Livro oi kabum! 12 anos cap's 01 02 03

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Aposta no potencial expressivo e transformador das juventudes


Um voto de confiança aos jovens A juventude popular urbana é a essência do Programa Oi Kabum!. É aquela que dá vida e que norteia o fazer cotidiano das escolas. São jovens entre 16 e 21 anos que cursam ou são egressos do ensino médio de escolas públicas e que muitas vezes vivenciam situações de invisibilidade social. Alguns são, ou já foram, marginalizados e vistos como um problema, e não como sujeitos capazes de mudanças sociais. As ações promovidas pelo programa têm a intenção de oferecer oportunidades que possam potencializar a natureza criativa própria da juventude, de forma a transformar suas realidades. A juventude é um período de mudanças físicas, intelectuais, emocionais e de descobertas. É uma categoria social que possui características próprias, que incluem, por exemplo, a construção de valores, a preparação para o ingresso no mundo do trabalho e a ampliação das relações e vínculos sociais. Porém, a visão da juventude adotada pelo programa Oi Kabum! vai além desses aspectos e se preocupa em não homogeneizar a experiência de ser jovem. Compreende-se que cada indivíduo vive esse momento de maneira diversa e leva-se em consideração questões particulares, como classe, raça/etnia, gênero, renda, escolaridade, base familiar, espaços por onde transita, época e local de nascimento, modos de participação política e de expressão cultural. Por isso, muitos teóricos afirmam que mais do que falar de juventude, devemos falar de juventudes, no plural. Justamente por serem tão diversos, os jovens devem ser tratados de maneiras distintas, de acordo com suas trajetórias e histórias de vida, que são únicas. O projeto pedagógico que norteia o programa Oi Kabum! procura respeitar, negociar e interagir com os saberes que os jovens já possuem. Saberes estes que foram socialmente construídos, que emergem da experiência de realidades concretas e que irão compor uma via de mão dupla entre educadores e estudantes. A ideia é procurar fazer com que estas particularidades e demandas juvenis sejam expressadas, ressignificadas e atendidas. A juventude é uma etapa da vida na qual há


mais facilidade para acompanhar as transformações da sociedade e, ao mesmo tempo, uma grande capacidade para propor mudanças, seja no campo cultural, social ou político. Há mais propensão a questionar e problematizar a ordem social. Esse é também um momento singular da formação da identidade e da descoberta do seu papel e lugar no mundo. Por ser um período bastante propício à experimentação e à exploração de novas possibilidades e potencialidades, é nele que muitas escolhas importantes serão feitas. Por isso mesmo, essa é uma fase particularmente oportuna para oferecer a estes jovens uma educação de concepção integral.

Por uma formação integral A concepção de formação integral adotada pelo programa Oi Kabum! compreende a oferta de uma educação plena ao indivíduo, na qual diversas dimensões humanas são consideradas e desenvolvidas. O jovem é estimulado a realizar sua própria leitura do mundo e também a elaborar sua forma de atuação sobre ele. É um processo educativo que o desperta para a ação como cidadão integrado à sociedade e aos processos sociopolíticos. A aposta no potencial expressivo dos jovens e o investimento nas tecnologias de informação e comunicação, assim como na produção artística e cultural, atuam como eixos que integram o trabalho educativo. A atuação com esfera cultural é capaz de agregar sociabilidades, práticas coletivas e interesses comuns. O processo formativo é, então, orientado para a produção e o compartilhamento do conhecimento por meio de diversas linguagens artísticas e midiáticas, buscando desenvolver nos jovens uma postura consciente, de forma a compreenderem a realidade social, econômica, política e cultural de seus territórios (sua comunidade, sua cidade, seu país, seu mundo).

Singular que se faz plural As singularidades e trajetórias de vida dos jovens norteiam o projeto pedagógico do programa. Os saberes juvenis são respeitados, debatidos e entram em interação com as práticas educativas. As demandas dos jovens ganham espaço para serem expressas e assim podem se reconfigurar positivamente. O programa gera oportunidades de experimentação artística e de trabalho para os jovens.


Os jovens de comunidades populares urbanas podem encontrar no campo da cultura um espaço privilegiado para a construção positiva de suas identidades. Eles têm a possibilidade de serem reconhecidos e de se tornarem visíveis para uma sociedade que, muitas vezes, os ignora. Por meio da cultura, os jovens têm a possibilidade de intervirem e se posicionarem, de forma significativa, na sociedade em que estão inseridos. É assim que o programa Oi Kabum! busca estimular os jovens como atores para um processo coletivo de construção e transformação social. Ao utilizarem a criatividade e as tecnologias de informação, eles podem atuar na melhoria de suas condições de vida e também na melhoria das condições daqueles que estão em seus círculos sociais. Os jovens se tornam capazes de empreender mudanças em sua própria vida e também no mundo. Um exemplo que pode ser destacado nesse sentido é a atuação com coletivos comunitários e a prospecção de serviços com aparelhos comerciais das próprias comunidades com serviços de arte e design.

Ensino na perspectiva integral Abordagem que compreende e respeita as várias dimensões do sujeito. Formação para a cidadania. O conhecimento no ato de criação (no caso, artística e cultural). Fomento à expressão juvenil por meio da arte e das tecnologias de informação e comunicação. Incorporação da bagagem cultural dos jovens na concepção de ideias e no processo criativo.


Leitura crítica do mundo

Formação integral do jovem por meio da arte e da tecnologia

Transformação da realidade por meio das produções artísticas


Criatividade protagonista, autônoma, libertadora... Noale Toja

Educadora Escola Oi Kabum! Rio de Janeiro

A primeira pessoa soa como eu sou, a segunda pessoa soa como tu és , a terceira pessoa soa como ele e ela também . Q ualquer pessoa soa , toda pessoa boa soa bem Gilberto Gil 1

Todos nós soamos alguma coisa, soamos nossa humanidade.

O trecho da música de autoria de Gilberto Gil que tanto nos toca, traduz o olhar do programa Oi Kabum! para os jovens, que são vistos como sujeitos de suas ações, em suas singularidades e multiplicidades. Também traduz como o saber trazido por cada educando ao ingressar à escola é recebido. Todo conhecimento é válido e é adotado de maneira transversal, horizontal. Para o educador Paulo Freire, ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção, para sua troca. Isso implica criar um espaço vazio de preconceitos e aberto ao reconhecimento do valor do que cada jovem traz consigo. O processo de ensino-aprendizagem é uma via de mão-dupla: quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Compreende-se, portanto, a educação como promoção de uma experiência participativa que posiciona os sujeitos envolvidos na construção desse saber. Desmistifica o senso de autoridade e transforma os educadores e estudantes em colaboradores na tessitura de conhecimentos. O programa procura trazer para a cena o estudante como protagonista da produção de conhecimento em cooperação com o educador e todos os demais jovens e os profissionais, negando assim, as formas de ensino instituídas nos paradigmas tradicionais que são excludentes e unilaterais. A metodologia utilizada prevê dinâmicas e práticas educativas que solicitam que o jovem se posicione e faça escolhas em seu percurso de aprendizagem.

1 GIL, Gilberto. O som da pessoa. Intérprete: Gilberto Gil. In: _____. Gilluminoso. Rio de Janeiro: Gege Produtora, p 2006. 1CD. (59 min.)


Ao criar artisticamente, o estudante escolhe as linguagens que quer experimentar, as técnicas que vai utilizar, os temas que vai explorar. O processo criativo o convida a se conhecer, a expressar suas ideias e a se desenvolver de forma autônoma. É um processo interativo, criativo, crítico e libertador. Os jovens são provocados a produzir arte e a utilizar a tecnologia expressivamente. São desafiados a levantar questionamentos, refletir sobre as situações que os incomodam e propor uma atuação criativa e exequível. Com sua atuação, seu pensamento, sua sensibilidade, seu afeto, os estudantes também afetam outros jovens, agenciam outros pensamentos, atuam de maneira micro, mas com perspectiva de uma mudança de atmosfera, no trato da humanidade de cada um, que impacta no macro. Os processos educativos que permitem o “emocionar” são mais potentes. O programa Oi Kabum! abre espaço para essa emoção criativa. E o estudante se percebe com a capacidade de construir um mundo menos competitivo, arbitrário, individualista, e sim, mais colaborativo, solidário. O programa traz para a cena, neste espetáculo que é a vida, o lugar do sujeito, autônomo e responsável pela sua criação. É o pesquisador Felix Guattari que define o indivíduo contemporâneo como resultado de uma produção de massa, serializado, registrado, modelado, um sujeito hegemônico. E nas escolas Oi Kabum! o jovem é convidado a ser um protagonista, sujeito de afetos, de sensibilidades, criativo, realizador, autônomo.

Referências bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Petrópolis: Vozes, 1997. GUATTARI, Felix. Três ecologias. SãoPaulo: Papirus, 1997.


A centralidade da cultura para a formação juvenil A

relação das juventudes com o mundo da cultura tem sido

significativa em todas as gerações e ganha ainda mais relevância na contemporaneidade , com a cultura digital .

Diversos

pesquisadores

2

e educadores brasileiros têm afirmado que as experiências no campo da cultura subsidiam o autoconhecimento , o reconhecimento , a mobilidade social e ampliam as potencialidades e oportunidades de desenvolvimento dos jovens .

O

programa Oi Kabum! fundamenta

seu projeto pedagógico nestas referências e busca experimentar e compartilhar metodologias educativas com potencial de inspirar outras iniciativas de educação juvenil no país .

As

reflexões do professor

Juarez Dayrel3

têm inspirado as práticas

educativas do programa ao longo desses anos .

O

professor aponta

que o acesso à fruição e à produção cultural é um direito dos jovens e defende o fomento a políticas públicas que promovam esta cidadania cultural .

O Programa Oi Kabum! fez o convite para que autor compartilhasse estas reflexões neste livro .

2 Se destacam pesquisas realizadas pelos Observatório da Juventude, da Universidade Federal de Minas Gerais (observatorio dajuventude. ufmg.br) e Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (www.uff.br/ observatorio jovem). 3 Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais.


Por políticas públicas que ampliem o acesso e a adesão às linguagens culturais pelos jovens brasileiros Juarez Dayrell

Ao andar pelas ruas de qualquer grande centro urbano salta aos olhos a presença dos jovens. Eles aparecem por meio de algumas marcas que evidenciam as expressões contemporâneas da vida juvenil. São as tatuagens, piercings, pulseiras, bonés, colares... E não podemos esquecer das novas tecnologias: celulares, fones de ouvido, tablets, note e netbooks, dentre outros aparelhos eletrônicos que, quase sempre, estão com eles. Fica evidente que estamos diante de uma geração que apresenta especificidades e, dentre elas, a relação com o mundo da cultura parece ser uma das mais significativas. Mas a relação da juventude com a cultura não é uma prerrogativa da sociedade contemporânea. Em toda sociedade humana, os jovens sempre foram alvo específico de alguma liturgia, como os ritos de passagem (Van Gennep, 1986), ou se integravam ativamente no conjunto de festas e rituais que constituem a dinâmica social. Fabre (1996) descreve uma festa ritual, no século XIX, comum nas aldeias e cidades europeias, chamadas de: O reino temporário dos jovens. Podemos dizer, então, que a relação entre juventude e cultura é um velho tema que se reatualiza (Dayrell, 2005). E, nesse processo, podemos constatar que a cultura e suas expressões ganham cada vez maior centralidade na afirmação da juventude como uma etapa própria da vida, demarcando uma separação geracional. Alguns autores (Feixa, 1998; Leccardi, 1991; Abramo, 1994) ressaltam que foi no período pós-guerra que se assistiu a uma afirmação da juventude como uma idade da vida específica. Sua visibilidade, principalmente a partir da década de 50, ocorre nas esferas da cultura e do consumo, devido a alguns fatores, como a ampliação da proteção do Estado de bem estar social e uma crise da autoridade patriarcal, que levou a uma ampliação da liberdade juvenil. A estas condições se aliou o florescimento de um mercado de consumo dirigido aos jovens, sem grandes

3 Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minhas Gerais.


distinções de classe, que se traduziu em modas, adornos, locais de lazer, música e revistas. Ao mesmo tempo, a expansão dos meios de comunicação de massa promoveu, pelo rádio, pelos discos e pelo cinema, o aparecimento de uma “cultura juvenil”, que se distinguia, não mais em torno da criminalidade ou mesmo da escola, mas em torno do tempo livre, com uma identidade própria expressa no estilo, na escolha musical e em uma estética visual, como os teds, mods ou os rockers4. Mas também grupos com uma proposta alternativa de sociedade, como os beats5 ou, um pouco mais tarde, os hippies6. Todo esse processo se exacerbou com as profundas transformações sociais e tecnológicas que vivenciamos nas últimas décadas. Tais mutações vêm afetando as relações entre o tempo e o espaço, interferindo diretamente nas instituições e nos processos de socialização das novas gerações7. As instituições classicamente responsáveis pela socialização, como a família, a escola e o trabalho, vêm mudando de perfil, estrutura e também de funções.

