AA EDICAO 01 2016

Page 1

1

Nร MERO 1 | ANO 1 1ยบ SEMESTRE DE 2016


EXPEDIENTE Conselho editorial: Adriano Peixoto Panazzolo, Augusto Gattermann Leipnitz, Carlos Alfredo Türck Júnior, Cauê Lima Canabarro, Chaiana Teixeira da Silva, Daniela Viegas, Débora Bortoli Sartori, Fernanda Lemos Costa, Guillermo Dávila Orozco, Juliana Pugliese Christmann, Letícia Coradini Frantz, Maicon Roberto Rizzon, Marcela Nascimento Sternick, Rogério Luis Casagrande e Silvia Olinda Soares Aurélio Realização: Núcleo de Comunicação Social Jornalista responsável: Lílian Patrícia da Silva | MTb 46215 Imagens: Arquivo STE S.A. STE - Serviços Técnicos de Engenharia S.A. Rua Saldanha da Gama, 225, Canoas/RS Telefone: (51) 3415-4073 http://areaaberta.wix.com/revista areaaberta@stesa.com.br


Editorial Há 42 anos a STE – Serviços Técnicos de Engenharia S.A. vem acumulando conhecimento e expertise em praticamente todas as áreas da engenharia consultiva pelo Brasil. Mais recentemente, com a contratação da empresa para desenvolver os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) da Ferrovia Transnordestina (2004) e da Rodovia do Parque, BR-448/RS (2007) e as Gestões Ambientais das Rodovias BR-101/RN/PB/PE (2006) e BR-448/RS (2010), surgiu o embrião da área ambiental da STE S.A.. Hoje o setor de Meio Ambiente da empresa conta com uma equipe multidisciplinar formada por mais de 100 profissionais. Com o crescimento e a consolidação do setor criaram-se demandas que extrapolam ao exigido nos contratos. A vontade de ir além e de compartilhar conhecimento e experiências adquiridos ao longo da rotina de trabalho eram latentes entre os colaboradores. E como extravasar este conhecimento? Como levá-lo adiante? Como dividir experiências? Como atender esse querer fazer? O desafio foi posto e, após um ano escutando e planejando, a STE S.A. deu cara e forma aos anseios e inquietudes do time. Surge assim a Área Aberta – Gestão Ambiental em Revista. Publicação eletrônica que, em sua primeira edição, abarca cinco eixos temáticos - Fauna, Flora, Geoprocessamento, Meio Social e Meio Físico. A partir de agora acadêmicos, contratantes, profissionais, pesquisadores terão mais uma ferramenta para trocar experiências, inovar e desenvolver ações em prol do Meio Ambiente.

Engenheiro Adriano Peixoto Panazzolo Coordenador de Meio Ambiente da STE S.A.

REVISTA ÁREA / ABERTA

3


O(s) autore(s) assume(m) ampla e total responsabilidade civil e penal, quanto ao conteúdo, citações, referências e outros elementos que fazem parte dos artigos publicados na Área Aberta – Gestão Ambiental em Revista.


Sumário

06

Proposta de metodologia para avaliação de não conformidades ambientais em obras rodoviárias

22

Utilização do Infoambiente como ferramenta de apoio à Gestão Ambiental da rodovia BR-116/RS

31

Utilização de resíduo florestal para a recuperação de áreas degradadas em empreendimentos rodoviários - Estudo de caso da BR-448/RS

40

Anfíbios ocorrentes nos ambientes de entorno da BR-116/RS, Planície Costeira do Rio Grande do Sul, Brasil

48

Aplicação da análise estatística multivariada para comparação entre os resultados do monitoramento da qualidade das águas superficiais obtidos a montante e jusante das obras de implantação da BR-448/RS - Rodovia do Parque

60

Um novo caminho. Novas vidas. Mobilidade, dignidade e cidadania

REVISTA ÁREA / ABERTA

5


Proposta de metodologia para avaliação de não conformidades ambientais em obras rodoviárias AUTORES: Luis Adriel Pereira, Augusto Gattermann Leipnitz, Carlos Augusto Monser, Débora Bortoli Sartori e Eugênia Müller Rosa Lopes

6

REVISTA ÁREA / ABERTA


RESUMO A avaliação da significância de ocorrências ambientais identificadas em empreendimentos rodoviários configura-se como uma atividade essencial na atuação de uma equipe de supervisão ambiental. Entretanto, devido à elevada subjetividade condicionada à percepção dos profissionais envolvidos, a avaliação da ocorrência registrada pode tornar-se um processo tendencioso e, por vezes, pouco confiável. Neste sentido, são apresentados neste trabalho os resultados da aplicação de uma metodologia desenvolvida para avaliação de Não

Conformidades Ambiental (NCAs), implementada na forma de uma ferramenta denominada Sistema de Gerenciamento de Ocorrências Ambientais – SisGOA versão 1.0.

PALAVRAS-CHAVE Avaliação; Não Conformidade Ambiental; Supervisão Ambiental.

INTRODUÇÃO Na gestão ambiental de empreendimentos rodoviários, a atuação da supervisora ambiental vem se constituindo cada vez mais como uma das principais condicionantes previstas nos licenciamentos ambientais. Além de evitar autos de infração e embargos decorrentes de práticas inadequadas na execução das obras, o acompanhamento e monitoramento das atividades realizadas pela equipe de supervisão ambiental visam à proposição de soluções que evitem ocorrências ambientais negativas ou minimizem seus efeitos, contribuindo para a melhora das condições socioambientais da rodovia e do seu entorno. Considerando-se que as atividades de implantação, duplicação, recuperação, melhoria e adequação da capacidade de rodovias interferem diretamente nos recursos ambientais, bem como na saúde e bem estar das populações impactadas, a presença da supervisão ambiental torna-se imprescindível para o adequado gerenciamento de possíveis ocorrências ambientais que possam caracterizar a geração de Não Conformidade Ambiental (NCA). Os Termos de Referência (TR) dos empreendimentos normalmente exigem que seja apresentada a metodologia de avaliação e a classificação das ocorrências registradas. No entanto, não há indicação de modelo ou referências para que tal processo de avaliação seja amparado durante a fase de obras, propriamente dita. Conforme se observa na prática das atividades pertinentes à supervisão ambiental, uma das maiores dificuldades denotadas consiste nas incertezas acerca da avaliação da significância de ocorrências de NCAs, devido à elevada subjetividade inerente as interpretações

REVISTA ÁREA / ABERTA

7


dos profissionais envolvidos. Deste modo, este trabalho tem como objetivo identificar os principais grupos de NCAs comumente verificadas em empreendimentos rodoviários, bem como apresentar a aplicação de uma metodologia implementada através da ferramenta denominada Sistema de Gerenciamento de Ocorrências Ambientais – SisGOA versão 1.0. A metodologia visa minimizar a subjetividade intrínseca ao processo de avaliação de NCAs registradas nas atividades de supervisão ambiental dos empreendimentos rodoviários licenciados pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem do Rio Grande do Sul (Daer/RS), bem como padronizar os critérios quanto ao tipo de advertência a ser emitida à empreiteira em função da gravidade da irregularidade verificada.

CARACTERIZAÇÃO DE OCORRÊNCIAS DE NÃO CONFORMIDADE AMBIENTAL E SUAS IMPLICAÇÕES Segundo DER/SP (2007), ocorrência ambiental pode ser definida como o resultado de uma intervenção ou procedimento de obra que tenha provocado, ou apresente potencial de provocar, alterações na qualidade ambiental do empreendimento, a qual deve ser devidamente registrada, avaliada e acompanhada pela supervisora ambiental. Quando representam interferências negativas que resultem em irregularidades, as ocorrências ambientais verificadas e registradas em vistorias técnicas de rotina configuram-se como NCA, as quais se caracterizam pelo não cumprimento das especificações do licenciamento ambiental ou demais requisitos legais aplicáveis durante as intervenções realizadas pelas construtoras das obras, e que necessitam de medidas mitigadoras ou compensatórias (COSTA, 2010). Mesmo que as NCAs não configurem, necessariamente, a ocorrência de impacto ambiental, visto que podem estar relacionadas ao não cumprimento de medidas de caráter administrativo, estas podem ser diferenciadas em termos de significância. Esta diferenciação é necessária tendo em vista a tomada de decisões gerenciais quanto à aplicação de sanções previstas nos editais, tais como advertências e até mesmo a interrupção do pagamento de medições das empreiteiras, fato este que pode implicar diretamente no andamento das obras. Entretanto, uma das maiores dificuldades denotadas pela equipe de supervisão ambiental consiste em avaliar a significância das NCAs. Ainda que a experiência dos profissionais permita inferir que algumas situações ocasionam impactos mais relevantes (significativos), e que, outras também caracterizadas como ocorrências ambientais sequer geram danos mensuráveis, a análise baseada apenas na observação, sem fundamentação teórica e su-

8

REVISTA ÁREA / ABERTA


porte de alguma ferramenta de avaliação pode tornar a tomada de decisão um processo tendencioso ou viciado, que pode conduzir as decisões por caminhos pouco objetivos e, por vezes, também pouco confiáveis. Segundo Gallardo (2004), é nesse sentido que a avaliação do grau de significância das NCAs identificadas configura-se com um instrumento de subsídio ao processo de tomada de decisão, possibilitando a comparação de ocorrências ambientais de diferentes características. Com isso, busca-se diminuir a subjetividade intrínseca relacionada à percepção dos avaliadores envolvidos no processo. Do mesmo modo como são avaliados os impactos ambientais previstos nos estudos que subsidiam o licenciamento ambiental (ex ante), a utilização de atributos para avaliar ocorrências ambientais geradas durante o andamento das obras (ex post) faz-se igualmente necessária para se estabelecer uma escala qualiquantitativa que permita atribuir juízo de valor às considerações qualitativas formuladas. Segundo Sánchez (2013), no caso dos impactos ambientais, os atributos representam as características ou propriedades desses impactos. Com relação às NCAs, os atributos podem ser compreendidos similarmente, ou seja, como uma forma que busca descrevê-lo, qualificá-lo ou quantificá-lo. A adoção de atributos e critérios específicos para avaliar a significância de NCAs configura-se como um importante instrumento de supervisão ambiental dos empreendimentos, de modo que possibilita o nivelamento dos profissionais envolvidos acerca do entendimento e diferenciação entre situações mais significativas em termos de gravidade, e que proporciona ainda o estabelecimento de prioridades de atendimento. Conforme abordado por Gallardo (2004), a avaliação de significância dos impactos advindos a etapa de execução do empreendimento (neste trabalho tratado como NCA) pode ser realizada com os mesmos métodos utilizados na etapa de Estudo de Impacto Ambiental (EIA). Alguns atributos considerados na avaliação de impacto ambiental demonstram-se imprescindíveis, enquanto outros são dispensáveis. Pode-se definir, portanto, um número mínimo necessário destes que sejam capazes de classificar uma NCA da mesma forma como seria classificada caso se utilizasse tantos atributos quanto fosse possível. Assim, há questionamentos que devem ser suscitados na escolha de atributos que possam ser mensuráveis, tais como: Qual a vulnerabilidade do local de registro da ocorrência ou área afetada? Como se reflete a magnitude ou intensidade da ocorrência? Comparando-a com outras, qual a importância? As medidas disponíveis possibilitam sua reversibilidade? Seus efeitos são persistentes? Dentre os estudos disponíveis na literatura que podem ser associados a ocorrências

REVISTA ÁREA / ABERTA

9


geradas durante a fase de obras, a magnitude, importância, reversibilidade, distribuição espacial e temporal, cumulatividade, podem ser perfeitamente adaptados para compor uma metodologia de avaliação de NCAs, enquanto outros, como probabilidade e natureza (benéfico ou adverso), não se encaixam nesta fase de um empreendimento (GALLARDO, 2004; COSTA, 2010). Deste modo, verifica-se que a avaliação e classificação das NCAs consiste numa etapa essencial, com um claro objetivo de destacar as ocorrências mais significativas para subsidiar a tomada de decisão em relação ao planejamento, prioridade e eventual necessidade de redimensionamento das medidas corretivas previstas.

METODOLOGIA Para a aplicação da metodologia foram selecionadas NCAs identificadas em vistorias periódicas realizadas pela equipe de Supervisão Ambiental do Contrato de Apoio Técnico (CAT) em diferentes empreendimentos rodoviários do Daer/RS. As ocorrências selecionadas foram registradas no período considerado entre maio de 2015 e maio de 2016. Neste trabalho, focado no controle de ações da supervisora ambiental (condução das atividades e acompanhamento ambiental), definiram-se atributos qualitativos comumente utilizados em estudos de impacto ambiental, adaptados para a fase de obras dos empreendimentos. Para a escolha de quais atributos deveriam compor a estrutura da metodologia tomaram-se como referência diferentes estudos de impactos ambientais de rodovias. A experiência da supervisora ambiental em outros empreendimentos rodoviários também forneceu importantes subsídios para nortear a metodologia proposta, tanto para a definição da sua estrutura quanto para se estabelecer os grupos que as diferentes NCAs podem integrar. Deste modo, o método utilizado na avaliação da significância das ocorrências ambientais registradas considerou o uso de diferentes atributos qualitativos, valorando-os de acordo com uma escala de grandeza. O critério adotado no cálculo da avaliação considerou, inicialmente, a necessidade de se estabelecer um conjunto de regras lógicas entre as pontuações possíveis de serem aplicadas aos atributos, como forma de manter uma concatenação coerente com a percepção dos profissionais envolvidos. As NCAs foram quantificadas e classificadas em diferentes tipologias possíveis e, posteriormente, foram utilizadas na aplicação da metodologia. A metodologia de avaliação de NCAs foi implementada na forma de uma ferramenta

10 REVISTA ÁREA / ABERTA


desenvolvida na linguagem computacional VBA (Visual Basic for Application) integrada com o Excel, aplicativo do pacote Office Microsoft. A ferramenta denominada Sistema de Gerenciamento de Ocorrências Ambientais – SisGOA versão 1.0 possibilita, de forma eficiente e versátil, realizar o cadastramento das ocorrências registradas, atualização da situação de atendimento, geração de advertências e de relatório resumo. A avaliação representa a determinação de um valor a ser conferido a uma NCA, decorrente da quantificação de atributos qualitativos definidos, permitindo a comparação com valores de referência previamente estabelecidos. Deste modo, é possível classificar as ocorrências de acordo com o Grau de Significância (GS) calculado, conforme a gravidade obtida a partir da avaliação realizada.

