Livro oikabum12anos ajustes revisados

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Ilustração João Lin


Oi Futuro O Oi Futuro é o instituto de responsabilidade social da Oi, que emprega novas tecnologias de comunicação e informação no desenvolvimento de projetos de Educação, Cultura, Esporte e Sustentabilidade. Desde 2001, suas ações visam democratizar o acesso ao conhecimento e reduzir distâncias geográficas e sociais, com especial atenção à população jovem. Na Educação, além da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, o programa NAVE usa as tecnologias da informação e da comunicação, capacitando jovens para profissões na área digital, fornecendo conteúdo pedagógico para a formação de educadores da rede pública, e fomentando o desenvolvimento de modelos inovadores. Na Cultura, o Oi Futuro mantém uma programação nacional e internacional de qualidade reconhecida e a preços acessíveis, além do Museu das Telecomunicações. O Esporte é apoiado através de projetos aprovados pelas Leis de Incentivo ao Esporte, tendo sido a Oi a primeira companhia de telecomunicações a apostar nos projetos socioeducativos inseridos na Lei Federal. O programa Oi Novos Brasis completa seu escopo de atuação, reafirmando o compromisso do Instituto no campo da Sustentabilidade, com o apoio e o desenvolvimento de parcerias com organizações sem fins lucrativos para a viabilização de ideias inovadoras que utilizem a tecnologia da informação e comunicação para acelerar o desenvolvimento humano.


Ilustração João Lin


Oi Kabum! O Oi Futuro é mantenedor e correalizador do programa de educação Oi Kabum!. Quatro organizações não governamentais são parceiras do Programa e coordenam unidades escolares em capitais brasileiras. Em Belo Horizonte, a escola é coordenada pela ONG Associação Imagem Comunitária (AIC) e conta com a parceria do projeto Plug Minas, da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais. Em Recife, a coordenação está a cargo da ONG Auçuba Comunicação e Educação e conta com a parceria da Secretaria Municipal de Juventude e Qualificação Profissional da cidade. No Rio de Janeiro, a ONG Centro de Criação e Imagem (CECIP) coordena a escola carioca. Em Salvador, a escola tem a coordenação da ONG Cipó Comunicação Interativa. A iniciativa promove a formação integral de jovens através da experimentação da arte e da tecnologia. As escolas Oi Kabum! desenvolvem uma proposta educacional inovadora, que qualifica os jovens para o mundo do trabalho e tem impactos diretos e indiretos sobre eles, suas famílias e comunidades. A Oi Kabum! é hoje um polo de referências modelares para políticas públicas educacionais juvenis.


Ilustração João Lin


A Oi, através do Instituto Oi Futuro, há mais de uma década investe nas transformações positivas da sociedade brasileira, criando e colaborando com ações, soluções e parcerias culturais, educativas e sustentáveis. E a Oi Kabum! é um exemplo de programa que concretiza essa transformação em vários níveis. Por meio da arte e da tecnologia, o programa tem criado possibilidades para a explosão de talentos entre os jovens de comunidades populares urbanas ou das redes públicas de ensino. A iniciativa aprimora, cotidianamente, uma proposta pedagógica que contribui com a reconfiguração da trajetória desses jovens e de suas comunidades. O programa Oi Kabum! tem desenvolvido um conjunto de metodologias com capacidade de aproximar a escola dos anseios juvenis e de possibilitar que seus estudantes construam significados e experiências mais positivas em torno do aprender. Este livro dá voz aos profissionais, colaboradores e estudantes do programa Oi Kabum!, reunindo suas histórias, práticas, desafios e aprendizagens. Esperamos que os conhecimentos compartilhados nestas páginas possam inspirar práticas e soluções inovadoras em outros contextos educativos. Parabéns a todos os que promovem essa revolução todos os dias. José Augusto da Gama Figueira Presidente Oi Futuro


Ilustração João Lin


O leitor desavisado decerto passará por este livro sem se dar

plena conta de que se depara com a materialização de uma experiência bem sucedida de formação integral. Talvez não compreenda desde o início que as ações aqui relatadas visam a formar mais do que jovens artistas, mas cidadãos preparados para enxergar além e interferir criticamente em suas realidades. Se você não perceber todas essas camadas logo de início, leitor, não se espante. O programa Oi Kabum! tem mesmo mil faces secretas sob a face neutra da “Escola de Arte e Tecnologia”. A tecnologia na Oi Kabum!, por exemplo, vai além do software ou das câmeras de última geração, mas engloba todos os processos, técnicas e conhecimentos que usamos para representar e agir sobre o mundo. Aliás, valorizamos o que é high tech tanto quanto engenhocas e gambiarras ditas low tech. O que importa é dar voz à expressão de cada um. Definir a Oi Kabum! como programa de formação em arte também pode levar a uma percepção de que aqui apenas ensinamos jovens a se tornarem fotógrafos, editores de vídeo, animadores ou designers. Para além da formação profissional e técnica, o programa é capaz de criar uma comunidade de jovens e educadores que se especializam em saborear o mundo internamente e produzir sentidos nas formas mais variadas e expressivas.


Por fim, compreender a Oi Kabum! como uma escola pode produzir sensações ambíguas no leitor que começa agora a caminhada conosco. Se por um lado o programa em nada se parece com a escola que hoje está posta no mundo, com suas compartimentalizações de saberes e processos de gestão unidirecionais, em muito se assemelha à escola que se deseja. O modelo de educação criado e desenvolvido pelo programa tem processos bem desenvolvidos de autogestão (de alunos para alunos, por exemplo) e uma filosofia de integração de saberes técnicos e comportamentais que vale a pena ser conhecida. Agora, o leitor desavisado pode chegar mais perto e olhar novamente para estas palavras, imagens e diagramas e compreender que se tratam das histórias, práticas, ideias, desafios e aprendizagens dos profissionais, colaboradores e estudantes desse programa de formação integral, idealizado pelo Oi Futuro e desenvolvido em parceria com AIC, Cipó, Auçuba e CECIP. Boa leitura! Fabio Campos Diretor de Educação Oi Futuro



Sumário Gestão do Programa Oi Kabum!: um trabalho a muitas mãos xx

Etapas da experiência formativa e produtiva no Programa Oi Kabum! xx Capítulo 1

Aposta no potencial expressivo e transformador das juventudes xx

Um voto de confiança aos jovens xx Criatividade protagonista, autônoma, libertadora... xx A centralidade da cultura para a formação juvenil xx Por políticas publicas que ampliem o acesso e a adesão às linguagens culturais pelos jovens brasileiros xx

Capítulo 2

Experimentações e inovações no ensino de arte e tecnologia xx

A arte de ensinar arte e tecnologia xx A técnica em função do pensamento xx Arte, tecnologia e os desafios de ser escola na contemporaneidade xx Arte e tecnologia uma chave para outras educações xx Tecnologias digitais e a educação juvenil: cruzamentos, interconexões, possibilidades xx Concatena e baú de rastros: educação em rede e socialização de experiências xx Reinventando tecnologias para o ensino de arte xx

Capítulo 3

Gestão e produção colaborativa de conhecimentos xx

Liberdade para criar soluções educativas xx Quatro escolas um mesmo princípio xx Semanas de produção coletiva: jovens compartilham conhecimentos em imersão criativa xx Experiência de uma escola gerida por todos xx Princípios pedagógicos e participativos que pude conhecer e vivenciar xx

Capítulo 4

Outras formas de ensinar e aprender xx

Currículo nas escolas Oi Kabum! Quando o todo é mais que a soma das partes xx Aprendizagem por projetos: pelo caminho é que se aprende xx

Capítulo 5

Acolhendo jovens e conhecendo suas aprendizagens xx

Desafios da avaliação da aprendizagem em arte e tecnologia xx Kairos como possibilidade de reinvenção do tempo pedagógico xx Acompanhamento integral dos jovens: diálogos e aproximações para desenvolver projetos de vida xx Acolhimento, olhar crítico e ação libertadora xx

Capítulo 6

Geração de oportunidades produtivas para os jovens xx

O desafio de conciliar educação, trabalho e projetos juvenis xx Editais de projetos: selecionando ideias, editando arte e vida xx Labkabum! Recife: espaço de produção e pesquisa em arte e tecnologia xx Intercâmbios com o mundo do trabalho xx Núcleo de produção e suas contribuições para as trajetórias profissionais de jovens xx

Capitulo 7

Mobilizando pessoas e multiplicando conhecimentos xx

Ultrapassando os muros da escola xx De que lugar você fala? Este lugar tem voz? xx Um programa que vai ao encontro da escola pública xx Imagine-se promovendo uma escola pública melhor xx Três eixos de atuação que se conectam xx


Gestão do programa Oi Kabum!: Um trabalho a muitas mãos Quem visita uma escola Oi Kabum!, normalmente, sai

maravilhado com o que vê: jovens talentosos, educadores entusiasmados, ideias em ebulição, produções supercriativas. Quem conhece as quatro escolas sabe que vai encontrar tudo isso, com uma pitada regional da ONG que faz o programa acontecer localmente. São equipes competentes e que visivelmente amam o que fazem, e que junto com os jovens que passam pela Oi Kabum!, ajudam a construir as identidades de cada escola. Por trás de todas essas mãos, há uma outra equipe, “jogando nas onze” para garantir que a Oi Kabum! seja possível nas quatro cidades: a equipe de coordenação da Oi Kabum! no Oi Futuro. Trata-se de um grupo de profissionais que cuida desde a aquisição de bens para as atividades formativas acontecerem até a proposição de estratégias futuras para o programa, desde o pagamento dos recursos para a operação das escolas até o estudo de outras iniciativas inspiradoras para o desenvolvimento de novas ações. Acima de tudo, uma equipe que não só dá apoio a quatro escolas, mas que dá apoio para que elas componham um programa. Este texto apresentará um pouco sobre o que é esse trabalho.

O percurso no começo do caminho A Oi Kabum! surgiu em 2003, dentro da área de cultura do Oi Futuro e, de um modo pioneiro, nasceu com a proposta de integrar cultura e educação. Na época, a primeira escola carioca, gerida no Rio pela ONG Spectaculu, antevia a potencialidade da economia criativa, em uma formação unindo arte, tecnologia e cidadania para jovens de baixa renda. Alguns anos depois, a gestão do programa foi transferida para a área de educação do Oi


Futuro, marcando o hibridismo da proposta de conjugar a formação na área de indústria criativa a pressupostos pedagógicos de educação integral. Com a chegada gradual de novos membros à equipe, foi possível ampliar o espectro de atuação do Oi Futuro junto às escolas, passando a ter uma maior presença estratégica e operacional. A equipe atual que gere o programa no Instituto conta com três pessoas exclusivas (uma coordenadora, uma analista e uma estagiária) e duas compartilhadas com o NAVE, outro programa do Oi Futuro (coordenadores da área de pesquisa e disseminação da área de educação), todas elas supervisionadas por um gestor responsável pelos dois programas. Todos mantêm contato com as unidades da Oi Kabum!, para tratar de temas diversos, como criação de ações formativas em conjunto, estratégias de articulação junto a parceiros, assuntos burocráticos e administrativos, entre outros. Esse time também se relaciona com educadores e estudantes do programa, e ainda medeia demandas que envolvem outras áreas do Oi Futuro.

Um lugar de múltiplos olhares Estar na posição de coordenação do programa Oi Kabum! traz ônus e bônus. Cada visita a uma escola dá a impressão de que a equipe vivencia tão pouco o que acontece lá. Ouvir um jovem contar como foi produzir uma obra gera uma vontade enorme de ter estado junto em todo o processo, desde a concepção da ideia, passando por sua evolução e percalços até ela virar o que é. Essa é uma posição que traz cobranças por parte dos parceiros, seja de maior presença ou de maior compreensão do que a escola propõe. Ao mesmo tempo, é um privilégio único acompanhar (ainda que a distância) as atividades desenvolvidas em


cada escola, que discussões despertam mais o interesse dos jovens e como os assuntos são conduzidos regionalmente. Ver produções artísticas com marcas identitárias distintas, mas que muitas vezes se conectam de alguma forma com o que está sendo feito em outro lugar. O desejo mais comum nesses momentos é: “Eles precisam trocar uma ideia com a Oi Kabum! da cidade X, que também está fazendo um trabalho lindo sobre esse tema!”. E são essas vivências riquíssimas que provocam a promover a integração entre as escolas e tirá-las da zona de conforto. Por que não trazer novas contribuições ao que já é feito tão bem? Estar na coordenação do programa Oi Kabum! é um verdadeiro trabalho de equilibrismo (ou seria malabarismo?). O lugar de quem vê tudo, ainda que com menos profundidade, é também o lugar de quem deve provocar a olhar para o outro. É promover trocas, integrações de visões entre as escolas, convidar a testar práticas umas das outras. Essa tarefa muitas vezes é árdua. Afinal, o programa tem como pano de fundo nada menos do que seis culturas organizacionais distintas, ainda que com objetivos em comum. Além disso, essa posição do meio sofre diversos tipos de pressão: não só das ONGs, que são marcadas por tempos e decisões tão diversas em termos organizacionais, mas também da Oi - a mantenedora do programa, que espera resultados em tempos e formatos não necessariamente compartilhados pelas escolas. Por exemplo, numa demanda de produção artística (uma peça publicitária), o tempo do cliente (neste caso, a Oi) é o tempo do mercado e, diante da proposta formativa do Núcleo de Produção (espaço de formação avançada da Oi Kabum!), é preciso negociar, equalizar visões para que esse processo seja satisfatório tanto para o cliente como importante e formativo para os egressos participantes do job. Aí, cabe à equipe de coordenação no Oi Futuro traduzir demandas e ajustar expectativas. Mas assumimos que esse lugar partilha de múltiplas referências, um espaço de escuta, de proposições, mas, acima de tudo, um espaço de negociação.


Definitivamente, não estamos isentos de conflitos! Na gestão do programa, nem sempre o consenso acontece, mas há sempre o desejo de avançar em ideias, propostas e sistematização de experiências. Seja numa conversa para trazer unidade ao programa por meio de práticas experimentadas e validadas, e que podem ser replicadas umas nas outras, seja com uma proposta nova para experimentação que precisa ser acordada e discutida entre educadores e jovens. No espaço onde o dissenso é saudável, acreditamos que promovemos ainda mais o exercício da crítica e da contestação fundamentada! A posição do meio traz também duas funções, talvez as mais nobres desse contexto. A primeira é a de aprendiz: as interações com equipes e alunos das escolas Oi Kabum! são verdadeiras aulas de relações humanas, de como as juventudes de hoje pensam, de como transformar um objeto qualquer em um instrumento de trabalho, de como apreciar uma obra de arte de outra forma, de como podemos contribuir com o modelo de escola pública vigente, com metodologias e práticas que motivam o jovem a estudar/ descobrir, aguçam a curiosidade, estimulam a participação social e contribuem com senso de pertencimento. A outra função nobre é a de servir. Estar a serviço de uma iniciativa como a Oi Kabum! é um privilégio para quem se identifica com causas ligadas à educação, à cultura e à juventude. Mais do que um programa com contribuição social, está o desejo de influenciar setores da sociedade que também trabalham com jovens, de fazer valer o investimento social privado numa dimensão realmente relevante para a sociedade, de influenciar políticas públicas, no sentido de discursos mais afinados com interesses e necessidades juvenis, mas também com propostas práticas de metodologias e conteúdos que realmente fazem diferença nos processos educacionais (formais ou não formais). Equipe de Educação Oi Futuro Programa Oi Kabum!


Programa Oi Kabum!

Quatro escolas de arte e tecnologia no Brasil envolvem em processos formativosjovens de 16 a 21 anos, de comunidades populares urbanas, estudantes ou egressos da rede pública.

Escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Escola Oi Kabum! Recife

Escola Oi Kabum! Rio de Janeiro

Escola Oi Kabum! Salvador

Gerida pela Organização Não Governamental Associação Imagem Comunitária – AIC.

Gerida pela Organização Não Governamental Auçuba – Comunicação e Educação.

Gerida pela Organização Não Governamental Cecip – Centro de Criação de Imagem Popular.

Gerida pela Organização Não Governamental Cipó Comunicação Interativa.

Apoiada pelo projeto Plug Minas, da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais.

Apoiada pela Secretaria Municipal de Juventude e Qualificação Profissional de Recife.


O programa Oi Kabum! e as etapas da experiência formativa e produtiva vivenciadas pelos jovens

Processo de seleção estendido – oficinas Click: formando para conhecer.

Formação básica: apropriação dos meios tecnológicos e artísticos.

Núcleo de produção: incubadora de projetos, inovações e oportunidades.

Ações multiplicadoras: disseminação do conhecimento produzido pelas escolas.


Processo de seleção estendido – oficinas Click Os jovens chegam às escolas através de um enriquecedor processo de seleção. Além da análise de dados etários e socioeconômicos e de entrevistas com jovens, as escolas realizam um processo formativo com duração entre 20 e 40 horas. Geralmente, participam dessa formação mais que o dobro de jovens por vaga. Ao final da oficina, são efetivamente definidos os candidatos que integrarão uma turma das escolas. A formação é uma oportunidade dos jovens vivenciarem o cotidiano de uma unidade escolar Oi Kabum! E, com isso, terem subsídios para avaliarem seus reais interesses e aptidões em integrarem o curso. O real interesse do jovem é um critério central para a seleção dos candidatos, já que colabora para a redução do número de integrantes que possam vir a desistir do curso. O processo formativo também oportuniza aos gestores e educadores das escolas a certificação das características de cada jovem, de suas reais expectativas, comportamentos e da abertura para vivenciarem uma escola diferenciada como a Oi Kabum!. A formação também é uma contrapartida das escolas para os jovens que não forem selecionados. O curso oferecido garante aos candidatos noções básicas sobre arte e tecnologia, promovendo a qualificação técnica de todos os jovens que participam do processo seletivo. Assim, todos vivenciam um processo que agrega mais valor do que frustração.

Processo de seleção Click – Escola Oi Kabum! Rio de Janeiro A escola Oi Kabum! do Rio de Janeiro foi a criadora do primeiro processo de seleção estendido, que foi batizado de Oficina Click. Essa inovação foi encampada pelas outras três escolas do programa, que a adaptaram e aprimoraram, de acordo com as singularidades locais.


Formação básica As escolas Oi Kabum! oferecem aos jovens uma formação básica com duração entre nove e dezoito meses, durante os quais são desenvolvidas e aprimoradas habilidades nas artes gráficas e digitais, criação artística, análise crítica da mídia e do mundo e leitura e expressão. Cada escola tem liberdade para organizar a sua matriz curricular, porém sempre mantendo a arte e a tecnologia como fio condutor do processo educativo que costura as linguagens, o desenvolvimento psicossocial e a formação cidadã. O processo formativo também foca no desenvolvimento pessoal e social, estimula o empreendedorismo no âmbito do trabalho e da comunidade, amplia o repertório cultural e contribui para um melhor desempenho escolar e relacionamento com a família. Além disso, como temas transversais, o processo produtivo realizado com os jovens tem como eixos centrais o reconhecimento da identidade, da comunidade, da cidade, da cultura e da construção do projeto de vida, permitindo que eles ampliem a percepção de si mesmos e do contexto em que estão inseridos, ao mesmo tempo em que estabelecem e perseguem metas concretas que orientam o seu futuro.

Mais sobre o currículo das escolas na página xx (remete ao texto de currículo no capitulo 4) A Oi Kabum! Belo Horizonte foi certificada pelo MEC como escola técnica (Educação Profissional Técnica de Nível Médio). A Oi Kabum! Salvador está adaptando o seu itinerário formativo objetivando também essa certificação.


Núcleo de produção: incubadora de projetos, inovações e oportunidades Após a conclusão do curso básico, os jovens podem optar pelo ingresso em uma etapa de formação mais avançada e complementar. As escolas Oi Kabum! mantêm um núcleo de produção em arte e tecnologia com enfoque maior na qualificação dos estudantes para o mundo do trabalho. Esse espaço cria condições especiais para que os jovens prestem serviços e desenvolvam projetos de forma inovadora e criativa. O Núcleo de Produção oferece formação com ênfase no empreendedorismo no seu sentido mais amplo, concebendo os arranjos produtivos alternativos e não convencionais. Os estudantes aprofundam suas reflexões sobre a vida profissional, mas também desenvolvem oportunidades produtivas autorais, se tornando sujeitos com capacidade de intervir e propor alternativas e novas práticas de trabalho aos jovens.

Mais sobre o Núcleo de Produção (pagina xx – remeter para o capitulo 6)


Ações multiplicadoras: disseminação do conhecimento produzido pelas escolas As escolas Oi Kabum! multiplicam e disseminam o conhecimento construído através de ações educativas, culturais e comunitárias realizadas para além dos seus muros, o que permite que um público ainda maior seja beneficiado pelo programa. As atividades em geral são realizadas pela equipe, estudantes ou egressos das unidades escolares e focam prioritariamente no público jovem e em educadores de escolas públicas. O programa privilegia ações de fortalecimento comunitário, formativas (pontuais, de média ou longa duração) ou iniciativas de disseminação de conteúdos, como sistematização de publicações impressas e digitais.

Mais sobre Ações Multiplicadoras (pagina xx – remeter ao capitulo 7)







Aposta no potencial expressivo e transformador das juventudes

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Um voto de confiança aos jovens A juventude popular urbana é a essência do Programa Oi Kabum!. É aquela que dá vida e que norteia o fazer cotidiano das escolas. São jovens entre 16 e 21 anos que cursam ou são egressos do ensino médio de escolas públicas e que muitas vezes vivenciam situações de invisibilidade social. Alguns são, ou já foram, marginalizados e vistos como um problema, e não como sujeitos capazes de mudanças sociais. As ações promovidas pelo programa têm a intenção de oferecer oportunidades que possam potencializar a natureza criativa própria da juventude, de forma a transformar suas realidades. A juventude é um período de mudanças físicas, intelectuais, emocionais e de descobertas. É uma categoria social que possui características próprias, que incluem, por exemplo, a construção de valores, a preparação para o ingresso no mundo do trabalho e a ampliação das relações e vínculos sociais. Porém, a visão da juventude adotada pelo programa Oi Kabum! vai além desses aspectos e se preocupa em não homogeneizar a experiência de ser jovem. Compreende-se que cada indivíduo vive esse momento de maneira diversa e leva-se em consideração questões particulares, como classe, raça/etnia, gênero, renda, escolaridade, base familiar, espaços por onde transita, época e local de nascimento, modos de participação política e de expressão cultural. Por isso, muitos teóricos afirmam que mais do que falar de juventude, devemos falar de juventudes, no plural. Justamente por serem tão diversos, os jovens devem ser tratados de maneiras distintas, de acordo com suas trajetórias e histórias de vida, que são únicas. O projeto pedagógico que norteia o programa Oi Kabum! procura respeitar, negociar e interagir com os saberes que os jovens já possuem. Saberes estes que foram socialmente construídos, que emergem da experiência de realidades concretas e que irão compor uma via de mão dupla entre educadores e estudantes.

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A ideia é procurar fazer com que estas particularidades e demandas juvenis sejam expressadas, ressignificadas e atendidas. A juventude é uma etapa da vida na qual há mais facilidade para acompanhar as transformações da sociedade e, ao mesmo tempo, uma grande capacidade para propor mudanças, seja no campo cultural, social ou político. Há mais propensão a questionar e problematizar a ordem social. Esse é também um momento singular da formação da identidade e da descoberta do seu papel e lugar no mundo. Por ser um período bastante propício à experimentação e à exploração de novas possibilidades e potencialidades, é nele que muitas escolhas importantes serão feitas. Por isso mesmo, essa é uma fase particularmente oportuna para oferecer a estes jovens uma educação de concepção integral.

Por uma formação integral A concepção de formação integral adotada pelo Programa Oi Kabum! compreende a oferta de uma educação plena ao indivíduo, na qual diversas dimensões humanas são consideradas e desenvolvidas. O jovem é estimulado a realizar sua própria leitura do mundo e também a elaborar sua forma de atuação sobre ele. É um processo educativo que o desperta para a ação como cidadão integrado à sociedade e aos processos sociopolíticos. A aposta no potencial expressivo dos jovens e o investimento nas tecnologias de informação e comunicação, assim como na produção artística e cultural, atuam como eixos que integram o trabalho educativo. A atuação com a esfera cultural é capaz de agregar sociabilidades, práticas coletivas e interesses comuns. O processo formativo é, então, orientado para a produção e o compartilhamento do conhecimento por meio de diversas linguagens artísticas e midiáticas, buscando desenvolver nos jovens uma postura consciente, de forma a compreenderem a realidade social, econômica, política

Singular que se faz plural As singularidades e trajetórias de vida dos jovens norteiam o projeto pedagógico do programa. Os saberes juvenis são respeitados, debatidos e entram em interação com as práticas educativas. As demandas dos jovens ganham espaço para serem expressas e assim podem se reconfigurar positivamente. O programa gera oportunidades de experimentação artística e de trabalho para os jovens.

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e cultural de seus territórios (sua comunidade, sua cidade, seu país, seu mundo). Os jovens de comunidades populares urbanas podem encontrar no campo da cultura um espaço privilegiado para a construção positiva de suas identidades. Eles têm a possibilidade de serem reconhecidos e de se tornarem visíveis para uma sociedade que, muitas vezes, os ignora. Por meio da cultura, os jovens têm a possibilidade de intervirem e se posicionarem, de forma significativa, na sociedade em que estão inseridos. É assim que o Programa Oi Kabum! busca estimular os jovens como atores para um processo coletivo de construção e transformação social. Ao utilizarem a criatividade e as tecnologias de informação e comunicação, eles podem atuar na melhoria de suas condições de vida e também na melhoria das condições daqueles que estão em seus círculos sociais. Os jovens se tornam capazes de empreender mudanças em sua própria vida e também no mundo. Um exemplo que pode ser destacado nesse sentido é a atuação com coletivos comunitários e a prospecção de serviços com aparelhos comerciais das próprias comunidades para prestar serviços de arte e design.

Ensino na perspectiva integral

Abordagem que compreende e respeita as várias dimensões do sujeito. Formação para a cidadania. O conhecimento no ato de criação (no caso, artística e cultural). Fomento à expressão juvenil por meio da arte e das tecnologias de informação e comunicação. Incorporação da bagagem cultural dos jovens na concepção de ideias e no processo criativo.

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Formação integral do jovem por meio da arte e da tecnologia

Leitura crítica do mundo

Transformação da realidade por meio das produções artísticas

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Criatividade protagonista, autônoma, libertadora... Noale Toja Educadora escola Oi Kabum! Rio de Janeiro

A primeira pessoa soa como eu sou, a segunda pessoa soa como tu és , a terceira pessoa soa como ele e ela também . Q ualquer pessoa soa , toda pessoa boa soa bem . Gilberto Gil 1

Todos nós soamos alguma coisa, soamos nossa humanidade.

O trecho da música de autoria de Gilberto Gil que tanto nos toca, traduz o olhar do Programa Oi Kabum! para os jovens, que são vistos como sujeitos de suas ações, em suas singularidades e multiplicidades. Também traduz como o saber trazido por cada educando ao ingressar à escola é recebido. Todo conhecimento é válido e é adotado de maneira transversal, horizontal. Para o educador Paulo Freire, ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção, para sua troca. Isso implica criar um espaço vazio de preconceitos e aberto ao reconhecimento do valor do que cada jovem traz consigo. O processo de ensino-aprendizagem é uma via de mão-dupla: quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Compreende-se, portanto, a educação como promoção de uma experiência participativa que posiciona os sujeitos envolvidos na construção desse saber. Desmistifica o senso de autoridade e transforma os educadores e estudantes em colaboradores na tessitura de conhecimentos. O programa procura trazer para a cena o estudante como protagonista da produção de conhecimento em cooperação com o educador e todos os demais jovens e os profissionais, negando, assim, as formas de ensino instituídas nos paradigmas tradicionais que são excludentes e unilaterais. A metodologia utilizada prevê dinâmicas e práticas educativas que solicitam que o jovem se posicione e faça

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1 GIL, Gilberto. O som da pessoa. Intérprete: Gilberto Gil. In: _____. Gilluminoso. Rio de Janeiro: Gege Produtora, 2006. 1CD. (59 min).


escolhas em seu percurso de aprendizagem. Ao criar artisticamente, o estudante escolhe as linguagens que quer experimentar, as técnicas que vai utilizar, os temas que vai explorar. O processo criativo o convida a se conhecer, a expressar suas ideias e a se desenvolver de forma autônoma. É um processo interativo, criativo, crítico e libertador. Os jovens são provocados a produzir arte e a utilizar a tecnologia expressivamente. São desafiados a levantar questionamentos, refletir sobre as situações que os incomodam e propor uma atuação criativa e exequível. Com sua atuação, seu pensamento, sua sensibilidade, seu afeto, os estudantes também afetam outros jovens, agenciam outros pensamentos, atuam de maneira micro, mas com perspectiva de uma mudança de atmosfera, no trato da humanidade de cada um, que impacta no macro. Os processos educativos que permitem o “emocionar” são mais potentes. O Programa Oi Kabum! abre espaço para essa emoção criativa. E o estudante se percebe com a capacidade de construir um mundo menos competitivo, arbitrário, individualista, e sim, mais colaborativo, solidário. O programa traz para a cena, neste espetáculo que é a vida, o lugar do sujeito, autônomo e responsável pela sua criação. É o pesquisador Felix Guattari que define o indivíduo contemporâneo como resultado de uma produção de massa, serializado, registrado, modelado, um sujeito hegemônico. E nas escolas Oi Kabum! o jovem é convidado a ser um protagonista, sujeito de afetos, de sensibilidades, criativo, realizador, autônomo.

Referências bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Petrópolis: Vozes, 1997. GUATTARI, Felix. Três ecologias. São Paulo: Papirus, 1997.

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A centralidade da cultura para a formação juvenil

A relação das juventudes com o mundo da cultura tem sido significativa em todas as gerações e ganha ainda mais relevância na contemporaneidade , com a cultura digital .

Diversos

pesquisadores

2

e educadores brasileiros têm afirmado que as experiências no campo da cultura subsidiam o autoconhecimento , o reconhecimento , a

mobilidade social e ampliam as potencialidades e oportunidades de desenvolvimento dos jovens .

O

programa

Oi Kabum! fundamenta

seu projeto pedagógico nessas referências e busca experimentar e compartilhar metodologias educativas com potencial de inspirar outras iniciativas de educação juvenil no país .

As

reflexões do professor

Juarez Dayrel

têm inspirado as práticas

educativas do programa ao longo desses anos .

O

professor aponta

que o acesso à fruição e à produção cultural é um direito dos jovens e defende o fomento a políticas públicas que promovam essa cidadania cultural .

O

Programa Oi Kabum! fez o convite para que o

autor compartilhasse essas reflexões neste livro .

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2 Se destacam pesquisas realizadas pelos Observatório da Juventude, da Universidade Federal de Minas Gerais (observatorio dajuventude. ufmg.br) e Observatório Jovem da Universidade Federal Fluminense (www.uff.br/ observatorio jovem).


