Dissertação Steve Candeias

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N I V E R S I D A D E

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Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Steve Estêvão Candeias

Lisboa Abril 2014


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I S B O A

Faculdade de Arquitectura e Artes Mestrado Integrado em Arquitectura

Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Steve Estêvão Candeias

Lisboa Abril 2014


Steve Estêvão Candeias

Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a obtenção do grau de Mestre em Arquitectura. Orientador: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Lisboa Abril 2014


Ficha Técnica Autor(a) Orientador(a)

Steve Estêvão Candeias Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves

Título

Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Local

Lisboa

Ano

2014

Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação CANDEIAS, Steve Estêvão, 1989Arquitectura em pedra : construção, revestimento e relação com a paisagem / Steve Estêvão Candeias ; orientado por Rui Manuel Reis Alves. - Lisboa : [s.n.], 2014. - Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa. I - ALVES, Rui Manuel Reis, 1964LCSH 1. Construção em pedra 2. Materiais de construção 3. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses 4. Teses – Portugal - Lisboa 1. 2. 3. 4.

Building, Stone Building materials Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon

LCC 1. TH1201.C36 2014


AGRADECIMENTOS Aos meus Pais, Avós e Madrinha, que sempre me apoiaram em tudo e valorizaram o meu empenho. À restante família e a todas os meus amigos que me apoiaram direta ou indiretamente durante o meu percurso académico. Aos meus amigos e colegas de faculdade que me acompanharam de perto e ajudaram a ultrapassar os momentos mais difíceis, partilhando ideias e dificuldades que geraram processos de reflexão. Em particular, ao Professor Doutor Arquitecto Rui Manuel Reis Alves, orientador desta dissertação, por todo o seu conhecimento transmitido, pelo seu apoio, motivação, interesse e grande disponibilidade.



“ O verdadeiro núcleo de qualquer tarefa arquitectónica

encontra-se,

no

meu

entender, no ato de construir. É aqui onde os materiais concretos são reunidos e erigidos, que a arquitectura imaginada se torna parte do mundo real.”

ZUMTHOR, Peter (2009) – Pensar a Arquitectura. 2ª edição. Trad. Astrid Grabow. Barcelona : Editorial Gustavo Gili. p.910. ISBN : 978-84-252-2332-7



APRESENTAÇÃO

Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Steve Estêvão Candeias

Na presente dissertação abordamos a questão da materialidade na arquitectura usando o caso especifico da pedra. Pretendemos refletir sobre a importância de projetar com a consciência de que o material é o que transforma o projeto desenhado em obra construída e todas as questões que isso levanta. Sendo o material a expressão física do projeto assume uma grande importância no modo como pode servir de elemento integrador entre um objeto artificial e a paisagem natural. A pedra é um material natural e um dos primeiros a ser utilizado para fazer arquitectura. A sua importância nesta arte revela-se no facto de fazer parte da história da arquitectura continuando a ser utilizada nos dias de hoje. Abordamos neste trabalho o modo como a pedra foi sendo utilizada como material de construção em vários momentos da história da arquitectura e os respetivos sistemas construtivos. O impacto das novas tecnologias neste material e os resultados ao nível da sua utilização na arquitectura contemporânea.

Palavras-chave: Arquitectura, Materialidade, Pedra, Construção, Revestimento, Paisagem.



PRESENTATION

Stone Architecture: construction, coating and landscape relation.

Steve EstĂŞvĂŁo Candeias

In the present dissertation we specifically approach the using of stone as architecture material. We pretend to reflect about the importance of projecting with the conscience, that the material is what transforms the drawn project, into shell-work, and all what that means. Being the material the physical expression of the project, it takes a very important relevance in the way it can serve as integration between an artificial object and the natural landscape. Stone is a natural material, and one of the first being used on architecture. Its importance on this art is revealed by the fact that is part of history sill being used to the present day. We show on this work the way as stone has been used trough many stages in history as construction material for architecture and their respective construction systems. We also want to show the impact of the new technologies on this material and the results of its usefulness on contemporary architecture.

Keywords: Architecture, Materiality, Stone, Construction, Coating, Landscape.



LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 – (à esquerda) Termas de Vals, Suíça, Michael Butler. (Zumthor, 1997, p. 58) ; (à direita) Integração na paisagem, Termas de Vals, Suiça. Michael Butler. (Zumthor, 1997, p. 58) ................................................................................................ 28 Ilustração 2 – (à esquerda) Capela de São Bento, Sumvitg, Suíça. Shigeo Ogawa (Zumthor, 1997, p. 53) ; (à direita) Pavilhão da Suíça na Exposição de Hannover, Suíça. Roland Halbe (Zumthor, 2000, p. 66) ............................................................... 29 Ilustração 3 – Chaise Longue Ville Savoye, Poissy, França. (Thearchitectureofarchitectures, 2009) ....................................................................... 34 Ilustração 4 – Vista de Can Lis a partir do mar mediterrâneo, Maiorca, Bent Ryberg. (Parday, 2004, p. 40) .................................................................................................. 37 Ilustração 5 - Sistema Construtivo do Trílito. Mariarosa Conti. (Tarella, 1984, p. 6) .... 40 Ilustração 6 – Cromeleque de Stonehenge, Wiltshire, Inglaterra. (Lindinger, 1984, p. 124) ............................................................................................................................ 42 Ilustração 7 – (à esquerda) Poulnabrone Dolmen de Poulnabrone, Irlanda, Matteo Foiadelli. (adaptação a partir de Foiadelli, 2008) ; (à direita) Dolmen de Menga, Antequera, Espanha”, R.C.W. (adaptação a partir de R.C.W, 2013) ........................... 43 Ilustração 8 – Colunas Egípcias. (adaptação a partir de Iniguez, 1960, p. 35) ............ 44 Ilustração 9 – Pirâmide de Saqqara, Egipto. Stierlin. (Stierlin, 1992, p. 27) ................. 45 Ilustração 10 – Vista do Complexo de Saqqara. (Norberg-Schulz, 1983, p. 13) .......... 45 Ilustração 11 – (à esquerda) Entrada do Complexo, Saqqara, Egipto. Stierlin (Stierlin, 1992, p. 18); (à direita) Muro do Complexo, Saqqara, Egipto. (Mateus, 2013) ............ 46 Ilustração 12 – “Sistema de tuneis interiores, Saqqara, Egipto”, (Tour Egypt, 2013) ... 47 Ilustração 13 – “World’s oldest known stone columns at Djoser’s step pyramid complez, Saqqara, Egypt”, Michael Stephens, (adaptação a partir de Stephens, 2011) ............ 48 Ilustração 14 – Sistema Construtivo de um templo Dórico grego do séc. V a.C., Grécia. (Benevolo, 2005, p. 79)............................................................................................... 50 Ilustração 15 – “Diferenças entre Ordem Dórica e Jónica.”, (Mota, 2003) ................... 51 Ilustração 16 – Ordem Coríntia. (adaptação a partir de Iniguez, 1960, p. 139) ........... 52 Ilustração 17 – Fuste em forma de figura feminina, (Erecteion), Atenas, Grécia. (Degrassi, 1982, p. 66) ............................................................................................... 52 Ilustração 18 – Acrópole de Atenas, Grécia. (Norberg-Schulz, 1983, p. 36)................ 53 Ilustração 19 – Planta da Acrópole de Atenas, Grécia. (Norberg-Schulz, 1983, p. 36) 53 Ilustração 20 – Pártenon, Atenas, Grécia, (Iniguez, 1960, p. 85) ................................ 55 Ilustração 21 – (à esquerda) “Elementos do arco radiante” (Colin, 2012) ; (à direita) “tipos de arcos”. (Colin, 2012) ..................................................................................... 56 Ilustração 22 – Arco e trílito juntos, (Iniguez, 1960, p. 139) ......................................... 57 Ilustração 23 – “Abóbadas e cúpulas”. (Colin, 2012) ................................................... 58


Ilustração 24 – “schema costruttivo dell'opus caementicium romano”, (Fai da noi, 2014) ................................................................................................................................... 58 Ilustração 25 – (à esquerda) Ordem Compósita. (Iniguez, 1960, p. 145) ; (à direita) Métopas da Ordem Dórica. (Iniguez, 1960, p. 139) ..................................................... 59 Ilustração 26 – Pont du Gard, França. (Benevolo, 2005, p. 190) ................................. 60 Ilustração 27 – Arco de Constantino, Rizzola. (Tarella, 1985, p. 17) ........................... 60 Ilustração 28 – Coliseu de Roma, Itália. (Navarro, 2006b, p. 76) ................................ 61 Ilustração 29 – (à esquerda) Vista posterior e Planta do Templo Fortuna Virilis. Rizzoli. (adaptação a partir de Tarella, 1985, p. 6); (à direita) Vista Frontal do Templo Fortuna Virilis, (Iniguez, 1960, p. 145)...................................................................................... 62 Ilustração 30 – Corte Panteão Roma. (adaptação a partir de Stevenson, 1997, p. 1415) .............................................................................................................................. 63 Ilustração 31 – Axonometria e Corte do Panteão Roma, Itália. (Norberg-Schulz, 1983, p. 53) .......................................................................................................................... 63 Ilustração 32 – “Proporção pessoa / espaço”, (Macdonald, 1976, p. 41) ..................... 64 Ilustração 33 – Nicho na Cella do Panteão, (Tarella, 1985, p. 11)............................... 65 Ilustração 34 – Vista do interior do Panteão Roma, Itália, Giovanni Piranesi. (NorbergSchulz, 1983, p. 53) .................................................................................................... 65 Ilustração 35 – Panteão de Roma, Itália. (adaptação a partir de Navarro, 2006b, p. 95) ................................................................................................................................... 66 Ilustração 36 – Catedral de Chartres, Chartres, França, Steve Cadman. (adaptação a partir de Cadman 2007) ; Catedral de Noyon, Noyon, França, James Mitcheil. (adaptação a partir de Mitcheil, 2005) ; Catedral de Sant-Denis, Sant-Denis, França, François de Nodrest. (adaptação a partir de Nodrest, 2011) ; Catedral de Amiens, Amiens, França, Denis Koch. (adaptação a partir de Koch, 2010) .............................. 67 Ilustração 37 – Abóbadas de Cruzaria Ogival (adaptação a partir de Navarro, 2006a, p. 8) ................................................................................................................................ 68 Ilustração 38 – Corte da Catedral de Notre-Dame de Paris, Paris, França. (Capella Navarro, 2006a, p. 8) .................................................................................................. 69 Ilustração 39 – Corte longitudinal da Catedral de Notre-Dame de Paris, Paris, França (adaptação a partir de Benevolo, 1991, p. 116) .......................................................... 71 Ilustração 40 – Porta da Catedral de Notre-Dame de Paris, Paris, França. (Navarro, 2006a, p. 16) .............................................................................................................. 72 Ilustração 41 – Vista aérea da Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca. (Catedral de Mallorca, 2013)....................................................................................... 73 Ilustração 42 – Intervenção de Gaudí na Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca (Bestourism, 2014) ........................................................................................ 74 Ilustração 43 – Planta da Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca (Lostonsite, 2009) .......................................................................................................................... 75 Ilustração 44 – Vista interior da Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca, Joana. (Catedral de Mallorca, 2013)....................................................................................... 76


Ilustração 45 – (à esquerda) Rosácea e arcos em ogiva, Palma, Maiorca” (Lostonsite, 2009) ; (à direita) Rosácea da Fachada Principal, Palma, Maiorca (Ilustração nossa, 2013) .......................................................................................................................... 77 Ilustração 46 – Vista da Cabeçeira da Catedra, Palma, Maiorca. (Bestourism, 2014) . 77 Ilustração 47 – Vista frontal do edifício, Viena, Áustria. Roberto Schezen. (Schezen e Rosa, 1996, p. 57) ...................................................................................................... 82 Ilustração 48 – (à esquerda) Superfícies de pedra, Viena, Áustria, Schezen. (Schezen e Rosa, 1996, p. 59) ; (à direita) Superfícies de pedra, Viena, Áustria, Schezen. (Schezen e Rosa, 1996, p. 61) ................................................................................... 83 Ilustração 49 – “Pavilhão original, Barcelona, Espanha”, (Zimmerman, 2010, p. 40) .. 84 Ilustração 50 – “Planta do pavilhão original, Barcelona, Espanha” Mies van der Rohe. (Vegesack, 1998, p. 160) ............................................................................................ 84 Ilustração 51 – (à esquerda) Detalhe construtivo, Barcelona, Espanha. (Vegesack, 1998, p. 161) ; (à direita) Detalhe construtivo pilar metálico em cruz grega, Barcelona, Espanha. (Vegesack, 1998, p. 162) ............................................................................ 85 Ilustração 52 – “Vista interior do pavilhão, Barcelona, Espanha”, (Zimmerman, 2010, p. 43) .............................................................................................................................. 86 Ilustração 53 – Coliseu de Roma, Roma, Itália, Icomei. (Icomei, 2007) ...................... 87 Ilustração 54 – (à esquerda) Vista aérea da Praça do Império, Lisboa, Portugal. (Gomes, 1993, p. 63) ; (à direita) Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal. (Gomes, 1993, p. 76) ................................................................................................................ 89 Ilustração 55 – Vista de Can Lis a partir do mar mediterrâneo, Maiorca, Flemming Bo Andersen. (Pardey, 2004, p. 40) ................................................................................. 94 Ilustração 56 – Colonia de férias para crianças com poliomielite (1957), Maiorca. Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 11) ....................................................................................... 96 Ilustração 57 – (à esquerda) Casa de Hellebaek, Dinamarca, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 13) ; (à direita) Casa Zui-Ki-Tei, Estocolmo, Suécia, Byggmasterren (Pardey, 2004, p. 10) ................................................................................................................ 97 Ilustração 58 – Casa em Skane (1954), Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 13) ................. 98 Ilustração 59 – (à esquerda) “Casas Kingo (1957), Helsingor, Dinamarca, Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 14) ; (à direita) Casa em Núbia, Egipto, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 13) .......................................................................................................................... 98 Ilustração 60 – Casa Fredensborg, (1965), Noruega, Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 14) ................................................................................................................................... 99 Ilustração 61 – Projeto de residências para Birkehoj (1960), Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 14) .......................................................................................................................... 99 Ilustração 62 – Bayview 1, Sydney, Austrália, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 15) ... 100 Ilustração 63 – Casa Olicia (1970), Porto Petro, Maiorca, Jan Utzon. (Pardey, 2004, p. 17) ............................................................................................................................ 101 Ilustração 64 – 2ª proposta, (1972), Jan Utzon. (Pardey, 2004, p. 18) ...................... 102


Ilustração 65 – (à esquerda) Placa indicativa da rua com o nome do arquitecto Jorn Utzon, (Ilustração nossa, 2013) ; (à direita) Vista da fachada principal da casa. (Ilustração nossa, 2013) ........................................................................................... 102 Ilustração 66 – Painel de azulejos. (Ilustração nossa, 2013) ..................................... 103 Ilustração 67 – Pátio principal, Bent Ryberg. (Parday, 2004, p. 24) .......................... 104 Ilustração 68 – (à esquerda) Vista interior da cozinha, Bent Ryberg. (Pardey, 2004, p. 25) ; (à direita) Suporte para a iluminação. John Pardey. (Pardey, 2004, p. 25) ....... 105 Ilustração 69 – Pátio anexo. (Ilustração nossa, 2013) ............................................... 106 Ilustração 70 – Vistas interiores da sala de estar. (Ilustrações nossas, 2013) ........... 107 Ilustração 71 – Vista interior da sala de estar. (Ilustração nossa, 2013) .................... 107 Ilustração 72 – Planta da sala de estar, John Parday. (Pardey, 2004, p. 32) ............ 108 Ilustração 73 – Teatro Olimpico (1580), Vicenza, Itália, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 32) ; Ronchamp Chapel (1950), França Fondation Le Corbusier. (Pardey, 2004, p. 32) ; Errazuris (1930), Chile, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 32) ..................................... 109 Ilustração 74 – Vista exterior do volume da sala de estar. (Ilustração nossa, 2013).. 109 Ilustração 75 – Raio de Utzon. (Ilustração nossa, 2013) ........................................... 110 Ilustração 76 – Vão da Igreja de St Mark, Klippan, Suécia, Richard Weston. (Pardey, 2004, p. 62) .............................................................................................................. 111 Ilustração 77 – (à esquerda) Pátio por detrás da fachada principal. Acesso aos quartos. (Ilustração nossa, 2013) ; (à direita) Quarto. (Ilustração nossa, 2013) ........ 112 Ilustração 78 – Pátio do Anexo. (Ilustração nossa, 2013) ......................................... 112 Ilustração 79 – Alçado SUL, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 29) .............................. 113 Ilustração 80 – Planta, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 29) ...................................... 113 Ilustração 81 – (à esquerda) Pedra Marés. Richard Weston. (Pardey, 2004, p. 27) ; (à direita) Catedral Palma Maiorca, Palma, Maiorca. (Ilustração nossa, 2013) ............. 114 Ilustração 82 – Bovedillas, Bent Ryberg. (Pardey, 2004, p. 60) ................................ 116 Ilustração 83 – (à esquerda) Chaminé tradicional maiorquina, John Parday. (Pardey, 2004, p. 36) ; (à direita) Chaminé desenhada por Utzon. Bent Ryberg. (Pardey, 2004, p. 36) ........................................................................................................................ 117 Ilustração 84 – Detalhe do tubo de queda. (Ilustração nossa, 2013) ; Aproveitamento das águas da chuva para regar plantas. (Ilustração nossa, 2013) ............................ 117 Ilustração 85 – Reflexo da estrutura do teto na estereotomia do pavimento. (Ilustração nossa, 2013) ............................................................................................................. 118 Ilustração 86 – Museu da Luz, Mourão, Portugal. (Ilustração nossa, 2013) .............. 121 Ilustração 87 – Planta de Implantação. (Saraiva, 2007, p. 444) ................................ 122 Ilustração 88 – Aldeia da Luz. (Ilustração nossa, 2013) ............................................ 122 Ilustração 89 – Museu da Luz, Cemitério e Igreja Nª Sª da Luz. (Ilustração nossa, 2013) ........................................................................................................................ 123


Ilustração 90 – Museu da Luz, Mourão. (Ilustração nossa, 2013) ............................. 124 Ilustração 91 – Integração do Museu da Luz na paisagem (Ilustração nossa, 2013) 125 Ilustração 92 – Confronto de acabamentos do mesmo material (Ilustração nossa, 2013) ........................................................................................................................ 126 Ilustração 93 – (à esquerda) Termas de Vals, Suíça. (Lucchese, 2009) ; (à direita) Museu da Luz, Mourão, Portugal, FG + SG. (Guerra, 2014a) ................................... 127 Ilustração 94 – Planta Piso Térreo e Corte Sul. (Pacheco e Clément, 2009) ............ 128 Ilustração 95 – Planta de Cobertura e Alçado Sul. (Pacheco e Clément, 2009) ........ 128 Ilustração 96 –Cortes Construtivos Nascente. ((Pacheco e Clément, 2009) ............. 129 Ilustração 97– Cortes Construtivos Norte e Sul. (Pacheco e Clément, 2009) ............ 129 Ilustração 98 – (à esquerda) Pátio principal. (Ilustração nossa, 2013) ; (à direita) Pátio interior. (Ilustração nossa, 2013) ............................................................................... 130 Ilustração 99 – Interior do Museu. (Ilustração nossa, 2013) ...................................... 130 Ilustração 100 – Vão da área Bar. (Ilustração nossa, 2013) ...................................... 131 Ilustração 101 – Sala da Memória. (Ilustração nossa, 2013) ..................................... 132 Ilustração 102 – Sala da Água. (Ilustração nossa, 2013) .......................................... 133 Ilustração 103 – Sala da Luz. (Ilustração nossa, 2013) ............................................. 133 Ilustração 104 – Confronto entre os três acessos às salas de exposição. (Ilustração nossa, 2013) ............................................................................................................. 134 Ilustração 105 – Vão da Sala da Luz. (Ilustração nossa, 2013)................................. 135 Ilustração 106 – Vista aérea do conjunto, Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011) ................................................................................................................................. 136 Ilustração 107 – Planta de Implantação, Aires Mateus. (Mateus, 2012, p. 70) .......... 137 Ilustração 108 – Centro Monitorização e Investigação das Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011).......................................................................................................... 138 Ilustração 109 – Residências, Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011) ................ 138 Ilustração 110 – Vista dos dois volumes, Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011) 139 Ilustração 111 – Planta CMIF, Aires Mateus. (adaptação a partir de Mateus, 2011) . 140 Ilustração 112 – Corte a passar pela sala de trabalho e pelo auditório, Aires Mateus. (Mateus, 2011).......................................................................................................... 140 Ilustração 113 – Corte a passar pela receção e pelo pátio, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ........................................................................................................................ 141 Ilustração 114 – Alçado Norte, Aires Mateus. (Mateus, 2011)................................... 141 Ilustração 115 – Alçado Sul, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ...................................... 141 Ilustração 116 – Espaço de Acolhimento, (Governo dos Açores, 2013) .................... 142 Ilustração 117 – Sala de Exposição, FG + SG. (Guerra, 2014b) ............................... 142 Ilustração 118 – Auditório, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ......................................... 143


Ilustração 119 – Espaço de Trabalho, (Governo dos Açores) ................................... 144 Ilustração 120 – Planta Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ......................... 145 Ilustração 121 – Corte Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011) .......................... 145 Ilustração 122 – Alçado Sudoeste Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ........ 146 Ilustração 123 – Alçado Nordeste Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ......... 146 Ilustração 124 – Vista Interior Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ............... 146 Ilustração 125 – Pátio CMIF, Aires Mateus. (Mateus, 2011) ..................................... 147 Ilustração 126 – “Área de esta exterior”, FG + SG. (Guerra, 2014b) ......................... 148 Ilustração 127 – Maquete 1:200 do conjunto. (Iustração nossa, 2012) ..................... 149 Ilustração 128 – Planta de Implantação, Lourel, Sintra. (adaptação a partir de Sociedade Técnica de Planeamento e Organização de Projectos Lda, s.d.) ............ 150 Ilustração 129 – Vista Frontal do Palácio. (Ilustração nossa, 2012) .......................... 151 Ilustração 130 – Entrada nascente no pátio principal do núcleo (A,B). (Ilustração nossa, 2012) ............................................................................................................. 151 Ilustração 131 – Entrada no edifício A (Receção). (Ilustração nossa, 2012) ............. 152 Ilustração 132 – Passagem entre o corpo A e o corpo B. (Ilustração nossa, 2012) .. 152 Ilustração 133 – (à esquerda) Jardim Françês. (Ilustração nossa, 2012) ; (à direita) Jardim Romântico. (Ilustração nossa, 2012) ............................................................. 153 Ilustração 134 – (à esquerda) Nora de água. (Ilustração nossa, 2012) ; (à direita) Tanque junto ao edifício principal. (Ilustração nossa, 2012) ...................................... 153 Ilustração 135 – Vista do edifício principal, Quinta de Ribafria (Desenho nosso, 2012) ................................................................................................................................. 154 Ilustração 136 – "Esquema de apropriação do terreno e da relação entre edifícios e pátios" (Desenho nosso, 2012) ................................................................................. 155 Ilustração 137 - Planta núcleo A e B. (Ilustração nossa, 2012) ................................. 156 Ilustração 138 - Planta núcleo A e B - I. (Ilustração nossa, 2012) ............................. 156 Ilustração 139 – Planta núcleo A e B - II. (Ilustração nossa, 2012) ........................... 157 Ilustração 140 – Núcleo de Eventos. (Desenho nosso, 2012) ................................... 158 Ilustração 141 – Corte núcleo de eventos. (Ilustração nossa, 2012) ......................... 158 Ilustração 142 – Planta de implantação dos volumes e percursos. (Desenho nosso, 2012) ........................................................................................................................ 159 Ilustração 143 –- Maquete 1:200 (quartos + spa). (Ilustração nossa, 2012) .............. 159 Ilustração 144 – Imagens conceito (adaptação a partir de Ilustrações nossas, 2012)161 Ilustração 145 – Vista das coberturas do núcleo (A,B). (Ilustração nossa, 2012) ...... 161 Ilustração 146 – Esquema da ideia de revestir o edifício interiormente e exteriormente com a materialidade característica do sítio. (Desenho nosso, 2013) ......................... 162


Ilustração 147 – Esquema conceptual da interpretação das características do sítio. (Desenho nosso, 2013)............................................................................................. 162 Ilustração 148 –- Contraste entre interior e exterior. (Desenho nosso, 2013) ............ 163 Ilustração 149 – Funcionamento dos quartos. (Desenho nosso, 2012) ..................... 164 Ilustração 150 – Corte Transversal (Quartos). (Desenho nosso, 2012) ..................... 164 Ilustração 151 – Maquete 1:200 (quartos + spa), I. (Ilustração nossa, 2012) ............ 164 Ilustração 152 – Planta núcleo dos quartos + Spa. (Ilustração nossa, 2012) ............ 165 Ilustração 153 – Planta núcleo dos quartos - I. (Ilustração nossa, 2012)................... 165 Ilustração 154 – "Núcleo do Spa" (Desenho nosso, 2012) ........................................ 166 Ilustração 155 – Planta núcleo spa. (Ilustração nossa, 2012) ................................... 166 Ilustração 156 – Corte núcleo spa. (Ilustração nossa, 2012) ..................................... 166 Ilustração 157 – "Área de piscina exterior" (Desenho nosso,2012) ........................... 167 Ilustração 158 – Maquete 1:200 (área de piscina). (Ilustração nossa, 2012) ............. 167



LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS CMIF - Centro de Monitorização e Investigação das Furnas CCB - Centro Cultural de Belém



SUMÁRIO 1. Introdução .................................................................................................... 23 2. Pedra, Arquitectura e Envolvente ................................................................. 25 2.1. Pedra, Paisagem e Lugar Arquitectónico............................................... 25 2.1.1. A Materialidade na Arquitectura ...................................................... 26 2.1.2. A Materialidade no Espaço .............................................................. 31 2.1.3. Materialidade e Paisagem ............................................................... 36 2.2. Pedra, Construção e Marcos Históricos................................................. 39 2.2.1. O Trílito como Sistema Construtivo ................................................. 42 2.2.2. A Arquitectura Romana – o arco, a abóbada e o Opus Caementicium ........................................................................................... 56 2.2.3. A Pedra na Arquitectura Medieval – Catedral de Palma de Maiorca ..................................................................................................... 67 2.3. Pedra e Inovação ................................................................................... 78 2.3.1. A Pedra na Arquitectura Contemporânea ........................................ 79 3. Referências Contemporâneas...................................................................... 91 3.1. Can Lis................................................................................................... 94 3.2. Museu da luz ....................................................................................... 120 3.3. Centro de Monitorização e Investigação das Furnas + Residências ... 136 4. Projeto e Pedra .......................................................................................... 149 4.1. Pousada na Quinta de Ribafria ............................................................ 150 Considerações finais ...................................................................................... 169 Referências .................................................................................................... 173 Bibliografia...................................................................................................... 181



Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

1. INTRODUÇÃO Nesta dissertação abordamos o tema da materialidade na arquitectura e mais especificamente a utilização da pedra. A materialidade é uma das componentes de projeto que deve ser abordada e pensada de um modo muito cuidadoso face ao programa que nos é proposto, ao sítio onde vamos intervir e aos espaços que pretendemos que adquiram determinados ambientes e qualidades preceptivas pelos utilizadores. A materialidade é a expressão física do projeto desenhado. A pedra foi o material escolhido, não só por ser um dos materiais mais antigos utilizados na arquitectura, mas também, por ter tido um papel importante no processo evolutivo ao nível dos sistemas construtivos na história da arquitectura. Por outro lado sendo um material natural, enquadra-se nas questões defendidas na presente dissertação e é um material intemporal que continua a adaptar-se aos novos processos construtivos e às novas tecnologias, sendo hoje utilizado principalmente como material de revestimento. O nosso interesse pelas questões práticas e construtivas da arquitectura levou à escolha deste tema como aprofundamento teórico do trabalho prático desenvolvido na disciplina de projeto III do 5ºano. A escolha de utilizar um determinado material num projeto de arquitetura deve ser feita com o conhecimento desse material. Estudar o modo como a pedra foi sendo utilizada na arquitetura ao longo do tempo é fundamental para poder ter um conhecimento que permita falar sobre o tema e tomar decisões relacionadas com a materialização de um projeto. A pedra é um material que existe no meio natural com uma grande variedade de características. Inicialmente foi utilizada como material construtivo de eleição para obras que se pretendia que fossem monumentais e eternas. Na arquitetura contemporânea passou a ser utilizada como material de revestimento interior e exterior, trabalhado segundo as novas possibilidades que a evolução tecnológica veio oferecer. A noção do modo como esta é utilizada, o tipo de acabamento escolhido, a própria pedra escolhida são fatores, entre outros, que configuram e atribuem determinadas características e ambientes a um espaço, que posteriormente geram sensações nos utilizadores, levantando a questão da necessidade de conhecer o material que estamos a utilizar.

