Artigo br 448 workshop flora construcao banco de sementes

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RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS NA BR‐448: Utilização de Resíduo Florestal para a Criação de um Banco de Sementes Silvia S. Aurélio1, Camila Zanetti2 e Débora B. Sartori3

1. INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A BR‐448, também conhecida como Rodovia do Parque, apresenta uma extensão de 22,34 quilômetros e está sendo construída na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). A rodovia inicia no entroncamento da BR‐116 com a RS/118, no município de Sapucaia do Sul, e termina na BR‐290, em Porto Alegre, passando também pelas cidades de Esteio e Canoas. A figura a seguir apresenta a localização do empreendimento. A área de influência da rodovia abrange o Parque Estadual do Delta do Jacuí, uma importante Unidade de Conservação (UC) que possui um ecossistema de banhado relativamente preservado, além da Área de Preservação Permanente (APP) do rio dos Sinos que acompanha todo o traçado da BR‐448. Pela proximidade com estas áreas ambientalmente sensíveis, a preocupação com a manutenção da biodiversidade e a minimização de impactos ambientais é constante nas obras de implantação da Rodovia do Parque. A recuperação de áreas degradadas pode ser definida como um processo de reversão de áreas em terras produtivas e autossustentáveis, de acordo com uma proposta preestabelecida de uso do solo (IBAMA, 1990), podendo chegar ao nível de uma recuperação de processos biológicos – sendo assim chamada "reabilitação" –, ou mesmo aproximar‐se muito da estrutura ecológica original – "restauração". Após a supressão de vegetação de áreas florestadas, o chamado resíduo florestal, composto por folhas, galhos, sementes e a serrapilheira (camada de cobertura do solo) pode ser transformado em um banco de sementes, uma alternativa simples e viável para a recuperação de áreas degradadas. O objetivo deste trabalho consiste em apresentar as ações da Gestão Ambiental da BR‐448 para recuperação de áreas afetadas pela construção da rodovia utilizando resíduo florestal, proveniente da supressão de vegetação autorizada, para a criação de um banco de sementes. 1

Engenheira Florestal, pós graduada em Gestão Ambiental. Trabalha como Supervisora na Gestão Ambiental da BR‐448. E‐mail: silvia.aurelio@stesa.com.br

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Engenheira Florestal, pós graduada em Geomática. Responsável pelos programas de Flora da Gestão Ambiental da BR‐448. E‐mail: camila.zanetti@stesa.com.br

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Engenheira Florestal, pós‐graduada em Auditoria, Perícia e Gestão Ambiental. Responsável pelos Programas relativos à Flora nas obras de duplicação da BR‐116/392 (DNIT/STE). E‐mail: debora.sartori@stesa.com.br

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Figura 1. Localização da BR‐448

2. METODOLOGIA E AVALIAÇÃO A área do empreendimento abrange regiões com urbanização consolidada, áreas agrícolas e UCs como o Parque Estadual do Delta do Jacuí, ocorrendo poucos fragmentos florestais que são interceptados diretamente pelo traçado da rodovia. Os mesmos apresentam, na maioria, vegetação característica de Floresta Estacional Decidual, ocorrendo também espécies exóticas e vegetação de várzea adaptadas aos distúrbios constantes, como frequentes extravasamentos do rio dos Sinos. De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do empreendimento, estes ambientes, embora alterados, ainda servem de refúgio da fauna silvestre, que se caracteriza principalmente por espécies de mamíferos oportunistas, com hábitos de vida generalistas, ou seja, que toleram adversidades ambientais causadas pelas alterações antrópicas. Estas espécies são representadas pelas ordens dos roedores (ratão‐do‐banhado, capivara, rato d’água, etc), marsupiais (gambás), edentados (tatus) e até carnívoros de pequeno porte (mão‐pelada). Nos locais apontados pelo EIA como sendo aqueles com maior ocorrência de fauna silvestre, foram construídas passagens de fauna, cuja finalidade é permitir o livre deslocamento dos animais para ambos os lados da rodovia.

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Esse é o caso de um fragmento de vegetação localizado nas proximidades do quilômetro 8+000 da rodovia, no qual foi observada a presença de fauna silvestre. O mesmo foi interceptado pela construção da BR‐448 como pode ser visto na foto 1 apresentada na sequência.

Foto 1. Imagem do ano de 2010, início da construção da rodovia, mostrando a interferência no fragmento florestal nas proximidades do km 8+000

O local recebeu uma passagem de fauna no quilômetro 8+340, a qual está sendo utilizada pela fauna local desde a implantação deste dispositivo, conforme mostram os dados do Programa de Monitoramento da Fauna. Através de campanhas de monitoramento identificou‐se na passagem em questão, pegadas de animais como Galictis cuja (furão), Cerdocyon thous (graxaim‐do‐mato), Procyon cancrivorus (mão‐pelada) e Myocastur coypus (ratão‐do‐banhado). Além destes, salienta‐se um importante registro para a região metropolitana de Porto Alegre, a pegada de um felino representante do gênero Leopardus (gato‐do‐mato), fato que ratifica a importância do bom funcionamento das estruturas de passagem de fauna da rodovia. Procurando oferecer maior proteção e cobertura vegetal à área da passagem de fauna, além de dar um destino ecologicamente correto ao resíduo florestal resultante da supressão de vegetação, realizada para limpeza da área antes do início das obras, foi construído um banco de sementes no local. Banco de sementes é uma forma de armazenar sementes que posteriormente serão germinadas e destinadas aos locais de plantio. O solo de áreas florestadas serve como um banco de sementes natural, pois ali estão armazenadas as sementes que germinarão naturalmente, no momento adequado. Após a supressão de vegetação de áreas florestadas, o chamado resíduo florestal, composto por folhas, galhos, sementes e a serrapilheira (camada de cobertura do solo) também pode ser transformado em um banco de sementes.