Por políticas públicas que ampliem o acesso e a adesão às linguagens culturais pelos jovens brasileiros Juarez Dayrell3

Ao andar pelas ruas de qualquer grande centro urbano, salta aos olhos a presença dos jovens. Eles aparecem por meio de algumas marcas que evidenciam as expressões contemporâneas da vida juvenil. São as tatuagens, piercings, pulseiras, bonés, colares... E não podemos esquecer das novas tecnologias: celulares, fones de ouvido, tablets, note e netbooks, dentre outros aparelhos eletrônicos que, quase sempre, estão com eles. Fica evidente que estamos diante de uma geração que apresenta especificidades e, dentre elas, a relação com o mundo da cultura parece ser uma das mais significativas. Mas a relação da juventude com a cultura não é uma prerrogativa da sociedade contemporânea. Em toda sociedade humana, os jovens sempre foram alvo específico de alguma liturgia, como os ritos de passagem (Van Gennep, 1986), ou se integravam ativamente no conjunto de festas e rituais que constituem a dinâmica social. Fabre (1996) descreve uma festa ritual, no século XIX, comum nas aldeias e cidades europeias, chamadas de: o reino temporário dos jovens. Podemos dizer, então, que a relação entre juventude e cultura é um velho tema que se reatualiza (Dayrell, 2005). E, nesse processo, podemos constatar que a cultura e suas expressões ganham cada vez maior centralidade na afirmação da juventude como uma etapa própria da vida, demarcando uma separação geracional. Alguns autores (Feixa, 1998; Leccardi, 1991; Abramo, 1994) ressaltam que foi no período pós-guerra que se assistiu a uma afirmação da juventude como uma idade específica da vida. Sua visibilidade, principalmente a partir da década de 50, ocorre nas esferas da cultura e do consumo, devido a alguns fatores, como a ampliação da proteção do Estado de bem estar social e uma crise da autoridade patriarcal, que levou a uma ampliação da liberdade juvenil. A essas condições se aliou o florescimento de um mercado de consumo dirigido aos jovens, sem grandes

3 Professor e pesquisador da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

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distinções de classe, que se traduziu em modas, adornos, locais de lazer, música e revistas. Ao mesmo tempo, a expansão dos meios de comunicação de massa promoveu, pelo rádio, pelos discos e pelo cinema, o aparecimento de uma “cultura juvenil”, que se distinguia não mais em torno da criminalidade ou mesmo da escola, mas em torno do tempo livre, com uma identidade própria expressa no estilo, na escolha musical e em uma estética visual, como os teds, mods ou os rockers4. Mas também grupos com uma proposta alternativa de sociedade, como os beats5 ou, um pouco mais tarde, os hippies6. Todo esse processo se exacerbou com as profundas transformações sociais e tecnológicas que vivenciamos nas últimas décadas. Tais mutações vêm afetando as relações entre o tempo e o espaço, interferindo diretamente nas instituições e nos processos de socialização das novas gerações7. As instituições classicamente responsáveis pela socialização, como a família, a escola e o trabalho, vêm mudando de perfil, estrutura e também de funções.

Os jovens da atual geração vêm se formando e se construindo como atores sociais de maneira muito diferente das gerações anteriores, o que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude. Um exemplo é o acesso cada vez maior à produção e à circulação de informações e, especialmente, um tipo particular de informação, que é a imagem. Por meio da intensificação da velocidade das informações, os jovens entram em contato (e, de alguma forma, interagem) com as dimensões locais e globais, que são determinadas mutuamente, mesclando singularidades e universalidades. Assim, obtêm acesso a diferentes modelos sociais e modos de ser e de viver, que interferem diretamente na construção de modos de ser jovem. Esse contexto é o pano de fundo para compreendermos as relações entre juventude e cultura no Brasil.

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4 Teds, Mods, Rockers são movimentos juvenis do final dos anos 50, surgidos na Inglaterra. 5 Beat é um movimento juvenil norte-americano, principalmente de escritores e poetas, que se tornou conhecido no fim da década de 50 e no começo da década de 60. 6 O movimento hippie foi um comportamento coletivo de contracultura dos anos 60. 7 Para ampliar esta discussão sobre as mutações sociais ver Giddens, 1991; Melucci, 1994; Dubet, 2000; Lahire, 2002; Pais, 2003.


Juventude e Cultura no Brasil A partir da década de 90, assistimos, no Brasil, a uma

nova forma de visibilidade dos jovens. Percebe-se que as dimensões simbólica e expressiva têm sido cada vez mais utilizadas como formas de comunicação e podem ser notadas nos comportamentos e atitudes pelos quais se posicionam diante de si mesmos e da sociedade. A música, a dança, o vídeo, o corpo e seu visual, entre outras formas de expressão, têm sido os mediadores que articulam jovens que se juntam para trocar ideias, ouvir um som, dançar, dentre outras diferentes formas de lazer. Mas também se tem ampliado o número daqueles que se colocam como produtores culturais e não apenas fruidores, agrupando-se para produzir músicas, vídeos, danças, ou mesmo poesias, nos saraus que vêm se tornando cada vez mais comuns. Nas periferias dos grandes centros urbanos, podemos constatar essa efervescência, com jovens pobres inserindose em um circuito alternativo que envolve produtores de diversos tipos, como os musicais e seus pequenos estúdios, shows e eventos.

O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais, no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Nessas práticas, criam novas formas de mobilizar os recursos culturais da sociedade atual para além da lógica estreita do mercado, assumindo um papel de protagonistas. Longe dos olhares dos pais, educadores ou patrões, mas sempre os tendo como referência, os jovens constituem culturas juvenis que lhes dão uma identidade como jovens. Ostentam os seus corpos e neles falam sobre a adesão a um determinado estilo, demarcando identidades individuais e coletivas, além de sinalizarem um estatuto social almejado. Nesse contexto, ganham relevância os grupos culturais. As pesquisas indicam que a adesão a um dos mais variados estilos existentes no meio popular assume um papel significativo na vida dos jovens.

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“Dentro de mim tem um lugar�, produzida por estudantes da escola Oi Kabum! Salvador.

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Por meio da produção dos grupos culturais a que pertencem, muitos deles recriam as possibilidades de entrada no mundo cultural, além da figura do espectador passivo, colocando-se como criadores ativos. Na música ou na dança que criam, nos espetáculos que fazem, nos eventos culturais que promovem, eles colocam em pauta no cenário social o lugar do pobre. Para esses jovens, destituídos por experiências sociais que lhes impõem uma identidade subalterna, o grupo cultural é um dos poucos espaços de construção de uma autoestima, possibilitandolhes identidades positivas. Eles querem ser reconhecidos, querem ter visibilidade, ser alguém num contexto que os torna invisíveis, ninguém na multidão. Eles querem ter um lugar na cidade, usufruir dela, transformando o espaço urbano em um valor de uso (Gomes, 2002; Dayrell, 2003). Ao mesmo tempo, é preciso enfatizar que as práticas culturais juvenis não são homogêneas. Em torno do mesmo estilo cultural podem ocorrer práticas de delinquência, intolerância e agressividade, assim como outras orientadas para a fruição saudável do tempo livre ou ainda para a mobilização cidadã em torno da realização de ações solidárias.

Ser jovem não é tanto um destino, mas a escolha de transformar e dirigir sua existência. Atualmente, os jovens possuem um campo maior de autonomia frente às instituições para construir modos próprios de ser jovem, de construir a si próprios como indivíduos (Martuccelli, 2000). Há um caminho de mão dupla entre aquilo que os jovens herdam e a capacidade de cada um construir seus próprios repertórios culturais, levando em conta os limites estruturais onde cada um se insere. Nesse processo, o mundo da cultura tende a ganhar uma centralidade significativa. São comuns relatos de jovens que evidenciam que essas experiências possibilitam a descoberta do próprio desejo, das potencialidades individuais e, principalmente, a ampliação das redes sociais, aumentando, enfim, o leque de alternativas de vida que não aquelas, restritas, oferecidas pela sociedade.

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Foto da série Magá, produzida por estudantes da escola Oi Kabum! Salvador.


É nesse sentido que podemos falar da cultura e suas expressões na perspectiva do direito, como parte dos direitos sociais, uma expressão e exigência da dignidade humana.

O direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garanta a produção cultural, bem como a liberdade de criação. Podemos falar, então, em uma cidadania cultural, garantindo aos jovens o acesso à fruição e à produção nessa área. Uma questão se coloca: em que medida os jovens brasileiros têm a garantia de uma cidadania cultural? No contexto de uma sociedade desigual, como a brasileira, podemos constatar que ainda estamos longe de garantir o acesso de todos os jovens aos direitos culturais, principalmente àqueles pobres das periferias, tanto dos grandes centros, quanto do interior do país. A escola de ensino médio, por exemplo, tem sido palco de tensões entre propostas inovadoras e tendências imobilistas.

Mesmo que a maioria das propostas político-pedagógicas ainda seja dominada por uma concepção estreita da educação reduzida à escola e, nesta, aos conteúdos disciplinares, assistimos ao surgimento de experiências inovadoras nos tempos e espaços escolares, que desenvolvem ações em torno das mais diferentes expressões culturais, na perspectiva de valorizar a fruição e produção cultural dentro da escola. Por outro lado, uma série de ações e projetos desenvolvidos por ONGs tem possibilitado um avanço na construção de metodologias que levam em conta a centralidade da cultura e o protagonismo juvenil nas ações

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desenvolvidas. Mas ainda temos muito o que avançar. Como nos lembra Melucci (2004), os jovens são como uma ponta de um iceberg, que torna visíveis as principais questões e desafios postos em cada período histórico. As relações que estabelecem com o mundo da cultura podem nos dar sinais das tendências socioculturais existentes, com seus avanços, contradições e limites. Mas também podem apontar para as demandas e necessidades que os jovens expressam no seu processo de socialização. Mas para isso é importante uma postura de escuta por parte dos adultos, considerando os jovens como interlocutores válidos naquilo que lhes diz respeito. Nesse sentido, torna-se fundamental que as políticas públicas venham a garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada um experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que os jovens possam se desenvolver plenamente como adultos e como cidadãos.

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Por políticas públicas culturais juvenis, pelo Professor Juarez Dayrel Na contemporaneidade a cultura e suas expressões ganham cada vez maior centralidade na afirmação da juventude como uma etapa própria da vida, demarcando uma separação geracional. A cultura e a tecnologia promoveram uma mudança de tempos e espaços de socialização, que interfere diretamente nas formas como eles vivenciam a sua juventude. O mundo da cultura aparece como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil. Por meio de práticas culturais, os jovens criam novas formas de mobilizar os recursos da sociedade atual, assumindo um papel de protagonistas, atuando de alguma forma sobre o seu meio, construindo um determinado olhar sobre si e sobre o mundo que os cerca. É nesse sentido que podemos falar da cultura e de suas expressões na perspectiva do direito, como parte dos direitos sociais, que deseja ser uma expressão de uma exigência da dignidade humana.

Promover o direito à cultura implica o acesso aos produtos culturais, às informações, aos meios de difusão, à memória cultural. Mas também implica o acesso aos meios, instrumentos e à formação que garantam a produção cultural, bem como a liberdade de criação. Podemos falar, então, em uma cidadania cultural, garantindo aos jovens o acesso à fruição e à produção cultural. No contexto de uma sociedade desigual, promover a cidadania cultural é fundamental. E a abertura da escola ao desenvolvimento de práticas culturais pode ser decisiva na construção de políticas públicas que venham a garantir tempos, espaços e relações de qualidade, que possibilitem que cada jovem experimente e desenvolva suas potencialidades, garantindo que possa se desenvolver plenamente como adulto e como cidadão.

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Experimentações e inovações no ensino de arte e tecnologia 49


A arte de ensinar arte e tecnologia Ao assumir o desafio do ensino de arte e tecnologia para

jovens, o Programa Oi Kabum! vem construindo ao longo dos anos um modo particular de conceber essa proposta. A partir da permanente escuta dos jovens, de artistas, acadêmicos e educadores, foram alinhados conceitos e consolidadas metodologias que guiam o fazer do programa. As escolas Oi Kabum! possuem como conteúdos programáticos de seus cursos o conhecimento das artes gráficas e digitais em consonância com conteúdos transversais, como história da arte, dimensões do ser e do conviver e construção de narrativas (o que chamam de oficina da palavra). Nas quatro unidades escolares são utilizadas linguagens artísticas e midiáticas (computação gráfica, fotografia, design gráfico, vídeo, design de som, webdesign) como meios pelos quais os jovens podem, ao passo que se especializam tecnicamente, ampliar seus conhecimentos sobre arte e cultura. Uma das principais diretrizes do trabalho educativo consiste em conceber a arte escapando do senso comum. A arte é frequentemente entendida como algo que está à parte, separada de nossa existência cotidiana. Ou ainda, como se fosse destinada somente aos apreciadores e confinada a espaços privilegiados como museus e galerias. Para a maioria das pessoas, uma obra de arte é uma escultura, uma pintura ou um desenho autêntico e único, realizados por um grande artista. A tarefa das escolas é transformar essa perspectiva, tão sedimentada no imaginário social.

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Para isso, a ação dos educadores é norteada pela articulação entre os contextos de vida dos alunos e um panorama mais amplo da História da Arte e de outras áreas de conhecimento, incorporando a tecnologia ao fazer artístico. As propostas educativas vão se alimentando da experimentação estética presente nas incursões diárias da vivência humana, seja mobilizando um novo olhar para uma obra exposta em uma galeria, um produto midiático ou cenas que povoam as cidades. O objetivo é ressaltar o que há de valioso nas coisas cotidianas e desenvolver a sensibilidade e a percepção estética e crítica dos estudantes. O fazer artístico é trabalhado a partir da valorização do processo, e não apenas dos resultados finais. Isso envolve constante estímulo à criatividade, pesquisa e muita experimentação. Um problema solucionado aqui, outro desafio que surge ali, e o conhecimento vai sendo construído com ações impregnadas de reflexões e de significado. O percurso criativo pode ser observado sob a perspectiva do conhecimento gerado. Dessa forma, é estabelecido o elo entre o pensamento e o fazer: a reflexão está contida na práxis artística.

Para além da visão tecnicista e do senso comum sobre arte e tecnologia A concepção de arte da Oi Kabum! incorpora as manifestações e estéticas do cotidiano dos jovens, agregando a cultura popular e a arte marginal às possibilidades produtivas da arte contemporânea. High Tech e Low Tech: o trabalho com a tecnologia não se restringe ao manejo de equipamentos e softwares de ultima geração. A Oi Kabum! propõe refletir e experimentar usos não convencionais da tecnologia, valorizando igualmente a alta tecnologia, como a digital, e aparatos simples, como papel, tesoura e tintas.

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High Tech e Low Tech Outra diretriz do programa Oi Kabum! consiste em ampliar a noção de tecnologia. Para além da visão tecnicista e do senso comum sobre arte e tecnologia. A concepção de arte da Oi Kabum! incorpora as manifestações e estéticas do cotidiano dos jovens, agregando a cultura popular e a arte marginal às possibilidades produtivas da arte contemporânea. High Tech e Low Tech: o trabalho com a tecnologia não se restringe ao manejo de equipamentos e softwares de ultima geração. A Oi Kabum! propõe refletir e experimentar usos não convencionais da tecnologia, valorizando igualmente a alta tecnologia, como a digital, e aparatos simples, como papel, tesoura e tintas concebendo-a para além dos dispositivos e manejos de softwares. O consumo e o emprego da tecnologia têm sido assimilados de forma tão rápida que parece não haver reflexão sobre o impacto de sua utilização. Com isso, surgem restrições para as possibilidades criativas que emergem da tecnologia, como a premência de uso de equipamentos de ponta, por exemplo. Dessa forma, nas escolas Oi Kabum! busca-se refletir sobre os usos convencionais da tecnologia, sobre a sua relação com a história do pensamento e com a engenhosidade humana. Os estudantes são provocados a estender as possibilidades de aplicação tecnológica para contextos e cenários não previstos. Afinal, a tecnologia está em tudo. Compreende-se que ela influencia as diversas arenas do fazer humano, entre elas a política, a arte e a economia. A própria criação da escrita pode ser considerada uma invenção tecnológica, pois viabilizou uma nova maneira de compartilhar e registrar informações. E, ainda, trouxe novos recursos de expressão para a imaginação e a inventividade humana. Ou seja, é possível produzir grandes obras a partir de procedimentos muito simples, desde que exista uma abertura para a experimentação das mais variadas técnicas, manuais e digitais. O uso de ferramentas e materiais rotineiros, tais como papel, lápis, tesoura, tinta e pincel, podem também garantir resultados estéticos muito interessantes. Nesse sentido, há um cuidado das escolas para que não haja a valorização excessiva de softwares ou ferramentas tecnológicas. O programa

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associa a alta tecnologia (em inglês, high tech, que referese à tecnologia considerada de ponta) e as mais recentes inovações tecnológicas ao low tech, que é o uso criativo de tecnologias acessíveis ou a aplicação de qualquer tipo de tecnologia em contextos não previstos inicialmente e que gerem soluções criativas. Mas como equacionar a flexibilidade da proposta educativa com a rigidez imposta pela técnica? É exatamente essa contradição que permite infinitas possibilidades criativas quando a tecnologia é associada à arte, e isso não é de agora. Dos artefatos rudimentares da pré-história à tecnologia digital, o surgimento e a difusão de novas tecnologias e seus entrelaçamentos com a arte sempre promoveram deslocamentos no modo como o homem percebe o mundo. No campo das artes visuais, por exemplo, a invenção dos tubos de tinta, na primeira metade do século XIX, propiciou mudanças significativas no modo como os pintores desenvolviam seu ofício, pois facilitavam o trabalho fora dos ateliês. A mobilidade para pintar ao ar livre fez com que as paisagens se tornassem temas comuns e os artistas passassem a explorar melhor as potencialidades de luzes,

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cores e movimentos nos diferentes momentos do dia. Essa invenção foi fundamental para que o movimento impressionista pudesse florescer. É verdade que muitos dos estudantes talvez optem por trabalhar com demandas mais técnicas ao terminar os cursos da Oi Kabum!. Isso não significa que as experiências vivenciadas por eles a partir de processos educativos em arte tenham sido em vão. Mesmo que aparentemente não tenha uma aplicação direta e imediata nos trabalhos profissionais que venham a desenvolver, a formação em arte é bastante significativa para que os jovens desenvolvam habilidades importantes para as relações sociais que tecem cotidianamente, a postura profissional e seu olhar sobre o mundo. O casamento entre arte e tecnologia se desdobra em combinações entre as artes tradicionais, as artes gráficas e as novas mídias, dilatando as possibilidades criativas e produtivas. O resultado são manifestações culturais singulares e uma ressignificação das práticas sociais de forma positiva na vida dos jovens.

Arte ensinada em conexão com a experiência cotidiana do jovem. Experimentações artísticas com objetivo de desenvolver a sensibilidade e a percepção estética dos estudantes. O percurso criativo busca gerar conhecimento e desenvolver as habilidades dos jovens. O processo de produção artística é tão valorizado quanto o produto final.

tecnologia

ARTE

Ensino experimental e inovador em arte e tecnologia Aprender a operar equipamentos e softwares é tão importante quanto refletir sobre os impactos da utilização das tecnologias no mundo. Jovens são estimulados a estender as possibilidades de aplicação tecnológica para contextos e cenários não previstos. A escolha de uso de determinada tecnologia é sempre feita em função das demandas expressivas. O programa associa tecnologias high tech e low tech.

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A técnica em função do pensamento Roberto Almeida Educador da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Em uma escola de arte e tecnologia, que assume formalmente a missão de se configurar como um espaço de formação técnico-profissionalizante, a reflexão sobre a natureza e o papel da técnica assume dimensão importante. No Programa Oi Kabum!, atuamos inspirados no respaldo oferecido pela reflexão do geógrafo brasileiro Milton Santos, entendendo a técnica como “um conjunto de meios instrumentais e sociais com os quais o homem realiza sua vida, produz, e, ao mesmo tempo, cria espaço” (Santos, 2004, p.16). A técnica, nessa abordagem, diz repeito a um domínio da experiência conectado ao saber e ao fazer humanos. Ou seja, ela é aquilo que medeia e conecta a ciência (conhecimento) à produção de bens e serviços (Unesco, 2011). Por meio dela, os aprendizados deságuam nos processos criativos empreendidos pelos estudantes, conformando discursos, linguagens e os mais variados produtos. Além de se referir à ideia de meio, a técnica existe também como suporte, materializado em objetos tecnológicos (máquinas, ferramentas ou instrumentos) que permitem ao homem transformar e atuar sobre o mundo. No dia a dia das escolas Oi Kabum!, as chamadas tecnologias da informação e da comunicação ocupam um papel central, bem como os demais aparatos técnicos. Contudo, o aprendizado a respeito da operação de tais instrumentos (câmeras, programas de computador, circuitos etc.), isoladamente, é insuficiente para fomentar o fazer criativo. Há um intervalo muito grande entre possuir uma boa câmera e produzir um bom filme porque “a técnica não se resume ao equipamento nem à forma de fazer, e ambos devem operar em função do pensamento” (Melo et. al., 2006, p. 42). De fato, como afirma Paulo Freire em Pedagogia da autonomia (1997), “transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que existe de fundamentalmente

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humano no exercício educativo: seu caráter formador” (Freire, 1997, p. 33). Assumir a técnica em função do pensamento significa tratá-la como motor de reflexão e não apenas como um conjunto de instrumentos voltados para a realização de tarefas pré-formatadas. Nos processos pedagógicos adotados pelas escolas Oi Kabum!, o aprendizado a respeito dos usos da tecnologia cria condições para que os jovens façam mais do que repetir padrões ou reproduzir usos cristalizados no mercado e nos meios de comunicação tradicional. É por meio da apropriação desses instrumentos, em sala de aula ou nos laboratórios, que os estudantes podem se envolver em uma dinâmica de jogo e experimentação, capaz de testar e reinventar o papel e o potencial expressivo do aparato tecnológico disponível. Os jovens são incentivados a forjar novos produtos, a elaborar novas imagens, novas narrativas e discursos, refletindo e reconstruindo possibilidades abertas pela técnica durante o próprio exercício de explorá-la.

No ensino técnico oferecido pelo programa Oi Kabum!, o fomento à pesquisa e à inovação é um eixo norteador. De fato, pensar e utilizar os instrumentos tecnológicos apenas como suporte para a realização de tarefas é desconsiderar sua própria natureza. Já na primeira metade do século passado, Walter Benjamin (2000) afirmava que a técnica não é neutra: ela é capaz de renovar nossa percepção sobre o mundo e de transformar a experiência que fazemos dele. Pensemos no efeito de câmera lenta. Por meio dele, o espectador consegue enxergar aspectos do movimento humano que são invisíveis a olho nu. Há também o light painting: a luz deixa rastros que apenas o aparato usado pelo fotógrafo acessa, tornando sensíveis aspectos do real que escapam ao nosso olhar. A técnica, dessa forma, permite aos sujeitos desvelar ou construir novas imagens sobre o mundo, dando visibilidade a sentidos que não estariam disponíveis sem o seu intermédio. Assim, ela amplia e transforma a capacidade de percepção humana.

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A serviço do pensamento, os objetos tecnológicos podem ser apropriados para inventar novos sentidos, para desestabilizar crenças compartilhadas, para colocar em crise aparências vistas como imutáveis.

Ampliando nossa capacidade de dizer e perceber o mundo, a técnica permite ao sujeito transformá-lo. Daí, conclui-se que guarda em si forte potencial político e desalienante, já que pode desestabilizar preconceitos e ideias prontas. Mais do que apenas um conjunto de instrumentos utilizados para a realização de procedimentos préconformados, em uma lógica fordista, as técnicas servem aos propósitos de pesquisa e exploração do real, em uma dinâmica que permite reinventá-lo e, dessa forma, reinventar e transformar aquele que o experimenta.

Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter”A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”. In: ADORNO et al. Teoria da cultura de massa. São Paulo: Paz e Terra. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. MELO, Aléxia et al. “Metodologia: o Jogo e a invenção”. In: LIMA, Rafaela (org.) Mídias comunitárias, juventude e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica/ Associação Imagem Comunitária, 2006. SANTOS, Milton. A natureza do espaço - técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da USP, 2004. UNESCO. “Protótipo curricular de ensino médio orientado para o trabalho e as demais práticas sociais”. Disponível em http://goo. gl/3m7hkj Acesso 30/06/2013.

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Arte, tecnologia e os desafios de ser escola na contemporaneidade Como

a escola tem reagido à emergência das tecnologias digitais

e das redes telemáticas que revolucionaram a circulação de conhecimentos e saberes ?

Novas

práticas , novas linguagens , novos

tempos , novas formas de se relacionar com a informação : tudo isso

parece exigir que a escola na contemporaneidade se atualize e se reinvente .

O

professor

Nelson Pretto,

futuro : educação e multimídia

em seu livro

(2013),

Uma

escola sem / com

destaca esses desafios , as

possibilidades e as potencialidades do uso das tecnologias nas salas de aula .

O

professor é parceiro do projeto Oi Kabum! de

Salvador

e foi convidado a compartilhar suas proposições sobre a escola contemporânea neste livro .

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Arte e tecnologia: uma chave para outras educações Nelson Pretto1

Certa feita, entrei numa galeria em Londres à procura de

um livro com uma imagem, uma ideia para compor o relatório de meu pós-doutoramento que estava prestes a terminar. Estamos em 1998 e a galeria era 2Serpenty Gallery , um lugar mágico, incrustado no Hyde Park. Lá pude ver e me apaixonar por imensos quadros, na verdade, enormes imagens do fotógrafo alemão Andrea Gursky, que ocupavam aqueles espaços que se misturam com os jardins do Hyde Park. Retorno atrás de catálogos de exposição, coisa que adoro, e dou de cara com um livro de M.C. Escher, por quem sou verdadeiramente apaixonado, com um enorme turbilhão na frente. O entalhe sobre madeira Whirlpool (turbilhão) é de um movimento espetacular, e esse turbilhão não saiu de minha cabeça. Nesse mesmo período, estando no bairro de New Cross, na Universidade de Londres, no Goldsmiths College, acompanho o final do ano letivo e vejo os alunos do bacharelado apresentando suas criações como trabalhos finais de graduação, numa espécie de exposição aberta. Goldsmiths é uma universidade que vibra e transpira arte, música, artes visuais, teatro. O genial músico John Cale, que participou da primeira formação do grupo Velvet Underground, foi desta universidade, e muitos outros artistas por lá passaram. O grande detalhe, segundo uma fiel observadora que lá estava e com a qual conversei: os marchands já estavam, desde uns três ou quatro anos, comparecendo a estes eventos para comprar os produtos realizados pelos alunos. O que antes acontecia basicamente com os trabalhos dos mestrandos, agora já chegava à graduação. E, claro, os próprios produtores começaram a olhar para os marchands, para as galerias, para o sucesso e, também eles, para o mercado! Um salto mais atrás no tempo e me vem à mente o trabalho que fazíamos no Maciel (muitos nem sabem que no Pelourinho, em Salvador, existia uma área, um sub-bairro, com esse nome, cheio de gente interessada

1 Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia 2 Conheça a Serpenty Gallery (www. serpentinegalleries. org)

Whirlpool, obra do artista M.C. Escher

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em arte e cultura!). Nessa época, coordenava o programa educacional da Fundação do Patrimônio Histórico da Bahia, hoje Instituto do Patrimônio Artístico Cultural da Bahia (IPAC). Buscávamos introduzir no cotidiano daquele sofrido bairro (que não tinha ainda sido remodelado e nem seus moradores de lá tinham sido expulsos) arte, cultura, lazer e, claro, muita alegria para a vida difícil daqueles meninos e meninas. Lembro também, ainda na mesma região da cidade, da ação do fotógrafo Rino Marconi, com um belo trabalho, ensinando os princípios da câmara escura, usando latas com buracos no fundo, fazendo com que a meninada pudesse ter o prazer de ver a sua área e sua gente registradas, guardadas para o presente e o futuro, por meio de imagens feitas por eles mesmos. Onde estarão essas imagens? Não tínhamos ainda a profusão de aparelhos digitais dos dias de hoje... Imperavam o analógico e a escassez de informações. Pensando agora, ao escrever este texto para comemorar os doze anos de atuação do programa Oi Kabum! e suas quatro marcantes experiências pelo Brasil, sobre todas essas coisas já vividas, me pergunto e tento responder: o que essas minhas lembranças têm de comum e o que têm de distintas? No que elas nos ajudam a pensar os projetos e as vivências da Oi Kabum! ontem e hoje? E o que podemos vislumbrar para o futuro? Arrisco dizer que, de comum, têm a importância de se dar vazão à criação, à inventividade, à explosão de ideias que emanam de cada uma dessas crianças, jovens e adolescentes, amanhã adultos. Têm, em comum, esses turbilhões criativos, que explodem aqui na Bahia, Minas, Pernambuco, Rio, Inglaterra, Alemanha e em todos os lugares do mundo onde a liberdade de expressão e de criação imperam. De distinto, pelo menos um alerta inspirado no caso vivenciado em Londres, onde a presença do mercado da arte já se aproximou da universidade – da escola – e passou a ficar mais perto do processo criativo. Um mercado poderoso, que não mede esforços para comandar as criações. Por isso, me parece importante provocar reflexões sobre os processos formativos sem perder de vista o mundo do trabalho, mas que dele não sejam tão próximos, a ponto de permitir que essa dimensão profissional e do tal mercado terminem implicando numa perda do espaço para a criação. Nesse campo, todo cuidado é pouco.

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Penso que todo o processo de formação profissional precisa estar fortemente associado à ideia de que o mercado não pode ser o definidor de tudo, como pensam e querem muitos dos analistas do próprio mercado. Escola é espaço de criação. E, sendo assim, não pode se contentar apenas com a reprodução e o consumo das informações e de conhecimentos já estabelecidos. Tem que ser um espaço – e é um espaço privilegiado – onde os processos criativos estejam presentes de forma intensa, dialogando com o instituído. Inclusive, fazendo a crítica ao chamado mercado. Não podemos esquecer que estamos nos referindo à formação de jovens com seus 16, 17 anos de idade, portanto, uma turma que além da formação básica está, também, sendo impelida a pensar sua própria sobrevivência e, assim, em possibilidades formativas que lhe deem oportunidades de trabalho. Por conta desta dupla dimensão é que não podemos descuidar, pois queremos, antes de tudo, que essa juventude vislumbre a sua realização profissional, mas também existencial. Em outra impressionante exposição, abrigada no museu 4 Quai Braily , em Paris, chamada “Os mestres da desordem” 5 (Les Maîtres du Desordre), o tema da criação, mais uma vez, apareceu com força total. Depois de um belíssimo e interessante percurso, o navegador desta exposição chega a uma instalação do artista francês Ben Vautier, denominada “Não existe arte sem desordem”. De acordo com o site da exibição, o objetivo foi trazer para o debate a presença de desordem inscrita nas nossas crenças e culturas: “Neste compromisso permanente entre turbulência e razão, os ritos são a forma privilegiada de negociação com as potências que governam as sociedades humanas. Paralelamente a estes rituais sagrados, as festas, bacanais, carnavais ou festas de loucos parecem ser outro meio, profano, que autoriza o desencadeamento das pulsões transgressoras.” Ben Vautier afirmava que não existe arte sem desordem. Vendo a exposição e lendo esses trechos do seu catálogo, tenho pensado que a formação contemporânea dos nossos jovens talvez precise avançar na busca de uma escola mais centrada no caos do que na ordem. Ou seja, pode existir educação – e escola! – sem desordem?

4 Mais sobre museu Quai Braily

5 Mais sobre a exposição os Mestres da Desordem http:// goo.gl/pmHX63

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A questão não é fácil, pois a escola, desde os seus primórdios, teve a função de adequar as crianças e os jovens ao mundo dos adultos, ao universo culto. Mas como isso vem sendo feito e como pode ser feito se hoje vivemos em um mundo em constante e veloz transformação? Aqui, trago para o texto e para o contexto a experiência das escolas Oi Kabum!. Um espaço de criação, até bem pouco tempo apenas complementar à escola formal, – e que traz para os jovens que aqui estão a oportunidade de, efetivamente, criar e inventar. Ou seja, transformar radicalmente os processos formativos com ênfase na autoria e não na mera reprodução do instituído. Entra em cena nestes processos formativos, muito mais a presença da desordem do que da ordem, muito mais a ideia de articular todos os conceitos e saberes do que a (não) simples apreensão de conhecimentos. Ninguém mais – pelo menos no discurso – acredita que um jovem que chega à escola seja uma tábua rasa que precisa ser preenchida com informações e conhecimentos. Mas, na prática, os processos formativos não trazem para o seu cotidiano os saberes, as capacidades e habilidades dos jovens. E hoje, mais do que nunca, as tecnologias de informação e comunicação – operadas pela juventude de forma impressionante – trazem tudo isso para dentro da escola, fazendo com que essa instituição, mesmo a contragosto dos gestores, seja sem muros, sem limites ou, pelo menos, com suas fronteiras esgarçadas.

Desta forma, os processos coletivos, ricos pela sua própria natureza e cada vez mais necessários em função da ênfase individualista imposta pela sociedade de mercado, continuam sendo afastados dos instituídos processos educacionais escolares. Isso demanda que os tragamos para o interior da escola.

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6 Os hackers são pessoas que possuem conhecimentos aprofundados da linguagem computacional e que descobrem possibilidades que vão além dos códigos propostos pelos criadores de determinado software. Com isso, encontram soluções computacionais e superam barreiras impostas ao controle de dados.