Os jovens da atual geração vêm se formando e se construindo como atores sociais de maneira muito diferente das gerações anteriores, o que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude. Um exemplo é o acesso cada vez maior à produção e à circulação de informações e, especialmente, um tipo particular de informação, que é a imagem. Por meio da intensificação da velocidade das informações, os jovens entram em contato (e, de alguma forma, interagem) com as dimensões locais e globais, que são determinadas mutuamente, mesclando singularidades e universalidades. Assim, obtêm acesso a diferentes modelos sociais e modos de ser e de viver, que interferem diretamente na construção de modos de ser jovem. Esse contexto é o pano de fundo para compreendermos as relações entre juventude e cultura no Brasil.

4 Teds, Mods, Rockers são movimentos juvenis do final dos anos 50, surgidos na Inglaterra. 5 Beat é um movimento juvenil norteamericanos, principalmente de escritores e poetas, que se tornou conhecido no fim da década de 50 e no começo da década de 60. 6 O movimento hippie foi um comportamento coletivo de contracultura dos anos 60. 7 Para ampliar esta discussão sobre as mutações sociais ver Giddens, 1991; Melucci, 1994; Dubet, 2000; Lahire, 2002; Pais, 2003,.


Juventude e Cultura no Brasil A partir da década de 90 assistimos, no Brasil, a uma

nova forma de visibilidade dos jovens. Percebe-se que as dimensões simbólica e expressiva têm sido cada vez mais utilizadas como formas de comunicação e podem ser notadas nos comportamentos e atitudes pelos quais se posicionam diante de si mesmos e da sociedade. A música, a dança, o vídeo, o corpo e seu visual, entre outras formas de expressão, têm sido os mediadores que articulam jovens que se juntam para trocar ideias, ouvir um som, dançar, dentre outras diferentes formas de lazer. Mas também se tem ampliado o número daqueles que se colocam como produtores culturais e não apenas fruidores, agrupando-se para produzir músicas, vídeos, danças, ou mesmo poesias, nos saraus que vêm se tornando cada vez mais comuns. Nas periferias dos grandes centros urbanos, podemos constatar essa efervescência, com jovens pobres inserindose em um circuito alternativo que envolve produtores de diversos tipos, como os musicais e seus pequenos estúdios, shows e eventos.

O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Nessas práticas, criam novas formas de mobilizar os recursos culturais da sociedade atual para além da lógica estreita do mercado, assumindo um papel de protagonistas. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre os tendo como referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens. Ostentam os seus corpos e neles falam sobre a adesão a um determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizar um estatuto social almejado. Nesse contexto, ganham relevância os grupos culturais. As pesquisas indicam que a adesão a um dos mais variados estilos existentes no meio popular assume um papel significativo na vida dos jovens.




Por meio da produção dos grupos culturais a que pertencem, muitos deles recriam as possibilidades de entrada no mundo cultural, além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores ativos. Na música ou na dança que criam, nos espetáculos que fazem, nos eventos culturais que promovem, eles colocam em pauta no cenário social o lugar do pobre. Para esses jovens, destituídos por experiências sociais que lhes impõem uma identidade subalterna, o grupo cultural é um dos poucos espaços de construção de uma autoestima, possibilitandolhes identidades positivas. Eles querem ser reconhecidos, querem ter visibilidade, ser alguém num contexto que os torna invisíveis, ninguém na multidão. Eles querem ter um lugar na cidade, usufruir dela, transformando o espaço urbano em um valor de uso (Gomes, 2002; Dayrell, 2003). Ao mesmo tempo, é preciso enfatizar que as práticas culturais juvenis não são homogêneas. Em torno do mesmo estilo cultural podem ocorrer práticas de delinquência, intolerância e agressividade, assim como outras orientadas para a fruição saudável do tempo livre ou ainda para a mobilização cidadã em torno da realização de ações solidárias.

Ser jovem não é tanto um destino, mas a escolha de transformar e dirigir sua existência. Atualmente, os jovens possuem um campo maior de autonomia frente às instituições para construir modos próprios de ser jovem, de construir a si próprios como indivíduos. (Martuccelli, 2000). Há um caminho de mão dupla entre aquilo que os jovens herdam e a capacidade de cada um construir seus próprios repertórios culturais, levando em conta os limites estruturais onde cada um se insere. Nesse processo, o mundo da cultura tende a ganhar uma centralidade significativa. São comuns relatos de jovens que evidenciam que estas experiências possibilitam a descoberta do próprio desejo, das potencialidades individuais e, principalmente, a ampliação das redes sociais, aumentando, enfim, o leque de alternativas de vida que não aquelas, restritas, oferecidas pela sociedade. É nesse sentido que podemos falar da cultura e suas


expressões na perspectiva do direito, como parte dos direitos sociais, uma expressão e exigência da dignidade humana.

O direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garanta a produção cultural, bem como a liberdade de criação. Podemos falar, então, em uma cidadania cultural, garantindo aos jovens o acesso à fruição e à produção nesta área. Uma questão se coloca: em que medida os jovens brasileiros têm a garantia de uma cidadania cultural? No contexto de uma sociedade desigual, como a brasileira, podemos constatar que ainda estamos longe de garantir o acesso de todos os jovens aos direitos culturais, principalmente àqueles pobres das periferias, tanto dos grandes centros, quanto do interior do país. A escola de ensino médio, por exemplo, tem sido palco de tensões entre propostas inovadoras e tendências imobilistas.

Mesmo que a maioria das propostas político-pedagógicas ainda seja dominada por uma concepção estreita da educação reduzida à escola e nesta, aos conteúdos disciplinares, assistimos ao surgimento de experiências inovadoras nos tempos e espaços escolares, que desenvolvem ações em torno das mais diferentes expressões culturais, na perspectiva de valorizar a fruição e produção cultural dentro da escola. Por outro lado, uma série de ações e projetos desenvolvidos por ONGs tem possibilitado um avanço na construção de metodologias que levam em conta a centralidade da cultura e o protagonismo juvenil nas ações desenvolvidas. Mas ainda temos muito o que avançar.


Como nos lembra Melucci (2004), os jovens são como uma ponta de um iceberg, que torna visível as principais questões e desafios postos em cada período histórico. As relações que estabelecem com o mundo da cultura podem nos dar sinais das tendências socioculturais existentes, com seus avanços, contradições e limites. Mas também podem apontar para as demandas e necessidades que os jovens expressam no seu processo de socialização. Mas para isso é importante uma postura de escuta por parte dos adultos, considerando os jovens como interlocutores válidos naquilo que lhes diz respeito. Nesse sentido, torna-se fundamental que as políticas públicas venham garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada um experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que os jovens possam se desenvolver plenamente como adultos e como cidadãos.

Referências bibliográficas

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Horizonte: Proex/ UFMG, 2003 p. 1-4. ___________. “Juventud, grupos culturales y sociabilidad”.In: Jovenes: Revista de Estudios sobre Juventud, Mexico, DF, n. 22, p. 128-147, 2005. ___________. A música entra em cena: o funk e o rap na socialização da juventude em Belo Horizonte. Belo Horizonte: UFMG, 2005. ___________. “A escola faz juventudes? Reflexões sobre a socialização juvenil”. In: Educação e Sociedade: Campinas, v.28, n. 100. out. 2007. p. 1105-11. DUBET, F. e MARTUCCELLI, D. Em qué sociedad vivimos? Buenos Aires: Editorial Losada, 2000. FABRE, Daniel. “Ser jovem na aldeia”. In: LEVI, Giovanni e SCHMITT, Jean Claude (org.).

História dos jovens: a época contemporânea. Vol. 2. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. FEIXA, Carlos. De jóvenes, bandas e tribus. Barcelona: Ariel, 1998. GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991 HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip hop invadem a cena. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2000. LAHIRE, Bernard. Homem plural: os determinantes da ação. Petrópolis: Vozes, 2002. MELUCCI, Alberto. O jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Ed. Unisinos,2004. ___________; Passagio d’epoca; il futuro é adesso. Milano: Feltrinelli, 1994. LECCARDI, Carmem. Orizzonte del

tempo; esperienza del tempo e mutamento sociale. Milano: Franco Angeli, 1991. PAIS, José Machado. Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993. ___________. Ganchos, Tachos e Biscates: jovens, trabalho e futuro. Lisboa: Ambar, 2003. VAN GENNEP, A. Los ritos de paso. Madrid: Taurus, 1986. ZALUAR, Alba. “Gangues, galeras e quadrilhas: globalização, juventude e violência”. In: VIANNA, Hermano. Galeras cariocas, territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.


Por políticas públicas culturais juvenis, pelo Professor Juarez Dayrel • Na contemporaneidade a cultura e suas expressões ganham cada vez maior centralidade na afirmação da juventude como uma etapa própria da vida, demarcando uma separação geracional. • A cultura e a tecnologia promoveram uma mudança de tempos e espaços de socialização, que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. • Através de práticas culturais os jovens criam novas formas de mobilizar os recursos da sociedade atual, assumindo um papel de protagonistas, e atuando de alguma forma sobre o seu meio, construindo um determinado olhar sobre si e sobre o mundo que os cerca. É nesse sentido que podemos falar da cultura e suas expressões na perspectiva do direito, como parte dos direitos sociais,

que deseja ser uma expressão e uma exigência da dignidade humana. • Promover o direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garantam a produção cultural, bem como a liberdade de criação. Podemos falar então em uma cidadania cultural, garantindo aos jovens o acesso à fruição e à produção cultural. • No contexto de uma sociedade desigual, promover a cidadania cultural é fundamental. E a abertura da escola ao desenvolvimento de práticas culturais pode ser decisiva na construção de políticas públicas que venham garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada jovem experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que possa se desenvolver plenamente como adulto e como cidadão.