RESULTADOS Definição dos Grupos de Enquadramento de NCA A partir da análise de diferentes NCAs possíveis de ocorrer em obras rodoviárias, foram estabelecidas tipologias de acordo com as características comuns apresentadas por estas quanto às exigências legais e principais atividades modificadoras do ambiente a que estão relacionadas. A descrição das tipologias é apresentada no Quadro 01.

Quadro 01: Tipologias sugeridas para enquadramento das NCAs

REVISTA ÁREA / ABERTA

11


Definição dos Atributos Após a análise de diversos atributos utilizados em trabalhos disponíveis na literatura, definiram-se quatro como adequados para o procedimento de avaliação, a saber: Local, Magnitude, Importância e Reversibilidade da situação observada. No Quadro 02 são apresentadas as definições para cada atributo.

Quadro 02: Descrição e valoração dos atributos utilizados

Critério de Avaliação de NCA Para se estabelecer o critério de avaliação, inicialmente, fez-se necessário definir um conjunto de regras lógicas em relação às pontuações conferidas aos atributos analisados, limitando o número de interações possíveis, de modo a simplificar o procedimento de avaliação. Tais interações lógicas podem ser traduzidas da seguinte maneira: •

Se o Local for igual a 5, a Importância deve ser igual a 3 ou 5: NCAs registradas em

locais caracterizados pela presença de elementos legalmente protegidos ou com relevante interesse da população afetada não podem ser avaliados com Importância baixa; •

Se a Magnitude for igual a 3 ou 5, a Importância não pode ser igual a 1: NCAs

classificadas com média ou alta Magnitude não podem ser avaliadas com uma Importância

12 REVISTA ÁREA / ABERTA


baixa; •

Se a Magnitude for igual a 0 ou 1, a Importância e a Reversibilidade não podem ser

igual a 5: NCAs com Magnitude pequena ou desprezível não podem ser avaliadas com alta Importância e irreversível; •

Se a Magnitude for igual a 5, a Reversibilidade não pode ser igual a 1: Às NCAs

avaliadas com Magnitude alta não se pode atribuir reversibilidade total, considerando-se os efeitos negativos decorrentes da provável alteração ocasionada; •

Se a Reversibilidade for igual a 5, a Importância não pode ser igual a 1: Às NCAs

classificadas como irreversíveis ou que exijam alta complexidade para se reverter a situação não se pode atribuir uma Importância baixa. Considerando tais interações, pode-se obter um total de 44 combinações e 14 somatórios diferentes das pontuações. A partir do somatório dos atributos obtém-se, então, o Grau de Significância da Ocorrência Ambiental registrada por meio da seguinte equação:

Onde, GS = Grau de Significância (%) At = Atributos VMP = Valor Máximo Possível do atributo Para os trabalhos executados na atuação da equipe de supervisão ambiental do CAT, definiram-se previamente os padrões de referência que possibilitassem diferenciar as NCAs, de acordo com o GS e, consequentemente, estabelecer uma escala de prioridade de atendimento. A significância da ocorrência registrada é obtida a partir da análise conjunta das pontuações conferidas aos atributos, conforme apresentado no Quadro 03. Quadro 03: Critério de classificação da NCA quanto ao GS

A partir do GS obtido na avaliação, as NCAs podem ser classificadas de acordo com uma escala qualitativa de três níveis: Leve, Moderada e Grave. Os valores de corte foram estabelecidos considerando-se a representatividade (%) da pontuação atribuída em relação à pontuação máxima possível. Deste modo, NCAs avaliadas com até 50% da pontu-

REVISTA ÁREA / ABERTA

13


ação máxima possível foram classificadas como Leve; entre 50 e 75% como Moderada e; acima de 75%, classificada como Grave. A classificação não prevê ocorrências sem significância, portanto, toda NCA registrada apresenta valor de significância, visto que, independente de estar ocasionando um impacto negativo, descumpre alguma condicionante ou preceito legal. Conforme os procedimentos estabelecidos pela Coordenadoria Técnica de Meio Ambiente do Daer/RS (CTMA/Daer), as NCAs classificadas como GS Leve ou Moderado podem ser reportadas diretamente à Construtora responsável, solicitando-se as medidas de adequação por meio da Recomendação de Ação Corretiva - RAC, com prazo previamente definido, podendo este ser prorrogado mediante justificativa técnica emitida pela Construtora, sendo a nova data limite para adequação definida em comum acordo entre as partes. O não atendimento da RAC sem justificativa gera uma Comunicação de Não-Conformidade Ambiental - CNC. A CNC também pode ser emitida diretamente para os casos de NCAs classificadas com GS Grave, com recomendações de ações corretivas e prazo para atendimento menor. A CNC emitida é então encaminhada para a Superintendência Regional e CTMA/Daer, a qual procede com as medidas cabíveis no âmbito de sua competência. Avaliação do Grau de Significância das Ocorrências Registradas – Aplicação da Metodologia

A metodologia implementada no SisGOA foi aplicada às NCAs registradas em diferentes obras acompanhadas periodicamente pela Supervisora Ambiental, analisando-as conforme a interface do sistema apresentado nas figuras a seguir:

1

Figura 01: Interface de abertura do Sistema

14 REVISTA ÁREA / ABERTA

2


1

Figura 02: Cadastro de dados e avaliação da NCA no Sistema

REVISTA ÁREA / ABERTA

15


2

Figura 03: Descrição e acompanhamento da NCA no Sistema

A partir das NCAs registradas nas vistorias realizadas nas rodovias em obras, para efeito de análise e aplicação da metodologia, selecionaram-se ocorrências que caracterizam tipologias diferentes, possibilitando avaliar e comparar os resultados, conforme apresentado no Quadro 04 a seguir:

16 REVISTA ÁREA / ABERTA


Quadro 04: Resumo dos resultados obtidos na avaliação de significância de NCAs

REVISTA ÁREA / ABERTA

17


Quadro 04: Resumo dos resultados obtidos na avaliação de significância de NCAs

18 REVISTA ÁREA / ABERTA


Após a aplicação da metodologia, torna-se imprescindível analisar os resultados obtidos sob a ótica da comparabilidade entre as situações registradas. Inicialmente, uma diferenciação evidente na avaliação de uma NCA refere-se à localização da ocorrência. Segundo as definições apresentadas, a pontuação atribuída ao local tem caráter classificatório primário na etapa de avaliação, visto que não tem relação direta com o objeto que caracteriza a NCA, mas está intimamente ligada à fragilidade do elemento ambiental afetado. Ao analisar a avaliação das NCAs nº 8 e 13, verifica-se que a principal diferença na pontuação obtida refere-se ao local, sendo que nesta última a ocorrência é decorrente de intervenção realizada em curso d’água e, portanto, mais significativa. Outra forma de diferenciação objetiva na avaliação esta associada ao valor zero atribuído à magnitude. Conforme a avaliação realizada nas NCAs nºs 2, 3 e 4, estas não caracterizam impacto ambiental, haja vista que sua interferência está relacionada apenas ao descumprimento de condicionantes previstas no licenciamento, sem consequências ambientais diretas. As NCAs nº 14, 15 e 16 caracterizam-se pela imperícia ou negligência da empreiteira em relação a locais classificados no licenciamento como áreas de sensibilidade ambiental, sendo que a principal diferença está nas consequências imediatas registradas. Em uma situação verificou-se a deposição de bota-fora na Área de Preservação Permanente (NCA nº14), confrontando claramente uma condicionante do licenciamento, enquanto nas outras (NCA nº 15 e 16) a prática da construtora, além de estar de desacordo com um item da licença, resulta em interferência direta e negativa na qualidade do curso d’água. Isto resultou em uma valoração maior do atributo Importância para estas. Na NCA nº 17, na qual se obteve a pontuação máxima dentre as situações avaliadas, juntamente com a NCA nº 18, ressalta-se o impacto direto em área de terceiro, ocasionando o assoreamento do açude da propriedade, o qual é utilizado como fonte de renda dos proprietários. Situação peculiar refere-se à NCA nº 20, pois, nos casos de supressão irregular de vegetação os atributos adotados na metodologia parecem pouco funcionais, uma vez que a tarefa de valorar a biodiversidade parece ainda mais complexa. Embora exista diferença em termos de significância entre uma supressão não autorizada em APP ou de espécie protegida por lei, por exemplo, quando comparada ao corte de demais espécies, ambas as situações configuram irregularidades da mais alta relevância. Da mesma maneira, conforme a avaliação dos especialistas, tanto a supressão irregular de um exemplar quanto de vários implicam na emissão de CNC (instância máxima de advertência). Isto porque, nesses casos o que se considera primordial para fins de classificação e

REVISTA ÁREA / ABERTA

19


emissão de documento de advertência, é a existência de condicionante específica na licença do empreendimento, atentando para as quantidades, espécies e áreas autorizadas para supressão, caracterizando-se como uma ocorrência que infringe uma determinação do órgão licenciador, podendo resultar em auto de infração para o empreendedor. Deste modo, os atributos Magnitude, Importância e Reversibilidade são valorados com pontuação máxima (5), ainda que baseado na subjetividade da percepção dos especialistas, resultando num GS Grave.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dos resultados obtidos percebe-se que existe uma diferenciação em termos de significância entre as tipologias de NCAs avaliadas, embora a subjetividade ainda esteja presente. Na realidade não se intenciona com a proposta extinguir a subjetividade da avaliação, haja vista que em algumas situações o formalismo matemático pode se tornar um empecilho para o trabalho integrado da equipe. Os resultados delineados a partir desta experiência contribuem para o aprimoramento e eficácia dos trabalhos desenvolvidos pela supervisão ambiental. Ainda, tem como finalidade consolidar a metodologia de forma a incorporá-la, futuramente, em um modelo de avaliação do desempenho ambiental dos empreendimentos, que permite, por consequência, avaliar também a conduta das construtoras contratadas. É perceptível que NCAs que envolvem fatores ambientais mais relevantes do ponto de vista de susceptibilidade à degradação, resultam em significância mais elevada, fato que se reflete na maior preocupação e urgência na adoção de medidas mitigadoras e, consequentemente, numa instância de advertência mais severa. Às NCAs avaliadas com GS Leve poderiam ser atribuídas uma forma mais simples e menos burocrática de reportá-la à construtora, como por exemplo, informando verbalmente ou via e-mail, como alternativa à elaboração e emissão de um documento padrão. Por mais que diferentes pontuações sejam possíveis de serem obtidas a partir da avaliação, para fins de classificação das NCAs em Leve, Moderada e Grave e, respectivamente, emitir a advertência relativa a este GS, observa-se que um maior detalhamento em termos de atributos ou pontuações possíveis poderia gerar pouca objetividade, já que os “pontos de corte” para os valores resultantes são previamente definidos. Assim, para os fins apresentados neste trabalho, a metodologia proposta apresenta-se eficaz e proporciona uma relevante base referencial para os tomadores de decisão diferenciar quais NCAs são mais significativas e prioritárias em termos de atendimento. O conhecimento adquirido pode contribuir ainda para a elaboração de métodos de

20 REVISTA ÁREA / ABERTA


avaliação de desempenho ambiental dos empreendimentos (avaliação da eficiência), bem como para o aperfeiçoamento do próprio método proposto, que deve estar em constante revisão e em consonância com as peculiaridades de cada tipo de empreendimento.

REFERÊNCIAS COSTA, R. M. O Papel da Supervisão Ambiental e Proposta de Avaliação de Desempenho Ambiental em Obras Rodoviárias. 2010. 351 f.. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010. DER/SP - DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM DE SÃO PAULO. Especificação técnica. Supervisão Ambiental de empreendimentos rodoviários. São Paulo, 2007. GALLARDO, A. L. C. F. Análise das Práticas de Gestão Ambiental na Construção da Pista Descendente da Rodovia dos Imigrantes. Tese - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia de Minas. São Paulo. 2004. SÁNCHEZ, L. E. Avaliação de Impacto Ambiental: conceitos e métodos. Oficina de textos: São Paulo. 2013.

REVISTA ÁREA / ABERTA

21


Utilização do Infoambiente como ferramenta de apoio a Gestão Ambiental da Rodovia BR-116/RS AUTORES: Daniela Viegas, Andressa Krewer Facin e Chaiana Teixeira da Silva

22 REVISTA ÁREA / ABERTA


RESUMO O Infoambiente é um Sistema de Informações Geográficas (SIG) acessado via web (WebGIS) que consiste em um servidor de mapas acrescido de um gerenciador de documentos, em ambiente georreferenciado para acompanhamento das ações da gestão ambiental. É integrado por um banco de dados do PostgreSQL (com a extensão PostGIS), Geoserver e o Openlayers, objetivando o gerenciamento, acompanhamento e análises dos dados inerentes aos programas ambientais. A utilização da ferramenta é eficaz e possui interface amigável apresentando potencialidade para ser utilizada em outras áreas, além da ambiental.