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Como metodologia de trabalho, iniciamos a abordagem ao tema com o capítulo Pedra, Arquitectura e Envolvente – que é composto por três subcapítulos. O primeiro subcapítulo aborda a questão da importância da materialidade no ato de projetar, o facto de funcionar como componente física do projeto desenhado e as questões que levanta relacionadas com o espaço e a relação do objeto arquitetónico com a paisagem. O segundo subcapítulo é uma passagem pela história da arquitectura em pedra na qual nos focamos em determinados momentos que consideramos serem de relevância no que diz respeito à questão construtiva. Iniciamos com a abordagem ao sistema construtivo do trílito na arquitetura dolménica, passando pela arquitetura egípcia e finalizando na arquitetura grega que representa o expoente máximo da utilização deste sistema construtivo. A componente teórica vai sempre sendo acompanhada por exemplos arquitetónicos referentes aos vários momentos da história. Num segundo momento, abordamos a transição do sistema do trílito para o sistema do arco, característico da arquitectura romana, como elemento construtivo nos edifícios de maior importância. Por fim abordamos a arquitetura gótica em pedra e as suas principais características. Para tal referenciamos com uma obra visitada, a Catedral de Palma de Maiorca. Por fim o terceiro subcapítulo aborda a pedra na arquitectura contemporânea e o modo como as novas tecnologias influenciaram a utilização deste material por parte dos arquitectos. No capítulo seguinte – Referências Contemporâneas – selecionamos três casos de estudo que permitem fundamentar e refletir sobre as questões estudadas no capítulo anterior. Caracterizam-se por serem todos contemporâneos mas distinguem-se uns dos outros pelos programas e pelas estratégias que os seus arquitectos adotaram. Relacionam-se através do uso da pedra e de serem todos projetos que assumem uma relação de respeito e integração com o sítio e a paisagem. Por fim, no último capítulo – Pedra e Projeto – apresentamos a nossa proposta como resposta a um enunciado, o qual abordamos seguindo os princípios defendidos na presente dissertação e justificados através dos projetos referência.

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2. PEDRA, ARQUITECTURA E ENVOLVENTE 2.1. PEDRA, PAISAGEM E LUGAR ARQUITECTÓNICO Ao longo deste subcapítulo será abordada a temática da materialidade de um modo geral, desde a sua importância na arquitectura e no ato de projetar, passando pela questão da materialidade do espaço e o modo como este gera sensações diversas e por fim a materialidade na relação entre o objeto arquitetónico e a paisagem, fazendo referência à importância da cultura local e do fator tempo. Para fundamentar esta questão, será feita referência a alguns arquitectos e críticos de arquitectura, entre os quais, Peter Zumthor e Juhani Pallasmaa. Estes são arquitectos que utilizam a materialidade para promover a integração do objeto arquitectónico no lugar e consideram a materialidade uma das componentes essenciais do ato de projetar. O conceito de materialidade em arquitectura encontra-se diretamente relacionado com a conceção do projeto arquitetónico. São indissociáveis. É a materialidade que vai caracterizar um objeto arquitetónico, atribuir-lhe uma determinada expressão e promover a relação com o espaço envolvente. “Cada corpo tem uma identidade própria. Escolher um material para revestir ou dar forma a um elemento é caracterizar um corpo, é eleger uma expressão que o define e o demarca como algo específico.” (Rodrigues, 2009, p. 59) A partir dos meados do século XX verificou-se um crescimento exponencial na quantidade de materiais à disponibilidade do arquitecto. Estes apresentam-se com as mais variadas formas e tratamentos, daí que se torne cada vez mais importante que haja uma escolha consciente por parte do arquitecto. Existe uma proximidade crítica entre os materiais que depende dos próprios materiais e do seu peso. Ao conciliar materiais numa obra existe um ponto em que estão demasiado afastados, e outro em que estão demasiado próximos, e outro ainda em que estão mortos (Zumthor, 2006, p. 27)

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2.1.1. A MATERIALIDADE NA ARQUITECTURA Em arquitectura, um conceito fundamental e que acompanha o processo de projeto desde o papel, até à execução em obra é, a materialidade. “A escolha de um material é um procedimento criterioso que vem arreigado ao processo de conceção. (…) É algo que nasce no projeto, que dá forma a um corpo e que, para o revestir ou para o estruturar, responde a uma lógica própria.” (Rodrigues, 2009, p. 60) O material é o fator que permite tornar real a ideia do arquitecto. É a expressão física do projeto. Zumthor1 compara a arquitectura à música. Segundo ele, a música tem de ser tocada e a arquitectura construída, caso contrário, a ideia de projeto não chega a ser arquitectura por ser demasiado subjetiva à interpretação de cada um. “A arquitectura é sempre matéria concreta. Uma planta, um projeto desenhado em papel não é arquitectura mas apenas uma representação mais ou menos adequada de arquitectura, comparável à música em partitura.” (Zumthor, 2001, p. 11) O ato de projetar esta intimamente relacionado com a questão da materialidade. Quando abordamos um projeto, é imprescindível que esta questão nos acompanhe desde o início. “Todo o projeto inicia-se com a premissa desta sensível objetividade física da arquitectura, dos seus materiais” (Zumthor, 2001, p. 11) Um objeto arquitectónico quando passa do papel para a obra, assume características próprias, reais e materiais. “(…) um corpo é a expressão lógica do material com que é concebido, seja unitariamente, seja por camadas (ou revestimentos).” (Rodrigues, 2009, p. 61) A materialidade é a componente física do projeto. É no ato de construir que as ideias se convertem em espaço e em matéria. O material permite tornar o projeto imaginado em algo concreto e real. Tal como refere Zumthor, (2009, p. 9-10) “O verdadeiro núcleo de qualquer tarefa arquitectónica encontra-se, no meu entender, no ato de construir. É aqui onde os materiais concretos são reunidos e erigidos, que a arquitectura imaginada se torna parte do mundo real.” A influência que o material vai exercer no espaço quando o projeto desenhado se converte em projeto construído é um exemplo da importância desta questão. O tipo de material, o tratamento que recebe, a sua cor, etc., são tudo questões que assumem 1

Peter Zumthor (1943-). Arquitecto Suíço, nasceu em Basileia. Trabalhou durante vários anos como

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grande importância no desenvolvimento do projeto. Sérgio Fazenda Rodrigues2 (2009, p. 60) refere que “projetar um edifício é pensar num sistema em que a expressão de cada elemento não é alheia à sua constituição. Uma parede de pedra negra requer um espaço diferente de uma parede de reboco cor-de-rosa.” A escolha do material deve ter em conta, não só o próprio material, as questões físicas e espaciais que levanta, como também o modo como é utilizado. Quando um arquitecto escolhe um material, quando decide se um bloco é de betão ou é de cartão, quando escolhe se esse bloco fica aparente ou é pintado, as dúvidas que se levantam são em relação ao que esse material é, mas são sobretudo em relação à maneira como esse material é utilizado. (Rodrigues, 2009, p. 60)

O arquitecto tem de ter consciência de que, por muito que imagine um material no ato de projeto, ele será diferente quando se tornar real e for utilizado em obra. Tal como acontece com o material, também acontece com o próprio objeto arquitectónico quando se materializa. Zumthor utiliza o seguinte exemplo para abordar esta questão: Durante anos trabalhamos no conceito, na forma, nos desenhos para a nossa estância termal de pedra. Agora está a ser construída. Deparo-me com os primeiros blocos que os pedreiros levantaram da pedreira aqui perto. Estou surpreendido e irritado. Com efeito, tudo corresponde exatamente aos nossos desenhos. Mas não estava à espera desta presença ao mesmo tempo dura e macia, plana e como uma rocha, reluzente nos seus tons cinzentos e verdes das cantarias constituídas por placas. Por um momento tenho a sensação que o nosso projeto me escapa e se emancipa, porque se torna agora matéria e segue as suas próprias leis. (Zumthor, 2009, p. 62)

Este exemplo referente às Termas de Vals, aborda a questão da pedra não apresentar as características que Zumthor previa. Quando o material se tornou real, o projeto desenhado começou logo a sofrer alterações. Isto acontece com todos os materiais. Dai que, a materialidade seja uma questão à qual o arquitecto deva atribuir uma grande importância.

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Sérgio A. Fazenda Rodrigues (1973-) – Arquitecto nascido em Lisboa. Frequentou a Universidade Lusíada, a AR.CO, a Écolle d’Architecture de Paris-LaVillette, a Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, onde em 1999 se licenciou, e o Instituto Superior Técnico, onde em 2005 concluiu mestrado. É docente do curso de Arquitectura da Universidade dos Açores e faz programação cultural, crítica e divulgação de arquitectura desde 2005.

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Ilustração 1 – (à esquerda) Termas de Vals, Suíça, Michael Butler. (Zumthor, 1997, p. 58) ; (à direita) Integração na paisagem, Termas de Vals, Suiça. Michael Butler. (Zumthor, 1997, p. 58)

Zumthor é um arquitecto que se preocupa muito com esta questão da materialidade. O modo como ele utiliza a materialidade é uma estratégia para conseguir transmitir as suas ideias. A materialidade não deve ser uma questão meramente decorativa e secundária, pelo contrário, deve servir para criar a unidade do projeto. Segundo Zumthor, (Anelli, 2009, p. 1) “A procura pela essência da experiência e das coisas o levou à matéria. Os detalhes construtivos – as juntas entre materiais – não deveriam “distrair ou entreter”, mas sim “levar a um entendimento do todo do qual eles são parte inerente” Renato Luiz Sobral Anelli3, (2009, p. 1) professor da Universidade de São Paulo, refere sobre a estratégia de Zumthor, que este “para evitar a composição de elementos arquitetónicos (janelas, portas, etc.)”, opta pela “repetição intensa de pequenos componentes”, tais como, “as lascas de madeira na Capela de São Bento, as placas de pedra nas Termas de Vals, os caibros no Pavilhão da Suíça na Exposição de Hamburgo, matérias e materiais que parecem simplesmente empilhados”. A sua ideia passa por criar um conjunto de “vibrações em diferentes intensidades que conferem maior ou menor opacidade à forma, permitindo assim a iluminação e a transparência do volume.” Nestes caso, a materialidade não funciona apenas como “meras texturas de superfícies de vedação”, mas como a “própria estrutura portante do edifício”. 3

Renato Luiz Sobral Anelli – Arquitecto. Frequentou a Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1982). Doutorado pela Faculdade de Arquitectura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1995). Actualmente é professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduações em Arquitectura e Urbanismo da EESC-USP.

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Ilustração 2 – (à esquerda) Capela de São Bento, Sumvitg, Suíça. Shigeo Ogawa (Zumthor, 1997, p. 53) ; (à direita) Pavilhão da Suíça na Exposição de Hannover, Suíça. Roland Halbe (Zumthor, 2000, p. 66)

A materialidade permite ao arquitecto gerar e transmitir sensações. A repetição de pequenas peças permite gerar uma sensação de unidade. Os materiais utilizados podem tornar o edifício aparentemente, leve ou pesado, com um caracter acolhedor ou rude, entre outros. Este é um tema muito atual, que abordaremos no subcapítulo seguinte. “A transparência e as sensações de ausência de peso e de flutuação são temas fundamentais para a arte e a arquitectura modernas.” (Pallasmaa, 2011, p. 32) A evolução tecnológica permitiu que a quantidade de materiais disponíveis no mercado se tenha multiplicado desde meados do séc. XX. Não só surgiram novos materiais como houve uma “redescoberta dos materiais naturais tradicionais.” (Baptista, 2008, p. 6) Hoje em dia, os materiais surgem nas mais variadas formas e são trabalhados e tratados para apresentarem melhores características, Existem materiais naturais, materiais artificiais, materiais compostos, etc. Por vezes até se torna difícil distinguilos. Tal como refere Sérgio Rodrigues, neste momento tudo se transforma, não se pode falar na “autenticidade de uma placa de pedra, ou na artificialidade de um pavimento de borracha. Nem a pedra surge da montanha, já polida e recortada, nem a borracha aparece em laboratório surgido do nada.” (2009, p. 60)

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Em geral, ainda pensamos os materiais como substâncias lineares e unívocas. (…) a arquitectura moderna habituou-nos a perceber o vidro como sinónimo de abertura visual e transparência espacial. Esta parece ser inequivocamente a sua verdadeira natureza. Mas são o reflexo, a opacidade, a luminosidade, a distorção manifestações menos autênticas do vidro? Efetivamente, torna-se difícil caracterizar a natureza da matéria de modo universal sem atender à sua multiplicidade intrínseca. (Baptista, 2008, p. 6)

Cabe ao arquitecto saber aproveitar os recursos que hoje em dia estão à sua disposição. “(…) não há materiais feios ou bonitos, nobres ou medíocres, há é sim maneiras feias ou bonitas, nobres ou medíocres, de os conseguir utilizar.” (Rodrigues, 2009, p. 60) Quase não existe limitação ao nível da criatividade. A possibilidade de surgirem novos materiais é cada vez mais infinita. Pegando no exemplo da pedra, esta pode surgir em obra na sua forma natural, mas também pode ser serrada, limada, furada, cortada, polida, assumindo sempre características diferentes. Se esta mesma pedra for utilizada em pequenas ou em grandes quantidades, o resultado será mais uma vez diferente. Se for usada num ambiente interior, ou exterior, com muita ou pouca exposição solar, tudo isto gerará novas possibilidades e apenas com um material. (Zumthor, 2009, p. 10) Cada vez existem menos limitações à criatividade do arquitecto. Apenas é necessário que este tenha a consciência de que um projeto de arquitectura e a sua materialidade são indissociáveis.

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2.1.2. A MATERIALIDADE NO ESPAÇO Um espaço surge a partir da relação entre proporção, matéria e luz. Segundo Zumthor, o maior segredo da arquitectura é que consegue juntar as coisas do mundo, os materiais do mundo e criar espaço. (Zumthor, 2006, p. 27) O modo como nos sentimos na presença de um determinado espaço arquitectónico é segundo Juhani Pallasmaa4, uma experiência multissensorial. “Toda a experiência comovente com a arquitectura é multissensorial; as características de espaço, matéria e escala são medidas igualmente por nossos olhos, ouvidos, nariz, pele, língua, esqueleto e músculos.” (Pallasmaa, 2011, p. 39) Projetar um espaço é uma tarefa sensível. O arquitecto precisa de conhecer os materiais de modo a conhecer os seus comportamentos nas mais variadas condições. Estes têm de ser escolhidos de modo consciente e intencional. Tal como refere Zumthor, (2006, p. 33) “(…) é preciso fazer muito mais para tornar os espaços calmos e imaginar a partir do silêncio como soará o edifício, com as suas proporções e materiais.”. A arquitectura deve ser um espaço de descoberta, com o objetivo de provocar emoções. “Uma obra de arquitectura não deve se tornar transparente em seus motivos utilitários e racionais; ela deve manter seu segredo impenetrável e mistério, para que possa provocar nossa imaginação e nossas emoções.” (Pallasmaa, 2011, p. 59) Cada espaço é único e possui as suas próprias características. O objetivo do arquitecto deve passar por fazer como que esse espaço em comunhão com os materiais adquira um significado específico. Um espaço adquire um sentido, quando se sente que os materiais que o corporificam são interpretados de um modo que só nele poderiam ser. “O sentido, que se deve criar no contexto dos materiais, encontrase para além das regras de composição; e também a sensibilidade, o cheiro e a expressão acústica dos materiais são apenas elementos da linguagem que temos de utilizar.” (Zumthor, 2009, p. 10)

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Juhani Pallasmaa (1936-). Arquitecto finlandês, foi professor de arquitectura na Universidade de Tecnologia de Helsínquia, diretor do Museu de Arquitectura da Filandia e professor convidado em várias outras escolas de arquitectura em todo o mundo. É também autor de numerosos artigos sobre filosofia, psicologia e teoria da arquitectura e da arte.

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Os cinco sentidos humanos com os quais o arquitecto deve trabalhar na conceção de um espaço são a visão, a audição, o paladar, o olfato e o tato. Cada um assume a sua importância e nenhum deve ser esquecido. Só assim, o arquitecto consegue fazer com que um espaço adquira uma atmosfera própria. Quando um espaço é qualificado e foi pensado seguindo esta ideia, acontece o que aconteceu a Peter Zumthor quando este refere, “a atmosfera desta sala associou-se para sempre à minha imagem de cozinha.” (Zumthor, 2009, p. 7) É esta questão da atmosfera que faz com que quando estamos na presença de um determinado espaço pela primeira vez, este fique guardado na nossa memória como sendo positivo ou negativo. Haverá sempre algum detalhe que servira para caracterizar aquele espaço na nossa imaginação. Zumthor refere que todos nós conhecemos a designação de atmosfera e todos sabemos em que consiste a ideia de uma primeira impressão. É como quando vemos uma pessoa pela primeira vez. Podemos sempre dar-lhe uma segunda oportunidade, mas ficará sempre retida a primeira impressão. Segundo ele, acontece o mesmo em relação à arquitectura, quando entramos num edifício e presenciamos um espaço. “Entro num edifício, vejo um espaço e transmite-se logo uma atmosfera e numa fração de segundos sinto o que é.” (Zumthor, 2006, p. 23) Esta atmosfera é criada não só pelo modo como o espaço foi pensado e construído, pela materialidade que o caracteriza, mas também pelo modo como é vivenciado. As sensações que uma atmosfera transmite podem ser abordadas ao nível individual. Quando falamos no som de um espaço, referimo-nos à questão da audição. “Cada espaço funciona como um instrumento grande, coleciona, amplia e transmite os sons. Isso tem a ver com a sua forma, com a superfície dos materiais e com a maneira como estes estão fixos” (Zumthor, 2006, p. 29) Para Juhani Pallasmaa, (2011, p. 48) “Cada prédio ou espaço tem seu som característico de intimidade ou monumentalidade, convite ou rejeição, hospitalidade ou hostilidade.” No caso da visão, para além da luz que caracteriza o espaço, é mais uma vez a materialidade que transmite uma sensação positiva ou negativa. É diferente ver um espaço através de imagens, ou estar na sua presença, em contacto com espaço físico. “Uma obra de arquitectura não é experimentada como uma colectânea de imagens visuais isoladas, e sim em sua presença material e espiritual totalmente corporificada.” (Pallasmaa, 2011, p. 42)

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Ainda na questão da visão, a atmosfera de um espaço é muito influenciada pela luminosidade que o caracteriza. Este é apenas mais um dos fatores que o arquitecto tem de ter em mente quando pretende caracterizar um espaço. “É necessário, portanto, escolher os materiais tendo presente o modo como refletem a luz e afinálos.” (Zumthor, 2006, p. 61) Existem muitos modos de abordar esta questão, não havendo nenhum que seja o mais correto. No caso de Zumthor, por exemplo, ele opta por “pensar o edifício primeiro como uma massa de sombras e a seguir, como um processo de escavação, colocar luzes e deixar a luminosidade infiltrar-se”. (Zumthor, 2006, p. 61) Juanhi Pallasmaa (2011, p. 44) refere que “a imaginação e a fantasia são estimuladas pela luz fraca e pelas sombras. (…) A luz forte e homogênea paralisa a imaginação do mesmo modo que a homogeneização do espaço enfraquece a experiencia da vida humana e arrasa o senso do lugar.” “Frequentemente, a memória mais persistente de um espaço é o seu cheiro.” (Pallasmaa, 2011, p. 51) Muitas vezes recordamos um espaço na nossa memória pelo seu cheiro. Este cheiro é transmitido pelos materiais que caraterizam esse espaço. Uma sala com um pavimento em madeira transmite um cheiro característico, diferente de uma sala com um pavimento em pedra. Seguindo nesta questão de um espaço que possui um pavimento de madeira ser diferente de um espaço que possui um pavimento de pedra, registamos muitas vez na nossa memória como era quente o pavimento de madeira no qual costumávamos brincar em casa dos nossos avós, quando eramos crianças, em contraste com o pavimento de pedra, frio, da casa dos nosso pais. Neste caso é o sentido do tato que cria a nossa perceção da atmosfera do espaço. De certo modo podemos agora referir que, é a materialidade do espaço que lhe atribui uma identidade própria.

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Pegando num exemplo referido por Sérgio Rodrigues: 5

Le Corbusier , no quarto principal da Ville Savoy, desenhou uma confortável Chaise longue, moldada em betão, anexa à zona de banhos. Forrada por pequenos mosaicos de um azul brilhante, a sua cor e o seu reflexo prolongam a frescura da água para o repouso do corpo. A escolha do material é consentânea com o desenho da sua forma e com a natureza da sua utilização. Ou seja, há uma coesão que lhe dá uma identidade própria. (Rodrigues, 2009, p. 61)

Ilustração 3 – Chaise Longue Ville Savoye, Poissy, França. (Thearchitectureofarchitectures, 2009)

Quando um espaço é materializado e transmite sensações, torna-se possível descrevê-lo. “Estamos sentados aqui dentro neste celeiro, temos estas fileiras de vigas que são por sua vez cobertas por…etc. Sinto isto de forma física” (Zumthor, 2006, p. 23) Concluindo, podemos referir que a atmosfera de um espaço é claramente influenciada pela materialidade desse mesmo espaço. Daí que, o arquitecto tem de ter sempre em mente quando pensa num espaço, que o mesmo será materializado e transmitirá sensações que podem ser muito diversificadas. 5

Le Corbusier (1887-1965). Arquitecto Suíço cujo verdadeiro nome é Charles Edouard Jeannereté. É um dos mestres da arquitectura racionalista. Aplicou o funcionalismo para planificar as cidades da sociedade industrial. Baseou-se na inter-relação entre as formas das máquinas e as técnicas da arquitectura moderna. Projetou planos urbanísticos para as cidades de Antuérpia, Paris e Chandigard.

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É ainda importante não esquecer que, tal como defende Zumthor (2009, p. 31) para que surjam espaços que nos surpreendem e que contêm um potencial e uma força que vai para além de formas preconcebidas é primeiro necessário responder a questões relativas ao lugar, ao material e à tarefa. No subcapítulo seguinte abordamos precisamente a questão da materialidade na relação entre o objeto arquitetónico e a paisagem envolvente.

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2.1.3. MATERIALIDADE E PAISAGEM O arquitecto ao projetar um edifício deve estar consciente de que este se vai integrar numa paisagem pré-existente, com a qual vai estabelecer uma relação. Um objeto arquitetónico não deve ser visto como um objeto isolado. “Uma edificação não é um fim por si só; ela emoldura, articula, estrutura, dá importância, relaciona, separa e une, facilita e proíbe.” (Pallasmaa, 2011, p. 60) Um objeto arquitectónico, ao ser construído num determinado sítio vai estabelecer relações que podem ser de fechamento ou de continuidade. Zumthor (2009, p. 21) refere que “(…) existem duas possibilidades fundamentais de formação do espaço: o corpo fechado, que isola o espaço no seu interior, e o corpo aberto que abraça uma parte do espaço ligado ao contínuo infinito.” A presença de certas obras provoca em mim algo misterioso. Parecem simplesmente estar lá. Uma pessoa não lhes dá nenhuma atenção especial. E, no entanto, é quase impossível imaginar o lugar onde estão sem elas. Estas obras parecem estar firmemente ancoradas ao chão. (Zumthor, 2009, p. 17)

Zumthor é um arquitecto que atribui à questão da relação entre o objeto arquitctónico e paisagem, uma grande importância. Isto é percetível nas suas palavras quando ele refere: “Quando faço um edifício, um grande ou um pequeno complexo, gosto muito de imaginar que este se torna parte integrante do espaço envolvente.” (2006, p. 65) Existem várias características que podem ajudar na integração de um edifício na paisagem. A materialidade que se utiliza tanto ao nível da construção como do revestimento é um dos exemplos. A utilização de materiais locais, a construção seguindo os sistemas construtivos tradicionais e o revestimento de edifícios com materiais estratégicos são alguns dos fatores que ajudam na criação de uma sintonia com o lugar arquitectónico. Para tal, é necessário que haja um conhecimento sobre a cultura local. Um exemplo de um arquitecto que seguiu estes princípios é Jorn Utzon6. Can Lis em Palma de Maiorca, um dos casos de estudo deste trabalho, é um exemplo perfeitos para justificar este modo de operar. Utzon não se limitou a construir uma casa com a pedra tradicional da região. Existem outros fatores para além da materialidade que fazem com que este edifício pareça sempre ter estado naquele lugar. Antes de projetar esta casa Utzon estudou a cultura da ilha. Utilizou os sistemas 6

Jorn Utzon (1918 – 2008). Arquitecto dinamarquês, trabalhou com Alvar Aalto. Um dos seus projectos mais famosos é a Opera de Sydney. Viveu os últimos anos da sua vida com a sua mulher Lis nas suas casas, nas ilhas Baleares, Can Lis e Can Feliz. Em 2003 vence o Premio Pritzker.

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construtivos locais e fez uma reinterpretação atenta das características da arquitectura tradicional maiorquina. É também esta reinterpretação que faz com que não seja apenas mais um edifício no meio de tantos outros, mas sim uma das casas que melhor exemplifica esta temática da integração do objeto arquitetónico na paisagem.

Ilustração 4 – Vista de Can Lis a partir do mar mediterrâneo, Maiorca, Bent Ryberg. (Parday, 2004, p. 40)

É portanto importante quando se projeta um objeto para um determinado sítio, fazer um estudo sobre a cultura local. Zumthor aborda várias vezes esta questão nos seus textos. Segundo ele, os edifícios são projetados para um determinado lugar com um determinado objetivo e para uma determinada sociedade. (Zumthor, 2009, p. 27) Outro arquitecto que aborda esta questão é Juhani Pallasmaa. Este aborda a questão de um modo mais sensacional. A memória tátil é a sabedoria que fundamenta a habilidade de construir uma moradia nas culturas tradicionais. (Pallasmaa, 2011, p. 60) Este refere ainda que, “As obras de arquitectura autóctones em argila ou barro, de várias partes do mundo, parecem nascer dos sentidos musculares e tácteis, mais do que dos olhos.” (2011, p. 25)

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Projetar segundo os princípios arquitectónicos de uma determinada cultura não significa copiar esses princípios. Para Zumthor a qualidade da intervenção depende da capacidade de se criarem no novo, características que entrem “numa relação de tensão significativa com o existente.” (Zumthor, 2009, p. 17) Se um projeto se nutre somente do existente e da tradição, se repete apenas o que o lugar lhe oferece, falta-me o debate com o mundo, falta-me a irradiação do contemporâneo. Se uma peça de arquitectura apenas conta o mundano e o visionário, sem fazer oscilar com ele o seu lugar concreto, sinto a falta da ancoragem sensorial da obra no seu lugar, do peso específico do local. (Zumthor, 2009, p. 42)

Por fim, o tempo é outro dos fatores que em conjunto com a materialidade, ancoram objeto arquitectónico ao lugar. Os edifícios quando bem projetados acabam por no decorrer do tempo, unirem-se de modo natural com o lugar e a sua história. (Zumthor, 2009, p. 17) Os materiais naturais, tal como a pedra, são materiais que “expressam sua idade e história, além de nos contar suas origens e seu histórico de uso pelos humanos. Toda a matéria existe em um continuum temporal; a pátina do desgaste leva a experiencia enriquecedora do tempo aos materiais de construção.” (Pallasmaa, 2011, p. 30) A materialidade, a cultura do lugar arquitetónico e o tempo são fatores indissociáveis quando o arquitecto procura que a sua proposta crie uma relação de sintonia e de abertura perante um determinado lugar e paisagem.