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Após a separação da madeira para doação aos moradores lindeiros a obra (condicionante da Licença de Instalação do empreendimento), todo o resíduo florestal resultante do corte de vegetação, composto por galhos, folhas, sementes e também camada orgânica foi triturado com o auxilio de um trator de esteira e espalhado por 400 metros, cobrindo uma área entre a pista da rodovia e a estrada de serviço, conforme pode ser visto na foto 2 a seguir.

Foto 2. Construção do banco de sementes nas proximidades do km 8+000

Para acelerar o processo de recuperação da área, também foram realizados transplantes de árvores protegidas para o local. Ao todo foram transplantadas 24 árvores das espécies corticeira‐ do‐banhado (Erythrina cristagalli) e figueira‐da‐folha‐miúda (Ficus organensis) para a área em recuperação, as quais localizavam‐se na faixa de domínio da rodovia em locais próximos ao de destino. O consórcio construtor do lote de obra, que foi parceiro desde o início do projeto, foi o responsável pela manutenção da área, realizando o isolamento do local do projeto e umidificação periódica nos 4 primeiros meses de instalação.

3. RESULTADOS ALCANÇADOS E DISCUSSÃO DOS DADOS Um mês após o início da construção do banco de sementes foi possível observar as primeiras gramíneas desenvolvendo‐se no local, conforme pode ser verificado na foto a seguir que também mostra o isolamento da área, as árvores transplantadas e a passagem de fauna ao fundo.

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Foto 3. Desenvolvimento da vegetação na área um mês após o término da construção do banco de sementes

Em maio de 2013, com pouco mais de um ano de atividades no local é possível verificar a completa cobertura superficial da área e o acelerado processo de recuperação ambiental. Muitas espécies arbóreas que ocorrem no fragmento florestal original podem ser vistas na área em recuperação, como por exemplo: o maricá (Mimosa bimunocrata) árvore comum em toda a extensão da rodovia, a aroeira‐vermelha (Schinus terebinthifolius), o camboatá‐vermelho (Cupania vernalis), o pau‐leiteiro (Sapium glandulosum), além da corticeira‐do‐banhado (Erythrina cristagalli), árvore imune ao corte de acordo com o Código Florestal Estadual e transplantada para as obras da rodovia. Além disso, o desenvolvimento das árvores transplantadas para o local também mostrou resultados satisfatórios. Dos 24 procedimentos realizados, apenas 3 deles não obtiveram sucesso. Na sequência é apresentado o registro fotográfico atual da área.

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Foto 4. Muda de pau‐leiteiro desenvolvendo‐se na área

Foto 5. Árvores transplantadas apresentando excelente adaptação ao local. A foto também mostra a cobertura superficial conferida pelas espécies de gramíneas

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Foto 6. Mudas de maricá, árvore comum na região, crescendo no local

Foto 7. Imagem aérea do local mostrando a recuperação da área após a implantação do banco de sementes

É importante salientar que o projeto de recuperação de área degradada aqui apresentado, não se encaixa em um projeto convencional, pois não segue as metodologias mais utilizadas e difundidas, trata‐se sim de uma alternativa de uso viável e econômica para o resíduo florestal na recuperação de áreas afetadas por intervenção humana, que demonstrou bons resultados após a implantação. Além de contribuir para a redução do escoamento superficial, para o aumento da infiltração de água no solo e para a proteção da fauna e flora da região, o projeto também evitou custos com a destinação de resíduo florestal para aterros licenciados, refletindo um ganho ambiental e econômico. 7


4. PERSPECTIVAS FUTURAS Espera‐se que com o crescimento das árvores ao longo do tempo e o desuso da estrada de serviço que existe na lateral da rodovia, o corredor de vegetação que existia no local, seja parcialmente restaurado (tendo em vista que a rodovia continuará a interceptá‐lo), contribuindo para a manutenção do ecossistema local e também para o melhor funcionamento da estrutura de passagem de fauna que existe no quilômetro 8+340. Além disso, como o projeto reduziu custos com a destinação de resíduos para aterros, mostrou‐se ser de fácil execução e os resultados foram satisfatórios após um ano de monitoramento, essa técnica deve ser utilizada em outros locais semelhantes no entorno da rodovia, bem como em áreas de empréstimo que vierem a ser utilizadas.

5. REFERÊNCIAS IBAMA. Manual de Recuperação de áreas degradadas pela mineração. Brasília, IBAMA, 1990. 96p. STE – Serviços Técnicos de Engenharia, 2007. Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente da BR‐448 – Rodovia do Parque (EIA/RIMA). DNIT‐CGMAB/STE, 2007.

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