muros altos e envoltos por edificações. Com relação aos caminhos, exceto a via principal, pensada em concreto para dar mais conforto as pessoas com mobilidade reduzida, é proposto o uso de concreto permeável, para promover maiores níveis de absorção de água da chuva. Não cabe a esse trabalho definir as espécies e tipos vegetais utilizados, porém a sugestão, principalmente para as árvores frutíferas, é que fossem utilizadas preferencialmente espécies nativas do estado, pois são plantas que se adaptam melhor ao nosso clima, e juntas se desenvolvem melhor. Dentro dessa categoria é possível citar a jabuticabeira, o ingazeiro, a cereja brasileira, a perinha-do-cerrado, o cambucí, o araçá e a grumixama. São espécies pouco conhecidas, que poderiam ter seu potencial mais bem aproveitado, sem contar que sua presença

também seria interessante para discutir a falta de protagonismo ao meio ambiente além de promover a preservação da nossa flora. Nos canteiros de horta a ideia é que o cultivo seja bastante variado, que as espécies sejam distribuidas de maneira adequada levando em conta a necessidade de sol de cada uma, e haja a garantia de que os agricultores não utilizem compostos químicos, fornecendo produtos orgânicos e frescos. Descrição Geral Espaço de canteiro Pavilhão Estufa Depósito Pergolado Café Áreas de descanso Quadro 4: Áreas do projeto.

Área (m²) 2386 1109,4 85,4 36,4 9,9 15 34,4 39,3


12h

12h

9h 15h

9h

Estudo Solar Inverno

15h

Estudo Solar VerĂŁo


Painéis expositivos

Áreas de descanso

Canteiros elevados

Isométrica geral


Grelhas permeáveis

área de permanência

Bicicletário


Cambucí

Campomanesia phaea

Jabuticabeira

Myrciaria cauliflora

Espécies sugeridas

Uvaia

Eugenia pyriformis

Grumixameira

Eugenia brasiliensis

Araçá

Psidium cattleianum

Perinha-do-cerrado Eugenia klotzschiana


rotas maiores 80cm

D B

C

2

5

3

1

Implantação escala 1:350

D

B

1- Café 2- Pavilhão educativo 3- Estufa 4- Depósito 5- Descanso

C

A

5

A

4

0

2,5

5

10

25


F

E

laje de concreto Vedação de madeira Sanitários

Bancos de madeira

Piso permeável

Painel expositivo Piso de concreto Elemento vazado em madeira

F

E

Planta Pavilhão Escala 1:100

0

1

2

4

8


G

3

Teto verde

Vedação de vidro Estrutura em maderia

1

H

Piso de concreto Depósito

Pilar de concreto

Paredes em madeira

Canteiros

Estrutura de concreto

2

G

Pergolado de madeira Mesa de confraternização

H Jardim lateral

1- Depósito 2- Pergolado 3- Estufa

Planta Estufa/ Depósito/ Pergolado Escala 1:100

Planta Café Escala 1:100


Corte E

Escala 1:100

Corte F

Escala 1:100


Corte G

Escala 1:100

Corte H

Escala 1:100



Corte A

Escala 1:100


Corte B

Escala 1:100



Corte C

Escala 1:100



Corte D

Escala 1:100








Considerações finais

Referências

O acelerado e desordenado crescimento das grandes cidades afetam diretamente nossas relações sociais e níveis de qualidade de vida. A dinâmica econômica nelas estabelecidas exclui uma parcela da população que sofre, entre tantos, com a falta de alimento, lazer e socialização. A degradação do meio ambiente e acréscimo nas taxas de poluição também devem ser pontuados. Na contramão de todos esses problemas, há uma clara subutilização/abandono de terrenos centrais que poderiam ser uma resposta rápida e eficaz para essas questões. A agricultura urbana já é uma realidade em vários países pelo mundo, e se mostra exitosa, na maior parte das vezes com simples medidas e incentivos vindos do poder público. No Brasil a discussão caminha para uma evolução, mas ainda enfrentamos barreiras culturais e a falta de uma posição mais ativa dos governantes. Dessa forma, este trabalho teve a pretensão de mostrar possibilidades para a ampliação da prática da agricultura urbana no centro de São Paulo, através da proposta de uma malha verde e da criação de um espaço de horta multifuncional. Um espaço inclusivo que, além de almejar uma melhoria na qualidade dos alimentos, é uma alternativa de renda para famílias de classes baixas, é um espaço verde em meio ao caos da metrópole, e é um espaço público de lazer e interação social num contexto onde sentimento de comunidade gradativamente se perdeu.

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Fonte figuras 14 e 15: http://smul.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1940.php Fonte Figuras 16 e 17: Prefeitura de São Paulo Fonte figura 18: Google Maps Fontes figuras páginas 60 e 61: Acervo autoral, 2018 QUADROS Fonte quadro 1: Modificado de Campilan et al. (2002, p.2) Fonte quadro 2: Urban and Peri-Urban Agriculture, (FAO, 2001) Fonte quadro 3: Secretário do Verde e do Meio Ambiente (SVMA), 2011, Prefeitura de São Paulo

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Stela Bonin Battaglini RESPIROS URBANOS Agricultura urbana no centro de São Paulo Trabalho final de graduação Arquitetura e Urbanismo UNESP - Bauru


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