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2.2. PEDRA, CONSTRUÇÃO E MARCOS HISTÓRICOS No subcapítulo anterior, a materialidade foi abordada de um modo geral no contexto arquitetónico de espaço, relação com a paisagem e na ótica do utilizador. Concluiu-se que, no ato de projetar, a materialidade deve estar presente desde o primeiro momento e acompanhar o conceito na evolução do projeto até à fase de construção. É a materialidade que constrói o projeto desenhado, gerando espaços que, por sua vez, vão interagir com os sentidos do utilizador. O objeto arquitetónico pode também beneficiar da materialidade para se integrar com a envolvente desde que durante o projeto haja a consciência de que é importante conhecer e estudar a cultura do sítio onde se intervém. O conhecimento dos materiais por parte do arquitecto torna-se ainda mais importante na medida em que esses vão sofrer modificações devido à influência de fatores externos tais como o tempo e o clima. Neste subcapítulo, iniciamos a abordagem ao caso específico da pedra através de uma referência a vários momentos da História da Arquitectura, na vertente da construção, exemplificando com alguns marcos históricos. A pedra é um material que esta relacionado com a arquitectura desde sempre, e que continuará a estar independentemente da evolução tecnológica e do surgimento de novos sistemas construtivos. A Pedra foi o primeiro material a ser utilizado pelo Homem para fazer arquitectura. Inicialmente para se proteger utilizaram cavernas, nas quais deixaram marcas que perduram até aos dias de hoje. Também o Homem, fez de pedra a sua casa (…) As grutas ofereceram-lhe o abrigo necessário contra os seus inimigos e predadores. As suas paredes ofereceram-lhe o seu primeiro suporte de comunicação gráfica, foram a tela da sua expressão plástica. A primeira roda foi feita de pedra. A pedra ditou idades, e da lasca à polida passaram milhares e milhares de anos. (Vieira, 2001, p. 45)

Mais tarde no período Neolítico surge a arquitectura dolménica na qual é possível observar pela primeira vez o sistema construtivo do trílito que foi a base das grandes construções egípcias e gregas. Desde há muitos anos que a pedra é utilizada nos principais edifícios e, pelas suas características, permitiu que esses edifícios e essas construções perdurassem até hoje e, possivelmente, por muitos mais anos. Na abordagem à arquitectura egípcia, conhecida pelas enormes pirâmides de pedra, existe uma que se destaca por ser considerada a primeira construção de grande

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importância em pedra trabalhada pelo Homem. A Pirâmide de Saqqara, que pertence ao complexo funerário de Djoser, caracteriza-se por ser uma pirâmide escalonada. Neste complexo existem ainda muitas características construtivas que antecipam o que milhares de anos depois vieram a ser as características fundamentais da arquitectura grega. O sistema construtivo do trílito (duas colunas suportando uma arquitrave), caracteriza tanto a arquitectura egípcia como a grega, criando assim uma relação entre estas.

Ilustração 5 - Sistema Construtivo do Trílito. Mariarosa Conti. (Tarella, 1984, p. 6)

A arquitectura grega é marcada pelos grandes templos dedicados aos deuses da mitologia. Aquele que talvez é o mais importante exemplo arquitetónico grego é o Pártenon, na Acrópole de Atenas. O estudo deste edifício permite de um modo geral caracterizar o sistema construtivo do templo grego, de modo a perceber melhor os princípios subjacentes àquele que é o exemplo maior do sistema construtivo do trílito. Associado ao templo grego estão as ordens arquitetónicas e a importância do aspeto visual e decorativo. Por sua vez, a arquitectura romana marca um ponto de viragem na História da Arquitectura através da introdução do sistema construtivo do arco e da abobada nos edifícios de maior importância, substituindo assim o sistema construtivo do trílito que vinha sendo utilizado desde sempre. O sistema do arco e da abobada já eram conhecidos pelos gregos, no entanto apenas eram utilizados em edifícios secundários.

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(Benevolo, 2005, p.80) A par do arco e da abóbada, aquilo que permitiu aos romanos construírem edifícios com abobadas e cúpulas a vencerem grandes vãos foi a invenção do chamado Opus Caementicium. Este cimento leve permitia encher paredes de pedra, tornando-as mais espessas de modo a suportarem as abobadas. O Panteão de Roma que é talvez um dos exemplos mais importantes da arquitectura romana, é abordado na presente dissertação com o objetivo de exemplificar e explicar esta técnica construtiva que perdurou durante muitos anos, até à arquitetura do ferro no sec. XIX. Com os romanos surgiram ainda as pontes e aquedutos em pedra que ajudaram nos objetivos expansionistas e que testemunham a importância dada pelos romanos aos edifícios de utilidade pública. (Tarella, 1985, p. 17) Mais tarde, como evolução do arco romano surgiu o arcobotante utilizado nas catedrais góticas. A arquitectura medieval gótica assume características próprias. Apesar de ter surgido vários seculos após a invenção do Opus Caementicium por parte dos romanos, no gótico volta-se a construir totalmente em pedra. Um dos exemplos mais interessantes é a catedral de Palma de Maiorca. Este edifício visitado aquando da viagem de estudo a Can Lis do arquitecto Jorn Utzon caracteriza-se por ser totalmente construído com a pedra local. Integrado na estrutura urbana do centro histórico de Palma, funciona como um marco daquela cidade e serviu de influência ao arquitecto Jorn Utzon.

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2.2.1. O TRÍLITO COMO SISTEMA CONSTRUTIVO O Neolítico corresponde ao período entre os milénios III e II a.C. É nesta época que a arquitectura propriamente dita teve a sua origem. O Homem deixou de ser sedentário e começaram a surgir as primeiras manifestações de arquitectura permanente. Baseado em ideias religiosas de fé numa vida eterna, o Homem conseguiu mover enormes blocos de pedra criando espaços de sepulcro dos mortos, a apelidada arquitectura megalítica. Dois dos exemplos mais conhecidos deste tipo de arquitectura são o cromeleque de Stonehenge7 e o alinhamento de Carnac8. (Iniguez, 1960, p. 22) Alguns astrónomos defendem ainda que existe nestas edificações uma relação com os ciclos do Sol.

Ilustração 6 – Cromeleque de Stonehenge, Wiltshire, Inglaterra. (Lindinger, 1984, p. 124)

Na arquitectura neolítica surgiu ainda o Dolmen. Caracteriza-se por pedras na horizontal assentes sobre outras dispostas na vertical. Este é considerado o primeiro exemplo do sistema construtivo do trílito, o mesmo que veio a ser utilizado muitos anos depois pelos egípcios e pelos gregos. Dolmen significa mesa de pedra. Consiste 7

Stonehenge é uma construção megalítica situada em Wiltshire na Inglaterra. É um monumento circular, constituído por 30 monólitos. Os resultados das escavações arqueológicas apontam para que a sua construção se tenha processado em três fases. A primeira terá sido em 3100 a.C., a segunda em 2100 a.C. e a terceira em 2000 a.C. O sentido e a função do monumento não são totalmente claros, mas a explicação mais divulgada defende que terá sido um local de culto solar ao ar livre. 8 Situado na região de Carnac, na zona da comuna de Morbihan, na Bretanha francesa, o núcleo megalítico pré-histórico comporta três grupos de alinhamentos. O de Kermario, composto de 10 linhas representando um total de 982 menires, é o mais belo e conhecido dos grupos. O de Menec compreende 11 linhas de 1100 menires alinhados ao longo de 1,2 km. Por fim o alinhamento de Kerlescan, totalizando 540 menires repartidos por 13 linhas; na sua extremidade enconta-se um cromeleque de 39 menires, bem como um grande menir, apelidado “Gigante do Manio”, com 6.5 m de altura. Se os arqueólogos concordam no facto de este espaço representar um esforço coletivo e de organização notáveis, hesitam em propor uma interpretação, que normalmente repousa na vertente astronómica. A cronologia da sua edificação parece situar-se algures no III/II milénios a.C.

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mais uma vez numa arquitetura de sepulcro e surge ao ar livre ou enterrado sob um monte de terra. Por vezes é precedido de um corredor de ingresso.

Ilustração 7 – (à esquerda) Poulnabrone Dolmen de Poulnabrone, Irlanda, Matteo Foiadelli. (adaptação a partir de Foiadelli, 2008) ; (à direita) Dolmen de Menga, Antequera, Espanha”, R.C.W. (adaptação a partir de R.C.W, 2013)

A arquitectura egípcia, por sua vez, é caracterizada por ser a primeira na qual se constroem obras monumentais em pedra. O objetivo do povo egípcio era criar obras de grande volume e massa que pelas suas características aparentassem e fossem eternas. Para tal o material que utilizaram foi a pedra. (Iniguez, 1960, p. 32) Após ter sido utilizado pela primeira vez na arquitectura neolítica, foi na arquitectura egípcia e grega que o sistema construtivo do trílito foi explorado ao máximo e utilizado na realização de obras monumentais. Na arquitectura egípcia já se conhecia a abobada, no entanto apenas era utilizada em espaços secundários sem importância estética. O sistema construtivo do trílito, por sua vez, assumiu proporções verdadeiramente gigantescas em alguns casos. A sensação de repouso e estabilidade eterna dos monumentos egípcios transmitida graças a este sistema construtivo é única na História da Arquitectura. (Iniguez, 1960, p. 33) As colunas caracterizam-se pelo tipo de decoração do capitel, sendo que, o tema é no geral de caracter vegetal, onde se destacam as flores de lótus e de papiro. A superfície do fuste pode ser lisa ou fasciculada e a base é sempre em forma de anel. Quando o capitel apresenta a forma de flor aberta é apelidado de campaniforme. As colunas lotiformes distinguem-se das papiriformes por não serem bulbosas e não possuírem folhas decorativas na parte inferior do fuste. Para além destas existem

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ainda as que possuem os capitéis palmiforme, em forma de palmeira e o hathórico, dedicado à deusa Hathor9. Por fim existe a coluna protodórica com secção poligonal e coroada por um paralelepípedo. (Iniguez, 1960, p. 33)

Ilustração 8 – Colunas Egípcias. (adaptação a partir de Iniguez, 1960, p. 35)

Para o povo egípcio dominado pela ideia de vida eterna, os monumentos mais importantes eram o templo e o sepulcro. A casa, por ser de caracter transitório, assumia um valor secundário e era construída em adobe. Os templos, tal como está expresso nas inscrições que os decoram, são considerados “a casa de pedra eterna”. Foram mandados construir pelos faraós para os seus deuses. O sepulcro por sua vez era tão importante como o templo uma vez que os egípcios estavam convencidos que a vida eterna dependia da conservação dos seus corpos. (Iniguez, 1960, p. 40) Um dos exemplos mais importantes da arquitetura monumental egípcia em pedra é a Pirâmide de Saqqara no Complexo Funerário de Djoser10. Foi uma obra extremamente importante na arquitectura em pedra uma vez que é considerada a primeira construção monumental em pedra trabalhada pelo Homem. (Pirâmide de Saqqara, 2012)

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Hathor era a deusa do amor, da alegria, do erotismo, da dança e da musica. O seu culto estava associado a regiões longínquas, como Biblos e Sinai, sendo por isso chamada a “Senhora das Turquesas”. Adorada em vários locais, o principal templo dedicado a Hathor localizava-se em Dendera, eguido no período ptolomaico (305 a.C.- 30 a.C.), onde é possível encontrar, nas chamadas colunas Hathóricas, a cabeça da deusa representada nos capitéis. Hathor surge representada como uma vaca, como alusão à maternidade, ou como uma mulher com orelhas de vaca, ou ainda como uma mulher exibindo na cabeça o disco solar ornamentado por cornos liriformes. 10 Djoser reinou no Egipto presumivelmente entre os anos de 2630 e 2611 a.C., pertencendo à IIIª Dinastia do Império Antigo. Passou à posteridade juntamente com o arquitecto Imhotep por ter mandado construir a chamada “pirâmide de degraus (ou escalonada) de Saqqara”, a primeira de que há notícia. A estrutura desta pirâmide representou uma grande inovação em relação às mastabas, túmulos de forma usualmente quadrada ou retangular. A forma piramidal, resultante da sobreposição das mastabas, partindo de uma base quadrada até um vértice é de facto inovadora na arquitectura do mundo antigo. Esta pirâmide consta de uma sobreposição de seis degraus similares a mastabas, pelo que possui planta de tendência quadrangular. O complexo funerário, inserido num recinto muralhado, conta ainda com outros túmulos, altares, pátios, armazéns, um palácio e um templo.

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Ilustração 9 – Pirâmide de Saqqara, Egipto. Stierlin. (Stierlin, 1992, p. 27)

Implantado segundo o eixo cardeal Norte/Sul, o complexo situa-se numa zona deserta a cerca de 14 km ao sul do Cairo, ao lado de Memphis. O complexo é rodeado por um muro de dimensões também elas monumentais. Imhotep11 foi o arquitecto que desenhou e dirigiu a sua construção. (Pirâmide de Saqqara, 2012)

Ilustração 10 – Vista do Complexo de Saqqara. (Norberg-Schulz, 1983, p. 13)

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Imhotep foi um aquitecto que viveu no Egipto durante a IIIª Dinastia. Foi igualmente um alto dignitário e vizir do faraó Djoser. Notabilizou-se pela sua ciência, uma vez que, para além de ter escrito obras de arquitectura, instaurou a base do que seriam as pirâmides, marco da magnificência egípcia. De facto, foi ele quem construiu a primeira pirâmide em Saqqara, que inovou igualmente por ser escalonada e utilizar pedra em aparelho.

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O muro original que rodeava o complexo tinha dez metros de altura, apresentando um perímetro de 1662 metros (554 metros no sentido norte-sul e 277 metros no sentido este-oeste) e englobando uma superfície total de quinze hectares. O muro de calcário tinha catorze portas falsas repartidas pelas quatro faces, portas petrificadas distribuídas de forma irregular ao longo do perímetro. A única porta de acesso ao complexo, a porta verdadeira, situa-se no lado este, abrindo para uma colunata no interior. (Araújo, 1987, p. 193 – 194)

Ilustração 11 – (à esquerda) Entrada do Complexo, Saqqara, Egipto. Stierlin (Stierlin, 1992, p. 18); (à direita) Muro do Complexo, Saqqara, Egipto. (Mateus, 2013)

Na construção desta muralha foram utilizadas cerca de 130 mil toneladas de pedra. Esta caracteriza-se pelos sofisticados baixos-relevos e umbrais. No seu interior encontra-se entre outros, a monumental pirâmide escalonada de 66 metros de altura, várias capelas falsas e vários pátios de transição. O complexo surpreende pela sua refinada arquitectura, esculturas em pedra, colunas trabalhadas, baixos-relevos e detalhes arquitectónicos que nunca foram superados em todo o desenvolvimento posterior àquela civilização. (Pirâmide de Saqqara, 2012) O muro envolvente do complexo era composto por 15 pórticos iguais que escondiam o único que possuía uma porta verdadeira, localizada na esquina sudeste. Aliás, tudo o que ali foi construído apresenta um caracter fictício onde o que é valorizado é a qualidade e o detalhe da própria arquitectura. Como refere Henri Stierlin 12 num dos seus textos. (Pirâmide de Saqqara, 2012)

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Henri Stierlin nasceu em 1928 em Alexandria no Egipto e possui nacionalidade Suíça. Historiador de Arte e de Arquitectura é especialista no período islâmico. Publicou vários livros sobre os grandes monumentos das culturas muçulmanas. Dedicou a maior parte da sua vida ao estudo das mesquitas persas escrevendo um tese inédita relacionada com esse tema. Na companhia da sua esposa Anne, fez muitas viagens em busca de tesouros da arte islâmica em países como a Espanha, Tunísia, Egipto, Síria, Jordânia, Turquia, Iraque, Irão, Uzbequistão, Paquistão e India. As fotografias recolhidas nessas ocasiões ilustram os livros que escreveu.

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[…] l’architecture qui est née ici, en bordure de désert, est totalement factice: elle ne fait que figurer la cité et l’habitat des vivants. Fausses portes et fausses crapaudines, espaces internes inexistants, colonnes engagés qui ne sont qu’un décor plaqué sur un mur ou disposé en extrémité de paróis. (Stierlin, 1992, p. 34)

O objetivo de todo este cenário superficial era na verdade esconder o complexo sistema de tuneis, camaras e galerias construídos 30 metros abaixo do solo. (Ilustração 11)

Ilustração 12 – “Sistema de tuneis interiores, Saqqara, Egipto”, (Tour Egypt, 2013)

A entrada agora reconstruida é constituída por uma galeria estreita com 20 pares de colunas totalmente modulares, com 7 metros de altura e dispostas segundo princípios arquitectónicos que se repetiriam milhares de anos depois no Pártenon. Henri Stierlin também refere nos seus textos que em Saqqara é possível encontrar muitas das características que séculos depois foram repetidas na arquitectura helénica. (Stierlin, 1992, p. 34) Ce qu’on a voulu réalizer en transposant dans la Pierre de taille les constructions de bois et de lattes, les toitures de chaume et de palmes, c’est un simulacre parfait qui annonce, vingt-deux siècles à l’avance, les colonnades doriques héllénique, bref, tout un vocabulaire formel dont se nourrira l’art de bâtir durant des millénaires. (Stierlin, 1992, p. 34)

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Ilustração 13 – “World’s oldest known stone columns at Djoser’s step pyramid complez, Saqqara, Egypt”, Michael Stephens, (adaptação a partir de Stephens, 2011)

A construção de Saqqara foi estruturada em três etapas. A primeira etapa consistiu na construção do poço vertical da pirâmide com cerca de 30 metros de profundidade, que liga aos tuneis, galerias e camaras escavadas debaixo do solo. A segunda etapa consistiu na construção de uma pirâmide escalonada sobre o complexo subterrâneo, com cerca de metade do volume da pirâmide final. Por fim a terceira etapa consistiu na ampliação da pirâmide e na construção do muro envolvente do complexo. (Pirâmide de Saqqara, 2012) Por fim, a arquitectura grega caracteriza-se por ser o exemplo maior da utilização do sistema construtivo do trílito nos edifícios de maior importância tais como templo. O arco, à semelhança da arquitectura egípcia é apenas utilizado em edifícios secundários. O templo apresenta-se com proporções mais controladas comparando com os edifícios monumentais egípcios. Aqui a relação de respeito e integração com paisagem é um elemento importante. É também na arquitectura grega, mais precisamente nos templos que surgem as ordens arquitetónicas, a dórica, jónica e coríntia.

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No panorama da cidade os templos se sobressaem sobre tudo o mais, porém mais pela qualidade do que por seu tamanho. Surgem em posição dominante, afastados dos outros edifícios, e seguem alguns modelos simples e rigorosos – a ordem dórica, a ordem jónica – aperfeiçoados em muitas repetições sucessivas; são realizados com um sistema construtivo propositadamente simples – muros e colunas de pedra, que sustentam as arquitraves e as traves de cobertura – de modo que as exigências técnicas impeçam o menos possível o controle da forma. (Benevolo, 2005, p. 78)

Enquanto os arquitectos egípcios gostavam de construir edifícios com proporções monumentais, gerando a sensação de edifício eterno, os gregos, por seu lado, preferem criar conjuntos proporcionados. Existe um controlo imposto pelos próprios artistas fundamentado nas questões que consideram ser o que atribui a beleza a uma obra, no caso, proporção e medida. (Iniguez, 1960, p. 76) Em relação à materialidade, a arquitectura grega caracteriza-se, mais uma vez, pela utilização da pedra local, no caso, o mármore branco. A pedra é aparelhada e assume um caracter isódomo13. (Iniguez, 1960, p. 78) O templo grego é o monumento mais importante da arquitectura grega e é nele que se definem os seus elementos construtivos. Foram construídos para acolher imagens divinas e assumem proporções controladas. Apresentam quase sempre planta retangular. De entre os vários que existem, no interior dos que apresentam maiores dimensões existem geralmente várias divisões. A nao ou cella, que é a capela da figura divina, a pronao que consiste no vestíbulo antes da cella e se caracteriza por ser aberto e flanqueado pelo prolongamento dos muros laterais da cella que por sua vez terminam em pilastras chamadas de antae. Por fim o opistódomo que consiste no espaço análogo mas no lado oposto. (Iniguez, 1960, p. 83) É ainda constituído por alguns elementos característicos. A base é a plataforma que eleva e nivela o templo com terreno assim como forma o intermediário entre ambos. As colunas, que tinham tanto a função técnica de suporte, como a de delimitar o peristilo. O entablamento, que é formado pela arquitrave, pelo friso e pela cornija, e por fim, a cobertura de duas águas em telhas de barro. (Pereira, 2008, p. 72) Hoje em dia sabe-se que o templo grego não era um edifício monocromo. Os tríglifos eram azuis, as estrias das colunas pretas e o tímpano do frontão vermelho ou preto, com o objetivo de destacar melhor a decoração escultórica. 13

Apelida-se um edifício de isódomo quando todas as pedras foram cortadas em esquadria, e com a mesma altura, formando fiadas regulares e iguais.

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Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Ilustração 14 – Sistema Construtivo de um templo Dórico grego do séc. V a.C., Grécia. (Benevolo, 2005, p. 79)

A coluna e a arquitrave são os elementos mais importantes do sistema construtivo grego formando o trílito. No caso das colunas, assumiram uma importância particular na arquitectura grega devido à decoração que corresponde às ordens arquitetónicas. Para além disso os arquitectos gregos utilizaram-nas estrategicamente com o objetivo de criar ilusão ótica. A ideia dos arquitectos gregos era criar o efeito ótico de leveza. Para isso inclinaramnas para o interior da estrutura. Para além disso todas elas se elevam sobre o embasamento que por sua vez apresenta uma ligeira curvatura em relação às extremidades. As correções óticas eram uma das características da arquitectura grega, tal como refere Juhani Pallasmaa (2011, p. 25) quando diz que “A arquitectura grega, com seus recursos requintados de correções óticas, já era extremamente refinada para o prazer dos olhos”

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A ordem dórica é a mais simples das três. Apresenta proporções robustas e uma decoração austera. Caracteriza-se por formas rígidas e por isso, é apelidada de ordem masculina. (Iniguez, 1960, p. 78) A coluna assenta diretamente sobre a plataforma escalonada que forma o embasamento. O fuste da coluna é percorrido verticalmente por cerca de vinte estrias unidas em aresta viva e na maioria dos casos é formado por vários tambores. (Iniguez, 1960, p. 79) A arquitrave caracteriza-se por ser lisa e descansar diretamente sobre os ábacos. O friso caracteriza-se por ser constituído por tríglifos e métopas. (Iniguez, 1960, p. 79)

Ilustração 15 – “Diferenças entre Ordem Dórica e Jónica.”, (Mota, 2003)

A ordem jónica distingue-se da dórica pela esbeltez das suas proporções e pela riqueza da sua decoração. Pretendia-se atribuir à coluna a delicadeza de um corpo feminino. Ao contrário da coluna dórica, esta assenta sobre uma base, o que transmite desde logo a existência de uma maior riqueza. Apresenta proporções mais finas e o fuste é percorrido por vinte e quatro estrias unidas em aresta viva. (Iniguez, 1960, p. 80) Por fim a ordem coríntia, que consiste apenas num capitel diferente uma vez que o edifício que a utiliza segue as mesmas normas da ordem jónica. Por ter sido criada tardiamente, já só foi utilizada nos últimos tempos da arte grega. Quem acabou por utilizar mais esta ordem foram os romanos. (Iniguez, 1960, p. 82)

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Ilustração 16 – Ordem Coríntia. (adaptação a partir de Iniguez, 1960, p. 139)

Para além destas três ordens, existe ainda uma que apenas foi utilizada pontualmente e na qual o fuste da coluna foi substituído por uma figura humana. No caso de a figura ser feminina, chamam-se cariátides, se forem masculinas, chamam-se de atlantes ou télamones. (Iniguez, 1960, p. 83)

Ilustração 17 – Fuste em forma de figura feminina, (Erecteion), Atenas, Grécia. (Degrassi, 1982, p. 66)

A Acrópole de Atenas é um dos marcos mais importantes, da arquitectura da Grécia Antiga. Localizada no Sul do país, na província de Ática, em Atenas, situa-se sobre um promontório rochoso de 156m e estende-se por cerca de 3 hectares. (Lindinger, 1984, p. 197)

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Ilustração 18 – Acrópole de Atenas, Grécia. (Norberg-Schulz, 1983, p. 36)

Ilustração 19 – Planta da Acrópole de Atenas, Grécia. (Norberg-Schulz, 1983, p. 36)

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Entre os vários templos que a compõem, o Pártenon (447-438 a.C.) é o que assume maior importância do ponto de vista arquitetónico e cultural. Projetado pelos arquitectos Ictinos14 e Calícrates15 com a supervisão de Fídias16, caracterizava-se por apresentar um aspeto por um lado de robustez e por outro de leveza, isto por ter sido construído no estilo dórico, mas com alguns apontamentos de jónico. Media 69,51 metros de comprimento e 30,88 metros de largura. Possuía colunas em todas as fachadas, dezassete no comprimento e oito na largura, assumindo proporções clássicas. As colunas mediam 10,43 metros de altura. (Degrassi, 1982, p. 32) O Pártenon é um templo octástilo, por apresentar oito colunas na fachada principal (característica dos templos jónicos). Em planta, caracterizava-se, pela cella, onde se encontrava a estátua da divindade a quem era dedicado o templo, o pronaus e o opistódomos, ambos espaços interiores, e por fim o peristilo, espaço exterior definido pela colunata. (Pereira, 2008, p. 72) Em relação à materialidade, o pártenon foi construído em mármore branco originário das pedreiras do monte Pentélico17. Pressupõe-se que as estrias das colunas estiveram pintadas de vermelho, os ábacos de azul, os tríglifos de azul e amarelo, os tímpanos e as métopas de vermelho.

14

Ictinos foi o arquitecto que em conjunto com Calícrates projetou o Pártenon. Conhece-se pouco sobre a sua vida mas sabe-se que viveu na segunda metade do séc. V a.C. Desenhou também o Templo de Hefesto em Atenas, um dos mais bem preservados até hoje. Supõe-se que o primeiro templo conhecido que utilizou a ordem coríntia nas suas colunas, o Templo de Apolo Epicuro em Bassae, tenha sido da sua autoria. 15 Calícrates foi o arquitecto que em conjunto com Ictinos projetou o Pártenon. Mais tarde foi encarregado por Péricles de levantar as muralhas que ligavam a cidade de Atenas ao porto de Pireu. Existem poucas informações sobre ele. 16 Fídias foi um escultor ateniense da segunda metade do século V a.C.. Foi encarregado por Péricles de dirigir as obras de escultura da Acrópole e do Parténon, templo onde executou a estátua de Atena. Outra das suas monumentais obras foi a escultura de Zeus no Templo de Olímpia, considerada uma das sete maravilhas do mundo, entretanto desaparecida. 17 O Monte Pentélico é um monte situado a nordeste de Atenas. É famoso pelo seu mármore e foi utilizado na construção dos edifícios da Acrópole de Atenas assim como em inúmeras esculturas antigas. O mármore é famoso pela sua cor branca uniforme, com um leve amarelado que o faz brilhar num tom dourado à luz do sol. A antiga pedreira encontra-se protegida pelo governo grego e é usada exclusivamente para o projeto de restauro da Acrópole.