PALAVRAS-CHAVE Banco de Dados; Gestão Ambiental; Rodovias; SIG-Web.

INTRODUÇÃO

A infraestrutura de transportes adequada a realidade socioeconômica de um país

é fundamental para garantir a circulação de bens, serviços e pessoas com segurança e visando a correta distribuição dos recursos ao longo do seu território (MORALES, 2005). Com o objetivo de suprir essa necessidade, nos últimos anos o Governo Federal vem aumentando os investimentos na implantação ou duplicação de rodovias no Brasil. No Rio Grande do Sul a duplicação de uma importante rodovia está em curso a BR-116/RS (segmento Guaíba – Pelotas com 211,20 km).

Porém as atividades construtivas inerentes ao empreendimento causam impactos

ambientais que podem ser positivos ou negativos relacionados aos meios físico, biótico ou socioeconômico. No Brasil, a Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (BRASIL, 1981), prevê mecanismos para a minimização dos referidos impactos, a fim de buscar o desenvolvimento sustentável no país. Nesse caso, no processo de licenciamento ambiental de empreendimentos são previstas ações de prevenção, minimização ou compensação dos impactos negativos bem como a potencialização dos positivos a serem gerados. Visando a consecução destes objetivos são elaborados diversos programas ambientais, organizados em um Plano Básico Ambiental (PBA), o qual, juntamente com as normas técnicas ambientais do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), tem a função de orientar as ações das equipes de gestão ambiental.

Na duplicação da BR-116/RS, o DNIT contratou, por meio de licitação, a empresa

REVISTA ÁREA / ABERTA

23


STE - Serviços Técnicos de Engenharia S.A. para a realização dos serviços de gestão ambiental, especificamente na etapa de instalação do empreendimento. Onde são executados, supervisionados e/ou gerenciados 27 programas ambientais.

A execução do empreendimento, assim como a gestão ambiental dos programas,

dá origem a um grande volume de documentos e de informações, tais como licenças, relatórios, correspondências, laudos, entre outros, além de registros fotográficos e arquivos georreferenciados (locais de monitoramento, mapas, imagens de satélite), esses devem ser organizados, armazenados e gerenciados.

Um dos itens do Termo de Referência (TR) confeccionado pelo DNIT para execução

dos serviços foi a elaboração de um sistema web com arquivos georreferenciados visando o acompanhamento das atividades da gestão ambiental e o andamento das obras. A fim de que as informações acerca do empreendimento estejam disponíveis, em um mesmo ambiente, para a gestora ambiental, o contratante, o fiscal ambiental e a comunidade.

Dessa forma, a gestora ambiental optou em desenvolver e implantar um sistema,

baseado em geotecnologias abertas, que possibilita agregar no mesmo ambiente, grande quantidade de informações de caráter multidisciplinar, ao qual se denominou de “Infoambiente”.

Este artigo objetiva apresentar o Infoambiente da BR-116/RS e a forma como é

utilizado.

O sistema

O Infoambiente é acessado via web e consiste em um servidor de mapas acrescido

de um gerenciador de documentos que disponibiliza documentos, fotos e layers (camadas de informação geográfica), em ambiente georreferenciado para acompanhamento das ações da gestora ambiental. Dessa forma, os arquivos supracitados, são reunidos na mesma interface, podendo estar associados a um ponto específico em imagens de satélite de alta resolução disponibilizadas pelo Google Earth, que é utilizado como plano de fundo do sistema.

A ferramenta busca integrar as informações produzidas, gerenciadas ou supervi-

sionadas pela equipe, uma vez que permite organizar os dados produzidos. Contempla ainda os requisitos legais dos órgãos fiscalizadores e disponibiliza conteúdo produzido aos envolvidos como fiscais, construtoras e comunidade.

O Infoambiente pode ser acessado através do site infoambiente.stesa.com.br, a Fi-

gura 01 ilustra sua página inicial.

24 REVISTA ÁREA / ABERTA


Figura 01: Página da Web do Infoambiente

METODOLOGIA

Definições por Níveis de Acesso

O sistema congrega informações geradas pelo acompanhamento dos programas ambientais, com diferentes níveis de acesso, de acordo com o tipo de usuário, e permite que as informações sejam disponibilizadas a todos os envolvidos (gestão ambiental, empreiteira e fiscais) de forma personalizada, ou seja, cada um acessa as informações de acordo com o estabelecido pelo contratante. Já para os usuários que não possuem login e senha estão disponíveis as informações consolidadas, como alterações de projeto aprovadas e licenças ambientais, entre outros. Esses conteúdos permitem que a comunidade possa acompanhar o avanço das obras e os cuidados ambientais da mesma forma que os demais envolvidos. Os tipos de usuário existentes no sistema são os seguintes: administradores, técnicos, comunidade (sem login), fiscais e construtoras. Os navegadores de internet mais apropriados para utilização do sistema são o Google Chrome e Mozilla Firefox. Arquitetura do Sistema A aplicação foi desenvolvida com base em uma arquitetura de sistemas distribuída, que consiste em vários serviços que permitem o processamento das tarefas do sistema de forma descentralizada. A referida arquitetura é composta por um banco de dados do PostgreSQL com a extensão espacial PostGIS, o Geoserver que disponibiliza dados espaciais e o Openlayers, um Webmapping para exibir dados cartográficos na internet que possui recursos de visualização

REVISTA ÁREA / ABERTA

25


de servidores de mapas como Google Satellite, Bing Road, Bing Aerial e OpenStreetMap. O PostgreSQL consiste em um Sistema Gerenciador de Bancos de Dados (SGBD) que, com sua extensão espacial (PostGIS), constitui uma solução de software livre para manutenção do banco de dados do Infoambiente, o qual fornece dados para aplicação, assim como dados espaciais (vetoriais e seus respectivos metadados) para o Geoserver. O Geoserver é um servidor de aplicação escrito em linguagem Java que possibilita aos usuários compartilhem e realizem edição de dados Geoespaciais. Estes servidores são base para o serviço fornecido pelo webserver, nesse caso o Openlayers, que tem função de hospedar a aplicação e publicá-la na internet. Permite, desta forma, a consulta a metadados, a dados vetoriais (cartográficos), navegação visual em 2D, download de arquivos vetoriais e tabelas em formato Excel (*.xls) e compatibilidade com os padrões da WEB Services do Open Geospatial Consortium (OGC), conhecido como Consórcio Open GIS (BRASIL, 2014). A Figura 02 ilustra a arquitetura do sistema, onde os usuários têm acesso às informações disponibilizadas pelo Infoambiente. O sistema também proporciona que usuários localizados em diferentes locais, utilizem simultaneamente as mesmas informações que se encontram organizadas e consolidadas em um único ambiente.

Figura 02: Arquitetura do sistema

RESULTADOS Os resultados obtidos com o sistema mostram que os objetivos propostos pelo TR formam alcançados, uma vez que o sistema atende não somente os requisitos por ele estabelecidos, como apresenta outras funcionalidades. A seguir, serão detalhados os principais resultados

26 REVISTA ÁREA / ABERTA


alcançados até o momento. A disponibilização dos dados se dá de acordo com os diferentes níveis de usuário, disponíveis no sistema. Basicamente, todos os tipos de usuário conseguem consultar as camadas de informação geográficas e documentos, entretanto, dados que ainda não foram aprovados pelos fiscais, seja contratante ou ambiental, só são disponibilizados após aprovação para os demais tipos de usuário que não pertencem a consultora ambiental. Os dados são organizados em diretórios que armazenam informações como o projeto geométrico, base cartográfica, avanço da obra, documentos gerais e programas ambientais da gestão ambiental da BR-116/RS conforme pode ser observado na Figura 03 que mostra a interface exibida ao usuário público, ou seja, sem login e senha.

Figura 03: Página da Web do Infoambiente da gestão ambiental da BR-116/RS

Cabe destacar que os documentos e fotos podem ser inseridos com georreferenciamento, estarem vinculados ao local correspondente no mapa ou não. Esses tipos de arquivos, quando são cadastrados, também podem ser inseridos com diferentes “status”: para revisão, aprovados ou simplesmente publicados. Quando carregados como “para revisão” requerem o e-mail da pessoa que deve revisar e posteriormente aprovar ou submetê-lo com considerações. A pessoa que deve revisar receberá um e-mail informando que possui um arquivo aguardando revisão sob sua responsabilidade no sistema. Para documentos e fotos, a ferramenta permite, que no momento da carga, seja colocada a data de validade do documento, como é o caso das licenças ambientais. Assim, todos os usuários envolvidos com a renovação da licença, receberão e-mails, antes que a mesma venha a vencer, informando sua data de vencimento, para que possam providenciar a renovação. Quanto aos dados cartográficos é possível localizar sobre a camada base (Google Satellite, Bing Road, Bing Aerial e OpenStreetMap) os conjuntos de informação (layer) representados

REVISTA ÁREA / ABERTA

27


geometricamente por pontos, linhas ou polígonos. O sistema possui uma ferramenta chamada “Identificar propriedades” com a qual é possível verificar quais as informações estão atribuídas ao local, seja ponto, linha ou polígono. A Figura 04 apresenta um exemplo de consulta as propriedades de um ponto onde é monitorada a qualidade d’água. São dados referentes ao Programa de Monitoramento da Qualidade da Água.

Figura 04: Consulta à tabela de atributos da camada de informação

Os layers também podem ser exportados através da ferramenta “Gerenciar Shapefile” para o formato shapefile, o qual poderá ser utilizado em outros SIG, para o formato kml (Keyhole Markup Language) para ser utilizado no Google Earth ou Google Maps e no formato de planilhas eletrônicas. Já a ferramenta “Multiupload de Arquivos” possibilita realizar a carga simultânea de mais de um arquivo com tamanho de até 100 Mb. O usuário pode cadastrar pontos, em camadas com esse tipo de geometria, já existentes no sistema e vincular fotos e/ou documentos ao mesmo com a ferramenta “Cadastrar”, como mostra a Figura 05.

Figura 05: Cadastro de ponto e tabela de atributos da camada de informação

28 REVISTA ÁREA / ABERTA


Conforme anteriormente mencionado, o Infoambiente permite atribuir a localização espacial (georreferenciamento) a fotos e documentos eletrônicos como gráficos, checklists e advertências ambientais (registro de advertência, comunicação de não conformidade e notificação de não conformidade). O sistema também permite o controle de documentos (vencimento) como das licenças ambientais. A Figura 06 apresenta o cadastro de documento com coordenadas (georreferenciado) no Infoambiente.

Figura 06: Cadastro de documento georreferenciado

A ferramenta ainda possibilita: busca rápida de arquivos, exibir legenda (convenções cartográficas) das camadas de informação ativadas para visualização, zoom, cálculo de área e distância. Além disso é permitido também montar mapas, com os layers que estão sendo exibidos na interface (ligados), conforme apresenta a Figura 07.

Figura 07: Mapa elaborado no Infoambiente

REVISTA ÁREA / ABERTA

29


CONSIDERAÇÕES FINAIS O Infoambiente tem se apresentado como uma eficaz ferramenta no processo de gestão ambiental, uma vez que congrega todas as informações produzidas e as disponibiliza de forma padronizada, integrada e organizada. Contribui com a gestão das informações, evitando problema de versionamento de documentos (uma vez que todos envolvidos tem acesso ao mesmo arquivo) disponibilizando a cada parte interessada os arquivos que lhes compete, via internet, podendo dessa forma ser acessado de qualquer local ou horário. O sistema mantém a comunidade informada a cerca do andamento das obras e dos cuidados ambientais conferidos ao meio ambiente, oferecendo maior transparência ao processo de gestão ambiental. A aplicação representa um avanço no que se refere a comunicação e integração entre as partes interessadas, a disponibilização de informações de maneira célere e gestão da informação produzida, que poderá ser consultada durante a fase de instalação via internet e após através de um banco de dados adequadamente estruturado.

REFERÊNCIAS DNIT - DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Visualizador DNITGeo. Disponível em: < http://servicos.dnit.gov.br/vgeo/>. Acesso em: 02 mai. 2016. DNPM -DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL. SIGMINE - Sistema de Informações Geográficas de Mineração. Disponível em: < http://sigmine.dnpm.gov.br/webmap/>. Acesso em: 03 mai. 2016. INCRA - INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Acervo Fundiário. Disponível em: <http://acervofundiario.incra.gov.br/i3geo>. Acesso em: 04 mai. 2016. MMA - MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Geoprocessamento. Disponível em: <http://mapas. mma.gov.br/i3geo>. Acesso em: 04 mai. 2016. STE - SERVIÇOS TÉCNICOS DE ENGENHARIA S.A.. Infoambiente. Disponível em: <http://infoambiente.stesa.com.br/ste116/>. Acesso em: 02 mai. 2016. EXÉRCITO BRASILEIRO. CENTRO DE IMAGENS E INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS DO EXÉRCITO. SIG Web. Disponível em <http://www.cigex.eb.mil.br/>. Acesso em: 14 jul. 2014.