“Experimentações e inovações no ensino de arte e tecnologia”


A arte de ensinar arte e tecnologia Ao assumir o desafio do ensino de arte e tecnologia para jovens, o programa Oi Kabum! vem construindo ao longo dos anos um modo particular de conceber essa proposta. A partir da permanente escuta dos jovens, de artistas, acadêmicos e educadores, foram alinhados conceitos e consolidadas metodologias que guiam o fazer do programa. As escolas Oi Kabum! possuem como conteúdos programáticos de seus cursos o conhecimento das artes gráficas e digitais em consonância com conteúdos transversais, como história da arte, dimensões do ser e do conviver e construção de narrativas (o que chamam de oficina da palavra). Nas quatro unidades escolares são utilizadas linguagens artísticas e midiáticas (computação gráfica, fotografia, design gráfico, vídeo, design de som, webdesign) como meios pelos quais os jovens podem, ao passo que se especializam tecnicamente, ampliar seus conhecimentos sobre arte e cultura. Uma das principais diretrizes do trabalho educativo consiste em conceber a arte escapando do senso comum. A arte é frequentemente entendida como algo que está à parte, separada de nossa existência cotidiana. Ou ainda, como se fosse destinada somente aos apreciadores e confinada a espaços privilegiados como museus e galerias. Para a maioria das pessoas, uma obra de arte é uma escultura, uma pintura ou um desenho autêntico e único, realizados por um grande artista. A tarefa das escolas é transformar essa perspectiva, tão sedimentada no imaginário social. Para isto, a ação dos educadores é norteada pela articulação entre os contextos de vida dos alunos e um panorama mais amplo da História da Arte e de outras


áreas de conhecimento, incorporando a tecnologia ao fazer artístico. As propostas educativas vão se alimentando da experimentação estética presente nas incursões diárias da vivência humana, seja mobilizando um novo olhar para uma obra exposta em uma galeria, um produto midiático ou cenas que povoam as cidades. O objetivo é ressaltar o que há de valioso nas coisas cotidianas e desenvolver a sensibilidade e a percepção estética e crítica dos estudantes. Em particular, o que se estimula é uma aproximação e um entendimento mais amplo dos jovens em relação ao tema, de forma a agregar a cultura popular e a arte de periferia às possibilidades produtivas da arte contemporânea. O fazer artístico é trabalhado a partir da valorização do processo, e não apenas dos resultados finais. Isso envolve constante estímulo à criatividade, pesquisa e muita experimentação. Um problema solucionado aqui, outro desafio que surge ali e o conhecimento vai sendo construído com ações impregnadas de reflexões e de significado. O percurso criativo pode ser observado sob a perspectiva do conhecimento gerado. Dessa forma, é estabelecido o elo entre o pensamento e o fazer: a reflexão está contida na práxis artística.

Para além da visão tecnicista e do senso comum sobre arte e tecnologia A concepção de arte da Oi Kabum! incorpora as manifestações e estéticas do cotidiano dos jovens, agregando a cultura popular e a arte marginal às possibilidades produtivas da arte contemporânea. High Tech e Low Tech: o trabalho com a tecnologia não se restringe ao manejo de equipamentos e softwares de ultima geração. A Oi Kabum! propõe refletir e experimentar usos não convencionais da tecnologia, valorizando igualmente a alta tecnologia, como a digital, e aparatos simples, como papel, tesoura e tintas.


High Tech e Low Tech Outra diretriz do programa Oi Kabum! consiste em ampliar a noção de tecnologia, Para além da visão tecnicista e do senso comum sobre arte e tecnologia A concepção de arte da Oi Kabum! incorpora as manifestações e estéticas do cotidiano dos jovens, agregando a cultura popular e a arte marginal às possibilidades produtivas da arte contemporânea. High Tech e Low Tech: o trabalho com a tecnologia não se restringe ao manejo de equipamentos e softwares de ultima geração. A Oi Kabum! propõe refletir e experimentar usos não convencionais da tecnologia, valorizando igualmente a alta tecnologia, como a digital, e aparatos simples, como papel, tesoura e tintas. concebendo-a para além dos dispositivos e manejos de softwares. O consumo e o emprego da tecnologia têm sido assimilados de forma tão rápida que parece não haver reflexão sobre o impacto de sua utilização. Com isso, surgem restrições para as possibilidades criativas que emergem da tecnologia, como a premência de uso de equipamentos de ponta, por exemplo. Dessa forma, nas escolas Oi Kabum! busca-se refletir sobre os usos convencionais da tecnologia, sobre a sua relação com a história do pensamento e com a engenhosidade humana. Os estudantes são provocados a estender as possibilidades de aplicação tecnológica para contextos e cenários não previstos. Afinal, a tecnologia está em tudo. Compreende-se que ela influencia as diversas arenas do fazer humano, entre elas a política, a arte e a economia. A própria criação da escrita pode ser considerada uma invenção tecnológica, pois viabilizou uma nova maneira de compartilhar e registrar informações. E, ainda, trouxe novos recursos de expressão para a imaginação e a inventividade humana. Ou seja, é possível produzir grandes obras a partir de procedimentos muito simples, desde que exista uma abertura para a experimentação das mais variadas técnicas, manuais e digitais. O uso de ferramentas e materiais rotineiros, tais como papel, lápis, tesoura, tinta e pincel, podem também garantir resultados estéticos muito interessantes. Nesse sentido, há um cuidado das escolas para que não haja a valorização excessiva de softwares ou ferramentas tecnológicas. O programa


associa a alta tecnologia (em inglês, high tech, que referese à tecnologia considerada de ponta) e as mais recentes inovações tecnológicas ao low tech, que é o uso criativo de tecnologias acessíveis ou a aplicação de qualquer tipo de tecnologia em contextos não previstos inicialmente e que gerem soluções criativas. Mas como equacionar a flexibilidade da proposta educativa com a rigidez imposta pela técnica? É exatamente essa contradição que permite infinitas possibilidades criativas quando a tecnologia é associada à arte, e isso não é de agora. Dos artefatos rudimentares da pré-história à tecnologia digital, o surgimento e a difusão de novas tecnologias e seus entrelaçamentos com a arte sempre promoveram deslocamentos no modo como o homem percebe o mundo. No campo das artes visuais, por exemplo, a invenção dos tubos de tinta, na primeira metade do século XIX, propiciou mudanças significativas no modo como os pintores desenvolviam seu ofício, pois facilitavam o trabalho fora dos ateliês. A mobilidade para pintar ao ar livre fez com que as paisagens se tornassem temas comuns e os artistas passaram a explorar melhor as potencialidades de luzes,


cores e movimentos nos diferentes momentos do dia. Essa invenção foi fundamental para que o movimento impressionista pudesse florescer. É verdade que muitos dos estudantes talvez optem por trabalhar com demandas mais técnicas ao terminar os cursos da Oi Kabum!. Isso não significa que as experiências vivenciadas por eles a partir de processos educativos em arte tenham sido em vão. Mesmo que aparentemente não tenha uma aplicação direta e imediata nos trabalhos profissionais que venham a desenvolver, a formação em arte é bastante significativa para que os jovens desenvolvam habilidades importantes para as relações sociais que tecem cotidianamente, a postura profissional e seu olhar sobre o mundo. O casamento entre arte e tecnologia se desdobra em combinações entre as artes tradicionais, as artes gráficas e as novas mídias, dilatando as possibilidades criativas e produtivas. O resultado são manifestações culturais singulares e uma ressignificação das práticas sociais de forma positiva na vida dos jovens.

Arte ensinada em conexão com a experiência cotidiana do jovem. Experimentações artísticas com objetivo de desenvolver a sensibilidade e a percepção estética dos estudantes. O percurso criativo busca gerar conhecimento e desenvolver as habilidades dos jovens. O processo de produção artística é tão valorizado quanto o produto final.

tecnologia

ARTE

Ensino experimental e inovador em arte e tecnologia

Aprender a operar equipamentos e softwares é tão importante quanto refletir sobre os impactos da utilização das tecnologias no mundo. Jovens são estimulados a estender as possibilidades de aplicação tecnológica para contextos e cenários não previstos. A escolha de uso de determinada tecnologia é sempre feita em função das demandas expressivas. O programa associa tecnologias high tech e low tech.


A técnica em função do pensamento Roberto Almeida

Em uma escola de arte e tecnologia, que assume

formalmente a missão de se configurar como um espaço de formação técnico-profissionalizante, a reflexão sobre a natureza e o papel da técnica assume dimensão importante. No programa Oi Kabum!, atuamos inspirados no respaldo oferecido pela reflexão do geógrafo brasileiro Milton Santos, entendendo a técnica como “um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais o homem realiza sua vida, produz, e, ao mesmo tempo, cria espaço” (Santos, 2004, p.16). A técnica, nessa abordagem, diz repeito a um domínio da experiência conectado ao saber e ao fazer humanos. Ou seja, ela é aquilo que medeia e conecta a ciência (conhecimento) à produção de bens e serviços (Unesco, 2011). Por meio dela, os aprendizados deságuam nos processos criativos empreendidos pelos estudantes, conformando discursos, linguagens e os mais variados produtos. Além de se referir à ideia de meio, a técnica existe também como suporte, materializado em objetos tecnológicos (máquinas, ferramentas ou instrumentos) que permitem ao homem transformar e atuar sobre o mundo. No dia a dia das escolas Oi Kabum!, as chamadas tecnologias da informação e da comunicação ocupam um papel central, bem como os demais aparatos técnicos. Contudo, o aprendizado a respeito da operação de tais instrumentos (câmeras, programas de computador, circuitos etc.), isoladamente, é insuficiente para fomentar o fazer criativo. Há um intervalo muito grande entre possuir uma boa câmera e produzir um bom filme porque “a técnica não se resume ao equipamento nem à forma de fazer, e ambos devem operar em função do pensamento” (Melo et. al., 2006, p. 42). De fato, como afirma Paulo Freire em Pedagogia da autonomia (1997), “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que existe de fundamentalmente humano no exercício educativo: seu caráter formador” (Freire, 1997, p. 33).


Assumir a técnica em função do pensamento significa tratá-la como motor de reflexão e não apenas como um conjunto de instrumentos voltados para a realização de tarefas pré-formatadas. Nos processos pedagógicos adotados pelas escolas Oi Kabum!, o aprendizado a respeito dos usos da tecnologia cria condições para que os jovens façam mais do que repetir padrões ou reproduzir usos cristalizados no mercado e nos meios de comunicação tradicional. É por meio da apropriação desses instrumentos, em sala de aula ou nos laboratórios, que os estudantes podem se envolver em uma dinâmica de jogo e experimentação, capaz de testar e reinventar o papel e o potencial expressivo do aparato tecnológico disponível. Os jovens são incentivados a forjar novos produtos, a elaborar novas imagens, novas narrativas e discursos, refletindo e reconstruindo possibilidades abertas pela técnica durante o próprio exercício de explorá-la.

No ensino técnico oferecido pelo programa Oi Kabum!, o fomento à pesquisa e à inovação é um eixo norteador. De fato, pensar e utilizar os instrumentos tecnológicos apenas como suporte para a realização de tarefas é desconsiderar sua própria natureza. Já na primeira metade do século passado, Walter Benjamin (2000) afirmava que a técnica não é neutra: ela é capaz de renovar nossa percepção sobre o mundo e de transformar a experiência que fazemos dele. Pensemos no efeito de câmera lenta, por meio dele, o espectador consegue enxergar aspectos do movimento humano que são invisíveis a olho nu. Há também o light painting: a luz deixa rastros que apenas o aparato usado pelo fotógrafo acessa, tornando sensíveis aspectos do real que escapam ao nosso olhar. A técnica, dessa forma, permite aos sujeitos desvelar ou construir novas imagens sobre o mundo, dando visibilidade a sentidos que não estariam disponíveis sem o seu intermédio. Assim, ela amlia e transforma a capacidade de percepção humana. À serviço do pensamento, os objetos tecnológicos podem ser apropriados para inventar novos sentidos,


para desestabilizar crenças compartilhadas, para colocar em crise aparências vistas como imutáveis.

Ampliando nossa capacidade de dizer e perceber o mundo, a técnica permite ao sujeito transformá-lo. Daí, conclui-se que guarda em si forte potencial político e desalienante, já que pode desestabilizar preconceitos e ideias prontas. Mais do que apenas um conjunto de instrumentos utilizados para a realização de procedimentos préconformados, em uma lógica fordista, as técnicas servem aos propósitos de pesquisa e exploração do real, em uma dinâmica que permite reinventá-lo e, dessa forma, reinventar e transformar aquele que o experimenta.

Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter”A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. In: ADORNO et al. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. MELO, Aléxia et al. “Metodologia: o Jogo e a invenção”. In: LIMA, Rafaela (org.) Mídias comunitárias, juventude e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica/ Associação Imagem Comunitária, 2006. SANTOS, Milton. A natureza do espaço - técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da USP, 2004. UNESCO. “Protótipo curricular de ensino médio orientado para o trabalho e as demais práticas sociais”. Disponível em http://goo. gl/3m7hkj Acesso 30/06/2013.