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Ilustração 20 – Pártenon, Atenas, Grécia, (Iniguez, 1960, p. 85)

A acrópole situa-se no ponto mais alto das cidades e é rodeada por muros tendo um caracter defensivo e de refúgio em caso de ataques inimigos. No entanto os gregos viam a cidade como um todo único. Esta podia ser circundada por muros mas não subdividida em recintos secundários. As casas assumiam uma certa homogeneidade ao nível da estrutura arquitetónica e apenas variavam em tamanhos. Encontravam-se livremente distribuídas pela cidade e não formavam bairros reservados a determinadas classes sociais. (Benevolo, 2005, p. 78) Por outro lado, a arquitectura grega caracteriza-se por uma relação de integração e respeito para com a paisagem. A cidade, no seu conjunto, forma um organismo artificial inserido no ambiente natural, e ligado a este ambiente por uma relação delicada; respeita as linhas gerais da paisagem natural, que em muitos pontos significativos é deixada intacta, interpreta-a e integra-a com os manufaturados arquitetónicos. A regularidade dos templos (…) é quase sempre compensada pela irregularidade dos arranjos circundantes, que se reduz depois na desordem da paisagem natural. (Benevolo, 2005, p. 80)

O existente é muitas vezes conservado e incorporado no novo. Os edifícios monumentais não escondem as irregularidades do terreno, as rochas e os patamares permanecem muitas vezes no seu estado natural, integrados nas construções artificiais. (Benevolo, 2005, p. 87)

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2.2.2. A ARQUITECTURA ROMANA – CAEMENTICIUM

O ARCO, A ABÓBADA E O

OPUS

A arquitectura romana marca um ponto de viragem nos sistemas construtivos utilizados. Ao contrário do que tinha sido regra até então, na arquitectura romana o acro e a abóbada ganham importância e passam a ser utilizados nos edifícios de maior relevância. A invenção do opus caementicium, por outro lado, permitiu a construção de grandes obras como o caso do Panteão de Roma, pontes e aquedutos entre outros. Era utilizado no enchimento de paredes e rematado com pedra aparelhada. O artista romano, ao contrário do grego, fica submerso no anonimato. O que interessa ao artista romano é fazer arquitectura onde o belo e o útil estejam presentes. Prevalecem os aspetos técnicos e práticos. As instalações urbanas de caracter civil e expansionista e as exigências dos cidadãos são o mais importante. As obras de arquitectura caracterizam-se pela procura da máxima funcionalidade. (Tarella, 1985, p. 7) A arquitectura romana fica então marcada pela utilização de coberturas abobadadas em edifícios de grandes dimensões, ao contrário do que tinha acontecido até ao momento. (Iniguez, 1960, p. 136) Os romanos foram os verdadeiros difundidores do arco e da abóbada. No caso do arco, o que serviu de base para as grandes obras de arquitectura romana foi o arco de radiante. Este foi também o arco que esteve na base dos que se desenvolveram posteriormente. (Iniguez, 1960, p. 138)

Ilustração 21 – (à esquerda) “Elementos do arco radiante” (Colin, 2012) ; (à direita) “tipos de arcos”. (Colin, 2012)

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Outra das principais inovações dos arquitectos romanos foi a utilização do arco em conjunto com o sistema construtivo do trílito. O arco encaixa entre as colunas e o entablamento. Com isto utiliza dois sistemas construtivos que podem funcionar de modo isolado, mas que por serem esteticamente contraditórios criam um efeito estético único e inovador. A horizontalidade e o repouso face à curva e ao dinamismo. (Iniguez, 1960, p. 138)

Ilustração 22 – Arco e trílito juntos, (Iniguez, 1960, p. 139)

A utilização do sistema construtivo do trílito grego incorporado no muro transforma o entablamento num elemento meramente decorativo. (Iniguez, 1960, p. 139) Por sua vez, as abóbadas surgem a partir do arco e assumem uma grande variedade. São utilizadas com grandes dimensões e a vencer vãos com proporções gigantescas, tal como acontece no Panteão. O enorme peso que ganharam obrigou a construir obras com paredes muito espessas daí que tenha surgido a necessidade de criar um material de enchimento. Surgiu então o Opus Caementicium. (Iniguez, 1960, p. 140)

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Ilustração 23 – “Abóbadas e cúpulas”. (Colin, 2012)

O Opus Caementicium representa uma revolução na história da construção. Funcionava como material de enchimento de paredes, um pouco à semelhança do que acontece hoje em dia em alguns casos com o betão. As suas principais características eram a resistência, economia e facilidade em arranjar os seus componentes. Tratavase de uma mistura composta por pedras, tijolos e ladrilhos quebrados unidos por um forte aglomerante (areia vulcânica com calcário). Na maioria dos casos, nos edifícios em que era utilizado este material, as paredes eram posteriormente revestidas a pedra de modo a apresentarem outra qualidade estética.

Ilustração 24 – “schema costruttivo dell'opus caementicium romano”, (Fai da noi, 2014)

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Outra das inovações introduzidas pelos romanos através da sua arquitectura foi uma nova ordem arquitetónica mais rica do que as dos gregos. A ordem compósita que surgiu a partir da junção do jónico com o coríntio. (Iniguez, 1960, p. 136) O entablamento era tratado com uma maior liberdade criando-se pontos de realce para produzir contrastes de claro/escuro mais intensos. As métopas da ordem dórica eram decoradas com discos, rosas, etc. (Iniguez, 1960, p. 137)

Ilustração 25 – (à esquerda) Ordem Compósita. (Iniguez, 1960, p. 145) ; (à direita) Métopas da Ordem Dórica. (Iniguez, 1960, p. 139)

Em relação às restantes ordens arquitetónicas gregas, estas continuaram a ser utilizadas mas sofreram em alguns casos alterações motivadas pela necessidade de satisfazer as intenções construtivas, mas sempre com o objetivo de as tornar mais ricas e luxuosas. Também os elementos que refletem mais de perto os gostos gregos sofreram, todavia, transformações. Um capitel coríntio nascido em Roma reconhece-se imediatamente pela sua execução mais desembaraçada e pela sua exuberância ornamental. As próprias dimensões são reveladoras: por vezes, a necessidade da adaptação à altura de uma fachada pode conferir ao capitel, medidas gigantescas, desproporcionadas em relação ao conjunto. (Tarella, 1985, p. 7)

Por outro lado, enquanto os gregos utilizavam ordens arquitetónicas diferentes no interior e no exterior de um edifício, os romanos por sua vez utilizavam ordens diferentes sobrepostas numa fachada, tornando essa sobreposição um dos seus sistemas construtivos mais utilizados nos grandes monumentos. (Iniguez, 1960, p. 138)

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Os romanos promoviam as obras de carácter civil e expansionista, de utilidade pública. A construção de estradas por exemplo, tinha como objetivo o movimento dos exércitos, o tráfego comercial e as regulares comunicações administrativas. (Benevolo, 2005, p. 186) As pontes e aquedutos são o exemplo de que a aplicação rigorosa do arco, aliada à habilidade dos engenheiros permitiu transformar um elemento funcional num motivo estético. As estruturas em arco tornaram-se cada vez mais amplas gerando-se ritmos atribuídos por várias filas de arcos, de várias dimensões, sobrepostas. Um exemplo é a Pont-du-Gard na qual existem três filas de arcos. As duas inferiores são iguais e a última é formada por arcos menores, organizados de modo a que três deles correspondam a um dos que lhe estão por baixo. (Tarella, 1985, p. 18)

Ilustração 26 – Pont du Gard, França. (Benevolo, 2005, p. 190)

O arco tornou-se tão importante para os romanos que acabou por tornar-se num monumento independente. O arco de triunfo surge com o objetivo de festejar o regresso de uma guerra vitoriosa, em que o general e as suas tropas desfilam através de um arco, ou porta simbólica. (Tarella, 1985, p. 17)

Ilustração 27 – Arco de Constantino, Rizzola. (Tarella, 1985, p. 17)

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Outras das obras importantes para os romanos eram as basílicas e as termas. No caso das basílicas, estas eram de carácter administrativo e judicial e apresentavam planta retangular. Possuíam uma nave central e duas laterais mais baixas. (Iniguez, 1960, p. 148) No caso das termas, tornaram-se importantes não só ao nível construtivo mas também pelo facto de introduzirem a ideia de banhos públicos. Nelas existiam ainda, bibliotecas, salas de reunião e alojamento para atletas. (Iniguez, 1960, p. 150) Outro bom exemplo da utilização do arco e da abóbada é o Coliseu de Roma. Este anfiteatro caracteriza-se por possuir uma susceção de arcos dispostos em três filas sobrepostas. A cada serie de arcos corresponde uma ordem arquitectónica diferente. Na fila do piso térreo a ordem é a dórica. No piso intermédio a ordem jónica e por fim no terceiro piso a ordem coríntia. Estes foram os únicos elementos decorativos inseridos nesta estrutura que só pela repetição das arcadas já produz um efeito ótico de grande beleza. (Tarella, 1985, p. 14) O arco – nascido devido às exigências práticas, aperfeiçoado e tornado cada vez mais acessível ao apuramento da técnica – torna-se num elemento decorativo, que se pode inserir com extrema coerência na articulação essencialmente curva da arquitectura romana. (Tarella, 1985, p. 14)

Ilustração 28 – Coliseu de Roma, Itália. (Navarro, 2006b, p. 76)

Em relação ao templo, uma das principais diferenças entre o templo romano e o templo grego é o facto de este não possuir a plataforma escalonada ou estilóbato sendo esta substituída por um podium ou embasamento de paredes verticais. Este caracteriza-se por possuir escadas de acesso ao templo apenas na fachada principal. (Iniguez, 1960, p. 143)

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Os romanos davam importância à questão da frontalidade, por um lado, para definir uma orientação precisa do espaço e por outro, por uma questão funcional, para indicar o único ponto de acesso. (Tarella, 1985, p. 8) A questão da frontalidade surgiu também porque nos templos romanos a cella deixou de estar aberta para ser totalmente fechada por paredes. As colunas passaram a estar adossadas a essas paredes cegas. Na fachada principal existia ainda um pórtico no cimo da escadaria que fazia a transição para a cella. Um dos exemplos bem conservados até hoje é o templo da Fortuna Virilis em Roma. (Tarella, 1985, p. 8)

Ilustração 29 – (à esquerda) Vista posterior e Planta do Templo Fortuna Virilis. Rizzoli. (adaptação a partir de Tarella, 1985, p. 6); (à direita) Vista Frontal do Templo Fortuna Virilis, (Iniguez, 1960, p. 145)

Uma das grandes obras da arquitectura romana foi o Panteão de Roma. Não sendo totalmente construído em pedra, é abordado na presente dissertação pela inovação que introduziu naquela época ao nível dos sistemas construtivos, assim como, a importância que teve para outras obras nos tempos que se seguiram. O Panteão de Roma datado de 120-24 d.C. foi mandado erguer pelo imperador Adriano18. Construído no local onde inicialmente tinha sido erguido um templo de menores dimensões, e planta retangular, da autoria de Marcus Agrippa19, este caracteriza-se por apresentar planta circular. (Stevenson, 1997, p. 14)

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Públio Élio Trajano Adriano, conhecido por imperador Adriano, nasceu a em 76 e faleceu em 138 d.C. Em Roma ordenou a construção do Panteão e do Templo de Vénus. Além de imperador era um humanista. Viajou por quase todas as províncias do Império sendo um grande admirado da Grécia. Tentou fazer de Atenas a capital cultural do Império e ordenou a construção de vários templos opulentos na cidade. 19 Marco Vipsânio Agripa, em latim Marcus Vispanius Agrippa, nasceu em 63 a.C e faleceu em 12 a.C. Foi um general e estadista do Império Romano. Foi também cônsul, governador da Síria e o general máximo do exército romano. Destacou-se pela sua capacidade militar e política e pelas construções que embelezaram a cidade de Roma. Foi também o autor do mapa do mundo antigo que elaborou com os dados obtidos durante as suas viagens.

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Ao nível construtivo caracteriza-se por utilizar o inovador Opus Caementicium entre outros métodos de engenharia para explorar os recursos locais e a fabricação de materiais. (Stevenson, 1997, p. 14)

Ilustração 30 – Corte Panteão Roma. (adaptação a partir de Stevenson, 1997, p. 14-15)

A enorme cúpula com 43m de vão que só foi igualada no sec. XIX demonstra o poderio construtivo deste sistema. A construção romana com o Opus Caementicium era económica, rápida e eficiente. A estrutura de madeira era construída por carpinteiros especializados e o betão era fornecido e moldado por operários vulgares. (Stevenson, 1997, p. 14)

Ilustração 31 – Axonometria e Corte do Panteão Roma, Itália. (Norberg-Schulz, 1983, p. 53)

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Para além do seu valor construtivo, a cúpula possuía um caracter simbólico, representando a abóbada celeste. Apresenta uma estrutura sólida formada por cinco filas de caixotões que apontam na direção do óculo circular que a remata e a sua espessura diminui proporcionalmente com o seu perímetro de modo a aliviar o peso. (Stevenson, 1997, p. 15) Existe neste edifício um contraste entre interior e exterior. Os volumes exteriores, aparentemente desconectados e a sua sobriedade aparente contrastam com a monumentalidade do espaço interior. A monumentalidade interior traduz-se numa vitalidade determinada pelo tambor cilíndrico e pela complexa estrutura de sustentação da cúpula, com nichos que acompanham os pontos de descarga sobre os pilares. O vazio do interior assume um valor positivo que surge da relação de proporção entre os vários elementos. Por exemplo, o diâmetro do edifício e a sua altura são iguais. (Tarella, 1985, p. 9)

Ilustração 32 – “Proporção pessoa / espaço”, (Macdonald, 1976, p. 41)

A cella caracteriza-se ainda pelo facto de a espessura das paredes não ser maciça, mas sim articulada por oito nichos profundos que alternam com outros semicirculares, gerando assim a ideia de uma estrutura solida, calculada segundo proporções geométricas. (Tarella, 1985, p. 10)

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Ilustração 33 – Nicho na Cella do Panteão, (Tarella, 1985, p. 11)

No centro da cúpula foi criada uma janela ocular que através dos seus 8m de diâmetro serve, não só para iluminar o interior do espaço mas também para reduzir o peso na parte central da construção. Cria-se assim uma sensação de simplicidade e unidade. (Stevenson, 1997, p. 15)

Ilustração 34 – Vista do interior do Panteão Roma, Itália, Giovanni Piranesi. (Norberg-Schulz, 1983, p. 53)

O panteão é ainda marcado pela frontalidade. A entrada caracteriza-se pela existência do pronaos com oito colunas de granito egípcio monolíticas e de capitel coríntio. Estas criam uma espécie de fachada que insere o templo no espaço circundante. (Tarella, 1985, p. 8)

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Ilustração 35 – Panteão de Roma, Itália. (adaptação a partir de Navarro, 2006b, p. 95)

Inicialmente existia um embasamento ao qual se acedia através de uns degraus, no entanto, a subida do nível da praça acabou por soterrar este elemento arquitetónico. A fachada caracteriza-se ainda por um grande frontão assente sobre um entablamento no qual se encontra colocada a inscrição de Agripa, aproveitada dos restos do edifício anterior. (Tarella, 1985, p. 9) Por fim, é interessante verificar que o carácter robusto e austero do exterior do Panteão contrasta com o aspeto decorativo interior de grande sumptuosidade. O espaço vazio que se cria, de silêncio e luminosidade controlada, assume um carácter particular. Esta ideia de contrastes interior/exterior continua a ser utilizada, hoje em dia, como vai ser possível verificar na presente dissertação, através do estudo do Centro de Monitorização e Investigação das Furnas. O Panteão caracteriza-se ainda por possuir o pavimento e as paredes em pedra. No caso do pavimento é utilizado o mármore, o pórfirio e o granito. As paredes por seu lado também são revestidas a mármore. (Stevenson, 1997, p. 15)

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2.2.3. A PEDRA NA ARQUITECTURA MEDIEVAL – CATEDRAL DE PALMA DE MAIORCA A Catedral de Palma de Maiorca surge na presente dissertação por ser, não só, um edifício monumental do período gótico mas também por ser um edifício por nós visitado e que está relacionado com a obra do arquitecto Jorn Utzon, Can Lis. O gótico surge na sequência do período românico20, sendo a catedral o edifício mais importante e monumental. Esta assume proporções gigantescas e características muito específicas que mais a frente enunciaremos. No período romano, abordado no subcapítulo anterior, a aquitectura caracterizou-se, entre outros, pela introdução de uma nova técnica de construção, o opus caementicium, na qual as obras deixaram de ser totalmente construídas em pedra. Na aquitectura medieval existe uma mudança e as obras monumentais tais como as catedrais góticas, voltam a ser totalmente construídas em cantaria de pedra. A arquitectura gótica desenvolveu-se principalmente na europa ocidental mas foi na Ile-de-France que o gótico surgiu por volta do sec XII, antes de se difundir pelo resto da Europa. Não existindo um edifício que marca o início deste tipo de arquitectura, uma vez que surge como evolução da arquitectura românica, consideram-se as catedrais de Chartres, Noyon, Sant-Denis e Amiens as primeiras representações deste tipo de conceção artística. (Navarro, 2006, p. 7-8)

Ilustração 36 – Catedral de Chartres, Chartres, França, Steve Cadman. (adaptação a partir de Cadman 2007) ; Catedral de Noyon, Noyon, França, James Mitcheil. (adaptação a partir de Mitcheil, 2005) ; Catedral de Sant-Denis, Sant-Denis, França, François de Nodrest. (adaptação a partir de Nodrest, 2011) ; Catedral de Amiens, Amiens, França, Denis Koch. (adaptação a partir de Koch, 2010)

20

A arte românica consiste no estilo artístico vigente na Europa entre os séculos XI e XIII. Este estilo impôs-se principalmente nas igrejas católicas construídas após a expansão do cristianismo pela Europa e foi o primeiro, depois da queda do Império Romano, a apresentar características comuns em várias regiões.

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As catedrais góticas possuem uma grande monumentalidade e um grande esplendor artístico devido aos princípios construtivos e à complexidade ornamental que as caracterizam. O muro e a abóbada são reinterpretados e o edifício deixa de ser um somatório de partes para funcionar como um todo. A introdução da abóbada nervurada, a par com os arcobotantes e os contrafortes são a grande inovação construtiva. (Norberg-Schulz, 1983, p. 99) As abobadas góticas são abóbadas cruzadas reforçadas por nervuras e compostas por arcos ogivais. “A abóbada é sustentada por arcos torais e diagonais, que se apoiam uns contra os outros, sendo as pressões contrabalançadas com arcobotantes e contrafortes no exterior”. (Capella Navarro, 2006a, p. 8)

Ilustração 37 – Abóbadas de Cruzaria Ogival (adaptação a partir de Navarro, 2006a, p. 8)

No gótico, a abóbada de aresta passa a ser um entrelaçado de nervuras que formam um todo articulado tornando a cobertura num organismo dinâmico que permite solucionar qualquer tipo de planta, permitindo assim uma maior liberdade de projeto. (Benevolo, 1991, p. 113-114) A abóbada gótica caracteriza-se pelos seus cunhais independentes. Os arcos assumem um papel de armadura permanente suportando o peso das abóbadas e descansam sobre os pilares. “Os remates dos arcos das abóbadas juntam-se nos pilares, como um punhado de ramos sobre um tronco”. (Capella Navarro, 2006a, p. 10) Enquanto os romanos optavam, por vezes, por lançar arcos diagonais e enchiam o espaço intermedio com argamassa, no gótico, os arcos torais e diagonais são soltos, e sobre eles descansam os pedaços de abobada, também eles em pedra. (Capella Navarro, 2006a, p. 10)

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Os contrafortes e os arcobotantes desempenham uma função estrutural de força contrária àquela que é exercida pelas abobadas cruzadas. Enquanto, na arquitectura clássica e românica o sistema consiste em opor o peso contra a força numa mecânica estática, na arquitectura gótica, a mecânica é dinâmica e consiste em opor pressão contra pressão. É por este motivo que a catedral gótica funciona como um todo em que não é possível subtrair uma parte sem alterar tudo o resto. (Capella Navarro, 2006a, p. 11) Se advierte inmediatamente la búsqueda de integración espacial y formal, y una interpretacíon radicalmente nueva del muro y de la bóveda. La integración espacial y formal implica la relativa perdida de independencia de las diversas partes de la iglesia românica, Las torres quedan absorbidas por una verticalidade general que caracteriza a todo el edifício. (Norberg-Suchulz, 1983, p. 99)

Ilustração 38 – Corte da Catedral de Notre-Dame de Paris, Paris, França. (Capella Navarro, 2006a, p. 8)

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Cria-se uma distinção entre a estrutura de suporte e os elementos suportados. A função de suportar a cobertura deixa de ser dos muros e passa a ser tarefa do sistema de pilares, contrafortes e arcobotantes. As paredes de pedra passam a assumir apenas a função de separação interior / exterior sendo que existe uma clara procura de uma maior permeabilidade face à arquitectura românica, assumida através da grande quantidade de envidraçados utilizados nas catedrais. (Benevolo, 1991, p. 112) Tal como refere Christian Norberg-Schulz21 (1983, p. 99) “El exterior de la catedral há perdido todo vestigio de recinto macizo” A presença de inúmeros vitrais justifica a importância que os arquitectos góticos davam à luz no interior do espaço. Leonardo Benevolo22 (1991, p. 120) refere que “as paredes transformam-se em preciosos retículos perfurados, enriquecidos com vidros multicolores”. A ideia passa por criar um ambiente interior em que a luz se difunde de um modo uniforme, atenuar os contrastes e evitar zonas de sombra ou visibilidade duvidosa. (Benevolo, 1991, p. 120) No estilo gótico é raro encontrar o arco semicircular. Os arcos, as janelas e os contrafortes possuem uma forma ogival. (Capella Navarro, 2006a, p. 12) Nas catedrais de três naves, a abóbada central é muito mais alta do que as laterais. Isto é possível porque a sua pressão não necessita de ser compensada pelas laterais uma vez que se utilizam os contrafortes exteriores. Com isto é possível criar muitas aberturas sobre os arcos que separam as naves laterais da central. (Capella Navarro, 2006a, p. 12)

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Christian Norberg-Schulz (1926-2000) formou-se em arquitectura em 1949 pelo Instituto Politécnico de Zurich. Em 1950 voltou para o seu país, a Noruega e formou com Arne Korsmo, Sverre Fehn, Peter Andreas Munch Mellbye, Geir Grung, Odd Østbye, Håkon Mjelva, Robert Esdaile e Jorn Utzon o grupo PAGON (Grupo de arquitectos projetistas de Oslo, Noruega). Durante a década de 1950 desenharam inúmeros projetos para Oslo e Bergen, que nunca chegaram a ser concretizados. Tornou-se famoso a nível internacional através dos seus famosos livros sobre a história da arquitectura, mais precisamente a arquitectura clássica italiana, o barroco e obras teóricas. 22 Leonardo Benevolo (1923-) é um historiador italiano, de arquitectura e urbanismo. Estudou arquitectura em Roma, onde se gradou em 1946. Mais tarde foi docente de história da arquitectura em Roma, Florença, Veneza e Palermo. O seu livro Storia dell’archittetura moderna (História da Arquitectura Moderna) publicado pela primeira vez em 1960 foi reimpresso 18 vezes sendo uma das suas obras mais importantes.

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Ilustração 39 – Corte longitudinal da Catedral de Notre-Dame de Paris, Paris, França (adaptação a partir de Benevolo, 1991, p. 116)

A procura de uma verticalidade e esbelteza da estrutura é expressa não só na altura que as catedrais góticas apresentam mas também através dos elementos ornamentais utilizados tais como os pináculos e as agulhas. Estes costumam ser decorados com elementos vegetais inspirados na flora e fauna locais, tais como flores de pedra abertas. As molduras dos arcos, os capitéis e a pedra central das abóbadas por sua vez, apresentam-se frequentemente decoradas com uma série de folhas e flores. No gótico os elementos decorativos colocam-se nos locais mais importantes da construção, que requereram mais trabalho e responsabilidade. (Capella Navarro, 2006a, p. 12) A catedral gótica apresenta um perímetro descontínuo. A fachada, muitas vezes assimétrica, caracteriza-se por apresentar uma decoração muito rica em esculturas. Na parte inferior abrem-se três portas que, por sua vez, correspondem às três naves. Cada porta é caracterizada por possuir vários arcos concêntricos sendo a mais importante a porta central. Esta sendo a de maior dimensão, apresenta-se por vezes dividida por um pilar central. A presença de três grandes rosáceas ou três grandes janelas de arco pontiagudo por onde penetra a luz de poente, para onde estão orientadas as fachadas é outra das suas características. Por fim, as torres que deveriam terminar em flechas de pedra, não chegaram em muitos casos a ser construídas. (Capella Navarro, 2006a, p. 16)

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Ilustração 40 – Porta da Catedral de Notre-Dame de Paris, Paris, França. (Navarro, 2006a, p. 16)

A catedral gótica, muito mais do que um simples monumento com características próprias, é o edifício que funciona como o centro da cidade medieval criando relações de continuidade com a sua envolvente. Assume uma grande importância no seu funcionamento e desenvolvimento. Ao contrário da igreja românica que assumiu por vezes o caracter de fortaleza, a igreja gótica procura tornar-se transparente e interagir com o ambiente. Tal como refere Benevolo (1991, p. 94) “la iglesia medieval no es ya un refugio sino que se comunica com una totalidade más vasta y funciona como centro de un organismo especial significativo.” La creciente aspiración a la interaccíon com el entorno concedió importancia primordial al movimento en profundidad: la nave central de la catedral puede interpretarse como una prolongacíon ideal de los recorridos del asentamiento urbano circundante. Por ello el portal es concebido como un pórtico profundo y acogedor. No obstante su planta longitudinal, la catedral gótica representa un verdadeiro centro. (Benevolo, 1991, p. 95)

A cidade medieval caracterizava-se por possuir uma muralha que envolvia o denso organismo urbano no qual a catedral funcionava como o núcleo central. (Benevolo, 1991, p. 96) A relação entre a envolvente e a catedral está expressa na própria catedral através da sua planta. A planta quadripartida indica que a cidade era constituída como uma representação de um cosmos organizado, no qual a vida podia desenrolar-se também ela de um modo ordenado. (Benevolo, 1991, p. 98)

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Um dos bons exemplos da arquitetura gótica e da relação entre a catedral e a cidade é a catedral de Palma de Maiorca. Localizada no centro histórico da cidade de Palma ocupa uma posição de destaque sobre o penhasco onde se assentou a cidade histórica. Este local era também o núcleo onde se encontravam sediados os organismos mais poderosos. Inicialmente o penhasco representava o limite para o mar fazendo com que a catedral de Palma de Maiorca fosse a única que tinha a sua imagem refletida no mesmo. Hoje em dia, continua a ser um dos edifícios mais importantes da cidade e a sua monumentalidade faz com que seja o primeiro edifício que salta à vista para quem chega a Palma, seja de barco ou de avião. No entanto, a construção de sucessivos aterros foi afastando-a cada vez mais do mar, até que foi construído o chamado Parc de la Mar. Este parque caracteriza-se por um lago artificial de água salgada no qual a silhueta da catedral se reflete, simbolizando assim o mar que antigamente tocava a muralha. (Catedral de Mallorca, 2013)

Ilustração 41 – Vista aérea da Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca. (Catedral de Mallorca, 2013)

Construída em pedra Marés23 integra-se na envolvente através da sua materialidade. Esta pedra local é o material construtivo de praticamente todo o centro histórico de Palma, desde edifícios a pavimentos, o que o torna extremamente homogéneo. O carácter monumental da catedral reflete-se nos 6.600 m2 de área que ocupa. Possui 121m de comprimento e 40m de altura aproximadamente. No seu interior existe espaço suficiente para acolher cerca de 18.000 pessoas. A sua construção foi iniciada 23

A pedra Marés é um arenito extraído das pedreiras de Palma de Maiorca e foi utilizada durante muitos anos como o material construtivo de eleição. (Parday, 2004, p. 30)

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no princípio do sec. XIV passando por várias fazes de construção. Ao longo do tempo foi alvo de um processo de transformações motivadas pelos diferentes gostos de várias épocas mas também, pelo facto de ter sofrido incêndios e danos físicos causados pelo terramoto de 1851. É possível encontrar representados os estilos gótico, renascentista, barroco e neoclássico, para além do modernismo através de uma intervenção de restauro por parte do arquitecto Gaudí24 e mais recentemente, uma intervenção contemporânea do artista maiorquino Miquel Barceló25 (Catedral de Mallorca, 2013)

Ilustração 42 – Intervenção de Gaudí na Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca (Bestourism, 2014)

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Antoni Gaudí i Cornet (1852-1926) foi um famoso arquitecto catalão e uma figura do Modernismo catalão. As suas obras revelam um estilo único e individual e estão na maioria concentradas na cidade de Barcelona. Após vários anos sob a influência do neogótico e de técnicas orientais, Gaudi tornou-se parte do movimento modernista catalão do final do século XIX e início do século XX. O conjunto da sua obra transcende o próprio movimento, culminando num estilo orgânico único inspirado na natureza. Gaudi raramente desenhava projetos detalhados, preferindo a criação de maquetes e moldar os detalhes à medida que os concebia. A sua obra-prima é a inacabada Sagrada Familia em Barcelona. 25 Miquel Barceló (1957-) é um pintor espanhol nascido em Felantix, Maiorca. Estudou no Instituto de Felantix e depois iniciou os estudos de arte na Escola de Artes e Ofícios de Palma de Maiorca. Em 1975 inscreveu-se na Escola de Belas Artes de Sant Jordi em Barcelona, onde continuou os seus estudos. Em 1976 integra um grupo maiorquino de arte conceptual chamado Taller Lunatic. Uma das suas principais características é o tratamento da matéria pictórica nas suas pinturas para conseguir efeitos de relevo. Miquel Barceló pretende incorporar o ritmo da vida e do tempo nas suas pinturas. É obcecado com o significado da arte e como a pintura pode gerar significado. Em 1998 apresenta uma grande parte da sua obra realizada entre 1987 e 1997, numa exposição no MACBA, Barcelona. No ano seguinte, numa outra grande exposição no Museu Nacional Rainha Sofia, Madrid, a sua obra sobre papel realizada entre 1979 e 1999. Ainda em 1999 recebe o Prémio Nacional da Catalunha de Artes Plásticas. Por fim, em Junho de 2003 foi laureado com o Prémio Príncipe das Astúrias para as Artes.