30 REVISTA ÁREA / ABERTA


Utilização de resíduo florestal para a recuperação de áreas degradadas em empreendimentos rodoviários Estudo de caso da BR-448/RS AUTORES: Silvia Olinda Soares Aurélio, Adriano Peixoto Panazzolo, Camila Paula Zanetti, Chaiana Teixeira da Silva e Letícia Coradini Frantz

Apresentado no VI Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental - CONGEA (Porto Alegre - Nov/2015) Publicado na revista Letras da Terra (Dez/2015)


RESUMO A BR-448/RS, conhecida como Rodovia do Parque, configura-se em uma importante obra realizada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que visa ampliar a malha viária da região Metropolitana de Porto Alegre como alternativa para o fluxo de veículos da BR-116. A construção de rodovias pode apresentar inúmeros impactos sobre o meio ambiente, portanto sob esta ótica, o processo de construção rodoviária deve compatibilizar-se com a conservação ambiental a partir do uso de técnicas e métodos de atividades construtivas, que evitem ou minimizem a degradação ambiental. A supressão de vegetação é uma das primeiras atividades que são realizadas para a implantação de um empreendimento rodoviário. Após a supressão de vegetação de áreas florestadas é gerado o resíduo florestal, composto por folhas, galhos, sementes e a serrapilheira (camada de cobertura do solo). O objetivo deste trabalho consiste em apresentar as ações realizadas no âmbito da Gestão Ambiental do empreendimento para recuperação de áreas degradadas pelas intervenções das atividades de construção utilizando o resíduo florestal proveniente da supressão de vegetação na faixa de domínio da rodovia. O projeto mostrou-se eficaz para criar ambientes mais atrativos para a fauna, podendo ser utilizado para direcionamento dos animais para passagens específicas. A utilização desta técnica para cobertura superficial do solo e recuperação de áreas degradadas em empreendimentos que necessitem de supressão de vegetação é recomendada, visto que o material utilizado normalmente é encaminhado para descarte ou acaba sendo abandonado sem a devida destinação.

PALAVRAS-CHAVE Recuperação de Áreas Degradadas; Resíduo Florestal; BR-448/RS.

INTRODUÇÃO A construção de rodovias pode apresentar inúmeros impactos sobre o meio ambiente, como desmatamentos, perda da diversidade biológica, a alteração do sistema natural de drenagem e a degradação do solo. Segundo Bager e Fontoura (2012), as estradas determinam impactos ambientais crônicos e agudos, influenciando a perda de biodiversidade em intensidades ainda difíceis de serem quantificadas de forma eficiente. Sob esta ótica, o processo de construção rodoviária deve, portanto, compatibilizar-se com a conservação ambiental a partir do uso de técnicas e métodos de atividades construtivas, que evitem ou minimizem a degradação ambiental. A BR-448/RS, também conhecida como Rodovia do Parque, apresenta uma extensão de 22,34 quilômetros, iniciando no entroncamento da BR-116 com a RS/118, no município de

32 REVISTA ÁREA / ABERTA


Sapucaia do Sul, e terminando na BR-290, em Porto Alegre, passando também pelas cidades de Esteio e Canoas (EIA, 2004). A área de influência da BR-448 abrange o Parque Estadual do Delta do Jacuí, uma importante Unidade de Conservação (UC) do Rio Grande do Sul, que possui um ecossistema de banhado relativamente preservado, além da Área de Preservação Permanente (APP) do Rio dos Sinos, que acompanha todo o traçado da rodovia. Pela proximidade com estas áreas ambientalmente sensíveis, a construção do empreendimento teve foco na manutenção da biodiversidade e a na minimização de impactos ambientais. O objetivo deste trabalho consiste em apresentar as ações realizadas no âmbito da Gestão Ambiental do empreendimento para recuperação de áreas degradadas pelas intervenções das atividades de construção utilizando o resíduo florestal proveniente da supressão de vegetação na faixa de domínio da rodovia.

A ÁREA DE IMPLANTAÇÃO DA BR-448/RS A área do empreendimento abrange regiões com urbanização consolidada, áreas agrícolas e Unidades de Conservação como o Parque Estadual do Delta do Jacuí, ocorrendo poucos fragmentos florestais que são interceptados diretamente pelo traçado da rodovia. Os mesmos apresentam, na maioria, vegetação característica de Floresta Estacional Decidual, ocorrendo também espécies exóticas e vegetação de várzea adaptadas aos distúrbios constantes, como frequentes extravasamentos do rio dos Sinos. De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento, estes ambientes, embora alterados, ainda servem de refúgio da fauna silvestre, que se caracteriza principalmente por espécies de mamíferos oportunistas, com hábitos de vida generalistas, ou seja, que toleram adversidades ambientais causadas pelas alterações antrópicas. Estas espécies são representadas pelas ordens dos roedores (ratão-do-banhado, capivara, rato d’água, etc), marsupiais (gambás), edentados (tatus) e até carnívoros de pequeno porte (mão-pelada). Nos locais apontados pelo EIA como sendo aqueles com maior ocorrência de fauna silvestre, foram construídas passagens de fauna, cuja finalidade é permitir o livre deslocamento dos animais para ambos os lados da rodovia. Esse é o caso de um fragmento de vegetação localizado nas proximidades do quilômetro 8+000 da rodovia, um dos trechos com vegetação nativa mais preservada no entorno do empreendimento e no qual foi observada a presença de fauna silvestre, sendo também o local escolhido para a implantação deste projeto.

METODOLOGIA A supressão de vegetação para implantação de obras rodoviárias é uma atividade que depende de licenciamento ambiental e consiste na limpeza da camada vegetal do terreno e

REVISTA ÁREA / ABERTA

33


eventuais acessos, possibilitando o deslocamento de máquinas e a realização das atividades de construção (DNIT, 2009). Após a supressão de vegetação de áreas florestadas, a madeira resultante do corte é separada para destinação, restando o chamado resíduo florestal, composto por folhas, galhos, sementes e a serrapilheira (camada de cobertura do solo). As áreas submetidas às intervenções das atividades de construção e manutenção rodoviária perdem parte de seus atributos ambientais, podendo ficar expostas à processos erosivos, com consequências danosas ao meio ambiente, constituindo-se a implantação do revestimento vegetal o instrumento eficaz para o controle do mesmo (DNIT, 2009). Neste sentido, o resíduo florestal pode ser utilizado tanto para a cobertura superficial do solo, interrompendo a ação de processos erosivos, como para promover a cobertura vegetal das áreas, através do banco de sementes presente no material. O local escolhido para implantação do projeto teve como critérios: importância para a travessia de fauna silvestre (presença de estrutura de passagem de fauna) e conectividade com fragmentos de vegetação remanescentes. O local de implantação do projeto é apresentado na figura de localização (Figura 01) a seguir:

Figura 01: Localização da BR-448/RS e do Projeto de Recuperação de Áreas Degradadas

34 REVISTA ÁREA / ABERTA


Após a escolha do local para implantação do projeto e da separação da madeira para doação (conforme condicionante do licenciamento do empreendimento), o resíduo florestal resultante do corte de vegetação no local, mantido na faixa de domínio, foi triturado com o auxílio de um trator de esteira e espalhado por 460,00 metros lineares cobrindo uma área entre a berma da rodovia e a estrada de serviço presente na faixa de domínio. Para acelerar o processo de recuperação da área, também foram realizados transplantes de árvores protegidas para o local. Ao todo foram transplantadas para a área em recuperação 24 árvores das espécies corticeira-do-banhado (Erythrina cristagalli) e figueira-da-folha-miúda (Ficus organensis), as quais localizavam-se na faixa de domínio da rodovia em locais próximos ao de destino. Após foi realizado o isolamento do local e umidificação periódica nos quatro primeiros meses de instalação.

RESULTADOS A instalação do resíduo florestal na faixa de domínio durante a fase de obras, antes mesmo do crescimento da vegetação, proporcionou a cobertura superficial do solo no local, reduzindo o escoamento superficial e consequentemente, reduzindo os processos erosivos no aterro da rodovia. Um mês após o início da construção do banco de sementes, foi possível observar as primeiras gramíneas desenvolvendo-se no local. Em maio de 2013, com pouco mais de um ano de atividades no local foi possível verificar a completa cobertura superficial da área e o acelerado processo de recuperação ambiental. As fotografias a seguir mostram o acompanhamento do desenvolvimento do projeto.

Figura 02: Início da intervenção no fragmento florestal com supressão de vegetação. Maio de 2011

Figura 03: Resíduo florestal espalhado por uma extensão de 460,0 metros lineares, conforme mostra a imagem

REVISTA ÁREA / ABERTA

35


Figura 04: Vista aérea do local em novembro de 2011. A seta indica a localização da passagem de fauna em construção no local

Figura 05: Vista aérea da construção da rodovia em maio de 2013, mostrando o desenvolvimento da vegetação

Figura 06: Fotografia mostrando o local em maio de 2014, após a inauguração da rodovia

Figura 07: Situação da área em outubro de 2014, próxima à passagem de fauna, percebese o desenvolvimento da vegetação

Figura 08: Situação da área em janeiro de 2015, próxima à passagem de fauna, percebese o desenvolvimento da vegetação

Figura 09: Situação da área em março de 2015, próxima à passagem de fauna, percebese o desenvolvimento da vegetação

Figura 10: Situação da área em maio de 2015, próxima à passagem de fauna, percebe-se o desenvolvimento da vegetação

36 REVISTA ÁREA / ABERTA


Muitas espécies arbóreas que ocorriam no fragmento florestal original anteriormente a supressão foram registradas na área em recuperação, sendo a maioria do grupo ecológico de espécies pioneiras e secundárias iniciais, as responsáveis por proporcionar as condições necessárias para o estabelecimento dos representantes dos demais grupos ecológicos sucessores. O quadro a seguir apresenta as espécies verificadas até o momento na área após a implantação do banco de sementes. Quadro 01: Espécies arbóreas e arbustivas identificadas após a implantação do banco de sementes

Segundo Dajoz (1983), a sucessão primária corresponde ao estabelecimento dos seres em um meio do foram eliminados, por vários motivos, os seres ali anteriormente viventes. A sucessão secundária depende de uma série de fatores como a presença de vegetação remanescente, o banco de sementes no solo, a rebrota de espécies arbustivo-arbóreas, a proximidade de fontes de sementes e a intensidade e a duração do distúrbio. Assim cada área apresenta uma dinâmica sucessional específica (MARTINS, 2001). Entre os objetivos da instalação do projeto de recuperação da vegetação no local, estava a necessidade de dar maior proteção a passagem de fauna existente, de forma a orientar os animais a utilizarem o local para o deslocamento entre ambos os lados da rodovia. Através de campanhas de monitoramento de fauna identificou-se, ao longo da instalação do empreendimento, o efetivo uso da estrutura pela fauna local. Na passagem do quilômetro 8+340 foram registradas pegadas de animais como Galictis cuja (furão), Cerdocyon thous (graxaim-do-mato), Procyon cancrivorus (mão-pelada) e Myocastur coypus (ratão-do-banhado). Além destes, salienta-se um importante registro para a região metropolitana de Porto Alegre, a pegada de um felino representante do gênero Leopardus (gato-do-mato).

Figura 11: Pegada de Leopardus sp

Figura 12: Pegada de C. thous (graxaim-do-mato) REVISTA ÁREA / ABERTA

37


Figura 13: . Pegada de Hydrochoerus hydrochaeris (capivara)

Figura 14: Pegada de P. cancrivorus (mão-pelada)

O desenvolvimento das árvores transplantadas para o local também mostrou resultados satisfatórios. Dos 24 procedimentos realizados para incremento da vegetação presente na área, apenas três não obtiveram sucesso.

CONCLUSÕES Espera-se que, com o crescimento das árvores e a sucessão de grupos ecológicos, o corredor de vegetação que existia no local, seja parcialmente restaurado (tendo em vista que a rodovia continuará a interceptá-lo), contribuindo para a manutenção do ecossistema local e também para o melhor funcionamento da estrutura de passagem de fauna existente no local. É importante salientar que o projeto de recuperação de área degradada aqui apresentado, não se encaixa em um projeto convencional, pois não segue as metodologias mais utilizadas e difundidas. Trata-se de alternativa: 1) tecnicamente viável para destinação do resíduo florestal, demonstrando bons resultados após a implantação e, portanto, passível de utilização para tal finalidade; 2) economicamente viável, pois, além de contribuir para a redução de processos erosivos e para a conservação da fauna e flora da região, também evitou custos com a destinação de resíduo florestal para aterros licenciados, refletindo um ganho ambiental e econômico, visto que o revestimento vegetal das áreas degradadas pelas obras normalmente ocorre pela semeadura ou plantio de espécies herbáceas e também pela fixação de placas de leivas no solo descoberto, sendo que estas atividades representam um custo significativo no projeto. O projeto também mostrou-se eficaz para criar ambientes mais atrativos para a fauna, podendo ser utilizado para direcionamento dos animais para passagens específicas. Sendo assim, a utilização desta técnica para cobertura superficial do solo e recuperação de áreas degradadas em empreendimentos que necessitem de supressão de vegetação é recomendada, visto que o material utilizado normalmente é encaminhado para descarte ou acaba sendo abandonado sem a devida destinação.