A ideia de produção colaborativa e compartilhada ganhou destaque no final do século passado, a partir do desenvolvimento da computação e com os movimentos do software livre e do código aberto. Aqui, aparece o movimento dos 6hackers , que começou a desenhar programas e máquinas a partir de uma nova linguagem. Desta forma, nasceu a linguagem binária, que possibilita o digital. Foram esses jovens, reunidos nas garagens ou laboratórios das universidades americanas, particularmente no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), com ou sem os seus professores, que começaram a desenvolver os primeiros computadores pessoais. Boa parte desses movimentos tinha como princípio uma intensa lógica de compartilhamento, inerente à própria cultura daqueles que passaram a ser conhecidos como hackers. O processo de produção desses novos aparatos tinha como metodologia resolver os problemas surgidos em cada um dos projetos de forma compartilhada. E cada solução alcançada circulava para ser objeto de crítica de novos colaboradores. Era o início do conhecido na computação como RFC (Request For Comments – solicitação de comentários). O RFC nada mais é do que pôr uma ideia (uma solução) na mesa, aguardando a colaboração dos demais. Conforme nos conta Steven Levy no livro Hackers, heróis da revolução dos computadores (2012), essa turma, organizada em torno desses clubes juvenis, reunia-se para resolver os problemas tecnológicos que iam surgindo e, com isso, criavam e desenvolviam novos protótipos. Ao mesmo tempo, criaram o que Steven Levy denominou de código de ética dos primeiros hackers. Tudo a ver com o que estamos vendo acontecer no programa Oi Kabum!? Acho que sim. Steven Levy aponta seis princípios orientadores de todo o trabalho desses apaixonados pela computação e criação. Segundo ele, estes princípios explicavam o bom desenvolvimento desses clubes e de seus projetos. O primeiro princípio: pensar que o acesso aos computadores deveria ser total e ilimitado. Mais do que computadores, deveria ser liberado o acesso a “qualquer coisa que pudesse ensinar a você alguma coisa sobre como o mundo funciona” (Levy, 2012, p. 40). O segundo: toda informação deve ser livre (free), porque “se você não tem acesso a ela, não terá como consertar as coisas” (Idem, p. 40). Aqui é importante lembrar que, em inglês, a palavra free pode tanto significar livre, quanto grátis, o que nos

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permite considerar que toda informação deve ser livre e gratuita. O terceiro princípio revela a desconfiança que os hackers possuem das autoridades. E, assim, estimulam-se procedimentos pouco burocráticos e descentralizados. A descentralização passa a ser a palavra de ordem. O quarto princípio: o julgamento de um hacker é feito pela qualidade do que ele efetivamente faz e realiza, e não por critérios “falsos”, como escolaridade, idade, raça ou posição. Confrontando a dureza aparente das máquinas, o quinto princípio está relacionado à “crença na possibilidade de se criar arte e beleza num computador” (Idem, p. 43). Por último, e não menos importante, o sexto princípio: os computadores podem fazer a vida melhor. Esse conjunto de elementos éticos orientadores do trabalho dos hackers foi gerado de forma coletiva e aberta, criando os computadores, expandindo as redes de computação e promovendo o nascimento da internet. São estes princípios que hoje nos inspiram a pensar nas necessárias transformações para a educação! Aqui, vale recordar que só temos a internet como a conhecemos hoje graças aos seus pioneiros que, compreendendo a sua importância, decidiram simplesmente liberar as suas criações para que o mundo pudesse utilizá-las e aperfeiçoá-las. Se Theodoro Nelson, Wanner Bush, Norbet Wiener, Alan Turing, Ada Lovelace, Tim Bernes-Lee, entre tantos outros, tivessem simplesmente patenteado as suas criações ou licenciado suas implementações em software sob licença não-permissiva, muito provavelmente nada do que hoje estamos vendo e vivendo estaria acontecendo. Mas vamos um pouco mais adiante, trazendo outro autor, o finlandês Pekka Himanen, que escreveu, em 2001, o livro A ética dos hackers e o espírito da era da formação (2001). Analisando o trabalho dos apaixonados pela computação, ele definiu sete características desta ética: paixão, liberdade, valor social (abertura), nética (ética da rede), atividade, participação responsável e criatividade. A partir dele, podemos, então, pensar que essa postura hacker pode ser, em última instância, uma postura para todos os campos das atividades humanas. Evidentemente, isso cai como uma luva para pensarmos nas escolas e nos processos educacionais. Pekka Himanen mencionou que só conhecia duas profissões que seguem essa ética: os artistas e os acadêmicos. Para nós, em diálogo com 7Karla Brunet para a elaboração deste texto, as experiências

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Professora do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos - IHAC, Universidade Federal da Bahia


das escolas Oi Kabum! conseguem reunir hackers, artistas e acadêmicos, sendo, portanto, e quem sabe, uma boa pista para pensarmos mais profundamente nos processos educacionais e nas necessárias transformações da escola. Tudo isso porque esses princípios dos hackers possibilitaram a construção do ciberespaço e não podem ser simplesmente incorporados à escola como meras ferramentas auxiliares das atividades. Os aparatos tecnológicos digitais, por sua vez, intrinsecamente permitiram a emergência de novas linguagens e de novas práticas de produção e circulação colaborativa de conhecimentos e de culturas. Esse desenvolvimento coletivo e colaborativo foi sendo impulsionado por uma série de iniciativas, entre as quais, o já referido movimento do software livre, que desembocou na criação de sistemas operacionais – o GNU/Linux – e seus diversos aplicativos, e também em processo de produção de conteúdo colaborativo, sendo a Wikipédia o seu exemplo mais visível e, com certeza, mais significativo. Seria praticamente impossível, algumas décadas atrás, imaginar a criação de uma enciclopédia livre, na qual, potencialmente, qualquer um contribuísse com a sua escrita. A Wikipédia possui versões em centenas de idiomas, tendo inúmeras páginas de conteúdo em português e inglês. Tudo isso significa a ampliação de uma dimensão que me parece fundamental para os processos educativos: a montagem das redes, com o estabelecimento de múltiplas e diversas conexões, sejam elas as tecnológicas ou as promovidas pelos encontros entre as pessoas. Falamos aqui em redes de produção, de produção de conteúdos e de significados, conectando pessoas distantes, países distintos e lugares separados geograficamente e, também, conectando temas às vezes não tão próximos. Mas para que isso aconteça, precisamos ter bem definidas as concepções que temos para a educação e para as próprias tecnologias. Para a educação, já mencionamos, precisamos partir de uma concepção autoral, com a forte valorização dos saberes para, apropriando-se das tecnologias, podermos conectar o local com o planetário. Assim, na maioria das vezes, as tecnologias digitais – e a internet em particular – são tratadas como meras ferramentas auxiliares dos processos educacionais. Isso

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sem dúvida é de um enorme reducionismo e, o mais grave, não contribui para as necessárias transformações que necessitamos para a educação. Tenho insistido nisso desde a década de 90, e comecei a escrever sobre o tema a partir de minha tese de doutorado, que foi transformada no livro Uma escola sem/com futuro educação e multimídia, com licenciamento livre (2013). Observe que o jogo de palavras que fiz no título - (sem/com) para o futuro da educação, foi justamente para ressaltar as possibilidades do uso das tecnologias. Se apenas instrumental, seria, com certeza, a exclusão do futuro e até do presente da escola. Uma escola para o presente e com futuro é a escola que reconhece a capacidade das juventudes (como gosta Juarez Dayrel e eu também!) e das tecnologias para fortalecer a dimensão autoral de cada jovem, no coletivo e no individual, tudo articulado de forma intensa pelas redes, tecnológicas ou não. Assim, sem desconhecer os processos individuais, penso ser importante fortalecer os processos autorais em rede que combinam “o coletivo, a obra aberta e inacabada, com um traço também individual herdado também da cultura do livro e adequado à economia da dádiva, formando uma nova configuração que não corresponde à dissolução completa do autor, mas também não à autoria individualizada”, conforme afirma Beatriz Cintra Martins, em seu livro Autoria em rede (2014). Pensando em todas estas questões, necessário se faz, acredito eu, olhar a escola com outros olhos. Tanto o olhar de dentro, de dentro para dentro mesmo, como o olhar de fora, e aí estamos a falar de políticas públicas.

A escola, nesse contexto, e enfatizo aqui o sistema público de educação, ganha especial destaque enquanto espaço físico, tecnologicamente equipado para se constituir em uma verdadeira plataforma de integração e articulação da juventude. Esse espaço físico precisa ser valorizado, pois nesse universo de tantas interações em rede, as relações presenciais precisam também ser fortalecidas. Gosto do filósofo italiano Gianni Vattimo quando, em entrevista ao sociólogo e jornalista argentino Ivan Schuliaquer, afirma

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que vivemos em uma sociedade da emancipação, por suposto, com uma proliferação de informações, mas que, justo por isso, é também uma sociedade que demanda de nós a vivência em agrupamentos sociais e políticos, e que necessitamos de uma conversa com amigos. E eu acrescento que necessitamos do espaço da escola, uma vez que, no coletivo propiciado por esses espaços, temos a ajuda para “interpretar a comunicação em rede, a mídia, os jornais” (Schuliaquer, 2014, p.40). Para Vattimo, sem esses espaços mais coletivos, não nos orientamos e nos transformamos em “sujeitos sem subjetividade” (Idem, p.27). Penso que as quatro escolas Oi Kabum!, esses espaços singulares que promovem interações entre os sujeitos, entre si e com as tecnologias, propiciam a convivência dos múltiplos contextos e das múltiplas subjetividades inerentes à espécie humana. Configuram-se tanto como lugares específicos, como possibilidades de conexões com outros lugares, promovendo outros entre-lugares, fruto dessas relações singulares. Tecnologias, diálogos entre lugares, com valores culturais fortalecidos, fortalecem a perspectiva autoral que tenho insistido para cada um e para a escola no seu coletivo. Essa perspectiva autoral, acrescento, deve ser também ativista. Ampliou-se no mundo todo o acesso à internet, houve uma vertiginosa queda nos preços dos equipamentos digitais e, dessa forma, a produção das imagens e das informações deixou de estar restrita aos grandes conglomerados midiáticos e passou a ser prerrogativa de qualquer um, pelo menos potencialmente. Parece-me que justo isso, vem sendo feito nas experiências das escolas Oi Kabum! e não pode ser perdido. Fortalecer esses movimentos é básico para a sobrevivência da instituição de ensino. Ela precisa estar conectada (e aí a luta política é de cada um em particular e de todos nós no coletivo) e também preparada para tratar e fortalecer os seus valores locais, de tal forma a promover a interação do local com o planetário. As escolas precisam, então, se constituir em espaços vivos de estímulo à produção e à comunicação e, com isso, promover um forte diálogo e um aprendizado da Cultura (com C maiúsculo) e da Ciência (também com esse C maiúsculo), essas que já tradicionalmente estão presentes e sendo ensinadas nas escolas. Aqui, elas (a Ciência, a Cultura, os conhecimentos estabelecidos) ainda estarão presentes, mas dentro de

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outra perspectiva, uma vez que elas passam a dialogar mais intensamente com os saberes locais, constituindo naquilo que venho insistindo ao longo dos últimos anos, que é a promoção de um círculo virtuoso de produção de culturas e conhecimentos. Instala-se, dessa forma, um intenso diálogo entre o conhecimento da comunidade com o universal. O saber local passa a dialogar com o conhecimento instituído e, a partir disso, passa a ser reconstruído, e vice-versa, no tal círculo virtuoso que acabo de mencionar. Instala-se a remixagem total. Para encerrar, trago uma bela fala extraída de uma conversa com Mãe Beth de Oxum, de Olinda, Pernambuco, em um debate dentro da nossa disciplina 8“Polêmicas contemporâneas”, na Faculdade de Educação da UFBA. Ao falar sobre os desafios do uso das TIC (Tecnologias da Informação e Comunicação) nos movimentos sociais, ela afirma que “o momento da tecnologia é um achado muito importante, e ali tem uma chave para ser rodada”. Essa chave está em nossas mãos, mas precisamos ter as condições para usá-la. Outro pernambucano nos ajuda nesta reta final. Tratase de Lenine, que ao comemorar os seus 30 anos de carreira, afirmou ser um artista “raiz e antena ao mesmo tempo.” Essas juventudes estão sedentas por outra escola, por outras escolas, aqui também na perspectiva plural, e querem, elas também, ser raiz e antena. Querem pegar a chave pra ser rodada e, com isso, juntando tudo (artes, ciências, saberes, tecnologias, solidariedades, generosidades), ajudar a construir outras educações.

Referências Bibliográficas HIMANEN, P. A ética dos hackers e o espírito da era da informação. Rio de Janeiro e São Paulo: Campus e Editora 34, 2001.

PRETTO, N. D. L. Uma escola sem/com futuro: educação e multimídia. Salvador: EDUFBA, 2013.

LEVY, STEVEN. Os Heróis da revolução: como Steve Jobs, Steve Wozniak, Bill Gates, Mark Zuckerberg e outros mudaram para sempre as nossas vidas. São Paulo: Editora Évora, 2012.

SCHULIAQUER, I. El poder de los medios: seis intelectuales en busca de definiciones. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2014.

MARTINS, B. C. Autoria em rede: os novos processos autorais através das redes eletrônicas. Rio de Janeiro: Mauad, 2014.

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Mais sobre a disciplina Polêmicas Contemporâneas www.polemicas. faced.ufba.br

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Proposições para outras educações, pelo professor Nelson Pretto É importante criar oportunidades para dar vazão à criação, à inventividade, à explosão de ideias que emanam dos jovens e a seus turbilhões criativos. Processos formativos não podem perder de vista o mundo do trabalho, mas sem permitir que seja o mercado de trabalho a pautar a criação dos jovens. O espaço escolar não pode estar voltado à reprodução, ao consumo de informações, aos conhecimentos já estabelecidos. A escola tem que ser espaço de criação livre e de crítica, inclusive ao mercado. Ela deve formar cidadãos e não meros reprodutores de conteúdos, levar à realização profissional, mas também existencial. A escola tem que ser mais centrada no caos do que na ordem. É preciso subverter a ideia de que o espaço escolar tem a função de adequar os jovens ao mundo dos adultos, ao universo culto. Cabe à escola dar oportunidade para que os sujeitos se sintam capazes de intervir no mundo, de reinventá-lo.

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As tecnologias de informação e comunicação – operadas pela juventude de forma impressionante – possibilitam, mesmo a contragosto dos gestores, que as escolas percam seus muros, ampliem seus limites. É fundamental levar para o interior da escola a dimensão coletiva e colaborativa das dinâmicas instauradas ao redor do mundo pelos criadores e inventores de tecnologia. O diálogo entre o conhecimento da comunidade escolar local com o conhecimento universal, através dos meios tecnológicos, pode promover uma remixagem da escola. O saber local passa a dialogar com o conhecimento instituído e, a partir disso, passa a ser reconstruído, e viceversa. Instala-se um círculo virtuoso de produção de culturas e conhecimentos.


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Tecnologias digitais e a educação juvenil: cruzamentos, interconexões, possibilidades Ana Tereza Brandão

Ex-coordenadora da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Débora Santos Educadora da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Nossas práticas cotidianas estão cada vez mais atravessadas

e conformadas pelos dispositivos da chamada cibercultura ou cultura digital, como computadores, celulares, tablets, redes sociais e jogos. O uso rotineiro destes dispositivos por pessoas de todas as idades e camadas sociais, principalmente os jovens, vem alterando também os modos de produção e circulação do conhecimento. Com os avanços da cultura digital e a popularização desses dispositivos, assistimos à democratização, descentralização e diversificação do saber. É neste ponto em que o universo da comunicação e da tecnologia se cruza com o da educação juvenil, e conseguimos vislumbrar um grande potencial de transformação na produção do conhecimento, a começar pela escola. Os professores estão tendo que lidar com um burburinho contínuo nas salas de aula provocado pela invasão das novas mídias. Os jovens da atual geração vêm desafiando as rotinas tradicionais, os processos de ensinoaprendizagem e a relação com o conhecimento. São mais autônomos, possuem capacidades cognitivas diferentes das gerações anteriores e se relacionam de outros modos com a informação. Não são mais aqueles que apenas escutam. Checam informações, reproduzem e produzem novos sentidos continuamente. Querem e podem falar em espaços múltiplos e com novos interlocutores. A cultura digital produz e é produzida por novos sentidos de aprender e de dizer o mundo. Traz novas possibilidades de circulação e de acesso à informação e ao conhecimento, a partir do crescimento do volume de dados e das mudanças cognitivas na relação com o tempo, com o espaço, com o conhecimento, com o outro e com o mundo.

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Parece haver, entretanto, um descompasso entre esses novos fazeres e o sistema educacional brasileiro. Ainda é muito presente a figura do professor como detentor privilegiado do saber. A comunicação se mantém vertical e autoritária e o aprendizado linear e sequencial. A assimilação das transformações tecnológicas pelas diversas redes de ensino nem sempre acontece de forma fácil ou natural. Cotidianamente, a escola experimenta uma defasagem entre a cultura da qual falam os professores e a cultura e sensibilidade apreendidas pelos alunos. As formas de saber distintas do saber científico são frequentemente excluídas, a pedagogia do livro e as formas clássicas do aprender são privilegiadas em detrimento da cultura oral, do mundo audiovisual e da internet. Mas a juventude está impregnada de outras linguagens e informações que circulam na sociedade. A relação que se estabelece com o conhecimento tem lógicas e finalidades bem distintas das utilizadas na escola formal, mas nem por isso é socialmente menos importante. Do acesso às redes e do uso de dispositivos tecnológicos, emerge outra cultura, outro modo de ver e ler, de aprender e de conhecer. Dessa forma, a escola ganha quando se abre e se permite ser invadida por estas outras culturas, linguagens e formas de aprendizado e interação, reconhecendo-as e legitimando-as socialmente. Ao colocar em contato a cultura letrada com a cultura oral, audiovisual e digital, a escola caminha também para o reconhecimento de uma sociedade multicultural. A cultura digital desafia a cultura do saber único, científico, linear, socialmente mais valorizado e legitimado. Traz a possibilidade da fusão entre tempos e conhecimentos

Cultura digital e a escola O conhecimento que circula ou é construído a partir das redes digitais tem lógicas e finalidades bem distintas das utilizadas na escola tradicional, mas nem por isso é socialmente menos importante. Além disso, pode contribuir para o acesso ou domínio dos saberes escolares. Das redes digitais, pode emergir outra cultura, outro modo de ver e ler, de aprender e de conhecer. Ao colocar em contato a cultura letrada com a cultura oral, audiovisual e digital, a escola caminha também para o reconhecimento de uma sociedade multicultural. Em vez da transmissão de conteúdos por parte dos adultos, a cultura digital introduz a exploração autônoma possibilitada pela tecnocultura.

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diferentes. Em vez da transmissão de conteúdos por parte dos adultos, o jovem aprende por conta própria. O uso dos dispositivos midiáticos na educação parece justamente abrir esta possibilidade, mas também coloca um grande desafio: o de como levar os estudantes e educadores a desenvolver habilidades que permitam o uso destes dispositivos de forma crítica e criativa. Observar como os jovens se relacionam com os novos saberes midiáticos pode nos ajudar a pensar como potencializar novas formas de ensino e produção de conhecimento. O que guia o programa Oi Kabum! é exatamente a perspectiva de criar aproximações entre a cultura digital, a escola e as realidades vividas e pensadas pelos jovens. Ele traz em seu DNA a luta pela democratização da comunicação e da produção cultural.

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Concatena e Baú de Rastros: educação em rede e socialização de experiências Ana Tereza Brandão Ex-coordenadora da Escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Débora Santos Educadora da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Conectar experiências por meio de uma rede experimental

de produções de alunos e educadores. Esse é o objetivo do projeto Concatena, criado pela escola Oi Kabum! Belo Horizonte. O nome traduz a ideia central do projeto: criar articulações entre escola e comunidades, entre grupos culturais e instituições que trabalham com a juventude, entre alunos e equipe escolar e entre os saberes escolares e a vasta produção cultural disponível por meio dos dispositivos digitais. Além de uma rede social, o Concatena é também um domínio de web, espaço ocupado por sites, blogs, e outras experimentações comunitárias e artísticas. Comporta, por exemplo, um fanzine que é bimestralmente publicado pelo grupo de comunicação da escola. A rede Concatena é o desdobramento de um projeto de finalização de curso do estudante Gustavo Soares, aluno da primeira turma da Oi Kabum! Belo Horizonte. Concebida e produzida a partir da interação e do apoio técnico dos educadores, da coordenação e de outros jovens da escola, a rede é gerida pelos estudantes, por meio de reuniões semanais de pesquisa, criação e reflexão sobre as práticas de comunicação escolar. Ao publicar, pesquisar, selecionar conteúdos e pensar sobre as formas de mobilização e de uso da rede Concatena, a escola tem exercitado a força da sociabilidade das redes que aproxima as pessoas, apesar das distâncias, geográficas ou sociais. Espera-se que os grupos hospedados no domínio do Concatena troquem serviços e busquem formas de colaboração, de modo a transformar

Escola Oi Kabum! Belo Horizonte e as redes sociais Incentivo à participação dos alunos nas redes sociais. Discussões permanentes sobre o uso das redes, os limites da exposição pessoal e as fronteiras entre o privado e o público na contemporaneidade. Reflexões sobre as políticas de uso das redes, que normalmente sofrem modificações constantes. Publicação livre de conteúdos, desde que observados os princípios éticos e a defesa dos direitos humanos prescritos pelas leis nacionais. Não é permitida propaganda política e/ou religiosa.

Conheça o Concatena (www.concatena.org)

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a rede em um ponto de encontro de jovens, educadores, artistas, outros espaços ligados à juventude, à arte e à cultura, aprofundando e fortalecendo vínculos. Com a prática de educação em rede, a escola e a mídia são pensadas de forma mais articulada, propondo uma educação na qual a produção e a circulação dos saberes e discursos são mais descentralizadas. Os discursos e as produções lançadas nas redes em geral são apropriadas pelo jovem, pelo professor, pelo jornalista, roteirista e escritor de livros didáticos, ou seja, pessoas comuns, especialistas eruditos ou leigos. Nesse ambiente virtual capilarizado é, então, possível experimentarmos a diferença cultural, que coloca os jovens como produtores culturais tão importantes quanto outros sistemas tradicionais de produção de conhecimento e cultura.

Baú de Rastros: vestígios do aprendizado em rede Dentre o material hospedado pela rede Concatena, estão

dezenas de Baús de Rastros: blogs experimentais de produção artística e de sistematização do conhecimento produzido pelos jovens da comunidade escolar. O Baú de Rastros é um espaço-prática que nasceu da ideia de trabalhar novos olhares sobre o educando e sobre sua trajetória de aprendizado. Cada jovem cria uma página pessoal na internet (um blog no subdomínio do Concatena), o seu Baú de Rastros, que é visitado constantemente pelo orientador e utilizado pelos educadores para atividades e avaliações das disciplinas. Essa dinâmica de registro e compartilhamento visa ajudar nas orientações educativas pelo acompanhamento das postagens, que dizem das experiências, dos aprendizados e das produções do jovem na escola, a partir de seu próprio olhar. Visa também permitir a divulgação e o compartilhamento dessas experiências e produções, já que os colegas, amigos, familiares, os outros educadores e qualquer “navegante” do mundo virtual podem acessá-los. O Baú, enquanto registro do processo de aprendizagem, também pode ser físico, como uma pasta ou um caderno onde o estudante armazena vestígios de seus processos de criação e aprendizagem. No entanto, a escola busca

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motivar a existência de um baú virtual, ainda que o jovem possua também um baú físico. Os alunos incluem notas e comentários sobre aulas e atividades, referências, pesquisas, experimentos e trabalhos artísticos realizados em diferentes etapas do curso. A ideia é registrar processos criativos e não apenas os resultados finais. O Baú é uma ferramenta que propõe uma visão da aprendizagem como um processo contínuo, cujas etapas devem ser consideradas, valorizadas e, por isso, registradas. O registro das etapas é algo vivo, dotado de sentido para uma melhor compreensão da trajetória do aluno, tanto pelos educadores quanto pelo próprio educando. Ambos reconhecem no Baú de Rastros as conquistas, assim como as dificuldades e as falhas. Buscam relacionar os aprendizados construídos com as expectativas do processo formativo, identificando o que foi alcançado, o que surgiu para além do esperado, extrapolando ou mesmo contrariando certas expectativas do educador. A dinâmica proporcionada pelos baús permite o manuseio de materiais multimídia, tais como fotos, vídeos, sons, animações, entre outros recursos. Além de enriquecer a experiência, a atividade ajuda no desenvolvimento de habilidades de leitura, interpretação e produção desses materiais. Os registros das primeiras atividades da formação básica armazenados no Baú de Rastros muitas vezes são utilizados nos processos de conclusão de curso. O retorno ao Baú sintetiza a trajetória do estudante na escola num momento em que o educando já possui conhecimentos técnicos e artísticos mais avançados. Ele pode retomar uma dificuldade ou limitação que foi superada e isso evidencia e dá muita concretude aos avanços que conquistou. É também o momento de retomar um tema, uma inquietação ou o envolvimento com algum assunto que o marcou e perceber suas transformações. A utilização dessa ferramenta pedagógica por parte dos alunos não é, porém, incorporada no processo educativo de imediato. No inicio da formação, nem todos os jovens aderem à proposta de criação de um baú virtual com grande ânimo ou disposição e muitas vezes lidam com o convite da escola de forma muito protocolar. Rafael Lacruz, formado na terceira turma da Oi Kabum! BH e atual integrante do Núcleo de Produção, diz que, no início, criou seu baú mais por obrigação do que por ver

Baús de Rastros: oportunidades de aprendizado Técnicas de registro e consciência da importância do registro. Capacidade de planejamento, auto-organização e gestão do tempo. Habilidades de produção de texto e de imagem. Sistematização de informações. Aprendizado de diversas linguagens.

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um sentido nele, mesmo sabendo que, no momento da conclusão do curso, o Baú o ajudaria muito. “No começo parece ser chato, é uma coisa que você não está acostumado, aí, durante o percurso, você vai percebendo que aquilo é importante”. Hoje, ele diz ter se dado conta de que o Baú foi “seu primeiro contato com o que é um portfólio” e que é assim que ele define seu blog – como um portfólio –, utilizando-o para fins profissionais, apesar da informalidade: “Não me preocupo em tirar fotos com ótima qualidade, mas em mostrar o passo a passo dos meus processos”. Alguns posts dos jovens em formação revelam como a mesma aula ou atividade é relatada de forma bastante diferente por cada educando. Isso permite à equipe educativa apreender as singularidades, os potenciais e as dificuldades de cada um. Mais do que isso, é possível identificar os pontos de interesse de cada jovem, aquilo que o motiva ou os aspectos que podem ser focalizados no percurso formativo. É uma forma de personalizar o processo educativo e, consequentemente, ampliar o vínculo com a escola. A construção e constante atualização dos blogs motiva ainda uma mudança na forma de entender e de se relacionar com o conhecimento. Ao ter que relatar um processo, o jovem publica a própria visão sobre aquele saber. É uma forma de desafiar a visão do professor como detentor de um saber único e verdadeiro. Outras visões sobre um mesmo tema ganham materialidade nos posts dos baús, a partir das provocações do educador. Como afirma Paulo Freire, o objeto do conhecimento deixa de ser posse de quem ensina para se tornar alvo da visão reflexiva de todos os envolvidos no processo. O outro aspecto relevante do Baú de Rastros diz respeito a seu caráter de trazer a público e compartilhar. O saber ali registrado pode ser, em primeiro lugar, acessado por outras pessoas para além da comunidade escolar, o que permite uma circulação ampla e irrestrita de conhecimentos produzidos, diferente do que acontece em um espaçotempo específico, restrito a alguns indivíduos, como é o espaço da escola. Há aí, portanto, um potencial de democratização do acesso ao conhecimento, que é acionado quando consideramos as redes virtuais e físicas nas quais os jovens estão inseridos, sejam elas a comunidade, a família, a escola ou os espaços que frequentam na cidade. Além disso, quando o jovem conecta o Baú às suas outras redes

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Na prática Rafael Lacruz, por exemplo, criou seu Baú na plataforma tumblr e acessa a página com bastante frequência, “Para saber se tem tido audiência, se tem retorno de alguém, comentários”. Tudo o que ele posta no blog vai automaticamente para suas páginas no Facebook e no Twitter. Quando indagado sobre a importância de ter uma página pessoal e se há diferença entre ela e as redes sociais, ele diz: “No blog só tem coisas referentes ao meu processo, nas redes sociais posto coisas aleatórias. Às vezes, lanço trabalhos meus na rede pra divulgar, mas é complexo, tem um mundo gigante de informações, e divulgar coisas profissionais ali pode ter algum efeito, mas não tão grande quanto na plataforma, que só tem aquilo ali. A rede social serve pra divulgar, para chamar as pessoas para entrarem no meu blog. Lá tenho um feedback muito maior do meu trabalho, as pessoas entram, comentam, elogiam. Então, na verdade, não tenho uma plataforma, um Baú de Rastros, mas é uma rede, pra tentar atingir públicos mais diversos. Às vezes, tem interseções – por exemplo, muitos usuários do Facebook também usam outras redes. Mas os feedbacks que tenho no meu blog, embora sejam em um número


digitais (Facebook, Twitter, Instagram etc.), a escola tem a oportunidade de alcançar um público-alvo cujo acesso pessoal costuma ser mais restrito. Isso permite uma maior interação entre as experiências do jovem e a escola. As pessoas que fazem parte das redes do educando podem tomar contato com aquilo que ele produz e aprende na Oi Kabum!. Ao mesmo tempo, os educadores e colegas da escola podem conhecer essas redes. Surge a possibilidade de promover atravessamentos das práticas e conteúdos entre redes, além de permitir uma melhor compreensão do educando como sujeito, por meio do conhecimento de seu contexto, da sua história e das suas experiências fora da escola. A possibilidade de interação e de feedback a partir dos posts divulgados pelos jovens resulta na oportunidade de que aquele conhecimento continue vivo, sendo revisto, modificado e transformado de forma colaborativa. Ao postar um vídeo no Baú, por exemplo, o jovem recebe comentários, elogios, críticas e toma contato com outros trabalhos relacionados àquele. Isso conduz a reflexões que impactarão suas produções futuras, o que confere certa vivacidade e um caráter dinâmico ao conhecimento. A forma como o jovem reconhece e valoriza o saber que possui é atravessada pelas relações que tece com o “outro”, aquele que faz parte dessas redes e que o ajuda a reconhecer o saber que possui. O Concatena com seus baús é uma espécie de laboratório para pesquisas metodológicas, um tipo de caleidoscópio que, pelos fragmentos, ajuda os educadores a construir novas imagens de uma escola democrática e rica em saberes populares e científicos. São contribuições da comunidade escolar Oi Kabum! para a tessitura dos saberes, técnicas, ferramentas, pessoas e territórios (instituições, sites, campos de saberes), nos quais os jovens podem realizar-se em projetos e novas direções a seguir.

Releitura em Cartaz, de Rafael La Cruz.