Arte, tecnologia e os desafios de ser escola na contemporaneidade Como

a escola tem reagido à emergência das tecnologias digitais

e das redes telemáticas que revolucionaram a circulação de conhecimentos e saberes ?

Novas

práticas , novas linguagens , novos

tempos , novas formas de se relacionar com a informação : tudo isso

parece exigir que a escola na contemporaneidade se atualize e se reinvente .

O

Nelson Pretto , em seu livro Uma escola sem/com futuro : educação e multimídia (2013), destaca esses desafios , as professor

1

possibilidades e as potencialidades do uso das tecnologias nas salas de aula .

O

professor é parceiro do projeto Oi Kabum! de

Salvador

e

foi convidado a compartilhar suas proposições sobre a escola contemporânea neste livro .

1 Professor da

Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia


Arte e tecnologia: uma chave para outras educações 2 http://goo.gl/

nawlny, acesso em 15.12.2014

Nelson Pretto

3 http://www.

Certa feita, entrei numa galeria em Londres à procura de

um livro com uma imagem, uma ideia para compor o relatório de meu pós-doutoramento que estava prestes a terminar. Estamos em 1998 e a galeria era 2Serpenty Gallery , um lugar mágico, incrustado no Hyde Park. Lá pude ver e me apaixonar por imensos quadros, na verdade, enormes imagens do fotografo alemão Andrea Gursky, que ocupavam aqueles espaços que se misturam com os jardins do Hyde Park. Retorno atrás de catálogos de exposição, coisa que adoro, e dou de cara com um livro de M.C. Escher, por quem sou verdadeiramente apaixonado, com um enorme turbilhão na frente. O entalhe sobre madeira Whirlpool (turbilhão) é de um movimento espetacular, e esse turbilhão não saiu de minha cabeça. Neste mesmo período, estando no bairro de New Cross, na Universidade de Londres, no 3Goldsmiths College, acompanho o final do ano letivo e vejo os alunos do bacharelado apresentando suas criações como trabalhos finais de graduação, numa espécie de exposição aberta. Goldsmiths é uma universidade que vibra e transpira arte, música, artes visuais, teatro. O genial músico John Cale, que participou da primeira formação do grupo Velvet Underground, foi desta universidade e muitos outros artistas por lá passaram. O grande detalhe, segundo uma fiel observadora que lá estava e com a qual conversei: os marchands já estavam, desde uns três ou quatro anos, comparecendo a estes eventos para comprar os produtos realizados pelos alunos. O que antes acontecia basicamente com os trabalhos dos mestrandos, agora já chegava à graduação. E, claro, os próprios produtores começaram a olhar para os marchands, para as galerias, para o sucesso e, também eles, para o mercado! Um salto mais atrás no tempo e me vem à mente o trabalho que fazíamos no Maciel (muitos nem sabem que no Pelourinho, em Salvador, existia uma área, um

goldsmiths. ac.uk


sub-bairro, com esse nome, cheio de gente interessada em arte e cultura!). Nesta época, coordenava o programa educacional da Fundação do Patrimônio Histórico da Bahia, hoje Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC). Buscávamos introduzir no cotidiano daquele sofrido bairro (que não tinha ainda sido remodelado e nem seus moradores de lá tinham sido expulsos) arte, cultura, lazer e, claro, muita alegria para a vida difícil daqueles meninos e meninas. Lembro também, ainda na mesma região da cidade, da ação do fotógrafo Rino Marconi, com um belo trabalho, ensinando os princípios da câmara escura, usando latas com buracos no fundo, fazendo com que a meninada pudesse ter o prazer de ver a sua área e sua gente registrada, guardadas para o presente e o futuro, por meio de imagens feitas por eles mesmos. Onde estarão essas imagens? Não tínhamos ainda a profusão de aparelhos digitais dos dias de hoje... Imperava o analógico e a escassez de informações. Pensando agora, ao escrever esse texto para comemorar os doze anos de atuação do programa Oi Kabum! e suas quatro marcantes experiências pelo Brasil, sobre todas essas coisas já vividas, me pergunto e tento responder: o que essas minhas lembranças têm de comum e o que têm de distintas? No que elas nos ajudam a pensar os projetos e as vivências da Oi Kabum! Ontem e hoje? E o que podemos vislumbrar para o futuro? Arrisco dizer que, de comum, tem a importância de se dar vazão à criação, à inventividade, à explosão de ideias que emanam de cada uma dessas crianças, jovens e adolescentes, amanhã adultos. Têm em comum, esses turbilhões criativos, que explodem aqui na Bahia, Minas, Pernambuco, Rio, Inglaterra, Alemanha e em todos os lugares do mundo onde a liberdade de expressão e de criação imperam. De distinto, pelo menos um alerta inspirado no caso vivenciado em Londres, onde a presença do mercado da arte já se aproximou da universidade – da escola – e passou a ficar mais perto do processo criativo. Um mercado poderoso, que não mede esforços para comandar as criações. Por isso, me parece importante provocar reflexões sobre os processos formativos, sem perder de vista o mundo do trabalho, mas que dele não sejam tão próximos, a ponto de permitir que essa dimensão profissional e do tal mercado, terminem implicando numa perda do espaço para a criação. Nesse campo, todo cuidado é pouco.


Penso que todo o processo de formação profissional precisa estar fortemente associado à ideia de que o mercado não pode ser o definidor de tudo, como pensam e querem muitos dos analistas do próprio mercado. Escola é espaço de criação. E, sendo assim, não pode se contentar apenas com a reprodução e o consumo das informações e de conhecimentos já estabelecidos. Tem que ser um espaço – e é um espaço privilegiado – onde os processos criativos estejam presentes de forma intensa, dialogando com o instituído. Inclusive, fazendo a crítica ao chamado mercado. Não podemos esquecer que estamos nos referindo à formação de jovens com seus 16, 17 anos de idade, portanto, uma turma que além da formação básica está, também, sendo impelida a pensar sua própria sobrevivência e, assim, em possibilidades formativas que lhe deem oportunidades de trabalho. Por conta desta dupla dimensão é que não podemos descuidar, pois queremos, antes de tudo, que essa juventude vislumbre a sua realização profissional, mas também existencial. Em outra impressionante exposição, abrigada no museu 4 Quai Braily , em Paris, chamada “Os mestres da desordem” 5 (Les Maîtres du Desordre), o tema da criação, mais uma vez, apareceu com força total. Depois de um belíssimo e interessante percurso, o navegador desta exposição chega a uma instalação do artista francês Ben Vautier, denominada “Não existe arte sem desordem”. De acordo com o site da exibição, o objetivo foi trazer para o debate a presença de desordem inscrita nas nossas crenças e culturas: “Neste compromisso permanente entre turbulência e razão, os ritos são a forma privilegiada de negociação com as potências que governam as sociedades humanas. Paralelamente a estes rituais sagrados, as festas, bacanais, carnavais ou festas de loucos parecem ser outro meio, profano, que autoriza o desencadeamento das pulsões transgressoras.” Ben Vautier afirmava que não existe arte sem desordem. Vendo a exposição e lendo esses trechos do seu catálogo, tenho pensando que a formação contemporânea dos nossos jovens talvez precise avançar na busca de uma escola mais centrada no caos do que na ordem. Ou seja, pode existir educação – e escola! – sem desordem?

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http://goo.gl/ pmHX63, acesso em 31.12.2014.




A questão não é fácil, pois a escola, desde os seus primórdios, teve a função de adequar as crianças e os jovens ao mundo dos adultos, ao universo culto. Mas como isso vem sendo feito e como pode ser feito se hoje vivemos em um mundo em constante e veloz transformação? Aqui, trago para o texto e para o contexto a experiência das escolas Oi Kabum!. Um espaço de criação, até bem pouco tempo apenas complementar à escola formal – e que traz para os jovens que aqui estão a oportunidade de, efetivamente, criar e inventar. Ou seja, transformar radicalmente os processos formativos com ênfase na autoria e não na mera reprodução do instituído. Entra em cena nestes processos formativos, muito mais a presença da desordem do que da ordem, muito mais a ideia de articular todos os conceitos e saberes do que a (não) simples apreensão de conhecimentos. Ninguém mais – pelo menos no discurso – acredita que um jovem que chega à escola seja uma tábua rasa que precisa ser preenchida com informações e conhecimentos. Mas, na prática, os processos formativos não trazem para o seu cotidiano os saberes, as capacidades e habilidades dos jovens. E hoje, mais do que nunca, as tecnologias de informação e comunicação – operadas pela juventude de forma impressionante – trazem tudo isso para dentro da escola, fazendo com que essa instituição, mesmo a contragosto dos gestores, seja sem muros, sem limites ou, pelo menos, com suas fronteiras esgarçadas. 6

Desta forma, os processos coletivos, ricos pela sua própria natureza e cada vez mais necessários em função da ênfase individualista imposta pela sociedade de mercado, continuam sendo afastados dos instituídos processos educacionais escolares. Isso demanda que os tragamos para o interior da escola.

Os hackers são pessoas que possuem conhecimentos aprofundados da linguagem computacional e que descobrem possibilidades que vão além dos códigos propostos pelos criadores de determinado software. Com isso, encontram soluções computacionais e superam barreiras impostas ao controle de dados.


A ideia de produção colaborativa e compartilhada ganhou destaque no final do século passado, a partir do desenvolvimento da computação e com os movimentos do software livre e do código aberto. Aqui, aparece o movimento dos 6hackers , que começou a desenhar programas e máquinas a partir de uma nova linguagem. Desta forma, nasceu a linguagem binária, que possibilita o digital. Foram esses jovens, reunidos nas garagens ou laboratórios das universidades americanas, particularmente no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), com ou sem os seus professores, que começaram a desenvolver os primeiros computadores pessoais. Boa parte desses movimentos tinha como princípio uma intensa lógica de compartilhamento, inerente à própria cultura daqueles que passaram a ser conhecidos como hackers. O processo de produção desses novos aparatos tinha como metodologia resolver os problemas surgidos em cada um dos projetos de forma compartilhada. E cada solução alcançada circulava para ser objeto de crítica de novos colaboradores. Era o início do conhecido na computação como RFC (Request For Comments – solicitação de comentários). O RFC nada mais é do que pôr uma ideia (uma solução) na mesa, aguardando a colaboração dos demais. Conforme nos conta Steven Levy no livro Hackers, heróis da revolução dos computadores (2012), essa turma, organizada em torno desses clubes juvenis, reunia-se para resolver os problemas tecnológicos que iam surgindo e, com isso, criavam e desenvolviam novos protótipos. Ao mesmo tempo, criaram o que Steven Levy denominou de código de ética dos primeiros hackers. Tudo a ver com o que estamos vendo acontecer no programa Oi Kabum!? Acho que sim. Steven Levy aponta seis princípios orientadores de todo o trabalho desses apaixonados pela computação e criação. Segundo ele, estes princípios explicavam o bom desenvolvimento desses clubes e de seus projetos. O primeiro princípio: pensar que o acesso aos computadores deveria ser total e ilimitado. Mais do que computadores, deveria ser liberado o acesso a “qualquer coisa que pudesse ensinar a você alguma coisa sobre como o mundo funciona” (Levy, 2012, p. 40). O segundo: toda informação deve ser livre (free), porque “se você não tem acesso a ela, não terá como consertar as coisas” (Idem, p. 40). Aqui é importante lembrar que, em inglês, a palavra free pode tanto significar livre, quanto grátis, o que nos