38 REVISTA ÁREA / ABERTA


REFERÊNCIAS BAGER, A.; FONTOURA, V. Ecologia de Estradas no Brasil – Contexto histórico e perspectivas futuras. In: BAGER, A. (editor). Ecologia de estradas: tendências e pesquisas. Lavras: Ed. UFLA, 2012. DAJOZ, R. Ecologia geral. Rio de Janeiro, Vozes, 1983. 472p. DNIT - DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Manual para Atividades Ambientais Rodoviárias. IPR, Publ. 730 – Rio de Janeiro: 2006. STE - SERVIÇOS TÉCNICOS DE ENGENHARIA S.A. EIA - Estudo de Impacto Ambiental. Obras de Implantação e Pavimentação Rodoviária BR-448/RS. Tomo I e II. 485p., 2004 MARTINS, Sebastião Venâncio. Recuperação de Matas Ciliares. Aprenda Fácil, Viçosa, 2001.

REVISTA ÁREA / ABERTA

39


Anfíbios ocorrentes nos ambientes de entorno da BR-116/RS, Planície Costeira do Rio Grande do Sul, Brasil AUTORES: Sônia Huckembeck, Andrews Duarte da Cruz, Felipe Castro Bonow, Guillermo Dávila Orozco, Gustavo Machado Wallwitz, Michele Buffon Camargo, Renata Aires de Freitas e Rodrigo Souza Torres

Apresentado no I Workshop de Monitoramento do Atropelamento da Fauna em Rodovias xxx Congresso Brasileiro de Ecologia (Porto Alegre - Fev/2014)


RESUMO Os anfíbios sofrem diversos e importantes impactos decorrentes da construção e operação das rodovias, embora seja um grupo pouco considerado na mitigação de impactos das estradas no Brasil. Mediante trabalhos do Programa de Monitoramento de Fauna e Bioindicadores, executados pela Gestão Ambiental da duplicação da BR-116/RS (Guaíba-Pelotas), foram registrados 1.452 indivíduos de 24 espécies no entorno do empreendimento. O monitoramento foi feito em ambientes florestais bem conservados e em ambientes com atividades econômicas predominantes da região. Apesar da pouca variação entre as áreas, a maior abundância e riqueza foram registradas nas áreas naturais. Foi confirmada a presença de uma espécie exótica e se observou a ocorrência de uma espécie com distribuição restrita até a parte norte/nordeste do estado, não sendo esperada na região de estudo. Esses dados são produto do trabalho apresentado em forma de pôster no XXX Congresso Brasileiro de Ecologia, de fevereiro de 2014 na cidade de Porto Alegre, RS. Os resultados utilizados são dos monitoramentos realizados de dezembro de 2012 a julho de 2013, sendo que o monitoramento segue vigente à data de publicação deste artigo.

PALAVRAS-CHAVE Ecologia de Estradas; Monitoramento Ambiental de Estradas; Espécie Exótica.

INTRODUÇÃO A construção de rodovias e o tráfego podem influenciar na comunidade de anfíbios de maneira direta, por atropelamento, e/ou indireta, mediante a supressão de habitat, mudanças na reprodução, exposição a substâncias químicas e como barreira física (KOBYLARZ, 2001, EIGENBROD; HECNAR; FAHRIG, 2009, WARREN et al., 2006). Em função disso, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) promove o Programa de Monitoramento de Fauna e Bioindicadores na BR-116/RS, o qual tem como objetivo complementar o conhecimento da fauna da região do empreendimento e proposição de medidas de conservação.

REVISTA ÁREA / ABERTA

41


METODOLOGIA O monitoramento foi realizado em 12 áreas interceptadas pela rodovia (Figura 01), as quais contemplam áreas úmidas próximas a matas ciliares (Arroio Pelotas – PEL; Arroio Contagem – CON; Arroio Corrientes – COR; Arroio Velhaco – VEL; Arroio Ribeiro – RIB; Rio Camaquã – CAM), campos de pecuária (Pecuária 1 - PEC1; Pecuária 2 - PEC2), orizicultura (Orizicultura 1 - ORI1; Orizicultura 2 - ORI2) e silvicultura (Silvicultura 2 - SIL2; Silvicultura 3 - SIL3). Em cada sítio amostral foram distribuídos quatro pontos de amostragem, nos quais foram despendidos 30 minutos, em busca ativa e auditiva, por campanha.

Figura 01: Localização das 12 áreas amostrais utilizadas no monitoramento de fauna da BR-116/RS

42 REVISTA ÁREA / ABERTA


RESULTADOS Os dados obtidos nos monitoramentos realizados entre dezembro de 2012 e julho de 2013 resultaram em 24 espécies de anfíbios (Quadro 01 e Figuras 02 a 16).

Quadro 01: Lista de espécies de anfíbios registrados durante o monitoramento de fauna da BR116/RS. Dezembro de 2012 a julho de 2013

No total foram registrados 1.452 indivíduos, sendo as espécies mais abundantes: L. latrans (n=330), P. minuta (n=244), H. pulchellus (n=161) e D. sanborni (n=154). Com exceção de SIL3 (n=1), houve pouca variação na riqueza de anfíbios, sendo as áreas com maior diversidade: CON (n=19), RIB (n=17) e PEL (n=16). A abundância também foi maior nas áreas CON (F%17,9), RIB (F%14,4) e PEL (F%10,9). Baseado em estudos anteriores, a riqueza de espécies encontrada na área de estudo já era esperada, com exceção de H. faber, a qual possuía registro somente até a parte norte/nordeste do Estado (BRAUN; BRAUN, 1980, GAYER; KRAUSE; GOMES, 1988, LOEBMANN, 2005, ROSSET, 2008, QUINTELA et al., 2009 e QUINTELA et al., 2007). É importante

REVISTA ÁREA / ABERTA

43


ressaltar a presença da espécie exótica L. catesbeianus, registrada na área PEL, a qual pode causar impacto sobre as espécies nativas e na cadeia trófica local (BOONE; LITTLE; SEMLITSCH, 2004, BLAUSTEIN, KIESECKER, 2002, ADAMS, 2000, STUART et al., 2004). Estudos apontam efeitos negativos das rodovias sobre a fauna (GLISTA; DEVAULT; DEWOODY, 2008, ELZANOWSKI et al., 2009, KAMBOUROVA-IVANOVA et al., 2012), no entanto, as variações observadas com relação à riqueza de espécies e abundância de anfíbios podem estar relacionadas à heterogeneidade ambiental e aos fatores climáticos (WELLS, 2007).

Figura 02: Rhinella dorbignyi

Figura 03: Dendropsophus minutus

Figura 04: Dendropsophus sanborni

Figura 05: Hypsiboas faber

Figura 06: Hypsiboas pulchellus

Figura 07: Pseudis minuta

44 REVISTA ÁREA / ABERTA


Figura 08: Scinax berthae

Figura 09: Scinax squalirostris

Figura 10: Leptodactylus latinasus

Figura 11: Leptodactylus latrans

Figura 12: Leptodactylus mystacinus

Figura 13: Physalaemus biligonigerus

Figura 14: Physalaemus cuvieri

Figura 15: Odontophrynus americanus

REVISTA Ă REA / ABERTA

45


Figura 16: Elachistocleis bicolor

REFERÊNCIAS ADAMS, M. J. Pon permanence and the effects of exotic vertebrates on anurans. Ecological Applications, v. 10, p. 559-568, 2000. BLAUSTEIN, A. R.; KIESECKER, J. M. Complexity in conservation: lessons from the global decline of amphibian populations. Ecology Letters, v. 5, p. 597-608, 2002. BOONE, M. D.; LITTLE, E. E.; SEMLITSCH, R. D. Overwintered bullfrog tadpoles negatively affect salamanders and anurans in native amphibian communities. Copeia, p. 683-690, 2004. BRAUN, P. C.; BRAUN, C. A. S. Lista Prévia dos Anfíbios do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. Iheringia, Ser. Zool., Porto Alegre, v. 56, p. 121-146, 1980. EIGENBROD, F.; HECNAR, S.J.; FAHRIG, L.Quantifying the road-effect zone: treshold effects of a motorway on anuran populations in Ontario, Canada. Ecology and Society, v. 14: art. 24, 2009. ELZANOWSKI, A.; CIESIOŁKIEWICZ, J.; KACZOR, M.; RADWAŃSKA, J.; URBAN, R. Amphibian road mortality in Europe: a meta-analysis with new data from Poland. European Journal of Wild life Research, v. 55, n.1, p. 33 – 43. 2009. GAYER, S. M. P.; KRAUSE, L.; GOMES, N. Lista preliminar dos anfíbios da Estação Ecológica do Taim, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira Zoologia, São Paulo, v. 5, n. 3, p. 419-425, 1998. GLISTA, DJ; DEVAULT, T L.; DEWOODY, J A. Vertebrate road mortality predominantly impactsamphibians. Herpetological Conservation and Biology, v.3,p. 77-87, 2008. KAMBOUROVA-IVANOVA, N.; KOSHEV, Y.; POPGEORGIEV, G.; RAGYOV, D.; PAVLOVA, M.; MOLLOV, I; NEDIALKOV, N. Effect of Traffic on Mortality of Amphibians, Reptiles, Birds and Mammals

46 REVISTA ÁREA / ABERTA


on Two Types of Roads Between Pazardzhik and Plovdiv Region (Bulgaria) – Preliminary Results. Acta Zoologica Bulgarica, v. 64, n.1, p. 57-67, 2012. KOBYLARZ, B. The effect of road type and traffic intensity on amphibian road mortality. Journal of Service Learning in Conservation Biology, v.1, p. 10-15, 2001. LOEBMANN, D. Guia Ilustrado: os anfíbios da região costeira do extremo sul do Brasil. USEB, Pelotas, 76p., 2005. QUINTELA, F.M.; MEDVEDOWISKY, I.G.; NEVES, L.F.; LOEBMANN, D.; FIGUEIREDO, M.R.C. Melanophryniscus dorsalis, Distribution extension, Distributionextension in the Rio Grande do Sul, Brasil. Checklist,v. 3, n. 2, p. 105-108, 2007. QUINTELA, F. M.; NEVES, L. F. de M.; MEDVEDOWISKY, I. G.; SANTOS, M. B. dos; OLIVEIRA, M. C. L. M.; FIGUEIREDO, M. R. C. Relação dos anfíbios da Ilha dos Marinheiros, estuário da Lagoa dos Patos, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Brasileira de Biociências, v. 7, n. 2, p. 231-233, 2009. ROSSET, D. New Species of Odontophrynus Reinhardtand Lütken 1862 (Anura: Neobatrachia) from Brazil and Uruguay. Journal of Herpetology, v.42, n. 1, p. 134-144, 2008. STUART, S. N.; CHANSON, J. S.; COX, N. A.; YOUNG, B. E.; RODRIGUES, A. S. L.; FISCHMAN, D. L.; WALLER, R. W. Status and trends of amphibian declines and extinctions worldwide. Science, v. 306, p. 783-1786, 2004. WARREN, P. S.; KATTI, M.; ERMANN M.; BRAZEL, A. Urban bioacoustics: it’s not just noise. Animal Behaviour, v. 71, p. 491-502, 2006. WELLS, K.D. The Ecology and Behavior of amphibians. University of Chicago Press, Chicago. 1400p., 2007.

REVISTA ÁREA / ABERTA

47


Aplicação da análise estatística multivariada para comparação entre os resultados do monitoramento da qualidade das águas superficiais obtidos a montante e jusante das obras de implantação da BR-448/RS - Rodovia do Parque AUTORES: Luis Adriel Pereira, Andressa Krewer Facin, Chaiana Teixeira da Silva, Lauro Bassi, Letícia Coradini Frantz e Rogério Luis Casagrande


RESUMO A BR-448/RS, conhecida como Rodovia do Parque, configura-se em uma importante obra realizada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), que visa ampliar a malha viária da região Metropolitana de Porto Alegre como alternativa para o fluxo de veículos da BR-116/RS. No licenciamento do empreendimento foi prevista a implantação de 22 Programas Ambientais, dentre os quais o monitoramento da qualidade das águas superficiais dos cursos hídricos impactados pelas obras, os quais pertencem à Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos. As atividades foram executadas pela equipe técnica da gestora ambiental da BR-448/RS, através de campanhas trimestrais, iniciadas em maio de 2010 concomitantemente ao início das obras. O presente estudo considerou o período de monitoramento entre maio de 2010 e outubro de 2014, totalizando 20 campanhas de amostragens nas quais foram analisados 20 parâmetros físico-químicos e microbiológicos. Para a análise dos dados utilizou-se métodos estatísticos multivariados, como a Análise de Componentes Principais (ACP) e a Análise Fatorial (AF). Verificou-se que os resultados obtidos (cargas fatoriais) para os parâmetros na situação de jusante apresentaram resultado semelhante para os mesmos parâmetros considerados a montante, indicando que as obras realizadas na implantação da BR-448/RS não interferiram negativamente na qualidade dos recursos hídricos superficiais locais, sendo que a origem mais provável de poluição verificada está associada a atividades agrícolas (adubação) e domésticas (águas residuárias e esgotos).

PALAVRAS-CHAVE Águas Superficiais, BR-448; Estatística Multivariada; Monitoramento.