Por uma nova concepção de educação As iniciativas do Baú de Rastros e da rede Concatena demonstram como as diversas possibilidades de interação social e o potencial expressivo da cultura digital podem ser

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aproveitados pelo uso de redes. As relações entre técnica e pensamento, entre o singular e o comum, entre culturas e as ciências, encontram esse rico espaço de fruição e reflexão na cultura digital. O objetivo não é o de criar uma escola que valoriza certos saberes em detrimento de outros, mas de refletir sobre racionalidades distintas, formas múltiplas de ver, de estar e atuar no mundo. Buscam-se as interfaces entre formas e métodos de produção de conhecimento científico e popular. A aprendizagem em rede mobilizada pela escola tende a reforçar as conexões entre os sujeitos e a potencializar os processos educativos. O valor e o sentido do saber nascem das relações estabelecidas ao longo da construção do conhecimento pelo estudante. Torna-se, assim, importante analisar como se dão tais relações no universo escolar e na vida. As práticas da cultura digital são essencialmente interativas, trazendo formas de conexão e ligação muito diversas. O uso das redes e dos dispositivos midiáticos nos processos de ensino-aprendizagem aparecem, então, como possibilidades muito bem adaptáveis a uma nova concepção de educação. Se o saber é construído na relação com o outro, agora essa relação se expande ao “outro virtual”, o que amplia indefinidamente o conjunto de participantes desse processo de construção do conhecimento. Daí a importância de que o sistema educacional considere com grande atenção a possibilidade de

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Reinventando tecnologias para o ensino de arte Leonardo Souza Coordenador pedagógico da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

A escola Oi Kabum! Belo Horizonte desenvolveu no curso de

audiovisual várias pesquisas e experimentações com a edição de vídeo digital. Foi criado um software de código aberto e distribuição gratuita para a edição de vídeo. Ele reinventou, dentro da escola, a prática e as formas de ensino sobre a montagem de audiovisual. Os jovens foram incentivados a realizar uma grande viagem no tempo entre as formas antigas e recentes de se pensar a montagem audiovisual, pois o software expande a linha de tempo da edição. Em vez de uma única linha em camadas, como acontece na montagem analógica e também na digital, a montagem por meio do software propõe várias linhas temporais simultâneas e assíncronas. A montagem feita por meio do software é chamada de Montagem Ucrônica. Na tradicional, a linha do tempo pressupõe uma passagem entre uma única cena antes e uma depois. Com a Montagem Ucrônica há uma infinidade de passagens, uma mesma cena pode gerar múltiplas montagens com cenas posteriores e, por isso, múltiplos significados. É o computador que decide, não aleatoriamente, as passagens entre as cenas. Ocorre um entrelaçamento da expressão humana e da decisão da máquina. É uma ação conjunta que mistura a percepção humana e o processamento algorítmico da máquina. Significa sequenciar imagem e som na interface, mas sobrepor e desenhar o tempo, experimentando as narrativas multilineares que surgem. Em vez de imaginar uma única linha, onde as cenas se desenrolam, pode-se imaginar uma rede, com múltiplas possibilidades, para além do tempo contínuo. A abordagem da disciplina de audiovisual da escola Oi Kabum! de Belo Horizonte experimentou, com os limites e possibilidades da tecnologia contemporânea, os modos de funcionamento do software, que foram utilizados como estratégia formativa, contribuindo com reflexões para o

Conheça o software de edição de vídeo

Conheça mais sobre a montagem ucrônica (www.ucronica. concatena.org)

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Gestão e produção colaborativa de conhecimentos

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Liberdade para criar soluções educativas Desenvolver projetos educativos inovadores e voltados aos

interesses e demandas das juventudes urbanas brasileiras. O programa Oi Kabum! surge com esse desafio em foco. Uma equipe de gestores do Instituto Oi Futuro, em parceria com o professor Antonio Carlos Gomes da Costa,1 e especialistas do escritório da UNESCO no Brasil desenharam as diretrizes do projeto pedagógico piloto que passou a nortear o trabalho da primeira escola. O formato inicial da proposta educativa foi idealizado, então, pelo viés colaborativo, com diversos atores envolvidos em sua concepção. Ao longo de 12 anos, o Programa Oi Kabum! foi ampliado e aperfeiçoado, junto com as Organizações Não Governamentais (ONGs) que se tornaram parceiras na gestão das escolas em quatro capitais brasileiras, colaborando com o Instituto Oi Futuro continuamente na definição dos rumos da iniciativa. Na escola de Belo Horizonte, a coordenação é da ONG Associação Imagem Comunitária; na escola de Recife atua a ONG Auçuba Comunicação e Educação; a escola do Rio de Janeiro é coordenada pela ONG Centro de Criação de Imagem Popular e a escola de Salvador, pela ONG Cipó Comunicação Interativa. A seleção das instituições que coordenam as escolas Oi Kabum! levou em consideração critérios como a especialização na promoção do envolvimento dos jovens com a participação social e a experiência na realização de ações de valorização à diversidade cultural, à promoção da cidadania e aos processos educativos emancipatórios. As ONGs parceiras têm trajetórias com muitas interseções. Todas foram constituídas a partir do movimento de comunicação comunitário brasileiro e tradicionalmente já desenvolviam projetos sociais e educativos de forma colaborativa com a juventude. Os processos de mobilização conduzidos no cerne do movimento pela democratização e acesso público aos meios de comunicação fomentam, tradicionalmente, a participação democrática. O trabalho com grupos juvenis

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1 Professor Antonio Carlos Gomes da Costa é uma referência para educação brasileira. Atuou em prol da promoção e defesa dos direitos da população infanto-juvenil, participando ativamente da concepção do Estatuto da Criança e do Adolescente.


atravessa as experiências com mídias comunitárias. As atividades produtivas privilegiam as possibilidades de autorreconstrução e de auto-organização dos grupos sociais envolvidos, de forma aberta e flexível. Em geral, as produções comunicativas empreendidas no interior desse movimento têm como ponto de partida o universo pessoal e cotidiano dos participantes. Revisita-se o que é conhecido, o que é comum, local e ordinário para depois reinventá-lo em parceria com a comunidade envolvida. Assim, podemos dizer que as ONGs parceiras do programa trazem em seu DNA o princípio da gestão compartilhada, e essa dimensão participativa tem sido uma das grandes contribuições das instituições nesta parceria. Esse perfil institucional, que atravessa as quatro ONGs, converge com a política de gestão idealizada pelo Oi Futuro, que aposta na capacidade das escolas para construir soluções educativas que possam fomentar significativamente o aprendizado dos jovens. As ONGs têm liberdade para delinear seus projetos pedagógicos, uma vez que cada uma possui seu contexto específico. Porém há diretrizes norteadoras que são comuns às quatro instituições. O conhecimento acumulado pelas unidades é compartilhado com o coletivo de escolas Oi Kabum! e estimula-se que seja replicado. As metodologias e práticas educativas das escolas são inspiração para outros contextos, como escolas públicas e espaços culturais comunitários. E por meio das Ações Multiplicadoras, o programa mantém uma frente que amplia significativamente o seu alcance. Além disso, o Instituto Oi Futuro investe em espaços virtuais e presenciais para a interação entre os atores das escolas – dos gestores aos estudantes. Debates, com foco no planejamento dos rumos do programa, são periodicamente realizados e se constituem também em espaços de compartilhamento e alinhamento de diretrizes metodológicas.

Desafios da gestão compartilhada O programa Oi Kabum! vem confirmando que a colaboração potencializa os resultados educativos e é uma oportunidade para a geração de práticas pedagógicas inovadoras. Porém, é importante ressaltar que os processos colaborativos exigem muita sinergia entre os envolvidos, além de princípios orientadores e procedimentos claros e transparentes. É fundamental criar parâmetros, instrumentos de acompanhamento e sistematização de conhecimento, além de espaços e estratégias de compartilhamento das experiências. Pontos divergentes devem ser debatidos e acordados. Prazos precisam ser estabelecidos previamente e respeitados. As regras e acordos coletivos necessitam ser constantemente avaliados e replanejados.

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Escolas Oi Kabum!

Liberdade para desenvolvimento de metodologias educativas

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Iniciativas educativas compartilhadas e aprimoradas

Inovações replicáveis no âmbito do programa e ações multiplicadoras em outros contextos educativos


Quatro escolas, um mesmo princípio As práticas administrativas e educativas das escolas Oi

Kabum! seguem as diretrizes colaborativas do programa, sendo fortemente marcadas pelo viés participativo. Todas as instituições, cada uma de modo particular, incluem os diferentes atores da comunidade escolar nas formulações pedagógicas e nos processos de tomada de decisão. Eles são convidados a pensar e a debater as práticas pedagógicas, fazendo com que elas sejam concebidas e apropriadas por todos. Com isso, é possível potencializar os processos educativos. Tais experiências participativas, apesar de serem reconhecidas como atividades importantes, são desenvolvidas por um reduzido número de escolas no país. A maioria das escolas ainda oferece poucas oportunidades para que os jovens colaborem na gestão. Em geral, a participação é apenas consultiva, por meio de grêmios, e não em um espaço específico, dentro da grade curricular, na qual todos dialogam e participam. Há uma concordância em todas as escolas Oi Kabum! sobre o significado de participação e como essas dinâmicas coletivas e colaborativas podem ser realizadas. Por isso, mesmo que cada escola realize atividades participativas em consonância com seu próprio contexto social, político e cultural, as práticas administrativas e educativas possuem dimensões participativas comuns, que são as diretrizes programáticas do programa Oi Kabum!. Um bom exemplo é incluir os estudantes na elaboração e no cumprimento das diretrizes da instituição. Os jovens participam da criação de regras de convivência que são discutidas e organizadas coletivamente por toda a comunidade escolar antes de serem colocadas em prática. Regras que incluem a gestão dos equipamentos e a utilização do espaço escolar, entre outros aspectos. A não imposição de regras definitivas por parte das escolas convida a uma responsabilização compartilhada diante das experiências pedagógicas e representa um aprendizado

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contínuo de diálogo, escuta e negociação de conflitos. Espaços deliberativos de planejamento e gestão compartilhada com os jovens são iniciativas que comprovam o amadurecimento do programa Oi Kabum! em relação à geração de autonomia dos estudantes. As práticas participativas também permeiam os processos de construção dos trabalhos artísticos (vídeos, fotografias, zines, sites, textos, instalações). Educadores e estudantes são corresponsáveis pelas produções, assim como pelo enfoque na abordagem do conteúdo e pelo suporte e forma de escoamento e circulação das peças.

Dimensões da Participação Escolas Oi Kabum!

Gestão coletiva

Equipe e estudantes participam da gestão e das diretrizes institucionais das escolas – como as regras de convivência.

Práticas educativas

Educadores e estudantes colaboram com o planejamento pedagógico, propondo intervenções e aprimoramento dos processos educativos.

Produção artística

Educadores e estudantes se corresponsabilizam e produzem coletivamente trabalhos artísticos (vídeos, fotografias, zines, sites, textos, instalações) e exposições. 92


O mesmo acontece no processo de realização das mostras artísticas. Os jovens são convidados a participar de várias frentes de trabalho – da construção do conceito, da definição da identidade visual de cada mostra, da curadoria, montagem, divulgação, logística. O espírito de coletividade, o apoio mútuo e a produção colaborativa são vivenciados cotidianamente. Essa experiência configura-se como um fator importante para o fortalecimento da autonomia. Uma curadoria coletiva, na qual os jovens analisam criticamente as obras construídas pelo grupo, ponderam sobre a diversidade/unidade estética e se responsabilizam por viabilizar frentes de trabalho, datas e ações, certamente terá uma apropriação mais orgânica e fundamentada. É importante ressaltar que a participação de adolescentes e jovens não cria “chefes mirins”, ou sobrepõe o poder deles em detrimento dos adultos. Ao contrário, a experiência de participação deve ser construída com a presença e o apoio de adultos responsáveis, dispostos a colaborar na criação de uma nova comunicação intergeracional: adultos e jovens vistos como seres plenamente capazes e com habilidades diferenciadas.

Participação e aprendizagem Essa construção participativa em cada escola Oi Kabum! tem

se mostrado transformadora, pois busca materializar a educação como campo de produção de conhecimento, emancipação e protagonismo para além do discurso. Os jovens são convidados a cumprir o que foi acordado em relações mais horizontais e vivenciam um rico exercício do aprender fazendo, numa progressão didática mais natural. Participar é, antes de tudo, uma experiência que possibilita aos estudantes a ampliação de suas capacidades, contribuindo para o desenvolvimento do sentido de identidade, da autoestima, de uma visão de mundo mais solidária e sensível às diferenças. Trata-se de uma vivência que propicia o contato e a interlocução entre diferentes opiniões, culturas e ideias. Por meio da participação efetiva, os jovens ampliam as possibilidades de serem sujeitos ativos de suas próprias vidas. Dentre os muitos efeitos da realização de práticas educativas pedagógicas está o de alçar os jovens a uma posição protagonista, ou seja, uma posição ativa nas escolhas da vida. A participação amplia as possibilidades

Participação democrática e colaborativa A educação se transforma em um campo de produção colaborativa de conhecimentos. Abre espaço para o desenvolvimento do protagonismo juvenil: jovens aprendem fazendo. Estudantes desenvolvem habilidades, tornam-se mais propositivos e responsáveis. A experiência participativa impacta positivamente na vida familiar e no mundo do trabalho de cada estudante.

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da presença juvenil na sociedade, uma vez que os jovens têm a oportunidade de participar de decisões que afetam suas vidas, influindo por meio de suas opiniões, ideias e propostas sobre a qualidade das ações das quais vão se beneficiar. Os jovens se tornam mais atuantes e levam esse conhecimento para seus territórios. Nesse sentido, esta formação contribui para uma certa dinamização das comunidades dos estudantes e, por conseguinte, das cidades. É também muito importante considerar o impacto que o exercício da participação produz no mundo subjetivo dos estudantes, quando estes apresentam baixa autoestima e dificuldades para se expressar ou para elaborar ideias próprias. Ampliando suas habilidades argumentativas durante os diversos processos participativos, os jovens desenvolvem também a capacidade para encarar outras dificuldades que enfrentam, como a exclusão social, cultural, política e afetiva em campos diversos. A participação também gera aprendizados e o desenvolvimento de competências importantes para a formação profissional, se configurando como um elemento importante de preparação para a vida e para o mundo do trabalho. Os educadores da Oi Kabum! relatam que os jovens, com o passar do tempo no programa, se tornam efetivamente mais propositivos e atuantes, tanto na escola como nos seus espaços de convivência comunitária, e desenvolvem uma noção de responsabilidade mais acentuada, além de uma sensibilidade estética mais ampliada. Em pesquisas ou encontros com as famílias dos estudantes, realizados pelas escolas Oi Kabum!, surgem relatos de mudanças significativas. Os familiares apontam que os estudantes têm, por exemplo, se envolvido mais nas questões da organização da vida doméstica. Os alunos vão percebendo com mais clareza que a escola e outros espaços que frequentam não são locais apenas para receber conteúdos e acessar oportunidades, mas também espaços que podem ser transformados a partir de sua ação protagonista e significativa.

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Processos de ensino e aprendizagem pelo viés da participação Conhecimento compartilhado: a valorização do universo do conhecimento prévio, das experiências pessoais e das culturas que os estudantes e os professores trazem para a situação de aprendizagem. Autoridade compartilhada e flexibilidade dos papéis: entre professores e estudantes. Metas acordadas coletivamente: buscadas também coletivamente. Avaliação contínua dos processos e da aprendizagem: com indicadores de avaliação, espaços formais de diálogo e reorientação metodológica.


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Semanas de produção coletiva: jovens compartilham conhecimentos em imersão criativa2 A Oi Kabum! Recife tem um programa formativo que articula conteúdos das dimensões humana, política, ética, estética e técnica de linguagens como a fotografia, o audiovisual, o design, o campo da arte e tecnologia, entre outros. Ao longo dos primeiros seis meses na escola, os(as) jovens são convidados a participar das Semanas de Produção Coletiva - uma imersão criativa-produtiva que dura apenas dez dias. Nesse reduzido período de tempo, são estimulados a criar projetos artísticos de forma colaborativa. Os trabalhos são apresentados em uma exposição itinerante. Por exemplo, uma das mostras, chamada Kaldo de Cana, foi montada, visitada e desmontada em um único dia. É realizada em uma das comunidades dos jovens, escolhida por eles(elas) a partir de discussões sobre a cidade, seus territórios, sobre o acesso e a produção cultural. A Kaldo de Cana mobiliza e articula diversos e variados espaços de cada território por onde circula: comércio, residências, escolas, centro culturais. Fortalece assim a parceria com as comunidades e as torna coautoras da atividade. O mote do convite feito aos jovens para imersão nas Semanas de Produção Coletiva é a livre expressão a partir da abordagem e reflexões sobre macro conteúdos: identidade, território, arte. Todo o processo de pesquisa, criação e produção das obras é consequência da atuação conjunta e integrada dos(das) jovens e equipe da escola. As Semanas de Produção Coletiva são ainda especiais e decisivas para a Oi Kabum! Recife, pois fundamentam as bases participativas de todo o processo formativo e

2 Texto produzido a partir de entrevistas com os educadores Élida Santana, João Lin, Vicente Eduardo e com base no projeto político-pedagógico da escola Oi Kabum! Recife.

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produtivo que será desenvolvido até o final da formação dos(das) jovens. Marcam bem esse momento, já que os(as) jovens são recém-ingressos na escola e a equipe de educadores colhe e acolhe as referências do novo grupo, os seus modos de fazer, de ser e de refletir. É neste ponto que o currículo da escola começa a ser alterado em favor e em consequência do ingresso de um novo grupo de estudantes. Para conseguirem realizar uma mostra artística em apenas duas semanas, os(as) jovens necessitam invariavelmente colaborar entre si, lançando mão dos conhecimentos colhidos até então na formação da Oi Kabum! e também trazendo à tona suas próprias referências sobre arte, cultura e tecnologia. Produzir a partir de seus repertórios simbólicos, de suas percepções, ideias, opiniões, anseios, valores, visões de si e do mundo, permite que jovens e equipe aprofundem reflexões sobre a hierarquização de saberes (acadêmico X popular, científico X empírico, tecnológico X artesanal), fortalecendo uma prática e uma relação educativa nas quais cada saber, por mais complexo ou simples que seja, tem sua incompletude. O grupo vai, assim, aprendendo a contar com a ajuda de outras pessoas. Aprendendo a fazer conexões com outros saberes e a desenvolver uma percepção integrada dos conhecimentos adquiridos, estabelecendo relações bem concretas entre esses conhecimentos e suas experiências pessoais e de suas comunidades. As Semanas de Produção Coletiva permitem que os jovens consolidem uma visão transdisciplinar sobre os conteúdos curriculares, diluindo fronteiras entre as linguagens artísticas e impulsionando a criatividade. Ao produzirem colaborativamente e ao mesmo tempo refletirem sobre essa prática, novos saberes são gerados. Esta experiência produtiva, de colocar a mão na massa, amplia a própria noção de linguagem artística. Os jovens, por exemplo, fazem usos não convencionais de seus conhecimentos técnicos. Uma iniciativa que ilustra bem esta articulação é a experimentação com a técnica do estêncil e da fotografia. Os estudantes fotografaram o

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cotidiano de duas comunidades e depois transpuseram as fotos, por meio da técnica de estêncil, para camisetas. Essas camisetas foram trocadas por camisetas (usadas, novas, velhas...) dos moradores do Ibura, comunidade do Recife que recebeu a mostra Kaldo de Cana3. Foi uma intervenção artística permeada de provocações sobre o valor da arte, por onde circula, quem a produz. A realização das Semanas de Produção Coletiva tem mostrado que os(as) jovens se identificam com desafios coletivos e valorizam o potencial criativo do trabalho produzido de forma conjunta; e que se sentem mais confiantes ao se reconhecerem como realizadores, sujeitos capazes de materializar ideias, de concretizar ações. As limitações de tempo, de recursos financeiros e tecnológicos deixam de ser problemas impeditivos da produção e são convertidos em elementos dinamizadores de todo o processo. Os estudantes utilizam os recursos que têm à mão e isso gera mais foco no aspecto criativo, do que nos recursos caros ou sofisticados. O desafio de realizar obras artísticas em tão pouco tempo exige que os educadores apoiem e acolham os(as) jovens, que tragam novas informações, provoquem reflexões e, em certa medida, produzam em parceria com eles. A criação e resolução de problemas de forma coletiva permitem que as relações entre educadores e estudantes se tornem mais horizontais e dialógicas. Os jovens começam a se ver como sujeitos ativos na construção de conhecimento e de sentidos e percebem os educadores como parceiros e mediadores desse processo. A experimentação artística proporcionada pelas Semanas de Produção Coletiva abre, em alguma medida, um campo para uma “reinvenção” do jovem por ele mesmo, através dos discursos que elaboram e imprimem nos trabalhos. E se ao mesmo tempo se evidencia que os espaços de expressão da juventude popular urbana não estão dados a priori e não são abertos automaticamente, os jovens entendem que o que pensam e têm a dizer tem valor, sentido e gera possibilidades.

Mais sobre a mostra Kaldo de Cana.

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A experiência de uma escola gerida por todos Débora Santos Educadora e pesquisadora da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

A Oi Kabum! Belo Horizonte envolve todos os atores do

universo escolar na condução dos rumos da escola. O projeto pedagógico propõe o envolvimento dos alunos, educadores, familiares, funcionários e da comunidade em geral nos processos de gestão, tornando-os corresponsáveis pelas decisões tomadas e ações desenvolvidas. Todos são convocados a dividir conhecimentos e responsabilidades, a lançar mão do discurso como ferramenta de ação política, a considerar as opiniões dos outros e a rever continuamente seus pontos de vista, em um processo constante de autocrítica e autorreflexão. Ainda que essa lógica de organização sociopolítica traga dificuldades e desafios, possibilita novos olhares sobre a educação e parece se mostrar como condição fundamental para o exercício pleno da cidadania no âmbito de outras relações que extrapolam o ambiente escolar. A proposta de Gestão Coletiva na Oi Kabum! BH se baseia na organização da comunidade escolar em Grupos de Gestão. O tempo para as reuniões desses Grupos faz parte da grade curricular. Trata-se de uma carga horária dedicada diretamente à gestão e à reflexão sobre suas dinâmicas de funcionamento, o que inclui: a infraestrutura e a organização da escola, políticas de uso e compartilhamento de espaços e equipamentos, sistemas de circulação de informações e tomadas de decisão sobre temas de interesse coletivo. Os grupos contam com a presença de oito a doze jovens e um ou dois educadores, coordenadores ou membros da equipe técnica, que exercem a função de orientadores. Orientar não significa centralizar funções nem se responsabilizar individualmente pelas tarefas do grupo, pois o objetivo é promover o desenvolvimento, pelos jovens, da autonomia e capacidade de autogestão por meio da divisão de responsabilidades. A participação se dá

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prioritariamente a partir da escolha dos próprios jovens – isto é, eles escolhem de qual grupo querem participar. Perpassando as ações de todos esses grupos, e com um papel central na proposta de Gestão Coletiva da Escola, está o Conselho Gestor, uma instância de representatividade dos jovens em diálogo com a coordenação. Diferente dos demais grupos, o mecanismo para a participação no Conselho Gestor é eleitoral. Os interessados se candidatam e os jovens votam nos colegas que irão representá-los. São eleitos dois representantes de cada turma, em um total de 10 a 12 jovens, cuja função é levar demandas, problemas, temáticas e sugestões para a pauta de discussão do Conselho. Eles têm também a função de informar e dialogar sobre as discussões realizadas, dando retorno

O que os estudantes aprendem com a gestão coletiva?

Considerar a opinião de todos como importante para o bem coletivo.

Incorporar o erro, o acaso, o risco e o conflito, pois eles também produzem bons aprendizados.

Estabelecer metas, criar estratégias para concretizá-las, seguir prazos, entender e expressar com mais clareza o que visam realizar.

Articular o conhecimento com a prática e evitar a superespecialização e a fragmentação dos campos do saber e do fazer.

Ser parte da escola e colaborar ativamente com sua manutenção para evitar os danos que eles aprenderam serem difíceis de resolver.

Modificar as formas de ver o mundo e de se relacionar. Os jovens passam a buscar e até exigir, também em outros espaços sociais que frequentam, que as relações sejam pautadas por critérios mais participativos e democráticos.

Habilidades de organização pessoal, autonomia, capacidade de argumentação.

Aprendizados sociopolíticos e de relacionamento interpessoal.

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Grupos de Gestão como espaços formativos Os Grupos de Gestão desenvolvem, de modo mais profundo, a

autonomia, a capacidade de argumentação e o envolvimento com o coletivo, extrapolando a formação em arte para desenvolver aprendizados sociopolíticos e de relacionamento interpessoal. É o espaço em que a opinião de todos conta e onde o que está em jogo é o bem coletivo. Estes aprendizados resultam do fato de terem que tomar decisões em conjunto e desenvolver tarefas de gestão e de produção. Os estudantes demonstram compreender a importância de um sistema de organização coletiva e se apropriam dos preceitos básicos da proposta com muita rapidez. Eles vivenciam o processo deliberativo com bastante consciência. Os jovens também vivenciam a complexidade da organização de uma instituição, aprendendo a lidar com burocracias, a negociar e a desenvolver novos procedimentos de gestão. O Grupo de Gestão da Biblioteca, por exemplo, acompanha processos de compra de livros. Orientados pelo educador responsável, fazem orçamentos em livrarias, acompanham a encomenda e a entrega e catalogam os exemplares no acervo. Ao acompanhar um processo relativamente simples como esse, o jovem percebe que o livro não sai da livraria e simplesmente aparece na prateleira da escola. Os estudantes aprendem sobre a complexidade dos fluxos logísticos de todo processo (seja ele criativo, produtivo, administrativo ou de qualquer outra natureza). Essa vivência propicia o desenvolvimento de habilidades de organização pessoal. Eles aprendem a estabelecer metas, criar estratégias para concretizá-las, seguir prazos, entender e expressar com mais clareza o que visam realizar. Esse tipo de aprendizado tem reflexos diretos no mundo do trabalho, na formação de profissionais mais autônomos e com habilidades que extrapolam a atuação em áreas específicas, evitando a superespecialização e a fragmentação dos campos do saber e do fazer. A simples compra de um livro também leva a uma maior consciência da importância de ter cuidado com o espaço e com a infraestrutura que se utiliza. O mesmo ocorre com o Grupo de Gestão de equipamentos que, entre

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Cardápio dos grupos de gestão Os Grupos de Gestão não possuem eixos temáticos fixos, podendo ser reconfigurados de tempos em tempos. Alguns exemplos de grupos são: Conselho Gestor: instância de representatividade dos jovens em diálogo com a coordenação da escola. Grupo Comunicação: desenvolve ações relativas à comunicação interna e externa à escola. Grupo Biblioteca: cataloga os livros, organiza o processo de empréstimo e devolução, faz novas aquisições para o acervo, além de organizar saraus e encontros literários. Grupo de Equipamentos: cuida da manutenção dos equipamentos da escola, da política de empréstimo, desenvolve ações de sensibilização para o uso consciente. Grupo Escambo de Saberes: promove a troca de conhecimentos entre membros da comunidade escolar, organizando microaulas e oficinas de conteúdos diversos dentro da escola. Grupo Montagem de Exposições: cuida da organização e armazenamento do acervo de trabalhos artísticos, organizando minimostras e exposições itinerantes dentro e fora da escola. Grupo de Pesquisa: desenvolve minipesquisas conduzidas pelos jovens sobre temas de interesse da escola.


outras funções, cuida do almoxarifado da escola, onde são armazenados câmeras, microfones, computadores e todo tipo de ferramentas. Na medida em que passam a se ocupar de tarefas ligadas à manutenção, organização e conservação de materiais e espaços da escola, os jovens sensibilizam seu olhar e se tornam mais atentos ao seu uso. Eles reveem hábitos e comportamentos inadequados ou danosos aos bens coletivos, pois apreenderam que não é simples comprálos, mantê-los e consertá-los caso se estraguem. As relações sociais e o modo como lidam com a vida em coletividade também são influenciados pelas experiências ligadas à gestão vividas na Oi Kabum! BH de diversas formas. Os estudantes passam a identificar contextos, externos à escola, em que sua participação é levada em conta. Eles acabam modificando antigas formas de ver o mundo e de se relacionar. Os estudantes começam a exigir, também em outras esferas da sua vida, que as relações sejam pautadas por critérios mais democráticos.

Desafios para a construção da escola democrática A experiência de gestão coletiva cria espaço para que divergências e conflitos se manifestem. É preciso que haja discordância para haver negociação. Mas se não há regras predefinidas, a todo tempo surgem dificuldades. A capacidade de gerir colaborativamente é desenvolvida de maneira gradual pelos jovens. E é fundamental que os educadores façam a mediação das discussões e saibam intervir quando necessário, apoiando os jovens neste aprendizado. O educador precisa abandonar o papel de único detentor de conhecimento e reconhecer a autonomia e os conhecimentos prévios dos jovens. É preciso estar atento para criar mecanismos que equilibrem as desigualdades na capacidade de persuasão entre os participantes do debate – fator altamente influente no processo de tomada de decisão.

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Desafios e perspectivas Certamente, são muitos os desafios que se colocam quando se opta por uma proposta pedagógica que cria espaços para que a divergência e o conflito surjam e se tornem visíveis. Lidar com o conflito tem um caráter ambíguo: ao mesmo tempo em que constitui a essência da proposta, representa também um de seus principais desafios. Por um lado, o conflito se mostra necessário para a própria natureza da Gestão Coletiva: é preciso que haja discordância para haver negociação. Mas se não há regras predefinidas, a todo tempo aparecem dificuldades. Uma questão delicada, por exemplo, diz respeito à efetividade do poder de decisão dos jovens. Até que ponto a tomada de decisão está nas mãos deles? Em que áreas eles estão aptos a tomar decisões? A aposta da Escola Oi Kabum! Belo Horizonte tem sido deixar que os jovens se pronunciem sobre as suas prioridades de forma bem livre. Estando, a princípio, aptos a participar de qualquer decisão, muitas vezes os estudantes se mostram insatisfeitos com o tratamento dado a certas questões e julgam que sua participação foi limitada. Por isso, é essencial compreender que a capacidade de gerir colaborativamente é desenvolvida de maneira gradual pelos jovens. É preciso mediar as discussões e saber intervir quando necessário, assumindo as responsabilidades de gestores ou educadores. A distribuição do poder entre todos os atores da Escola é um aspecto fundamental da proposta de Gestão Coletiva. Este fato permite uma diversificação das habilidades e competências desenvolvidas pelos jovens e por toda a equipe da escola. Mas o aspecto mais relevante desse exercício de inversão de papéis tem uma dimensão política: algumas dicotomias – que em geral colocam um dos polos em posição superior – são rompidas. Por exemplo, muitas vezes o educador ou funcionário é reconhecido como o único que detém o saber, e os conhecimentos prévios e práticos dos jovens não são reconhecidos. Nesta dinâmica de Gestão Coletiva as dicotomias entre saber intelectual e o fazer prático, o especialista e o leigo, são rompidas. A quebra dessa distância dada a priori entre os que dominam determinada área de conhecimento ou

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know how técnico, como os educadores, coordenadores ou funcionários, e os leigos, como os estudantes, é fundamental para encorajar os jovens a se arriscarem na realização de tarefas que sempre lhes foram negadas e os despertarem para a possibilidade concreta de participação. O objetivo central da Gestão Coletiva é mais pedagógico que institucional. O foco principal não é que todas as deliberações sejam inteiramente conduzidas pelos jovens, mas que eles aprendam sobre o processo de gestão e negociação de conflitos. É preciso respeitar fluxos decisórios, lidar com a frustração e desconstruir o imaginário de que participar de uma proposta de gestão coletiva significa decidir tudo coletivamente – ou a despeito de qualquer relação hierárquica. Para o educador, a princípio aquele que detém o saber e o poder de decidir em sala de aula, trata-se de reconhecer a autonomia dos jovens. Nas escolas tradicionais pode acontecer dos educadores subjugarem os estudantes ou não reconhecerem neles a capacidade de se desenvolverem com autonomia e aprender a fazer escolhas. Assim, o educador precisa abandonar lugares de poder e práticas educativas cristalizadas, utilizando sua autoridade, mas sem impô-la a qualquer custo aos jovens. O educador precisa exercer a autoridade de forma legítima. Certamente, os jovens precisam desenvolver habilidades discursivas e argumentativas para que possam participar da gestão de uma instituição de forma eficaz e efetiva. Porém, a dificuldade de parte dos jovens em negociar suas questões não se apresenta como evidência de uma incapacidade argumentativa intrínseca, mas sim da carência de oportunidades para que descubram e desenvolvam competências que lhes são constantemente negadas, a ponto de que eles próprios ignorem que as possuem. Entretanto, reconhecer a desigualdade de habilidades discursivas entre educadores e jovens é reafirmar a necessidade radical de criar, nos processos formativos, contextos que lhes permitam desenvolvê-las. Os jovens precisam ser incentivados a falar e a argumentar, por meio de exercícios que potencializem situações de debate e da criação de canais efetivos de participação.