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Ao nível técnico é uma das catedrais góticas mais complexas e mais altas. Possui três naves e a sua cabeceira é formada por três absides26. Cada nave possui 8 tramos, dos quais todos medem 9,15m à exceção do quinto que corresponde aos portais laterais e por isso é mais largo medindo 12,40m. Cada um dos tramos corresponde em ordem decrescente a: nave central, naves laterais e capelas entre os contrafortes. Como era tradição, a nave central é bastante mais alta do que as laterais. Junto a cada nave lateral encontram-se oito capelas, perfazendo um total de dezasseis, sendo duas delas o Portal del Mirador e o Portal del Almoina. Tanto as naves como as capelas são cobertas por abobadas de cruzaria ogival exceto a capela correspondente ao portal de Almoina que está coberta com uma abóbada de aresta. (Catedral de Mallorca, 2013)

Ilustração 43 – Planta da Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca (Lostonsite, 2009)

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Abside é a ala de um edifício que se projeta para fora de forma semicilíndrica ou poliédrica e em que o remate superior é geralmente uma semicúpula.

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A nave central mede 43,30m de altura por 19,30 de largura enquanto as laterais medem 29m de altura por 10m de largura. Estas dimensões em conjunto com os 121m de comprimento fazem com que quando entramos neste espaço nos sintamos extremamente pequenos. A sensação de espaciosidade é reforçada pela esbeltez estrutural. Existem apenas 14 pilares a separar as naves laterais da nave central, 7 em cada uma, distanciados de 7,74m e com 21,47m de altura, cada um. (Catedral de Mallorca, 2013)

Ilustração 44 – Vista interior da Catedral de Palma de Maiorca, Palma, Maiorca, Joana. (Catedral de Mallorca, 2013)

A intensão característica do gótico de uma luminosidade continua e homogénea no interior do espaço está bem presente nesta obra. A catedral de Palma de Maiorca possui a maior rosácea gótica, com 11,5m de diâmetro, datada do sec XIV. Para além desta existem mais 4 rosáceas e 83 janelas, algumas delas abertas nos últimos vinte anos. Por este motivo é conhecida pela Catedral da Luz. (Catedral de Mallorca, 2013)

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Ilustração 45 – (à esquerda) Rosácea e arcos em ogiva, Palma, Maiorca” (Lostonsite, 2009) ; (à direita) Rosácea da Fachada Principal, Palma, Maiorca (Ilustração nossa, 2013)

Exteriormente a catedral caracteriza-se por ser aparentemente formada por três corpos unidos. Isto deve-se ao facto de terem existido três fases de construção. As alturas variam segundo a ordem de construção. O primeiro corpo corresponde à capela da trindade, o segundo ao presbítero também apelidado de capela real e o terceiro ao conjunto de três naves com os oito tramos. O exterior caracteriza-se ainda pelos imponentes contrafortes, pelos arcobotantes, pelos tradicionais pináculos e por gárgolas antropomórficas. (Catedral de Mallorca, 2013)

Ilustração 46 – Vista da Cabeçeira da Catedra, Palma, Maiorca. (Bestourism, 2014)

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2.3. PEDRA E INOVAÇÃO No subcapítulo anterior abordamos a utilização da pedra na arquitectura numa vertente histórica. Foram abordados exemplos de grande importância que permitem justificar alguns dos pontos-chave da construção com pedra. Esta contextualização histórica serviu não só para perceber os principais sistemas construtivo em pedra, no passado, mas também para podermos fazer a ponte para o modo como a pedra passou a ser utilizada a partir do sec. XX e todas as mais-valias que este material permite para além do aspeto maciço de material construtivo. Neste subcapítulo, iniciamos a abordagem ao modo como a pedra passa a ser utilizada na arquitectura contemporânea (sec.XX) e até aos dias de hoje. Abordamos a importância que teve a evolução tecnológica no processo de trabalho deste material, o modo como os arquitectos começaram a olhar para o mesmo e as intensões com as quais este passou a ser utilizado. O modo como os arquitectos começaram a olhar para este material está diretamente relacionado com o processo de evolução tecnológica, que por sua vez, permitiu o surgimento de novos materiais de construção, substituindo assim os tradicionais como a pedra. Esta deixou de ser o principal material de construção para passar a ser um material de revestimento. As questões culturais, o sítio, a tradição são postas de parte em muitos casos para dar lugar a uma arquitectura que pretende mostrar, cada vez mais, o poder da tecnologia. Ainda associado a este facto, encontra-se o modo como os arquitectos do Movimento Moderno passaram a olhar para a aquitectura. Le Corbusier foi o protagonista da célebre frase que ajuda a justificar o novo modo de pensar, “a casa é uma máquina de habitar”. (Le Corbusier apud Tostões, p. 3)

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2.3.1. A PEDRA NA ARQUITECTURA CONTEMPORÂNEA A pedra foi desde sempre o material mais utilizado na construção de obras arquitetónicas. As suas características, resistência e caracter maciço levaram a que fosse utilizada em todo o tipo de edifícios, desde os de menores dimensões aos mais monumentais, fazendo com que resistissem até aos dias de hoje. Sendo um material natural, era uma matéria-prima fácil de encontrar. Inicialmente era utilizada na sua forma natural. Posteriormente passou a ser tralhada com processos manuais. Por fim, aquilo que fez com que este material ganhasse outra expressão e fosse utilizado com novos princípios e novos objetivos foi a possibilidade de o trabalhar mecanicamente. A evolução tecnológica e os princípios inovadores da arquitectura moderna estiveram na origem da alteração do modo como este material passou a ser utilizado na arquitectura. O sec XX é um momento particular na arquitectura caracterizado pela evolução tecnológica, o surgimento de novos materiais de construção, a utilização de novos sistemas construtivos e a adaptação dos materiais tradicionais a uma arquitectura que procurava uma expressão de inovação e modernidade. A arquitectura moderna surge por um lado derivada das novas possibilidades construtivas que os novos materiais vieram trazer e por outro dos objetivos expressivos que os arquitectos pretendiam através das suas obras. Segundo Ana Tostões27 as grandes mudanças do seculo XX na aquitectura podem ser abordadas de dois modos: De um lado defende-se que as revoluções formais resultam directamente dos novos materiais ou métodos de construção; do outro argumenta-se que as mudanças operadas na visão do mundo ou nas intensões estéticas apenas adaptam as técnicas às intensões e objectivos expressivos. (Tostões, 2004, p. 1)

Os materiais tradicionais como é o caso da pedra, passaram a poder ser trabalhados das mais variadas formas. Os próprios processos de extração cada vez mais mecanizados, permitiram um fácil acesso a este tipo de material. A pedra sofreu um

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Ana Tostões formou-se em arquitectura pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, tirou o mestrado em História da Arte Contemporânea pela Universidade Nova de Lisboa e é doutorada pelo Instituto Superior Técnico onde é professora associada responsável pelo grupo de disciplinas de História e Teoria da Arquitectura. Publicou diversos livros e tem mantido actividade como crítica de arquitectura no Jornal Público.

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processo de industrialização que permitiu explorar ao máximo os recursos disponíveis. Para além de surgir uma grande variedade de novos tipos de pedra no mercado, estes passaram a poder ser trabalhados nas mais variadas formas e chegarem à obra com características e funções totalmente distintas da tradicional função construtiva. Por outro lado, o que fez com que materiais tradicionais como a pedra fossem praticamente excluídos dos processos de construção modernos foi o facto de terem surgido materiais estruturais como o ferro, o aço e o betão armado. Estes materiais artificiais permitiram o surgimento de novas formas de edificação, ajustadas às ideias do movimento moderno. (Tostões, 2004, p. 2) “O desenvolvimento de materiais artificiais, como o ferro e o cimento, bem como o aperfeiçoamento dos engenhos de suspensão e das várias máquinas de obra, transformaram radicalmente as técnicas de construção.” (Tostões, 2004, p. 2) O objeto arquitetónico passou a ser visto muitas vezes como um objeto de duas faces. A face construtiva e estrutural e a face material e de revestimento da estrutura. As possibilidades estruturais e plásticas do betão armado como material construtivo permitiu expressar as ideias e os princípios do movimento moderno. A arquitectura modernista procurava uma racionalidade e funcionalidade apoiada numa linguagem característica: “coberturas em terraço, grandes vãos com extensos envidraçados, gosto pelas superfícies rebocadas e lisas e pelos volumes cúbicos e puros.” (Tostões, 2004, p. 9) Associada à ideia de geometria pura, a arquitectura moderna é ainda caracterizada por planos simples geradores de um espaço fluido na procura de uma volumetria de leve contrastando com o caracter maciço da arquitectura do passado. Procura uma verdade estrutural e uma perfeição técnica aliada a uma simplicidade formal e exclui a ornamentação. Para além dos materiais estruturais utiliza materiais suntuosos como a pedra trabalhada com o objetivo de ser um material de revestimento e acabamento. (Colin, 2011) Segundo Fritz Neumeyer (1995, p. 3) “the objective circumstances of modern building and the desires of the time. It’s essential beauty was not merely revealed in the decoration, but was inherent to the structure itself, in other words in the image of simple and logical construction.”

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Por todos estes motivos, pode afirmar-se que “as transformações na construção do século XX decorrem fundamentalmente da influência dos progressos técnicos quer sobre o universo dos materiais de construção, quer sobre o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos sistemas.” (Tostões, 2004, p. 1) A pedra que deixou de ser utilizada como material de construção perdeu também o seu caracter maciço. No séc. XX este material passou a ser utilizado pelos arquitectos como um material que expressa qualidade e riqueza. Associada aos novos processos construtivos, a utilização da pedra como material de revestimento interior e exterior passa a ser uma expressão de modernismo, inovação e poder tecnológico. A pedra passou a ser laminada e viu a sua estereotomia interior ser exposta em paredes, fachadas e pavimentos. Os arquitectos fizeram dela um objeto de decoração e exposição, gerando espaços únicos e irrepetíveis tendo em conta as características físicas deste material. Surgiram ainda uma grande variedade de possibilidades de acabamentos e texturas que por sua vez permitiram aos arquitectos gerar espaços com ambiências únicas e distintas. A pedra passou a ser trabalhada de um modo distinto do que acontecia no passado, deixando de ser ornamentada para surgir com formas simples e lisas, mais ou menos polidas consoante as intensões projetuais. Existem vários projetos importantes da arquitectura moderna que expressam bem o modo como a pedra foi utilizada e o destaque que lhe foi atribuído. Adolf Loos28 no seu projeto House on Michaelerplatz em Viena utiliza a pedra não só no interior mas também no exterior do edifício. Sendo um dos edifícios modernistas mais emblemáticos, este projeto de 1909 caracteriza-se por possuir uma área de comércio ao nível do piso térreo e quatro pisos de habitação. A estratégia do arquitecto passou por criar uma expressão que permite identificar claramente dois tipos de funções, através da materialidade. Conceptualmente funciona como se tivessem sido sobrepostas duas caixas. O piso térreo (público) revestido a pedra que contrasta com a fachada lisa e neutra dos pisos de habitação (privado). (Schezen e Rosa, 1996, p. 56) 28

Adolf Loos (1870-1933) nasceu em Brno na República Checa. Formou-se em arquitectura na Technische Hochschule de Dresdeb. Trabalhou como desenhador durante três anos nos Estados Unidos da América, onde tomou contacto com as mais recentes manifestações de arquitectura modernista, como os edifícios da Escola de Chicago e da civilização moderna, representada na Feira Mundial de Chicago. Em 1896 voltou para a Europa e iniciou a sua carreira de arquitecto. Em 1907 realizou um dos seus primeiros projetos conhecidos, o American Bar. Entre 1909 e 1911 construiu o edifício de habitação e comércio da Michaelerplatz localizado no centro de Viena. Projetou entre outros a casa Muller (1930), em Praga, que ficou famosa pelo seu elaborado interior no qual os espaços se interpenetram e se expandem livremente em pés-direitos duplos e diferenças de cota dos pavimentos. Loos apelida esta qualidade espacial de raumplan.

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Ilustração 47 – Vista frontal do edifício, Viena, Áustria. Roberto Schezen. (Schezen e Rosa, 1996, p. 57)

Este foi um edifício extremamente criticado na época. Foi o primeiro edifício moderno de Viena e sendo Loos o pioneiro do famoso texto “Ornamento e Crime” o projeto caracteriza-se por seguir os princípios do movimento moderno e evita ao máximo a utilização de ornamentação. A título de curiosidade, o facto de Loos não ter proposto molduras para os vãos e a descontextualização face aquilo que vinha sendo a tradição da aquitectura em Viena, fez com que a obra parasse e obrigou-o a tomar decisões, apoiado por Otto Wagner29, tais como propor vasos para os mesmos, tal era a contestação por parte da população. (Schezen e Rosa, 1996, p. 56) Loos de modo a fugir ao máximo da ornamentação optou por fazer uma utilização moderna da pedra. Utilizou um mármore grego chamado Cipollino de Euboea, o qual funciona como revestimento da estrutura de betão armado na fachada do piso de 29

Otto Wagner (1841-1918) nasceu em Penzing na Áustria. Estudou na Escola Politécnica de Viena, frequentou a Academia Real de Construções de Berlim e concluiu a sua formação em arquitectura na Academia de Belas-Artes de Viena. Em 1980 desempenhou o cargo de urbanista do município de Viena. Enquanto arquitecto foi autor de inúmeros edifícios de habitação em Viena, sendo o mais conhecido a Casa de Majolika. Durante o último período da sua carreira profissional, a sua gramática formal torna-se mais simples e menos decorativa e ornamentada. Foi professor na Academia de Belas-Artes de Viena a partir de 1984 e publicou alguns ensaios, de entre os quais sobressai o livro Modern Architektur em 1895.

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comércio e no próprio interior. As novas possibilidade de cortar a pedra permitiram que o espaço seja caracterizado e valorizado pela estereotomia do material evitando ao máximo a necessidade de recorrer a ornamentos de modo a não torna-lo monótono e frio. (Schezen e Rosa, 1996, p. 56)

Ilustração 48 – (à esquerda) Superfícies de pedra, Viena, Áustria, Schezen. (Schezen e Rosa, 1996, p. 59) ; (à direita) Superfícies de pedra, Viena, Áustria, Schezen. (Schezen e Rosa, 1996, p. 61)

Outro dos importantes exemplos paradigmáticos do modo como se utilizou a pedra na arquitectura moderna foi o Pavilhão da Alemanha em Barcelona, do arquitecto Mies Van der Rohe30, construído no âmbito da Exposição Internacional de 1929. O edifício caracteriza-se pela fluidez espacial oferecida pela planta livre, assume uma geometria simples e funciona com planos perpendiculares que formam o espaço tridimensional e a divisão do mesmo. Para além dos espaços tratados com um caracter minimalista31, apresenta pilares metálicos em forma de cruz grega que servem de suporte da cobertura.

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Mies Van der Rohe (1886-1969) nasceu em Aachen na Alemanha. Estudou dois anos na escola do comércio e trabalhou posteriormente como desenhador de estuques. Esteve ligado ao movimento expressionista alemão “Novembergruppe” e tornou-se vice presidente do Werkbund em 1926. No ano seguinte organiza a exposição do Weissenhof, em Estugarda. Foi o autor do desenho do pavilhão alemão na Exposição Internacional de Barcelona, em 1929. Em 1930 constrói a casa Tungendhat em Brno, na qual concretiza os conceitos arquitetónicos contidos no pavilhão de Barcelona mas desta vez aplicados a uma habitação unifamiliar. Nesse mesmo ano assume o cargo de diretor da escola Bauhaus fruto do grande prestígio profissional que acumulou. A casa Farnsworth em Ilinóis construída na década de 40 constitui um dos seus projetos residenciais mais radicais. 31 O minimalismo desenvolveu-se no final dos anos 60 e prolongou-se até a década de 70. Apresenta a tendência para uma arte despojada e simples, objetiva e anónima. Recorrendo a poucos elementos plásticos e compositivos reduzidos a geometrias básicas, procura a essência expressiva das formas, do espaço, da cor e dos materiais enquanto elementos fundadores da obra de arte. Para caracterizar este movimento artístico pode empregar-se o célebre aforismo do arquitecto Mies Van de Rohe “menos é mais”. Uma das principais influências desta corrente foi o pintor suprematista Kasimir Malevitch e as suas criações artísticas abstratas que levavam ao limite a simplificação geométrica.

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Ilustração 49 – “Pavilhão original, Barcelona, Espanha”, (Zimmerman, 2010, p. 40)

Ilustração 50 – “Planta do pavilhão original, Barcelona, Espanha” Mies van der Rohe. (Vegesack, 1998, p. 160)

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Ilustração 51 – (à esquerda) Detalhe construtivo, Barcelona, Espanha. (Vegesack, 1998, p. 161) ; (à direita) Detalhe construtivo pilar metálico em cruz grega, Barcelona, Espanha. (Vegesack, 1998, p. 162)

Originalmente construído com o objetivo da receção oficial às autoridades alemãs por parte do rei de Espanha Afonso XIII foi desmantelado logo após a exposição. O seu enorme valor arquitectónico como referência da arquitectura moderna levou a que em 1983 se iniciasse a construção de uma réplica no local original. (Costa, 2001, p. 55) Construído em estrutura metálica, vidro e revestido a pedra, o edifício apresenta todas as estratégias e conceitos defendidos pelos arquitectos modernistas, funcionando ainda como um objeto expositivo por si próprio. Mies utilizou quatro tipos de mármores neste edifício. O travertino romano, o mármore verde Alpine, outro mármore verde proveniente da Grécia e o Onyx dourado proveniente das montanhas de Atlas também na Grécia. Mais uma vez a pedra é utilizada de modo laminar, neste caso como revestimento de paredes e pavimentos, apresenta vários tipos de acabamento e vê exposta a sua estereotomia interna como elemento de nobreza decorativa. O modo como são cortadas e trabalhadas expressa o ideal moderno de rigor geométrico, precisão e unidade do conjunto. (Fundació Mies Van der Rohe, 2014) Mies tinha um interesse especial em conjugar as estereotomias das pedras e utilizava preferencialmente as de grandes dimensões. É ainda interessante o facto de utilizar pedras de origem romana e grega, dois dos locais mais importantes da antiguidade clássica. (Alves, 2014)

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Ilustração 52 – “Vista interior do pavilhão, Barcelona, Espanha”, (Zimmerman, 2010, p. 43)

Uma das características específicas deste projeto mas que está diretamente relacionada com a sua geometria e materialidade é o facto de ser um objeto de reflexões de luz. A luz assume uma importância especial em conjunto com a materialidade na procura por uma decoração simples, rigorosa e moderna. Associado a esta ideia de reflexão surge ainda um espelho de água. “Sunlight, in the German Pavilion, is one of the foremost decorative motifs. Indeed, it may be the most important, in this labyrinth of larges planes, straight lines and bare, plain walls” (Marsà et al. apud Quetglas, 2001, p. 15) Para além da vertente laminar da pedra numa perspetiva de revestimento decorativo, a inovação tecnológica permitiu aos arquitectos utilizarem este material com uma “nova” finalidade. A possibilidade que a maquinaria permite no trabalho da pedra permitiu que esta seja utilizada no revestimento do objeto arquitetónico de modo a fazer parecer que este foi construído em pedra. Com isto os arquitectos conseguem utilizar as mais modernas possibilidades construtivas e revestir os objetos arquitetónicos a pedra respondendo a ideias conceptuais de projeto.

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É interessante constatar que apesar de ser considerada uma possibilidade que surgiu com a inovação tecnológica e o séc. XX, em arquitectura dificilmente se inventa algo de novo. Já na época dos romanos a pedra foi utilizada como elemento de revestimento. O coliseu de Roma32 é um dos edifícios mais emblemáticos da arquitectura romana e é caracterizado por ser construído através do inovador sistema construtivo baseado no Opus Caementicium e por fim, de modo a lhe atribuir um maior valor estético, este foi revestido a pedra. (Ilustração 53)

Ilustração 53 – Coliseu de Roma, Roma, Itália, Icomei. (Icomei, 2007)

Quando abordamos esta ideia de comparação entre o que foi feito no passado e o que o séc. XX e a inovação tecnológica veio permitir, torna-se interessante comparar situações de proximidade como é o caso do Centro Cultural de Belém (CCB) e do Mosteiro dos Jerónimos.

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O Coliseu de Roma é um anfiteatro romano em forma oval. Foi mandado construir por Vespasiano por volta do ano 70, e foi concluído, com três andares, em 82 por Domiciano. No século III foi-lhe acrescentado mais um andar. Possui uma altura de 48m, e bancadas em mármore (entretanto desaparecido) e a capacidade era de 50.000 espectadores. O recinto destinava-se ao combate de gladiadores e à representação de tragédias e comédias. Também foi o palco onde muitos cristãos perderam a vida, lançados às feras.

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O Mosteiro dos Jerónimos é uma obra do séc XVI, iniciada em 1501 a pedido do Rei D.Manuel I33. Possui uma fachada com mais de trezentos metros, o que, entre outros aspetos lhe atribui um caracter monumental. A robustez do edifício é conferida pelos sistemas construtivos utilizados baseados na construção em pedra. No caso foi utilizada a pedra lioz que é um tipo de rocha calcária característica da zona. (Portugal, 2014) Muito próximo do Mosteiro dos Jerónimos podemos encontrar o Centro Cultural de Belém, obra contemporânea da autoria do consórcio entre os arquitectos Vittorio Gregotti34 e Manuel Salgado35. Esta obra foi construída com o objetivo de acolher, em 1992, a presidência portuguesa da União Europeia e posteriormente transformar-se num polo dinamizado de atividades culturais e de lazer. (Centro Cultural de Belém 2014) Assumindo um caracter de monumentalidade pelas suas proporções, este distingue-se claramente do mosteiro dos Jerónimos ao nível construtivo. No entanto, a necessidade de integrar a obra no espaço envolvente e o objetivo de não retirar importância e destaque aos Jerónimos levou a que a imponente estrutura de betão do CCB fosse revestida a pedra. Este é um caso contemporâneo do modo como os arquitectos aproveitam as novas possibilidades de trabalhar a pedra para fazer com que o objeto arquitectónico ganhe uma “pele” que permita uma integração mais pacífica com a envolvente consolidada. Neste caso foi utilizada a pedra tradicional local, o lioz, mas ao contrário dos blocos maciços do Mosteiro dos Jerónimos, no CCB a pedra é

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D. Manuel I (1469-1521) foi o décimo quarto rei de Portugal (1495-1521). Conhecido pelo cognome de “o Venturoso”, foi na sua época que surgiu o estilo manuelino, caracterizado por motivos inspirados no mar e nas grandes viagens, representados em monumentos tais como o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém. 34 Vittorio Gregotti (1927-) é um arquitecto italiano formado pelo Instituto Politécnico de Milão em 1952. Iniciou a atividade profissional associado aos arquitectos Ludovico Menegheti e Giotto Stoppino. Em 1974 fundou o atelier Gregotti Addociatti. Além da atividade de projetista, dedica-se à crítica de arquitectura e ao ensino. Na primeira fase da sua carreira procurou encontrar vias em alguns modelos do Movimento Moderno mas, desde os finais da década de sessenta, radicaliza a sua posição dando importância à composição formal do edifício e à relação com o sítio sem, no entanto, deixar de procurar a simplicidade nos resultados finais. É também professor de composição arquitetónica no Instituto Universitário de Arquitectura de Veneza. 35 Manuel Salgado (1941-) é um arquitecto português formado pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa em 1966. Coautor com Vittorio Gregotti da proposta vencedora do concurso para o Centro Cultural de Belém, em 1989. Foi ainda responsável pelo projeto de ordenamento do recinto da Feira Mundial de lisboa – Expo’98, entre outros.

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utilizada como placas de pouca espessura associadas ao sistema de fachada ventilada36.

Ilustração 54 – (à esquerda) Vista aérea da Praça do Império, Lisboa, Portugal. (Gomes, 1993, p. 63) ; (à direita) Centro Cultural de Belém, Lisboa, Portugal. (Gomes, 1993, p. 76)

É precisamente a questão do modo como a pedra é utilizada hoje em dia que leva a uma conclusão. No passado a pedra era o material preferencial ao nível geral das construções em arquitectura, não só pelas suas características mas também por ser o material adaptável aos sistemas construtivos possíveis e conhecidos na época. Com a evolução tecnológica e associada ao surgimento de novos materiais e, por conseguinte, novos sistemas construtivos, a pedra assumiu uma outra importância para os arquitectos. Deixou de ser um material construtivo de eleição para passar a ser um material utilizado no revestimento da estrutura, seja revestimento interior ou exterior. No caso do interior, a utilização da pedra confere aos espaços um brio particular e um caracter de nobreza e riqueza. Por outro lado o revestimento exterior é em muitos casos utilizado como estratégia para criar relações de integração e relação com a paisagem e o lugar, ou até mesmo, apenas para responder a questões relacionadas com estratégias projetuais.

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A fachada ventilada é um sistema de revestimento dos paramentos do edifício que deixa uma câmara ventilada entre o revestimento e o isolamento. Nos círculos académicos europeus, é considerado como o sistema mais eficaz para solucionar o isolamento do edifício, eliminando as indesejáveis pontes térmicas assim como os problemas de condensação e obtendo deste modo um excelente comportamento térmicohigrométrico do edifício.