INTRODUÇÃO Os empreendimentos rodoviários em geral constituem uma categoria de obras de grande porte que alteram o desenvolvimento e ordenamento territorial de uma região e que, devido ao seu caráter linear, interceptam diferentes composições fisiográficas com ocupações distintas, gerando impactos ambientais que interferem diretamente no equilíbrio biofísico da região em que se inserem (COSTA, 2010). Em relação a isto, a degradação da qualidade das águas superficiais decorrentes das atividades construtivas de uma rodovia configura-se como um dos principais impactos ambientais negativos previstos para este tipo de obra. Quando não adotadas medidas eficazes para a minimização e controle dos impactos negativos previstos para o empreendimento rodoviário, as alterações na qualidade das águas frequentemente podem estar associadas às atividades de movimentação de solo realizadas

REVISTA ÁREA / ABERTA

49


durante os serviços de desmatamento, destocamento, conformação de taludes de corte/aterro e terraplenagem. Estas atividades exercem influência direta nos processos de dinâmica superficial como instabilidade de encostas e taludes, formação de erosões e o consequente carreamento da fração fina do solo para drenagens e sistemas hídricos locais (impacto propriamente dito), ocasionando alterações nos padrões de turbidez e concentração de sólidos e, assim, acabam por comprometer a dinâmica natural dos ecossistemas aquáticos. Pode-se destacar também as possíveis contaminações decorrentes do despejo de esgoto sanitário, derramamento ou vazamento de produtos químicos contendo hidrocarbonetos, como por exemplo, material betuminoso, combustíveis, óleos e graxas, que também pode atingir drenagens naturais interceptadas ou próximas às obras. É neste contexto que o monitoramento dos cursos hídricos potencialmente impactados durante o período de obras de implantação de uma rodovia tem por finalidade identificar eventuais alterações nos padrões de qualidade das águas superficiais locais, de modo que se possa verificar se há alterações negativas que sejam decorrentes das obras realizadas, em comparação com a caracterização inicial (antes das atividades das obras serem iniciadas), bem como a situação observada entre pontos de amostragem localizados a montante e jusante dos cursos d’água monitorados no empreendimento (PIMENTA et. al., 2014). Deste modo, no estudo ora apresentado foi avaliado o comportamento dos parâmetros de qualidade da água monitorados nos pontos de cursos hídricos localizados a montante das obras de implantação da BR-448 em comparação com os resultados obtidos a jusante através da análise estatística multivariada. Com isso buscou-se identificar similaridades e diferenças entre resultados verificados nas duas situações, além de evidenciar os principais fatores que caracterizam a qualidade dos cursos hídricos monitorados, e identificar possíveis alterações na qualidade da água que pudessem ter relação com as atividades realizadas para a construção da rodovia.

A IMPLANTAÇÃO DA BR-448/RS E O MONITORAMENTO DAS ÁGUAS SUPERFICIAIS A BR-448/RS, conhecida como Rodovia do Parque, configura-se em uma importante obra realizada pelo DNIT, que visa ampliar a malha viária da região Metropolitana de Porto Alegre como alternativa para o fluxo de veículos da BR-116. A área de inserção da rodovia integra o trecho inferior da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos, onde predominam zonas rurais, núcleos urbanos e indústrias, abrangendo os municípios de Sapucaia do Sul, Esteio, Canoas e Porto Alegre, conforme pode ser visualizado no mapa de localização apresentado na Figura 01. O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da rodovia (STE, 2007) realizado previamente ao processo de licenciamento ambiental, destaca que a Área de Influência Direta (AID) mostra-se

50 REVISTA ÁREA / ABERTA


bastante antropizada e o Rio dos Sinos e arroios próximos à área do empreendimento mostram-se bastante impactados, tanto por efluentes domésticos e industriais como pela lavoura de arroz irrigado praticada na região, sendo estes fatores determinantes para a qualidade de suas águas. A análise do meio físico do EIA apontou como principal impacto negativo possível decorrentes das obras a “contaminação dos recursos hídricos superficiais por resíduos sólidos, efluentes líquidos e materiais perigosos” cuja ação geradora ocorreria pela destinação inadequada de efluentes líquidos, de resíduos sólidos e vazamentos de materiais perigosos. No Plano Básico Ambiental (PBA) da Rodovia foi previsto o monitoramento da qualidade da água superficial nos mesmos pontos onde foi realizada a avaliação por ocasião do EIA, sendo que nos arroios interceptados pela rodovia foram indicados pontos a montante e a jusante da mesma, perfazendo um total de 10 pontos monitorados através de campanhas trimestrais (primeira delas realizada anteriormente ao início das obras para a caracterização inicial da qualidade da água).A partir disso, o licenciamento ambiental de instalação do empreendimento considerou a necessidade de monitorar a qualidade das águas superficiais dos cursos hídricos impactados pelas obras do empreendimento, por meio do Programa de Monitoramento e Controle da Qualidade dos Recursos Hídricos Superficiais.

ANÁLISE ESTATÍSTICA EM QUALIDADE DA ÁGUA A qualidade das águas superficiais pode ser entendida como um reflexo do comportamento apresentado pelos parâmetros físicos, químicos e microbiológicos verificados ao longo de campanhas sistemáticas de monitoramento. A análise em conjunto de diversos parâmetros possibilita melhor compreender o estado de qualidade de um sistema hídrico, porém, um conjunto de dados complexo composto por variáveis com diferentes escalas e unidades pode resultar em uma tarefa difícil, sujeita a interpretações subjetivas. Considerando-se que nem sempre a estatística clássica é suficiente para auxiliar a análise dos dados, verifica-se na literatura uma disseminação pelo interesse de aplicação de métodos estatísticos multivariados, os quais permitem conhecer os parâmetros mais representativos da qualidade de um curso hídrico, minimizar a subjetividade existente na análise de dados de qualidade de água e, assim, obter resultados mais conclusivos. Dentre os métodos e técnicas multivariadas disponíveis, a Análise dos Componentes Principais/Análise Fatorial (ACP/AF) ganha destaque, visto que fornecem resultados que independem da normalidade de distribuição dos dados monitorados, e também porque se verifica uma preferência de diversos autores por estes tipos de análises em estudos semelhantes relacionados à qualidade de recursos hídricos. Segundo França (2009), a ACP/AF é utilizada para a investigação das relações existentes em um conjunto de “p” variáveis, em geral, correlacionadas, transformando-o em um novo conjunto de variáveis não correlacionadas entre si denominadas Componentes Principais (CPs).

REVISTA ÁREA / ABERTA

51


A ACP consiste numa técnica matemática que possibilita classificar e estabelecer correlações entre elementos de uma população, partindo-se do princípio de que haja influência de um conjunto de variáveis interagindo concomitantemente em um determinado fenômeno. Inicialmente, o que se obtém da transformação das “p” variáveis originais correlacionadas são “p” CPs. No entanto, mesmo que sejam necessárias as “p” CPs para reproduzir a variabilidade total do sistema, a maior parte desta variabilidade pode ser explicada por um número menor “k” de componentes principais (k < p). Assim, como as “k” componentes principais explicam praticamente a mesma quantidade de informação que as “p” variáveis originais, podem-se substituir as “p” variáveis originais pelas “k” CPs, reduzindo-se o número de variáveis do problema em questão, perdendo no processo a menor quantidade de informação possível (FRANÇA, 2009). O método tem por finalidade obter um reduzido número de variáveis não correlacionadas que explique a estrutura de dados amostrados e a maior variância identificada nos mesmos, excluindo-se variáveis que sejam sobrepostas a outras. Deste modo, a redundância existente no conjunto de dados é também substancialmente reduzida. A AF tem objetivos semelhantes aos da ACP, visto que visa a redução da dimensão de dados multivariados e a melhor compreensão do relacionamento existente entre as variáveis (TRINDADE, 2013). De acordo com diversos autores (FRANÇA, 2009; GUEDES et al., 2012; TRINDADE, 2013), a AF é uma técnica na qual se supõe que as variáveis possam ser agrupadas de acordo com suas correlações e que as variáveis dentro de um grupo particular estão altamente correlacionas entre si, mas muito pouco correlacionadas com variáveis pertencentes a outro grupo. Enquanto a ACP acomoda toda a estrutura contida nos dados e descreve a máxima variância de todas as variáveis, a AF descreve as intercorrelações máximas existentes entre as variáveis, o que resulta em fatores baseados apenas na variância comum, sendo que as variáveis não comuns não entram no modelo. A ACP pode ser compreendida como um método de extração utilizado na AF que independe da normalidade dos dados, no qual os escores gerados são utilizados na análise fatorial para reduzir a dimensionalidade do problema investigado, e ainda para identificar fatores que reflitam o que as variáveis têm em comum. Os fatores são extraídos por ordem de importância, sendo o Fator 1 (componente 1) aquele no qual a maioria das variáveis tem carga significativa capaz de explicar o maior percentual da variância. O segundo Fator e os seguintes são baseados na quantia residual de variância. Consideram-se cargas fatoriais significantes valores obtidos > 0,50. Uma denominação importante na AF refere-se à Comunalidade, que representa a quantia total de variância que uma variável original compartilha com todas as outras variáveis incluídas na análise. A Comunalidade é importante porque possibilita estabelecer um critério de representatividade entre o conjunto de variáveis, sendo aquelas com valores inferiores a 0,70

52 REVISTA ÁREA / ABERTA


passíveis de exclusão da análise (HAIR et al., 2005). Comunalidades grandes indicam que uma grande quantidade de variância em uma variável foi extraída pela solução fatorial. Assim, a aplicação da AF apresenta-se mais favorável na verificação da variabilidade existente em amostras de qualidade de água superficial por considerar que o ambiente aquático é caracterizado pela associação de diferentes variáveis.

METODOLOGIA As atividades de monitoramento realizadas foram executadas por equipe técnica da gestora ambiental da BR-448/RS, através de campanhas trimestrais, iniciadas em maio de 2010 concomitantemente ao início das obras. Para este estudo considerou-se os dados obtidos no período de monitoramento entre maio de 2010 e outubro de 2014, totalizando 20 campanhas de amostragem nas quais foram analisados 20 parâmetros físico-químicos e microbiológicos, monitorados em 10 pontos situados a montante e a jusante de cursos hídricos interceptados ou próximos ao empreendimento, conforme Figura 01.

Figura 01: Localização dos pontos de monitoramento da qualidade da água

REVISTA ÁREA / ABERTA

53


Foram selecionados 8 dos 10 pontos, considerando-se aqueles com localização a montante e a jusante, podendo-se verificar as diferenças existentes em situação sem influência do empreendimento (montante) e com possível interferência em decorrência das obras realizadas (jusante). Os pontos utilizados no estudo foram: P2M e P2J; P3M e P3J; P4M e P4J; P6M e P6J. Os parâmetros analisados foram: Temperatura (Temp), Oxigênio Dissolvido (OD), Alcalinidade total (At), DBO, DQO, pH, Condutividade Elétrica (CE), Sólidos Suspensos (SS), Sólidos Suspensos Totais (SST), Sólidos Dissolvidos Totais (SDT), Cloretos (Cl-), Coliformes Termotolerantes (Coli.Termo), Coliformes Totais (Coli.Totais), Nitratos (Ni), Fósforo (F), Ferro (Fe), Surfactantes (Surfact), Óleos e Graxas (O&G), Turbidez (Turb) e Hidrocarbonetos Totais de Petróleo (HTP). Para a análise dos dados foram utilizados dois métodos de estatística multivariados, a saber: a Análise dos Componentes Principais (ACP) e a Análise Fatorial (AF). Neste trabalho a análise multivariada foi realizada com auxílio do software SPSS – Statistical Package for Social Science (versão 21.0).

RESULTADOS Inicialmente, foi verificado se a AF era adequada à matriz de dados realizando-se o Teste de Esfericidade de Bartlett, conforme descrito por França (2009). Para tanto é utilizado o resultado da Medida de Adequacidade de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO). Valores de KMO entre 0,5 e 1,0 indicam que o uso da AF é apropriado. O valor KMO obtido na análise para a situação de montante e jusante foi igual a 0,65 e 0,62, respectivamente. Para evitar possíveis incoerências devido à diferença de unidades e escalas dos valores medidos, são obtidos da matriz de correlação os autovalores1 e autovetores2 . Os autovetores, em ordem decrescente, definem a importância de cada componente principal (CP). Os autovalores correspondem à variância explicada por cada uma das componentes principais, conforme apresentado no Quadro 01. Quadro 01: Variância total explicada

1Representam as variâncias de cada CP. 2Determinam as direções de variabilidade máxima.

54 REVISTA ÁREA / ABERTA


A escolha do número de CP é realizada considerando autovalores maiores que 1, conforme critério proposto por Kaiser1 (1958, apud FRANÇA, 2009). No caso apresentado considerou-se como suficiente a variância explicada nos sete primeiros componentes em ambas as situações (montante e jusante), os quais representam juntos mais de 70% da variância total. O resultado das comunalidades dos parâmetros, que representam a porção de variância dos parâmetros distribuída pelos fatores, é apresentado no Quadro 02. É a partir das comunalidades que se definem quais parâmetros podem ser considerados mais relevantes na análise. Assim, considerou-se que parâmetros com comunalidade inferior a 0,70 poderiam ser dispensados das análises. No entanto, optou-se pela não exclusão destes, levando-se em conta que apresentam correlação com outros parâmetros, embora menor. Dentre os resultados obtidos podem-se destacar os parâmetros OD, temperatura e óleos e graxos, visto que em ambos os casos apresentaram comunalidades <0,7. Na situação à jusante destacam-se ainda os parâmetros HTP, surfactante e SST os quais podem ter relação direta com aspectos construtivos das obras da rodovia, entretanto, não se mostraram relevantes de acordo com esta análise. Quadro 02: Comunalidades obtidas para os parâmetros

Obtidos os valores das comunalidades e pesos (ou cargas) dos fatores, utilizou-se uma solução proposta por Kaiser (1958), denominada rotação varimax2 . O quadro 03 exibe os pesos (ou cargas) dos 7 fatores após ser realizada a rotação. As cargas dos fatores com valor absoluto superior a 0,7 foram destacados, representando os parâmetros com maior contribuição para a variância dos dados dentro de cada fator.