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Os princípios pedagógicos participativos que pude conhecer e vivenciar Ana Luiza Ferreira Estudante da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

A Oi Kabum! Belo Horizonte é uma escola diferente de todas as outras que tive a oportunidade de estudar. Desde o início, os profissionais têm a preocupação de transmitir para os alunos a importância da gestão compartilhada como uma proposta que atravessa os princípios da escola. Tive o privilégio de frequentar no mesmo período outra escola técnica, o Núcleo de Empreendedorismo Juvenil (NEJ), que tem como objetivo capacitar os jovens para o mundo do trabalho, com foco no empreendedorismo. As experiências marcantes nos dois espaços me estimularam a realizar, no último semestre de 2013, uma pesquisa na qual, por meio de conversas e entrevistas com as pessoas diretamente envolvidas com o ensino das duas escolas técnicas, pude compreender melhor os princípios pedagógicos que regem o ensino de tais instituições de ensino. A minha investigação foi realizada por meio do grupo gestão e pesquisa, do qual fiz parte na escola Oi Kabum!. É um dos grupos que colaboram com a gestão coletiva do espaço. Só a existência deste grupo já é um bom exemplo da proposta pedagógica diferenciada da Escola. Apesar da dificuldade em conciliar as aulas nas duas escolas técnicas, mais as atribulações do ensino médio regular, este período certamente ficará marcado em minha trajetória pessoal e profissional, pois encontrei em ambas as instituições o espaço necessário para o desenvolvimento das minhas habilidades profissionais e também uma

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maneira de praticar meu autoconhecimento. Logo que ingressei na Escola Oi Kabum!, escutei uma frase que continua sendo repetida pelos educadores que compõem a equipe de profissionais: “Nós acreditamos que quando estamos ensinando algo, também estamos aprendendo com os alunos”. Por meio da pesquisa realizada, e também pela minha vivência, pude perceber que a postura é adotada na prática, com a oferta de atividades que permitem que os alunos possam aproveitar a flexibilidade da escola. Não se trata de algo pensado apenas na teoria e esquecido na prática. É algo que sai do papel e pode ser sentido e visualizado no dia a dia da escola. Admiro a capacidade dos educadores da instituição em compreender que todos nós aprendemos uns com os outros, todos os dias das nossas vidas. Outra coisa que aprendemos na escola é a importância da autonomia. Mesmo indiretamente, todas as propostas de atividades procuram trabalhar a independência do aluno. Exemplo disso são as tarefas coletivas que acontecem com frequência e incentivam o trabalho em equipe, assim como a liberdade de criação dos alunos. A didática dos professores, a dinâmica das aulas e a flexibilidade da grade curricular são exemplos dos princípios pedagógicos utilizados. A autonomia pode ser sentida na forma como a Escola se estrutura, com a existência de Grupos de Gestão e de um Conselho Gestor.

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A orientação como mais um espaço de aprendizagem Outro momento muito importante que faz parte da estrutura

da Oi Kabum! é o espaço de orientação. A escola disponibiliza um educador que terá um contato mais próximo conosco, prática que permite, por exemplo, a identificação e possíveis soluções de nossos problemas pessoais ou mesmo escolares. A orientação que tive em minha passagem pela Oi Kabum! foi um dos momentos mais importantes da minha formação profissional e humana. Foi uma oportunidade de não só compreender quem é aquele educador que me orienta e como foi a trajetória profissional e a história de vida dele, mas também de aprender muito com essa relação. Tive a chance de ver de perto um conceito que até então eu só havia vivido no campo das ideias: a desconstrução do professor como um ser soberano e inalcançável pelo aluno. Essa aproximação entre professor e aluno, que acontece na orientação e em outros momentos, rompe barreiras e acaba com a ideia ultrapassada de que o professor é o único dono do conhecimento. Essa experiência foi essencial para a minha formação, ainda mais

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Outras formas de ensinar e de aprender 115


Currículo nas escolas Oi Kabum!: quando o todo é mais do que a soma das partes O percurso formativo da maioria das escolas já nasce

configurado com base na fragmentação e no isolamento do conhecimento em disciplinas. E é reduzido o número de iniciativas que fazem a aliança entre os conteúdos de matemática, português, ciências, história e geografia com a experiência cotidiana e profissional. Os projetos pedagógicos que preponderam nas escolas formais, além de historicamente tratarem o conhecimento das disciplinas de forma isolada, também muitas vezes levam para “caixinhas” os modos de pensar e apreender a realidade. A criatividade muitas vezes tem sido tratada de forma “disciplinar”, sendo rotulada ou categorizada e por isso tendo o seu potencial reduzido. A estrutura curricular das escolas Oi Kabum! é orientada pelo desafio de aumentar o potencial criativo dos jovens, de deslocar e provocar as suas percepções e leituras de mundo de forma a promover a autonomia. Para isso, o programa aposta na integração das disciplinas por meio da combinação de elementos que são potencialmente transdisciplinares: a arte e a tecnologia. O currículo integrado é essencial para que a formação leve ao desenvolvimento pleno do estudante, pois o jovem passa a fazer relações entre os conhecimentos das disciplinas, conectando saberes e compreendendo que a realidade é única e complexa. Nos cursos oferecidos, o objetivo é costurar as experiências cotidianas, a vida em comunidade, as relações com os territórios, as múltiplas referências artísticas e uma diversidade de inovações tecnológicas.

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Promover deslocamentos no modo como esses jovens pensam é o grande desafio. Em vez de apenas aprendizes, eles passam a ser os próprios produtores do conhecimento e parte dele. Reside aí a transformação pela educação, pela arte e pela tecnologia. Com isso, quebram-se as barreiras entre as linguagens, mas também entre os jovens e o ensino, de modo a transformar os sujeitos, as comunidades e a relação com o conhecimento. Em um mundo com tantas referências que se cruzam favorecendo a produção do conhecimento, as escolas do Programa Oi Kabum! buscam promover uma nova pluralidade dos saberes que se beneficie desse contexto.

Transdisciplinaridade curricular: modos de saber, modos de fazer Os conteúdos técnicos e específicos do programa são considerados matéria-prima para o exercício da transdisciplinaridade. A proposta é estabelecer conexões entre eles, promovendo experimentações e assim potencializá-los. O objetivo é ir além do conhecimento técnico, do manuseio de equipamentos ou softwares, para refletir sobre as possibilidades de uso da técnica e cruzamentos com a vida e o mundo do trabalho. Nos cursos de todas as escolas Oi Kabum! há, na matriz curricular da formação básica, conteúdos mais gerais, como oficinas de uso da palavra (falada e escrita), história da arte e tecnologia e práticas de desenvolvimento pessoal e social. São pilares comuns, nos quais é possível estabelecer reflexões que perpassam todas as áreas de conhecimento das disciplinas. Todos os processos são acompanhados pelos educadores, para garantir que os estudantes percorram sempre um caminho que leve ao aprendizado. Se a ideia é trabalhar o conceito de representação, como ele pode ser pensado na fotografia, no som ou no desenho? Como um exercício de colagem pode contribuir para a reflexão em todas as disciplinas? Como as narrativas podem ser pensadas tanto na estruturação de um texto escrito, quanto de um audiovisual ou gráfico? Essas são perguntas que norteiam o trabalho dos educadores do programa na busca pela formação transdisciplinar. Às vezes, conceitos relacionados a uma linguagem artística ou midiática são utilizados para fazer

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a integração do conhecimento. Outras vezes, são realizadas experimentações por meio de temas transversais que renunciam à delimitação de determinada área para ganhar vida nos atravessamentos. Dessas experiências surgem poemas visuais, livros interativos e inúmeras criações. É possível afirmar que os modos de saber e de fazer são indissociáveis. Essa é uma diretriz metodológica presente em todos os percursos formativos das escolas. A ênfase geralmente está mais voltada ao fazer do que ao conteúdo técnico ou temático. Embora os estudantes estejam geralmente focados no aprofundamento de uma linguagem artística, a perspectiva transdisciplinar é a que guia o fazer e garante que a inventividade esteja em alta. Ao se apropriarem das tecnologias e ferramentas, os estudantes abrem possibilidades de experimentação além do domínio técnico. E as articulações e interseções entre os diversos conteúdos são mais facilmente percebidas por eles. Ainda que o jovem procure a escola com forte interesse em fotografia, ao longo do tempo vai percebendo que a imagem é algo mais universal, que extrapola a técnica fotográfica, que abre diálogos para outras áreas e que possibilita “alquimias”. Uma pesquisa, realizada por estudantes da escola, sobre o processo criativo desenvolvido na escola Oi Kabum! Belo Horizonte, exemplifica as aberturas “alquímicas” para a construção de conhecimento geral pelo programa. A pesquisa começou de forma bem tradicional, com os jovens estabelecendo as definições conceituais sobre a criação, referências e metodologia. Ao final, resultou em produções bem diversas e distintas de uma formatação de pesquisa convencional com textos descritivos e analíticos. Os estudantes apostaram nas linguagens apresentadas na escola, gerando um texto poético (com inserção de trechos de conversas informais), um livro com reflexões compartilhadas por meio de desenhos e formas criativas de apresentação de seus resultados. A transdisciplinaridade está no fazer que transforma. Não está na simples interseção, aproximação ou união de áreas do conhecimento, como na ideia de interdisciplinaridade. Requer o ato criativo de forjar o novo. A ação, e não as disciplinas envolvidas, guia o percurso de produção. As fronteiras entre áreas do conhecimento se tornam mais porosas frente ao ato de recriar, dando forma a um conhecimento mais orgânico e, ao mesmo tempo, híbrido.

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Experimentar sim, improvisar não O caráter aberto e maleável das atividades transdisciplinares pode levar ao equívoco de se concluir que qualquer percurso de experimentação é válido e que o conhecimento pode ser promovido pelo improviso. Implementar a transdisciplinaridade exige planejamento. As equipes pedagógicas e de educadores das quatro escolas Oi Kabum! se reúnem em cada instituição para identificar os temas transversais e os possíveis pontos de contato entre as disciplinas e os planos de aula. A partir daí, há orientação de planejamento com as suas especificidades e seguindo as diretrizes que estão definidas em seus projetos políticopedagógicos, que são revistos e ajustados constantemente.

Mais sobre grupos de pesquisa na página xx.


Percurso transformador Os estudantes iniciam o curso com a visão fragmentada sobre o conhecimento, com algumas resistências ao novo e muitas vezes com interesse exclusivo em aprender as técnicas de vídeo, fotografia, design, entre outras. É preciso certo tempo para que os descolamentos comecem a se efetivar. Muitos jovens até incorporam a perspectiva transdisciplinar da formação nas escolas Oi Kabum! já de início, compreendendo interfaces entre conhecimentos, mas pode acontecer também que alguns apenas entendam a lógica transversal ao final de um semestre, com uma produção concluída. Entretanto, mesmo que tardiamente, é um processo válido, já que o olhar em retrospectiva é uma forma de alcançar o sentido da transdisciplinaridade. É quando os jovens revisitam suas práticas e podem enxergar o todo do processo e fazer as conexões entre os conhecimentos e as práticas. Para outros estudantes, dependendo da sua maturidade ou grau de desenvolvimento, a real importância de vivenciar um processo transversal de aprendizagem se torna mais clara quando ingressam no mundo do trabalho. Os educadores também se transformam e aprimoram suas práticas educativas à medida que o percurso formativo se desenvolve. A cada passo do trabalho, vão se tornando mais transversais, se apropriando de recursos e ampliando seus repertórios. Um trabalho artístico produzido de forma coletiva, por exemplo, é uma oportunidade de vivência interdisciplinar para os alunos, mas também para um educador. O desafio é aprender a preparar uma aula em parceria com outros educadores. É preciso sair da zona de conforto, ou seja, deixar de ser um especialista em determinada disciplina e passar a compartilhar objetivos e visões com outros profissionais.

EDUCADORES DESENVOLVENDO PRÁTICAS EDUCATIVAS TRANSDISCIPLINARES.

PLANEJAMENTO COLETIVO DE AULA: REALIZADO EM CONJUNTO COM TODOS OS EDUCADORES DA ESCOLA.

A transdisciplinaridade também promove o desenvolvimento da participação juvenil. Os estudantes se veem impelidos a lidar com os desafios e as possibilidades que se apresentam ao longo do curso. Eles são convocados a tomar decisões, avaliar os caminhos e a prever problemas. Ao fazerem as escolhas e conexões

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entre conhecimentos diversos, são levados a assumir a responsabilidade pela própria aprendizagem. Os jovens aprendem a se posicionar e a considerar os seus desejos e os dos outros no momento de produção de um trabalho artístico. Essa aprendizagem ultrapassa os muros da escola e colabora decisivamente em escolhas e definições que os estudantes farão em seu cotidiano, na vida e no mundo do trabalho. Os estudantes são estimulados a problematizar conteúdos e a refletir sobre o que estão produzindo. Os desafios e soluções que se apresentam no caminho são “combustíveis” para que eles se descubram sujeitos de suas vontades e protagonistas na apropriação do conhecimento. Dessa forma, a transversalidade guia tanto a formação humana quanto profissional, preparando os estudantes para além de uma formação exclusivamente técnica. A formação transdisciplinar também tem impacto nas comunidades populares nas quais os jovens vivem ou transitam, muitas vezes, territórios das cidades marcados pela invisibilidade simbólica ou por alguns sentidos negativos. Os jovens levam esse olhar transversal para o seu cotidiano, transformando os lugares que acessam. Passam a enxergar outras soluções e possibilidades de novas conexões, abrindo, assim, portas e novos caminhos para a transformação da realidade. O ato de soldar, de alinhavar conteúdos, de reunir e mixar técnicas transforma parte do trabalho, mas também modifica o todo. E, principalmente, transforma o sujeito que está realizando o trabalho. É no sujeito que produz que a transdisciplinaridade realmente se materializa. Ao longo do percurso formativo e produtivo, os jovens lidam com expectativas e frustrações, colocam-se questões a serem resolvidas e adquirem clareza de suas buscas. Ao alinhavarem diferentes referências, dão forma a um produto final, ao mesmo tempo em que se transformam pessoalmente. Parte e todo. Um não existe sem o outro, ainda que salte aos olhos ora a parte, ora o todo. Mas é no fazer que eles se constituem mutuamente. É no alinhavar dos retalhos que uma colcha ganha existência. É no soldar do metal que se apresenta a obra. É da colagem das peças que se faz um mosaico. O conhecimento é transdisciplinar quando se conforma a partir do ato de reunir e recriar referências de diversas áreas do conhecimento, e não a partir da simples junção ou sobreposição delas. Soldar, fundir, alinhavar implicam atos de criação inerentes à ação.

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Conhecimentos técnicos + Mundo do trabalho + Contexto de vida do jovem

Modos de saber + Modos de fazer

DESENVOLVIMENTO TRANSDISCIPLINAR DO CURRÍCULO

Jovens no comando da própria aprendizagem: lidam com os desafios, são convocados a tomar decisões, antecipam e resolvem problemas, fazem conexões entre conhecimentos diversos.

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Aprendizagem por projetos: pelo caminho é que se aprende Alberto Tornaghi, Fernando Mozart e Lorenzo Aldé Coordenadores da Escola Oi Kabum! Rio de Janeiro

A escola Oi Kabum! Rio de Janeiro adota, na formação

básica, metodologia de projetos, cujo foco central é o desenvolvimento da autonomia pelos alunos. É uma proposta transdisciplinar e flexível. Toda aprendizagem decorre da criação de projetos artísticos que são idealizados e executados pelos estudantes. A educação por projetos se contrapõe àquilo que Paulo Freire chamava de educação bancária, tecnicista e alienante. Para Freire, o educando é capaz de criar seu próprio caminho de aprendizagem, libertando-se das receitas escolares previamente impostas. Um posicionamento crítico sobre o conhecimento conduziria à educação como prática de liberdade, com estímulo à autonomia, ao diálogo e a uma relação mais horizontal entre educador e estudante. A aprendizagem por projetos, como desenvolvida na Oi Kabum! Rio, funda-se na perspectiva construtivista e valoriza tanto os processos como seus produtos. Autores como Vygotsky e Piaget mostram que o conhecimento é construído pelos indivíduos a partir da ação, das interações que mantêm com seu entorno tanto físico como social. É, portanto, condicionado pelos contextos sociais e culturais dos estudantes. A metodologia desenvolvida na Oi Kabum! do Rio de Janeiro tem sua ênfase na aprendizagem e no desenvolvimento pessoal e social dos alunos. A ênfase está na reflexão crítica que jovens e educadores experimentam coletivamente ao desenvolverem produções de seu interesse. A construção do conhecimento decorre, como afirma Freire, do fazer com pensamento crítico. Fazer é tão importante quanto refletir sobre o que se faz. Abrir espaço para a expressão dos desejos e sonhos dos jovens é possibilitar que o conhecimento adquira sentido, tenha significado, na medida em que se estrutura de forma contextualizada para o aprendiz. À medida que o jovem

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vai desenvolvendo seus projetos e alcança seus objetivos, diluem-se as fronteiras entre o fazer, o prazer e o aprender. O desenvolvimento de projetos contribui para um processo de aprendizagem criativo, (auto) crítico, participativo, em que o jovem lida com aspectos pessoais e sociais, sempre na interação com os outros. Os ganhos com essa perspectiva processual podem ser vistos ao final dos primeiros seis meses. Ao olhar para trás, o estudante percebe que para se expressar artisticamente, para alcançar uma significativa “liberdade criativa” foi preciso passar por experiências muitas vezes inéditas em sua vida: planejar, administrar dinheiro, estabelecer prazos e objetivos e cumpri-los, lidar com imprevistos e frustrações, gerenciar conflitos do grupo, ouvir críticas e sugestões e saber filtrá-las, selecionar, editar, cortar, montar, produzir, abrir mão de algumas coisas, não abrir mão de outras. São atitudes e decisões complexas, mas ao mesmo tempo são tarefas básicas do mundo profissional adulto e que foram possíveis graças aos desafios trazidos pela aprendizagem por projetos. O criador autônomo, autor de um projeto próprio, responsabiliza-se pelo que deseja e pelo que precisa fazer, pelo que precisa aprender a cada momento, para realizar o que se propõe. Esse tipo de aprendizado está muito mais próximo de uma vivência profissional qualificada – ou seja, cheia de significado e realização pessoal – do que o antigo modelo educacional em que todos os conteúdos são os mesmos, transmitidos para alunos dos quais se espera rendimentos iguais, como máquinas. Na aprendizagem por projetos, respeita-se a diversidade dos indivíduos. A expectativa de aprendizado não se dá apenas por parâmetros externos (iguais para todos), mas acima de tudo pelos desejos, necessidades, potencialidades e limitações de cada indivíduo.

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Autonomia, cooperação e vida profissional O desenvolvimento da autonomia pelos educandos é uma das principais apostas da Oi Kabum! Rio. A autonomia não vem pronta e é comum que seja confundida com uma percepção individualista: ser autônomo seria “garantir o meu”, “me dar bem”, me formar bem, ter bom emprego, ganhar bem. Para isso, seria preciso ser competitivo e se impor, aparecer mais do que os outros, mostrar que é melhor, abrandar ou omitir seus próprios erros. Ao contrário, ser autônomo envolve também uma dimensão colaborativa e de diálogo. Alguns se queixam: “É muita conversa, muito debate, quero aprender a técnica!”. Mas é evidente que a técnica não basta. E também não se trata de um discurso “paz e amor”. Resolver conflitos pelo diálogo, fazer gestão colaborativa, assumir compromissos coletivos e zelar pelo trabalho do outro são atitudes que atendem aos princípios éticos da Oi Kabum!: a busca de uma sociedade mais igualitária, menos hierárquica, mais democrática e mais participativa. Sem esquecer que o desenvolvimento pessoal e social também é importante para a formação profissional.

Quem sabe trabalhar em grupo, quem age cooperativamente, quem sabe defender suas ideias com argumentos claros e de forma serena, quem está aberto a críticas, quem sabe transformar conflitos em aprendizado, quem tem autonomia e ao mesmo tempo respeito, quem cumpre compromissos... ora, essa pessoa tem tudo para ser um excelente profissional e um cidadão consciente. Tem tudo para construir uma bela trajetória pessoal e contribuir com a vida coletiva e com uma sociedade mais justa. A formação profissional é indissociável da formação pessoal e da formação cidadã. Até porque não existe “vida profissional” desvinculada da vida. O que existe são pessoas trabalhando. O desenvolvimento pessoal de cada um reverbera no seu trabalho e nas suas relações profissionais. “A liberdade de se expressar e saber como se expressar foi algo que eu aprendi muito na Oi Kabum!. E também como agir em um ambiente tão diferente da escola tradicional, um lugar onde os educadores gostam de te ouvir e dão ouvidos ao que você está disposto a dizer. Esse foi um aprendizado que eu levarei pra minha vida!”

Bianca Helena Carvalho, formada em fotografia em 2014 pela Oi Kabum! Rio.

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Metodologia sem receita pronta A metodologia de aprendizagem por projetos traz à tona diversos desafios para uma educação que se quer libertadora. É preciso atentar para o indivíduo, mas questionar o individualismo; exigir compromisso dos estudantes, mas ser ao mesmo tempo flexível; propor aos jovens que questionem criticamente seus valores e seus preconceitos, mas sem padronizar a expectativa por resultados. Tudo isso, respeitando os tempos e as possibilidades de cada um. Sempre tendo claro que, respeitar as possibilidades não é aceitar limitações, mas criar formas de superá-las. Essas são diretrizes educativas complexas e sujeitas a conflitos e contradições. Por essa razão, não se pode entender a aprendizagem por projetos como uma metodologia pronta e acabada, como um processo infalível. O aprender pelo fazer só se consolida como metodologia coerente quando escola e educadores se reconhecem como aprendizes de seu próprio fazer. Essa proposta implica em assumir sua própria incompletude. Os caminhos do aprender pelo fazer se constroem mais pelas dúvidas do que pelas certezas, mais pela troca de experiências do que pela afirmação de resultados “replicáveis”. Como o saber é construído coletivamente, na Oi Kabum! valorizam-se os questionamentos, o entrechoque de opiniões, as soluções, as ideias, os debates e o diverso. Qual o caminho certo a seguir? Essa é uma questão trazida constantemente pelos estudantes, acostumados a uma visão positivista da realidade cunhada na escola tradicional. Não é da noite para o dia que se transforma a expectativa de que o professor é o detentor do saber, da verdade e das certezas inquestionáveis. A equipe de educadores da escola tem perfis diversos e não é raro apresentarem aos estudantes orientações ou soluções distintas. O que parece estranho, a princípio, para os jovens, é compreendido pela gestão da escola como benefício para o processo formativo, em constante experimentação e construção. Espera-se que a interação entre pontos de vista diferentes enriqueça as relações, a pesquisa artística, as soluções técnicas. Se não há o esquema simplificado de certo ou errado, e cada educador pode trazer uma visão distinta sobre um mesmo tema, resta ao jovem testar opções, experimentar, ponderar prós e contras, fazer

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“A gente tem tanto ‘perrengue’ aqui, de ter que correr atrás, ter que botar a mão na massa, que a gente vê que se procurar, buscar e for atrás, a gente consegue fazer. Antigamente eu não era assim, eu desistia muito fácil das coisas, tipo ‘não vou conseguir, então tá bom’ ”. Lucas Mendes, formado em fotografia em 2013 pela Oi Kabum! Rio.

“Nas outras escolas, a gente aprende como fazer, mas não sabe o que fazer. Na Oi Kabum!, aprendemos a pensar para depois poder fazer”. Marcelo Cabral, formado em computação gráfica em 2014 pela Oi Kabum! Rio.

“Aqui o erro contribui para nosso crescimento, o que é diferente em outros espaços, onde se você der uma bola fora está comprometido. Aqui você tem a oportunidade de se refazer a partir do seu erro e tem pessoas que vão ajudar você a consertar. É o reflexo da vida mesmo, de como a vida deveria ser, como a convivência entre família e amigos”. Vinicius Ladeira, formado em design gráfico em 2011 pela Oi Kabum! Rio.


suas sínteses e tomar suas decisões conscientemente. Existe erro? Tecnicamente, sim. Artisticamente, existem soluções mais potentes do que outras. Cabe aos envolvidos reconhecer o erro e utilizá-lo para o amadurecimento dos conceitos e do processo de trabalho. Mesmo o erro técnico é oportunidade para aprendizagem e, por vezes, para criações inusitadas. O erro, nessa perspectiva, é recebido no programa Oi Kabum! como oportunidade e alavanca tanto do processo criativo como da aprendizagem. O erro, se tratado de forma adequada, pode indicar caminhos insuspeitos e viabilizar descobertas inesperadas. Como estamos imersos em uma sociedade que valoriza mais o certo, o belo e o bem-sucedido, não é nada fácil nem rápido desenvolver esse “apreço” pelo erro. Mas, quando ele se manifesta e é apropriado como um recurso do processo criativo, traz consigo grande potencial de abertura para novas percepções, descobertas inusitadas, satisfação e amadurecimento produtivo. E é um daqueles aprendizados que se leva para toda a vida.

Rotas criativas para sair do lugar, sem saber aonde vai chegar A Oi Kabum! Rio de Janeiro divide seu percurso formativo

em três ciclos. Em cada um deles, os jovens realizam projetos autorais — em sua maioria coletivos — que culminam em uma exposição pública. Para percorrer esse caminho, eles passam por diferentes etapas. Já, desde o primeiro ciclo, toda aprendizagem se dá em decorrência do envolvimento em algum projeto a ser desenvolvido, quase sempre coletivamente. A inspiração para criar articula-se com eixos temáticos propostos pela escola, de acordo com o período do curso. Assim que se inicia o processo formativo, no primeiro semestre, começam a ser erguidos os alicerces de novas relações entre os jovens e a equipe. A cada nova turma é uma nova escola singular que se esboça. Faz-se necessário criar oportunidades para que todos se conheçam, estabeleçam vínculos. Construir um ambiente de confiança é indispensável para o fazer criativo. Para compor a impressão digital inicial desse “quem somos nós”, os estudantes são chamados a olhar para si mesmos e expor o que veem:

Rigor ou rigidez? Um dos princípios essenciais que se estabelece a partir do desenvolvimento de projetos na escola é a flexibilidade na relação educador-educando. Arte é desvio. Não há criatividade sem flexibilidade. A educação também é flexível por definição, pois se trata de uma experiência inter-relacional: pessoas são diversas, assim como seus aprendizados. Não há rigidez que não empobreça o processo educativo e criativo, sobretudo em arte e tecnologia, numa escola de formação integral. Mas para fazer valer o princípio da flexibilidade é preciso ter rigor em sua aplicação. Qual é a diferença entre rigor e rigidez? Rigor é saber sua raiz, sua essência na defesa de princípios, é ter coerência com o que se acredita. Rigor se transforma, portanto, no contrário de rigidez, entendida como hierarquias imutáveis, obediência cega, regras inquestionáveis e punições aos desviantes. O rigor em processos de aprendizagem contribui fortemente para a superação da rigidez nas relações com o saber, com os pares e com os educadores.

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Liberdade pra dentro da cabeça

É o que todos nós queremos, o ideal pelo qual lutamos, a utopia da humanidade: liberdade! “Essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda” (Cecília Meirelles). Liberdade é uma das palavras mais repetidas pelos jovens que passam pela Oi Kabum! Rio. No início, em tom de maravilhamento, depois como cobrança ou queixa e mais tarde em tom de aprendizado. É comum que os jovens cheguem a esse espaço de inédita liberdade criativa, expressiva e comportamental, empolguem-se e, depois de alguns meses, sintam-se inquietos, às vezes perplexos, às vezes decepcionados com as limitações que a realidade impõe. Então, liberdade não é fazer tudo o que eu quero? Como poderia ser assim tão simples, num espaço onde convivem 120 pessoas, entre jovens, educadores e funcionários? Toda liberdade é condicional e precisa ser conquistada. “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, já dizia Ben Parker, tio de Peter Parker, o jovem tímido e atrapalhado que, por obra do acaso, assume nova e poderosa identidade, a de Homem-Aranha. Liberdade também é poder, ou potência, e com ela vêm grandes

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responsabilidades. Artisticamente, isso significa que a liberdade não se limita a extravasar sentimentos. A questão é: como você faz isso? Qual seria a forma (ou o design) coerente com o conteúdo que você desesperadamente precisa expressar? Isso é viável no prazo que tem e com os recursos disponíveis? Para se ter liberdade é preciso haver acordos, considerar interesses coletivos, cumprir compromissos, conquistar respeito. Assumir essas responsabilidades é o caminho para conquistar a autonomia, que, por sua vez, resulta em satisfação pessoal e coletiva. “Toda gente tem que não ter cabimento para crescer”, como sugere a letra da canção Cabimento, de Arnaldo Antunes (que deu nome à exposição final da turma 2, em 2013). O desafio da criação de ideias é transbordar do conhecido para o desconhecido, é não caber em limites temáticos, formais, estéticos, ideológicos ou de interesses. Experimentar(-se). Eis o outro risco da tão sonhada (e temida?) liberdade. Liberdade sem coragem? Não existe. “Paz sem voz não é paz: é medo” (O Rappa). A liberdade nunca é totalmente pacífica e nem um ato individual. Inclui superação de barreiras, confrontos, conflitos internos e externos, negociados dia após dia.


Quem sou eu? O eixo temático do primeiro ciclo de projetos estimula os jovens a descobrirem novos canais expressivos de suas identidades e, ao mesmo tempo, os coloca diante da prática e do aprendizado da escuta do outro. É claro que a autoafirmação e a consciência de sua identidade permanecerão como questões cruciais em todos os processos de criação artística ao longo do curso (assim como na vida). Todo criador só pode criar a partir de si e de sua sensibilidade. Mas a partir do segundo semestre os jovens são convidados a pensar além, expandindo o reconhecimento de quem são através de olhares para seus territórios. Ninguém está isolado no mundo, nem todos os contextos sociais são iguais. Os estudantes integram grupos diversos e interagem com outros, frequentam alguns territórios e não acessam outros. São habitantes de um lugar, cidadãos de uma cidade, herdeiros e construtores de um país, de um continente, de um planeta. A proposta que se faz aos jovens no segundo semestre de atividades é para que os projetos dialoguem com os seus territórios. A pergunta a ser respondida agora é: onde estamos? Na última etapa do curso, o eixo temático conduz os jovens a olharem para o futuro, para suas escolhas de vida. Conscientes do caminho trilhado até ali, depois de um ano de vivências, relações e produções, são convidados a construir bases mais sólidas, pensando projetos que possam impactar outras realidades, dar outros sentidos aos saberes acumulados ao longo do curso: o que queremos transformar? Esses três eixos inspiradores não impõem temas fechados. A liberdade interpretativa traz possibilidades infinitas de criação. Em 2014, por exemplo, a proposta de abordar a questão dos territórios resultou em produções diversas, como “Território mental”2, “Isso também é Rio”3 e “Aí, depende”4.

Quando a gente vai aprender a técnica? A resposta é: quando precisar! Técnicas de animação, roteiro, produção e edição de vídeo, elementos estéticos, princípios de design, operação de softwares, conceitos de fotografia, storyboard, etapas de um projeto, cronograma, orçamento, pesquisa de referências, ampliação de repertório e senso estético – tudo isso decorre das necessidades do projeto de cada jovem. O educador é autor e criador de ambientes e situações que favoreçam a aprendizagem. O jovem é autor e criador, em interação com o meio, com os colegas, com os educadores. Ambos são desafiados pelo processo educativo, tal como um artista é desafiado pelo seu desejo ou necessidade de expressão. Neste sentido, a autoria na Oi Kabum! é sempre coletiva e os aprendizados das técnicas são incorporados à medida que os projetos apresentam suas demandas por soluções para avançar.

2 Ensaio multimídia de um jovem, cuja maior necessidade era expressar seus conflitos internos. 3 Campanha fotográfica online sobre espaços urbanos pouco reconhecidos pela mídia. 4 Documentário sobre o cenário da música independente carioca.

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Avaliação

Ao longo de todo o processo e também ao final

Todo este ciclo é repetido a cada semestre, ou seja: três vezes ao longo do curso 130

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Principais etapas do desenvolvimento de projetos na Oi Kabum! Rio

Mostra Exposição dos trabalhos

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Aquecimento: o despertar da fome das ideias Você tem fome de quê? Na etapa de aquecimento criativo

germinam as primeiras ideias, que vão amadurecer até ganhar forma nos projetos. O objetivo é levar os jovens a experimentar deslocamentos perceptivos, que os ajudem a desenvolver o pensamento crítico sobre o eixo em questão, rumo a formulações mais complexas e desafiadoras do que ao senso comum. O aquecimento serve para combater a zona de conforto e a repetição de mensagens e de estéticas já conhecidas e desgastadas. É uma forma de evitar o lugar-comum e a superficialidade que costumam surgir nas primeiras ideias. O aquecimento se concentra no início, mas a prática de fomentar a criatividade mantém-se como norte ao longo do semestre.