permite considerar que toda informação deve ser livre e gratuita. O terceiro princípio revela a desconfiança que os hackers possuem das autoridades. E, assim, estimulam-se procedimentos pouco burocráticos e descentralizados. A descentralização passa a ser a palavra de ordem. O quarto princípio: o julgamento de um hacker é feito pela qualidade do que ele efetivamente faz e realiza, e não por critérios “falsos”, como escolaridade, idade, raça ou posição. Confrontando a dureza aparente das máquinas, o quinto princípio está relacionado à “crença na possibilidade de se criar arte e beleza num computador” (Idem, p. 43). Por último, e não menos importante, o sexto princípio: os computadores podem fazer a vida melhor. Esse conjunto de elementos éticos orientadores do trabalho dos hackers foi gerado de forma coletiva e aberta, criando os computadores, expandindo as redes de computação e promovendo o nascimento da internet. São estes princípios que hoje nos inspiram a pensar nas necessárias transformações para a educação! Aqui, vale recordar que só temos a internet como a conhecemos hoje graças aos seus pioneiros que, compreendendo a sua importância, decidiram simplesmente liberar as suas criações para que o mundo pudesse utilizá-las e aperfeiçoá-las. Se Theodoro Nelson, Wanner Bush, Norbet Wiener, Alan Turing, Ada Lovelace, Tim Bernes-Lee, entre tantos outros, tivessem simplesmente patenteado as suas criações ou licenciado suas implementações em software sob licença não-permissiva, muito provavelmente nada do que hoje estamos vendo e vivendo estaria acontecendo. Mas vamos um pouco mais adiante, trazendo outro autor, o finlandês Pekka Himanen, que escreveu, em 2001, o livro A ética dos hackers e o espírito da era da formação (2001). Analisando o trabalho dos apaixonados pela computação, ele definiu sete características desta ética: paixão, liberdade, valor social (abertura), nética (ética da rede), atividade, participação responsável e criatividade. A partir dele, podemos, então, pensar que essa postura hacker pode ser, em última instância, uma postura para todos os campos das atividades humanas. Evidentemente, isso cai como uma luva para pensarmos nas escolas e nos processos educacionais. Pekka Himanen mencionou que só conhecia duas profissões que seguem essa ética: os artistas e os acadêmicos. Para nós, em diálogo com 7Karla Brunet para a elaboração deste texto, as experiências

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Professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos - IHAC, Universidade Federal da Bahia


das escolas Oi Kabum! conseguem reunir hackers, artistas e acadêmicos, sendo, portanto, e quem sabe, uma boa pista para pensarmos mais profundamente nos processos educacionais e nas necessárias transformações da escola. Tudo isso porque esses princípios dos hackers possibilitaram a construção do ciberespaço e não podem ser simplesmente incorporados à escola como meras ferramentas auxiliares das atividades. Os aparatos tecnológicos digitais, por sua vez, intrinsecamente permitiram a emergência de novas linguagens e de novas práticas de produção e circulação colaborativa de conhecimentos e de culturas. Esse desenvolvimento coletivo e colaborativo foi sendo impulsionado por uma série de iniciativas, entre as quais, o já referido movimento do software livre, que desembocou na criação de sistemas operacionais – o GNU/Linux – e seus diversos aplicativos e também em processo de produção de conteúdo colaborativo, sendo a Wikipédia o seu exemplo mais visível e, com certeza mais significativo. Seria praticamente impossível, algumas décadas atrás, imaginar a criação de uma enciclopédia livre, na qual, potencialmente, qualquer um contribuísse com a sua escrita. A Wikipédia possui versões em centenas de idiomas, tendo inúmeras páginas de conteúdo em português e inglês. Tudo isso significa a ampliação de uma dimensão que me parece fundamental para os processos educativos: a montagem das redes, com o estabelecimento de múltiplas e diversas conexões, sejam elas as tecnológicas ou as promovidas pelos encontros entre as pessoas. Falamos aqui em redes de produção, de produção de conteúdos e de significados, conectando pessoas distantes, países distintos e lugares separados geograficamente e, também, conectando temas às vezes não tão próximos. Mas para que isso aconteça, precisamos ter bem definidas as concepções que temos para a educação e para as próprias tecnologias. Para a educação, já mencionamos, precisamos partir de uma concepção autoral, com a forte valorização dos saberes para, apropriando-se das tecnologias, podermos conectar o local com o planetário. Assim, na maioria das vezes, as tecnologias digitais – e a internet em particular – são tratadas como meras ferramentas auxiliares dos processos educacionais. Isso



sem dúvida é de um enorme reducionismo e, o mais grave, não contribui para as necessárias transformações que necessitamos para a educação. Tenho insistido nisso desde a década de 90, e comecei a escrever sobre o tema a partir de minha tese de doutorado, que foi transformada no livro Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia, com licenciamento livre (2013). Observe que o jogo de palavras que fiz no título: (sem/com) para o futuro da educação, foi justamente para ressaltar as possibilidades do uso das tecnologias. Se apenas instrumental, seria, com certeza, a exclusão do futuro e até do presente da escola. Uma escola para o presente e com futuro é a escola que reconhece a capacidade das juventudes (como gosta Juarez Dayrel e eu também!) e das tecnologias para fortalecer a dimensão autoral de cada jovem, no coletivo e no individual, tudo articulado de forma intensa pelas redes, tecnológicas ou não. Assim, sem desconhecer os processos individuais, penso ser importante fortalecer os processos autorais em rede que combinam “o coletivo, a obra aberta e inacabada, com um traço também individual herdado também da cultura do livro e adequado à economia da dádiva, formando uma nova configuração que não corresponde à dissolução completa do autor, mas também não à autoria individualizada”, conforme afirma Beatriz Cintra Martins, em seu livro Autoria em rede (2014). Pensando em todas estas questões, necessário se faz, acredito eu, olhar a escola com outros olhos. Tanto o olhar de dentro, de dentro para dentro mesmo, como o olhar de fora, e aí estamos a falar de políticas públicas.

A escola, nesse contexto, e enfatizo aqui o sistema público de educação, ganha especial destaque enquanto espaço físico, tecnologicamente equipado para se constituir em uma verdadeira plataforma de integração e articulação da juventude. Este espaço físico precisa ser valorizado, pois neste universo de tantas interações em rede, as relações presenciais precisam também ser fortalecidas. Gosto do filósofo italiano Gianni Vattimo quando, em entrevista ao sociólogo e jornalista argentino Ivan Schuliaquer, afirma


que vivemos em uma sociedade da emancipação, por suposto, com uma proliferação de informações, mas que, justo por isso, é também uma sociedade que demanda de nós a vivência em agrupamentos sociais e políticos e que necessitamos de uma conversa com amigos. E eu acrescento que necessitamos do espaço da escola, uma vez que, no coletivo propiciado por estes espaços, temos a ajuda para “interpretar a comunicação em rede, a mídia, os jornais” (Schuliaquer, 2014, p.40). Para Vattimo, sem esses espaços mais coletivos, não nos orientamos e nos transformamos em “sujeitos sem subjetividade” (Idem, p.27). Penso que as quatro escolas Oi Kabum!, esses espaços singulares, que promovem interações entre os sujeitos, entre si e com as tecnologias, propiciam a convivência dos múltiplos contextos e das múltiplas subjetividades inerentes à espécie humana. Configuram-se tanto como lugares específicos, como possibilidades de conexões com outros lugares, promovendo outros entre-lugares, fruto dessas relações singulares. Tecnologias, diálogos entre lugares, com valores culturais fortalecidos, fortalecem a perspectiva autoral que tenho insistido para cada um e para a escola no seu coletivo. Esta perspectiva autoral, acrescento, deve ser também ativista. Ampliou-se no mundo todo o acesso à internet, houve uma vertiginosa queda nos preços dos equipamentos digitais e, desta forma, a produção das imagens e das informações deixou de estar restrita aos grandes conglomerados midiáticos e passou a ser prerrogativa de qualquer um, pelo menos potencialmente. Parece-me que, justo isso, vem sendo feito nas experiências das escolas Oi Kabum! e que não pode ser perdido. Fortalecer esses movimentos é básico para a sobrevivência da instituição de ensino. Ela precisa estar conectada (e aí a luta política é de cada um em particular e de todos nós no coletivo) e também preparada para tratar e fortalecer os seus valores locais, de tal forma a promover a interação do local com o planetário. As escolas precisam, então, se constituir em espaços vivos de estímulo à produção e à comunicação e, com isso, promover um forte diálogo e um aprendizado da Cultura (com C maiúsculo) e da Ciência (também com esse C maiúsculo), essas que já tradicionalmente estão presentes e sendo ensinadas nas escolas. Aqui, elas (a Ciência, a Cultura, os conhecimentos estabelecidos) ainda estarão presentes, mas dentro de


outra perspectiva, uma vez que elas passam a dialogar mais intensamente com os saberes locais, constituindo naquilo que venho insistindo ao longo dos últimos anos, que é a promoção de um círculo virtuoso de produção de culturas e conhecimentos. Instala-se, desta forma, um intenso diálogo entre o conhecimento da comunidade com o universal. O saber local passa a dialogar com o conhecimento instituído e, a partir disso, passa a ser reconstruído, e vice-versa, no tal círculo virtuoso que acabo de mencionar. Instala-se a remixagem total. Para encerrar, trago uma bela fala extraída de uma conversa com Mãe Beth de Oxum, de Olinda, Pernambuco, em um debate dentro da nossa disciplina 8“Polêmicas contemporâneas”, na Faculdade de Educação da UFBA. Ao falar sobre os desafios do uso das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) nos movimentos sociais, ela afirma que “o momento da tecnologia é um achado muito importante, e ali tem uma chave para ser rodada”. Essa chave está em nossas mãos, mas precisamos ter as condições para usá-la. Outro pernambucano nos ajuda nesta reta final. Tratase de Lenine, que ao comemorar os seus 30 anos de carreira, afirmou ser um artista 9“raiz e antena ao mesmo tempo.” Essas juventudes estão sedentas por outra escola, por outras escolas, aqui também na perspectiva plural, e querem, elas também, ser raiz e antena. Querem pegar a chave pra ser rodada e, com isso, juntando tudo (artes, ciências, saberes, tecnologias, solidariedades, generosidades), ajudar a construir outras educações.

Referências Bibliográficas HIMANEN, P. A ética dos hackers e o espírito da era da informação. Rio de Janeiro e São Paulo: Campus e Editora 34, 2001.

PRETTO, N. D. L. Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia. Salvador: EDUFBA, 2013.

LEVY, STEVEN. Os Heróis da Revolução: Como Steve Jobs, Steve Wozniak, Bill Gates, Mark Zuckerberg e outros mudaram para sempre as nossas vidas. São Paulo: Editora Évora, 2012.

SCHULIAQUER, I. El poder de los medios: seis intelctuales en busca de definiciones. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2014.

MARTINS, B. C. Autoria em Rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas. Rio de Janeiro: Mauad, 2014.

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http://www. polemicas.faced. ufba.br http://goo.gl/ jqX9om, acesso 18.12.2014.


Proposições para outras educações, pelo professor Nelson Pretto É importante criar oportunidades para dar vazão à criação, à inventividade, à explosão de ideias que emanam dos jovens e a seus turbilhões criativos. Processos formativos não podem perder de vista o mundo do trabalho, mas sem permitir que seja o mercado de trabalho a pautar a criação dos jovens. O espaço escolar não pode estar voltado à reprodução, ao consumo de informações, aos conhecimentos já estabelecidos. A escola tem que ser espaço de criação livre e de crítica, inclusive ao mercado. Ela deve formar cidadãos e não meros reprodutores de conteúdos, levar à realização profissional, mas também existencial. A escola tem que ser mais centrada no caos do que na ordem. É preciso subverter a ideia de que o espaço escolar tem a função de adequar os jovens ao mundo dos adultos, ao universo culto. Cabe à escola dar oportunidade que os

sujeitos se sintam capazes de intervir no mundo, de reinventá-lo. As tecnologias de informação e comunicação – operadas pela juventude de forma impressionante – possibilitam, mesmo a contragosto dos gestores, que as escolas percam seus muros, ampliem seus limites. É fundamental levar para o interior da escola a dimensão coletiva e colaborativa das dinâmicas instauradas ao redor do mundo pelos criadores e inventores de tecnologia. O diálogo entre o conhecimento da comunidade escolar local com o universal, através dos meios tecnológicos, pode promover uma remixagem da escola. O saber local passa a dialogar com o conhecimento instituído e, a partir disso, passa a ser reconstruído, e vice-versa. Instalase círculo virtuoso de produção de culturas e conhecimentos.