1 No critério adotado por Kaiser (1958), tem-se que o número de componentes principais retidos deve ser igual ao de autovalores maiores que 1,0. 2 A rotação varimax consiste na transformação ortogonal utilizada em álgebra matricial para rotacionar os eixos com os fatores. O objetivo principal desta rotação dos fatores é obter pesos altos para cada parâmetro em um único fator e pesos baixos ou moderados nos demais fatores (FRANÇA, 2009; TRINDADE, 2013).

REVISTA ÁREA / ABERTA

55


Quadro 03: Matriz com as cargas dos fatores para cada parâmetro

56 REVISTA ÁREA / ABERTA


Os fatores 1 e 2 foram considerados com alta relevância, pois juntos explicaram mais de 35% da variância total da amostra. No Fator 1, em ambas as situações os parâmetros que mais se destacaram em relação à variabilidade dos dados foram aqueles relacionados à presença de matéria orgânica (DBO e DQO), fósforo e detergentes (surfactantes), parâmetros sabidamente relacionados a despejos domésticos, originados em descargas indiscriminadas, comumente observadas nos sistemas hídricos da região metropolitana. Torna-se clara a elevada inter-correlação negativa entre DBO e DQO em oposição ao OD (sinal negativo), indicando que o aumento da carga orgânica induz à redução dos níveis de OD devido à oxidação da matéria orgânica. Ao se observar ainda o Fator 1, destacam-se a variabilidade do Fósforo observada na em ambas as situações, que pode estar relacionada com a contribuição de esgotos sanitários ou com o uso de fertilizantes fosfatados usualmente utilizados nas lavouras irrigadas para produção de arroz, as quais ocorrem em vasta área na região de inserção da rodovia. No Fator 2 destacam-se os parâmetros CE, SDT e Cl- com valores altos e positivos, indicando elevada inter-relação entre eles, e que o aumento de um influencia na elevação do valor do outro, o que é de se esperar, visto que são parâmetros físico-quimicamente relacionados. No Fator 3 os parâmetros relacionados à fração de sólidos em suspensão presentes se destacam, com os SST, SS e turbidez variando no mesmo sentido, o que já era esperado, sendo que em relação à situação de jusante apenas a turbidez apresentou carga fatorial significativa. Isto indica que, mesmo que a maior parte da rodovia tenha sido construída em aterro, não houve contribuição representativa de sedimentos carreados para drenagens e, consequentemente, para os cursos hídricos locais situados a jusante, haja vista que a montante verificou-se a maior variabilidade dos resultados. O Fator 4 apresentou os parâmetros Temperatura, OD, SS e O&G com carga fatorial ≥0,5 em relação aos pontos situados a montante. Pode-se destacar a carga obtida para o parâmetro SS, o qual apresentou variância significativa em ambas as situações monitoradas, e em relação ao parâmetro O&G, que a montante apresentou carga relevante para explicar a variabilidade dos dados dentro do fator. Há de se fazer uma ressalva em relação ao Fator 5, no qual os parâmetros referentes a presença de microorganismos potencialmente patogênicos apresentaram os maiores valores. Cabe mencionar que, embora a variância explicada pelo fator não tenha sido tão relevante tanto a montante quanto a jusante (6,3% a montante e 7,3% a jusante), em um primeiro momento pode-se interpretar que tais resultados são de certa forma positivos em relação à qualidade das águas monitoradas. No entanto, estes são resultados do comportamento uniforme verificado ao longo das campanhas, o que não significa que os resultados foram os desejados. Analisando-se os valores obtidos, verifica-se que estes foram muito elevados na maioria nas amostragens, denotando a forte característica de lançamentos de despejos contaminados diretamente nos cursos hídricos, ainda que isto não se apresente estatisticamente relevante em termos de variância, quando comparada aos demais fatores. O Fator 6 apresentou carga fatorial significativamente semelhante para o parâmetro Ni tanto

REVISTA ÁREA / ABERTA

57


a jusante quanto a montante, e no Fator 7 o pH destacou-se como parâmetro importante para explicar a variância do fator, embora represente um percentual explicado menos expressivo.

CONCLUSÕES De acordo com os resultados obtidos, em ambas as situações o maior percentual da variância dos dados é explicada pelos sete primeiros parâmetros, onde se verificou uma significativa similaridade nos resultados obtidos para cada fator, evidenciando que tanto nos pontos de montante quanto de jusante os parâmetros apresentaram variações estatisticamente semelhantes ao longo do período monitorado considerado neste estudo. Analisando-se os sete fatores mais relevantes, verifica-se que todas as cargas fatoriais representativas (>0,5) obtidas para os parâmetros na situação de jusante apresentaram resultado semelhante para os mesmos parâmetros considerados a montante. Os resultados fornecem indicativos de que as obras realizadas na implantação da BR-448 não influenciaram negativamente a qualidade dos recursos hídricos superficiais locais, sendo que a origem mais provável de poluição verificada está associada a fatores antrópicos alheios às obras, tais como os derivados de atividades agrícolas (adubação) e domésticas (águas residuárias e esgotos).

REFERÊNCIAS COSTA, R. M. O Papel da Supervisão Ambiental e Proposta de Avaliação de Desempenho Ambiental em Obras Rodoviárias. 2010. 351 f.. Dissertação (Mestrado) - Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, São Paulo. 2010. FRANÇA, M. S. Análise Estatística Multivariada dos Dados de Monitoramento de Qualidade de Água da Bacia do Alto Iguaçu: uma ferramenta para a gestão de recursos hídricos. Curitiba-PR. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Recursos Hídricos e Ambiental) – Setor de Tecnologia da Universidade Federal do Paraná. 2009. GUEDES, H. A. S.; SILVA, D. D.; ELESBON, A. A. A.; RIBEIRO, C. B. M.; MATOS, A. T.; SOARES, J. H. P. Aplicação da Análise Estatística Multivariada no Estudo da Qualidade da Água do Rio Pomba, MG. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental, v.16, p.558-563, 2012. HAIR JUNIOR, J. F.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L.; BLACK, W. C. Análise Multivariada de Dados. 5. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. KAISER, H.F. The varimax criterion for analytic rotation in factor analysis. Psychometrika, 23, p. 187- 200, 1958.

58 REVISTA ÁREA / ABERTA


PIMENTA, A. F. F. et. al. Gestão para o Licenciamento Ambiental de Obras Rodoviárias: Conceitos e Procedimentos. Curitiba:UFPR/ITTI, 2014. STE - SERVIÇOS TÉCNICOS DE ENGENHARIA S.A.. Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente da BR-448 – Rodovia do Parque (EIA/RIMA). DNIT-CGMAB/ STE, 2007. TRINDADE, A. L. C. Aplicação de Técnicas Estatísticas para Avaliação de Dados de Monitoramento de Qualidade das Águas Superficiais da Porção Mineira da Bacia do Rio São Francisco. Dissertação (Mestrado em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) – Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos. Universidade Federal de Minas Gerais. UFMG. 2013.

REVISTA ÁREA / ABERTA

59


Um novo caminho. Novas vidas. Mobilidade, dignidade e cidadania AUTORES: Andrea Weschenfelder, Adriano Peixoto Panazzolo, Carlos Alfredo Türck Júnior, Catarina Silveira Munõz * e Marcela Nascimento Sternick

Apresentado no V Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental - CONGEA (Belo Horizonte - 2014) * DNIT - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes


RESUMO Os cerca de 130 mil usuários diários que trafegavam na BR-116/RS na região metropolitana de Porto Alegre enfrentavam, diariamente, o drama dos congestionamentos e acidentes com prejuízos na saúde e na produtividade. A situação gerou a necessidade de construir uma via que representasse uma alternativa. A solução foi a construção de uma nova rodovia, a BR-448/RS, também conhecida como Rodovia do Parque. Os 22,3 quilômetros que interligam os municípios de Sapucaia do Sul a Porto Alegre, representam grande importância no crescimento social e econômico do Estado. Porém, no mesmo local onde foi projetado o traçado da obra, residiam 599 famílias numa totalidade de 2.400 pessoas desprovidas de saneamento e outros serviços essenciais, ocupando por três décadas uma área irregular e de risco chamada Vila do Dique, na cidade de Canoas/RS. Essa comunidade, em função de uma condicionante da Licença Ambiental do empreendimento, precisou ser reassentada. A realocação involuntária das famílias para a implantação de um grande empreendimento sempre é uma questão delicada, pois de um lado está o cronograma das obras e por outro, o impacto e a mudança na vida de centenas de pessoas. A discussão normalmente ultrapassa as competências e, se não for bem conduzida, pode comprometer o projeto ao ponto de inviabilizá-lo. Por três anos o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) por meio da Gestão Ambiental, com a parceria da Prefeitura Municipal de Canoas, implantou o Programa de Reassentamento Populacional. A partir de ações geridas por uma equipe multidisciplinar, constituída, principalmente, por profissionais da área social, que atuou direta e diariamente na comunidade, o objetivo foi de prepará-las para a nova realidade que se apresentava. O trabalho exigiu por parte da equipe, muita dedicação às famílias e flexibilidade para lidar com as inúmeras situações surgidas durante o processo. A finalidade do estudo é mostrar que, para além da obrigatoriedade do trabalho social em projetos de intervenção habitacional, no caso da BR-448/RS ele assume também uma função estratégica, atuando na gestão da violência, no manejo do ambiente, na geração de trabalho e renda e em especial, no reconhecimento enquanto cidadãos através do resgate da cidadania.

PALAVRAS-CHAVE Reassentamento; BR-448; Trabalho Social; Gestão Ambiental; Educação Ambiental.

INTRODUÇÃO O direito à moradia norteia as políticas públicas do Governo Federal e está assegurado na

REVISTA ÁREA / ABERTA

61


Constituição Federal, na Declaração Universal de Direitos Humanos, em normas, leis e tratados. Garantir a melhora nas condições de vida e de habitação de mais de 2 mil pessoas em apenas um empreendimento representou um desafio para o DNIT como o trabalho executado na construção da BR-448/RS. Não obstante à importância da minimização dos impactos da rodovia no ambiente físico e biótico, o antrópico proporcionou a experiência e a capacidade do Departamento em realizar o compromisso da construção rodoviária tendo como horizonte a sustentabilidade e assumindo a execução de um grande projeto social, em parceria com a prefeitura de Canoas e o Governo Federal e Estadual. Experiências semelhantes já tinham ocorrido com ampliações e construções de rodovias. Mas o caso da BR-448/RS mostra-se emblemático pelo número de pessoas abrangidas em uma mesma comunidade e pelo envolvimento direto da equipe de Gestão Ambiental nas ações sociais desenvolvidas. O trabalho realizado no empreendimento demonstrou que um processo de reassentamento vai muito além da retirada de famílias da área afetada pela rodovia e instalação em um novo local. Para que haja efetiva melhoria na qualidade de vida da população é preciso um trabalho de acompanhamento e comunicação permanente com as pessoas. O caso da Rodovia do Parque comprovou que o sucesso passa pela presença contínua de uma equipe social na comunidade, pela valorização das instituições e lideranças locais, pela realização de repetidas reuniões e visitas técnicas com os moradores, pela transparência em todos os contatos e informes à população, pelo empoderamento comunitário, pela priorização de grupos de maior vulnerabilidade, como portadores de deficiência e idosos, entre outros.

REASSENTAMENTO INTEGRAL DAS FAMÍLIAS O Programa de Reassentamento Populacional previa a retirada e a acomodação em novas moradias de todas as famílias habitantes da Vila do Dique, incluindo as localizadas fora da faixa de domínio. A decisão levou em conta a preservação das relações de vizinhança e compadrio entre os habitantes da comunidade, bem como a equidade entre as famílias. Ao mesmo tempo, a retirada da integralidade da Vila do Dique contribuiria para a preservação do Parque Estadual do Delta do Jacuí, reduzindo a interferência humana no ecossistema e o lançamento de esgoto diretamente no sistema hídrico. Por fim, deixar as moradias fora da faixa de domínio poderia constituir-se em um estímulo para novas ocupações irregulares na área de preservação e nas margens da rodovia, além de separar laços existentes entre as famílias. O controle fica facilitado quando não existe imóvel algum no local. Por isso, a realocação de toda a Vila do Dique foi inserida entre as condicionantes ambientais para o empreendimento. Ao longo do processo de implementação do Programa de Reassentamento, o tempo para estabelecer a relação com as famílias e para construção da infraestrutura das casas seria su-

62 REVISTA ÁREA / ABERTA


perior ao da chegada da obra na área diretamente afetada. A sobreposição de prazos é uma dificuldade nesse tipo de Programa, visto que o custo de paralisação de uma obra rodoviária representa perda financeira para os cofres públicos. A solução encontrada foi a construção de uma Vila de Passagem (construída pelo Consórcio responsável pelo Lote 3 da rodovia) com cerca de 300 moradias provisórias, ao lado da Vila do Dique, nas quais seriam instaladas famílias que deveriam sair imediatamente para que a obra da estrada não sofresse atrasos, com isso, a construção do loteamento foi finalizada em meados de 2011. A possibilidade de aluguel social, uma alternativa utilizada pelo DNIT em outras obras, por meio da qual as famílias com moradias no leito da rodovia são realocadas em imóveis locados pelo poder público, foi uma das opções à Vila de Passagem. Como o número de famílias com retirada urgente e obrigatória chegava perto de 300, seria preciso encontrar igual número de imóveis disponíveis. Ainda que houvesse oferta, o valor da locação tenderia a disparar dada a pressão da demanda repentina, a menos que a busca incluísse unidades habitacionais em uma região geográfica mais ampla do que o município de Canoas e as adjacências da Vila do Dique. Nesse caso, entretanto, imóveis distantes da realidade atual das famílias para a Gestão Ambiental da BR-448/RS e para a prefeitura de Canoas, o aluguel social também seria um entrave ao desenvolvimento do trabalho, uma vez que o acompanhamento de centenas de famílias em locais esparsos é inviável. A necessidade de realocação de famílias provisoriamente em uma Vila de Passagem, com posterior mudança para as casas definitivas, foi um dos primeiros desafios enfrentados pela equipe social da STE S.A. (Gestora Ambiental contratada pelo DNIT) e pelas equipes da prefeitura de Canoas para o serviço. Contribuir para que os beneficiados conquistassem uma melhoria da qualidade de vida, tendo acesso a seus direitos e também exercendo os deveres de cidadão. Com a conclusão dos três loteamentos construídos para abrigar definitivamente as famílias em 343 casas e 256 apartamentos construídos por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, não teve custos para a população realocada. A Caixa Econômica Federal foi o agente responsável pela documentação e entrega dos imóveis às famílias.