Bancas (e entrebancas): Construindo a criação No desenvolvimento de cada projeto, os jovens passam por três bancas orientadoras, que colocam em teste os avanços conquistados até ali. Banca orientadora 1 Apresentação e debate em torno das ideias iniciais.

Cai na Real Em 2010, os estudantes de computação gráfica criaram uma nova abordagem sobre o tema da gravidez na adolescência, diferente das tradicionais campanhas midiáticas sobre métodos contraceptivos, já conhecidos pela maioria das meninas. A campanha “Cai na real” apresentou uma série ficcional de animações com fotografias (pixilation) que trouxe outros pontos de vista sobre o que pode estar por trás do desejo de engravidar, como a independência financeira ou a chance de “prender o namorado”. A série, baseada em pesquisa nas comunidades e embasada em dados do IBGE, foi inteiramente concebida, escrita, produzida e interpretada pelos jovens da Oi Kabum! Rio de Janeiro.

Banca orientadora 2 Apresentação e debate sobre os projetos. Banca orientadora 3 Debate em torno da finalização dos projetos. Os passos seguintes no desenvolvimento dos projetos resultam da etapa de aquecimento e realimentam essa fome. Em três “bancas orientadoras”, ao longo do processo, os estudantes expõem seus trajetos criativos de maneira mais organizada, fazem e recebem críticas e comentários uns dos outros, orientados pelos educadores. As bancas funcionam como marcos avaliativos que exigem dos jovens habilidades para organizar suas ideias, defendê-las em uma apresentação pública, construir e receber críticas de forma propositiva. Cada banca tem seu papel específico, de acordo com

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Conheça a campanha Cai na Real


a etapa do projeto. A primeira banca orientadora ainda é o desafio da “tela em branco”, aquele que todo o artista precisa encarar. Não é nada fácil dar sentido, palavra e forma às suas emoções e pensamentos. Mais difícil ainda é conseguir vislumbrá-los no formato de uma produção audiovisual ou gráfica. Os jovens apresentam suas ideias iniciais e recebem de colegas e educadores as primeiras impressões e comentários sobre elas. Têm a oportunidade de aprender que elogios vagos não contribuem para o processo criativo, e que as críticas mais proveitosas são aquelas que buscam novas conexões e desdobramentos para a ideia original. Entre a primeira e a segunda banca, o escopo das propostas dos estudantes é discutido e adaptado. Propostas individuais se aglutinam em coletivos, outras são descartadas em direção a ideias mais promissoras. É o momento de substituir de vez o termo “ideia” pelo termo “projeto”. A segunda banca consolida as propostas que serão levadas adiante e coloca em pauta novos questionamentos, tanto artísticos quanto os relacionados às garantias de viabilização dos projetos. As ideias criativas seguem seu percurso de amadurecimento – à base de mais críticas, sugestões, perguntas – rumo a roteiros, storyboards e propostas gráficas ou fotográficas. Os alunos desenvolvem um planejamento racional da produção: esse projeto precisa de que recursos? Precisa de quanto tempo para ser executado? Que materiais pretende usar? Quem vai fazer o quê? A viabilidade do projeto precisa estar expressa e organizada em dois instrumentos básicos para esse aprendizado: orçamento e cronograma. Entre a segunda e a terceira bancas, o trabalho de produção se intensifica, e a rotina da escola se transforma: todas as atividades são direcionadas para a orientação dos projetos. Muitas produções são multimídia, articulando linguagens diversas – foto e vídeo, design e animação, design sonoro e arte digital, web, textos, projeções mapeadas – e essa característica interdisciplinar motiva a reunião de alunos de turmas diferentes em torno de uma mesma ação. Os educadores das várias áreas de

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conhecimento passam então a acompanhar os trabalhos dos grupos, atendendo às suas demandas. Normalmente não é o educador que vai até os grupos, mas os jovens que o procuram para trocar ideias, pedir sugestões e críticas, buscar orientação técnica e discutir soluções específicas para o seu projeto. A terceira banca encaminha os projetos à finalização, com vistas à exposição pública que encerra cada semestre. Dessa banca orientadora participam, além dos jovens e educadores da Oi Kabum!, também convidados externos. Além de mobilizar os estudantes para preparar sua apresentação final para o olhar de um especialista, como esses profissionais não acompanharam o projeto desde sua concepção, nem têm envolvimento pessoal com os autores, sua participação tem o benefício da isenção e do olhar inaugural. A avaliação dos especialistas sobre as produções quase finalizadas é, naturalmente, mais técnica e estética.

Exposição artística: a ênfase no coletivo e a partilha do banquete A montagem da exposição é um momento-chave, em que se

concretiza a importância do compromisso coletivo: colaborar com os trabalhos “dos outros” é colaborar com toda a exposição. O que se vê são jovens experimentando materiais, testando suportes, arrumando e desarrumando espaços. Buscam soluções, trocam ideias, passam da expectativa à frustração em segundos . Por exemplo, quando uma boa ideia se mostra inviável por conta de uma tomada no lugar errado ou de um fio dez centímetros mais curto do que precisava ser. E vão da frustração à nova expectativa, até que, em outros poucos segundos (que às vezes se transformam em minutos ou horas), chegam à satisfação da solução viável, cuja autoria não tem mais dono. “Conseguimos” é verbo que se conjuga sempre no plural. Quando chega o público, as diferenças internas diluemse em uma nova percepção: agora o visitante é o “outro”, e nós somos nós e não mais eu ou o meu projeto. A mostra é um grande portfólio coletivo da experiência Oi Kabum!. Subitamente, aprendemos, no olhar do outro, o valor daquilo que construímos. Ao materializar os resultados alcançados, a experiência se torna um ponto de ancoramento para todos,

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Laboratório da loucura O projeto “Laboratório da loucura” (2014) nasceu como um espaço experimental, onde educadores e jovens se propuseram vivenciar e registrar, em vídeo, sensações de perda de controle comuns a pessoas com distúrbios psiquiátricos — tema da pesquisa prévia do grupo. A experimentação virou projeto e a proposta, para a exposição, era projetar vídeos com três diferentes personagens em lençóis brancos que penderiam do teto. A ideia foi à frente com testes no ambiente da exposição, mas, quando chegou à terceira banca, recebeu questionamentos quanto ao suporte: os vídeos projetados em lençóis tornavam a experiência do espectador um tanto confusa e dispersiva. Naquele encontro, a duas semanas da exposição, o grupo foi desafiado a buscar uma nova solução para expor seu trabalho. Os jovens resolveram, então, testar a projeção em um armário embutido que havia em uma das salas. A solução mostrou-se muito bem-sucedida, dialogando perfeitamente com o tema do projeto: a divisão em módulos enriquecia a perspectiva de isolamento dos personagens, ao mesmo tempo em que proporcionava uma projeção de atos simultâneos, condizente com a percepção da loucura. O novo suporte exigiu outra edição dos vídeos a serem exibidos, influenciando, portanto, no próprio conteúdo do projeto. As críticas da terceira banca foram fundamentais para o projeto encontrar um novo caminho e chegar à sua forma ideal. E elas só fizeram diferença pela disponibilidade do grupo de recebê-las como contribuição, desapegando-se de sua ideia inicial.

Conheça o vídeo Laboratório da Loucura

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consolidando as aprendizagens, fomentando novos desejos e retroalimentando o processo formativo. Quase todos os verbos agora se conjugam no plural. A cada semestre, ao fim da exposição, sai fortalecida a capacidade de atuar colaborativamente. E esse fortalecimento é base fértil para o início de um novo ciclo de projetos.

Avaliação: Sobre o valor das experiências coletivas Avaliação e autoavaliação são processos cotidianos na metodologia da aprendizagem por projetos. Diversas estratégias são utilizadas para que os alunos desenvolvam consciência de seus aprendizados e saibam expressar suas dificuldades. Um dos momentos-chave do processo avaliativo na Oi Kabum! Rio se dá ao final de cada exposição. Avaliações orais em grupo e individuais por escrito apontam para a consciência de uma autoafirmação pela expressão artística, destacam o reconhecimento da família e mesmo de desconhecidos, os efeitos positivos na autoestima, sentimentos de pertencimento a um grupo, aumento da capacidade de superar conflitos e aprendizado com os erros, críticas, limitações e situações de pressão. Os jovens orgulham-se de produções das quais não participaram diretamente, pois passam a se sentir parte de um coletivo. Muitos reconhecem, a partir do que outros realizaram, que seu trabalho poderia ser melhor e que podem aprimorar-se no próximo projeto. A evidência do aprimoramento nas linguagens do curso também se materializa nas falas e avaliações escritas, que a cada semestre adquirem mais maturidade e aproximam-se de uma postura profissional e responsável. O aprendizado técnico surge como uma constatação espontânea, como se fosse um processo inevitável: após vivências tão intensas em todas as etapas do desenvolvimento de projetos artísticos, o jovem necessariamente se sente transformado, mexido, impactado. Consequentemente, mais capaz de realizar aquele processo. O conjunto dessas transformações — pessoais, relacionais e técnicas — é a essência da aprendizagem por projetos.

Soldado Anônimo “Soldado anônimo, qual é nossa missão? Aguçar a liberdade poética. De que maneira? Usando as mídias digitais. Pra quem? Pra você, para o mundo, pra quem quiser!”. Essas palavras de ordem anunciavam a aparição de um personagem inesperado durante a exposição Primeira Parada, realizada pela Oi Kabum! Rio em 2012. O Soldado Anônimo era um homem com uma TV no lugar da cabeça. No monitor eram exibidas frases e perguntas que interrogavam diretamente o espectador sobre suas certezas, valores e preconceitos. Dois anos depois, o Soldado Anônimo se transformou numa pequena tropa que ocupou as ruas durante a Copa do Mundo de futebol no Rio de Janeiro, com mensagens de conscientização contra a exploração sexual de crianças. O projeto ganhou vida própria e sua continuidade foi conquistada por meio de edital de financiamento da Fundação Childhood Brasil. O caráter experimental de vários projetos abre possibilidades de testar diferentes mídias, suportes e propostas de interação com o público. Já houve projeções mapeadas no teto, dentro de um aquário com água, em cima de pilhas elétricas, numa árvore de Natal de caixas de papelão e na parte externa de prédio. Já houve escada interativa que emitia sons ao ser pisada, palavras invertidas projetadas nos espelhos dos banheiros, estampas de camisetas que se animavam na tela de um celular, fotografias expostas em aros de bicicletas, salas de exposição às escuras exploradas com lanternas. Já houve grafite, cordel, rádio ao vivo, bateria que “toca” imagens, favela cenográfica, sons e cheiros de mar, de rua, de feira. É ideia que não tem fim.

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Acolhendo jovens e conhecendo suas aprendizagens

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Desafios da avaliação da aprendizagem em arte e tecnologia Na Oi Kabum! a avaliação é utilizada como um instrumento

de aprendizagem. Nas escolas do programa, não há provas nem testes e o aprendizado dos alunos não é medido simplesmente por meio de notas. Em vez de utilizar a avaliação para quantificar o aprendizado de seus alunos, as escolas do programa utilizam a avaliação para instigar uma visão crítica e uma busca pelo constante aperfeiçoamento. Na maior parte das vezes, a avaliação é realizada conjuntamente entre estudantes e educadores, por meio do diálogo. A prioridade é por um tipo de avaliação de cunho formativo em contraposição à ideia da avaliação como simples atribuição de notas. Essa perspectiva da avaliação já está indicada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394), de 1996, que prevê no 24° artigo que os aspectos qualitativos devem ser priorizados em relação aos quantitativos. Porém, a lógica classificatória prevalece nas escolas em geral. Avançar nas práticas avaliativas de caráter mais diagnóstico e formativo implica em desafios. É preciso investir na construção de processos, instrumentos e indicadores que traduzam e apreendam os resultados sobre as aprendizagens. Também é necessário encontrar estratégias interessantes para dar retorno sobre os resultados a estudantes e educadores. E, principalmente, garantir que esses resultados sejam referência para o aprimoramento das práticas educativas. Ainda que, de maneira geral, saibamos da importância de se programar tarefas avaliativas e de se separar tempo para a análise de atividades e para o retorno aos jovens dos resultados, na prática, esse é um processo difícil. E torna-se imprescindível garantir tempo

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para refletir criticamente sobre os resultados. O contexto do ensino em arte e tecnologia também amplia os desafios. Se práticas como a atribuição de notas já são um processo reducionista em outros campos, no que se refere à arte isso se complica ainda mais. É muito difícil expressar somente em números ou palavras os complexos resultados obtidos na produção artística. O que se observa em muitas escolas brasileiras é que, na maioria das vezes, a avaliação acaba por atender a critérios que são exclusivamente comportamentais, e não inclui questões que pertencem ao campo do trabalho artístico. O programa Oi Kabum!, em sintonia com o princípio da formação integral , busca contemplar, nos processos avaliativos, os diversos aspectos da aprendizagem. As escolas desenvolvem um conjunto de processos que acontecem em vários espaços, servem a diferentes métodos, atendem a propósitos específicos.

Alguns caminhos da avaliação nas escolas Oi Kabum!

Mais sobre formação integral na página (xx)

Reuniões entre educadores e os jovens ao final de cada ciclo formativo.

Produção de relatórios com registros de boas práticas de educadores.

Encontros de educadores para a avaliação das metodologias utilizadas e seus resultados.

Curadoria de projetos para exposições e portfólio.

Bancas orientadoras de projetos artísticos dos jovens. Utilização de registros dos itinerários formativos, tanto pelos educadores quanto pelos jovens, como, por exemplo, utilização de diários. Criação de banco de dados de informações sobre os jovens e seu percurso formativo com possibilidade de cruzamentos e múltiplas análises.

Encontros de orientação individual com cada jovem, voltados ao que foi desenvolvido e à avaliação de seu projeto de vida. Autoavaliação e avaliação do curso por parte dos estudantes. Autoavaliação dos educadores e equipe pedagógica. Avaliações externas, realizadas por especialistas externos à equipe da escola.

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Kairos como possibilidade de reinvenção do tempo pedagógico1 A palavra Kairos em grego significa “tempo oportuno” e, na

mitologia, está ligada ao conceito de tempo existencial, a uma ideia qualitativa de tempo. Inspirada por esse modo de conceber e experimentar o tempo, a escola Oi Kabum! Recife conseguiu resultados diferenciados na prática pedagógica da sua equipe com a integração, em um único instrumento, dos planejamentos de aulas e da avaliação processual e continuada. Batizado de Kairos, o instrumento foi concebido a partir das reflexões da equipe sobre a importância de planejar e de fazer dessa ação algo que transformasse o processo educativo, além de gerar dados para outros fins e públicos. Concentrar os registros e informações significativas sobre a relação educador(a)-educando(a), sobre a aprendizagem dos estudantes, sobre a aplicação de metodologias, sobre desafios verificados, produziu o salto qualitativo dos processos de planejamento e avaliação da equipe. A sugestão de unir os procedimentos surgiu de uma avaliação da escola feita com a mediação de consultoria externa, iniciativa que integra a rotina da Oi Kabum! Recife. Os consultores observaram que os educadores tinham práticas de planejamento consistentes, mas que nem sempre se revertiam em informação para o aprimoramento dos processos educativos, sobretudo porque o planejado e o executado eram registrados pelos educadores de maneira dispersa. Com o Kairos, o idealizado e o efetivamente desenvolvido com os jovens passou a ser melhor delineado e definido. A adoção da ferramenta pedagógica trouxe, portanto, um melhor aproveitamento do tempo de cada educador e educadora, na busca pela sintonia dos seus ritmos individuais e coletivos com o “tempo da escola”, suas dinâmicas, prazos e horas de trabalho. Trouxe ainda maior sinergia e aproximação, pela reflexão diária, entre educadores que atuam em duplas ou trios – formato muito comum na escola do Recife. No Kairos estão os campos de planejamento aula a aula, cuja atualização é feita diariamente pelos(as)

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1 Texto produzido a partir de entrevista com o educador Hugo de Lima, registros do projeto político-pedagógico da Oi Kabum! Recife e relatório de avaliação do ciclo de formação da escola 2008-2010.


educadores(as) que incorporam, a cada plano, as informações sobre o seu desenvolvimento. Após esse cruzamento cotidiano entre o previsto e o executado, as próximas aulas são replanejadas e novos caminhos e alternativas pensados. O Kairos fica disponível a todos os integrantes da equipe em uma plataforma virtual. Como os planejamentos dos encontros são organizados coletivamente, o instrumento, sendo único, possibilita que educadores compartilhem os aprendizados. Assim, as experiências de cada membro da equipe passaram a contribuir ainda mais com o desenvolvimento de todo o processo educativo. O educador Hugo de Lima conta que o Kairos dinamizou a rotina de planejamento dos educadores, pois eliminou o excesso de planilhas e contribuiu significativamente para a avaliação e a elaboração dos relatórios a cada final de eixo temático (ou ciclo formativo). Como o instrumento também é alimentado com dados individualizados sobre os jovens, a avaliação sobre o desenvolvimento de cada educando(a) começou a ser feita com visão cruzada, contemplando o olhar de todos os educadores, e, assim, ampliando as possibilidades de análise e de novas proposições educativas. Segundo Hugo, o Kairos como ferramenta pedagógica de planejamento, acompanhamento e avaliação oportunizou um espaço de integração e amadurecimento do trabalho da equipe e proporcionou outra maneira de experimentar o tempo do pensamento, da ação e da reelaboração pedagógica.

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Acompanhamento integral dos jovens: diálogos e aproximações para desenvolver projetos de vida2 Sandra Loureiro

Coordenadora pedagógica da escola Oi Kabum! Salvador

O currículo da escola Oi Kabum! Salvador articula

metodologias e conteúdos específicos que são voltados ao desenvolvimento pessoal e social dos jovens. A escola mantém em sua matriz curricular um componente focado nessa área de formação, que realiza com os estudantes discussões e reflexões sobre temas relevantes para o seu amadurecimento e posicionamento crítico no mundo. A proposta metodológica da escola de Salvador para a formação e acompanhamento dos projetos de vida dos jovens tem inspiração nas ideias de Margarida Serrão e Maria Clarice de Baleeiro (1999)3. As autoras defendem que o desenvolvimento pessoal e social dos educandos é mais significativo à medida que eles desenvolvem o autoconhecimento e melhoram a qualidade das relações com o outro e com os grupos dos quais fazem parte. É um processo no qual o jovem aprende sobre si mesmo e sobre o mundo. Essa abordagem educativa tem uma relação direta com os quatro pilares da aprendizagem contidos no relatório da Unesco, organizado por Jacques Delors (2003)3 e com os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio4, que respaldam uma educação comprometida com a cidadania, a igualdade de direitos, a participação e a corresponsabilidade pela vida social. O acompanhamento individualizado de cada educando também busca criar oportunidades para a conquista da autonomia, para estabelecer condições favoráveis à garantia de direitos e estimulá-lo a ser autor da própria vida. Nesse contexto, articulam-se as concepções pedagógicas de Paulo Freire (2002), que destaca a importância da educação para a autonomia, para a ressignificação da identidade e para o fortalecimento da dignidade do educando. A escola Oi Kabum! Salvador prioriza alguns temas, buscando gerar contextos propícios ao desenvolvimento

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2 O texto é baseado em documentos pedagógicos produzidos pela equipe da escola Oi Kabum! Salvador e da ONG Cipó Comunicação interativa. 3 Serrão, Margarida e Baleeiro, Maria Clarice. Aprendendo a ser e conviver. FTD, Salvador, 1999. 4 BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC,2000.

Referências Bibliográficas FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. (Coleção Leitura)


pessoal e social dos jovens nos componentes curriculares. São trabalhadas principalmente temáticas que emergem a partir de problemas reais, enfrentados pelos educandos na vida cotidiana. Por isso, é importante que o educador faça o diagnóstico das questões que são relevantes para as turmas, mediando os debates e estimulando a discussão e a reflexão. De modo geral os temas abordados incluem: identidade (pessoal, social, cultural), autoconfiança, autoestima, autonomia, infância e adolescência, saúde e vulnerabilidade, sexualidade e gênero, família, questões étnicas e raciais, mundo do trabalho, escola e projeto de vida. Também priorizam-se aspectos como: relações de grupo, substâncias psicoativas, segurança social, meio ambiente, ética e responsabilidade social, leitura crítica da mídia, atuação comunitária, participação social e política, garantia de direitos. Esses e outros temas são trabalhados a partir de uma perspectiva contextualizada, que visa estabelecer as ligações e as inter-relações com os diversos referenciais socioculturais presentes no cotidiano dos estudantes, ao mesmo tempo em que institui conexões com questões locais e globais.

Produzir em grupos Jovem aprende: Autoconhecimento

Fortalecimento do grupo O programa Oi Kabum! prioriza as relações de grupo e

desenvolve suas atividades no sentido de estimular o senso coletivo, o respeito mútuo, a participação e o compartilhamento de semelhanças e diferenças. Ao ingressar no processo formativo, o educando é convidado a criar vínculos e a construir relações para que possa experimentar a criação e a produção coletiva e colaborativa. A proposta parte da concepção de pertencimento e da percepção de que os jovens possuem algumas características, necessidades e inquietações em comum. Desse modo, desenvolve-se a

Autogestão Estabelecer vínculos Colaborar Fazer escolhas

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sensibilidade para o reconhecimento do outro como parceiro de jornada, através da qual, todos, em conjunto, irão se desenvolver. Um dos pontos altos do processo de fortalecimento do senso coletivo entre os estudantes é a construção das regras de convivência. A escola organiza a sua rotina em consenso com os jovens. Regras que são construídas coletivamente são mais fáceis de serem compreendidas e respeitadas. No processo, o grupo elabora e reflete sobre o porquê desses compromissos. À medida que a convivência em grupo se desenvolve, o educando tece elos mais profundos com os demais participantes, fortalecendo os processos de identificação, ampliando sua percepção acerca dos papéis que cada um exerce no grupo e sobre a forma como a dinâmica do grupo funciona. Essa compreensão o ajuda a construir uma visão mais clara sobre as relações que estabelece com esse grupo e também com outros dos quais participa.

Identidades e identificações As questões sobre identidade têm sido intensamente discutidas

no mundo contemporâneo. Observa-se que aspectos fundamentais como relações de gênero, classe, raça e etnia cada vez mais encontram-se deslocados dos lugares que costumavam ocupar, gerando novos referenciais e multiplicidade de possibilidades. As mudanças ocorrem rapidamente e os sujeitos são confrontados por novas e diversas representações sociais. Essas mudanças velozes desestabilizam e fragmentam o que era conhecido até então. Nesse contexto de grandes transformações, surgem novas identidades, mais complexas e mais variadas, que refletem os processos históricos e, por consequência, são provisórias e em permanente reconstrução. Grande parte dessas mudanças tem relação com a expansão das tecnologias, sobretudo as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Esse fenômeno é responsável por colocar em movimento uma crescente produção de mensagens e sentidos, por meio dos sistemas midiáticos existentes, que aproximam e funcionam como mobilizadores de interações sociais, valores, padrões de comportamento e modos de ser e viver, que trazem para o sujeito um universo a ser descoberto, mas também proporcionam um contexto onde se faz necessário o desenvolvimento da reflexão e da visão crítica.

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Educação por meio da arte e da tecnologia Jovem aprende: Leitura crítica do mundo. A se ver como agente de transformação de sua vida e de seu entorno. A reconhecer valores étnicos, éticos e referências culturais do seu grupo de origem ou região da cidade onde vive.


Em um processo educativo e, sobretudo, em um processo que inclui a educação por meio da arte e da tecnologia, o trabalho de formação e acompanhamento do educando precisa ser crítico, frente aos referenciais veiculados pelas mídias, que penetram de forma intensa nos movimentos da vida cotidiana, moldando identidades e identificações. Assim, no trabalho pedagógico, a leitura crítica da(s) mídia(s) tem fundamental importância para uma leitura crítica de mundo e dos papéis que os sujeitos ocupam. Essa proposta busca criar um ambiente no qual o educando possa aprofundar sua compreensão das relações e mediações que estruturam a cultura e a sociedade. Por meio dessa dinâmica, passa a questionar e procurar criticamente por respostas: quem sou? O que espero da vida? Quais os meus projetos? Aguça o olhar, a percepção e busca se conhecer e se reconhecer no mundo que o rodeia. As diversas possibilidades de respostas surgem e são partilhadas no grupo, no qual cada um se fortalece como sujeito e ator social. O processo educativo envolve estratégias diversas para estimular o protagonismo e a autonomia do sujeito enquanto agente transformador da sua própria vida e também do seu entorno. O objetivo é fazer com que o educando reflita sobre sua história, seus valores, experiências, dificuldades e potenciais. Uma das atividades propostas durante a formação é a construção da linha do tempo, com a história de vida, na qual o estudante assinala pontos relevantes, como o seu nascimento, suas origens, a infância, a entrada na escola. A partir dessa dinâmica, ele visualiza sua história pessoal, destacando as interações e relacionamentos que estabeleceu e vivenciou ao longo dos anos, as influências que teve e a forma como lidou com as situações que surgiram. Essa experiência pode apoiar o desenvolvimento de processos de autoconhecimento e criar as bases para projetos de vida. Assim, ao remeter à identidade e identificações pessoais, fala-se também de identidade social e cultural, pois quando o educando se debruça reflexivamente sobre sua história, lança também um olhar mais crítico sobre a realidade social, sobre seus espaços de convivência, sua comunidade e suas interações sociais, compreendendo a teia de relações socioculturais – em diálogo com valores éticos, étnicos e comunitários - de maneira mais ampla. O propósito é fomentar no educando o reconhecimento de suas origens e a valorização de suas raízes culturais e locais, para um melhor entendimento das potencialidades e dificuldades. 147


Família A família é o grupo social no qual ocorrem as

primeiras experiências e influências. O trabalho com desenvolvimento pessoal e social na Oi Kabum! tem como prioridade refletir com o educando sobre a estrutura e o significado da família na vida do jovem. As atividades com esse tema tentam construir outros significados para as relações familiares e, em alguns casos, estimular a retomada dos vínculos, da afetividade e do diálogo entre membros de uma família. O processo formativo com base nessas reflexões envolve a realização de encontros de famílias, para que os pais e responsáveis pelos estudantes possam se aproximar da escola Oi Kabum! e conhecer melhor o trabalho desenvolvido. Entre outros resultados, esses encontros proporcionam aos familiares o reconhecimento de que os jovens são capazes de criar e realizar projetos de relevância social e cultural, além de se prepararem para a vida e para o mundo do trabalho. Os encontros de famílias acontecem com a mediação da coordenação pedagógica e dos educadores, contando frequentemente com a participação de diversos especialistas em áreas de interesse do programa educativo. Durante os encontros são realizadas atividades formativas para os familiares, para que conheçam melhor as propostas da escola e possam refletir sobre os contextos relacionados à formação e aos projetos de vida dos jovens. Quando necessário, os familiares são convidados para conversas individuais, nas quais são discutidas algumas questões mais complexas, com o objetivo de mediar os conflitos e tentar encontrar soluções conjuntas.

Acompanhamento familiar Jovem aprende: A compreender sua estrutura familiar e os papéis de cada um na família. A refletir e relacionar as situações pessoais com a sua formação.

Escola de ensino médio A escola onde o educando cursa o ensino médio representa

outro grupo social relevante. Um dos pontos trabalhados é o reconhecimento de que a escola se configura como um importante espaço de interação, de troca de experiências e construção de conhecimentos. Os educadores realizam o acompanhamento do desempenho escolar do jovem e buscam estimulá-lo a atuar como elemento transformador da escola pública. Nesse sentido, são realizadas atividades para tornar propostas em ações de intervenção nas escolas,

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Acompanhamento escolar Jovem aprende: A relacionar os estudos na Oi Kabum! com o curso de ensino médio. A se ver e atuar como agente de transformação da sua escola de ensino médio.


que ocorrem por meio de iniciativas próprias e de projetos especiais com a Oi Kabum!, como o projeto Oficinas nas Escolas, atavés do qual os jovens planejam e desenvolvem oficinas de arte e tecnologia nas escolas públicas.

Projeto de Vida O programa Oi Kabum! propõe ao jovem reflexões sobre sua

vida no futuro e sobre o que pretende fazer para realizar seus objetivos, a partir de sua condição atual. Esse processo envolve pensar sobre seus “sonhos” e desenvolver um planejamento de ações para alcançá-los. Um aspecto fundamental trabalhado no âmbito do projeto de vida é a resiliência, que significa a capacidade de resistir às pressões, lidar com os problemas e superar adversidades. Durante as atividades, o jovem discute não apenas as suas dificuldades, mas reflete sobre o contexto maior, e compreende que, muitas vezes, suas questões também são as dos outros. Essa abordagem permite que os educandos percebam que um projeto de vida tem relação com o coletivo e que é importante criar estratégias para encontrar soluções conjuntas, transformar a realidade e concretizar seus projetos pessoais e coletivos.

Acompanhamento e formação para o desenvolvimento pessoal e social de jovens

Debates sobre temas: Assuntos que emergem de problemas reais e cotidianos dos jovens.

Fortalecimento do senso coletivo entre os jovens: Produzir em grupo e criar regras de convivência.

Reflexões sobre identidades: Revisão da história de vida e fomento à leitura crítica de mundo e dos papéis que os sujeitos ocupam.

Acompanhamento familiar: Entrevistas individuais e encontros formativos para os familiares.

Fortalecimento da relação com o curso de ensino médio: Acompanhamento escolar do jovem e desenvolvimento pelos estudantes de projetos de intervenção em suas escolas de ensino formal.

Desenvolvimento de projeto de vida: Jovem desenvolve um plano de ação detalhado, identificando o que, quando, onde e como proceder para alcançar suas metas e objetivos.

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Acolhimento, olhar crítico e ação libertadora Monique Evelle

Ex- estudante da escola Oi Kabum! Salvador

Fui aluna da escola Oi Kabum de Salvador e hoje sou estudante do bacharelado interdisciplinar em humanidades, com ênfase em Política e Gestão da Cultura, na Universidade Federal da Bahia. Sou também idealizadora do projeto Desabafo Social5 e facilitadora de oficinas na região Nordeste, da Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadores. Independentemente do que eu faça ou venha a realizar, ser egressa da Oi Kabum! Salvador é uma marca que vou carregar sempre comigo. Desde o início, no momento da seleção, já me senti acolhida e parte daquilo tudo, mesmo sem saber ainda o que viria pela frente. Lá, eu pude experimentar diferentes linguagens, tais como fotografia, vídeo, computação gráfica e design, de uma forma libertadora e crítica. Eu aprendi a aprender, a agir, a colaborar e a compartilhar, utilizando diversas ferramentas da comunicação nas práticas educativas. Em cada saída fotográfica, cada museu visitado, cada ida ao cinema e em todas as ruas, praças e bairros percorridos nesses trajetos, fazíamos novas descobertas e vivenciávamos novas experiências. Uma mistura entre a técnica e a prática, entre o saber formal e o informal, científico e popular. Daí, foi possível compreender a importância dos espaços e das atividades informais de convivência, do uso da linguagem adequada e da utilização de termos e vocábulos de fácil entendimento, criando espaços com grande potencial para a produção e a construção do conhecimento. Na Oi Kabum!, a interdisciplinaridade dos saberes populares e técnicos é feita como uma forma de promover e desenvolver o conhecimento. Palestras, Batebokabum6 e outros espaços para debates de temas importantes

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5 Projeto social que desenvolve oficinas de comunicação e cultura com foco na infância e na juventude 6 Batebokabum é o nome dado à iniciativa da Oi Kabum! Salvador que reúne periodicamente os estudantes da escola e convidados em uma roda de debate sobre temas diversos.