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3. REFERÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS Como podemos constatar, no capítulo anterior tentou-se demonstrar a importância da questão da materialidade na arquitectura. Para além da materialidade no geral, fundamentada nos princípios de alguns arquitectos, abordámos o caso específico da pedra, tanto no contexto histórico como no contemporâneo, como material estrutural ou apenas de revestimento. Neste capítulo apresentamos três casos de estudo que servem de fundamentação prática às ideias e conceitos apresentados no capítulo anterior. Pretende-se perceber o modo como é utilizada a pedra na arquitectura contemporânea, as possibilidades conceptuais que permite este material e o modo como torna o edifício artificial num objeto em sintonia com a paisagem natural. Estes são apenas três exemplos entre muitos outros. São três casos de estudo diferentes com objetivos e programas distintos, mas que se relacionam pelo facto de se inserirem numa paisagem natural e dos arquitectos terem utilizado um material local, no caso a pedra, para conseguirem uma sintonia entre o objeto arquitectónico e a paisagem. Os projetos estudados refletem preocupações e princípios diferentes por parte dos arquitectos, o que os torna ainda mais interessantes numa perspetiva de interpretação e relação com o tema da dissertação. Os Casos de estudo são Can Lis em Palma de Maiorca, do Arquitecto Jorn Utzon, o Museu da Luz na Nova Aldeia da Luz, dos arquitectos Pedro Pacheco e Marie Clément e por fim, o Centro de Monitorização e Investigação das Furnas + Residências (CMIF), nos Açores, dos arquitectos Manuel Aires Mateus e Francisco Aires Mateus. Numa época em que o Movimento Moderno caracterizava o estado da Arte, Jorn Utzon constrói um dos projetos que melhor caracteriza o seu modo de pensar a arquitectura. Can Lis é um edifício de habitação totalmente construído com a pedra local, segundo os princípios construtivos locais, seguindo e reinterpretando, as questões culturais do lugar. Este projeto funciona naquela época como uma revisão crítica dos dogmas do Movimento Moderno. Face a um processo de universalização que põe de parte as culturas tradicionais e locais, os materiais típicos de uma região, a topografia do solo, Utzon conseguiu neste projeto, seguir os princípios construtivos locais, respeitar a topografia, aproveitar a luz natural e ao mesmo tempo utilizar ideias

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e influencias externas de um período de modernização. De tudo isto, resultou um projeto contemporâneo adequado à época em que foi construído e que se tornou numa obra intemporal. Enquadrável nos princípios do Regionalismo Crítico37 esta casa é um exemplo de uma arquitectura que respeita os valores locais, não deixando de se inserir nos parâmetros da linguagem internacional. O Museu da Luz surge num contexto e numa situação extremamente delicadas. A construção da Barragem do Alqueva obrigou à deslocação da população da Velha Aldeia da Luz para uma aldeia totalmente nova, construída de raiz. Para trás ficaram casas particulares, terrenos, edifícios públicos, religiosos e muitos outros bens materiais. Todo este processo foi de extrema dureza para aquele povo. O Museu surge na Nova Aldeia da Luz a pedido da própria população e assume-se não só como um dos edifícios estruturadores da Nova Aldeia, mas também, como um marco que armazena uma grande carga simbólica, funcionando como um contentor de memória. Os arquitectos Pedro Pacheco e Marie Clément foram os responsáveis pelo projeto do Museu, da Igreja e do Cemitério. Os dois edifícios em conjunto com o Cemitério, para além de formarem um triângulo com uma proximidade física, assumem também uma proximidade mental para os habitantes da aldeia. É aqui que estes contactam com as memórias dos seus passados e da Velha Aldeia. O Museu da Luz é um edifício que surge numa paisagem totalmente reconstruida e artificializada. A estratégia dos arquitectos passou por criar um edifício semienterrado revestido com a pedra local. Este funciona como uma grande rocha ligada ao solo, àquele lugar, às memórias daquela população. Surge na Nova Aldeia como sendo um substrato enterrado da Velha Aldeia. A carga simbólica que representa transpassa para o espaço físico que funciona como um espaço de acolhimento, pensamento e contacto com o passado. Por fim, o projeto do Centro de Monitorização e Investigação das Furnas + Residências que consiste em dois volumes localizados na Lagoa das Furnas, local onde existe um grande isolamento em relação à envolvente e abunda a paisagem natural consolidada. Um dos princípios de projeto ao qual os arquitectos Aires Mateus

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A ideia de Regionalismo Critico foi abordada primeiramente por Alex Tzonis e Liane Lefaivre e posteriormente por Kenneth Frampton. Consiste em assumir uma perspetiva crítica em relação à arquitectura universal e racional introduzida pelo Movimento Moderno. A estratégia seria um progresso aliado às origens. Reconhecer a importância dos valores regionais e interagi-los com os valores internacionais. A cultura regional, a questão da topografia, do clima, da luz, os sistemas construtivos, tudo isto, associado às técnicas modernas.

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dão grande importância é a questão do conceito. Neste caso, o conceito é aliado à materialidade como integradora do objeto arquitectónico na paisagem natural.

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estratégia de projeto consiste em extrair matéria dos dois volumes paralelepipédicos. Com isto conseguem criar aberturas pontuais nos volumes garantindo a iluminação natural dos espaços. O isolamento característico do local é aproveitado pelos arquitectos para criar uma ideia de projeto que se fundamenta em contrastes. O facto de forrarem os volumes a pedra, prolongando os planos de fachada para a cobertura, para além de os integrar na paisagem, atribui-lhes um caracter maciço, robusto e defensivo. Em contraste, os interiores totalmente forrados a madeira, à exceção de alguns espaços secundários ou de exposição (que requerem condições especiais), tornam o espaço quente e acolhedor. Cria-se assim uma dualidade que transmite ao visitante uma sensação de bem-estar.

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3.1. CAN LIS Can Lis, da autoria do arquitecto Jorn Utzon, foi escolhido como caso de estudo por ser um exemplo que para além de estar muito bem integrado na paisagem e ser construído com a pedra local, é um projeto que oferece muito mais a quem o estuda. A estratégia do arquitecto, as relações que estabelece com a arquitectura tradicional maiorquina e o modo como ele torna esta casa num vasto conjunto de detalhes e experiências sensoriais, tornaram-no num estudo muito enriquecedor para um estudante de arquitectura. Tudo parece ter sido pensado ao pormenor e sempre numa relação de simbiose entre o objeto, o espaço, a luz e o meio envolvente.

Ilustração 55 – Vista de Can Lis a partir do mar mediterrâneo, Maiorca, Flemming Bo Andersen. (Pardey, 2004, p. 40)

Utzon usa a pedra e os sistemas construtivos locais, de modo a conseguir com maior facilidade, integrar um edifício contemporâneo numa paisagem natural delicada e consolidada, e fazer com que este aparente sempre ter lá estado e ser pertença do local e da paisagem.

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“These stones and beams were all sourced locally from builders' merchants and Utzon's inventiveness in using these everyday materials is part of the magic of Can Lis” (Pardey, 2004, p. 26) O arquitecto demonstra com este projeto o modo como aborda o sítio, o estudo que faz da arquitectura tradicional maiorquina, a influência que outros projetos tiveram nele e a estratégia que usou para “amarrar” o edifício ao sítio. “Here, nature provides the stone and the architect uses it to frame nature, establishing a reciprocal relationship between man and the elements” (Pardey, 2004, p. 9) Can Lis localiza-se no cume de um penhasco, na vila de Porto Petro, a cerca de 50 km de Palma, uma das principais cidades da ilha de Maiorca. No percurso entre Palma e Porto Petro tornam-se bem evidentes algumas características da construção tradicional maiorquina. Uma característica comum a muitos tipos de edifícios, de várias épocas e com várias funções é o facto de serem construídos com a pedra local. A pedra característica da zona é o arenito de cor dourada e textura arenosa. (Pardey, 2004, p. 30) Esta pedra foi utilizada na construção de um dos edifícios mais importante da ilha, a catedral de Palma. É também utilizada com outras finalidades tais como em muros limitadores de terrenos. O centro histórico de Palma caracteriza-se pelo seu aspeto muito homogéneo ao nível da cor e materialidade dos edifícios e pavimentos. No percurso até Porto Petro atravessam-se várias vilas e aldeias caracterizadas, elas também, por uma grande homogeneidade. Porto Petro, por outro lado, é uma vila turística à beira mar, na qual esta homogeneidade já não é tão sentida, assim como o carácter da arquitectura tradicional maiorquina. Utzon, estrategicamente, optou por construir um edifício cujas características o integram e relacionam com a cultura da ilha. Can Lis é uma proposta que surge no desenrolar de uma investigação que o arquitecto vinha fazendo já há alguns anos. Na casa, para além dos seus princípios de projeto, é possível verificar que Utzon sofreu a influência de vários arquitectos. Utzon utilizou este projeto como expressão dos seus princípios, que passavam por defender uma ideia de arquitectura contemporânea e inovadora ligada às questões culturais e ao sítio. Construiu uma casa contemporânea seguindo sistemas construtivos e materiais tradicionais. Can Lis é um exemplo de arquitectura que

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demonstra que é possível inovar baseando-se as questões relacionadas com o passado, a tradição, o lugar e a envolvente. Um dos primeiros projetos no qual Utzon começou a sua investigação foi uma proposta de uma colónia de férias para crianças que sofriam de poliomielite no pósguerra. Este projeto não passou do papel, no entanto, foi uma primeira abordagem à chamada “topographic architecture”. (Pardey, 2004, p. 11) Consistia num conjunto de blocos ligados entre si, dispostos sobre um afloramento rochoso tangente ao mar. Segundo Pardey38 (2004, p. 11)” The plan, like Frank Lloyd Wright’s39 “Fallingwater”, is organized around a series of rocks, anticipating Utzon’s later fascination with the stone and rugged terrain of Majorca.”

Ilustração 56 – Colonia de férias para crianças com poliomielite (1957), Maiorca. Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 11)

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John Pardey é um arquitecto xx. Fundou em 1987 o atelier “John Pardey architects”, sediado em Londres. Venceu cerca de vinte prémios nacionais e internacionais. É atualmente professor convidado da Universidade de Arquitectura de Cardiff. 39 Frank Lloyd Wright (1867-1959) foi um arquitecto norte-americano. Tornou-se conhecido por ser o criador da “arquitectura orgânica”, conceito que teorizou por diversas vezes e que preside a construções onde se pretende criar uma harmonia entre os seus habitantes e o ambiente que as rodeia.

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Desde este momento, Utzon inicia a sua pesquisa relativamente a uma estratégia de projeto que passa por criar um conjunto articulado de volumes ligados entre si, dispostos no terreno, adaptados à topografia do sítio e relacionados com pátios. A criação de um vocabulário arquitectónico de elementos ligados, relacionados com pátios começou na sua primeira casa em Hellebeak, de 1952. Por outro lado, o tema da casa escondida atrás de uma parede foi inspirado na casa japonesa Zui Ki Tei, construída nos jardins do museu Etnográfico de Estocolmo. Foi também o seu fascínio pelas casas pátio espalhadas entre a China e o norte de África que contribuiu para o desenvolvimento da ideia de vida por trás da parede, do muro. (Pardey, 2004, p. 11)

Ilustração 57 – (à esquerda) Casa de Hellebaek, Dinamarca, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 13) ; (à direita) Casa Zui-Ki-Tei, Estocolmo, Suécia, Byggmasterren (Pardey, 2004, p. 10)

Com a vitória no concurso para a casa de baixo custo em Skane na Suécia, Utzon começou a “cristalizar” o vocabulário para a chamada “domestic architecture”. O mote da sua proposta era a “vida privada”. Esta proposta foi importante não só porque marcou um longo percurso no estudo da casa pátio mas também porque aumentou o seu fascínio pela parede cega e encerrada como proteção do espaço privado. (Pardey, 2004, p. 12)

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Ilustração 58 – Casa em Skane (1954), Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 13)

A proposta de Skane (1954) venceu o concurso mas nunca chegou a ser construída. No entanto a ideia base foi reaproveitada e utilizada no projeto das Kingo Houses apoiado pelo presidente de Helsingor. A casa pátio em Núbia, no Egipto, foi a grande influência de Utzon neste projeto. Os espaços envolvem um pátio central, sendo todo este conjunto envolvido por uma parede exterior. (Pardey, 2004, p. 12)

Ilustração 59 – (à esquerda) “Casas Kingo (1957), Helsingor, Dinamarca, Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 14) ; (à direita) Casa em Núbia, Egipto, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 13)

Posteriormente, no projeto Fredensborg housing (1965), que completou antes da sua partida para Sydney, Utzon aprofundou a estratégia que vinha desenvolvendo. As Fredensborg Houses também ocupavam um perímetro murado. A utilização de uma gama restrita de materiais criava a sensação de continuidade tal como uma cidade mediterrânea, e ao mesmo tempo, a sensação de revelação, característica de uma cidade islâmica. Foi neste projeto, nunca construído, que Utzon desenvolveu a ideia

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de um conjunto de caixas uniformes, de aspeto semelhante, ligadas apenas em determinados pontos e dispostas separadamente ao longo de uma parede de modo a formar um todo orgânico. Esta viria a ser a estratégia que ele iria pôr em prática posteriormente em Can Lis. (Pardey, 2004, p. 14)

Ilustração 60 – Casa Fredensborg, (1965), Noruega, Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 14)

Entretanto teve outros projetos não construídos, nos quais aprofundou e estudou a estratégia de volumes interligados, como por exemplo, num projeto de residências para a cidade de Birkehoj, em 1960. (Pardey, 2004, p. 14)

Ilustração 61 – Projeto de residências para Birkehoj (1960), Jorn Utzon. (Pardey, 2004, p. 14)

The standardized building elements will be combined in such a way... in the flats and in the single houses themselves to get a combination without the awful stiffness wellknown from many modern housing schemes. There are many ways to arrange the same books on a book shelf. (Utzon apud Parday, 2004, p. 14)

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A construção da Opera de Sydney começou a exigir a presença do arquitecto. Utzon e a sua família mudaram-se para Sydney em 1962. Ele e a sua família sempre gostaram de estar perto da praia e do mar. Isto levou a que Utzon adquirisse um terreno nos subúrbios de Bayview Heights, no qual pretendia construir uma casa para ele e para a sua família. No entanto teve algumas dificuldades para que o seu projeto fosse aprovado pelas autoridades locais, tendo sido necessário desenvolver quatro propostas até que fosse aprovado. (Pardey, 2004, p. 14) De entre as quatro propostas, a mais interessante é a primeira, não só porque antecipa os pavilhões ligados e os pátios de Can Lis, como também, as plataformas escalonadas e os módulos mais organizados de Can Feliz40. (Pardey, 2004, p. 17)

Ilustração 62 – Bayview 1, Sydney, Austrália, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 15)

Todas as experiências arquitetónicas e tudo o que Utzon estudou até à proposta das casas Maiorquinas fizeram com que estas estejam perfeitamente integradas no sítio e na paisagem. Utzon used to come the cliff-top site before Can Lis was built and climb down to site in a cave almost directly below the site. The unity of place and view, of shelter and exposure that he experienced there became, he explains, the feeling he wanted to recreate in his new home”. (Pardey, 2004, p. 17) 40

Can Feliz (1994) foi a segunda que Utzon construiu em Maiorca. Localizada numa serra perto de S’Horta, Utzon procurou recolher-se num ambiente de calma e manter o contacto intenso com a natureza. (Pardey, 2004, p.42)

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A primeira proposta que Utzon fez para aquele sítio no topo da falésia, que ele apelidou de Casa Olicia, data de 1970, e baseia-se nos princípios do projeto para Bayview. Esta proposta consistia em três volumes distribuídos ao longo de um pátio, unidos por um muro contínuo, apenas quebrado no ponto do acesso ao interior. Os elementos fulcrais da proposta final já estavam presentes nesta primeira proposta. A muralha defensiva envolvendo toda a proposta, o pátio envolvido por uma colunata, orientado e abrindo-se para o mar Mediterrâneo, a sala de estar com os vãos em forma de cone, os quartos que surgem como cavernas em que as camas estão no fundo e os vãos funcionam também eles em forma de cone, criando profundidade. (Pardey, 2004, p. 17)

Ilustração 63 – Casa Olicia (1970), Porto Petro, Maiorca, Jan Utzon. (Pardey, 2004, p. 17)

A segunda proposta, já apelidada de Can Lis, data de 1972 e já englobava quatro módulos distribuídos ao longo de um muro, separados uns dos outros. Neste caso, a disposição dos volumes já se aproximava mais da proposta final. O volume central apelidado de “casa C” caracterizava-se por possuir uma colunata no seu interior, que separava o terraço de um pequeno pátio retangular. A parte da frente do pátio abria para o mar. A cozinha e a sala de jantar encontravam-se encostadas ao muro que envolvia todo o conjunto, à semelhança do que acontece na proposta final. A Sala de Estar, “casa B” caracterizava-se por ser um espaço cúbico com quatro aberturas. Na proposta construída as aberturas são cinco. A parede traseira da sala era composta por portas largas que abriam para um pátio interior. Isto manteve-se na proposta final. Os dois volumes de quartos, “casa A” e “casa D” apresentavam eles também, uma forma quase igual à que seria a final. No entanto, nesta proposta, encontravam-se situados nas extremidades do conjunto ao contrário do que foi a estratégia final. No projeto final estes dois módulos encontram-se localizados lado a lado, a Este do pátio principal. (Pardey, 2004, p. 19)

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Ilustração 64 – 2ª proposta, (1972), Jan Utzon. (Pardey, 2004, p. 18)

Estas duas propostas conduziram até ao desenho final, construído em 1972. Segundo Parday (2004, p. 37) “is has the appearance of a beautifully crafted work of geometry, something classical that fell from the skies and crashed onto the stone platform on the cliff top, adjusting itself to the situation” A aproximação à casa é feita a partir de uma rua secundária, com o nome do próprio arquitecto, pouco movimentada, na qual temos, de um lado, uma vegetação abundante, e do outro, as casas que se localizam no cume do penhasco. Can Lis é facilmente reconhecível, não só porque é construída com a pedra local, mas também porque se anuncia através um banco forrado a azulejo branco e preto junto à entrada. Esta característica permite identificar logo que estamos na presença da casa do arquitecto Jorn Utzon.

Ilustração 65 – (à esquerda) Placa indicativa da rua com o nome do arquitecto Jorn Utzon, (Ilustração nossa, 2013) ; (à direita) Vista da fachada principal da casa. (Ilustração nossa, 2013)

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Quando passamos pela porta de entrada, que separa o espaço exterior público do espaço exterior privado, somos confrontados com um painel de azulejos no qual está recortada uma “meia-lua” e através da qual temos um primeiro contacto com o “horizonte emoldurado”.

Ilustração 66 – Painel de azulejos. (Ilustração nossa, 2013)

O pátio principal deste conjunto caracteriza-se por uma grande intimidade, confrontando apenas com o vasto mar mediterrâneo, o céu e o horizonte. Este pátio, pelas suas características e relações, é uma das principais ligações entre casa e o sítio. O pátio faz lembrar as colunatas e estruturas vazias da Grécia Antiga, mas não só, também se sente uma pequena relação com o Salk Institute de Louis kahn41. Tal como a relação entre Kahn e o pôr-do-sol, Utzon não deixa duvidas de que a casa é dedicada à natureza, como uma celebração do sol no céu, ambos sobre o mar mediterrâneo. (Pardey, 2004, p. 24) O pátio apresenta-se regular e altamente ordenado. Esta característica é reforçada pelo facto de existir uma grande unidade entre a pedra no pavimento e nas paredes,

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Louis Kahn (1901-1974) foi um arquitecto norte-americano. Formou-se em arquitectura pela Universidade da Pennsylvania em 1924. Posteriormente partiu para a Europa para prolongar os seus estudos. A sua obra caracteriza-se por combinações de formas geométricas puras, por vezes inspirandose na arquitectura clássica ou medieval.

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as vigas de betão em “I” e as bovedillas42. Porém, existem subtis irregularidades e assimetrias. No limite que separa o pátio do penhasco, encontra-se um muro construído numa só fiada, com a estereotomia de uma coluna caída. (Pardey, 2004, p. 26)

Ilustração 67 – Pátio principal, Bent Ryberg. (Parday, 2004, p. 24)

Na parte de trás do pátio encontra-se a cozinha, a sala de jantar e as dispensas associadas. É interessante constatar que em todos os espaços da casa, à exceção das instalações sanitárias e das dispensas, promove-se um contacto visual com o mar e com o horizonte. A cozinha é uma exceção e possui pequenos vãos para ambos os lados, interior e exterior da casa. O interior da casa é rude tal como afirma Pardey (2004, p. 24) quando refere que, “Each space is modest and possesses a raw domestic quality, suggesting a earthy natural life.” Não existem sinais de modernidade nem aparelhos de cozinha. As prateleiras da dispensa são em pedra forrada com azulejos brancos. A única peça relativamente sofisticada é o tubo de alumínio que atravessa a sala de jantar e que serve de suporte às lâmpadas. (Pardey, 2004, p. 24) 42

As bovedillas são um sistema tradicional que consiste em utilizar telhas de barro em forma de arco, no intervalo entre vigas. (Parday, 2004, p. 60)

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Ilustração 68 – (à esquerda) Vista interior da cozinha, Bent Ryberg. (Pardey, 2004, p. 25) ; (à direita) Suporte para a iluminação. John Pardey. (Pardey, 2004, p. 25)

Junto ao pátio principal encontra-se um outro pátio de menores dimensões, envolvido por muros altos, ao qual acedemos através de uma passagem estreita. Existem apenas duas aberturas em forma de semicírculo e uma mesa, também ela em forma de semicírculo, forrada a azulejo. A mesma aparenta servir de mesa de jantar, e até pode ter servido para esse fim, no entanto, não existem bancos, o que levanta algumas questões. Segundo Parday (2004, p. 30) este espaço é a reinterpretação por parte de Utzon de um espaço de trabalho característico de Maiorca, o “Mallorquin Medio Dia”, que consiste num espaço anexo à casa, no qual é possível trabalhar com plantas e beneficiar de sol no inverno e sombra no verão.

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Ilustração 69 – Pátio anexo. (Ilustração nossa, 2013)

Enquanto o pátio principal de Can Lis se abre para o horizonte, a sala de estar, um dos espaços mais importantes e característicos desta casa, parece criar uma unidade entre o lugar e o horizonte. O espaço apresenta-se como um cenário dramático mas convidativo. Distingue-se dos restantes espaços da casa por possuir um pé-direito mais alto. No interior deste espaço somos confrontados com uma luz coada e um silêncio absoluto. A ausência de molduras nos vãos deixa-nos em dúvida sobre a existência ou não do vidro. No entanto apercebemo-nos que ele está lá, não só pelo silêncio, mas também, pelo conforto térmico que existe no interior deste espaço construído em pedra. Sentimo-nos como se estivéssemos no interior de uma caverna, à semelhança do que referiu Parday (2004, p. 7) “It was like walking into a cave looking out across the sea” “Here this is linked to an explosive view out toward the horizon, balanced by a quality of glare-free light and reinforced by the earthy smell of stone and by a sudden silence that momentarily disorientates: time seemed to stop.” (Pardey, 2004, p. 7)

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Ilustração 70 – Vistas interiores da sala de estar. (Ilustrações nossas, 2013)

Ilustração 71 – Vista interior da sala de estar. (Ilustração nossa, 2013)

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“The tension between deep enclosure and projected view combines in the sensation of being sucked out of the five large, deep apertures into the ocean; yet at the same time, the horizon seems to be pulled right into the room – an enthralling ebb and flow, like that of the ocean” (Pardey, 2004, p. 7)

O sofá em forma de semicírculo convida-nos a sentar e observar a natureza de vários pontos de vista, através dos cinco cones presentes. Como refere Pardey (2004, p. 31) “The views through the differently sized, deep bays are brought sharply into focus (…)”. Em planta, os cinco vãos em forma de cone, apresentam uma semelhança com o que acontece no Teatro Olimpico de Palladio43 em Vicenza. Outra das relações que é possível encontrar é com a casa Errazuriz e a Capela de Ronchamp de Le Corbusier44. (Pardey, 2004, p. 31)

Ilustração 72 – Planta da sala de estar, John Parday. (Pardey, 2004, p. 32)

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Andrea Palladio (1508-1580) foi um dos principais arquitectos do renascimento italiano. Nas suas villas usou os motivos da arquitectura clássica – pilastras, colunas, frontões – sem contudo lhes atribuir a monumentalidade inerente aos modelos da antiguidade mas sim conferindo-lhes uma escala humana. A sua última grande obra foi o Teatro Olímpico em Vicenza, inspirado nos teatros romanos e possuidor de um cenário permanente representando ruas com fachadas de estilo clássico.

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Ilustração 73 – Teatro Olimpico (1580), Vicenza, Itália, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 32) ; Ronchamp Chapel (1950), França Fondation Le Corbusier. (Pardey, 2004, p. 32) ; Errazuris (1930), Chile, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 32)

No entanto, e como refere Parday (2004, p. 31) “Utzon’s stone eyes onto the ocean are the original invention of an architect at the height of his powers”. Os vãos caracterizam-se pela inexistência de molduras. Utzon optou estrategicamente por colocar a caixilharia do vão fixa na face exterior da parede. Assim os vãos surgem como quadros onde a paisagem se encontra emoldurada sob vários ângulos. Estes cones de pedra encontram-se debaixo de um pórtico exterior, o que permite controlar a incidência do sol e evitar reflexos que perturbem a visão a partir do interior do espaço. Com isto o vidro torna-se invisível e parece inexistente. (Pardey, 2004, p. 31)

Ilustração 74 – Vista exterior do volume da sala de estar. (Ilustração nossa, 2013)

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Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

Nesta sala de estar, extremamente rica em detalhes e muito bem pensada, encontramos ainda, uma pequena abertura na parede Oeste. Este pequeno vão permite a meio da tarde, vivenciar uma experiência extremamente intensa de relação entre a luz, o espaço e a matéria, o chamado “raio de Utzon”. Pardey (2004, p. 32) refere que “its glass bonded to outside wall as in Sigurd Lewerentz Klippan church, that lets the sun kiss the stone in a blaze of light in mid-afternoon” Em relação a este vão, Pardey refere ainda: “(…) a small window placed high on the west wall of the room, begins to burn bright. This fire spreads slowly across the stone surface, becoming a fierce glow. Within five minutes, a gash of sun cuts across the suddenly living texture of the honey-coloured stone. This slice of sun, a daily cosmic revelation, becomes a kind of timepiece, marking out the progress of the earth in its orbit around the sun.” (2004, p. 7)

Ilustração 75 – Raio de Utzon. (Ilustração nossa, 2013)

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Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

A solução para resolver os vãos derivou da interpretação que Utzon fez do projeto da igreja de St Mark do arquitecto Lewerentz45. Este foi a sua grande influência para resolver o problema que ele tinha no remate dos vãos uma vez que as pedras assumiam ângulos diversos. Nesta igreja, a solução consistia simplesmente em colar o vidro à face externa da parede. Com isto Utzon conseguia também criar a união que ele pretendia, entre o interior do espaço e o horizonte, emoldurado e focado através dos cones de pedra. (Pardey, 2004, p. 62)

Ilustração 76 – Vão da Igreja de St Mark, Klippan, Suécia, Richard Weston. (Pardey, 2004, p. 62)

Saindo do espaço da sala de estar, encontramo-nos num dos pátios exteriores envolvido pelo muro da fachada que nos separa da rua. O volume seguinte, ao qual acedemos através do exterior, é o volume dos quartos. Este é constituído por um Lobby que por sua vez, permite o acesso a um pátio coberto, por dois quartos e uma instalação sanitária. Os quartos são semelhantes. Possuem dois vãos quadrangulares em forma de cone, semelhantes aos da restante casa, uma cama que se encontra embutida numa espécie de alcova e uma pequena mesa de trabalho forrada a azulejo. Na parede encontra-se ainda uma estante feita de pedra. O modo como Utzon pensa e projeta o espaço do quarto faz lembrar a estrutura de sequência existente nas celas de La Tourette, conforme refere Parday (2004, p. 37) “this strict ordering of the space recalls Le Corbusier’s La Tourette monastery, where each cell has a fixed sequence of dressing, working, sleeping and balcony”. 45

Sigurd Lewerentz (1885-1975) foi um arquitecto sueco. Estudou na Alemanha, fundou atelier em 1911 e trabalhou em associação com o arquitecto Gunnar Asplund.