PROCESSO DE RESSOCIALIZAÇÃO ASSISTIDO DE FORMA CONTÍNUA As pesquisas de campo realizadas para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) revelaram que a situação socioeconômica das famílias demandava acompanhamento de equipe especializada, composta por Assistentes Sociais, Sociólogos e Agentes Comunitários para que fossem asseguradas as condições mínimas de sobrevivência e de qualidade de vida. As ações tomadas na realocação das famílias da BR-448/RS seguiram as orientações gerais

REVISTA ÁREA / ABERTA

63


do International Association for Impact Assessment (IAIA), que após cinco anos de estudos publicou em 2003 os Princípios Internacionais de Avaliação de Impactos Sociais, além de estarem em consonância com a legislação brasileira e com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. O empoderamento da comunidade local afetada, a melhoria da posição social de mulheres, a redução das formas de dependência e da pobreza são alguns dos objetivos gerais que permearam todo o trabalho desenvolvido junto à população realocada com a construção da Rodovia do Parque e que constam na publicação da IAIA. Na BR-448/RS, o processo de ressocialização teve início em maio de 2011 e foi assistido de forma contínua. Foram muitas atividades de aproximação e conhecimento da comunidade local. Tudo começou com a atualização de dados das famílias, onde a equipe social entrevistou casa a casa as famílias, passo fundamental para a montagem do Plano de Reassentamento. Na sequência houve a formação da Comissão de Acompanhamento das Obras que constituiu um elo entre o poder público e a comunidade. Foram muitas visitas domiciliares, encontros de formação, reuniões para a seleção das primeiras famílias a residirem provisoriamente no loteamento denominado Vila de Passagem. O complexo dotado de 300 casas (19 m² cada), cercadas com pátio frontal, banheiro com chuveiro, tanque, pia, água e luz (subsidiadas pela prefeitura de Canoas), além de área verde, centro comunitário, brinquedoteca, praça, baia e canil coletivos, estacionamento coberto e galpão de reciclagem para atender aos moradores que trabalham na coleta de lixo. Mesmo de forma provisória, a vida na Vila de Passagem permitiu que as famílias tivessem acesso à infraestrutura básica, inexistente na área do Dique. A Figura 01 apresenta a Equipe Social na Vila do Dique Canoas/RS e a Figura 02 o trabalho de atualização cadastral desenvolvido casa a casa na comunidade. A mudança para a Vila de Passagem envolveu uma logística complexa. A equipe social dividia-se em dois grupos durante as transferências das famílias. Um deles acompanhava a saída do local de origem e outro, a acolhida da comunidade. Cada um tinha tarefas específicas: liberar pessoas, orientar a retirada dos móveis pelos operários, verificar o acondicionamento dos pertences e atenção ao transporte dos animais domésticos. Para que não fossem danificados ou extraviados os pertences havia um caminhão por mudança e transporte para cada família. O processo foi acompanhado pela Guarda Municipal para evitar eventuais conflitos, por técnicos e fiscais da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação e também por uma equipe do Centro de Bem-Estar Animal da Secretaria Municipal de Saúde para levar os animais de estimação. As crianças, quando chegavam ao local, eram encaminhadas à brinquedoteca, entretidas com atividades lúdicas, enquanto os adultos envolviam-se na preparação da nova morada e recebiam as orientações necessárias. A Figura 03 mostra o dia da mudança para a

64 REVISTA ÁREA / ABERTA


Vila de Passagem e a Figura 04 as crianças sendo acompanhadas até a brinquedoteca do local.

RESULTADOS Em parceria com a Prefeitura de Canoas foi desenvolvida uma pesquisa para avaliar o grau de satisfação dos moradores da Vila de Passagem, as condições de habitação e os serviços prestados no local. O método utilizado foi a aplicação de questionários fechados em diversos dias da semana em horários diferenciados, buscando abranger a diversidade de moradores. A pesquisa, de caráter amostral, abrangeu 60% das 198 famílias cadastradas como residentes no local, em dezembro de 2012. Foram sete entrevistadores atuando em diferentes momentos. A escolha dos módulos das famílias a serem entrevistadas foi aleatória, sendo possível atingir um número proporcional de famílias por bloco de moradia. Caracterização da população: O total de entrevistados foi de 121 pessoas, sendo 98 mulheres. São elas que geralmente respondem pela família, embora não necessariamente sejam consideradas ou cadastradas como “chefes-de-familia”. A maior parte dos entrevistados (33%) declara seu estado civil como solteiro, 26% como união estável e 23% são casados. Há ainda um desconhecimento grande sobre o significado da “união estável”. Para esta pesquisa foi considerada a autodeclaração independente da comprovação documental. Em 34% das unidades habitacionais da Vila de Passagem que fizeram parte da amostra moram de 3 a 4 pessoas, 22% de 5 a 6 pessoas, 18% de 1 a 2 pessoas, 11% de 7 a 8 pessoas. Cinco módulos foram registrados com mais de 8 moradores. Dos entrevistados 52% residiam anteriormente no Dique Rio Branco, 22% no Dique Paquetá, 15% no Dique do Canil, outros locais somam menos de 6%. Avaliações: Em relação às atividades cotidianas com as crianças na Vila de Passagem, com a Hora do Conto, o Cineminha Ambiental e a Brinquedoteca, mais de 50% dos entrevistados afirmou ser contemplado de alguma forma por estes serviços. Foi solicitado também aos moradores que avaliassem com notas de 1 a 10 alguns dos serviços prestados na Vila de Passagem. A maioria obteve média entre 8,0 e 8,5 na avaliação dos moradores, com exceção da Equipe social do DNIT que obteve média 9,23 e dos serviços de segurança, Guarda Municipal e Brigada Militar que obtiveram 7,86 e 7,69 respectivamente. Além da pesquisa de avaliação, outros dados quantitativos foram coletados ao longo do trabalho da Gestão Ambiental conforme segue: Brinquedoteca - espaço especializado para crianças de 05 a 12 anos, com brinquedos disponíveis para as atividades lúdicas. Total de atendimentos: 3.170 crianças. Galpão de Reciclagem - as atividades iniciaram em novembro de 2011. Numa ação continuada de mais de seis meses, a equipe social buscou a sensibilização para a mudança do trabalho autônomo para o cooperativado dos recicladores da Vila do Dique. O grupo conta com a adesão média mensal de 14 cooperativados (10 mulheres e 04 homens), com ganho individual de aproximadamente R$ 900,00. A Figura 05 mostra o trabalho no Galpão de Reciclagem.

REVISTA ÁREA / ABERTA

65


Cineminha Ambiental - pensar o cinema como formador cultural e como exercício para novas sensibilidades. Com sessões semanais, a partir de dezembro de 2011, apresentou vídeos educativos sobre cuidados com o lixo, formas de descarte, entre outros. O projeto envolveu 871 crianças. Hora do Conto - clássicos como Chapeuzinho Vermelho e o Patinho Feio em versões socioambientais. Numa proposta diferente, a equipe realizava semanalmente a contação de história para as crianças relocadas para a Vila de Passagem. As ações envolveram 482 crianças, desde dezembro de 2011. A Figura 06 mostra a atividade da Hora do Conto. Atendimento Social - em abril de 2012, iniciaram os atendimentos, onde as assistentes sociais encaminhavam os casos, quando necessários, para os diversos órgãos e políticas públicas de Canoas. O plantão social realizou 257 atendimentos. Batalhão Ambiental - incentivar a mudança de costumes e atitudes, a fim de melhorar o ambiente que os cercavam, e posteriormente, terem um melhor convívio no ambiente nas moradias definitivas. Além disto, estimulava o senso crítico, trabalhava a inclusão social e proporcionava momentos de alegria, descontração, facilitando assim o processo de sensibilização quanto aos cuidados ambientais. O grupo que recebeu o nome de Vila Verde e envolveu 626 crianças.

CONCLUSÕES A equipe social encerra as atividades a partir da realocação das famílias para as moradias definitivas. A partir disso, uma equipe social contratada pela Prefeitura de Canoas, conforme preceitos do Programa Minha Casa, Minha Vida passa a atender o período do Pós-Morar, ou seja, apoio para a aprendizagem de mecanismos mais adequados para a solução de possíveis problemas na convivência, tais como organização financeira do condomínio, o respeito às regras que priorizem o interesse coletivo, a elevação da capacidade de auto-sustentação das famílias e a conservação do patrimônio conquistado. O trabalho realizado no empreendimento demonstrou que um processo de reassentamento vai muito além da retirada de famílias e a instalação em um novo local, liberando a área para as obras do empreendimento. Para que haja efetiva melhoria na qualidade de vida da população, é preciso um trabalho de acompanhamento e comunicação permanente. O caso da Rodovia do Parque comprovou que o sucesso desse processo passa pela presença contínua de uma equipe social na comunidade, pela valorização das instituições e lideranças locais, pela realização de repetidas reuniões e visitas técnicas com os moradores, pela transparência em todos os contatos e informes à população, pela priorização de grupos de maior vulnerabilidade, como pessoas com deficiência, idosos, entre outros. Como empreendedor, o DNIT deve não somente fazer a realocação, mas também trabalhar para as comunidades serem sustentáveis, em um projeto que depois deve ser continuado por demais órgãos da administração pública.

66 REVISTA ÁREA / ABERTA


A responsabilidade da autarquia é limitada à prevenção, mitigação ou potencialização de impactos, não cabendo ao empreendedor a responsabilidade permanente por executar políticas sociais junto às famílias realocadas. Dar-lhes o direito à cidadania é abrir as portas de uma vida nova, empoderá-las. É, portanto, um trabalho de longo prazo. Por isso, a experiência da Rodovia do Parque serve de modelo para outras ações de relocação involuntária executadas no País, respeitando as peculiaridades de cada caso e de cada região, além de se constituir numa importante base para a fixação de novas diretrizes para Programas de Reassentamento Populacional.

Figura 01: Equipe na Vila do Dique Canoas/RS

Figura 03: Mudanças para Vila de Passagem

Figura 05: Trabalho no Galpão de Reciclagem na Vila de Passagem

Figura 02: Atualização cadastral desenvolvida na comunidade

Figura 04: Crianças sendo acompanhadas para atividades na Vila de Passagem

Figura 06: Atividades da Hora do Conto na Brinquedoteca REVISTA ÁREA / ABERTA

67


REFERÊNCIAS DNIT - DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Diretoria de Planejamento e Pesquisa. Coordenação Geral de Estudos e Pesquisa. Instituto de Pesquisas Rodoviárias. Manual para ordenamento do uso do solo nas faixas de domínio e lindeiras das rodovias federais. 2. Ed. Rio de Janeiro, 2005. STE – SERVIÇOS TÉCNICOS DE ENGENHARIA S.A. Plano Básico Ambiental da Obra de Implantação e Pavimentação da BR-448/RS, trecho: Entr. BR-116/RS - Entr. BR-290/RS, segmento km 0,0 ao km 22,0. Porto Alegre, 2009. STE – SERVIÇOS TÉCNICOS DE ENGENHARIA S.A. Planejamento estratégico de Comunicação Social e Educação Ambiental da Gestão e Supervisão Ambiental da BR-448. Canoas, 2010. DEPARTAMENTO ESTADUAL DE INFRAESTRUTURA DO ESTADO DE SANTA CATARINA. Procedimentos para reassentamento involuntário para população de baixa renda. Santa Catarina, 1998. Disponível em: <http://www.deinfra.sc.gov.br/download/bid/reassentamento_involuntario_populacao_baixa_renda.pdf>. Acesso em: 25 de abril de 2014. STE – SERVIÇOS TÉCNICOS DE ENGENHARIA S.A, 2007. Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente da BR-448 – Rodovia do Parque (EIA/RIMA). DNIT/ CGMAB/STE, 2007. TÜRCK, Carlos Alfredo Júnior. Loteamentos Populares – O Resgate da Cidadania: O Papel Social do Engenheiro Civil. Trabalho de Conclusão de Curso de Engenharia Civil. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 1997.

68 REVISTA ÁREA / ABERTA


http://areaaberta.wix.com/revista

REALIZAÇÃO


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.