Mais sobre o projeto Desabafo.


foram alguns dos momentos em que construímos pontes de diálogos entre diferentes públicos. Momentos que nos estimulavam e nos instigavam a curiosidade, que nos faziam questionar o ser e o estar no mundo, que nos mostraram diversas possibilidades de intervenções e interpretações sobre um mesmo assunto, garantindo a aprendizagem interdisciplinar. A Oi Kabum! é um exemplo de uma experiência exitosa de empoderamento dos jovens. A metodologia utilizada na escola desenvolve a autonomia e o senso crítico de cada jovem, pois existe o respeito e a valorização da cultura e dos saberes de cada um. Olhando para trás, consigo ver que o ambiente propiciado pela escola, nos moldes da metodologia Paulo Freire, dava condições para que nós, alunos, em nossas relações com os professores, pudéssemos nos perceber como um ser social, autônomo e capaz de realizar as mais diversas criações e transformações. Na Oi Kabum! nos são apresentadas diversas possibilidades de ação e interpretação sobre um mesmo assunto, levando à autonomia de pensamento e ação. Nos processos educativos da escola, fica clara a relação existente entre educação, comunicação e direito: a educação e a comunicação como direitos em si e também como ferramentas capazes de garantir diversos outros direitos. Talvez, por isso, quando nos formamos, é difícil cortar o vínculo com a Oi Kabum!, e digo isso por experiência própria. Esta escola é um exemplo que rompe com um modelo antiquado, pois possui educadores que compreendem a importância de se atualizar para garantir a autonomia dos alunos. Isso é lindo! É como todas as escolas deveriam ser.

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Geração de oportunidades produtivas para os jovens 155


O desafio de conciliar educação, trabalho e projetos juvenis A atividade laboral tem centralidade para a vida nas

sociedades contemporâneas, circunscrevendo a autoidentificação da maioria dos indivíduos. Existe a tendência de definir as pessoas pela função ou profissão que elas desempenham. Não é por acaso que uma das primeiras perguntas feitas, quando conhecemos outra pessoa, é: você faz o quê? Antes mesmo de perguntar sobre as preferências, gostos e hábitos, queremos saber qual é o trabalho desse indivíduo que acabamos de conhecer. Por vezes, o trabalho deixa de ser um meio de obter recursos para determinados fins e passa a ser um fim em si mesmo. E para os jovens não é diferente.

O trabalho não só garante as necessidades de sobrevivência, mas é também um meio de se sentir pertencente a um ethos 1 juvenil. Alguns estudiosos da juventude2 chamam atenção para o fato de que o pertencimento dos jovens em seus grupos é ditado por costumes e hábitos, tais como namorar, acessar lazer e entretenimento, estar na moda e consumir diferentes bens materiais. Grande parte dessas atividades depende do consumo, e o trabalho possibilita ao jovem o dinheiro necessário para realizá-las, tomar decisões e fazer escolhas sobre sua vida.

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1 Ethos significa um conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições, afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou região. 2 Entre eles destacamos os pesquisadores Regina Sposito, Helena Abramo e Juarez Dayrel.


No caso da juventude popular urbana, o sentimento de inclusão social não é garantido apenas pelo fato de estar ou não no mundo do trabalho. É fundamental considerar as condições, a qualidade e o tipo de relação que o jovem estabelece com o trabalho encontrado. As desigualdades e hierarquizações sociais que se materializam no mercado de trabalho, também estão refletidas nos sistemas de ensino profissionalizante. Para os jovens de famílias com nível de renda alto, geralmente se destina a formação geral, propedêutica3, que tem como nível de conclusão o ensino superior. Para os jovens de famílias de baixa renda, a alternativa mais comum é a educação profissional de nível médio, um ensino que, muitas vezes, prioriza apenas a dimensão técnica, excluindo a dimensão intelectual do trabalho. Nesse último caso, aprender uma profissão se relaciona apenas a dominar um conjunto de técnicas restritas e submetidas a um posto de trabalho. Trabalhadores jovens, e também adultos, são formados exclusivamente para desempenhar tarefas e funções específicas. Trata-se de uma concepção de educação profissional na qual o trabalho manual está separado do intelectual, o que reproduz e mantém as hierarquias das categorias profissionais.

3 Conjunto de estudos nas áreas humana e científica que precede, como fase preparatória e indispensável, os cursos superiores de especialização profissional ou intelectual.

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Proposta formativa para o mundo do trabalho Um projeto educativo que propõe a profissionalização dos jovens pelo viés da formação integral, precisa também partir de uma concepção mais integral sobre o trabalho. Assim o programa Oi Kabum! busca superar as limitações do ensino profissionalizante tradicional, oferecendo uma formação que vai além da capacitação técnica restrita a determinada função. O desenvolvimento técnico e artístico dos jovens torna-se um caminho para a concretização de uma formação que integra múltiplas dimensões, voltada para o desenvolvimento pleno dos estudantes. A expressão artística incentiva e amplia a capacidade de leitura crítica do mundo pelos jovens, criando condições para que eles possam escolher profissões e se posicionar de forma mais positiva frente às questões laborais. Os estudantes vivenciam um processo formativo pautado no respeito a si mesmos e aos outros, no diálogo, na superação do individualismo, no reconhecimento das diferenças.

Eixos de a tuação do Núcleo de Produção

Suporte ao jovem empreendedor

Editais externos

Periodicamente, são promovidas O Núcleo de Produção oferece pela escola ações em forma de oficinas, apoio, orientação e suporte para encontros, palestras e workshops, que os jovens possam se inscrever que abordam aspectos relacionados à em processos seletivos e outras dimensão social do mundo do trabalho. linhas de fomento a trabalhos Sob o viés prático, promove a articulação Editais internos artísticos e culturais. Com o entre a vida profissional e os projetos apoio da escola, os estudantes de vida dos jovens. Temas como gestão As escolas Oi Kabum! promovem participam de festivais, exposições de processos, captação de recursos, editais de seleção para projetos e eventos culturais. análise de custos, prospecção, confecção autorais dos estudantes. de orçamentos, prestação de contas, Os projetos selecionados atendimento ao cliente, entre outros, podem utilizar a estrutura física, fazem parte do dia a dia dos estudantes equipamentos e recursos materiais no Núcleo de Produção. das unidades escolares e ainda receber um aporte financeiro para viabilizar a execução dos trabalhos artísticos e sociais.

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Prestação de serviços Jovens prestam serviços a empresas tais como, produção e edição de vídeo, cobertura fotográfica, produção gráfica, web design, entre outros. O Núcleo de Produção recebe demandas espontâneas de empresas, mas as escolas também buscam fazer mapeamento de oportunidades e estabelecer parcerias, de forma a ampliar as possibilidades de experimentações e geração de renda pelos jovens.


Formação para o mundo do trabalho

o ho com T r a ba l ivo t a io educ princíp

Formação integral

Produção artística autoral dos jovens

Leitura crítica do mundo e do mercado de trabalho

Resultados esperados

Contribuição para superar as limitações do ensino profissionalizante tradicional, oferecendo formação que vai além da capacitação técnica restrita a determinada função. Promoção de uma visão integrada da realidade e com condições de afirmar identidades mais positivas. Orientação e criação de oportunidades para que projetos pessoais e profissionais dos jovens se realizem. Diálogo e integração com mercado de trabalho formal, e também a criação de possibilidades produtivas alternativas.

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Dessa forma, os jovens podem também compreender as desigualdades sociais, de gênero, de geração e de acesso a postos de trabalho. O conhecimento intelectual, técnico e a produção laboral pela via da cultura são indissociáveis no contexto das escolas Oi Kabum!. O trabalho é, dessa forma, um princípio educativo do programa. Busca-se desenvolver uma visão integrada da realidade, que possibilite aos estudantes o enfrentamento crítico dos desafios gerados pela vida social e, também, pelas formas de trabalho na sociedade. Ou seja, a educação integral prevê que as demandas e projetos pessoais e profissionais de cada jovem possam emergir e se realizar. A formação dos jovens não enfatiza exclusivamente a empregabilidade, até porque tal inserção é complexa e atravessada por uma série de variáveis. Mais do que a integração com o mercado formal já existente, o programa procura levar os jovens a dialogar com o mundo do trabalho, em um movimento crítico e criativo.

Núcleo de Produção: incubadora de projetos e oportunidades Após os meses de formação básica, os estudantes da Oi Kabum! podem fazer a opção pela continuidade dos estudos e ingressar no Núcleo de Produção, um espaço formativo voltado ao mundo do trabalho e ao empreendedorismo. O Núcleo oferece a possibilidade de os jovens aprofundarem seus estudos de forma autônoma e de terem experiências profissionais com o acompanhamento de um educador. Participar do Núcleo de Produção é uma escolha voluntária do estudante. As escolas organizam um processo seletivo que leva em consideração, principalmente, a trajetória estudantil de cada interessado. Os estudantes são estimulados a desenvolver projetos autorais e fazem prestação de serviços a empresas e instituições do terceiro setor ou comunitárias. Por meio do Núcleo de Produção, as escolas buscam criar oportunidades para que os estudantes gerem algum tipo de renda. Em muitos casos, é nesse espaço que eles vivenciam a sua primeira experiência profissional. O estímulo à prestação de serviço visa à complementação da formação dos estudantes

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Transcriação Nas últimas edições do Prêmio Portugal Telecom, jovens do programa Oi Kabum! realizaram pequenos vídeos baseados nos livros selecionados pela curadoria. O trabalho para a produção desses vídeos é fundamentado na experimentação de técnicas de transcriação, em que os jovens são estimulados a interpretar e traduzir os livros em vídeos ou animações. As peças audiovisuais são chamadas de book trailers, vídeos de curta duração que são disponibilizados na internet com o intuito de contribuir para o processo de formação de leitores, especialmente entre o público juvenil. Os jovens da Oi Kabum! também promovem círculos de leitura e realizam oficinas de transcriação literária, envolvendo estudantes ou jovens egressos do ensino médio da rede pública do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Salvador. Todos os alunos do programa que se envolvem neste processo são remunerados pela organização do Prêmio.

Mais sobre o Prêmio Portugal Telecom

Conheça os book traillers


por meio de vivências práticas, porém, sem permitir que essa dinâmica se transforme em oferecimento de mão de obra barata ao mercado. Assim, os jovens recebem formação e orientação para transformar essas experiências em aprendizagem.

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Editais de projetos: selecionando ideias, editando arte e vida Jean Cardoso

Coordenador do Núcleo de Produção da escola Oi Kabum! Salvador

Em 2006, logo após a conclusão da primeira turma de

estudantes na etapa de formação básica da Oi Kabum! Salvador, foi criado o Núcleo de Produção da escola. O programa formativo foi fortemente inspirado nos avanços das políticas juvenis nacionais e de governos estaduais e municipais4 brasileiros. A escola inovou, abrindo editais de seleção de projetos artísticos de autoria dos estudantes. A iniciativa se tornou referência para a Oi Kabum! e passou a ser replicada por todas as escolas do programa. A Escola de Arte e Tecnologia Oi Kabum! Salvador foi aberta em 2004. No ano seguinte à fundação, a lei federal de n° 11.129 criou o Conselho Nacional da Juventude (Conjuve)5 e a Secretaria Nacional de Juventude. Ainda em 2005, foi implementada a Política Nacional de Juventude (PNJ)6, que abrange temas como educação, mundo do trabalho, participação social, esporte, lazer, cultura e tecnologia. Esses avanços nas políticas públicas mudaram as oportunidades para a juventude brasileira e o olhar sobre ela. A iniciativa dos editais de seleção de projetos se fundamenta na garantia dos direitos juvenis e na aposta em suas capacidades produtivas. Essa foi uma das primeiras experiências no Brasil que ofereceu aporte financeiro diretamente aos jovens. Os editais são formulados nos moldes de leis de incentivo à cultura, o que possibilita aos estudantes uma experiência bem similar às do mercado cultural no país, que têm nesse mecanismo de incentivo um eixo de financiamento importante. A escola Oi Kabum! Salvador já promoveu quatro editais de projetos. A cada ano é organizada uma edição com temática distinta e que propõe novos desafios para os jovens. Os estudantes desenvolvem seus projetos ao longo de seis meses. Nesse período, participam de oficinas de elaboração de projetos e orçamentos, aprofundam-se em questões técnicas e produzem suas obras. Ao final, a escola promove uma exposição artística com o resultado de todos os projetos apoiados pelo edital. 162

4 Vale destacar o programa Vai, criado em 2003, no município de São Paulo. Foi a primeira lei de incentivo à cultura voltada à juventude urbana e que inovou, repassando recursos financeiros a fundo perdido para os projetos juvenis selecionados. 5 www.juventude.gov.br

6 Mais sobre a Política Nacional de Juventude


Gambiarras, sensores, interatividade: a cara da produção artística dos jovens Ano após ano, as obras artísticas produzidas pelos jovens, através dos editais, foram ganhando em complexidade e em experimentação com linguagens. Por meio dos editais, os jovens já discutiram temáticas ligadas aos direitos humanos, denunciaram preconceitos, mostraram seus sonhos e desejos. A produção juvenil revela um olhar próprio dos jovens sobre os temas e, nas três últimas versões dos editais, os jovens trouxeram principalmente uma marca comum em suas obras: a interatividade. Essa mudança do perfil dos editais não foi por acaso e traduz a abordagem sobre a arte e a tecnologia que é priorizada pelo programa, articulando o hi tech e o low tech como um princípio pedagógico. A equipe de educadores do Núcleo de Produção de Salvador promoveu várias oficinas com artistas que desenvolviam projetos com arte e alta tecnologia e que traziam uma discussão sociopolítica sobre questões contemporâneas, inclusive sobre o uso de alta tecnologia. A convivência dos estudantes com esses artistas impulsionou novos rumos para a produção dos jovens. E a escola potencializou essa experiência, introduzindo mais fortemente programas de software livre7, projetos com metarreciclagem8, conceitos como “faça você mesmo” (do it yourself), propondo intervenções urbanas. Aliado à interatividade e à alta tecnologia, um dos conceitos mais usados nos projetos dos jovens, e que tem um caráter político, social e cultural forte, é a gambiarra, que se articula fortemente com a identidade baiana. Quem anda pelas ruas de Salvador está rodeado desses objetos criativos, utilizados por ambulantes vendedores de café, vendedores de taboca9, vendedores de pipoca, vendedores de DVDs e CDs. A gambiarra explorada como recurso para a expressão artística envolve improvisação e inventividade por meio de recombinação tecnológica e articulação de novos sentidos para os objetos. No caso da produção artística juvenil, através dos editais, esses significados muitas vezes dialogam com a realidade local dos estudantes. O lixo eletrônico é um problema do mundo contemporâneo que artistas, coletivos culturais, ativistas

Mais sobre o hi tech e low tech na página xx. 7 Software que permite adaptações ou modificações em seu código de forma espontânea, ou seja, sem que haja a necessidade de solicitar permissão ao seu proprietário para modificá-lo. 8 Metrarrecilagem envolve o desenvolvimento de ações de apropriação e desconstrução de tecnologia, de maneira descentralizada e aberta, propondo uma transformação social. 9 Taboca é um tipo de biscoito feito com casquinha de sorvete, bem fininha, vendida em formato de canudinho.

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ambientais e projetos sociais estão transformando em arte com o conceito de metarreciclagem. Cada vez mais se vê na arte contemporânea obras usando materiais recicláveis com dispositivos eletrônicos, muitas delas feitas com programas de software livres e que são, geralmente, instalações interativas. A metarreciclagem foi fundamental para a criação de gambiarras eletrônicas pelos jovens nos seus projetos. A construção coletiva é uma característica importante do fazer das gambiarras, pois reflete um processo artístico mais humano, mais compartilhado. Com isso, o uso das tecnologias pode ser repensado, além da melhor maneira de uso dos equipamentos, desconstruindo o que o mercado dita. As produções interativas dos projetos dos jovens via gambiarra se conectaram com a periferia, e tanto foram produzidas de forma colaborativa, como se conectaram a outras iniciativas sociais também colaborativas, o que gerou mais valor social para as obras.

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LabKabum! Recife: espaço de produção e pesquisa em arte e tecnologia Moisés Barreto

Ex-assessor pedagógico da escola Oi Kabum!

Michela Albuquerque e João Lin

Coordenadores da escola Oi Kabum! Recife

Oi Kabum! Recife já havia desenvolvido diversas atividades para fortalecer e ampliar a reflexão e a produção em arte e tecnologia na Escola. Residências artísticas, seminários, cursos que indicaram a importância de se configurar um espaço focado na geração de oportunidades de produção experimental para jovens e equipe. Temas como sonoridade e sinestesia, ambientes imersivos, cultura digital, corpo e performance, coletivos de arte e tecnologia, intervenções urbanas, mobilidade digital e internet das coisas10 mobilizaram o interesse das turmas de jovens. A pesquisa e a produção em arte e tecnologia estão cada vez mais integradas ao currículo da escola e essa forte conexão mostrou a importância de se formalizar um espaço para a experimentação e a investigação artística e tecnológica. Assim o LabKabum! é fruto de uma série de investimentos da escola, através de ações intencionais e estruturadas para fortalecer a pesquisa, a produção e a disseminação de conhecimento no âmbito da instituição. Enquanto metáfora e campo de ação, o LabKabum! se propõe a ser um espaço-tempo de construção de aprendizagens pela práxis que orbita nos campos das tecnologias digitais, da arte contemporânea, da robótica, da transdisciplinaridade aplicada em processos objetivos de criação em arte e tecnologia. O laboratório visa a exploração dos potenciais estéticos e criativos que o campo da arte contemporânea possibilita, através de aparatos low e high tech, computação física, internet das coisas, artesanias analógico-digitais, o uso de softwares livres e de códigos abertos para a construção coletiva de obras de arte, dispositivos, metodologias

Mais sobre o Labkabum! Recife

10 A internet das coisas se refere a uma revolução tecnológica que tem como objetivo conectar os itens usados no dia a dia à rede mundial de computadores.

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interativas e ambientes imersivos, percebendo a ação hacker como uma possibilidade de protagonismo real dentro e fora da web. O LabKabum!, nessa perspectiva, é um centro irradiador de pesquisa, produção e disseminação em arte e tecnologia da Oi Kabum! Recife. As atividades do LabKabum! acontecem em diálogo com o currículo da escola. Busca-se ainda uma interação orgânica e de aprendizagens recíprocas dos(as) jovens de cada turma em curso e dos integrantes do Núcleo de Produção com estudantes egressos da Oi Kabum! Recife, parceiros nas comunidades em que a escola atua, artistas e educadores(as), além de alguns convidados(as). O paradigma transdisciplinar é uma das bases conceituais e epistemológicas do LabKabum!, cujas experiências permitem aprofundar conteúdos e fazer descobertas, como uma ação em laboratório proporciona: pesquisa, experimentação, fomento, reflexão e partilha. As frentes de trabalho que estão sendo tocadas pela equipe pedagógica da escola transitam por campos inter e transdisciplinares, criando um contexto dinâmico da pesquisa-ação. A afinidade com a transdisciplinaridade se dá pela própria proposta de hibridizar linguagens, fundir campos/ técnicas e suportes dinâmicos de ordem conceitual e prática no campo da arte e da tecnologia, possibilitando a síntese de novas experiências discursivas e estéticas, que geram culminâncias de aprendizagem - sistematizadas em obras nas quais as fronteiras de linguagens, formatos e suportes são tênues e interpenetradas. Uma instalação, por exemplo, dialoga com sensores de presença, códigos abertos, design de interação, mapas mentais e espaços populares num todo dinâmico, coeso e interfacial, que necessariamente requer uma percepção transdisciplinar, recombinante e sinestésica. O que chamamos de fenômenos de consciência, processos de aprendizagem criativa, capacidade de encontrar soluções e formas de interagir na realidade, são de natureza transdisciplinar. O fato de imaginar e projetar um simples artefato, bem como materializá-lo, é um complexo processo de natureza transdisciplinar

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Laboratório de tecnologias e novas mídias da Oi Kabum! Belo Horizonte A escola Oi Kabum! Belo Horizonte tem um laboratório de experimentação tecnológica voltado para a produção de conhecimento e a criação de tecnologias digitais. A proposta é que o espaço funcione como um centro para pesquisa e desenvolvimento de softwares, aplicativos, jogos e sistemas interativos.


OBJETIVOS DO LABKABUM!

Produzir obras de arte e tecnologia com foco educativo e estético-político. Criar metodologias imersivas, criativas e experimentais em educação e sistematização de conhecimento e memórias. Pesquisar, fomentar, criar e disseminar conhecimentos e práticas no campo da arte e da tecnologia.

Conheça a Mostra Impulse

Mais sobre tutoriais

Produzir tutoriais para a construção de obras de arte e tecnologia criadas e desenvolvidas na escola, para serem partilhados, livre e solidariamente, com educadores(as), artistas e estudantes. Realizar intercâmbios com universidades e outros espaços de pesquisa, produção e disseminação

de arte e tecnologia, visando aprendizagens recíprocas. Promover palestras, oficinas, intercâmbios em eventos de educação, arte e tecnologia. Atuar nas comunidades junto à juventude popular urbana, estimulando a criação e a disseminação de obras de arte e tecnologia, que dialoguem com as realidades e aspirações estéticas, políticas, sociais e comunitárias dos(as) jovens. Realizar mostras itinerantes, intervenções em espaços educativos, comunitários ou participar de eventos nacionais e internacionais de arte e tecnologia.

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Intercâmbios com o mundo do trabalho André Luiz Ferreira

Educador da Oi Kabum! Salvador

“A escola Oi Kabum! e tudo o que fazemos aqui são um sonho realizado . T rabalhar com criação e poder pagar as contas com isso foi o que eu sempre quis .

Além disso, é muito bom conhecer pessoas com visões tão diferentes .” F ilipe Gonçalves, estudante

O Núcleo de Produção da escola Oi Kabum! Salvador criou uma estratégia de aproximação com o mercado de trabalho formal, que vem colaborando com os dois pontos destacados pelo estudante Filipe: gerar renda e conhecer pessoas e cenários profissionais com visões diferentes. A escola mobiliza empresas e profissionais liberais que atuam em áreas que se cruzam com a formação técnica que é oferecida aos jovens. Os estudantes têm a oportunidade de acompanhar os processos produtivos em ambientes de trabalho formais durante uma semana. Eles cumprem uma jornada diária de quatro horas. Os profissionais são sensibilizados pela equipe de educadores da Oi Kabum! para que possam compreender a proposta educativa e exercer da melhor maneira o papel de orientadores dos jovens. Após essa semana, o jovem é avaliado pelos educadores da escola e pelos profissionais. O estudante também avalia a empresa e se avalia. A semana de vivência no mundo do trabalho tem a importância de aproximar os estudantes de processos produtivos diferenciados do que eles têm contato no seu cotidiano escolar. Além disso, é uma oportunidade para conviverem com profissionais que não têm o perfil de educadores, o que exige do jovem o exercício mais intenso

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da autonomia, do dinamismo e da proatividade. O período do intercâmbio é curto, mas oferece referências sobre o trabalho formal e a dinâmica das áreas profissionais de interesse dos estudantes. Muitos jovens, após a experiência, percebem que idealizavam determinada profissão ou confirmam alguma vocação. Todas essas percepções são trabalhadas em reuniões e oficinas de forma intencional pelos educadores da escola. A partir desse processo, os jovens reformulam seus projetos de vida e podem traçar planos profissionais mais conectados com suas habilidades e com a realidade do mundo do trabalho. As empresas e profissionais que recebem os estudantes têm demonstrado um maior interesse em dar continuidade ao intercâmbio. Alguns jovens são convidados a prorrogarem o período de vivência ou a participarem de processos seletivos para a ocupação de cargos dentro das empresas. Mesmo as empresas que não realizaram processo seletivo, fizeram questão de receber o currículo e o portfólio dos jovens para futuras oportunidades de

Resultados da vivência no mundo do trabalho Aproximação dos jovens com as empresas e profissionais da área de arte e tecnologia. Experiência que inspira e contribui com a reorganização do projeto de vida dos estudantes. Ampliação da rede de contatos com o mundo do trabalho. Percepção positiva do mercado formal sobre os estudantes da escola Oi Kabum!.

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Núcleo de Produção e suas contribuições para as trajetórias profissionais de jovens Warley Fabiano Santos

Educador da escola Oi Kabum! Belo Horizonte

Atuo como educador do curso de artes visuais e do Núcleo de Produção da escola Oi Kabum! Belo Horizonte. Há anos eu era um jovem artista em busca de colocação profissional e me defrontava com desafios semelhantes aos enfrentados pelos estudantes da escola hoje em dia. Sabemos que o programa Oi Kabum propõe a formação técnica do jovem como um caminho para a sua formação integral. Nem todos os jovens terão a carreira artística ou o trabalho com a tecnologia como meta profissional, ainda que as habilidades conquistadas por meio da experiência produtiva nesse ambiente escolar sejam decisivas para qualquer profissão na contemporaneidade. Compartilharei aqui algumas reflexões sobre resultados que observei acompanhando a trajetória de jovens que decidem ingressar no Núcleo de Produção da escola. Ao longo de minha trajetória, pude perceber que o Núcleo de Produção da Oi Kabum! é capaz de auxiliar em alguns conflitos que os jovens vivenciam com os familiares. Existe uma tendência das famílias dos estudantes em apostar no trabalho com a carteira assinada como a única alternativa para a segurança financeira. Nos casos mais extremos, essa pressão familiar faz com que o jovem abandone a escola para buscar um emprego. Como o Núcleo de Produção cria oportunidades de geração de renda para os jovens, os estudantes conseguem negociar o apoio para investir por mais um tempo nos seus estudos e desenvolver de forma mais planejada seu projeto profissional. Essa é uma importante conquista que ocorre graças ao Núcleo de Produção. A primeira que destaco. Poder adiar o ingresso no mercado de trabalho formal muitas vezes significa uma vantagem para o jovem, que pode fazer posteriormente escolhas mais planejadas e, por isso, melhores.

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Aprofundar estudos

escolhas profissionais mais planejadas


Em 2012, por exemplo, a escola foi procurada pelo Projeto Cinema no Rio, que há anos realiza exibições de cinema e oficinas nas comunidades localizadas ao longo do Rio São Francisco. A organização do evento buscava um profissional que pudesse auxiliar na produção e edição de vídeos, assim como na realização de oficinas de produção audiovisual. A escola Oi Kabum! Belo Horizonte intermediou o processo seletivo, indicando dois jovens egressos do programa que poderiam ter o perfil desejado pelo parceiro. A produtora realizou as entrevistas e uma jovem foi selecionada para participar do projeto, sendo posteriormente contratada para um período de experiência. Depois desse primeiro relacionamento bem sucedido, a produtora audiovisual Cinear procurou a escola com interesse em contratar outros jovens. Acompanhei casos como esse, em que os jovens tiveram sua primeira experiência profissional orientada, e comprovei como isso ampliou as chances de continuidade efetiva no mercado de trabalho. Essa é a segunda contribuição concreta do Núcleo de Produção que destaco. Para elencar outros resultados e desenvolvimentos significativos gerados pelo processo formativo do Núcleo de Produção, escolho contar a história da Sara Silva. É uma jovem artista de Belo Horizonte, que foi estudante da Escola Oi Kabum! BH. A trajetória da ex-estudante exemplifica alguns processos de diálogo dos jovens com o mercado formal, as estratégias alternativas que são criadas por eles e os tipos de enredamento que essas estratégias oportunizam e que contribuem significativamente para a sustentabilidade dos jovens artistas.

Experiência profissional orientada mais chances de acessar oportunidades e permanecer no mercado de trabalho

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Sara e a arte de escrever sua própria vida profissional Sara tem 25 anos e cursou vídeo na primeira turma da

escola Oi Kabum!. Ela mora com a mãe, aposentada, e mais dois irmãos. Não vê o pai, caminhoneiro, desde os seus 10 anos de idade. Ela é a última de uma família de três filhos. A trajetória de Sara é marcada por um processo conturbado de escolarização. Aos 12 anos, interrompeu os estudos. Voltou a estudar alguns anos depois, cumpriu até a sétima série e parou novamente. Para Sara, não havia mais sentido estar na escola. O gosto da jovem pela produção de texto se deu logo na infância, quando, aos nove anos de idade, montou, com a ajuda da mãe, um escritório, na garagem de sua casa, para que pudesse escrever novelas. Tempos depois, aos 15 anos, Sara buscou um lugar no qual pudesse cursar cinema. Nessa busca, encontrou a escola Oi Kabum!. No entanto, para ingressar no curso, ela teve que voltar a cursar o ensino médio. Voltar a estudar e ao mesmo tempo frequentar uma escola como a Oi Kabum!, que estimula o pensamento crítico, são duas conquistas que Sara destaca como decisivas para as suas escolhas profissionais atuais. Outro aspecto que chamou a atenção de Sara está associado aos aprendizados que não eram diretamente relacionados à formação em vídeo, que posteriormente possibilitaram a ela a construção de trabalhos híbridos, que mesclam mais de uma linguagem. Um exemplo é o seu trabalho de livro-objeto, produzido ao longo do ano de 2010. O trabalho mistura a literatura e as artes plásticas em 24 livros feitos com a utilização de inúmeras técnicas e materiais, do papel comum a placas de metal enferrujadas. Sua passagem pela instituição também proporcionou a fundação de um coletivo juvenil, denominado Poesiak, grupo que promovia e discutia questões relacionadas a intervenções artísticas no espaço urbano. Para ela, o fato dos participantes estarem na Oi Kabum! mantinha o grupo unido, pois a escola representava um ponto de encontro, um local no qual eles podiam se encontrar com frequência.

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Atualmente, Sara trabalha como freelancer na produção de vídeos institucionais, ministra oficinas para outros jovens e segue produzindo outros trabalhos. Ela também investe em seu trabalho como artista autoral. Em 2011, realizou a exposição “Impulsões”, por meio da qual obteve uma repercussão bastante positiva. Para ela, o maior aprendizado obtido na escola foi a construção de sua autonomia. Hoje, após ter vivido diversas experiências de trabalho no campo da arte, tecnologia e cultura, Sara reconhece a falta da formação superior e se organiza para reverter isso. Ela assume que a Oi Kabum! sempre lhe deu estímulos para que ingressasse na universidade. Sara ainda vivencia algumas questões relacionadas às inconstâncias de sua vida financeira. No entanto, pode contar com o apoio da mãe, que também aposta em sua trajetória como artista. As questões relacionadas ao dinheiro não impedem que a jovem ainda mantenha o desejo de um dia conseguir se sustentar com a sua própria produção artística: “Eu acredito muito no meu trabalho de escrita, do livro-objeto e autoral. É nele que eu invisto desde os meus nove anos de idade”.