Gestão e produção colaborativa de conhecimentos


Liberdade para criar soluções educativas Desenvolver projetos educativos inovadores e voltados

aos interesses e demandas das juventudes urbanas brasileiras. O programa Oi Kabum! surge com este desafio em foco. Uma equipe de gestores do Instituto Oi Futuro, em parceria com o professor Antonio Carlos Gomes da Costa,1 e especialistas do escritório da UNESCO no Brasil desenharam as diretrizes do projeto pedagógico piloto que passou a nortear o trabalho da primeira escola. O formato inicial da proposta educativa foi idealizado, então, pelo viés colaborativo, com diversos atores envolvidos em sua concepção. Ao longo de doze anos, o programa Oi Kabum! foi ampliado e aperfeiçoado, junto com as Organizações Não Governamentais (ONGs) que se tornaram parceiras na gestão das escolas em quatro capitais brasileiras, colaborando com o Instituto Oi Futuro continuamente na definição dos rumos da iniciativa. Na escola de Belo Horizonte, a coordenação é da ONG Associação Imagem Comunitária; na escola de Recife atua a ONG Auçuba Comunicação e Educação; a escola do Rio de Janeiro é coordenada pela ONG Centro de Criação de Imagem Popular e a escola de Salvador pela ONG Cipó Comunicação Interativa. A seleção das instituições que coordenam as escolas Oi Kabum! levou em consideração critérios como a especialização na promoção do envolvimento dos jovens com a participação social e a experiência na realização de ações de valorização à diversidade cultural, à promoção da cidadania e aos processos educativos emancipatórios. As ONGs parceiras têm trajetórias com muitas intercessões. Todas foram constituídas a partir do movimento de comunicação comunitário brasileiro e tradicionalmente já desenvolviam projetos sociais e educativos de forma colaborativa com a juventude. Os processos de mobilização conduzidos no cerne do movimento pela democratização e acesso público aos meios de comunicação fomentam, tradicionalmente, a

1 Professor Antonio Carlos Gomes da Costa é uma referência para educação Brasileira. Atuou em prol da promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil, participando ativamente da concepção do Estatuto da Criança e do Adolescente.


participação democrática. O trabalho com grupos juvenis atravessa as experiências com mídias comunitárias. As atividades produtivas privilegiam as possibilidades de autorreconstrução e de auto-organização dos grupos sociais envolvidos, de forma aberta e flexível. Em geral, as produções comunicativas empreendidas no interior deste movimento têm como ponto de partida o universo pessoal e cotidiano dos participantes. Revisita-se o que é conhecido, o que é comum, local e ordinário para depois reinventá-lo em parceria com a comunidade envolvida. Assim podemos dizer que ONGs parceiras do programa trazem em seu DNA o princípio da gestão compartilhada e esta dimensão participativa tem sido uma das grandes contribuições das instituições nesta parceria. Este perfil institucional, que atravessa as quatro ONGs, converge com a política de gestão idealizada pelo Instituto OI Futuro, que aposta na capacidade das escolas em construir soluções educativas que possam fomentar significativamente o aprendizado dos jovens. As ONGs têm liberdade para delinear seus projetos pedagógicos, uma vez que cada uma possui seu contexto específico. Porém há diretrizes norteadoras que são comuns às quatro instituições. Todo o conhecimento acumulado pelas unidades é compartilhado com o coletivo de escolas Oi Kabum! e estimulado para ser replicado. As metodologias e práticas educativas das escolas são inspiração para outros contextos, como escolas públicas e espaços culturais comunitários. E por meio das ações multiplicadoras, o programa mantém uma frente que amplia significativamente o seu alcance. Além disso, o Instituto Oi Futuro investe em espaços virtuais e presenciais para a interação entre os atores das escolas – dos gestores aos estudantes. Debates, com foco no planejamento dos rumos do programa, são periodicamente realizados e se constituem também em espaços de compartilhamento e alinhamento de diretrizes metodológicas.

Desafios da gestão compartilhada O programa Oi Kabum! vem confirmando que a colaboração potencializa os resultados educativos e é uma oportunidade para a geração de práticas pedagógicas inovadoras. Porém, é importante ressaltar que os processos colaborativos exigem muita sinergia entre os envolvidos, além de princípios orientadores e procedimentos claros e transparentes. É fundamental criar parâmetros, instrumentos de acompanhamento e sistematização de conhecimento, além de espaços e estratégias de compartilhamento das experiências. Pontos divergentes devem ser debatidos e acordados. Prazos precisam ser estabelecidos previamente e respeitados. As regras e acordos coletivos necessitam ser constantemente avaliados e replanejados.


Escolas Oi Kabum! Liberdade para desenvolvimento de metodologias educativas

Iniciativas educativas compartilhadas e aprimoradas

Inovações replicáveis no âmbito do programa e ações multiplicadoras em outros contextos educativos

Quatro escolas, um mesmo princípio As práticas administrativas e educativas das escolas Oi

Kabum! seguem as diretrizes colaborativas do programa, sendo fortemente marcadas pelo viés participativo. Todas as instituições, cada uma de modo particular, incluem os diferentes atores da comunidade escolar nas formulações pedagógicas e nos processos de tomada de decisão. Eles são convidados a pensar e a debater as práticas pedagógicas, fazendo com que elas sejam concebidas e apropriadas por todos. Com isto é possível potencializar os processos educativos. Tais experiências participativas, apesar de serem reconhecidas como atividades importantes, são desenvolvidas por um reduzido número de escolas no país. A maioria das escolas ainda oferece poucas oportunidades para que os jovens colaborem na gestão. Em geral, a participação é apenas consultiva, por meio de grêmios, e não em um espaço específico, dentro da grade curricular, na qual todos dialogam e participam. Há uma concordância em todas as escolas Oi Kabum! sobre o significado de participação e como estas dinâmicas coletivas e colaborativas podem ser realizadas. Por isso, mesmo que cada escola realize atividades participavas em consonância com seu próprio contexto social, político e cultural, as práticas administrativas e educativas possuem


dimensões participativas comuns, que são as diretrizes programáticas do programa Oi Kabum!. Um bom exemplo é incluir os estudantes na elaboração e no cumprimento das diretrizes da instituição. Os jovens participam da criação de regras de convivência que são discutidas e organizadas coletivamente por toda a comunidade escolar antes de serem colocadas em prática. Regras que incluem a gestão dos equipamentos e a utilização do espaço escolar, entre outros aspectos. A não imposição de regras definitivas por parte das escolas convida a uma responsabilização compartilhada diante das experiências pedagógicas e representa um aprendizado contínuo de diálogo, escuta e negociação de conflitos. Espaços deliberativos de planejamento e gestão compartilhada com os jovens são iniciativas que comprovam o amadurecimento do programa Oi Kabum! em relação à geração de autonomia dos estudantes. As práticas participativas também permeiam os processos de construção dos trabalhos artísticos (vídeos, fotografias, zines, sites, textos, instalações). Educadores e estudantes são corresponsáveis pelas produções, assim como pelo enfoque na abordagem do conteúdo e pelo suporte e forma de escoamento e circulação das peças. O mesmo acontece no processo de realização das mostras artísticas. Os jovens são convidados a participar de várias frentes de trabalho – da construção do conceito, da definição da identidade visual de cada mostra, da curadoria, montagem, divulgação, logística. O espírito de coletividade, o apoio mútuo e a produção colaborativa são vivenciados cotidianamente. Esta experiência configura-se como um fator importante para o fortalecimento da autonomia. Uma curadoria coletiva, na qual os jovens analisam criticamente as obras construídas pelo grupo, ponderam sobre a diversidade/unidade estética e se responsabilizam por viabilizar frentes de trabalho, datas e ações, certamente terá uma apropriação mais orgânica e fundamentada. É importante ressaltar que a participação de adolescentes e jovens não cria “chefes mirins”, ou sobrepõe o poder deles em detrimento dos adultos. Ao contrário, a experiência de participação deve ser construída com a presença e o apoio de adultos responsáveis, dispostos a colaborar na criação de uma nova comunicação intergeracional: adultos e jovens vistos como seres plenamente capazes e com habilidades diferenciadas.


Dimensões da Participação Escolas Oi Kabum!

Gestão coletiva

Práticas educativas

Produção artística

Equipe e estudantes participam da gestão e das diretrizes institucionais das escolas – como as regras de convivência.

Educadores e estudantes colaboram com o planejamento pedagógico, propondo intervenções e aprimoramento dos processos educativos.

Educadores e estudantes se corresponsabilizam e produzem coletivamente trabalhos artísticos (vídeos, fotografias, zines, sites, textos, instalações) e exposições.

Participação e aprendizagem Esta construção participativa em cada escola Oi Kabum! tem se mostrado transformadora, pois busca materializar a educação como campo de produção de conhecimento, emancipação e protagonismo para além do discurso. Os jovens são convidados a cumprir o que foi acordado em relações mais horizontais e vivenciam um rico exercício do aprender fazendo, numa progressão didática mais natural. Participar é, antes de tudo, uma experiência que possibilita aos estudantes a ampliação de suas capacidades, contribuindo para o desenvolvimento do sentido de identidade, da autoestima, de uma visão de mundo mais solidária e sensível às diferenças. Trata-se de uma vivência que propicia o contato e a interlocução entre diferentes opiniões, culturas e ideias. Por meio da participação efetiva, os jovens ampliam as possibilidades de serem sujeitos ativos de suas próprias vidas. Dentre os muitos efeitos da realização de práticas educativas pedagógicas está o de alçar os jovens a uma posição protagonista, ou seja, uma posição ativa nas escolhas da vida. A participação amplia as possibilidades da


presença juvenil na sociedade, uma vez que os jovens têm a oportunidade de participar de decisões que afetam suas próprias vidas, influindo por meio de suas opiniões, ideias e propostas sobre a qualidade das ações das quais vão se beneficiar. Os jovens se tornam mais atuantes e levam este conhecimento para seus territórios. Neste sentido, esta formação contribui para uma certa dinamização das comunidades dos estudantes e, por conseguinte, das cidades. É também muito importante considerar o impacto que o exercício da participação produz no mundo subjetivo dos estudantes, quando estes apresentam baixa autoestima e dificuldades para se expressar ou para elaborar ideias próprias. Ampliando suas habilidades argumentativas durante os diversos processos participativos, os jovens desenvolvem também a capacidade para encarar outras dificuldades que enfrentam, como a exclusão social, cultural, política e afetiva em campos diversos. A participação também gera aprendizados e o desenvolvimento de competências importantes para a formação profissional, se configurando como um elemento importante de preparação para a vida e para o mercado de trabalho. Os educadores Oi Kabum! relatam que os jovens, com o passar do tempo no programa, se tornam efetivamente mais propositivos e atuantes, tanto na escola como nos seus espaços de convivência comunitária, e desenvolvem uma noção de responsabilidade mais acentuada, além de uma sensibilidade estética mais ampliada. Em pesquisas ou encontros com as famílias dos estudantes realizados pelas escolas Oi Kabum! surgem relatos de mudanças significativas. Os familiares apontam que os estudantes têm, por exemplo, se envolvido mais nas questões da organização da vida doméstica. Os alunos vão percebendo com mais clareza que a escola e outros espaços que frequentam não são locais apenas para receber conteúdos e acessar oportunidades, mas também espaços que podem ser transformados a partir de sua ação protagonista e significativa.

Participação democrática e colaborativa A educação se transforma em um campo de produção colaborativo de conhecimentos. Abre espaço para o desenvolvimento do protagonismo juvenil: jovens aprendem fazendo. Estudantes desenvolvem habilidades, tornam-se mais propositivos e responsáveis. A experiência participativa impacta positivamente na vida familiar e no mundo do trabalho de cada estudante.