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Ilustração 77 – (à esquerda) Pátio por detrás da fachada principal. Acesso aos quartos. (Ilustração nossa, 2013) ; (à direita) Quarto. (Ilustração nossa, 2013)

Por fim, no último volume encontramos um pátio exterior, coberto, onde o mobiliário forrado a azulejo de vidro está mais uma vez presente. O espaço do lobby divide uma pequena instalação sanitária do quarto que apresenta características muito semelhantes aos outros dois. Este volume funciona como um anexo. (Parday, 2004, p. 37)

Ilustração 78 – Pátio do Anexo. (Ilustração nossa, 2013)

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Ilustração 79 – Alçado SUL, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 29)

Ilustração 80 – Planta, John Pardey. (Pardey, 2004, p. 29)

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Em relação à materialidade, a casa é construída em blocos de arenito. Estes foram extraídos numas pedreiras próximas do local. Esta é uma pedra muito comum neste canto da ilha e foi utilizada durante varias gerações na construção das suas casas, edifícios agrícolas e casas de campo. Neste momento as pedreiras locais já esgotaram a sua matéria-prima e encontram-se encerradas. (Pardey, 2004, p. 30) Este tipo de pedra foi utilizado, por exemplo na construção da Catedral de Palma de Maiorca. A pedra Marés apresenta uma cor dourada e um acabamento com textura arenosa. Esta textura deriva do facto de a pedra ser cortada com uma serra circular. (Pardey, 2004, p. 30)

Ilustração 81 – (à esquerda) Pedra Marés. Richard Weston. (Pardey, 2004, p. 27) ; (à direita) Catedral Palma Maiorca, Palma, Maiorca. (Ilustração nossa, 2013)

Utzon pediu para que estas marcas concêntricas fossem mantidas, de forma a evocar abstratamente as “conchas” da Opera de Sydney. O material ganha assim uma expressão de movimento e de vida. (Pardey, 2004, p. 30) No pavimento Utzon optou por uma pedra ligeiramente diferente. Esta, também de pedreiras da zona, apresenta uma textura mais densa e uma cor cinza, absorvendo assim o brilho refletido do sol. (Pardey, 2004, p. 30) Utzon says, with characteristic understatement, that it is all so simple, no more than the way birds know instinctively where to nest on a cliff-top. Almost a small village in stone, the house seems as if it has been there for centuries, yet it also feels unique and new. (Pardey, 2004, p. 37)

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Utzon sempre se interessou muito pelas formas naturais e isso influenciou-o muito ao longo da vida e nos seus projetos. A unidade da proposta baseia-se muito no facto de ele utilizar um conjunto de peças bem definidas e em número reduzido no que diz respeito à variedade: os blocos de pedra, as vigas de betão em forma de “I” e as bovedillas. (Pardey, 2004, p. 58) O facto de Utzon utilizar apenas estes materiais e serem todos adquiridos nos comerciantes da zona, para alem de usar um sistema construtivo tradicional maiorquino, contribuem muito para que aquela casa surja bem integrada no local e como se sempre lá estivesse estado, pertence ao lugar. “In Maijorca the construction is based on the appropriate materials for the location” (Pardey, 2004, p. 58) As pedras foram extraídas da pedreira em tamanhos standards: 80x40x20, 80x40x10 ou 40x40x20 cm. O método construtivo utilizado pelos pedreiros faz lembrar o modo como foram construídas as pirâmides. Consiste em passar as pedras de pessoa para pessoa. Por fim, estas eram içadas através de cordas. (Pardey, 2004, p. 58) Os blocos iam sendo colocados uns sobre os outros e nivelados com a ajuda de pequenas cunhas de madeira. A argamassa ligante era à base de cal. A pedra podia ser facilmente cortada através de uma serra de mão, (Pardey, 2004, p. 58) A estrutura horizontal da cobertura é garantida através de vigas em betão pré-moldado em forma de “I”, que atingem até 5m. Apresentam uma altura de 20cm e uma largura de 10cm. Inicialmente eram para ser utilizadas telhas de terracota planas, disponíveis nos comerciantes locais, no preenchimento dos intervalos entre vigas. No entanto Utzon viu um sistema diferente num padeiro local que consistia em utilizar telhas de barro em forma de arco. Estas telhas de barro em forma de arco são as chamadas “bovedilhas”. Eram comuns na região, no entanto tinham deixado de ser produzidas alguns anos antes. O empreiteiro que Utzon contratara sabia onde estas tinham sido produzidas, então deslocaram-se ao locar e recolherem os moldes que lhes permitiram fabrica-las. (Pardey, 2004, p. 60)

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Ilustração 82 – Bovedillas, Bent Ryberg. (Pardey, 2004, p. 60)

Can Lis foi um projeto pensado em várias fases. Inicialmente pensada por Utzon como se fossem cubos de açúcar, posteriormente desenhada com o rigor necessário para que pudesse ser aprovada a sua construção, pelo seu filho Jan e por fim construída com as devidas correções e alterações, pelos pedreiros e pelo próprio Utzon que se envolveu na parte pratica. (Pardey, 2004, p. 37) Utzon pensou esta casa ao pormenor. Não só na sua relação com o sítio e com a tradição da ilha, mas também ao nível dos espaços e das sensações que estes transmitem. Existe um grande número de pormenores interessantes. O já referido pequeno vão da sala da estar transmite àquele espaço uma ambiência totalmente diferente do que se não lá estivesse. Este vão tem a capacidade de provocar a quem utiliza pela primeira vez aquele espaço, uma sensação de surpresa e de espanto. Para além disso permite controlar o tempo. Outro detalhe interessante e que comprova que Utzon estudou bem a arquitectura tradicional maiorquina, é a reinterpretação das chaminés triangulares.

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Ilustração 83 – (à esquerda) Chaminé tradicional maiorquina, John Parday. (Pardey, 2004, p. 36) ; (à direita) Chaminé desenhada por Utzon. Bent Ryberg. (Pardey, 2004, p. 36)

Utzon utilizou ainda os materiais locais para outra função, o aproveitamento das águas da chuva. Ele cria um sistema de tubos em barro.

Ilustração 84 – Detalhe do tubo de queda. (Ilustração nossa, 2013) ; Aproveitamento das águas da chuva para regar plantas. (Ilustração nossa, 2013)

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Por fim, um dos detalhes mais interessantes e que só com uma observação muito atenta é possível percecionar, é o facto de que Utzon desenhou a estereotomia do pavimento como sendo um reflexo da estrutura do teto.

Ilustração 85 – Reflexo da estrutura do teto na estereotomia do pavimento. (Ilustração nossa, 2013)

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Como refere Pardey (2004, p. 46) “the floor is a tapestry of stone that marks out the plan, a mirror of the constructional logic above; here, like Gothic masons scratching out the lines of the vaults overhead, Utzon has etched his plan at full scale into the floor” A titulo de curiosidade, existiram vários motivos pelos quais Utzon decidiu deixar Can Lis à beira mar onde ele e a sua mulher sempre gostavam de estar, e construir uma nova casa no meio de uma serra, a qual apelidou de Can Feliz. O brilho do sol tornouse demasiado intenso para os olhos de Utzon. Para além disso, o facto de ter de passar pelo espaço exterior para alternar de volume em volume tornou-se menos atraente ao fim de alguns anos e principalmente nos meses frios de inverno. Por fim, o facto de a casa ter-se tornado um marco importante da arquitectura fez com que começassem a vir cada vez mais turistas para ver de perto a “casa do arquitecto que desenhou a Opera de Sydney.”46 (Pardey, 2004, p. 11)

46

“(…) whose guides still announce that ‘THIS IS THE HOUSE OF THE ARCHITECT WHO DESIGNED THE SYDNEY OPERA HOUSE’” (Parday, 2004, p. 11)

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3.2. MUSEU DA LUZ O Museu da luz, da autoria dos arquitectos Pedro Pacheco47 e Marie Clément48, foi escolhido como caso de estudo, não só pelo objeto arquitectónico e pela sua integração e relação com a paisagem ao nível material e topográfico, mas também, por todo o processo que está por trás da sua construção assim como toda a história que envolve a Aldeia da Luz. O museu possui uma grande carga simbólica e reflete muitas das memórias que envolvem a povoação da Luz. A Aldeia da Luz é a mais recente aldeia de Portugal. Situada no concelho de Mourão, a construção da Nova Luz foi um processo muito complexo. A população que, de certo modo, foi obrigada a desistir de todos os bens materiais que foi construindo ao longo dos tempos, presentes e passados, sentiu a necessidade de reivindicar algo que lhe permitisse manter uma memória física da Velha Luz e do seu passado. “Os luzenses pugnaram pela construção de um museu, pensado como depósito de memória coletiva e como espaço que permitisse salvaguardar a lembrança da velha aldeia e dos seus víveres”. (Saraiva, 2007, p. 442) Um museu é um contentor de tempo. A significação cultural da paisagem é um processo através do qual a experiência de habitar o tempo, continuo ou fragmentado, inscreve no espaço da realidade vestígios e símbolos referenciadores de memória coletiva ou individual. (Taborda, 2007, p. 78)

47

Pedro Pacheco nasceu em Braga em 1965. Diplomado em Arquitectura pela FAUP, em 1991, estagiou no atelier do arquitecto Josep Llínás em Barcelona, sob a orientação de Eduardo Souto de Moura. Colaborou com o arquitecto Fernando Távora no Porto entre 1992 e 1996. Em 1997 formou atelier com o arquitecto José Adrião. Na sequência do concurso internacional para a elaboração do plano de pormenor na Nova Aldeia da Luz (3º Prémio,1996), desenvolve, em co-autoria com Marie Clément, os seguintes projectos: reconstrução da Igreja Nª Sª da Luz, cemitérios das aldeias da Luz e Estrela e o Museu da aldeia da Luz, 1999 – 2003 (construído). Forma atelier próprio em 2004. É docente da cadeira de arquitectura na FAUTL, desde 2004. 48 Marie Clément nasceu em Saint-Étienne, França, em 1966. Diplomada em arquitectura pela EAPB – École de Architecture de Paris – Belleville, em 1992, sob a orientação de Eduardo Souto de Moura e Jaques Lucan. Colabora com o arquitecto Eduardo Souto de Moura no Porto entre 1990 e 1992. É docente da cadeira de projecto na Faculdade de Arquitectura de Clairmont-Ferrand, em França, desde 1998. Na sequência do concurso internacional para a elaboração do plano de pormenor na Nova Aldeia da Luz (3º Prémio,1996), desenvolve, em co-autoria com Marie Clément, os seguintes projectos: reconstrução da Igreja Nª Sª da Luz, cemitérios das aldeias da Luz e Estrela e o Museu da aldeia da Luz, 1999 – 2003 (construído). Tem atelier próprio em França desde 1999.

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Ilustração 86 – Museu da Luz, Mourão, Portugal. (Ilustração nossa, 2013)

Aos arquitectos Pedro Pacheco e Marie Clément coube a tarefa de projetar a “Igreja de Nª Sª da Luz, o cemitério transladado e o museu dedicado aos territórios da Luz […] a Igreja e o cemitério como fortes elementos identitários, pré-existências únicas e o museu como elemento estruturante do novo lugar, dotado de carga representativa de substituição”. (Pacheco e Clément, 2006, p. 1) Uma das primeiras condicionantes quando surgiu a questão da construção do museu foi a sua inserção na paisagem urbana da Nova Luz. (Saraiva, 2007, p. 442) Aberto ao público desde 2003, o museu localiza-se no enfiamento de uma longa rua, “no limite do eixo nascente-poente da aldeia (…)” (Pacheco e Clément, 2006, p. 1), cerca de 100 metros após terminarem as habitações. Numa aproximação gradual ao museu, a única coisa que se vê do edifício é um conjunto de muros e chaminés de luz zenital. Ao longe parecem apenas muros de xisto que se relacionam com os muitos outros existentes no local, cuja função poderia ser a de limitar o largo da Igreja de Nossa Senhora da Luz.

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Ilustração 87 – Planta de Implantação. (Saraiva, 2007, p. 444)

Ilustração 88 – Aldeia da Luz. (Ilustração nossa, 2013)

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Tal como referiu Clara Saraiva49 “a igreja, orientada este/oeste, o muro poente do cemitério e a parte visível do museu definem um espaço de intervalo enquadrado em todas as direções” (Saraiva, 2007, p. 445) Ao contrário do que acontece com o museu, a igreja e o cemitério, ambos pertencentes a esta tríade estruturadora da Nova Aldeia da Luz, são bem visíveis e percetíveis ao longe para quem se vai aproximando. Isto acontece, não só por se encontrarem em posição de destaque como também por possuírem um acabamento em cor branca.

Ilustração 89 – Museu da Luz, Cemitério e Igreja Nª Sª da Luz. (Ilustração nossa, 2013)

O museu funciona, por um lado, como memória do lugar desaparecido e, por outro, como a identidade do novo lugar. Integra-se e assume uma relação com a topografia encontrando-se semienterrado, abrindo-se apenas para a albufeira do Rio Guadiana. O museu redesenha a topografia do sítio numa relação telúrica com a paisagem, refletindo a condição de edifico como marca identitária, onde os percursos, os muros e a luz evidenciam elementos da própria cultura da construção do território (Pacheco e Clément, 2006, p. 1)

49

Maria Clara Ferreira de Almeida Saraiva, nasceu a 7/11/59 em Lisboa, atualmente ocupa o cargo de Investigadora Auxiliar no Departamento de Ciências Humanas do Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT). É Docente convidada (desde 1997) no Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (onde leciona, entre outras, a cadeira de Antropologia da Religião e do Ritual, Antropologia das Emoções, História de África, e História da Antropologia Portuguesa), entre outras funções.

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Ilustração 90 – Museu da Luz, Mourão. (Ilustração nossa, 2013)

O museu assume-se como um elemento agregado à terra. Pretende ser um marco no território, como se ali sempre tivesse existido e como se fosse um elemento natural daquela paisagem. Assume-se como uma grande massa de xisto habitável, que se destaca da Nova Aldeia e que faz a mediação e transição entre as raízes locais (pedra local como representação material e contentor de memória como representação imaterial) e as novas construções. O edifício, localizado numa situação de promontório, sublinha a condição de limite da Nova Luz e estabelece uma relação de confronto com a paisagem. A obra funde-se na topografia e reconfigura o espaço de receção e apreensão imediata da massa de água da barragem e dos horizontes limites distantes. Um muro alto: espaço-superfície marca o primeiro encontro, limitando a expansão livre do olhar sobre a paisagem e regulando o tempo-espaço na vivência do lugar. A obra arquitectónica instrumentaliza a perceção da paisagem e significa a duração de um passado no presente novo: Aldeia da Luz. (Taborda, 2007, p. 78)

Ao nível da materialidade, é muito interessante constatar que o museu é o único edifício da aldeia que não possui um acabamento em cor branca, mas sim em pedra de xisto. Com isto, acaba por assumir uma posição de destaque.

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Ilustração 91 – Integração do Museu da Luz na paisagem (Ilustração nossa, 2013)

O objetivo de fazer do museu uma grande rocha de xisto semienterrada na topografia do terreno, foi provavelmente o de fazer com que através da materialidade o edifício se tornasse num espelho das “raízes paisagísticas e culturais da região”. (Saraiva, 2007, p. 446) O xisto utilizado foi extraído das pedreiras locais e caracteriza-se por possuir uma paleta de tonalidades de verde seco, castanho claro, cinzento, amarelo e rosa. (Saraiva, 2007, p.446) Segundo os arquitectos, a escolha do xisto para revestir o edifício, “aproxima-o mais da terra, do solo xistoso e da ideia de fundação”. (Pacheco e Clément, 2006, p. 1) É interessante constatar a subtileza dos arquitectos que optaram por dar um acabamento à pedra que reveste o museu, diferente daquele que é o natural. Optaram por amaciar a pedra, provavelmente para marcar a diferença entre o que realmente é natural e daquele sítio, e este objeto contemporâneo construído no local e revestido com a pedra do local.

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Ilustração 92 – Confronto de acabamentos do mesmo material (Ilustração nossa, 2013)

Uma das principais referências desta dupla de arquitectos neste projeto foi, muito provavelmente, as Termas de Vals do arquitecto Peter Zumthor. O Museu da Luz segue os mesmos princípios e as mesmas estratégias de projeto. O objeto arquitectónico encontra-se perfeitamente enquadrado na paisagem e a estratégia de revestir o edifício com a pedra local encontra-se presente em ambos os casos. Peter Zumthor, tal como já foi referido no capitulo anterior, é um arquitecto que se preocupa muito com as questões relacionadas com a integração do edifício na paisagem. “(…) procurámos antes responder a questões fundamentais relacionadas com o lugar, com a tarefa arquitectónica e com os materiais – montanha, pedra, água – que, à partida não tinham qualidade de imagens. (Zumthor, 2009, p. 31) Só após termos conseguido responder, passo a passo, às perguntas relativas ao lugar, ao material e à tarefa, se desenvolveram gradualmente estruturas e espaços que nos surpreendem e dos quais acredito que contêm o potencial de uma força que vai para além do arranjo de formas estilisticamente préconcebidas. (Zumthor, 2009, p. 31)

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Estas poderiam ser palavras dos arquitectos Pedro Pacheco e Marie Clément relativas ao Museu da Luz.

Ilustração 93 – (à esquerda) Termas de Vals, Suíça. (Lucchese, 2009) ; (à direita) Museu da Luz, Mourão, Portugal, FG + SG. (Guerra, 2014a)

Voltando ao Museu, o acesso faz-se a partir de uma rampa que circula em redor de um pátio, no sentido descendente e a partir do qual vamos tendo um campo de visão totalmente aberto sobre a paisagem e a albufeira do Rio Guadiana. Tanto o museu como o seu interior foram projetados quando ainda não havia conhecimento nem do programa, nem do espólio construído. Os espaços foram pensados com o objetivo de serem adaptáveis a várias situações e permitirem uma grande flexibilidade. Estes podem estar totalmente abertos ou serem fechados através de planos móveis. (Saraiva, 2007, p. 447) Segundo os arquitectos, o espaço interior do museu é constituído por “uma sequência de espaços ligados entre si com características próprias.”. (Pacheco e Clément, 2006, p. 1) Segundo a minha experiência da visita ao museu, a organização dos espaços/salas de exposição sem uma sequência definida, o que permite ao visitante uma livre circulação. Cada pessoa pode fazer uma abordagem diferente aos espaços do museu. O museu é constituído por um Átrio / Receção / Sala Polivalente, uma área de estar com mesas associada a um volume que funciona como copa e que em conjunto formam o espaço bar. Existe ainda uma área administrativa, instalações sanitárias e três salas de exposição. A Sala da Água, a Sala da Memória e a Sala da Luz. Existem também dois pátios. O pátio de chegada e um pequeno pátio interior que contacta com a Sala da Memória e a Sala da Luz.

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Ilustração 94 – Planta Piso Térreo e Corte Sul. (Pacheco e Clément, 2009)

Ilustração 95 – Planta de Cobertura e Alçado Sul. (Pacheco e Clément, 2009)

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Ilustração 96 –Cortes Construtivos Nascente. ((Pacheco e Clément, 2009)

Ilustração 97– Cortes Construtivos Norte e Sul. (Pacheco e Clément, 2009)

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Ilustração 98 – (à esquerda) Pátio principal. (Ilustração nossa, 2013) ; (à direita) Pátio interior. (Ilustração nossa, 2013)

Os espaços apresentam todos, proporções e luminosidades diferentes. No interior do Museu são percetíveis três alturas de pé direito, sendo que a cada sala de exposição corresponde um pé direito.

Ilustração 99 – Interior do Museu. (Ilustração nossa, 2013)

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A receção / átrio funciona também como sala polivalente. Junto à receção encontra-se o espaço bar. Este caracteriza-se por estar enquadrado com uma das aberturas pontuais deste monólito. Estrategicamente colocada, enquadra o Monte dos Pássaros, o rio Guadiana e a restante paisagem. Curiosamente, esta zona de estar onde as pessoas permanecem sentadas apresenta um pé direito mais alto do que o do átrio / receção.

Ilustração 100 – Vão da área Bar. (Ilustração nossa, 2013)

No átrio / receção existe ainda uma parede totalmente revestida a madeira, que serve de separador em relação à área administrativa e às instalações sanitárias. O museu surge na paisagem como um monólito de pedra semienterrado, pontuado por pequenas aberturas. No entanto e em contraste, o átrio / receção possui um grande plano de vidro que rasga todo o espaço fazendo a separação em relação ao pátio exterior. No caso das salas de exposição, estas possuem uma luminosidade muito controlada.

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A Sala da Água e a Sala da Memória são revestidas a pedra no pavimento e nas paredes, apresentando um teto falso branco. A Sala da Memória foi pensada “como um local de pesquisa e diálogo, que integrasse acervos documentais e de memória.” (Saraiva, 2007, p. 448) É um espaço frio “cavernoso”, onde a iluminação artificial é pontual e orientada. Nas extremidades deste espaço de proporções retangulares encontra-se o acesso ao mesmo e o acesso ao pátio interior do museu. Este pátio caracteriza-se por oferecer uma luz pouco intensa durante grande parte do dia.

Ilustração 101 – Sala da Memória. (Ilustração nossa, 2013)

A Sala da Água também conhecida como sala de exposições temporárias, caracterizase por possuir um foco de luz zenital, que por sua vez marca o vértice mais enterrado do museu.

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Ilustração 102 – Sala da Água. (Ilustração nossa, 2013)

Por fim, a Sala da Luz surge “como figura central do museu”. (Saraiva, 2007, p. 447) É um espaço que contrasta com os restantes por ser totalmente pintado de branco. A ideia seria um espaço de “aspeto luminoso e etéreo, onde, através da claraboia da cobertura invisível, se ilumina o perímetro do teto suspenso”. (Saraiva, 2007, p. 447) Apesar do grande vão, orientado para o pátio interior, a luz deste espaço é de certo modo coada e pouco intensa, mesmo com a ajuda da iluminação artificial.

Ilustração 103 – Sala da Luz. (Ilustração nossa, 2013)

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Um detalhe interessante é o facto de a Sala da Luz possuir o pé direito mais alto do museu, assumindo mais uma vez uma posição de destaque. Por outro lado e em contraste, é a que possui o acesso mais controlado, através de uma passagem com cerca de 2.20m de altura por 2.00m de largura, ao contrário do que acontece nas restantes salas em que o acesso possui a altura do pé direito da própria sala.

Ilustração 104 – Confronto entre os três acessos às salas de exposição. (Ilustração nossa, 2013)

Apesar das duas outras salas possuírem um ambiente “cavernoso” de recolhimento, quando entramos na Sala da Luz, sentimo-nos na caixa forte do museu. Isto é mais uma das dualidades que este museu transmite. A pedra transmite a sensação robustez, mas é este espaço totalmente branco que transmite a sensação de segurança. A Sala da Luz funciona como o coração do museu. Ainda na Sala das Luz, é possível ter uma “relação com a paisagem através de uma pequena janela da qual se avista o antigo espaço da velha aldeia, sintetizado no único elemento não submergido, o Monte dos Pinheiros”. (Saraiva, 2007, p. 448) Esta pequena abertura é muito propositada e foi feita estrategicamente para cumprir os objetivos dos arquitectos, daí que seja oblíqua em relação ao plano da parede.

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Ilustração 105 – Vão da Sala da Luz. (Ilustração nossa, 2013)

O Museu da Luz é um objeto e um espaço de contrastes perfeitamente integrado na paisagem.

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Arquitectura em pedra: construção, revestimento e relação com a paisagem

3.3. CENTRO DE MONITORIZAÇÃO E INVESTIGAÇÃO DAS FURNAS + RESIDÊNCIAS O Centro de Monitorização e Investigação das Furnas (CMIF) e as Residências associadas, da autoria dos arquitectos Manuel Aires Mateus50 e Francisco Aires Mateus51, são um caso de estudo particular, na medida em que, numa paisagem natural, virgem e consolidada, são introduzidos dois volumes arquitectónicos. Ao contrário do que poderia acontecer, estes volumes, pela sua materialidade, a pedra basáltica local, forma e proporção, surgem numa grande simbiose com a paisagem. Com a introdução destes dois objetos arquitectónicos, a paisagem ganha uma nova expressão e evidência. Cria-se um diálogo entre arquitectura e paisagem em que nenhum dos dois se sobrepõe ao outro.

Ilustração 106 – Vista aérea do conjunto, Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011)

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Manuel Aires Mateus (1963 -). Arquitecto português, estudou na Universidade Técnica de Lisboa onde se licenciou em arquitectura. A partir de 1983, começou a trabalhar com Gonçalo Byrne e cinco anos mais tarde, com o irmão, Francisco Aires Mateus. Manuel Aires Mateus lecionou, sucessivamente, na Universidade Técnica de Lisboa, na Universidade Lusíada de Lisboa, na Academia de Arquitectura de Mendrizio e na Faculdade de Arquitectura de Harvard, nos Estados Unidos da América. 51 Francisco Aires Mateus (1964 -). Arquitecto português, estudou na Universidade Técnica de Lisboa onde se licenciou em arquitectura em 1987. Colaborou com o arquitecto Gonçalo Byrne desde 1983 e posteriormente com o seu irmão Manuel Aires Mateus, a partir de 1988. Foi professor convidado da Faculdade de arquitectura de Oslo em 2009, lecionou na Faculdade de arquitectura de Harvard em 2005. Actualmente é professor da Academia de Arquitectura de Mendrizio e da Universidade Autónoma de Lisboa.

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Situados na margem sul da Lagoa das Furnas, numa das zonas mais emblemáticas e turísticas da ilha de São Miguel, o Centro de Monitorização e Investigação + Residências veio, numa vertente arquitectónica dar visibilidade à Lagoa. (Palha, 2013, p. 1)

Ilustração 107 – Planta de Implantação, Aires Mateus. (Mateus, 2012, p. 70)

O projeto tem como objetivo evocar a paisagem arquitetónica dos Açores. Para isso são utilizadas “as formas e os materiais que moldam a memória coletiva da ilha e do arquipélago, e do qual são já pela força do tempo, uma espécie de segunda natureza.” (Mateus, 2012, p. 70) Os edifícios foram pensados como “volumes arquetípais, simples e compactos, revestidos com a pedra basáltica da região.” (Mateus, 2012, p. 70)

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Ilustração 108 – Centro Monitorização e Investigação das Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011)

Ilustração 109 – Residências, Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011)

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O projeto que gerou a necessidade de criar estas infraestruturas consiste na implementação e gestão do Plano de Ordenamento da Bacia Hidrográfica da Lagoa das Furnas, cujo objetivo é a requalificação ambiental do ecossistema e da qualidade da água. (Palha, 2013, p. 2) O projeto de arquitectura consistiu portanto na criação de dois volumes separados no terreno, sendo o primeiro e mais importante, o Centro de Monitorização e Investigação das Furnas. O segundo consiste num volume composto por quatro residências. Por fim, foi ainda desenvolvido um projeto para requalificação da área exterior envolvente, composto por zona de merendas, instalações sanitárias e parque de estacionamento.

Ilustração 110 – Vista dos dois volumes, Furnas, Açores, FG + SG. (Mateus, 2011)

O Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, nas palavras do arquitecto Manuel Aires Mateus “o edifício mais excecional”, caracteriza-se pela existência de um espaço intermédio entre o exterior e o interior, o pátio. Este surge como uma subtração ao volume, recortando-o desde a zona central (vértice das quatro águas) até rasgar um dos alçados, permitindo assim o acesso ao interior. É a partir deste pátio que se revelam os compartimentos principais do edifício. Estes espaços, truncados pelo pátio, mantêm todas as relações de interior/exterior através dos vãos existentes. O arquitecto refere ainda que “o edifício foi assim concebido como uma escultura, como um bloco de matéria-prima, que intencionalmente se recorta para captar a luz da própria Lagoa”. (Mateus, 2012, p. 70)

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O CMIF possui quatro espaços principais. Uma área de apoio e acolhimento ao visitante, uma área de exposição, um auditório e uma área de trabalho. Os espaços indicados a preto na planta a seguir representam as áreas técnicas e de apoio.