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Sara, João, Márcia, Warley e tantos outros As trajetórias de outros jovens, que vivenciaram o

processo educativo da escola Oi Kabum! e integraram o Núcleo de Produção, serão com certeza distintas. Por isso, ao buscarmos os sentidos que os jovens atribuem à formação em arte e tecnologia será necessário tratarmos também de compreender individualmente como eles visualizam suas experiências. Mas, por outro lado, podemos encontrar interseções e aprendizados mais comuns nessas experiências. É o que estou buscando fazer neste texto. Podemos também dizer que a história de Sara é a de muitos jovens como eu. Os jovens não são apenas receptores passivos da cultura institucional e massiva. Muitos, como Sara, já possuíam um papel ativo como produtores de cultura antes de ingressar na escola Oi Kabum!. Ainda que essa realidade não ganhe muita visibilidade nos meios de comunicação, muitos jovens participam de grupos culturais e estão à frente de diversas produções, como as musicais, elementos centrais na maioria dos estilos juvenis e que vêm sendo utilizados por esses jovens como um emblema para marcar sua identidade de grupo. Mas é certo que a passagem pela Oi Kabum!, e principalmente pelo Núcleo de Produção, amplia a capacidade de articulação coletiva e fortalece e dinamiza os trabalhos artísticos dos grupos culturais juvenis. Coletivamente, os estudantes se manifestam publicamente, em produções como grafites, murais, pinturas e tatuagens, revistas, blogs, fanzines, vídeo, rádios livres, cinema, games etc. Muitos coletivos juvenis foram inclusive criados a partir dos encontros proporcionados pela convivência cotidiana dos jovens no ambiente escolar. A capacidade de colaborar, de produzir coletivamente, é uma habilidade fundamental em qualquer profissão. Foi no interior da Oi Kabum! que pude olhar para a recente revolução tecnológica como mais uma oportunidade de desenvolvimento de novos espaços de criação, imaginação e sensibilidade para os jovens. Pude também perceber como o ambiente da escola estimula diversas competências criativas para trajetórias profissionais e para a vida, não só para jovens, mas

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também para os demais profissionais que estão à frente do processo educativo. Uma educação voltada para a cultura e a arte amplia a percepção da realidade, além de desenvolver a criatividade e alargar o campo de atuação dos jovens, uma vez que a arte e a sua capacidade de reflexão não se restringem a pensar apenas em si mesmas. O estímulo ao pensamento crítico que é destacado pela Sara como um grande aprendizado e é o responsável por um posicionamento mais assertivo do jovem frente ao mercado de trabalho. Essa habilidade, aliada à criatividade, à capacidade de produzir coletivamente e de aprender, muda decisivamente a forma como os estudantes fazem suas escolhas profissionais. Também amplia a capacidade de persistirem em seus projetos profissionais, mesmo quando eles não se mostram como os caminhos mais fáceis. Esse é o terceiro resultado que destaco.

criatividade + produção coletiva + estudo contínuo

melhores escolhas e maior persistência no projeto profissional

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Mobilizando pessoas e multiplicando conhecimentos 177


Ultrapassando os muros da escola Uma escola não pode ser reduzida a uma estrutura física,

precisa ser compreendida principalmente como lugar de vida e de relações. Qualquer escola é um construto cultural que expressa e reflete, para além de sua materialidade, saberes, discursos e diversas formas de socialização. Por isso, as ações de educação do programa Oi Kabum! não estão restritas apenas aos espaços físicos das suas quatro escolas. Em sintonia com a perspectiva da formação integral, diversos territórios educativos são ativados por um conjunto de ações replicadoras de metodologias de ensino em arte e tecnologia, ultrapassando os muros das escolas Oi Kabum! e ampliando o alcance do programa. Essas Ações Multiplicadoras envolvem, principalmente, parcerias comunitárias com instituições educativas e governamentais e são concebidas visando um público que se relaciona com o universo dos jovens. As comunidades onde os jovens vivem e a escola pública são espaços privilegiados para a realização de atividades. A atuação comunitária das escolas Oi Kabum! lança um olhar diferenciado e mais positivo sobre a cidade, por exemplo, desenvolvendo ações culturais nos bairros populares. No campo da educação, o programa prioriza parcerias com as redes de ensino municipais e estaduais, promovendo, por exemplo, ações de formação continuada de educadores e o compartilhamento de metodologias e conteúdos de arte e tecnologia para estudantes das redes. O formato das Ações Multiplicadoras é flexível: cada escola Oi Kabum! organiza suas parcerias e processos levando em consideração as demandas e os contextos em que estão inseridas. Essas atividades podem ser pontuais ou de longa duração. São realizadas oficinas formativas que exploram as linguagens oferecidas no programa; cursos livres que abrangem o desenvolvimento de pesquisa, reflexão e produção nas diferentes manifestações artísticas; exposições.

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EDUCADORES + JOVENS EGRESSOS MOBILIZAM PROCESSOS, PESSOAS E MULTIPLICAM CONHECIMENTOS

ESCOLAS E COMUNIDADES IMPACTADAS

Mesmo que o alvo seja o público externo, as ações aprimoram a formação de jovens egressos do programa, uma vez que eles também participam da concepção e da execução das atividades e ganham experiência com a produção artística, midiática ou como educadores culturais.

Parcerias comunitárias por meio da arte e da tecnologia Na maioria dos casos, as parcerias comunitárias acontecem

por meio da elaboração de produtos ou atividades formativas desenvolvidas entre os jovens do programa Oi Kabum! e os grupos e coletivos existentes nas comunidades. Um dos objetivos é promover a troca de experiências entre eles, fortalecendo, por meio da arte e da comunicação, a memória, as expressões culturais e a vida comunitária. A ideia é realizar ações que possam fortalecer os grupos comunitários e sua atuação na comunidade, além de colocar o programa Oi Kabum! em diálogo com coletivos diversos. Essa iniciativa é capaz de estreitar os laços com

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PARCERIAS E AÇÕES MULTIPLICADORAS DE CONHECIMENTOS COM COMUNIDADES

TRABALHO EDUCATIVO DAS ESCOLAS OI KABUM! E NÚCLEO DE PRODUÇÃO FORTALECIDO E APRIMORADO

FORTALECIMENTO DO TRABALHO DE COLETIVOS JUVENIS E DE SUA ATUAÇÃO COMUNITÁRIA 180


diversos grupos de comunidades populares da cidade, o que acaba refletindo em outros eixos de atuação da escola Oi Kabum!, como o 1Núcleo de Produção ou as mostras e exposições organizadas pela instituição, que passam a ter uma conexão maior com o espaço comunitário.

Revertendo estereótipos e preconceitos A importância de se trabalhar nas comunidades de origem

dos estudantes vinculados às escolas Oi Kabum! pode ser percebida nas reflexões construídas por eles acerca do local onde vivem. Os jovens avançam em autoconhecimento e elaboram um pensamento crítico sobre seus diretos, suas potencialidades e valores, assim como sobre a dificuldade em acessar serviços e políticas públicas em suas comunidades de origem. Para alguns, o lugar onde vivem é motivo de vergonha. A maioria dos alunos tem consciência dos limites que se impõem no seu cotidiano, limites que muitas vezes se refletem na falta de acesso a bens e serviços, à cultura e à tecnologia, pois tais serviços estão mais presentes em espaços urbanos que a juventude das camadas populares não acessa. Para os jovens e outros públicos envolvidos nas parcerias com as escolas Oi Kabum!, a comunidade passa a ser motivo de reconhecimento de sua identidade e de sua memória. Quando investigam a história de seus bairros, os jovens têm a oportunidade de conhecer os fatores que causaram a exclusão ou a marginalidade de determinada localidade e acessam também memórias positivas do lugar. Isso reforça o sentimento de pertencimento e fortalece o desejo de mobilizar-se para atuar em prol daquela população. Por meio das parcerias comunitárias, o estudante volta à sua comunidade exercendo um novo papel. Ele se

Jovens envolvidos em parcerias comunitárias com as escolas Oi Kabum! Aprendem sobre seus direitos e sobre os fatores que causam exclusão de determinadas comunidades populares e, consequentemente, de seus moradores. Reconhecem o valor da sua comunidade, preservam sua memória e atuam em prol da sua população. Exercem um novo papel social em sua comunidade: disseminam ações propositivas, capazes de impulsionar mudanças, revertendo estereótipos e preconceitos.

1 Núcleo de Produção é uma etapa formativa do programa Oi Kabum!, direcionada aos jovens que já cumpriram a etapa de formação básica e que queiram aprofundar seus conhecimentos técnicos em arte e tecnologia, desenvolver o empreendedorismo juvenil e experimentar atividades profissionais na área da cultura. Mais sobre Núcleo de Produção na página xx

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articula em torno da defesa de seus direitos e, muitas vezes, redescobre o seu local de origem, fortalece a autoestima, valorizando-se até mesmo em relação ao mercado de trabalho, pois o olhar crítico sobre as concepções em torno da representação dos moradores das comunidades populares ajuda os estudantes a reverter estereótipos e preconceitos.

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De que lugar você fala? 2 Esse lugar tem voz? Michela Albuquerque Coordenadora da escola Oi Kabum! Recife

A Parceria da Gente é um convite público da escola

Oi Kabum! Recife a grupos e coletivos de comunidades da cidade e região metropolitana para a elaboração de projetos ou atividades formativas nas áreas de fotografia, design gráfico e audiovisual. Realizar e falar da Parceria da Gente é, para nós, a tentativa de trazer para o primeiro plano “um lugar” e a sua voz: os espaços populares e as suas falas. É dizer desse espaço singular o que lhe caracteriza também como plural e múltiplo. Não cabe no espaço de um texto o alcance de todos os significados dessa iniciativa, seus sentidos e desdobramentos simbólicos, éticos e políticos. Isso exigiria agregar percepções que são bastante particulares a cada um(a) que dela participou diretamente, a cada um(a) que dela acessou a produção final. Com isso, o texto também partilha o que nele é ausência. Entre 2009 e 2015, foram realizados três editais públicos e seis projetos de coletivos apoiados com aporte financeiro do Instituto Oi Futuro. Os projetos selecionados, quando finalizados, ganham capilaridade por meio de sua circulação em minimostras, intervenções urbanas, exibições audiovisuais públicas. Dessa forma, a Parceria colabora na visibilidade das trajetórias, histórias e modos de fazer arte e cultura dos grupos. Também tem impacto na ampliação do acesso a recursos e saberes que necessitam ser arregimentados para realização dos projetos. Fortalece ainda as dimensões técnica, humana e política de jovens vinculados ou egressos da Oi Kabum! Recife, estimulandoos à atuação coletiva, comunitária e autoral. São os(as) jovens, em diálogo, criação e construção partilhada com integrantes dos grupos comunitários, que desenvolvem as produções. Com o apoio de educadores, respondem pelas diversas etapas que compõem o trabalho: facilitação das oficinas, apoio às questões técnicas relativas às linguagens e circulação da produção, numa experiência rica em troca de conhecimentos e saberes, fortalecedora e transformadora de todos os envolvidos.

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Passo a passo da Parceria da Gente Chamada pública para inscrição de projetos de grupos comunitários do Recife e região metropolitana. Oficina de economia criativa e elaboração de projetos. A proposta agrega como principais conteúdos a elaboração de projetos (ideia, escrita, orçamento etc.); economia criativa; editais; alternativas de financiamento; redes e espaços de troca, compartilhamento e circulação da produção dos grupos como forma/meio de visibilizar as suas ações. 14 coletivos, do Recife e região metropolitana, participaram da Oficina entre os meses de outubro e novembro de 2014. Em 40 horas de atividades na Escola Oi Kabum! Recife e oito horas de pesquisa e atividades realizadas nas rotinas pessoais de cada participante, os mesmos foram estimulados(as) à criação textual, leitura, debates, acesso a produções artísticas e culturais de outros grupos e artistas. Concepção, metodologia e atividades da Oficina da Parceria da Gente foram motivadas pelas palavras força,trocar; ampliar; gerar; dinamizar; articular e criar. Inscrição. Seleção dos projetos. Desenvolvimento dos projetos com apoio financeiro, técnico e pedagógico da escola Oi Kabum! Recife. Lançamento e circulação das produções.


Mas da Parceria da Gente é necessário dizer além do que intenta e contar como surgiu e o que a gerou. São diversas as imagens que nos saltam à memória ao resgatar, no tempo transcorrido, a Parceria. Lembrança de reuniões pedagógicas intensas. Por vezes, também tensas, porque tensões também são capazes de gerar beleza e positividades. Memória das nossas “rodas de diálogo” com a equipe, com os(as) jovens, em círculo - imagem que ativa tantos significados! Memória das idas à Brasília Teimosa e à Ilha de Deus3. Memória do cheiro de mar e do mar em variada escala de cinzas, verdes, azuis. Lembramos do Coque. Lembramos do Totó, da vizinha comunidade Tejipió e da inevitável (um dia será evitável?) frase associada às duas: mas é muito longe! E perguntamos: longe de quê? Longe de quem? Qual o referencial para o perto-longe que construímos? Que concepção é esta que trazemos conosco que define a cidade a partir da noção centro-margem? Questões como essa nos inquietavam e permanecem inquietando aula a aula, trabalho a trabalho. O que as comunidades populares representam, afinal, para nós? E nos vem, clara, a imagem de Chão de Estrelas, que nos reaviva a memória do surgimento da ONG Auçuba, no final da década de 80, nesse pedaço de chão comunitário. Lembramos ainda que mencionar, ver, ler essas falas sobre as comunidades de origem dos(as) jovens no cotidiano da escola nos impulsionava a algo. Sugeria movimento. Era preciso ampliar o alcance do trabalho da Oi Kabum! também nos territórios dos jovens. A Parceria da Gente surge desses incômodos e perguntas. Surge da escuta. Do ato de ouvir o(a) jovem dizer: Coelhos, Coque, Ibura, Iputinga, Alto Santa Terezinha, Bomba do Hemetério, Alto do Pascoal4. Com a Parceria da Gente, a escola Oi Kabum! Recife toma a comunidade não como algo que confina e aparta os(as) jovens do todo da cidade, mas como essência da cidade. Como espaços de possibilidades, não de ausências.

Lá, em 2009, na gênese da Parceria da Gente, o que me tocava: reuniões com muita gente, coletivos reunidos e, como placas tectônicas de um mesmo chão, ora estavam em harmonia, ora não. Movíamos-nos guiados por um mesmo objetivo, sempre em processo de (re)construção. Mas essa pode ser uma imagem: não éramos monolíticos, embora buscássemos entoar uma mesma canção. E elas vieram: um documentário e uma animação. “Cores da Rua” e “.Zip”. Nesta, encerrávamos com uma pipa tremulando no meio de um tsunami de prédios. Premonição? Não. A gente bem sabia o que queria dizer, porque auscultávamos bem nossa cidade, ali condensada em um coletivo de diversos, de agentes compenetrados(as), bravos(as), filhos e filhas de um mesmo esquecimento. Na Parceria da Gente dissemos não a qualquer possibilidade de apagão. Na terceira edição, como educador da Oficina de Elaboração de Projetos para Coletivos de Base Comunitária, posso dizer, sem sombra de dúvida, que o exercício dessa oficina tocou tão forte aqui porque fazia tempo que, como educador, estava desacreditado de mim. E foi das mais lindas experiências vividas no campo da educação, nesses quase vinte anos lutando como educador popular. De novo, a Parceria da Gente fez tremer o meu chão. Era isso, não? Parceria da Gente. De gente. Pra gente. E bem que ouvimos Paulo Freire falar: gente mais gente. Marconi Bispo: educador Social, ator, foi coordenador executivo do Núcleo de Produção da escola Oi kabum! Recife entre 2009 e 2012. 2 Texto produzido a partir de reflexões da equipe e dos(as) jovens da Oi Kabum! Recife, extraídas de avaliações, reuniões pedagógicas e formações. Também foi utilizado o registro de projetos voltados à juventude popular urbana realizados pela ONG Auçuba Comunicação e Educação – sobretudo

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Como espaços nos quais há muito mais que a dicotomia premente que insiste em colocá-la como problema ou como lugar idílico: um lugar onde a pobreza e a felicidade convivem em harmonia. Para desenvolver a iniciativa foi necessário, portanto, rever criticamente concepções e naturalizações, para chegarmos à perspectiva dos direitos - compreendendo de maneira mais profunda que “a discussão sobre direito à cidade é uma base fundamental das comunidades populares. Suas terras e seus espaços coletivos; sua cultura, suas organicidades e sua estética; suas relações sociais, suas articulações e acordos sociais são direitos legítimos.” 5 E para efetiva compreensão de quais direitos são negados, bem como os mecanismos acionados para perpetuar negações, foi preciso fazer deslocamentos de ordem simbólica, política e mesmo física. E estes nos apontaram a necessidade de repensar a cidade tal como a vemos erigida: sustentada por barreiras visíveis e invisíveis. Para isso, no cotidiano da escola, no pensamento do seu currículo e em defesa de uma educação emancipatória, buscamos com diversas iniciativas, mas também com a Parceria da Gente, contribuir para “devolver” às comunidades o seu estatuto de lugar concreto, ou seja: espaços de relações, com um tempo, uma história, com vozes, com papéis. É preciso reconhecer as favelas e periferias como “territórios de re-fundação da esfera pública da cidade. Isso significa fazer do que se considera o avesso das promessas civilizatórias da urbanização uma possibilidade de recomeço da cidade como pólis. Como referências múltiplas e concretas do viver na metrópole, as favelas e as periferias reclamam a fundação de outro campo para a democracia e para a cidadania. As favelas e periferias urbanas são expressões contundentes do estar sendo das desigualdades que marcam a sociedade brasileira, em especial nas grandes e médias cidades brasileiras. É nesse plano que as favelas precisam ser destacadas, pois são territórios que colocam em questão o sentido da reprodução socioespacial da sociedade em que vivemos.” (Barbosa, 2013, pg 03) Por isso, no nosso percurso pedagógico, antes de chegarmos à Parceria da Gente, trilhamos um caminho reflexivo sobre as questões socioespaciais, sobre a política de territórios em suas diferentes dimensionalidades. Propusemo-nos o desafio de buscar elementos sobre uma

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o projeto Escola de Vídeo, nas experiências de produção de comunicação comunitária com as Oficinas de Vídeo, com o Núcleo de Produção e o Núcleo de Comunicação Comunitária, além de ideias dos pensadores Paulo Freire, Boaventura de Souza Santos, Milton Santos e Mikhail Bakhtin. 3 Ilha de Deus, Coque e Tejipió são comunidades da cidade do Recife. 4 Comunidades da cidade do Recife. 5 Citação extraída do projeto político pedagógico da escola Oi Kabum! Recife.

Ser parceiro tem uma série de significados, mas, acima de tudo, exige responsabilidade. Conviver com a escola Oi Kabum! foi como ter encontrado uma amizade ancestral, pois nossos valores se coadunam. Acreditamos no poder enorme da juventude, quando bem orientada. Encontramos nessa Instituição mais do que um parceiro para atingir um objetivo em comum, mas irmandade, companheirismo e, acima de tudo, algo que se integra com a nossa ideologia: seriedade e serenidade. O grupo de capoeira Herança de Angola se sente felizardo por ter sido contemplado com a seleção do edital Parceria da Gente, entretanto, está imensamente gratificado com os princípios e valores adotados pela Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia Recife. Parabéns pelos anos de existência e de muita luta, fortalecendo a resistência dos coletivos que acreditam na transformação da sociedade através da arte! Axé!


história da cidade que afirma ou nega direitos à população a partir do seu lugar de origem. E trouxemos, para a formação dos jovens participantes do projeto, provocações que levassem a um olhar crítico em torno dessas diferenças. E nos perguntamos: como podemos impulsionar uma ação desses jovens a partir do que é vivenciado na Oi Kabum!? Buscando respostas a essa questão passamos a afirmar uma educação nesse campo (arte, comunicação, arte e tecnologia, entre outros), como um direito - não somente daqueles vinculados a Oi Kabum! -, mas também de outros jovens, pois é, antes de tudo, um direito à expressão: de si, do seu discurso artístico, político, da sua realidade. Poderia ser diferente? Talvez sim. Mas com as possibilidades de transformação no horizonte – e no(a) jovem como sujeito ativo dela - foi em uma roda, na condição de horizontalidade que estar em círculo sugere, buscando as respostas para seguirmos falando da nossa crença nas comunidades, nos seus moradores e moradoras, nos grupos e coletivos que se afirmam cotidianamente na produção cultural, artística, de comunicação, de educação e em outras tantas frentes que pensamos na Parceria da Gente! Logo, quando organizamos os editais da Parceria, na verdade estamos, como escola, apenas formalizando e potencializando um elo que já existia. As comunidades e seus coletivos já se faziam presentes, já eram uma realidade, uma potência nascida e trazida pelos(as) jovens que participavam de cada turma da Oi Kabum! Recife. Não se trata, portanto, de um insight, de ideia nova. Trata-se de se ver, se perceber, se reconhecer sendo educador(a)! Pela possibilidade de pensarfazer algo alimentado pela escuta sensível. A concretização de produções artísticas e comunitárias por meio da Parceria da Gente deve ser reconhecida e se reconhecer também como um desdobramento da relação educador(a) – educando(a), tal como a preconiza a educação popular em seu sentido extremamente desafiador: “Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; ensinar exige reflexão crítica sobre a prática; ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.” (FREIRE, 1996, p. 45). E isso não é fácil. E isso não está dado. Os modos de acolher e de trazer efetivamente para a prática o rico repertório cultural e simbólico dos(as) jovens, suas reivindicações de conhecimento e reconhecimento, precisam

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ser constantemente aprendidos. E não foi assim que nós, educadores e educadoras aprendemos. Essa é a riqueza. Esta é a inovação: para conseguir fazer da escuta sensível do(a) educando(a) algo transformador da nossa prática, necessitamos, como educadores, nos ver e nos reconhecer como sujeitos aprendizes. Ainda é um arrojo fazer desses princípios, prática, fazer dessa conceituação, experiência. Essa é uma força da escola Oi Kabum! Recife e da iniciativa Parceria da Gente. As Parcerias são singulares, são reinventadas a cada edital, pois os grupos populares materializam nas suas vivências, nas produções artísticas e nas trocas com a Oi Kabum! as suas lutas diárias e históricas, suas percepções e formas de atuação, sua força criativa. E isso nos provoca. Revela nossas contradições, nossas fragilidades, por vezes, mas também nosso potencial, nossas forças existentes e aquelas que podemos ainda vir a arregimentar. Porque a Pareceria da Gente é, antes de tudo, fruto da clareza sobre direitos negados e sobre exclusão. E é fruto de um pensamento/reflexão sobre possibilidades de atuação calcadas no fazer juntos. Muito, portanto, está em jogo. No jogo ético-responsivo de reconhecer que há espaços invisibilizados, pois “as grandes cidades brasileiras possuem uma orientação política para se tornarem cidades globais – espaços voltados ao fortalecimento da iniciativa privada. Elas convergem suas políticas públicas de “desenvolvimento” na analogia de shoppings gigantes para escritórios, indústrias e serviço. Ele (o espaço público) se torna cada vez mais vazio, limpo (com toda a carga de discriminação que esse conceito signifique) e eficiente para os negócios e a velocidade acelerada do dia a dia. O cenário se torna uma perspectiva de exclusividade para as classes médias e mais ricas, pois são elas que possuem condições de transitar em espaços segregados por ingresso financeiro. No Brasil, o fato da segregação, a partir do ingresso financeiro, está profundamente ligado à raça e à etnia (ao racismo).6” Como para nós, reconhecimentos quase sempre partem de questionamentos, trazemos as seguintes questões: qual o papel da educação e de uma escola como a Oi Kabum! diante das invisibilidades? Que portas podem ser forçadas e abertas a partir da expressão pela arte e pela comunicação? Que forças podemos arregimentar para promover o reconhecimento de que “as comunidades populares devem assumir um papel principal de formulação de propostas, e

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Pra mim foi de extremo aprendizado. Nós da primeira turma do Núcleo de Produção demos vida à ideia proposta pela escola Oi Kabum! Recife, o chamado “Edital da Gente”. Criamos, junto ao coletivo Cores do Amanhã, o documentário Cores da Rua, premiado no Festival de Vídeo de Pernambuco no ano de 2010. Nesse processo, o mais importante foi acreditar que a Oi Kabum! pode sim estar e ser a comunidade. César Santos / Primeira Turma Oi Kabum! Recife – Núcleo de Vídeo

6 Citação de Hugo de Lima, educador Palavra e Web, extraída do documento norteador de seleção da turma V da escola OI Kabum! Recife.

Conheça os vídeos dos projetos em parceria com os coletivos .Zip - Parceria da Gente

Cores do Amanhã Parceria da Gente

História de uma Rosa - Parceria da Gente


não de coadjuvantes ou de meros objetos de ações”, como nos lembra Jorge Luis Barbosa. A Parceria da Gente tem proporcionado isto: construir junto com os(as) jovens visibilidades, apresentando, pelo viés das linguagens, as histórias, os desafios, as conquistas e o olhar dos coletivos parceiros (seus discursos) sobre eles mesmos, suas práticas e construções. E tem proporcionado ampliar aprendizagens e uma formação, que, no âmbito do programa Oi Kabum!, quer se fortalecer a partir do diálogo com a cidade, com a diversidade das juventudes que a habitam, a refletem, problematizam e a constroem por meio da arte e da participação política.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBOSA, Jorge Luis. Cidade e Território: desafios da reinvenção política do espaço público 2013. Disponível em http://goo.gl/ mspzYL FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Editora Ática, 1996.

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Um programa que vai ao encontro da escola pública Vivemos um tempo histórico de profundas mudanças e a educação de forma geral nem sempre consegue acompanhar o que é, simultaneamente, um momento de desafio e oportunidade. Em um mundo onde toda informação parece estar disponível online, os educadores têm vivenciado o desafio cotidiano de se reinventar. Muitos continuam reproduzindo um modelo de ensino que não tem dado conta das necessidades de formação da nova geração. O programa Oi Kabum! promove oficinas e cursos buscando intercambiar metodologias de ensino com escolas púbicas. São desenvolvidas atividades que envolvem gestores, educadores e estudantes da rede pública de ensino em experiências coletivas e colaborativas de criação, possibilitando a abertura de novos caminhos e a invenção de novas formas de trocas e atuação dentro das instituições. As ações em geral envolvem formação de educadores, mas também de estudantes das escolas públicas e estão interligadas às linguagens artísticas. Os processos formativos aplicam as metodologias desenvolvidas pelas escolas Oi Kabum! e fomentam a pesquisa e a experimentação artística. As ações multiplicadoras também promovem o acesso à produção artística ao uso crítico da mídia no espaço escolar. As experiências que abraçam esse desafio de ir ao encontro das instituições públicas de ensino e buscam principalmente retomar o sentido da produção do conhecimento e, acima de tudo, alinhá-lo aos princípios da formação integral que orientam o programa. É recente a busca de métodos de ensino-aprendizagem que levem em consideração os sujeitos envolvidos a partir das múltiplas dimensões que os constituem (histórica, econômica, social, afetiva, física, cultural). Assim, as iniciativas desenvolvidas em parceria com as escolas públicas apostam no fomento a uma pedagogia que valoriza o trabalho coletivo e colaborativo, que incentiva os estudantes a intervir de modo consistente nas mais diversas arenas públicas de debate. A meta

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é incentivar uma educação orientada à promoção da autonomia dos sujeitos, desenvolvendo processos que levem educadores e estudantes a fazerem suas escolhas de forma crítica, instigando a ensinar e produzir novos sentidos e novas ações, construindo na experiência com “o outro”, seus próprios conhecimentos.

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Imagine-se promovendo uma escola pública melhor Luciana Perpétuo de Oliveira Educadora da escola Oi Kabum! Rio de Janeiro

Oi Kabum! Imagine-se - Laboratórios de Arte e Tecnologia na Escola é um convite à imaginação. É uma Ação Multiplicadora que abre a possibilidade de invenção de novas formas de atuação dentro da escola pública, a partir do diálogo, vivências e compartilhamento de experiências em arte e tecnologia. A iniciativa foi idealizada para atender a uma demanda surgida no contato entre escolas públicas e a Oi Kabum! Rio nos períodos de divulgação de seus processos seletivos. Nesses encontros, os educadores e gestores demonstravam interesse em vivenciar cursos similares. Perguntavam: “Quando vai ter um curso assim para a gente?”. O Oi Kabum! Imagine-se promove Laboratórios de Arte e Tecnologia na Escola. Acredita que a escola é o espaço para imaginar, criar e realizar sonhos. Educadores e gestores são estimulados em seu potencial criativo tanto quanto os estudantes. Toda a comunidade escolar pode ser inspirada a compartilhar valores e experiências em torno da ideia da formação humana plena, integral. E a arte é um poderoso veículo para que isso aconteça. Trata-se de uma proposta integrada, que busca misturar aprendizados de diferentes atores: professores, gestores e alunos conectados com jovens egressos e educadores da Oi Kabum!. Todos juntos, movendo-se e envolvendo-se sob a inspiração da arte e o apoio dos instrumentos tecnológicos para desenvolver novas ideias em experiências lúdicas e realizadoras. Os professores se reconectam com as motivações pessoais que os levaram a escolher a profissão. Essa sensibilização é uma oportunidade para resgatarem o prazer envolvido nas relações de ensino-aprendizagem. Um território ao mesmo tempo afetivo e intelectual, lúdico e relacional: próprio, portanto, da natureza humana.

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O que me marcou foi poder desenvolver uma nova forma de visualizar o processo educativo. Propostas audiovisuais podem fazer a diferença para o aprendizado. O curso me abriu um leque inesperado de criatividades, de cores e saberes. Minha visão estava um pouco turva e tudo que aprendi serviu para retirar-me desta embaçada perspectiva, na qual eu estava inserida. Marcia Helena Magalhães, professora de Química no Colégio Estadual André Maurois, Gávea

Foi maravilhoso! Saí dali com mais vontade de criar, com mais vontade de surpreender meus alunos, tal como fui surpreendida. Marcelly Brandão, professora da rede de ensino do Rio de Janeiro

Mais sobre o Oi Kabum Imagine-se


Entre as crianças, viver é aprender: da curiosidade nascem a descoberta e o compartilhamento de conhecimentos, sem necessidade de fronteiras entre a brincadeira, a criação, a diversão e a compreensão. O modelo de escola historicamente perpetuado em nossa sociedade é, em grande medida, um limitador da criatividade e da experimentação. Enquanto ele envelhece, a sociedade não para de renovar suas formas de criar, interagir e aprender. Os jovens precisam ser mobilizados para construir conhecimento a partir da interação. As escolas enfrentam hoje o desafio de identificar o sentido de sua existência e, a partir disso, promover mudanças em conexão com os seus alunos. É nesse aspecto que o Oi Kabum! Imagine-se busca atuar. Os gestores, professores e estudantes das escolas públicas em parceria com jovens egressos da Oi Kabum!, refletem sobre as potencialidades da arte e da tecnologia na educação, experimentam técnicas artísticas e as aplicam em planos de aula das suas disciplinas. Mais do que possibilitar novas abordagens para os conteúdos curriculares, essa Ação Multiplicadora da Oi Kabum! Rio é um convite à criação de novos significados e sentidos para a escola pública na contemporaneidade. Ao aproximar os processos educativos da experimentação artística colaborativa, o Oi Kabum! Imagina-se gera condições de integrar a comunidade escolar em experiências que desenvolvem habilidades reflexivas, de planejamento e até mesmo de gestão de conflitos cotidianos. A arte faz da escola um lugar mais aberto às inovações, mais afeito ao convívio e ao compartilhamento de experiências e com seus sujeitos mais capazes compreender as diferenças.

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Três eixos de atuação que se conectam

Educador e gestor, Imagine-se: São realizadas oficinas de formação que proporcionam ambientes acolhedores, afetivos e prazerosos para que educadores e gestores se sintam confiantes e renovem seu desejo de estar e experimentar na sua escola. Parte-se da busca do que mobiliza cada um em sua prática educativa. Essa autoidentificação inicial é que norteará o percurso de cada participante do processo formativo. Os encontros abrem, então, possibilidades do uso das linguagens como design, fotografia, vídeo e animação. Também são utilizados softwares livres e ambientes virtuais, celulares e redes sociais. O objetivo é fazer com que os participantes criem novas práticas educativas usando arte e tecnologia, e as incorporem ao planejamento anual de suas aulas. Quizenalmente, educadores e gestores são acompanhados, em seu ambiente escolar, pelos jovens monitores da Oi Kabum!, que apoiam o planejamento e o desenvolvimento de suas atividades. O uso das redes sociais virtuais é fundamental para a comunicação, troca de informações e conexão entre os participantes e seus alunos, resultando no aprendizado de como podem se apropriar desses recursos e ocupar esses espaços também em suas experiências educativas.

Estudante, Imagine-se: Alguns estudantes das escolas envolvidas com o Oi Kabum! Imagine-se são indicados pelos educadores ou gestores para integrar o projeto. Eles participam de processos formativos na Oi Kabum! nas áreas de vídeo, fotografia, design gráfico e animação. Com isso, podem oferecer suporte técnico na sua escola e apoiar a execução dos planos de aula.

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Monitor, Imagine-se: Jovens egressos da Oi Kabum! Rio participam de uma formação complementar e atuam como monitores nas escolas, dando apoio aos participantes na realização de suas produções artísticas e seus planos de aula. Cada monitor apoia duas escolas. Os monitores acompanham e o trabalho das escolas em visitas quinzenais e por meio de um ambiente virtual.

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Oi Futuro Diretoria Executiva

Marco Schroeder José Luiz Hallak

Presidência

José Augusto da Gama F igueira

Vice-Presidência

Roberto Terziani

Administrativo, Financeiro, Planejamento e Desempenho

Sara Crosman

Cultura

Roberto Guimarães

Educação

Fabio Campos

LIVRO OI KABUM! Organizadoras Juliana Leonel Fernanda Pedrosa Edição

Juliana Leonel Fernanda Pedrosa Maria Fernanda Todeschini Deborah Piller Julio Horta Fabio Campos Karla Damiani Stéphanie Bollmann Regiane Lucas Garcês

Revisão

Renata Magdaleno Sandra Loureiro

Design Gráfico

Sustentabilidade

PhilipeCamarão

Equipe Educação

Conselho Gráfico Bernardo Alevato Gil Maciel Binho Barreto

Flavia Vianna

Deborah Piller Fernanda Pedrosa Fernanda Sarmento Julio Horta Livia Camello Maria Fernanda Todeschini Mariana Christovam

Estagiárias

Katiane Vaz Luiza Benevides Taísa Darwim

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Fotos

Acervo Oi Kabum!


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