Processos de ensino e aprendizagem pelo viés da participação • Conhecimento compartilhado: a valorização do universo do conhecimento prévio, das experiências pessoais e das culturas que os estudantes e os professores trazem para a situação de aprendizagem. •

Autoridade compartilhada e flexibilidade dos papéis: entre professores e estudantes.

Metas acordadas coletivamente: buscadas também coletivamente.

• Avaliação contínua dos processos e da aprendizagem: com indicadores de avaliação, espaços formais de diálogo e reorientação metodológica.


Semanas de produção coletiva: jovens compartilham conhecimentos 2 em imersão criativa A Oi Kabum! Recife tem um programa formativo que articula conteúdos das dimensões humana, política, ética, estética e técnica de linguagens como a fotografia, o audiovisual, o design, o campo da arte e tecnologia, entre outros. Ao longo dos primeiros seis meses na escola, os (as) jovens são convidados a participar das Semanas de Produção Coletiva - uma imersão criativa - produtiva que dura apenas dez dias. Neste reduzido período de tempo são estimulados a criarem projetos artísticos de forma colaborativa. Os trabalhos são apresentados em uma exposição itinerante. A mostra é chamada de Kaldo de Cana, já que é montada, visitada e desmontada em um único dia. É realizada em uma das comunidades dos jovens, escolhida por eles (as) a partir de discussões sobre a cidade, seus territórios, sobre o acesso e a produção cultural. A Kaldo de Cana mobiliza e articula diversos e variados espaços de cada território por onde circula: comércio, residências, escolas, centro culturais. Fortalece assim a parceria com as comunidades e as torna coautoras da atividade. O mote do convite feito aos jovens para imersão nas Semanas de Produção Coletiva é a livre expressão a partir da abordagem e reflexões sobre macro conteúdos: identidade, território, arte. Todo o processo de pesquisa, criação e produção das obras é consequência da atuação conjunta e integrada dos (as) jovens e equipe da escola. As Semanas de Produção Coletiva são ainda especiais e decisivas para a Oi Kabum! Recife, pois fundamentam

2 Texto produzido a partir de entrevistas com os educadores Élida Santana, João Lin, Vicente Eduardo e com base no projeto político pedagógico da escola Oi Kabum! Recife.


as bases participativas de todo o processo formativo e produtivo que será desenvolvido até o final da formação dos (as) jovens. Marcam bem este momento, já que os (as) jovens são recém-ingressos na escola e a equipe de educadores colhe e acolhe as referências do novo grupo, os seus modos de fazer, de ser e de refletir. É neste ponto que currículo da escola começa a ser alterado em favor e em consequência do ingresso de um novo grupo de estudantes. Para conseguirem realizar uma mostra artística em apenas duas semanas os (as) jovens necessitam invariavelmente colaborar entre si, lançando mão dos conhecimentos colhidos até então na formação da Kabum! e também trazendo a tona suas próprias referências sobre arte, cultura e tecnologia. Produzir a partir de seus repertórios simbólicos, de suas percepções, ideias, opiniões, anseios, valores, visões de si e do mundo, permite que jovens e equipe aprofundem reflexões sobre a hierarquização de saberes (acadêmico X popular, científico X empírico, tecnológico X artesanal), fortalecendo uma prática e uma relação educativa onde cada saber, por mais complexo ou simples que seja, tem sua incompletude. O grupo vai assim aprendendo a contar com a ajuda de outras pessoas. Aprendendo a fazer conexões com outros saberes e a desenvolver uma percepção integrada dos conhecimentos adquiridos, estabelecendo relações bem concretas entre estes conhecimentos e suas experiências pessoais e de suas comunidades. As Semanas de Produção Coletiva permitem que os jovens consolidem uma visão transdisciplinar sobre os conteúdos curriculares, diluindo fronteiras entre as linguagens artísticas e impulsionando a criatividade. Ao produzirem colaborativamente e ao mesmo tempo refletirem sobre esta prática, novos saberes são gerados. Esta experiência produtiva, de colocar a mão na massa, amplia a própria noção de linguagem artística. Os jovens, por exemplo, fazem usos não convencionais de seus conhecimentos técnicos. Uma iniciativa que ilustra bem esta articulação é a experimentação com a técnica do


stencil e a fotografia. Os estudantes fotografaram o cotidiano de duas comunidades e depois transpôsuram as fotos através da técnica de stencil para camisetas. Estas camisetas foram trocadas por camisetas (usadas, novas, velhas...) dos moradores do Ibura, comunidade do Recife que recebeu a mostra Kaldo de Cana3. Foi uma intervenção artística permeada de provocações sobre o valor da arte, por onde circula, quem a produz. A realização das Semanas de Produção Coletiva tem mostrado que os (as) jovens se identificam com desafios coletivos e valorizam o potencial criativo do trabalho produzido de forma conjunta; e que se sentem mais confiantes ao se reconhecerem como realizadores, sujeitos capazes de materializar ideias, de concretizar ações. As limitações de tempo, de recursos financeiros e tecnológicos deixam de ser problemas impeditivos da produção e são convertidas em elementos dinamizadores de todo o processo. Os estudantes utilizam os recursos que tem a mão e isto gera mais foco no aspecto criativo e do que nos recursos caros ou sofisticados. O desafio de realizar obras artísticas em tão pouco tempo exige que os educadores apoiem e acolham os (as) jovens, que tragam novas informações, provoquem reflexões e, em certa medida, produzam em parceria com eles. A criação e resolução de problemas de forma coletiva permite que as relações entre educadores e estudantes se tornem mais horizontais e dialógicas. Os jovens começam a se ver como sujeitos ativos na construção de conhecimento e de sentidos e percebem os educadores como parceiros e mediadores deste processo. A experimentação artística proporcionada pelas Semanas de Produção Coletiva abre, em alguma medida, um campo para uma “reinvenção” do jovem por ele mesmo, através dos discursos que elaboram e imprimem nos trabalhos. E se ao mesmo tempo se evidencia que os espaços de expressão da juventude popular urbana não estão dados a priori e não são abertos automaticamente, os jovens entendem que o pensam e tem a dizer tem valor, sentido e gera possibilidades.

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A experiência de uma escola gerida por todos Débora Santos educadora e pesquisadora

A Oi Kabum! Belo Horizonte envolve todos os atores do universo escolar na condução dos rumos da escola. O projeto pedagógico propõe o envolvimento dos alunos, educadores, familiares, funcionários e da comunidade em geral nos processos de gestão, tornando-os corresponsáveis pelas decisões tomadas e ações desenvolvidas. Todos são convocados a dividir conhecimentos e responsabilidades, a lançar mão do discurso como ferramenta de ação política, a considerar as opiniões dos outros e a rever continuamente seus pontos de vista, em um processo constante de autocrítica e autorreflexão. Ainda que essa lógica de organização sociopolítica traga dificuldades e desafios, possibilita novos olhares sobre a educação e parece se mostrar como condição fundamental para o exercício pleno da cidadania no âmbito de outras relações que extrapolam o ambiente escolar. A proposta de Gestão Coletiva na Oi Kabum! BH se baseia na organização da comunidade escolar em Grupos de Gestão. O tempo para as reuniões desses Grupos fazem parte da grade curricular. Trata-se de uma carga horária dedicada diretamente à gestão e à reflexão sobre suas dinâmicas de funcionamento, o que inclui: a infraestrutura e a organização da escola, políticas de uso e compartilhamento de espaços e equipamentos, sistemas de circulação de informações e tomadas de decisão sobre temas de interesse coletivo. Os grupos contam com a presença de oito a doze jovens e um ou dois educadores, coordenadores ou membros da equipe técnica, que exercem a função de orientadores. Orientar não significa centralizar funções nem se responsabilizar individualmente pelas tarefas do grupo, pois o objetivo é promover o desenvolvimento, pelos jovens, da autonomia e capacidade de autogestão por meio da divisão de responsabilidades. A participação se dá prioritariamente a partir da escolha dos próprios jovens – isto é, eles escolhem de qual grupo querem participar.


Perpassando as ações de todos esses grupos, e com um papel central na proposta de Gestão Coletiva da Escola, está o Conselho Gestor, uma instância de representatividade dos jovens em diálogo com a coordenação. Diferente dos demais grupos, o mecanismo para a participação no Conselho Gestor é eleitoral. Os interessados se candidatam e os jovens votam nos colegas que irão representá-los. São eleitos dois representantes de cada turma, em um total de 10 a 12 jovens, cuja função é levar demandas, problemas, temáticas e sugestões para a pauta de discussão do Conselho. Eles têm também a função de informar e dialogar sobre as discussões realizadas, dando retorno aos colegas sobre o que foi deliberado.

O que os estudantes aprendem com a gestão coletiva?

Considerar a opinião de todos como importante para o bem coletivo.

Incorporar o erro, o acaso, o risco e o conflito, pois eles também produzem bons aprendizados.

Estabelecer metas, criar estratégias para concretizá-las, seguir prazos, entender e expressar com mais clareza o que visam realizar.

Articular o conhecimento com a prática e evitar a superespecialização e a fragmentação dos campos do saber e do fazer.

Ser parte da escola e colaborar ativamente com sua manutenção para evitar os danos que eles aprenderam serem difíceis de resolver.

Modificar as formas de ver o mundo e de se relacionar. Os jovens passam a buscar e até exigir, também em outros espaços sociais que frequentam, que as relações sejam pautadas por critérios mais participativos e democráticos.

Habilidades de organização pessoal, autonomia, capacidade de argumentação.

Aprendizados sociopolíticos e de relacionamento interpessoal.


Grupos de Gestão como espaço formativos Os Grupos de Gestão desenvolvem, de modo mais profundo,

a autonomia, a capacidade de argumentação e o envolvimento com o coletivo, extrapolando a formação em arte para desenvolver aprendizados sociopolíticos e de relacionamento interpessoal. É o espaço em que a opinião de todos conta e onde o que está em jogo é o bem coletivo. Estes aprendizados resultam do fato de terem que tomar decisões em conjunto e desenvolver tarefas de gestão e de produção. Os estudantes demonstram compreender a importância de um sistema de organização coletiva e se apropriam dos preceitos básicos da proposta com muita rapidez. Eles vivenciam o processo deliberativo com bastante consciência. Um exemplo foi o debate sobre descontos na bolsa de estudo dos jovens. A questão dizia respeito à criação de uma política na qual a bolsa de estudos recebida pelo jovem para participar da Oi Kabum! BH sofreria desconto de acordo com a quantidade de faltas e atrasos que ele apresentasse durante o mês. A decisão envolveu variáveis importantes, como os motivos para as faltas e atrasos e o valor que deveria ser descontado. A discussão sobre o tema foi longa, o que permitiu que todos os envolvidos expressassem seus pontos de vista e compreendessem as razões das medidas. Ao fim do processo os jovens diretamente afetados legitimaram a política construída (mesmo aqueles que, a princípio, não concordavam com ela). Vale destacar que os jovens têm clara noção de que o resultado satisfatório dessa decisão só foi possível por causa da forma como ela foi tomada, isto é, atendendo aos preceitos fundamentais da deliberação democrática. Os estudantes também vivenciam a complexidade da organização de uma instituição, aprendendo a lidar com burocracias, a negociar e a desenvolver novos procedimentos de gestão. O Grupo de Gestão da Biblioteca, por exemplo, acompanha processos de compra de livros. Orientados pelo educador responsável, fazem orçamentos em livrarias, acompanham a encomenda e a entrega e catalogam os exemplares no acervo. Ao acompanhar um