Ilustração 111 – Planta CMIF, Aires Mateus. (adaptação a partir de Mateus, 2011)

Ilustração 112 – Corte a passar pela sala de trabalho e pelo auditório, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

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Ilustração 113 – Corte a passar pela receção e pelo pátio, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Ilustração 114 – Alçado Norte, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Ilustração 115 – Alçado Sul, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Na área de acolhimento ao visitante encontra-se a receção, um bar e uma pequena loja onde se promove a venda de produtos de merchandising relacionados com a flora e a fauna nativas. (Palha, 2013, p. 1) Este espaço caracteriza-se por ser totalmente revestimento em madeira e pelo facto de o teto possuir a forma de uma abóbada de berço.

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Ilustração 116 – Espaço de Acolhimento, (Governo dos Açores, 2013)

A Sala de Exposição é uma área destinada à exposição permanente onde é retratada a ecologia da lagoa, a flora e a fauna da bacia hidrográfica e a sua geologia. Ocasionalmente podem ocorrer algumas exposições temporárias. (Palha, 2013, p. 1) Este espaço caracteriza-se por apresentar um ambiente escuro. Funciona como uma caixa na qual se destacam os aquários e as projeções de vídeos.

Ilustração 117 – Sala de Exposição, FG + SG. (Guerra, 2014b)

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No Auditório é possível visionar um pequeno documentário sobre o património natural das furnas, a sua história, vivências, o estudo ecológico da Lagoa e a sua evolução e o projeto que está em curso para a sua recuperação. Este espaço é também utilizado para workshops, seminários, ações de formação, ações de sensibilização e educação ambiental. (Palha, 2013, p. 1) Este é portanto um espaço que se caracteriza pela sua múltipla funcionalidade. À semelhança do espaço de acolhimento, este também é totalmente revestido a madeira, mas neste caso, o teto apresenta-se em forma de cobertura de duas águas.

Ilustração 118 – Auditório, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Por fim, o espaço de trabalho que é uma zona de secretárias onde se procede à gestão do Plano de Ordenamento da Bacia Hidrográfica da Lagoa das Furnas. (Palha, 2013, p. 2) Este espaço caracteriza-se por apresentar a forma de um quadrado, truncado apenas em um dos vértices. Este é o terceiro espaço deste volume que se caracteriza por ser totalmente revestido a madeira. Neste caso o teto apresenta a forma de uma cobertura de quatro águas. É interessante esta estratégia de apresentar um teto diferente em cada um dos espaços, tendo em conta que esta simples alteração gera logo uma ambiência totalmente diferente.

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A iluminação dos espaços é muito simples e embutida no teto, o que torna os espaços mais limpos e serenos.

Ilustração 119 – Espaço de Trabalho, (Governo dos Açores)

O edifício de residências temporárias surge em segundo plano, mas com a mesma expressão e relação com a paisagem envolvente. É um volume compacto de quatro águas dividido em quatro residências. A única entrada de luz que existe em cada uma das residências é através de um vão de madeira que rasga cada um dos quatro alçados de pedra. É também através deste que é feito acesso às mesmas. Uma das estratégias do arquitecto, que caracteriza estas quatro residências é o facto de existir uma hierarquia de alturas relacionada com a orientação solar de cada unidade. A parede exterior do edifício funciona como um muro, estrutural, onde passam as infraestruturas necessárias, em oposição às paredes interiores, leves e em madeira. (Mateus, 2012, p. 70) Os espaços interiores deste volume caracterizam-se por se apresentar totalmente revestidos a madeira, pavimento, paredes e teto, tal como acontecia em alguns dos espaços do CMIF. Neste caso, as áreas técnicas e de apoio, cozinha, instalação sanitária, etc, encontram-se escondidas atrás destas paredes de madeira e são espaços caracterizados por estarem pintados em cor preta. É também interessante verificar que estes espaços centrais comunicam uns com os outros.

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Ilustração 120 – Planta Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Ilustração 121 – Corte Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

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Ilustração 122 – Alçado Sudoeste Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Ilustração 123 – Alçado Nordeste Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Ilustração 124 – Vista Interior Residências, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Ambos os volumes se caracterizam por serem objetos de contrastes, na medida em que apresentam um aspeto exterior robusto, austero, com um caracter defensivo e por outro lado, um interior em madeira com uma ambiência quente e acolhedora.

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Ilustração 125 – Pátio CMIF, Aires Mateus. (Mateus, 2011)

Os edifícios são ambos construídos em betão armado. O revestimento dos espaços principais é totalmente em madeira. Nos espaços secundários de apoio, o revestimento das paredes e teto é em gesso cartonado pintado de preto e o pavimento em pedra, também de cor escura. (Cecilia e Levene, p. 209) Assumem ambos uma relação de integração e sintonia com a paisagem envolvente. Este facto deve-se muito provavelmente ao facto de estarem totalmente revestidos, incluindo cobertura, com a pedra basáltica local. Surgem na paisagem como duas rochas que aparentam sempre ter estado naquele local. Nas palavras do arquitecto Manuel Aires Mateus, o projeto “foi concebido como uma escultura de pedra colocado na paisagem, tendo por base o enquadramento da

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matéria-prima no verde circundante e a capacidade de relacionar o basalto vulcânico da região com o ambiente natural que é a Lagoa das Furnas.” (Palha apud Mateus, 2013, p. 1) A relação entre a materialidade que reveste estes edifícios e a natureza foi distinguida na atribuição do “Premio Internazionale Architetture di Pietra 2011 – XII edixione”, na cidade italiana de Verona, que premiou a qualidade espacial e arquitectónica do projeto assim como a sua execução utilizando a pedra local. Para além destes dois edifícios, o projeto inclui ainda o desenvolvimento de alguns espaços exteriores como complemento e integração com a paisagem “A zona envolvente engloba um conjunto de áreas, nomeadamente, zona de merendas e estadia, instalações sanitárias, parque de estacionamento, e um amplo espaço verde onde os visitantes podem contemplar a paisagem e desenvolver atividades de lazer.” (Palha, 2013, p. 2)

Ilustração 126 – “Área de esta exterior”, FG + SG. (Guerra, 2014b)

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4. PROJETO E PEDRA

Ilustração 127 – Maquete 1:200 do conjunto. (Ilustração nossa, 2012)

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4.1. POUSADA NA QUINTA DE RIBAFRIA A Quinta da Ribafria, localizada em Lourel no concelho de Sintra foi o sítio do 1º trabalho de Projeto III, do 5º ano. Localizada no vale tangente à encosta norte da Serra de Sintra, possui características muito próprias. O clima e a humidade características do sítio, a massa arbórea abundante e a luz coada tornaram-se logo à partida fatores essenciais a ter em conta na abordagem ao projeto. A relação de respeito e sintonia com a natureza e com a paisagem marcaram logo à partida uma das premissas do projeto. A estratégia projetual passou por aproveitar as características próprias do sítio gerando relações que permitam que a Pousada da Ribafria ofereça aos seus utilizadores ambiências e situações que, por todos os fatores naturais, aliados ao património edificado com grande carga histórica, não existem em nenhuma outra.

Ilustração 128 – Planta de Implantação, Lourel, Sintra. (adaptação a partir de Sociedade Técnica de Planeamento e Organização de Projectos Lda, s.d.)

A abordagem ao projeto iniciou-se através de uma primeira visita ao local. Ao nível do património edificado encontramos arquitectura de várias épocas datando o edifício mais antigo do séc. XVI. Ficou logo à partida claro que os edifícios foram surgindo ao longo do tempo seguindo uma lógica de adição até aos dias de hoje. Por outro lado, a importância arquitetónica dos mesmos segue uma proporção inversa, sendo o mais antigo o que apresenta maior importância e qualidade ao nível da sua arquitetura. A definição do grau de importância de cada uma das pré-existências tornou-se importante para a tomada de decisões posteriores ao nível da reutilização e adaptação dos espaços a novas funções, conforme será possível verificar.

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Ilustração 129 – Vista Frontal do Palácio. (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 130 – Entrada nascente no pátio principal do núcleo (A,B). (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 131 – Entrada no edifício A (Receção). (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 132 – Passagem entre o corpo A e o corpo B. (Ilustração nossa, 2012)

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Para além da percetível diferença entre a aquitectura de várias épocas, outra das características interessantes é a existência de dois substratos diferentes ao nível da componente vegetal e natural. Existe um contraste bem evidente no local que corresponde às linhas bem definidas e à regularidade do Jardim Francês, originalmente constituído por árvores de fruto, face ao denso bosque composto por percursos de descoberta característicos de um Jardim Romântico, pontuado por momentos especiais de paragem e descoberta. Estas duas situações, totalmente opostas e de grande contraste foram apenas mais um dos fatores a ter em conta na proposta de intervenção neste lugar.

Ilustração 133 – (à esquerda) Jardim Françês. (Ilustração nossa, 2012) ; (à direita) Jardim Romântico. (Ilustração nossa, 2012)

Na vasta área da Quinta da Ribafria existem ainda vários pontos de interesse, muitos deles relacionados com a água tais como, a mina, os vários fontanários, a nora de água, o tanque associado ao edifício do palácio e o próprio rio das maçãs que passa no interior do lote da quinta. Estes elementos associados à existência de vários percursos no interior das duas vertentes da paisagem natural permitiram à partida definir que era possível criar várias situações de interesse em relação à apropriação do espaço.

Ilustração 134 – (à esquerda) Nora de água. (Ilustração nossa, 2012) ; (à direita) Tanque junto ao edifício principal. (Ilustração nossa, 2012)

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Relativamente afastadas do núcleo edificado encontram-se as antigas instalações da piscina, às quais só se chega após percorrer o denso bosque. Esta situação de afastamento e de isolamento em que existe uma relação entre o utilizador e a natureza levou a que fosse tomada a decisão de reaproveitar as mesmas, como será possível perceber mais à frente. O programa deste trabalho envolveu mais do que uma pousada. As premissas programáticas consistiam em readaptar os espaços das edificações existentes, que fossem consideradas relevantes, e construir novos volumes de modo a incorporar todo o programa. Para além da pousada, o programa envolvia o projeto de um spa, umas piscinas exteriores, um restaurante de autor e uma zona de eventos destinada a casamentos, reuniões, entre outros. Os edifícios existentes foram à partida nomeados com as letras A, B e C. (Ilustração 128) O edifício A, o mais antigo e mais importante ao nível arquitetónico, caracterizava-se por possuir uma torre com quatro pisos sendo o restante edifício de três pisos. Os espaços deste edifício eram todos diferentes e apresentavam, alguns deles, tetos com caixotões decorados com pinturas antigas e de grande valor. Assumindo um caracter mais público de modo a poder ser visitado e apreciado por todos, a estratégia neste corpo passou por restaurar os espaços existentes e readapta-lo para acolher alguns espaços de estar e o restaurante de autor. Sendo o edifício mais importante e característico da quinta, é nele que se encontra a receção. Ao nível do piso -1, as antigas cozinhas foram restauradas e mantiveram a mesma função. No piso térreo encontram-se a receção, as salas de jantar do restaurante, a sala de pequenos-almoços e uma capela (pré-existente). A torre foi aproveitada para criar espaços de estar, sendo o piso 1 da mesma um espaço de bar e o último piso desta, uma sala de estar com vista panorâmica de 360º sobre a Quinta.

Ilustração 135 – Vista do edifício principal, Quinta de Ribafria (Desenho nosso, 2012)

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O edifício B, sendo um edifício mais recente, mas que pela sua localização e interligação com o edifício A, formam em conjunto um núcleo dinâmico que interage com vários pátios, foi um edifício a manter. No entanto, o seu interior foi totalmente modificado, não só para receber espaços diferentes e com outras dimensões mas também para que quem percorre o espaço tenha a perceção de uma transição gradual entre o edifício principal e característico da Quinta (edifício A) e os edifícios que resultam da adição proposta. No edifício B encontram-se áreas técnicas, áreas privadas correspondentes à administração e áreas semipúblicas, como salas de estar. Em relação ao edifício C, este foi destruído por não apresentar características que lhe conferissem uma importância e unidade face ao núcleo A e B.

Ilustração 136 – "Esquema de apropriação do terreno e da relação entre edifícios e pátios" (Desenho nosso, 2012)

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Ilustração 137 - Planta núcleo A e B. (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 138 - Planta núcleo A e B - I. (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 139 – Planta núcleo A e B - II. (Ilustração nossa, 2012)

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A nossa estratégia de intervenção passou por criar volumes que se apropriaram do terreno na sequência do corpo B, tanto para Nascente, numa relação com a paisagem natural geométrica do jardim francês, como para Poente, numa relação com a paisagem romântica. Com isto o corpo A manteve uma posição de destaque, continuando a assumir-se como o edifício mais importante e característico da Quinta da Ribafria. No quadrante Este da Quinta encontra-se o núcleo de eventos. Este caracteriza-se por surgir numa relação geométrica com o Jardim Francês. Os dois volumes correspondentes surgem relacionados com pátios, à semelhança do que acontece com o núcleo dos corpos A e B.

Ilustração 140 – Núcleo de Eventos. (Desenho nosso, 2012)

Ilustração 141 – Corte núcleo de eventos. (Ilustração nossa, 2012)

No quadrante Oeste surge o núcleo dos quartos e o núcleo do spa, ambos numa relação de interior / exterior entre volume e natureza envolvente. A piscina e o campo de ténis permaneceram no mesmo local, tendo apenas sido proposto um novo volume de apoio.

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Ilustração 142 – Planta de implantação dos volumes e percursos. (Desenho nosso, 2012)

Ilustração 143 –- Maquete 1:200 (quartos + spa). (Ilustração nossa, 2012)

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O objetivo da nossa intervenção foi projetar de modo a que os novos volumes introduzidos na paisagem natural e consolidada da Quinta da Ribafria surgissem numa relação de simbiose, tentando fazer parecer sempre lá terem estado, numa relação de fusão com a natureza. A estratégia foi promover a relação entre edificado e natureza, o interior e o exterior, de modo a aproveitar e a valorizar as características naturais especificas deste sítio, que o tornam único. O conceito baseou-se numa interpretação do sítio, no caso a Serra de Sintra. Uma das imagens características desta são os penedos que surgem no meio da massa arbórea, atualmente abundante na Serra. A ideia foi fazer com que os edifícios propostos surgissem, eles também, como se fossem grandes penedos distribuídos pela paisagem da Quinta da Ribafria. (Ilustração 138) A materialidade assumiu desde o início do projeto uma grande importância. Neste caso, a ideia passou por revestir os novos edifícios com a pedra mais característica da Serra, o granito. Com o passar do tempo, as condições climatéricas do sítio irão fazer com que a pedra ganhe características próprias como o musgo e o desgaste natural resultante do processo de erosão causado pelos fatores naturais, aumentando ainda mais a relação de integração e harmonia entre o edificado e a paisagem natural. A passagem do tempo irá refletir-se no material, fazendo com que este revestimento adquira cada vez mais uma identidade que o liga ao lugar. O projeto do CMIF dos arquitectos Aires Mateus foi uma das grandes referências para a realização deste projeto. Tal como no CMIF, a ideia foi introduzir na paisagem natural um edifício construído com um sistema construtivo moderno em betão armado e posteriormente revesti-lo com um material que o relacionasse com o sítio, no caso, a pedra. Uma segunda ideia conceptual, também ela baseada no projeto do CMIF foi prolongar o plano das paredes pelos planos das coberturas inclinadas. No nosso projeto a opção pelas coberturas inclinadas deveu-se, não no só à ideia de penedo irregular como também ao objetivo de criar uma continuidade com o que acontece no núcleo dos corpos A e B em que as coberturas configuram espaços e volumes. (Ilustração 139) Com isto cria-se uma unidade de projeto. Por outro lado a opção por coberturas inclinadas reflete-se ao nível do espaço interior que ganha uma dinâmica espacial.

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Ilustração 144 – Imagens conceito (adaptação a partir de Ilustrações nossas, 2012)

Ilustração 145 – Vista das coberturas do núcleo (A,B). (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 146 – Esquema da ideia de revestir o edifício interiormente e exteriormente com a materialidade característica do sítio. (Desenho nosso, 2013)

Ilustração 147 – Esquema conceptual da interpretação das características do sítio. (Desenho nosso, 2013)

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Os novos volumes surgem como extensões dos corpos existentes, apropriando-se da envolvente natural e criando relações constantes de interior / exterior, não só ao nível dos pátios mas também com os vários percursos criados. Tal como acontece em Can Lis, projeto do arquiteto Jorn Utzon estudado na presente dissertação, os volumes surgem numa relação com pátios associados, e as várias funções são distribuídas pelos vários volumes. Cria-se assim uma dinâmica de relação entre o interior quente, defensivo e acolhedor e o exterior natural, na maior parte do tempo húmido e sombrio. A ideia de relação com ambiente exterior encontra-se presente em quase todos os espaços da proposta havendo assim uma aproximação dinâmica entre interior e exterior à semelhança do que acontece, com maior relevância, por exemplo, na sala de estar de Can Lis. O exterior parece ser sugado para o interior e no interior sentimonos como se estivéssemos em contacto com o exterior. Esta ideia de relação do espaço interior com pátios associados surge também na sequência da interpretação das características do núcleo formado pelos corpos A e B, no qual há uma relação dinâmica com vários pátios, que por sua vez apresentam características distintas. A ideia de penedo leva ainda a outra ideia conceptual interessante relacionada com a questão da materialidade, que consiste no facto de os edifícios apresentarem exteriormente um carácter robusto e defensivo e, em contraste, o interior ser trabalhado de modo a tornar-se um espaço quente e acolhedor. A escolha dos materiais teve de ser pensada de modo a que fosse possível criar estas condições e estes espaços que se pretende que criem estas sensações nos utilizadores da Quinta e da Pousada, um pouco à semelhança do que acontece no CMIF.

Ilustração 148 –- Contraste entre interior e exterior. (Desenho nosso, 2013)

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O núcleo dos quartos caracteriza-se por possuir o interior totalmente forrado a madeira. A escolha deste material deveu-se ao facto de ser um material quente e com grande relação com o ambiente natural próprio da Quinta. O mesmo acontece em alguns dos espaços do núcleo do spa. Ainda relativamente aos quartos, o facto de os volumes possuírem coberturas inclinadas reflete-se no interior do espaço o que permitiu criar dinâmicas interessantes. A instalação sanitária funciona como uma caixa isolada no centro, funcionando o restante espaço do quarto em volta desta.

Ilustração 149 – Funcionamento dos quartos. (Desenho nosso, 2012)

Ilustração 150 – Corte Transversal (Quartos). (Desenho nosso, 2012)

Ilustração 151 – Maquete 1:200 (quartos + spa), I. (Ilustração nossa, 2012)

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Ilustração 152 – Planta núcleo dos quartos + Spa. (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 153 – Planta núcleo dos quartos - I. (Ilustração nossa, 2012)

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O spa surge como sendo um núcleo isolado no meio do bosque, ao qual se acede através dos percursos exteriores ou diretamente a partir do núcleo dos quartos. A ideia de relaxamento associada ao conceito de spa é reforçada através da estratégia de projeto que passa por criar uma relação continua entre espaço e natureza, interior e exterior. Este núcleo caracteriza-se por apresentar as diversas funções distribuídas por vários volumes que por sua vez, mantêm uma relação constante com os pátios e, por conseguinte, cria-se uma dinâmica interior / exterior com vários momentos e ambientes diferentes, um pouco à semelhança do que acontece em Can Lis.

Ilustração 154 – "Núcleo do Spa" (Desenho nosso, 2012)

Ilustração 155 – Planta núcleo spa. (Ilustração nossa, 2012)

Ilustração 156 – Corte núcleo spa. (Ilustração nossa, 2012)

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Os diversos núcleos surgem distribuídos no espaço da quinta, no entanto mantêm sempre uma relação topográfica uns com os outros e estão interligados com percursos interiores e exteriores. Por fim, em relação ao espaço de lazer referente à piscina e ao campo de ténis, o objetivo de os ter mantido no local de origem, adaptando apenas o espaço envolvente e criando um volume de apoio, passou por manter a ideia inicial de percorrer o espaço natural do bosque para chegar a um espaço de recolha e isolamento composto pela piscina e pelo campo de ténis. No caso, após percorrer o bosque chegamos a um sistema de rampas que permite uma aproximação gradual com vista aberta sobre a zona da piscina.

Ilustração 157 – "Área de piscina exterior" (Desenho nosso,2012)

Ilustração 158 – Maquete 1:200 (área de piscina). (Ilustração nossa, 2012)

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Numa perspetiva crítica à proposta, poderia ter sido feita uma abordagem ainda mais atenta às condições naturais, na medida em que poderia ter havido uma melhor interpretação e adaptação às características topográficas do sítio, tal como faz Jorn Utzon em Can Lis. No nosso caso a estratégia demasiado geométrica e regular na relação entre edifício e pátio fez com que a proposta criasse algumas alterações significativas ao nível da topografia. Os volumes propostos poderiam ter-se distribuído segundo as características topográficas mantendo sempre a relação com os pátios e a natureza, sem perder a ideia de unidade. Este é apenas um dos aspetos que poderiam ter sido abordados de outro modo caso houvesse um conhecimento do projeto de Jorn Utzon, Can Lis, anterior à realização da nossa proposta. Isto poderia ter acontecido principalmente no quadrante Oeste da Quinta referente ao bosque no qual uma adaptação natural dos volumes ao sítio poderia ter criado uma relação mais característica com as condições naturais do que é um bosque, onde tudo surge de um modo mais natural face às regras e regularidade do Jardim Francês. Por outro lado poderia ainda ter havido uma maior integração dos muros de pedra seca que limitam e criam socalcos na topografia do terreno. Poderíamos ter optado por uma estratégia diferente, a de construir em pedra. O aproveitamento da pedra existente, e a continuidade do método construtivo presente nos muros de pedra da Quinta, poderiam fazer sentido na criação de uma relação com o sítio. No entanto, a nossa estratégia surgiu conscientemente a partir de um objetivo conceptual e baseada na obra que serviu de referência ao prejeto, o CMIF. Por outro lado, a estratégia e o conceito adotado baseiam-se claramente numa perspetiva de respeito, integração e sintonia entre o objeto arquitetónico e a paisagem natural, tendo isto sido uma das premissas da proposta. As ideias defendidas na presente dissertação relativas à questão da materialidade no ato de projetar e na importância que esta tem, sendo a componente física do projeto, na relação com a paisagem natural, formam a base do 1º trabalho de projeto III do 5º ano.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS No processo de desenvolvimento desta dissertação foi possível aprofundar conhecimentos relativamente ao modo como a pedra foi sendo utilizada na arquitectura até aos dias de hoje. O foco em determinados momentos por nós considerados de maior relevância, permitiram interpretar e comparar o modo como evoluíram os sistemas construtivos que têm como base a pedra. A pedra é um material natural, uma matéria-prima fácil de encontrar, que pelas suas características, resistência e expressão maciça, assumiu um caracter preferencial em todo o tipo de construções, desde as mais simples às mais monumentais que se pretendia que fossem eternas. Muitas destas construções resistiram até aos dias de hoje e continuaram a demonstrar a importância deste material na História da Arquitectura. Tornou-se imprescindível, na abordagem ao tema, adquirir um conhecimento ao nível dos processos construtivos históricos relacionados com este material, para posteriormente entender o processo de transformação de que foi alvo e o modo como passou a ser utilizado. Só após conhecer e entender o passado da pedra na arquitectura se torna possível refletir no modo como se caracterizará a sua utilização futura nesta arte. Existem duas vertentes no modo como a pedra é utilizada na arquitectura. A pedra utilizada como material de construção e a pedra utilizada como material de revestimento. A questão construtiva ficou marcada pelo sistema do trílito e pelo sistema do arco e da abóbada. São dois sistemas totalmente distintos como foi possível perceber ao longo desta dissertação, mas que se relacionam por garantirem a expressão física de um projeto pensado e desenhado. Por outro lado, a segunda vertente é a utilização da pedra como material de revestimento. Neste segundo caso existe uma estrutura construída num determinado material, que posteriormente é revestido com pedra. Ambos os casos incluem a pedra na materialização de uma proposta no entanto assumem processos totalmente distintos. O revestimento de um edifício com pedra não é apenas uma situação contemporânea como foi possível verificar. Já os romanos utilizavam esta estratégia para revestir os edifícios construídos com o “betão do passado”, o Opus Caementicium. O objetivo de certo modo era o mesmo, o de criar um acabamento mais resistente tirando partido da

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beleza da pedra. Mas há muito mais para além deste aspeto. No passado recente, a pedra deixou de ser o material preferencial ao nível construtivo porque a evolução tecnológica permitiu o surgimento de novos sistemas construtivos baseados noutros materiais, que por vários motivos, incluindo, por exemplo, a questão do limite na arquitectura, fizeram com que assumissem um caracter preferencial face ao que era tradicional em pedra. A evolução tecnológica não só possibilitou o surgimento de sistemas construtivos com novos materiais, como permitiu que a pedra fosse trabalhada de modo a assumir uma importância diferente daquela que tinha para os arquitectos antigos. Os arquitectos passaram a olhar para este material e para as possibilidades que as novas tecnologias permitiram, como um material que assumia uma expressão de inovação e modernidade. Assumiu um caracter de revestimento caracterizado pela beleza e expressão que atribuía aos objetos arquitetónicos revestidos. Passou a surgir nas mais variadas formas, com múltiplos acabamentos e em grande variedade. É utilizado em espaços interiores e exteriores. A tradicional função construtiva foi perdendo expressão face à função de revestimento. Hoje em dia, este material permite aos arquitectos resolver múltiplas soluções conceptuais e questões espaciais associadas. O material, no caso a pedra, deixou de ser apenas um material que constrói a ideia para passar a ser o material que reveste diversos tipos de espaços, que por sua vez, geram sensações diversas nos seus utilizadores. Por outro lado, por ser um material natural, pode ser usado como material integrador do objeto arquitetónico na paisagem onde se insere. Pode ser associado a diversos sistemas construtivos que permitam resolver as ideias conceptuais que um sistema construtivo tradicional em pedra não poderia. Consegue-se ainda fazer com que um edifício construído a partir de um sistema construtivo contemporâneo assuma a expressão de um edifício construído em pedra. Com isto, o arquitecto ganha uma maior liberdade projetual e mantem presentes questões como a relação com o sítio, as características espaciais e conceptuais. O estudo realizado sobre estas matérias permitiu completar e “concluir” uma proposta prática desenvolvida no âmbito da disciplina de Projeto III, assim como, refletir sobre a mesma, conforme apresentado na presente dissertação. Para além disso, o estudo aprofundado de três obras de arquitectura contemporânea com características distintas permitiram uma experiência sensível das questões aqui defendidas, que constituiu um ponto de partida para um maior aprofundamento das mesmas.

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Qualquer que seja a estratégia de projeto, uma questão essencial para o arquitecto é ter a noção que tudo o que pensa pode vir a materializar-se. A materialidade tem de ser abordada com uma atenção especial na medida em que influência diretamente o espaço construído e as sensações que este transmite aos utilizadores. Podemos pensar um espaço de um determinado modo e quando este for materializado assumir um caracter totalmente diferente. Para além disso, quando construímos, não construímos no indefinido. Construímos num sitio, o qual é importante respeitar e com o qual se estabelecem relações de maior ou menor proximidade. Construir em pedra e revestir em pedra são dois princípios distintos, mas em ambos os casos podemos conseguir uma arquitectura contemporânea. Utilizar um sistema construtivo tradicional em pedra não significa que não é possível obter um projeto totalmente contemporâneo, tal como foi possível concluir após o estudo dos projetos referência da presente dissertação. Concluindo, uma lição importante é que por vezes é possível projetar e construir obras totalmente intemporais. Can Lis, obra do arquitecto Jorn Utzon foi sem dúvida uma experiência memorável, tanto ao nível da questão sensível da visita in situ como no estudo reflexivo posterior. É um edifício que surge perfeitamente integrado no sítio, criando relações com a cultura arquitetónica local. A construção segundo processos tradicionais consegue reunir questões espaciais contemporâneas, espaços geradores de sensações distintas e complexas, difíceis de explicar por palavras, mas intensamente presentes na memória.

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