Cardápio dos grupos de gestão Os Grupos de Gestão não possuem eixos temáticos fixos, podendo ser reconfigurados de tempos em tempos. Alguns exemplos de grupos são: Grupo Comunicação: desenvolve ações relativas à comunicação interna e externa à escola. Grupo Biblioteca: cataloga os livros, organiza o processo de empréstimo e devolução, faz novas aquisições para o acervo, além de organizar saraus e encontros literários. Grupo de Equipamentos: cuida da manutenção dos equipamentos da escola, da política de empréstimo, desenvolve ações de sensibilização para o uso consciente. Grupo Escambo de Saberes: promove a troca de conhecimentos entre membros da comunidade escolar, organizando micro-aulas e oficinas de conteúdos diversos dentro da escola. Grupo Montagem de Exposições: cuida da organização e armazenamento do acervo de trabalhos artísticos, organizando mini-mostras e exposições itinerantes dentro e fora da escola. Grupo de Pesquisa: desenvolve mini-pesquisas conduzidas pelos jovens sobre temas de interesse da escola.


processo relativamente simples como este o jovem percebe que o livro não sai da livraria e simplesmente aparece na prateleira da escola. Os estudantes aprendem sobre a complexidade dos fluxos logísticos de todo processo (seja ele criativo, produtivo, administrativo ou de qualquer outra natureza). Esta vivência propicia o desenvolvimento de habilidades de organização pessoal. Eles aprendem a estabelecer metas, criar estratégias para concretizá-las, seguir prazos, entender e expressar com mais clareza o que visam realizar. Esse tipo de aprendizado tem reflexos diretos no mundo do trabalho, na formação de profissionais mais autônomos e com habilidades que extrapolam a atuação em áreas específicas, evitando a superespecialização e a fragmentação dos campos do saber e do fazer. A simples compra de um livro também leva a uma maior consciência da importância de ter cuidado com o espaço e com a infraestrutura que se utiliza. O mesmo ocorre com o Grupo de Gestão de equipamentos que, entre outras funções, cuida do almoxarifado da escola, onde são armazenados câmeras, microfones, computadores e todo tipo de ferramentas. Na medida em que passam a se ocupar de tarefas ligadas à manutenção, organização e conservação de materiais e espaços da escola, os jovens sensibilizam seu olhar e se tornam mais atentos no seu uso. Eles reveem hábitos e comportamentos inadequados ou danosos aos bens coletivos, pois apreenderam que não é simples comprá-los, mantê-los e consertá-los caso se estraguem. As relações sociais e o modo como lidam com a vida em coletividade também são influenciados pelas experiências ligadas à gestão vividas na Oi Kabum! BH de diversas formas. Os estudantes passam a identificar contextos, externos à escola, em que sua participação é levada em conta. Eles acabam modificando antigas formas de ver o mundo e de se relacionar. Os estudantes começam a exigir, também em outras esferas da sua vida, que as relações sejam pautadas por critérios mais democráticos.

Desafios para a construção da escola democrática A experiência de gestão coletiva cria espaço para que divergências e conflitos se manifestem. É preciso que haja discordância para haver negociação. Mas se não há regras pré-definidas, a todo tempo surgem dificuldades. A capacidade de gerir colaborativamente é desenvolvida de maneira gradual pelos jovens. E é fundamental que os educadores façam a mediação das discussões e saibam intervir quando necessário, apoiando os jovens neste aprendizado. O educador precisa abandonar o papel de único detentor de conhecimento e poder e reconhecer a autonomia e os conhecimentos prévios dos jovens. É preciso estar atento para criar mecanismos que equilibrem as desigualdades na capacidade de persuasão entre os participantes do debate – fator altamente influente no processo de tomada de decisão.


Desafios e perspectivas Certamente, são muitos os desafios que se colocam quando se opta por uma proposta pedagógica que cria espaços para que a divergência e o conflito surjam e se tornem visíveis. Lidar com o conflito tem um caráter ambíguo: ao mesmo tempo em que constitui a essência da proposta, representa também um de seus principais desafios. Por um lado, o conflito se mostra necessário para a própria natureza da Gestão Coletiva: é preciso que haja discordância para haver negociação. Mas se não há regras pré-definidas, a todo tempo aparecem dificuldades. Uma questão delicada, por exemplo, diz respeito à efetividade do poder de decisão dos jovens. Até que ponto a tomada de decisão está nas mãos deles? Em que áreas eles estão aptos a tomar decisões? A aposta da Escola Oi Kabum! Belo Horizonte tem sido deixar que os jovens se pronunciem sobre as suas prioridades de forma bem livre. Estando, a princípio, aptos a participar de qualquer decisão, muitas vezes os estudantes se mostram insatisfeitos com o tratamento dado a certas questões e julgam que sua participação foi limitada. Por isso, é essencial compreender que a capacidade de gerir colaborativamente é desenvolvida de maneira gradual pelos jovens. É preciso mediar as discussões e saber intervir quando necessário, assumindo as responsabilidades de gestores ou educadores. A distribuição do poder entre todos os atores da Escola é um aspecto fundamental da proposta de Gestão Coletiva. Este fato permite uma diversificação das habilidades e competências desenvolvidas pelos jovens e por toda a equipe da escola. Mas o aspecto mais relevante desse exercício de inversão de papéis tem uma dimensão política: algumas dicotomias – que em geral colocam um dos polos em posição superior – são rompidas. Por exemplo, muitas vezes o educador ou funcionário é reconhecido como o único que detém o saber, e os conhecimentos prévios e práticos dos jovens não são reconhecidos. Nesta dinâmica de Gestão Coletiva as dicotomias entre saber intelectual e o fazer prático, o especialista e o leigo, são rompidas. A quebra dessa distância dada a priori entre os que dominam determinada área de conhecimento ou


knowhow técnico, como os educadores, coordenadores ou funcionários, e os leigos, como os estudantes, é fundamental para encorajar os jovens a se arriscarem na realização de tarefas que sempre lhes foram negadas e os despertarem para a possibilidade concreta de participação. O objetivo central da Gestão Coletiva é mais pedagógico que institucional. O foco principal não é que todas as deliberações sejam inteiramente conduzidas pelos jovens, mas que eles aprendam sobre o processo de gestão e negociação de conflitos. É preciso respeitar fluxos decisórios, lidar com a frustração e desconstruir o imaginário de que participar de uma proposta de gestão coletiva significa decidir tudo coletivamente – ou a despeito de qualquer relação hierárquica. Para o educador, a princípio aquele que detém o saber e o poder de decidir em sala de aula, trata-se de reconhecer a autonomia dos jovens. Nas escolas tradicionais pode acontecer dos educadores subjugarem os estudantes ou não reconhecerem neles a capacidade de se desenvolverem com autonomia e aprendendo a fazer escolhas. Assim o educador precisa abandonar lugares de poder e práticas educativas cristalizadas, utilizando sua autoridade, mas sem impô-la a qualquer custo aos jovens. O educador precisa exercer a autoridade de forma legítima. Certamente, os jovens precisam desenvolver habilidades discursivas e argumentativas para que possam participar da gestão de uma instituição de forma eficaz e efetiva. Porém, a dificuldade de parte dos jovens em negociar suas questões não se apresenta como evidência de uma incapacidade argumentativa intrínseca, mas sim da carência de oportunidades para que descubram e desenvolvam competências que lhes são constantemente negadas, a ponto de que eles próprios ignorem que as possuem. Entretanto, reconhecer a desigualdade de habilidades discursivas entre educadores e jovens é reafirmar a necessidade radical de criar, nos processos formativos, contextos que lhes permitam desenvolvê-las. Os jovens precisam ser incentivados a falar e a argumentar, por meio de exercícios que potencializem situações de debate e da criação de canais efetivos de participação.


Os princípios pedagógicos participativos que pude conhecer e vivenciar Ana Luiza Ferreira estudante

A Oi Kabum! Belo Horizonte é uma escola diferente de todas

as outras que tive a oportunidade de estudar. Desde o início, os profissionais têm a preocupação de transmitir para os alunos a importância da gestão compartilhada como uma proposta que atravessa os princípios da escola. Tive o privilégio de frequentar no mesmo período outra escola técnica, o Núcleo de Empreendedorismo Juvenil (NEJ), que tem como objetivo capacitar os jovens para o mundo do trabalho, com foco no empreendedorismo. As experiências marcantes nos dois espaços me estimularam a realizar, no último semestre de 2013, uma pesquisa na qual, por meio de conversas e entrevistas com as pessoas diretamente envolvidas com o ensino das duas escolas técnicas, pude compreender melhor os princípios pedagógicos que regem o ensino de tais instituições de ensino. A minha investigação foi realizada por meio do grupo de pesquisa, que eu fiz parte, da Oi Kabum!. É um dos grupos que colaboram com a gestão coletiva do espaço. Só a existência deste grupo já é um bom exemplo da proposta pedagógica diferenciada da Escola. Apesar da dificuldade em conciliar as aulas nas duas escolas técnicas, mais as atribulações do ensino médio regular, este período certamente ficará marcado em minha trajetória pessoal e profissional, pois encontrei em ambas as instituições o espaço necessário para o desenvolvimento das minhas habilidades profissionais e também uma maneira de praticar meu autoconhecimento. Logo que ingressei na Escola Oi Kabum!, escutei uma frase que continua sendo repetida pelos educadores que compõem a equipe de profissionais: “Nós acreditamos que quando estamos ensinando algo, também estamos aprendendo com os alunos”. Por meio da pesquisa realizada, e também pela minha vivência, pude perceber que a postura é adotada na prática, com a oferta de atividades que permitem que os alunos possam aproveitar


a flexibilidade da escola. Não se trata de algo pensado apenas na teoria e esquecido na prática. É algo que sai do papel e pode ser sentido e visualizado no dia a dia da escola. Admiro a capacidade dos educadores da instituição em compreender que todos nós aprendemos uns com os outros, todos os dias das nossas vidas. Outra coisa que aprendemos na escola é a importância da autonomia. Mesmo indiretamente, todas as propostas de atividades procuram trabalhar a independência do aluno. Exemplo disso são as tarefas coletivas que acontecem com frequência e incentivam o trabalho em equipe, assim como a liberdade de criação dos alunos. A didática dos professores, a dinâmica das aulas e a flexibilidade da grade curricular são exemplos dos princípios pedagógicos utilizados. A autonomia pode ser sentida na forma como a Escola se estrutura, com a existência de Grupos Gestores e de um Conselho Gestor. Por meio dos Grupos Gestores, os alunos podem participar da gestão da escola. Alguns exemplos desses grupos são o de Sustentabilidade (para pensar em maneiras menos impactantes de se relacionar com o ambiente) e o da Biblioteca (responsável pelos empréstimos e conservação das obras literárias existentes na Oi Kabum!). Já no Conselho Gestor, os representantes de todas as turmas têm o papel de dar o apoio necessário para os outros grupos gestores da escola.

A orientação como mais um espaço de aprendizagem Outro momento muito importante que faz parte da estrutura

da Oi Kabum! é o da Orientação. A escola disponibiliza um educador que terá um contato mais próximo conosco, prática que permite, por exemplo, a identificação e


possíveis soluções de nossos problemas pessoais ou mesmo escolares. A orientação que tive em minha passagem pela Oi Kabum! foi um dos momentos mais importantes da minha formação profissional e humana. Foi uma oportunidade de não só compreender quem é aquele educador que me orienta e como foi a trajetória profissional e a história de vida dele, mas também de aprender muito com essa relação. Tive a chance de ver de perto um conceito que até então eu só havia vivido no campo das ideias: a desconstrução do professor como um ser soberano e inalcançável pelo aluno. Essa aproximação entre professor e aluno, que acontece na orientação e em outros momentos, rompe barreiras e acaba com a ideia ultrapassada de que o professor é o único dono do conhecimento. Esta experiência foi essencial para a minha formação, ainda mais por ter acontecido de maneira leve e espontânea. A palavra “mercado” é abordada na Escola Oi Kabum! com um sentido diferente do que estamos acostumados. O objetivo da escola, no meio profissional, é não só formar especialistas que se adequem pura e simplesmente às exigências do competitivo mercado das artes, mas que também possam atuar de maneira significativa, praticando o protagonismo na área profissional e pessoal. São tantas as coisas aprendidas e vivenciadas que me sinto na obrigação de compartilhar com os meus colegas do ensino médio regular os conhecimentos adquiridos.


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